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DIREITO PENAL DO INIMIGO: ALGUMAS MANIFESTAÇÕES NO DIREITO

PENAL BRASILEIRO

Andréa Conceição dos Santos


José Antonio de Jesus Júnior
Eunice lima dos Santos
Laércio Evangelista de Souza
Professor: Helvécio Giudice de Argôlo
Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
Bacharelado em Direito (T-02) – Direito Processual Penal II
23/05/2018

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo conhecer os principais aspectos da teoria do professor
alemão Günther Jakobs, denominada Direito Penal do Inimigo, a fim de analisar criticamente
manifestações da referida teoria no direito penal pátrio. A primeira parte traz uma visão da
teoria de Jakobs, destacando conceitos e bandeiras do Direito Penal do Inimigo. Em seguida,
serão apresentadas críticas à referida teoria, finalizando com a demonstração de manifestações
do Direito Penal do Inimigo, na Legislação Penal brasileira.

Palavras-chave: Direito Penal; Jakobs; Cidadão; Inimigo.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade tem como característica marcante o poder de mutação das relações sociais.
Esse dinamismo social tem como consequência a geração de conflitos que vão se modificando
durante o tempo, por motivações diversas. Dentre os motivos que geram, na atualidade,
mudanças significativas na sociedade estão: de um lado o poder estatal e de outro o poder
econômico, que transformam as relações sociais através de uma tensão entre o agir de acordo
com o que o Estado estabelece e as necessidades exigidas pela lei do consumo. Essas
necessidades aguçam no indivíduo desejos muitas vezes inalcançáveis, criando verdadeira
cobiça, desvirtuando sua conduta, o que leva a delinquência. Surge então, por parte do Estado,
o dever de coibir as transgressões pela tentativa da conscientização de uma identidade,
chamada de identidade normativa. Para os transgressores dessa identidade existe o Direito
Penal, contudo, para a teoria de Jakobs, a aplicação desse direito deve ser diferenciada em
relação a dois tipos distintos de sujeitos: o cidadão e o inimigo.
O Direito Penal do Inimigo é uma teoria criada pelo doutrinador, catedrático emérito
de Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn, Alemanha, o Professor
Günther Jakobs, o qual propõe a diferença de tratamento para o cidadão e para o inimigo. Este
merece tratamento mais rígido, com a flexibilização do princípio da legalidade e da supressão
de garantias penais, pois representa uma ameaça à sociedade, não gozando do status de pessoa,
enquanto àquele seriam asseguradas todas as garantias penais e liberdades.
O presente trabalho tem como objetivo conhecer a teoria de Jakobs, destacando
principalmente os seus conceitos de cidadão e inimigo, suas bases jurídico-filosóficas, bem
como relacionar e analisar as principais características da teoria, no intuito de proporcionar
uma base teórica que possibilite a análise crítica de algumas manifestações do Direito Penal
do Inimigo, inseridas na legislação penal brasileira. A primeira parte será dedicada ao
conhecimento panorâmico da teoria de Günther Jakobs, notadamente conceitos, base jus
filosóficas e características. Posteriormente, serão apresentadas críticas às manifestações do
Direito Penal do Inimigo, existentes na legislação brasileira e sua inviabilidade no Estado
Democrático de Direito, pois inconciliável com princípios assegurados na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988.

2. DIREITO PENAL DO INIMIGO: A TEORIA DE GÜNTHER JAKOBS

2.1. CONCEITO DE DIREITO PENAL DO INIMIGO

A teoria do Direito Penal do Inimigo foi utilizada por Günter Jakobs nos anos 80 do
século passado, contudo seu desenvolvimento teórico e filosófico foi robustecido a partir dos
anos 90, tendo ganhado maior destaque depois de 2001 com a onda de ataques terroristas pelo
mundo.
Em sua teoria, Jakobs, defende a existência de dois tipos distintos de indivíduos: o
primeiro tipo seria aquele que pratica reiteradamente crimes, causando danos irreparáveis e
graves, prejudicando toda a sociedade e negando a soberania do Estado, o inimigo. Para estes,
o Direito Penal não pode ser aplicado nos mesmos termos que seria a um criminoso comum,
sob pena de ser ineficaz, pois esse tipo não proporciona segurança para o meio onde
estabelece suas relações. O segundo tipo, o denominado cidadão, é aquele indivíduo que pode
até delinquir, contudo, tem a capacidade de entender a transgressão e retornar ao convívio
social, demonstrando conhecimento e (re) integração ao sistema normativo. Nesse sentido,
segundo a teoria, devem existir dois tipos de Direito Penal, um voltado para o cidadão e outro
voltado para o inimigo.

2.2. BASES JUS FILOSÓFICAS DA TEORIA DE JAKOBS

A teoria de Jakobs foi apresentada inicialmente nos anos iniciais da década de 80, do
século passado, contudo seus fundamentos jus filosóficos encontram base em teóricos
contratualistas, como: Russeau, Fichte, Hobbes e Kant, para os quais não podem usufruir dos
benefícios do Estado, aqueles que infringem o contrato social.
Para Russeau, deixa de fazer parte do Estado, todo aquele
que agride o direito da sociedade. O indivíduo que transgride não pode ser visto como cidadão
(citoyen), mas como uma ameaça, um inimigo (ennemi). Semelhante é o argumento de Fichte
que exclui dos direitos de cidadão que, por vontade ou imprudência, abandona o contrato
civil. Para Jakobs, essas ideias apresentam um conceito muito radical, quando distingue
cidadãos de direitos e inimigos. Hobbes destaca que será tratado como inimigo todo aquele
que pratique alta traição, não retirando do criminoso comum seu papel de cidadão. A ideia
kantiana é que todos estão autorizados a proceder de modo hostil, contra aquele que não se
deixou coagir ao estado de civilidade. A partir das teorias contratualistas, Jakobs, aproxima-se
das ideias de Hobbes e Kant, no ponto em que admitem a existência de tratamento desigual
para um determinado tipo de indivíduo.
Influenciado também pela teoria de Luhmann, Jakobs desenvolveu a corrente
dogmática denominada de funcionalismo sistêmico. Para Jakobs, o Direito Penal tem suas
próprias regras e está determinado pela função que cumpre no sistema social, sendo um
sistema autônomo, autorreferente e autopoiético, dentro do sistema mais amplo da sociedade.
Sob esta ótica, a conduta será considerada como comportamento humano voluntário causador
de um resultado evitável, violador do sistema, frustrando as expectativas normativas e
gerando uma penalidade para o violador. A teoria jakobiniana aborda a pena em dois
aspectos: coação e segurança. A pena coação tem como destinatário o cidadão, tendo valor
pedagógico, enquanto que a pena segurança visa à prevenção especial e produz fisicamente
algo.

2.3. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

A grande maioria dos estudiosos e doutrinadores destaca três, como as principais


características da teoria do alemão Günther Jakobs, são elas: a) o adiantamento da
punibilidade; b) penas desproporcionalmente altas; e c) relativização ou supressão das
garantias processuais.
A punição de atos preparatórios e a tipificação de figuras abstratas configuram
verdadeiro adiantamento da punibilidade, pois o indivíduo é incriminado não pela
exteriorização do fato, mas pela falta de segurança cognitiva que representa. Nesse sentido, a
pena tem como base a personalidade do autor e um fato futuro, não a efetiva ocorrência de um
fato delitivo, ou seja, as medidas são prospectivas em vez de retrospectiva, não respeitando o
princípio penal do fato. Também chamado de princípio da exteriorização, ou, ainda, da
materialização de um fato, consiste na obrigatoriamente da exteriorização de um fato
criminoso para que o agente seja punido, até porque não existe crime sem conduta (“nullum
crimen sine actione”).
Sobre tal característica do Direito Penal do inimigo, discorre Gracía Martin (apud
PILATI, 2009):

Uma primeira manifestação do Direito Penal do inimigo é aquela


representada pelos tipos penais que proporcionam uma ampla antecipação da
punibilidade para permitir o alcance de momentos nos quais os atos
realizados só possuem o caráter de preparatórios de fatos futuros. Esses tipos
penais baseiam-se nos dados específicos de abandono permanente do Direito
e de ameaça permanente dos princípios básicos da sociedade (falta de
segurança cognitiva), e podem ser caracterizados por ser seu objeto já não a
comissão de fatos delituosos concretos e determinados, mas qualquer
conduta informada e motivada pelo fato de seu autor pertencer a uma
organização que opera fora do Direito.

As penas desproporcionalmente altas são caracterizadas pela majoração da


reprimenda, sem levar em consideração a gravidade ou ofensividade do fato, mas a
necessidade de limitar ou evitar o grau de risco, devido a periculosidade do autor.
Gracía Martin (apud PILATI, 2009) concorda que:

uma segunda característica que permitiria inserir determinada normativa no


Direito Penal do inimigo seria a desproporcionalidade das penas, que se
manifestaria em duplo sentido. Por um lado, a criminalização de condutas no
âmbito prévio (...). Por outro lado, a circunstância específica de o autor
pertencer a uma organização é levada em consideração para estabelecer
agravações, às vezes consideráveis e, por isso mesmo, em princípio,
desproporcionais, das penas correspondentes aos fatos delituosos
concretamente realizados (...).

As garantias processuais penais são vistas como empecilhos e obstáculos para o


combate ao crime, dessa forma, devem ser relativizadas, ou seja, suprimidas ou até extintas
para a aplicação de um Direito Penal eficaz.
PILATI (2009) assevera o entendimento de Gracía Martin:

Um sinal especificamente significativo na identificação do Direito Penal do


inimigo, e ao mesmo profundamente sensível, é a considerável restrição de
garantias e direitos processuais dos imputados. Assim, questiona-se até
mesmo a presunção de inocência, por ser contrária à exigência de veracidade
no procedimento; são reduzidas consideravelmente as exigências de licitude
e admissibilidade da prova, são introduzidas medidas amplas de intervenção
nas comunicações, de investigação secreta ou clandestina, de
incomunicabilidade (...) são ampliados os prazos de detenção policial para o
cumprimento de ‘fins investigatórios’.

De forma sintética, a teoria proposta por Jakobs, apresenta essas características principais
que apontam a incidência do chamado de Direito Penal do inimigo.

3. CRÍTICAS À TEORIA DE GÜNTHER JAKOBS

A teoria de Jakobs é bastante contestada por doutrinadores e recebe críticas pela


postura radical de proteção da norma, bem como pelas ideias de supressão de garantias, o
aumento indiscriminado do poder punitivo estatal e a não observância do princípio da
exteriorização do fato.
Luigi Ferrajoli, na sua teoria do Garantismo, destaca que o Direito Penal deve agir e
ser aplicado com uma intervenção mínima na sociedade assim, outros ramos devem tentar
solucionar e só depois o Direito Penal entrar em ação. Dessa forma o poder institucionalizado
do Estado deve ser minimizado a partir da observação de princípios que zelem pelas
garantias: relativas à pena, relativas ao delito e relativas ao processo. Em face da observação
de princípios e garantias consolidadas na Constituição não seria possível a implantação de um
Direito Penal do Inimigo capaz de suprimir ou extinguir garantias, mesmo à pessoa que
cometa delitos.
Zaffaroni, sobre a teoria do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs, acentua em
sua obra: o Inimigo no Direito Penal, que o poder punitivo discrimina os indivíduos, pois ao
considerá-los apenas como entes perigosos e nocivos retira-lhes a condição de pessoa,
doravante são reconhecidos como inimigos da sociedade, não mais lhes cabendo as garantias
internacionais dos direitos humanos, ou seja, o Direito penal aplicado ao inimigo não
possuem os limites do direito penal aplicado a um cidadão. (Zaffaroni, 2007). Nesse sentido
alerta o autor: “A essência do tratamento diferenciado que se atribui ao inimigo consiste em
que o Direito lhe negue sua condição de pessoa”. (Zaffaroni, 2007, p.18).
Essa prática vai de encontro às características do Estado de Direito, assemelhando-se
às peculiaridades do Estado absoluto. Para o referido autor, essa pena com intuito meramente
de contenção do ente perigoso, denominada de medida de segurança, viola o artigo 1º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, e ainda permite uma liberdade de atuação quase
ilimitada pelo exercente do Poder Punitivo. Consoante à teoria do direito penal do inimigo de
Jakobs, o inimigo é determinado em razão de sua condição de periculosidade e nocividade, e
por isso, é punido, ficando a conduta em si relevada a segundo plano.
Salienta Zaffaroni que mesmo às épocas medievais existiam as grandes ameaças à
sobrevivência da sociedade e que deveriam ser duramente combatidas, começando pela
bruxaria na inquisição até o terrorismo e as drogas na atualidade, essas ameaças dão
legitimidade às guerras e a individualização do inimigo. O problema é que essa prática de
outrora levou muita gente inocente à morte e atualmente leva muitos outros inocentes às
prisões. Outro fato preocupante dessa individualização do inimigo é que antes ele era
perfeitamente identificável: mulheres, judeus, homossexuais, deficientes, etc., hoje ele pode
ser qualquer um que o poder punitivo considere como uma ameaça. Como não é mais possível
matar os indesejáveis inimigos em praças públicas, hoje eles são encarcerados em prisões com
altas taxas de mortalidade, julgamentos intermináveis e demorados, neutralizando-os sob a
forma de prisão preventiva. (Zaffaroni, 2007). O autor ainda alerta para o fenômeno da
técnica völkisch (popularesca): “[...] consiste em alimentar e reforçar os piores preconceitos
para estimular publicamente a identificação do inimigo da vez [...].” (Zaffaroni, 2007, p.57).
Essa técnica propiciada pela mídia ajuda a criar uma imagem demonizada do inimigo, criando
na sociedade um sentimento de que essas pessoas não são humanas, e que, portanto, as
garantias e direitos fundamentais não se aplicam a elas. Nesse sentido salienta o ilustre autor:

“[...] parece que na medida em que a riqueza se polariza, a anomia avança no


sentido originário de Durkheim e o discurso popularesco, grosseiro e
primitivo tem maior aceitação porque parece compensar a segurança perdida
por causa da globalização: a sociedade perde coesão e está ávida por um
discurso que lhe devolva essa perspectiva, por primitivo, vingativo e
völkisch que seja; a coesão é alcançada através de um discurso simplista que
clama pela vingança pura e simples [...].” (Zaffaroni, 2007, p.72).

O apelo midiático encontra facilmente respaldo na sociedade, uma vez que esta se
encontra coagida e amedrontada pela violência generalizada e a sensação de insegurança
causada pelas falhas na segurança pública, de modo que um agigantamento do poder punitivo
permite uma falsa sensação de maior proteção.
Zaffaroni alerta para os efeitos danosos de se aplicar os preceitos do direito penal do
inimigo, os quais são aplicados na América Latina: “[...] quase todo o poder punitivo latino-
americano é exercido sob a forma de medidas, ou seja, tudo se converteu em privação de
liberdade sem sentença firme, apenas por presunção de periculosidade [...].” (Zaffaroni, 2007,
p. 70). O autor ainda demonstra estatisticamente a ineficácia dessas medidas, uma vez que
aproximadamente ¾ dos presos latino-americanos estão submetidos a medidas de contenção
apenas por suspeita (prisão ou detenção privativa), e desses, quase 1/3 será absolvido.
(Zaffaroni, 2007).
Por fim, não obstante consoante à teoria de Jakobs as medidas de contenção serem
perfeitamente compatíveis com o Estado de Direito, segundo Zaffaroni, o poder é dinâmico e
facilmente ampliável de modo que o Estado de Direito acabaria sendo absorvido pelo Estado
absoluto que inexoravelmente surgiria. Nesse sentido, explica o autor:

A partir de uma visão estática do poder – ou seja, da fotografia – é possível


pensar que, se concedermos um espaço limitado ao direito penal do inimigo,
ou seja, se entregarmos um grupo de pessoas ao poder conforme o modelo
do Estado de polícia e de forma limitada, as pulsões deste modelo cessarão.
Todavia, não é isso que acontece na realidade dinâmica do poder, no qual
todo espaço que se concede ao Estado de polícia é usado por este para
estender-se até chegar ao Estado absoluto. (Zaffaroni, 2007, p.166)

Destarte, os problemas de delinquência generalizada que afeta o Brasil e o mundo, são


em grande parte causados pela desigualdade social e pelo capitalismo desenfreado, de modo
que a solução permeia pelas políticas públicas positivas e medidas socioeducativas, e não
mediante uma maior criminalização de condutas, muito menos uma individualização do
inimigo pela sua condição de periculosidade e futura pretensão a delinquir, encarcerando
esses inimigos o maior tempo possível ainda que ao final demonstrem ser inocentes.
Adeptos do Direito Penal do Inimigo defendem a proteção do princípio da igualdade,
como principal bandeira. A justificativa seria que o cidadão de bem não pode ser tratado da
mesma forma como as pessoas que enfrentam o Estado ou utiliza de prerrogativas de foro
para fraudar o sistema. Nesse sentido seriam considerados inimigos do Estado aqueles que
praticam os crimes de: colarinho branco, terrorismo, tráfico de drogas, além daqueles
considerados reincidentes e participantes de organizações criminosas.

4. ALGUMAS MANIFESTAÇÕES DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NA


LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Apesar de muitos estudiosos não reconhecerem a existência de um direito penal


endereçado ao inimigo, é possível observar manifestações da teoria, no sistema penal
brasileiro. Sem a intenção de esgotar o assunto, e a título exemplificativo, citamos algumas
manifestações que deixam aflorar o referido direito.
A Lei nº 12.850, de 2013, é um exemplo da ocorrência do Direito Penal do Inimigo no
Ordenamento Jurídico Brasileiro. Em seu art. 288, a referida Lei descreve que: “Associarem-
se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. Pena - reclusão, de 1
(um) a 3 (três) anos”. É possível observar uma das principais características da teoria
jakobiniana, pois o legislador optou por punir o que pode ser considerado um mero ato
preparatório. Para a consumação do delito de quadrilha ou bando não é necessário que as
pessoas associadas tenham efetivamente praticado algum delito, bastando que eles se juntem
com o fim de cometer crimes. O que se pune assim é o fato de pessoas se organizarem para
futuramente praticarem algum ato ilícito.
A Lei nº 11.343/06, conhecida como lei antidrogas traz em seu conteúdo a punição
severa do autor, independentemente da conduta, haja vista os dezoito verbos que caracterizam
não o tipo penal, mais sim o sujeito do delito. O legislador adotou um modelo punitivista de
aplicação da lei, punindo o agente transgressor pelo que é, e não pelo que fez, em clara
adoção ao direito penal do inimigo, propugnado por Jakobs.
No artigo 33 da referida lei, existem 18 verbos caracterizadores, notadamente, não do
tipo penal, mais unicamente do sujeito do delito, senão vejamos: “importar, exportar, remeter,
preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer
drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar”. Observa-se que o inimigo, eleito pela legislação, é tratado igualmente em
sendo um grande traficante de drogas ou simplesmente um sujeito que prescreveu ou adquiriu
para seu consumo, ou seja, a legislação prescreve as mesmas penas de 5 a 15 anos de
reclusão, além de multa.
O Regime Disciplinar Diferenciado, introduzido no Brasil pela Lei nº 10.792/2003,
que alterou a Lei de Execuções Penais, também é um exemplo do endurecimento no
cumprimento da pena para aqueles que representem riscos para a sociedade.

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e,
quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso
provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime
disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da
sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da
pena aplicada;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração
de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos
provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto
risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso
provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de
envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações
criminosas, quadrilha ou bando (BRASIL, 2003).

Recentemente, observamos no Brasil a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)


admitindo o cumprimento da pena após a confirmação de sentença penal condenatória em
segunda instância. O posicionamento parece contradizer o postulado do princípio da
presunção de inocência, instituído como um dos princípios basilares do Direito, responsável
por tutelar a liberdade dos indivíduos, sendo previsto pelo art. 5º, LVII da Constituição de
1988, que enuncia: “ninguém será considerado culpado até transito em julgado de sentença
penal condenatória”. Destarte, garantias e direitos processuais foram suprimidos,
evidenciando também uma característica da teoria de Jakobs, no sentido de que o festejado
princípio seria empecilho ou obstáculo para a efetivação da justiça.
Outra evidência recente da existência de um Direito Penal endereçado ao inimigo é a
Lei nº 13.260/2016, que apresenta o conceito de organização terrorista, sem esclarecer o que
essa venha a ser, proporcionando ao aplicador ampla margem interpretativa da Lei Penal.
Descreve o art. 3º da referida Lei: “Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio,
pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista: Pena - reclusão, de cinco a
oito anos, e multa”. Outro tipo penal no qual também se encontra a teoria do Direito PENAL
do inimigo é o artigo 5º da referida Lei, que assim disciplina, in verbis: “Realizar atos
preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito: Pena - a
correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade”. Nessa Lei o
legislador buscou criar ferramentas contra a insegurança e o desequilíbrio que o inimigo
representa, fazendo com que os tipos penais antecipem a punição aos atos preparatórios
(BARBOSA, 2016).

5. CONASIDERAÇÕES FINAIS

6. REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ruchester Marreiros. Lei antiterrorismo e Direito Penal do Inimigo. Jurídico


Certo. Disponível em: <https://juridicocerto.com/p/carlo-daniel-basto/artigos/a-utilizacao-da-
teoria-do-direito-penal-do-inimigo-na-criacao-da-lei-n-o-13-260-2016-e-seus-
desdobramentos-na-esfera-dos-direitos-fundamentais-do-cidadao-3487>. Acesso em: 20 mai.
2018.

FARACHE, Jacob Arnaldo Campos. O inimigo no Direito Penal: uma breve exploração da
obra de Eugenio Raúl Zaffaroni. Conteúdo Jurídico. Brasília - DF: 06 fev. 2009. Disponível
em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.22999&seo=1>. Acesso em: 22
mai. 2018.

IEMINI, Matheus Magnus Santos. Direito penal do inimigo: Sua expansão no ordenamento
jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XIII, n. 75, abr 2010. Disponível em: <
http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7619
>. Acesso em 22 mai 2018.

JAKOBS, Günther. DIREITO PENAL DO INIMIGO. MOREIRA, Luiz; OLIVEIRA ,


Eugênio Pacelli de (Org.). Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008.
PILATI. Rachel Cardoso. Análise crítica do direito penal do inimigo de Günther Jakobs.
Revista Jurídica FURB. V. 13, n. 25, 2009. Disponível em:
<http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/1333/1066>. Acesso em 19 mai 2018.

RIBEIRO. Bruno de Morais. Defesa social e direito penal do inimigo: visão crítica. Rio de
Janeiro: Lumen Júris, 2011.
ROSA, Patrícia Rodrigues. Análise crítica da teoria do direito penal do inimigo frente ao
paradigma de estado democrático de direito. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XVI, n. 113,
jun 2013. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12929
>. Acesso 20 mai. 2018.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007

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