Você está na página 1de 18

3.2.4.

Materiais

III - Cláusulas pétreas expressas.

d) Os direitos e garantias individuais

O texto da Constituição não faz referência a todos os direitos e garantias fundamentais.


Ele se refere- apenas aos direitos e garantias individuais. O Título II da Constituição
Federal trata os direitos fundamentais como um gênero, no qual se encontram os
direitos individuais, os coletivos, os sociais, os de nacionalidade e os políticos.

Caso realizássemos uma interpretação literal do texto da Constituição, concluiríamos


que não são todos os direitos e garantias fundamentais que devem ser considerados
cláusulas pétreas. Em outras palavras, somente os direitos individuais é que deveriam
ser considerados dessa espécie.

Questão n. 1: e os direitos coletivos que estão na CF, art. 5º? Eles não são cláusulas
pétreas como, por exemplo, a liberdade de associação ou de reunião? Ambas são
liberdades individuais, mas só podem ser realizadas por mais de uma pessoa. Portanto,
são direitos individuais de expressão coletiva. Assim, os direitos que a Constituição
denomina de “coletivos” também devem ser considerados cláusulas pétreas.

Já os direitos sociais, de nacionalidade e os políticos não seriam cláusulas pétreas


expressas, a partir de uma interpretação literal - isso não significa que eles não possam
ser considerados cláusulas pétreas implícitas. No entanto, se compreendermos que
esses direitos são cláusulas pétreas implícitas será necessário justificar esta opção. O
ônus argumentativo muda. Não serão todos eles considerados cláusulas pétreas
implícitas.
Em síntese, o fato de se fazer uma interpretação literal da CF, art. 60, § 4º, IV não
significa que outros direitos e garantias fundamentais não possam ser considerados
cláusulas pétreas. Eles podem, mas serão considerados cláusulas pétreas implícitas e
cada um deles deverá ser justificado.

Observações:

 Existem na doutrina alguns autores - como Ingo Sarlet - que sustentam que todos
os direitos fundamentais seriam cláusulas pétreas expressas (e não implícitas). Segundo
os autores: a) o legislador constituinte apenas não foi rigoroso ao utilizar a nomenclatura
“individuais” (CF, art. 60, § 4º, IV); b) não existe na Constituição qualquer diferença de
regime ou de tratamento entre os direitos individuais e as demais espécies de direitos
fundamentais, pois todos eles são tratados da mesma forma pela Constituição (CF, art. 5º,
§§ 1º e 2º). Efetivamente, como se vê, de acordo com o § 1º do art. 5º, “as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais (não apenas dos individuais) têm
aplicação imediata”; e ainda, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Ainda,
Bonavides e Rodrigo Brandão (da UERJ), defendem que os direitos sociais também estão
abarcados pelo conceito de cláusulas pétreas.

 Questão n. 2: o legislador derivado poderia acrescentar ao rol da CF, art. 60, § 4º


uma quinta cláusula pétrea? O entendimento dominante na doutrina é o de que não
pode o legislador constituinte derivado (Poder Reformador) ampliá-lo, sob o fundamento
de que, por uma questão lógica, um Poder não poderia se impor limites que ele mesmo
não poderia afastar. Em outras palavras, os limites inafastáveis só poderiam ser impostos
por um Poder superior (Poder Constituinte Originário).
 Nada impede que o rol de direitos e garantias individuais previstos na
Constituição seja ampliado – exemplos: a) consagração de um tratado internacional de
direitos humanos; e b) reforma – exemplo: a EC n. 45 acrescentou o princípio da razoável
duração do processo. Portanto, o que não pode haver é a restrição do núcleo essencial
dos direitos.
 No caso de direitos e garantias individuais, uma vez ampliado o rol, não poderia,
em razão do que dispõe a CF, art. 60, § 4º, aquele direito ou aquela garantia ser retirado
da Constituição. Outro argumento seria o princípio da vedação de retrocesso.
 Os direitos e garantias individuais, embora estejam sistematicamente elencados
na CF, art. 5º, não se restringem a ele. Existem outros espalhados ao longo do texto
constitucional – exemplos: CF, art. 16 (princípio da anterioridade eleitoral) e CF, art. 150
(princípio da anterioridade tributária). Novelino os considera cláusulas pétreas expressas.

III Cláusulas pétreas implícitas.

Não há divergências na doutrina quanto à possibilidade de determinadas cláusulas


pétreas serem consideradas dessa forma, mesmo não estando previstas na CF, art. 60, §
4º. A doutrina costuma citar as seguintes cláusulas pétreas implícitas:

1ª - Limitações (CF, art. 60): as limitações são impostas ao Poder Constituinte Derivado e
este não poderia afastá-las, pois foram determinadas por um poder superior (Poder
Constituinte Originário).

Observação n. 1: a dupla reforma, dupla revisão ou reforma em dois tempos não é


admitida pela grande maioria da doutrina brasileira. Na dupla reforma, em um primeiro
momento, afasta-se uma limitação ao Poder Reformador para depois alterar o conteúdo
da Constituição.

Exemplo: a pena de morte é vedada pela CF, art. 5º, XLVII, “a”. Caso o constituinte
derivado desejasse consagrar a pena de morte para crimes hediondos, ele não pode
elaborar uma emenda, pois ela seria incompatível com a cláusula pétrea. Questiona-se:
o constituinte poderia revogar o art. 60, § 4º, IV? Caso positivo, os direitos e garantais
individuais deixariam de serem cláusulas pétreas e, por conseguinte, a pena de morte
também deixaria de sê-la e poder-se-ia consagrar a pena de morte para crimes
hediondos.

Exemplo: Lula queria reforma política, a qual entendeu ser de difícil aprovação. Por isso
propôs uma tal de “mini reforma”, na qual se tentava veicular uma dupla revisão; haveria
a redução do quorum de 2/3 por maioria absoluta. Posteriormente, ocorreria a votação
da reforma política.

2ª - Titularidade do Poder Constituinte: a titularidade do Poder Constituinte (Originário


ou Derivado) não pode ser objeto de modificação - ela sempre pertence ao povo.

3ª – Sistema presidencialista e forma republicana: não há na doutrina um consenso a


respeito sobre elas. Nem há posicionamento majoritário sobre o tema, mas há três
posicionamentos a respeito:

 Minoritário: como eles não estão expressamente previstos como cláusulas


pétreas, não podem ser considerados dessa espécie.
 Ivo Dantas: o sistema presidencialista e a forma republicana só não foram
consagrados como cláusulas pétreas expressas porque o próprio legislador constituinte
originário trouxe a previsão de um plebiscito em 7 de setembro de 1993 - é como se o
Poder Constituinte Originário tivesse conferido ao povo, naquele momento, a legitimidade
para decidir se queria ou não alterar tais cláusulas pétreas. A partir do momento em que
houve uma decisão popular (plebiscito), o sistema de governo e a forma de governo se
tornaram imutáveis (pétreos).
 É possível alterar o sistema presidencialista e a forma republicana, desde que haja
um novo plebiscito. Em outras palavras, eles não são cláusulas pétreas, mas não podem
ser simplesmente modificados por reforma diante da existência de uma consulta popular,
na qual o povo decidiu pela manutenção do sistema e pela forma de governo.

A Constituição
1. Fundamento da constituição (concepções)
1.1. Sociológica (Ferdinand Lassalle)

I – Ferdinand Lassalle (Prússia, 1862).

Ferdinand Lassalle fazia uma distinção entre dois tipos de Constituição: Constituição
escrita (jurídica) e Constituição real (efetiva). A primeira é o documento que conhecido
por todos; a segunda são os fatores reais de poder que regem uma determinada nação,
ou seja, o conjunto de forças atuantes na conservação das instituições políticas.

Segundo o autor, se a Constituição escrita não corresponder à Constituição real não


passará de uma “folha de papel”, isto é, não possuirá importância alguma. Ademais,
sempre que ocorrer um conflito entre elas, prevalecerá a Constituição real.

II - Na visão do autor, os problemas constitucionais são questões de poder (e não de


direito). Portanto, a realidade prevalece sobre o que está escrito no texto constitucional.

1.2. Concepção política

I – Carl Schmitt (Alemanha, 1928).

II – Na visão de Carl Schmitt, o fundamento da Constituição é a “vontade política” que a


antecede.
III – Para a compreensão da “vontade política” é importante distinguir “Constituição” e
“leis constitucionais”. Segundo o autor, Constituição propriamente dita é apenas aquilo
que decorre de uma decisão política fundamental – decorrências: direitos fundamentais,
estrutura do Estado e organização dos Poderes (normas materialmente constitucionais);
todo o restante que está no texto constitucional, mas que não decorre de uma decisão
política fundamental, seria apenas leis constitucionais, as quais correspondem às normas
formalmente constitucionais. Em suma, a diferença entre as normas materialmente
constitucionais e formalmente constitucionais é o conteúdo.

1.3. Concepção jurídica

I – Hans Kelsen (Áustria, 1925).

II – Na visão do autor, o jurista não precisa se socorrer da sociologia (Ferdinand Lassalle)


ou da política (Carl Schmitt) para buscar o fundamento da Constituição, pois ele
(fundamento) está no próprio Direito. Segundo Kelsen, a Constituição é um conjunto de
normas (dever-ser). É uma norma pura, puro dever ser.

III – Kelsen distingue dois tipos de Constituição:

 Sentido lógico-jurídico: corresponde à norma fundamental hipotética (“todos


devem obedecer a Constituição”):

 “Fundamental”: fundamento da Constituição.

 “Hipotética”: não está positivada em nenhum documento (norma


pressuposta, com base no convívio social).

 Sentido jurídico-positivo: corresponde ao texto constitucional (conjunto de


normas que regulam o modo de produção de outras normas).

1.4. Concepção normativa

I – Konrad Hesse (Freiburg, 1959).

II – A obra “A Força Normativa da Constituição” é dirigida expressamente a combater a


obra de Ferdinand Lassalle. Portanto, o intuito de Konrad Hesse é rebater a concepção
sociológica no sentido de que se a Constituição tiver o simples papel de descrever o
que acontece na realidade, o Direito desempenharia uma função indigna de qualquer
ciência. Segundo o autor, o Direito não diz aquilo que é, mas aquilo que deve ser.

III - De acordo com o autor, embora às vezes a Constituição escrita sucumba à realidade,
como afirma Lassalle, outras a Constituição tem uma força normativa capaz de conformar
a realidade. A partir dessa ideia, Hesse diz que há um condicionamento recíproco entre a
realidade e a Constituição.
Para que ocorra o condicionamento da realidade pela Constituição é necessário que haja
uma “vontade de constituição”: aqueles que estão no poder devem não apenas ter uma
vontade poder, mas também uma vontade de constituição. Quando há a vontade de
constituição a Constituição é capaz de impor tarefas, transformando-se em uma força
ativa suficiente para modificar a realidade existente.

1.5. Concepção culturalista

I – Na visão de Meirelles Teixeira, todas as concepções acima não seriam concepções


antagônicas ou excludentes, mas complementares. Portanto, a Constituição teria um
fundamento sociológico, político, jurídico e normativo. Todos esses aspectos fazem parte
da Constituição, pois ela resulta de um processo cultural.

II – Segundo Meirelles Teixeira, a Constituição seria o “conjunto de normas fundamentais


condicionadas pela cultura total, e ao mesmo tempo condicionante desta, emanadas da
vontade existencial da unidade política, e reguladora da existência, estrutura e fins do
Estado e do modo de exercício e limites do poder político”.

1. Classificação das Constituições

1.1. Quanto à origem

Critério: força política responsável pelo surgimento da Constituição.

Espécies:

I – Outorgada (imposta): é aquela que decorre de um ato unilateral da vontade política


soberana do governante. Exemplos: Constituição de 1824 (Imperador) e Constituição de
1969 (junta militar). Dom pedro I chegou até a convocar uma constituinte, mas esta
começou a deliberar modo de limitação do poder do imperador, motivo porque foi
dissolvida por Dom Pedro, que convocou um conselho de estado para elaborar a
constituição.

II Cesarista: é uma Constituição outorgada, mas posteriormente submetida a uma


consulta popular, com o intuito de aparentar legitimidade. No entanto, mesmo havendo
uma concordância da maioria da população com o conteúdo constitucional, a
Constituição cesarista não é considerada democrática.

Observação n. 1: a Constituição de 1937 previa a realização de um plebiscito para que o


povo a aprovasse (art. 187). No entanto, ela não é considerada cesarista porque a
consulta sequer chegou a ser realizada - se houvesse sido realizada a e população
aprovasse o texto, a Constituição de 1937 seria cesarista.

III – Pactuada (pactual): resulta de um compromisso entre o soberano (Rei) e a


representação nacional (Parlamento).

Esse tipo de Constituição marcou a transição da monarquia hereditária para a monarquia


representativa. Exemplo: Constituição francesa de 1830.

IV – Democrática (popular/votada/promulgada): é aquela elaborada por um órgão


composto de representantes do povo eleitos para o fim específico de elaborar a
Constituição - o órgão é denominado de Assembleia Nacional Constituinte.

1.1. Quanto ao modo de elaboração

Critério: forma de surgimento da Constituição.

Espécies:

I – Histórica: formada lentamente por meio da gradativa incorporação dos usos, dos
costumes, dos precedentes e até de alguns documentos escritos à vida estatal. Exemplo:
Constituição inglesa – as Constituições consuetudinárias ou costumeiras são históricas
quanto ao modo de elaboração.

II – Dogmática: resulta dos trabalhos de um órgão constituinte sistematizador das ideias


e princípios dominantes em um determinado momento histórico. Ela surge de uma só
vez.

Toda Constituição dogmática é necessariamente escrita, ao contrário da Constituição


histórica que é consuetudinária.

1.1. Quanto à identificação das normas

Critério: modo de identificação das normas de uma Constituição (conteúdo ou forma).

Espécies:

I – Material: é um conjunto de normas estruturais de uma dada sociedade política:


 Direitos fundamentais.

 Estrutura do Estado.

 Organização dos Poderes.

Essas normas formam a Constituição em sentido material, as quais são denominadas


pela doutrina como “normas materialmente constitucionais”. Assim, mesmo se elas não
estiverem no texto constitucional, serão consideradas constitucionais, pelo menos
quanto ao seu conteúdo. Ver art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e
do Cidadão.

II – Formal: é um conjunto de normas jurídicas formalizadas de modo diverso (mais


rígida) do processo legislativo ordinário. Observações (gerais):

 Tudo que está consagrado na Constituição Federal de 1988 é norma formalmente


constitucional; no entanto, nem tudo que nela está é norma materialmente
constitucional.

 A distinção realizada é extremamente importante para o estudo do controle de


constitucionalidade, pois para este o que importa é o aspecto formal (e não o material).

Questões (gerais):

 É possível ter fora do texto da Constituição uma norma formalmente


constitucional? Sim – exemplo: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:
aprovada no Congresso Nacional por 3/5 dos membros e em dois turnos de votação, ou
seja, com a mesma formalidade exigida para a elaboração de emendas.

 É possível ter uma norma que é apenas materialmente constitucional e não é


formalmente constitucional? Sim – exemplo: Pacto de São José da Costa Rica: conforme o
Supremo Tribunal Federal, os tratados internacionais de direitos humanos que não forem
aprovados por 3/5 e dois turnos possuem status supralegal (abaixo da Constituição, mas
acima das leis).

1.1. Quanto à estabilidade

Critério: consistência das normas constitucionais, a qual é aferida com base na


complexidade do processo de alteração das normas da Constituição.

Espécies:
I – Imutáveis: são leis fundamentais antigas criadas com a pretensão de eternidade. Elas
não poderiam ser modificadas, sob pena de maldição dos Deuses. Exemplos: Código de
Hamurabi e Lei das Doze Tábuas.

Atualmente, não existem mais Constituições imutáveis. Elas possuem apenas valor
histórico, assim como as Constituições fixas.

II – Fixas: são as Constituições alteráveis apenas pelo mesmo Poder Constituinte que as
elaborou quando convocado para isso. Exemplo: Constituições da época de Napoleão I
(França).

III – Rígidas: são aquelas modificáveis apenas mediante procedimentos mais solenes e
complexos que o processo legislativo ordinário - não são as cláusulas pétreas que
caracterizam a rigidez constitucional. Exemplo: Constituição brasileira de 1988.

IV – Super-rígida: seria a Constituição rígida dotada de cláusulas pétreas. Exemplo:


Constituição brasileira de 1988.

V – Semirrígida: são aquelas que têm uma parte rígida e outra parte flexível:
determinadas normas exigem um processo mais rígido para a sua alteração (ou não
podem ser alteradas por serem cláusulas pétreas) e outra parte exige o mesmo processo
previsto para o procedimento de elaboração das leis ordinárias. Exemplo: Constituição
brasileira de 1824 (art. 178).

Art. 178. E' só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos
Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é
Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas
ordinarias.

VI – Flexíveis (plásticas): o procedimento para a modificação de suas normas é o mesmo


procedimento para a modificação da legislação ordinária.

Geralmente, as Constituições flexíveis são consuetudinárias – não há diferenciação entre


costumes constitucionais e costumes infraconstitucionais, no que diz respeito à forma
de surgimento. No entanto, nada impede que a Constituição seja escrita e flexível.

O exemplo de Constituição flexível era a inglesa. Todavia, no ano 2000, a Inglaterra


adotou o “Human Rights Act” e, a partir de então, com a submissão do País a este
tratado, o Parlamento inglês passou a se subordinar às suas normas, colocando em
xeque a flexibilidade da Constituição inglesa.
1.1. Quanto à extensão

Critério: amplitude das matérias contempladas no texto constitucional.

Espécies:

I – Concisa (breve/sumária/sucinta/básica/clássica): é aquela que contem apenas


princípios gerais ou enunciam regras básicas de funcionamento do sistema e da
organização estatal. Portanto, é uma Constituição que trata basicamente de matérias
constitucionais, as quais não são detalhadas. Exemplo: Constituição norte-americana de
1787.
As grandes vantagens da Constituição concisa são duas: estabilidade e flexibilidade.

II – Prolixa (analíticas/regulamentares): é aquela que consagra matérias estranhas ao


Direito Constitucional ou que contempla normas constitucionais com regulamentações
minuciosas (típicas da legislação ordinária). Exemplo: todas as Constituições brasileiras.

1.1. Quanto à dogmática

Critério: natureza ideológica das normas consagradas na Constituição.

Espécies:

I Ortodoxa: adota apenas uma ideologia política informadora de suas concepções.


Exemplo: Constituição da antiga União Soviética (ideologia comunista).

II – Eclética (compromissória/compósita/heterogênea): é aquela que procura conciliar


ideologias opostas. São típicas das sociedades pluralistas atuais. Exemplo: a Constituição
brasileira de 1988 garante o direito de liberdade e a função social da propriedade.
Conforme Canotilho, as Constituições atuais não são frutos de um grande pacto. Na
verdade, elas originam-se de vários pequenos pactos, nos quais são realizados acordos
pontuais sobre determinados assuntos até que se chegue a um resultado final.

1.1. Quanto à ontologia

A classificação ontológica foi formulada por Karl Loewenstein.

Critério: correspondência entre o texto constitucional e a realidade do processo de poder.

Espécies:
I – Normativa: é aquela que possui normas capazes de efetivamente dominar o processo
político.

II – Nominal: apesar de ser válida do ponto de vista jurídico, a Constituição nominal não
consegue conformar o processo político às suas normas, sobretudo nos aspectos
econômicos e sociais, embora ela tenha a pretensão de normatividade.

III – Semântica: é uma Constituição utilizada pelos dominadores de fato visando apenas
a sua perpetuação no poder. Ela não tem por finalidade limitar o poder político como as
Constituições autênticas. É constituição somente no nome, pois não tem a finalidade de
limitar o poder e garantir direitos, o que é incumbência de uma verdadeira constituição.

Questão n. 1 (geral): a Constituição brasileira de 1988 enquadra-se em qual dessas três


espécies? Para alguns doutrinadores ela é classificada como normativa (Lenza). No
entanto, segundo o professor, a classificação mais adequada é a de Constituição nominal
(Bernardo Gonçalves). Fundamento: a Constituição de 1988 ainda não conformou
plenamente a realidade econômica ou social.

1.1. Classificações da Constituição brasileira de 1988

 Quanto à forma: escrita (em contraposição à costumeira).

 Quanto à sistemática: codificada (em contraposição à não codificada).

 Quanto à origem: democrática (em contraposição à outorgada, cesarista e


pactuada).

 Quanto à estabilidade: rígida ou super-rígida (flexível, semirrígida, fixa e imutável


são as outras classificações).

 Quanto à identificação das normas: formal (material é a outra).

 Quanto à extensão: prolixa (contrária à concepção sucinta).

 Quanto à dogmática: eclética (contrária à ortodoxa).

 Quanto à ontologia: normativa ou nominal (?) (em contraposição à semântica).

2. A Constituição e o seu papel

Trata-se do estudo do papel da Constituição dentro do ordenamento jurídico, o qual é


analisado a partir da verificação da liberdade de conformação que o legislador possui.
2.1. Constituição-lei

Parte do pressuposto que a Constituição é um conjunto de normas como qualquer outro


sem supremacia sobre as demais leis e sem poder de conformação do legislador.

A Constituição-lei possui apenas diretrizes ou conselhos que o legislador pode seguir, ou


não, se ele bem entender.

Trata-se de uma visão totalmente incompatível com as ideias de rigidez constitucional, de


supremacia constitucional e de força normativa da Constituição - que é própria do
constitucionalismo contemporâneo.

2.2. Constituição-fundamento (Constituição-total)

Essa visão tem como pressuposto a Constituição como fundamento não só das atividades
relacionadas ao Estado, mas também de toda a vida social.

Portanto, a liberdade de conformação do legislador será bastante restrita, pois tudo já


estará na Constituição - a atividade legislativa virá um mero instrumento de realização da
Constituição.
Ernest Forstof: a CF total trata de tudo: desde o direito à vida até a fabricação de
termômetros.

2.3. Constituição-moldura

No sentido de “moldura” ou “quadro”, a Constituição estabelece apenas os limites dentro


dos quais o legislador pode atuar, ou seja, a liberdade de conformação do legislador é
bastante ampla. É praticamente o oposto à ideia de Robert Alexi pela cosntituição-total.

2.4. Constituição dúctil (Constituição suave)

O pressuposto da Constituição dúctil é o de que as sociedades atuais são pluralistas e


caracterizadas pela diversidade de interesses, de princípios e de ideologias.

A partir desse pressuposto, Gustavo Zagrebelsky defende que a Constituição não deve
estabelecer tudo, mas apenas fornecer a base necessária para que o ordenamento
jurídico seja construído. O autor compara o Direito Constitucional aos materiais de uma
construção. A constituição seria somente o alicerce onde seria realizada a construção
com todo o ordenamento jurídico.

O papel da Constituição dentro desta visão seria assegurar as condições possíveis para a
vida comum em sociedade.

3. Histórico das Constituições brasileiras

3.1. Aspectos introdutórios

I – Nos quase dois séculos de histórico constitucional vivenciamos uma instável


trajetória constitucional no Brasil marcada pela dicotomia textos modernos x ausência de
efetividade. Poderíamos denominá-los de textos insinceros.

II - Nossa história constitucional começa antes mesmo da Proclamação da


Independência. Ela se inicia com a Constituição de Cádiz (Decreto de 21.04.1821) que
durou apenas um dia. D. João VI determinou a observância da Constituição espanhola
de 1812 (Constituição de Cádiz), através do Decreto de 21.04.1821, até a entrada em
vigor da nova Carta que seria elaborada pelas Cortes de Lisboa. No entanto, o Decreto
foi revogado no dia seguinte.

III – Constituições:

 1824.

 1891.

 1934.

 1937.

 1946.

 1967/1969.

 1988.

1.1. Constituição Política do Império do Brasil (1824)

I – A Constituição Política do Império do Brasil entrou em vigor em 25 de março de 1824.


Em 1821 D. João VI retornou de Portugal e seu filho primogênito (Pedro I) assumiu o
governo como príncipe-regente. Como príncipe, Pedro I convocou uma Assembleia
Constituinte para elaborar a Constituição, mas esse órgão acabou impondo
determinados limites ao poder do monarca. Descontente, Pedro I dissolveu a
Constituinte e convocou um Conselho de Estado para elaborar o texto constitucional.
Tratou-se de uma Constituição imposta.

II – Ideologia: a Constituição de 1824 possuía uma ideologia contraditória, pois era


liberal, com relação aos direitos individuais, e conservadora, em relação aos direitos
políticos. Trata-se de uma Constituição inspirada na Constituição francesa outorgada por
Luís XVIII em 1814.

É a Constituição mais duradoura da história do Brasil (67 anos) e possuiu uma única
emenda.

III – Estabilidade: a Constituição de 1824 foi a única brasileira semirrígida ou semiflexível:

CPIB/1824, art. 178: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições
respectivas dos Poderes Políticos e aos Direitos Políticos e individuais dos cidadãos
[matérias constitucionais]. Tudo, o que não é Constitucional, pode ser alterado sem as
formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias”.

IV – Extensão: prolixa (179 artigos).

V – Poder reformador: limitação temporal de quatro anos:

CPIB/1824, art. 174: “Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do
Brasil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por
escrito, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte
deles”.

VI – Organização do Estado: a Constituição de 1824 consagrou uma forma unitária de


Estado. Foi a única Constituição brasileira que esta forma de Estado foi consagrada. As
antigas províncias foram mantidas e permitiu-se que houve uma nova subdivisão:

CPIB/1824, art. 2: “O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que


actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado”.

Tratava-se ainda de um Estado confessional, ou seja, o Estado brasileiro nesse período


tinha uma religião oficial (Católica Apostólica Romana):

CPIB/1824, art. 5: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do


Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou
particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”.
Foi a única Constituição brasileira que consagrou um Estado confessional, ou seja, um
Estado com uma religião oficial. Todas as demais Constituições consagram um Estado
laico ou não confessional onde a neutralidade religiosa é a marca.

VII – Poder: a Constituição de 1824 não adotou a tripartição de Poderes proposta por
Montesquieu, mas uma divisão quadripartite do Poder (Benjamin Constant): CPIB/1824,
art. 10: “Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são
quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial”.

Nessa classificação feita pela Constituição brasileira, o Imperador exercia ao mesmo


tempo o Poder Moderador e a função de Chefe do Poder Executivo. Portanto, havia um
comprometimento da neutralidade do Imperador.

VIII – Governo: monárquico hereditário, constitucional e representativo (art. 3º).

IX – Controle de constitucionalidade: não era exercido pelo Poder Judiciário – não havia
controle jurisdicional de constitucionalidade. O guardião da Constituição era o
Parlamento: CPIB/1824, art. 15: É da atribuição da Assembléia Geral: (…) IX. Velar na
guarda da Constituição, e promover o bem geral da Nação”.

X – Direitos fundamentais: o art. 179 consagrou 35 incisos.

 Abolidas penas cruéis.

 Criação do socorro público e garantia da instrução primária gratuita para todos os


cidadãos.

 Naturalização tácita (também consagrada pela Constituição de 1891): é aquela em


que o indivíduo não precisa manifestar expressamente a sua vontade para adquirir
a nacionalidade do País. A naturalização tácita costuma ser adotada quando os
Estados acabam de surgir e seu objetivo é o de fazer com que haja um aumento da
população daquele País.

 Sufrágio restrito – censitário: levava em consideração as condições econômicas do


indivíduo - e eleições indiretas.

1
CPIB/1824, art. 6º. “São Cidadãos Brazileiros:

(...)

Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brazil na


época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam,
adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residencia.
(...)”.

2
CPIB/1824, art. 45: “Para ser Senador requer-se: IV. Que tenha de rendimento
annual por bens, industria, commercio, ou Empregos, a somma de oitocentos mil réis.

1.1. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891)

I – A Constituição de 1891 surgiu em virtude dos desgastes da monarquia na época.


Fatores: envelhecimento de D. Pedro II; fortalecimento da aspiração federalista; e a crise
nas relações entre a monarquia e o clero, forças armadas e determinados seguimentos da
sociedade.

A derrocada definitiva da monarquia foi promovida pelos militares, sob o comando do


Marechal Deodoro da Fonseca. Houve a revogação da Constituição anterior através do
Decreto n. 1 - redigido por Rui Barbosa -, no qual foi proclamada a República Federativa
dos Estados Unidos do Brasil.

A República foi proclamada provisoriamente até que a Constituição de 1891 entrasse em


vigor.

II – Ideologia: liberalismo republicano e moderado.

Trata-se de um modelo inspirado no norte-americano. Fora importado não só o


liberalismo republicano e moderado, mas também o presidencialismo, o regime
representativo e a forma federativa de Estado.

III – Estado: federalismo dualista: a União e os Estados-membros tem uma divisão


equânime de competências e de Poder - não há uma prevalência (e centralização do
poder) da União sobre os Estados:

CREUB/1891, art. 1º: “A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime
representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e
constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados
Unidos do Brasil”.

Ademais, o Estado brasileiro se tornou laico:

CREUB/1891, art. 72: “(...). 3º Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer
publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens,
observadas as disposições do direito commum.
§ 4º A Republica só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

§ 5º Os cemiterios terão caracter secular e serão administrados pela autoridade


municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a pratica dos respectivos ritos em
relação aos seus crentes, desde que não offendam a moral publica e as leis.

§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos.

§ 7º Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de


dependencia ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação
diplomatica do Brasil junto á Santa Sé não implica violação deste principio.

(...)”.

IV – Poder: tripartição (Montesquieu):

CREUB/1881, art. 15: “São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e
o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.

V – Controle de constitucionalidade: difuso – substituiu-se a supremacia do Parlamento


(típica do Direito europeu) pela supremacia da Constituição e garantia judicial da
supremacia.

VI – Direitos fundamentais: art. 72:

 Abolidas penas de galés, de banimento judicial e de morte (salvo guerra).

 Princípio da igualdade:

CREUB/1891, art. 72, § 2º: “Todos são iguaes perante a lei. A Republica não admitte
privilegios de nascimento, desconhece fóros de nobreza, e extingue as ordens
honoríficas existentes e todas as suas prerogativas e regalias, bem como os titulos
nobiliarchicos e de conselho”.

 “Doutrina brasileira do Habeas Corpus”:

CREUB/1891, art. 72, § 22: “ § 22. Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que o individuo
soffrer ou se achar em imminente perigo de sofrer violencia, ou coacção, por illegalidade,
ou abuso de poder.”.

Observação n. 1: o dispositivo acima não fala em liberdade de locomoção. Atualmente, o


“habeas corpus” só pode ser utilizado para proteger a liberdade de locomoção. Na
época, como não havia outros instrumentos como o “habeas corpus”, criou-se a doutrina
brasileira do “habeas corpus”. Ou seja, ele passou a ser utilizado como instrumento para
qualquer tipo de ilegalidade ou abuso de poder.

 Naturalização tácita e extinção do sufrágio censitário (grande naturalização):

CREUB/1891, art. 69: “São cidadãos brasileiros:

(...)

4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não


declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de
conservar a nacionalidade de origem;

(...)”.

Você também pode gostar