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A doutrina de Platão sobre a verdade

Martin Heidegger
Tradução: Antonio Jardim
O saber das ciências é habitualmente enunciado sob a forma de proposições e
apresentado ao homem como um conjunto de resultados bem compreensíveis e que nada mais resta
senão utilizá-los. A "doutrina" de um pensador é aquilo que, em suas palavras, permanece não
formulado, mas para o qual o homem está aberto, "exposto", a fim de que ele se utilize sem se dar
conta.
Se queremos sair, e conhecer de hoje em diante, o que um pensador não disse,
qualquer que seja a natureza, precisamos considerar o que ele disse. Satisfazer a esta exigência
implicaria em tomar todos os "diálogos" de Platão e examiná-los em suas relações uns com os
outros. Como isto é impossível, necessitamos de um outro caminho para nos conduzir para aquilo
que, no pensamento de Platão, permanece não formulado.
O que permanece então não formulado é um movimento de volta para a
determinação da essência da verdade. Que este movimento de volta tenha já tido lugar, no que ele
tem consistido, o que está fundado sobre ele: é o que quereremos esclarecer por uma interpretação
do "mito da caverna".
O mito da caverna é apresentado no início do livro VII do "diálogo" sobre a
essência da povli" ( República, VII, 514a a 517a, 7). O "mito" é uma história, em que a narrativa se
desenvolve no curso de um diálogo entre Sócrates e Gláucon. O primeiro conta a história, o
segundo distingue-se por um espanto (uma admiração) que estimula. A tradução que nos aproxima
do texto compreende passagens explicativas estranhas ao original e que colocamos entre colchetes.

Ver República 514a a 517a

O que quer dizer esta história? Platão mesmo nos responde, visto que a narrativa
é imediatamente seguida de uma interpretação (517a,8, até 518d,7).
A morada que tem a forma de uma caverna é a "imagem" de th~n ... di= o!yew"
fainomevnon e@dran, "do lugar de permanência que se desvela (diariamente) àquele que olha em
torno de si". O fogo que queima na caverna, acima de seus habitantes, é a "imagem" do sol. A
abóbada da caverna representa a abóbada celeste. Sob esta abóbada vivem os homens, ligados à
terra e dependendo dela. O que, sobre esta terra, os cerca e diz respeito é para eles o "real", quer
dizer aquilo que é. Nesta morada em forma de caverna eles se sentam "no mundo" e "com eles", é
lá que encontram aquilo a que se ligam (crêem).
As "coisas" em que há questão no mito e que são visíveis fora da caverna são
(estão) ao contrário a imagem daquilo que, nas coisas que são, é propriamente. Quer dizer, segundo
Platão, daquilo através do que o ente se mostra em sua "e-vidência" (Aussehen). Esta "e-vidência",
para Platão, não é um simples "aspecto". A "e-vidência" tem ainda para ele alguma coisa de uma
saída, pela qual alguma coisa se apresenta. De pé em sua "e-vidência", é o ente mesmo que se
mostra. Aussehen ("e-vidência") se diz em grego ei\do" ou ijdeva. As coisas que estão à luz do dia,
fora da caverna, lá onde a vista está livre de todos os lados, figuram no mito as "idéias". Então,
conforme Platão, o olhar do homem não pode atingir as idéias, quer dizer a cada vez a "e-vidência"
das coisas, dos seres vivos, dos homens, dos nomes, dos deuses, não poderia jamais perceber isto
ou aquilo como uma casa, como uma árvore, como um deus. De hábito o homem se imagina que ele
veja à primeira vista esta casa, esta árvore, e do mesmo modo tudo aquilo que é. Em primeiro lugar,
e o mais frequentemente, o homem não suspeita absolutamente que é somente na luz das idéias que
ele vê tudo aquilo que para ele é corrente, portanto "real". Mas tudo aquilo que passa por ser
propriamente real e só real, tudo aquilo que se pode imediatamente ver, entender, saber e calcular,
não é jamais para Platão que um reflexo obscuro das idéias: uma sombra, por consequência. Estas
coisas sem consistência, mas que são as mais próximas do homem, o mantém dia após dia, cativo.
Ele vive em uma prisão e deixa para trás dele todas as "idéias". E, como ele não reconhece esta
prisão como tal, ele considera o domínio cotidiano situado sob a abóboda celeste como o lugar
próprio desta experiência e deste julgamento que, únicos, um e outro, dão sua medida a todas as
coisas e a suas relações e fixam as regras de sua disposição e agenciamento.
Se agora o homem, sempre segundo o mito, deve imediatamente, no interior da
caverna, olhar o fogo que se encontra atrás dele, e portanto o clarão produz as sombras das coisas
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transportadas, ele sente imediatamente esta direção inabitual do olhar como uma perturbação
chegada ao seu comportamento ordinário e ao modo de pensar que é a regra na caverna. A simples
exigência de ter que tomar uma atitude tão insólita, e isto sempre no interior da caverna, é logo
rejeitada: uma vez que lá, na caverna, se possui a realidade de uma posse plena e evidente. Ferido
em sua "opinião", o prisioneiro da caverna não tem a menor desconfiança que seu "real" possa não
ser mais que uma sombra. Mas afinal, que poderia ele saber de sombras, ele que não quer mesmo
conhecer o fogo da caverna e sua luz, no momento que todavia este fogo não é senão "artificial", e
que ele deve portanto ser familiar ao homem. Fora da caverna, ao contrário, a luz do sol não é
produzida pelo homem. Em sua claridade as coisas formadas e presentes são diretamente visíveis,
sem ter necessidade de sombras para as representar. As coisas visíveis por elas mesmas são no mito
a "imagem" das "idéias". O sol, contudo, está presente como a "imagem" daquilo que torna as idéias
visíveis. Ele simboliza a Idéia das idéias. Platão designa aquela como hJ tou~ ajgaqou~ ideva, que se
traduz, de um modo "literal", mas que se presta a muitos mal entendidos, por a "Idéia do Bem".
As correspondências simbólicas entre as sombras e o "real" de nossa experiência
quotidiana, entre o clarão do fogo da caverna e a claridade na qual se tem a realidade imediata e
familiar, entre as coisas que estão fora da caverna e as idéias, entre o sol e a idéia suprema: essas
correspondências, que não temos feito senão enumerar, não esgotam o conteúdo do mito. Elas
deixam mesmo escapar o sentido próprio e original. Uma vez que o mito conta uma história e não é
somente uma descrição da permanência e condições do homem na caverna e fora dela. De fato, os
fatos narrados são as passagens da caverna à luz do dia ou, em sentido inverso, deste à caverna.
O que se manifesta no curso dessas passagens? Por que esses fatos são tornados
possíveis? De onde eles recebem sua necessidade? O que está em questão nessas passagens?
As passagens da caverna à luz do dia e, inversamente, desta à caverna requerem
uma aclimatação dos olhos, da obscuridade à luz e da luz à obscuridade. A cada vez os olhos
sentem um grande problema, e isto por razões opostas: dittaiV kaiV ajpov dittw~n givgnontai
ejpitaravxei" o!mmasin (518a, 2). "Dois problemas se produzem para os olhos e isto por duas
razões."
Isto quer dizer que existem para o homem duas possibilidades. Ele pode superar
uma ignorância apenas sentida, para chegar lá onde o ente se mostre a ele sob um aspecto mais
essencial: então, nos primeiros tempos, o homem não está adaptado àquilo que tem plena
consistência de ser. Ele pode também descair e renunciar a uma atitude de acordo com um Saber
essencial, para ecoar lá onde a realidade comum é preponderante, mas sem que esteja ainda em
estado de admitir como real aquilo que é corrente e usual nesta região.
E, como o olho corporal deve de início se adaptar, de um modo lento e contínuo,
seja à luz, seja à obscuridade, do mesmo modo a alma deve se acostumar, pacientemente e por um
processo natural, ao domínio do ente ao qual ele se encontra entregue. Um tal processo de
adaptação, portanto, exige antes de tudo uma mudança de direção, pela qual a alma toda é posta na
linha de seu novo esforço, da mesma maneira que o olho não pode ver bem nem olhar de todos os
lados a não ser que o corpo todo tenha inicialmente se colocado num lugar favorável.
Mas por que é necessário que a adaptação a uma região dada seja lenta e
contínua? Porque a mudança de direção diz respeito ao homem em sua essência e ela se opera
portanto no fundo de seu ser. O que quer dizer que a atitude decisiva resultante da mudança de
direção deve se precisar e tornar-se um comportamento bem estabelecido, a partir de uma relação
que defenda já a essência do homem. Esta nova orientação, esta adaptação do ser do homem ao
domínio que lhe é cada vez mais destinado, constitui a essência daquilo que Platão chama a
paideiva. Esta palavra não propriamente traduzível. Segundo a definição mesma de Platão, a
paideiva é uma periagoghV o@lh" th~" yuch~", uma tendência do homem para uma mudança
completa de todo o seu ser. Também a paideiva é essencialmente uma passagem, a saber da
apaideusiva à paideiva. Sendo uma passagem, a paideiva permanece sempre referida à
apaideusiva. É ainda o termo alemão Bildung ("formação") que responde melhor, mesmo que
sempre de modo incompleto, ao grego paideiva. Para dizer a verdade, nós devemos devolver a este
termo seu valor semântico original e esquecer o falso sentido de que ele tem sido vítima através do
século XIX. Bildung quer dizer duas coisas. De início um ato formador (ein Bilden) que imprime à
coisa um caráter, segundo o qual ela se desenvolve. Mas, se esta formação "informa" (imprime um
caráter), é porque ao mesmo tempo ela conforma a coisa a uma visão determinante que por esta
razão é chamada modelo (Vor-bild). A "formação" (Bildung) é ao mesmo tempo impressão de um
caráter e guia recebido de um modelo. O oposto de paideiva é apaideusiva, a não formação. Nela,
nenhum desenvolvimento da atitude fundamental se encontra estimulado, nenhum modelo
determinante é proposto.
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A força simbólica do "mito da caverna" está centrada sobre o desenho de voltar à


essência da paideiva visível e cognoscível a través das formas sensíveis de uma história recontada.
Ao mesmo tempo Platão quer descartar uma falsa interpretação e mostrar que a essência da
paideiva não consiste em versar de simples conhecimentos em uma alma não preparada, como no
primeiro vaso vazio que se oferece a nós. A verdadeira formação, ao contrário, toma e transfigura a
alma ela mesma, a alma toda, conduzindo de início o homem ao lugar de sua essência e o
adaptando. Que, no "mito da caverna", Platão quer trazer à luz a essência de paideiva, é o que nos
diz claramente a frase de introdução sobre a qual se abre o livro VII: MetaV tau~ta dhv, ei!pon,
ajpeivkason toiouvtw/ pavqei thVn hJmetevran fuvsin paideiva" te pevri kaiV
ajpaideusiva". "Depois disto, saiba descobrir, na natureza coisas vividas e provadas [que vão ser
descritas], uma via sobre [a essência da] formação, as quais todas duas [são inseparáveis e]
concernem o fundamento mesmo de nossa condição humana."
Segundo os termos claros de Platão, as imagens do "mito da caverna" nos abrem
uma via sobre a essência da "formação". Ao contrário, a interpretação que nós vamos tentar do
"mito" deve nos encaminhar para a "doutrina" de Platão sobre a verdade. Nós não vamos impor tal
"mito" especulações que lhe são estranhas? A interpretação arrisca violentar o texto, de degenerar
em uma falsa interpretação. Aceitamos essa aparência até o dia em que a convicção se formará em
nós que o pensamento de Platão obedece a uma mudança concernente à essência da verdade e que
se torna lei oculta daquilo que ele nos diz. Seguindo a interpretação que nos impõe hoje um perigo
que, no tempo de Platão pertencia ao futuro, o "mito" não nos descreve somente, em linguagem
sensível, o ser da formação, ele nos abre também, um relance [uma percepção] sobre a mudança da
essência da "verdade". Mas, se o "mito" cria [faz] um e outro, não é necessário que uma relação
essencial unisse a "formação" e a "verdade"? Efetivamente, esta relação bem existe. Ela consiste
nisto que é a essência da verdade e a natureza de sua mudança que tem de início tornado possível "a
formação" e isto até na sua estrutura fundamental.
Mas o que é que reúne "formação" e "verdade" em uma unidade de essência e
uma comunidade de origem?
A palavra paideiva designa uma mudança completa do homem em relação a sua
transferência, do domínio daquilo que se apresenta de início a ele, em um outro domínio em que o
ente ele-mesmo aparece e ao qual o homem se habitua e se adapta. Essa transferência não é possível
senão porque as coisas manifestas ao homem se transformam, tanto como o modo em que elas se
manifestam. Devem então mudar, e aquilo que para o homem era aparente, não velado, e o modo de
seu não velamento. "Não-velamento" se diz em grego ajlhvqeia, palavra que se traduz por
"verdade". E depois de longo tempo, para o pensamento ocidental, "verdade" significa o acordo da
representação pensante e da coisa, a adaequatio intellectus et rei.
Não nos contentamos, entretanto, em traduzir "literalmente" as palavras paideiva
e ajlhvqeia, ensaiamos ao contrário pensar, a partir do saber grego, a essência não adulterada
daquilo que nomeiam as duas palavras escolhidas para as traduzir: então "formação" e "verdade" se
unem imediatamente em uma unidade essencial. Torna-se necessário tomar a sério o conteúdo
semântico essencial da palavra ajlhvqeia, se é então levado a se perguntar qual é o ponto de partida
de onde Platão chega a sua concepção de essência do não-velamento. Quem quer responder a essa
questão se encontra reenviado ao conteúdo próprio do "mito da caverna" e a resposta, por sua vez,
mostra que, e como, o "mito" trata da essência da verdade.
O não-velado e seu não-velamento designam aquilo que a cada vez, no lugar da
morada do homem, está abertamente presente. Ora, o "mito", nos conta uma história relativamente à
passagem de uma morada à outra. Em seguida, de um modo geral, ela se divide seguindo quatro
moradas diferentes formando uma gradação ascendente e descendente bem característica. As
diferenças entre as moradas assim como os degraus marcando as passagens são fundados sobre uma
diversidade que é aquela do ajlhqev" fazendo a cada vez autoridade, aquela do modo de "verdade"
que é a cada vez dominante. É porque o ajlhqev", o não-velado, deve ser também, de um modo ou
de outro, considerado e denominado a cada um dos degraus considerados. No primeiro degrau, os
homens vivem atados na caverna e são fascinados por aquilo que eles percebem imediatamente. A
descrição dessa morada termina sobre a afirmação bem marcada: pantavpasi dhV ... oiJ toiou~toi
oujk a#n a!llo ti nomivzoien toV ajlhqeV" h# taV" tw~n skeuastw~v skiav" (515 c, 1-2) "portanto os
homens assim atados não considerariam como o não-velado outra coisa que as sombras dos
objetos."
O secundo grau trata da retirada das correntes. Os prisioneiros são agora livres
num certo sentido mas não ficam menos encerrados na caverna. Eles podem sem dúvida se voltar
doravante para todos os lados. Torna-se possível para eles ver as coisas transportadas elas mesmas,
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que precedentemente passavam atrás deles. Aqueles que não consideravam que as sombras
chegassem assim ma~llovn ti ejggutevrw tou~ o!nto" (515 d, 2), "um pouco mais perto do ente". As
coisas elas mesmas mostram seus aspectos de uma certa maneira, a saber graças ao clarão do fogo
artificial da caverna, e elas não são mais disfarçadas pelas sombras que elas projetam. As sombras
monopolizam a visão de quem não conhece nada além delas, elas deslizam assim diante das
próprias coisas. Mas se o olhar está liberado da dominação das sombras, ao homem assim liberado
deve possibilitar acessar à região dos ajlhqevstera (515 d, 6), "daquilo que é mais desvelado". E
portanto é preciso dizer dele: deiknuvmena (ibid.): "aquilo que ele via [de improviso, de repente]
primeiramente [as sombras], ele o considerará como melhor desvelado que aquilo que [lhe] é no
presente mostrado [expressamente por outros]".
Por que? - O clarão do fogo, ao qual seus olhos não estão habituados, o ofusca.
Este ofuscamento o impede de ver o próprio figo e de observar como sua luz ilumina as coisas e,
antes de tudo os faz aparecer. Assim o homem ofuscado pode ainda menos compreender que aquilo
que ele via não era nada além que as sombras projetadas pelas coisas, no clarão daquele mesmo
fogo. É verdade que o homem libertado veja agora outra coisa que sombras, mas ele vê tudo em
uma confusão geral. Contrastando com isto, as sombras, percebidas no reflexo de um fogo que não
é conhecido nem visto se destacam em formas bem fixas. Elas possuem assim uma espécie de
consistência que é notada e que, para o homem libertado, deve ser também "melhor desvelado",
porque ela é certamente visível. É porque a palavra ajlhqev" reaparece no fim da descrição do
segundo grau, e desta vez no comparativo sob a forma ajlhqevstera, as coisas "melhor desveladas"
(das Unverbogenere). Nas sombras nós encontramos uma "verdade" mais digna deste nome.
Portanto mesmo o homem liberto de suas cadeias se engana ainda na consideração daquilo que é
"verdadeiro", porque ele não desfruta da liberdade, que é uma condição do bem considerar. A
retirada dos laços leva sem dúvida a uma certa libertação; mas a liberdade de movimentos não é
ainda a verdadeira liberdade.
Esta só é obtida no terceiro grau. Aqui o homem libertado de suas cadeias é ao
mesmo tempo transferido para fora da caverna, "ao ar livre", lá onde durante o dia, todas as coisas
se oferecem à vista. Não é doravante ao clarão artificial e turvo do fogo da caverna que ele percebe
o aspecto daquilo que as coisas são. As coisas elas mesmas estão lá, na certeza e garantia de sua
forma autêntica. O espaço livre para onde o homem libertado foi conduzido, não é a ilimitação de
uma simples extensão, mas bem a dependência limitativa própria a tudo aquilo que é claro e que
brilha na luz do sol, atingido ele também pelo olhar. Os aspectos daquilo que são as próprias coisas,
os ei!dh, constituem a essência, na luz da qual cada ente particular se mostra a nós como isto ou
aquilo; e é somente porque ela se mostra assim que a coisa evidente {apparaissante] se torna não
velada e acessível.
O nível desde então atingido sobre a escala das moradas é novamente
determinado seguindo o "não-velado" que é aqui normal e característico. É porque, no início
mesmo da descrição do terceiro grau, é logo questão de tw~n nu~n legomevnwn ajlhqw~n (516 a, 3),
"daquilo que é chamado agora o não-velado". Este não velado é ajlhqevsteron, ainda mais
desvelado que as coisas artificialmente iluminadas da caverna comparadas às suas sombras. O
desvelado então atingido é aquilo que há de mais desvelado, ele é taV ajlhqevstata. Sem dúvida
Platão não emprega aqui esta denominação, mas, sob a forma toV ajlhqevstaton, o desvelado ao
máximo, ele a utiliza no exame correspondente e não menos essencial que se encontra no início do
livro VI da República. Ele a menciona (484 c, 5sq.) oiJ ... eij" toV ajlhqevstaton ajpoblevponte",
"aqueles que olham para aquilo que há de mais desvelado". Aquilo que é o mais desvelado se
mostra naquilo que, a cada vez, o ente é. Se aquilo quid est (quer dizer, as idéias) não se mostra
assim, isto e aquilo, e tudo aquilo que é tal, de um modo geral todas as coisas, permaneceriam
ocultos. "O desvelado ao máximo" é assim chamado porque ele parece o primeiro em toda a coisa
que aparece e que ele a torna acessível.
Se agora, no interior da caverna, já era difícil e antes de tudo impossível, desviar
seu olhar das sombras para dirigi-lo para o clarão do fogo e para as coisas que ele revela, então é
um esforço supremo de paciência, que requer a libertação em pleno ar fora da caverna. A
verdadeira libertação não resulta da simples desatamento das cadeias, ela não é uma licença sem
freio nem regra e começa somente com este hábito constante, pelo qual o olhar chega se fixar sobre
os limites estáveis das coisas em que os aspectos são permanentes. A verdadeira libertação é a
constância de uma orientação pela qual o homem permanece voltado para aquilo que aparece em
sua figura própria e que, aparecendo assim, se desvela ao máximo. A liberdade não subsiste senão
quando ela é uma tal orientação. Ora, esta última é só também a realizar o ser da paideiva entendida
como mudança completa. A "formação" não pode realizar plenamente seu ser senão no domínio e
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sobre o terreno daquilo que há de mais desvelado, quer dizer do ajlhqevstaton, daquilo que há de
mais verdadeiro, portanto da verdade propriamente dita. O ser da "formação" está fundado sobre o
ser da "verdade".
Como todavia o ser da paideiva reside na periagwghV o@lh" th~" yuch~", ela
permanece constantemente, enquanto mudança completa, uma vitória alcançada sobre a
ajpaideusiva. A paideiva encobre nela mesma a relação essencial que a une em atraso à ausência de
formação. E, se o "mito da caverna", seguindo as próprias palavras de Platão, deve nos tornar
sensível o der da paideiva, semelhante por em evidência deve também fazer realçar um fator
essencial, a saber precisamente esta vitória de todos os instantes sobre a ausência de formação. É
porque o relato de Platão não termina, como se seria tentado supor, sobre a descrição do grau
supremo correspondente à saída da caverna. Ao contrário, faz parte integrante do "mito" o relato de
um tornar a descer do homem livre à caverna, para aqueles que estão ainda presos. O homem livre
deve no momento conduzir esses últimos, eles também, para as regiões no alto e lhes retirar de seu
"não-velado", para os colocar em face do "desvelado ao máximo". Mas o libertador não se
reconhece mais na caverna. Ele corre o perigo de sucumbir ao enorme poder da "verdade" que faz
lei, quer dizer de se dobrar às pretensões da "realidade" comum, aceita como a única e definitiva
realidade. Ele corre mesmo o perigo de ser morto, perigo bem real, como se pode ver pelo destino
de Sócrates, o mestre de Platão.
O tornar a descer à caverna e o combate no interior dela, entre o libertador e os
prisioneiros que se opõem a toda libertação, formam um grau próprio do "mito", o quarto grau, pelo
qual ele se completa e se acaba. Para dizer a verdade, a palavra ajlhqev" não se encontra mais nesta
parte do relato. Contudo, neste grau também, é preciso também que esteja em questão a espécie de
não-velado que caracteriza a região subterrânea novamente visitada. Já, ao nível do primeiro grau,
as sombras não foram designadas como o "não-velado" que tem autoridade no interior da caverna?
Nem nenhuma dúvida. Todavia, aquilo que permanece essencial para o não-velado, aquilo que não
é somente senão, de alguma maneira, torna acessível aquilo que parece e que o mantém aberto em
seu parecer, mas enquanto que o não-velado supera constantemente um velamento do velado. O
não velado deve ser arrancado de sua ocultação, ser-lhe por assim dizer ousado e ocultado. Para os
gregos, na origem, a ocultação, o fato de se velar, domina inteiramente a essência do ser; ele marca
portanto também o ente na sua presença e sua acessibilidade ("verdade"): é porque o termo que
neles corresponde à veritas dos Romanos e à Wahrheit dos Alemães é caracterizado por um alfa
privativo (aj-lhvqeia). Na origem verdadeira que dizer: aquilo que foi arrancado (tirado) de uma
ocultação. A verdade é este arrancamento, sempre ao modo de desvelamento. A ocultação pode ser
aqui de diferentes espécies: claustração, colocar em lugar seguro, envelopamento, recobrimento,
velamento, disfarce. Como, seguindo o "mito" platônico, o não velado supremo deve ser arrancado
de uma ocultação profunda e tenaz, a passagem da caverna ao ar livre e à luz do dia é o prêmio de
uma luta sem glória. Que a "privação", este arrancamento que faz conquistar o não-velado, pertence
à essência da verdade, é aquilo que o quarto grau do "mito" deixa propriamente entender. É porque
ele trata da ajlhvqeia, ele também, como cada um dos três precedentes graus do "mito da caverna".
De um modo geral, este "mito" não pode ter sido construído sobre a imagem da
caverna senão porque ele foi inspirado de antemão, ao menos parcialmente, por uma experiência
fundamental que para os gregos saía de si, aquela da ajlhvqeia, da não-latência do ente. O que é que
senão a caverna subterrânea, senão alguma coisa que está bem em si aberta, mais ao mesmo tempo
curvada e que, malgrado sua abertura, permanece recoberta e emparedada pela terra? Esta prisão,
imperfeitamente fechada, sem dúvida, que constitui a caverna e aquilo que ela encerra e oculta aos
olhares nos remete a um exterior, a um não-velado que se desloca todo dia na claridade. A essência
da verdade, tal como na origem, era pensada pelos gregos no sentido da ajlhvqeia, do não-
velamento relacionado a qualquer coisa de oculto (de velado e devolvido ao irreconhecível), esta
essência da verdade, e ela só oferece uma relação fundamental à imagem da caverna em que o dia
não penetra. Lá onde a verdade tem um outro sentido, onde ela cessou de ser um não-velamento, o
"mito da caverna" não responde mais sobre nada e não representa mais nada.
E contudo, se o "mito da caverna" testemunha bem uma experiência de ajlhvqeia
como tal, e se ele nomeia expressamente a ajlhvqeia nas passagens de um certo relevo, uma outra
essência da verdade procura evitar (privar) o não-velamento e passar à primeira fila (ordem).
No exposto do "mito" e na interpretação mesma de Platão, ele vai por assim dizer
por si que a caverna e seu exterior formam o domínio onde se dão os fatos narrados. Todavia,
aquilo que é aqui essencial, aquilo que são as passagens de um lugar ao outro, a subida para fora do
subterrâneo, iluminada pelo fogo artificial, para o dia da luz solar, e o voltar a descer, da origem de
toda luz, na obscuridade da caverna. No "mito da caverna", o poder da descrição figurada não vem
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nem do quadro de um cárcere subterr6aneo ou do aprisionamento neste cárcere, nem da


representação de um espaço livre no exterior da caverna. Para Platão, o pensamento de onde brotam
as imagens e sua interpretação se concentra bem mais em torno do papel do fogo, de seu clarão e
das sombras, da claridade do dia, da luz do sol e enfim do próprio sol. Tudo depende do parecer da
coisa que aparece e daquilo que lhe permite ser visível. O não-velamento é sem dúvida
mencionado, assim como seus diferentes graus, mas então a questão é sempre saber como graças a
ele a coisa que aparece se torna acessível em sua evidência (ei^do"), como ele torna visível aquilo
que se mostra assim (ijdeva). O esforço próprio do pensamento visa esta aparição da e-vidência, que
está de acordo na claridade de uma luminosidade (In der Helle des Scheins). Esta aparição abre
uma perspectiva sobre o modo como cada ente está presente. Aquilo que o pensamento procura
aqui, é a ijdeva. A "idéia" é o visto-de-fora, a e-vidência (Aussehen) que abre uma perspectiva
(Aussicht) sobre a coisa apresentada. A ijdeva é o puro fato de brilhar, no sentido em que se diz que
"o sol brilha". Ela não está sob a dependência de uma outra coisa que se encontraria atrás dela e que
a faria aparecer, ela é ela mesma aquilo que aparece, e que não tem outra coisa a fazer do que
aparecer, brilhar propriamente. A ijdeva é aquilo que tem poder de brilhar (Die ijdeva ist das
Scheinsame). O ser da idéia consiste em poder brilhar, poder ser visível (Das Wesen der Idee liegt
in der Schein-und-Sichtsamkeit). É esta luminosidade da idéia que realiza a presença, quer dizer
que cada vez torna presente aquilo que um ente é. É na quididade (Im Was-sein des Seienden) do
ente que esta é a cada vez presente. Ora, de um modo geral, "tornar-se presente" (Anwesung) é a
essência do ser. Também, para Platão, o ser é plenamente ele mesmo na quididade. Como uma
terminologia anterior o deixa entender, é a quidditas, e não a existentia, que é o verdadeiro esse,
que é a esentia. Aquilo que a idéia coloca então à vista, e assim dá a ver, é, para o olhar dirigido
para ela, o não-velado daquilo como o que ele aparece. Assim o "não-velado" é compreendido por
avanço e de uma maneira única como aquilo que nós percebemos percebendo a ijdeva, como aquilo
que é conhecido (gignwskovmenon) no conhecer (gignwvskein). É somente a favor daquela volta
que o noei~n e o nou~" (a percepção) obtêm com Platão uma relação essencial à "idéia". É a adoção
desta orientação para as idéias que marca a essência da "percepção" e, mais tarde, aquela da Razão
(Vernunft, "Razão", de vernehmen, "perceber".).
Doravante o "não-velamento" torna a enviar sempre ao não-velado entendido
como acessível graças à luminosidade da idéia. Para tanto enquanto que o acesso ao não-velado se
realiza necessariamente como "visão", o não-velamento está engajado em uma "relação" à vista, ele
lhe é "relativo". É porque, através do livro VI da República, Platão desenvolve a seguinte questão:
Em que a coisa vista e o ato de ver são eles aquilo que eles são em sua relação? O que é que estende
o arco que os une? Que jugo (zugovn, 508 a,I) os mantém reunidos? A resposta, que o "mito da
caverna" está carregado de traduzir em representações sensíveis, nos é assim dada sob a forma de
imagem: é o sol, fonte de luz, que confere à coisa vista sua visibilidade. Mas a vista não vê o visível
senão enquanto o olho é hJlioeidev", "de natureza solar" (Sonnenhaft), que ele é o poder de
participar ao modo de ser do sol, quer dizer à sua luminosidade. O olho é ele mesmo "luminoso",
ele se dá ao parecer, e é assim que ele pode acolher e perceber aquilo que aparece. Para quem vê
através dela, esta imagem sugere relações designadas como seguida por Platão (VI, 508 e, I sq.):
tou~to toivnun toV thVn ajlhvqeian parevcon toi~" gignwskomevnoi" kaiV tw~/ gignwvskonti thVn
duvnamin ajpodidovn thVn tou~ ajgaqou~ ijdevan favqi ei[nai. "Aquilo que, portanto, permite o não-
velamento das coisas conhecidas, mas dá também ao conhecedor o poder (de conhecer), revela que
isto é a Idéia do Bem".
Conforme o "mito", o sol é a imagem da Idéia do Bem, mas em que consiste a
essência desta idéia? O Bem é uma idéia, portanto ele brilha. Brilhando ele permite a visão e,
portanto, ele próprio é visível, portanto cognoscível. Mais precisamente ejn gnwstw~/ teleutaiva hJ
tou~ ajgaqou~ ijdeva kaiV movgi" oJra~sqai (517 b, 8). "No domínio do cognoscível, a Idéia do bem é
a visibilidade (Sichtsamkeit) que realiza todo aparecer e que em consequência não é percebida
senão em último lugar, e isto de tal maneira que é [quase que não se ela é ela mesma propriamente
vista] [ela não o é senão a muito custo)."
Se traduz toV ajgaqovn por "o Bem". Esta expressão parece fácil de compreender.
Por outro lado, a maior parte do tempo o Bem é entendido como o "Bem moral", assim chamado
porque ele é conforme a lei moral. Semelhante concepção nos faz sair do pensamento grego, ainda
que a interpretação de Platão, que faz do ajgaqovn uma idéia, tenha ela mesma fornecido a ocasião
de dar ao "Bem" uma coloração "moral" e finalmente de a inscrever no cômputo dos "valores". A
noção de "valor, aparecida no século XIX como consequência interna da concepção moderna da
"verdade", é o último resultado, e ao mesmo tempo o mais falho (fraco), do ajgaqovn. Para tanto que
"o valor" e a interpretação para os "valores" são a base mesma da metafísica nietzscheana e isto sob
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a forma absoluta de uma "reversão de todos os valores", Nietzsche, ele também, é platônico e,
como ele ignora toda a origem da metafísica do "valor", seu platonismo é o mais desordenado que
conhece a história da metafísica ocidental. Concebendo o valor como condição de possibilidade da
"vida", condição possuída pela "vida ela mesma", Nietzsche manteve a essência do ajgaqovn; mas
fazendo isso, ele mostrou menos os prejuízos que outros, que ocorrem depois da construção
defeituosa e sem fundamento dos "valores valendo por eles mesmos".
Se ademais se concebe a essência da "Idéia" ao modo moderno, como perceptio
("representação subjetiva"), se descobre então na "Idéia do Bem" um "valor" existente em si por
uma parte, e onde há por outra uma "idéia". É preciso naturalmente que esta "idéia" seja suprema,
portanto aquilo que importa é que tudo leve (confine) ao "Bem" (ao bem estar da prosperidade ou à
ordem da boa organização). Pra dizer a verdade, quanto mais longe se siga este pensamento
moderno, não se reencontra mais nada do sentido original da ijdeva tou~ ajgaqou~ de Platão.
Para o pensamento grego, toV ajgaqovn significa aquilo que está apto a alguma
coisa e que torna apto a alguma coisa. Cada ijdeva, toda e-vidência de uma coisa, permite a vista
daquilo que é a coisa considerada. Assim, para o pensamento grego, as "idéias" tornam apto a isto,
que uma coisa possa aparecer naquilo que ela é e possa estar assim presente naquilo que ela tem de
permanente. As idéias são, em cada ente, aquilo que é (Die Ideen sind Seiende jedes Seienden).
Assim, aquilo que torna cada idéia apta a ser uma idéia, quer dizer, em linguagem platônica, a Idéia
de todas as idéias, consiste nisto que ela torna possível a aparição de todas as coisas presentes em
sua inteira visibilidade. A essência de toda idéia reside já nisto que ela permite aparecer, que ela
torne apta à aquele aparecer que permita uma vista sobre a e-vidência. É porque a Idéia das idéias é
aquilo que torna apta puramente e simplesmente: toV ajgaqovn. Ela faz aparecer todo o aparecível e é
assim, ela mesma, aquilo que verdadeira e propriamente aparece e que, em seu aparecer, é o
aparecível máximo (Das ... Scheinsamste). É porque Platão (518 c, 9) designa também o ajgaqovn
como tou~ o!nto" toV fanovtaton, "aquilo que aparece o mais, de todas as coisas que são (o
aparecível máximo)".
A expressão "Idéia do bem", tão própria para se desviar os intérpretes modernos,
é o nome desta Idéia privilegiada que, enquanto Idéia das idéias, é para todas as coisas aquilo que
torna apto (Das Tauglichmachende). Esta idéia, só pode ser chamada "o Bem", permanece ijdeva
teleutaiva, porque é nela que a essência da idéia se realiza, quer dizer, começa a ser., de sorte que
dela procede também, e em primeiro lugar, a possibilidade de todas as outras idéias. O Bem pode
ser chamado a "Idéia suprema" em um duplo sentido: ele é a idéia mais alta como fonte de
possibilidade - e o olhar que sobe para ele é o mais vertical, portanto o mais penoso (difícil). Por
mais fatigante que ele possa ser de o apreender verdadeiramente, a Idéia que, visto aquilo que é
uma idéia, deve ser chamado "o Bem" no sentido grego do termo, esta Idéia, contudo, está sempre
de uma certa maneira ao alcance do olhar, por toda parte em que algum ente nos apareça. Mesmo lá
onde nós nos vemos senão sombras portanto o ser real se esconde ainda de nós, o clarão de um fogo
é ainda necessário, mesmo que este clarão não seja apreendido como tal nem experimentado como
um dom do fogo e ainda que sobretudo nós ignoremos ainda que este fogo é um (produto) rejeitado
(e!kgonon, VI, 507 a, 3) do sol. No interior da caverna, o sol permanece invisível e contudo as
sombras elas mesmas tiram sua subsistência da sua luz. Por seu lado o fogo da caverna, que torna
possível a percepção das sombras sem todavia que uma tal percepção se apreenda ela mesma em
seu ser próprio, o fogo da caverna, dizemos nós, é a imagem do fundo desconhecido desta
experiência que visa o ente, mas não o conhece como aquilo que ele é. O sol, ao contrário, quando
brilha, não dá somente a tudo aquilo que aparece à claridade e com ela a visibilidade, e por aí o
"não-velamento": o sol, quando brilha, brilha ao mesmo tempo o calor; e seu ardor torna possível
tudo "aquilo que nasce" adiantar-se na visibilidade daquilo que o constitui (509 b).
Mas uma vez que o sol foi visto ele mesmo (ojfqei~sa deV) como o sol ou, pra
deixar lá as imagens, uma vez que a idéia suprema foi percebida, então sullogisteva ei!nai wJ"a!ra
pa~si pavntwn au@th ojrqw~n te kaiV kalw~n aijtiva (517 c), "então o pensamento tendo sido
reunido e restabelecido à unidade - se percebe (como decorrente da idéia suprema) que, para todos
os homens, ela (a Idéia do Bem) é manifestamente a Coisa primordial, a Causa (Die Ur-sache) de
tudo aquilo que está bem (em seu comportamento) como tudo aquilo que é belo", quer dizer daquilo
que se mostra àquele mesmo comportamento de tal sorte que ele faz aparecer sua própria e-vidência
naquilo que ela tem de brilhante (Das Scheinen seines Aussehens zum Erscheinen bringt). Para
todas as coisas e para a sua coisidade, a Idéia suprema é a Origem, quer dizer a Causa (Die Ur-
sache). "O Bem" permite a aparição da evidência, daquilo em que a coisa presente possui a
consistência de seu ser. Por esta outorga, o ente é mantido no ser e assim "salvo".
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Para quem observa com prudência aquilo que se passa em torno dele, ele resulta
do ser da Idéia suprema o@ti dei~ tauvthn ijdei~n mevllonta ejmfrovvw" pravxein h# ijdiva/ h# dhmosiva
(517 c, 4-5) "que este que está preocupado em agir com discernimento e prudência, em seus
afazeres privados como nos afazeres públicos, deve voltar seus olhos para esta (para a Idéia que se
chama o Bem, porque ela torna possível o ser mesmo de toda a idéia)". Quem deve e quer agir em
um mundo governado pela "Idéia" tem necessidade, antes de qualquer outra coisa, deste olhar que
está atento à Idéia. E a essência da paideiva consiste justamente naquilo que ela torna o homem
livre e forte, capaz de dirigir constantemente sobre sua essência um olhar claro. E visto que,
seguindo a interpretação mesma de Platão, o "mito da caverna" deve fornecer uma representação
figurada da essência da paideiva, se compreende porque ele lhe faz também narrar a subida para a
visão da Idéia suprema.
Não é a ajlhvqeia que forma o objeto próprio do "mito da caverna"? Certamente
não. E contudo permanece certo que este miro contém a "doutrina" de Platão sobre a verdade.
Portanto ele se funda sobre um fato que ele não menciona, a saber que a ijdeva levanta a cabeça
sobre a ajlhvqeia. O "mito" dá uma imagem daquilo que Platão diz da Idéia do bem: aujthV kuriva
ajlhvqeian kaiV nou~n parascomevnh (517 c, 4) "ela é ela mesma a Soberana, naquilo que ela
permite o não-velamento (àquilo que se mostra) e ao mesmo tempo a percepção (do não-velado)".
A ajlhvqeia passa sob o (ao) jugo da Idéia. Quando Platão diz da Idéia que ela é a Soberana que
concede o não velamento, ele nos reenvia à alguma coisa que ele não diz, à saber que doravante a
essência da verdade cessa de se deslocar, a partir de sua própria plenitude de ser, como essência do
não-velamento, mas que ela se desloca para vir coincidir com a essência da Idéia. A essência da
verdade abandona seu traço fundamental anterior: o não-velamento.
Quando por toda parte, em cada um de nossas relações com as coisas que são,
não há nada que importe mais que o ijdei~n da ijdeva, a apreensão da "e-vidência" pelo olhar, todos
os nossos esforços devem se concentrar de início sobre um único ponto: tornar possível uma
semelhante visão. Aquilo que exige que nós saibamos olhar (considerar) como é preciso. Quando,
na caverna, o homem liberto se desvia das sombras para considerar as coisas, ele já dirige o seu
olhar para aquilo que "tem mais do ser" que de simples sombras: prov"ma~llon o!nta tetrammevno"
ojrqovteron blevpoi (515 d, 3-4), "assim voltado para aquilo que tem mais do ser, ele vê sem
dúvida de um modo mais exato". Passar de um estado ao outro, é considerar de um modo mais
exato. Tudo está subordinado ao ojrqovth", à exatidão do olhar. Por esta exatidão, a vista e o
conhecimento se tornam corretos, de sorte que finalmente elas visam diretamente a Idéia suprema e
se fixam nesta "visada". Assim orientada, a percepção se conforma aquilo que deve ser visto. Está
lá a "e-vidência" (Assehen) daquilo que é. Esta adaptação da percepção, do ijdei~n, à ideva, traz uma
oJmoivwsi", uma acordo do conhecimento com a própria coisa. Desta preeminência conferida à ideva
e ao ijdei~n sobre a ajlhvqeia resulta uma mudança na essência da verdade. A verdade se torna
ojrqovth", a exatidão da percepção e da linguagem.
Esta mudança na essência da verdade se faz acompanhar de uma outra mudança
que concerne ao lugar da verdade. Enquanto não-velamento, a verdade é ainda um traço
fundamental do próprio ente. Mas, como exatidão do "olhar", ela se torna a característica de um
certo comportamento do homem para com as coisas que são.
Todavia, Platão está constrangido a manter ainda, de uma certa maneira, a
"verdade" como caráter do ente, portanto este, enquanto coisa presente, possui o ser na medida em
que ele aparece: ora o ser traz com ele o não-velamento. Mas ao mesmo tempo a questão
concernente ao não-velamento se desloca: ela visa doravante a aparição da e-vidência e, por ela, a
vista que lhe corresponde, a justeza e a exatidão desta vista. É porque, necessariamente, uma
ambiguidade é inerente à doutrina de Platão. É precisamente esta ambiguidade que testemunha a
mudança operada na essência da verdade, desta mudança jamais mencionada e em que seria bom
falar doravante. A ambiguidade em questão aparece muito claramente quando se observa que Platão
trata e fala da ajlhvqeia, enquanto pensa em ojrqovth" e a coloca como decisiva, e isto em uma única
e mesma marcha do pensamento.
Esta ambiguidade no que diz respeito à concepção da essência da verdade
sobressai de uma frase da alínea em que Platão dá sua própria interpretação do "mito da caverna"
(517 b, 7, até c, 5). O pensamento principal é que a Idéia suprema estabelece um vínculo unindo o
contrário e o conhecido. Mas esta relação é conhecida de duas formas diferentes. Platão diz de
início, portanto como aquilo que é determinante: hJ tou~ ajgaqou~ ijdeva é pavtwn ojrqw~n te kaiV
kalw~n aijtiva, a Idéia do Bem é "a Causa (quer dizer aquilo que torna possível a essência) de tudo
aquilo que é exato como de tudo aquilo que é belo". Mas nós lemos em seguida que a Idéia do Bem
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é kuriva ajlhvqeian kaiV nou~n parascomevnh, "a Soberana que permite o não-velamento, mas
também a percepção". Essas duas afirmações não são paralelas naquele sentido que a ajlhvqeia
corresponderia aos ojrqav (o exato) e o nou~" (a percepção) aos kalav (ao belo). As correspondências
são antes de tudo cruzadas. A percepção correta responde aos ojrqav, ao exato e à sua exatidão; e o
não-velado corresponde ao belo: portanto o ser do belo consiste em ser ejkfanevstaton (cf. Fedro),
ao ser aquilo que, brilhando o mais por si mesmo e o mais puramente, mostra a e-vidência e é assim
não velado. As duas proposições marcam a preeminência da Idéia do Bem enquanto que ela torna
possível a exatidão do conhecimento e o não-velamento do conhecido. Aqui ainda a verdade é ao
mesmo tempo não-velamento e exatidão, ainda que o não-velamento, ele também, seja já colocado
sob o jugo da ideva.
A mesma ambiguidade concernente à concepção da verdade se reencontra em
Aristóteles. No capítulo final do livro IX da Metafísica (Met., Q, 10, 1051 1, 34 sqq.), lá onde o
pensamento de Aristóteles com relação ao ser do ente atinge seu apogeu, o não-velamento é o traço
fundamental do ente, este pelo qual todas as coisas são regidas. Mas ao mesmo tempo Aristóteles
pode dizer: ouj gavr toV yeu~do" kaiV toV ajlhqeV" ejn toi~" pravgmasin ... ajll= ejn dianoiva/ (Met.,
E, 4, 1027 b, 25 sq.). Com efeito o falso e o verdadeiro não são as coisas [elas mesmas] ... mas no
entendimento."
O julgamento pronunciado pelo entendimento é o lugar da verdade, da falsidade e
de sua diferença. O julgamento se diz verdadeiro enquanto ele se conforma à coisa ela mesma,
enquanto é uma oJmoivwsi". Esta definição da verdade não contém mais nenhuma referência à
ajlhvqeia no sentido do não-velamento; é ao contrário a ajlhvqeia que é concebida como o oposto do
yeu~do", quer dizer do falso no sentido do inexato; ela é portanto concebida como a exatidão. A
essência da verdade uma vez caracterizada como a exatidão da representação que se enuncia, esta
definição da verdade se torna determinante para a toda filosofia ocidental. Nos bastará, para
demonstrá-lo, citar algumas proposições fundamentais que são características das concepções
admitidas para a essência da verdade, nas principais épocas da metafísica.
Para a escolástica medieval, a tese de Thomás de Aquino tinha autoridade: veritas
proprie invenitur in intellectu humano vel divino (Quaestiones de viritate, qu. I, art. 4, resp.), "a
verdade se encontra propriamente no intelecto humano ou divino". Seu lugar é essencialmente o
intelecto. A verdade não é mais aqui ajlhvqeia, mas oJmoivwsi" (adaequatio).
No início dos tempos modernos, Descartes, acentuando a afirmação precedente,
escreve: veritatem proprie vel falsitatem non nisi in solo intellectu esse posse (Regulae ad
directionem ingenii, Reg. VIII, Opp. X, 396), "a verdade e a falsidade, no sentido próprio desses
termos, não podem estar em nenhuma parte além do simples intelecto".
E na época em que os tempos modernos entram em sua plena realização,
Nietzsche escreve, reforçando ainda a afirmação precedente: "A verdade é esta espécie de erro sem
o qual uma espécie determinada de seres vivos não poderiam viver. Em última análise, é o valor
para a vida que é decisivo"(Notas do ano 1885, A Vontade de Potência, n° 493). Se a verdade,
como diz Nietzsche, é uma espécie de erro, ela consiste essencialmente em um traço do
pensamento, que falseia cada vez o real e de um modo necessário, à saber enquanto toda
representação detém o "vir a ser", que não cessa de progredir e que em face de seu fluxo ela
estabelece, assim chamada realidade, uma coisa congelada, portanto não conforme ao vir a ser,
portanto, inexata e desse modo mentirosa (falsa).
Definindo a verdade como uma inexatidão do pensamento, Nietzsche mostra que
está de acordo com a concepção tradicional pela qual a verdade é a exatidão da enunciação
(lovgo"). O conceito nietzscheano de verdade nos faz perceber o último reflexo da extrema
consequência desta mutação pela qual a verdade, que era o não-velamento do ente, é tornada a
exatidão do olhar. A mutação ela mesma se completa, quando o ser do ente (quer dizer para os
gregos a chegada da coisa à presença) foi definida como ijdeva.
Seguindo esta interpretação do ente, a chegada à presença (Die Anwesung) não é
mais, como ela era no início do pensamento ocidental, o advento do latente ao estado de não-
latência, advento em que a não-latência, enquanto desvelamento (Entbergung), constitui o traço
fundamental da chegada à presença. Platão compreende a chegada-à-presença (oujsiva) como ijdeva.
Esta todavia não está subordinada ao não-velamento naquele sentido senão estando a serviço do
não-velado, ela o faria aparecer. É ao contrário o fato de aparecer, de brilhar (de se mostrar) que
determina aquilo que, interiormente à essência do aparecer, e relacionado a ela e somente a ela,
pode ainda ser chamado não-velamento. A ijdeva não é um primeiro plano da ajlhvqeia, onde as
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coisas viriam tomar figura, mas o fundo onde se funda sua possibilidade. Mesmo assim, entretanto,
a ijdeva reivindica ainda alguma coisa do ser original, mais desconhecido, da ajlhvqeia.
A verdade não é mais, como não-velamento, o traço fundamental do próprio ser;
mas, torna-se exatidão em razão de sua escravização à Idéia, ela é doravante o traço distintivo do
conhecimento do ente.
Desde então existe um esforço para a "verdade" no sentido da exatidão do olhar e
de sua direção. Desde então, em todas as posições fundamentais adotadas a respeito do ente, a
obtenção de um olhar correto para a Idéia torna-se decisiva. A mediação da paideiva e a mudança
operada no ser da ajlhvqeia são duas coisas que se têm e elas bem estão todas duas em seu lugar em
uma mesma história, aquela que conta o mito da caverna e que descreve a passagem de um lugar de
morada a outro.
A diferença dos dois lugares de morada, no interior e no exterior da caverna, é
uma diferença no ser da sofiva. Em geral esta palavra designa relativamente a alguma coisa, o
poder de se reconhecer (reencontrar) e de se conhecer. Um sentido mais próprio de sofiva é o poder
de se reconhecer, naquilo que está presente como não-velado e que, enquanto presente, é
permanente. "Reconhecer-se" não quer dizer que se possua simples conhecimentos, mas que se
ocupa um lugar de morada que tem de repente, por todas as suas partes, um ponto de apoio no
permanente.
O modo de "reconhecer-se" que só é aceito em baixo da caverna, hJ ejkei~ sofiva
(516 c, 5), é superado e dominado por uma outra sofiva. Esta visa antes de tudo, e visa
exclusivamente, apreender o ser do ente nas "idéias". Esta sofiva superior, ao contrário daquela que
tem curso lá embaixo na caverna, é caracterizada pelo desejo de ultrapassar as coisas imediatamente
presentes para encontrar um ponto de apoio no Permanente, naquilo que é visível por si mesmo.
Esta sofiva é em si uma predicação e uma amizade (filiva) pelas "idéias", às quais nós devemos
tudo aquilo que é não velado. Fora da caverna a sofiva é filosofiva. O uso desta palavra é anterior
a Platão; os gregos a empregavam, de um modo geral, para designar a inclinação para
""reconhecer-se" como é preciso. Platão é o primeiro que é reconhecido por nomeá-la como um
modo de "reconhecer-se" no interior do ente. Com Platão o pensamento com respeito ao ser do ente
torna-se ... "filosofia", porque ela é um olhar levado para as idéias. Mas a "filosofia" que começa
assim com Platão tem doravante o caráter daquilo que se chamará mais tarde "metafísica". Platão
ele mesmo nos apresenta em suas grandes linhas, a figura da metafísica, precisamente nesta história
que constitui o "mito da caverna". Na narração de Platão, a própria palavra "metafísica" se encontra
já preformada. Lá onde ele nos mostra (516) como o olhar pode se habituar à vida das idéias, Platão
diz (516 c,3): O pensamento vai met= ejkeina, "além de" (mais longe) das coisas percebidas lá em
baixo e que não são senão sombras e imagens, ele vai eij" tau~ta, "na direção de" estas, a saber as
"idéias". As idéias formam o suprassensível, que é apreendido por um olhar não sensível; elas
constituem este ser do ente que escapa aos órgãos do corpo. E suprema no domínio suprassensível é
esta idéia que, enquanto Idéia de todas as idéias, permanece a causa da consistência e da aparição
de tudo aquilo que é. Sendo assim a Causa universal, ela é igualmente a "Idéia" que se nomeia o
"Bem". Esta Causa primeira e suprema é chamada por Platão, e em seguida por Aristóteles, toV
qei~on, o Divino. Depois que o ser foi interpretado como ideva, o pensamento voltado para o ser do
ente é metafísico, e a metafísica é teológica. Por "teologia" é preciso entender aqui, e a
interpretação pela qual a "causa" do ente é Deus, e a transferência do ser para esta causa, que
contém em si o ser e o faz brotar de si, porque ela é, de tudo aquilo que é, o Ente máximo.
Esta mesma interpretação do ser como ijdeva, que deve seu sucesso a uma
mudança na essência da ajlhvqeia, implica que o olhar voltado para as idéias possui uma excelência
especial. A esta excelência corresponde o papel da paideiva, da "formação" do homem. A
metafísica toda ela é regida pela preocupação do ser do homem e de sua posição no meio de tudo
aquilo que é.
O início da metafísica, que se observa no pensamento de Platão, é ao mesmo
tempo o início do "humanismo". Esta palavra deve ser aqui pensada de modo essencial, portanto na
sua acepção mais ampla. "Humanismo" designa então o processo - ligado ao início, ao
desenvolvimento e ao fim da metafísica - pelo qual o homem, em perspectivas a cada vez
diferentes, mas sempre conscientemente, se coloca no centro do ente, sem ser ainda ele mesmo,
portanto o Ente supremo. "O homem" quer dizer aqui, seja a humanidade ou uma de suas culturas,
seja o indivíduo ou uma comunidade, seja o povo ou um grupo de povos. Trata-se sempre, falando
de uma constituição metafísica bem segura (arrêtée) do ente, de permitir ao "homem", tal como ele
resulta dessa constituição, ao animal racional, de libertar suas possibilidades, de alcançar à certeza
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de seu destino e a colocação na certeza de sua "vida". Aquilo que tem lugar como definição de um
comportamento "moral", ou como libertação da alma imortal, deslocamento das potencialidades
criadoras, desenvolvimento da Razão, cultura da personalidade, despertar do sentido da
comunidade, disciplina ascética ou enfim união apropriada de alguns daqueles "humanismos" ou
deles todos. Se gravita cada vez em torno do homem, de um modo metafisicamente determinado e
sobre as órbitas mais ou menos amplas. A metafísica uma vez acabada, o "humanismo" (ou, para
tornar mais grego, a antropologia) toma também de assalto as "posições" extremas, quer dizer
incondicionadas.
O pensamento de Platão segue a mutação que intervém na essência da verdade:
esta mutação se torna a história da metafísica, em que o total acabamento começou com o
pensamento de Nietzsche. A doutrina de Platão sobre a "verdade" não é portanto nada que esteja já
perdido no passado. Ela é um "presente" histórico, aquilo que todavia não deve ser entendido
somente como a "consequência distante", resgatada depois cortada (destruída) pelos cálculos da
"história", de uma certa doutrina, não mais como um despertar, ou como uma imitação da
antiguidade, ou como a simples manutenção de uma tradição. A mutação então intervém na
essência da verdade que nos é presente como a realidade fundamental da história mundial de nosso
planeta, enquanto que esta história avança para a fase extrema de sua modernidade e que a
realidade em questão, consolidada depois de longo tempo, portanto ainda inabalada, domina e rege
todas as coisas.
Tudo aquilo que advém ao homem histórico resulta cada vez uma decisão tomada
anteriormente e que não é jamais o fato do homem ele próprio. Esta decisão concerne à essência da
verdade e, por ela, se encontra já delimitado aquilo que, à luz da essência admitida para a verdade,
é procurada e retida como verdadeiro, mas também aquilo que é rejeitado como falso e perde assim
toda audiência.
O "mito da caverna" nos abre os olhos para aquilo que, na história desta parte da
humanidade que recebeu a marca ocidental, constitui agora, e constituirá ainda no futuro, o fato
propriamente histórico: conforme à definição da verdade como exatidão da representação, o homem
pensa tudo aquilo que é segundo as "idéias" e observa toda a realidade a partir de seus "valores". A
única coisa que importa, aquilo que é decisivo em primeiro lugar, não é saber quais idéias e quais
valores são estabelecidos e aceitos, mas que de um modo geral o real seja interpretado a partir de
"idéias"", que de um modo geral o "mundo" seja concebido (pesado) a partir de "valores".
A essência original da verdade acha-se, de passagem (pelo caminho), trazida à
nossa memória. A esta memória o não-velamento aparece como o traço fundamental do ente ele
mesmo. A lembrança da essência original da verdade, todavia, deve pensar esta essência de um
modo mais original. Também não pode jamais assumir o não-velameto somente no sentido de
Platão, quer dizer submetendo-o à ijdeva. Compreendido no sentido de Platão, o não-velamento
permanece engajado em uma relação com a vista, a percepção, o pensamento e a linguagem.
Aceitar essa relação é abandonar a essência do não-velamento. Nenhuma tentativa para fundar a
essência do não-velamento sobre a "Razão", sobre o "espírito", sobre o "pensamento", sobre
"Logos", sobre não importa que espécie de "subjetividade", não poderá jamais salvar a essência do
não-velamento. Portanto, enquanto aquilo que é preciso fundar, a essência do não-velamento ela
mesma, não tem ainda sido suficientemente questionada, sondada, resgatada. Se se contenta sempre
em "explicar" uma consequência da essência incompreendida do não-velamento.
Necessário em primeiro lugar é uma apreciação daquilo que a essência
"privativa" da ajlhvqeia contém de "positivo". Este conteúdo positivo deve ser, em primeiro lugar,
apreendido como o traço fundamental do próprio ser. Mas é preciso que de início manifeste-se a
angústia onde o que não é mais como sempre somente o ente, mas ao menos uma vez o ser, que
merece ser visado por nossas questões. Isto porque uma tal angústia não é ainda senão tão iminente
que a essência original da verdade repousa sempre na obscuridade de sua origem.

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