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Equilíbrio de Corpos Rígidos

Atrito

Conteúdo
1 Introdução 2

2 Equilíbrio de uma partícula 3

3 Equilíbrio de corpo rígido 4


3.1 Corpos rígidos e o princípio da transmissibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
3.2 Equações de equilíbrio de um corpo rígido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
3.3 Equilíbrio de um corpo submetido a duas ou três forças . . . . . . . . . . . . . . . 6
3.4 Problemas planos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
3.5 Forças exteriores e interiores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
3.6 Diagrama de corpo livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
3.7 Determinação de reações ou de forças de ligação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3.8 Alguns tipos de ligações ao exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3.9 Exemplo de aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
3.10 Limites ao valor das reações ou forças de ligação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
3.11 A linha de ação da reação normal e a verificação ao derrubamento . . . . . . . . 15
3.12 Determinação de posições de equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

4 Atrito 19
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
4.2 Leis do atrito seco. Coeficientes de atrito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
4.3 Ângulo de atrito e plano inclinado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
4.4 Atrito cinético e as equações do movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
4.5 Atrito em cabos e correias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4.6 Metodologia para resolução de problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.7 Exemplo de aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

1
1 Introdução
Este texto aborda a estática dos corpos rígidos, ou seja, ocupa-se das condições necessárias e
suficientes para que um corpo esteja em repouso.
Começa-se por rever as condições de equilíbrio de uma partícula, para depois se generalizar
essas condições ao equilíbrio de corpos rígidos. Discutem-se conceitos fundamentais tais como
o diagrama de corpo livre, a distinção entre forças exteriores e interiores e os tipos de ligações
ao exterior. Finalmente, aborda-se as leis do atrito seco e a forma como essas leis afetam os
problemas de equilíbrio de corpos.
Os conceitos são ilustrados através de problemas envolvendo a determinação de forças de
ligação, o cálculo de forças aplicadas que tornam o movimento iminente e, ainda, a procura de
posições de equilíbrio.
O autor agradece aos professores António Pinto da Costa e Carlos Tiago o trabalho de revisão
do texto e as sugestões dadas.

2
2 Equilíbrio de uma partícula
De acordo com as leis de Newton, uma partícula está em equilíbrio se a resultante das forças que
nela atuam for nula.
n

− X→
− →

R = Fi = 0
i=1

Esta equação é a base de toda a estática, valendo a pena tecer alguns comentários que tornem o
seu significado mais preciso.


Em primeiro lugar, de acordo com a segunda lei de Newton, F = m→ −a , se a força é nula
conclui-se apenas que a aceleração é nula, podendo dar-se o caso de a partícula se mover com
velocidade constante. No presente contexto, da estática da partícula e do corpo rígido, estamos
essencialmente interessados em saber se o equilíbrio existe ou não, isto é, se é possível um corpo
se manter em repouso quando submetido a uma dada solicitação. Assim, por uma questão de
simplicidade, identificamos equilíbrio com repouso, isto é, admitimos que na ausência de forças
a partícula está em repouso.
Em segundo lugar, a utilização da palavra partícula quer apenas dizer que a forma e as
dimensões do corpo em consideração não desempenham um papel relevante na análise do pro-
blema e que se pode admitir que todas as forças intervenientes estão aplicadas num mesmo
ponto. Como se verá mais à frente, o equilíbrio de um corpo rígido não pode ser sempre enca-
rado como o equilíbrio de uma partícula já que as linhas de acção de todas as forças interveni-
entes nem sempre concorrem no mesmo ponto.
Em terceiro lugar, a equação de equilíbrio refere-se à resultante das forças que atuam numa
dada partícula. Como sabemos, a força é uma grandeza vetorial — caracterizada, portanto, por
uma intensidade e direcção — que representa a acção de um corpo sobre outro. A resultante
das forças é obtida pela soma vetorial das várias forças intervenientes, a qual segue as regras
habituais (regra do paralelogramo, ou recorrendo à decomposição dos vetores em componentes
cartesianas). Se a resultante é nula, tal como requerido para que haja equilíbrio da partícula,
então o polígono correspondente à soma de todas as forças é fechado (ver figura 1).

F4
F5
F3
F5
F1
F4
F2 F1 F2

F3
Figura 1: Partícula em equilíbrio sobre a ação de cinco forças. Polígono de forças.

3
3 Equilíbrio de corpo rígido
3.1 Corpos rígidos e o princípio da transmissibilidade
Um corpo rígido é uma idealização na qual se consideram as dimensões reais de um corpo ao
mesmo tempo que se admite que a distância entre quaisquer dois pontos do corpo se mantém
inalterada. É portanto mais realista que a idealização de partícula, mas não contempla a de-
formação do corpo, abordada na Mecânica dos Corpos Deformáveis em geral e na Resistência de
Materiais em particular.

⇔ <

Figura 2: Importância da linha de ação das forças atuando num corpo rígido. Embora as
forças atuantes sejam as mesmas nos três casos, apenas a partícula e o corpo
rígido da esquerda se encontram em equilíbrio. O corpo rígido da direita terá
tendência a rodar no sentido horário.

Na análise do equilíbrio de uma partícula basta saber quais as forças aplicadas à partícula.
Já na análise do equilíbrio de um corpo rígido, onde as dimensões do corpo são consideradas
relevantes, passa também a ser importante saber onde é que as forças atuantes estão aplicadas.
Na figura 2 ilustra-se essa importância.
Por outro lado, como se admite que o corpo é rígido aplica-se o princípio da transmissibili-
dade, segundo o qual o efeito de uma força sobre o equilíbrio de um corpo rígido não se altera
se a força se mover ao longo de uma linha que contém a própria força, deslizando para a frente
ou para trás mas não na direcção transversal à força. Isto significa que, em termos de equilíbrio,
o efeito de uma força sobre um corpo rígido fica totalmente definido se conhecermos a força e a
sua linha de ação — ver figura 3.

F ⇔

Figura 3: Princípio da transmissibilidade. Os efeitos de uma força no equilíbrio de um


corpo rígido não se alteram se a força for aplicada noutro ponto da sua linha de
ação.

Acrescente-se que se estivéssemos interessados em analisar a deformação do corpo ou sim-


plesmente as forças internas instaladas no corpo, o princípio da transmissibilidade não se apli-
caria e seria fundamental conhecer o ponto de aplicação das forças. Como se mostra na figura
4, a resposta de um corpo (muito) deformável é totalmente diferente consoante se puxam ou
se empurram as suas extremidades. Além disso, a equivalência referida para os corpos rígi-
dos limita-se ao equilíbrio, não sendo válida em termos de esforços internos como veremos em
capítulos mais à frente.

3.2 Equações de equilíbrio de um corpo rígido


Como no estudo do equilíbrio dos corpos rígidos as forças se comportam como vetores deslizantes,
aplica-se a teoria dos sistemas de vetores estudada anteriormente. De acordo com esta teoria

4
Corpo rígido ⇔

Corpo deformável <

Figura 4: Importância do ponto de aplicação das forças. Para analisar o equilíbrio de um


corpo rígido é indiferente trocar os pontos de aplicação das duas forças represen-
tadas, dado que elas têm a mesma linha de ação. Mas o comportamento de um
corpo deformável é totalmente diferente se essa mesma troca for efetuada.

qualquer sistema de forças pode ser representado pelos seus elementos de redução num ponto

− −

A: a resultante R e o momento resultante nesse ponto M A . No caso de um sistema constituído
por n forças, tem-se (ver figura 5)
n

− X→

R = Fi
i=1
n

→ X −−→ → −
MA = APi × Fi
i=1


− →

onde Pi é um ponto da linha de ação de cada uma das n forças Fi . As forças Fi podem repre-
sentar cargas concentradas ou a resultante de cargas distribuídas.




→ P1 Pn Fn
F1
−−→
MA
P2 A ... →


→ Fi ⇔ A
F2 →

... R
P3 Pi


F3
Figura 5: Redução num ponto A de um sistema de forças atuando num corpo rígido. O

− −

corpo rígido estará em equilíbrio se a resultante R e o momento resultante M A
forem nulos.

Dos quatro possíveis casos de redução, o equilíbrio de um corpo rígido corresponde ao caso
de sistema equivalente a vetor nulo, isto é, ao caso em que

− →

R = 0
−−→ → −
MA = 0

Na prática estas duas equações vetoriais podem ser decompostas nas suas componentes cartesi-
anas, relativas a um referencial (x, y, z), correspondendo a seis equações de equilíbrio escalares,
Sendo nulos os elementos de redução no ponto A, a aplicação da fórmula de propagação de

5
momentos permite concluir facilmente que também se tem

− →

R = 0
−−→ −−→ −−→ → − − −−→ →
→ − →

MB = MA + BA × R = 0 + BA × 0 = 0
qualquer que seja o ponto B. Este resultado já era conhecido da teoria dos sistemas de vetores,
na qual a classificação do caso de redução de um sistema é feita com base nos elementos de re-
dução calculados num ponto arbitrário, mas convém recordá-lo dada a relevância para a análise
do equilíbrio dos corpos rígidos, sendo importante destacar dois aspetos.
Em primeiro lugar, observa-se que o ponto escolhido para efetuar a redução do sistema
de forças é irrelevante, podendo mesmo ser um ponto que não pertence ao corpo rígido. Este
aspeto é importante porque a resolução de alguns problemas fica muito facilitada quando se
escreve a equação de momentos num ponto particular (por exemplo, o ponto que corresponde
à intersecção das linhas de ação de duas forças desconhecidas).
Por outro lado, faz-se notar que as 3 equações de momentos no ponto B são linearmente
dependentes das 6 equações correspondentes ao equilíbrio de forças e de momentos no ponto A.
Dito de outro modo, uma vez garantido o equilíbrio de forças e de momentos num ponto, não
adianta escrever mais equações de momentos noutros pontos, já que elas não acrescentam mais
informação. Isto significa que só é possível escrever seis equações independentes para o equilíbrio
de um corpo rígido.

3.3 Equilíbrio de um corpo submetido a duas ou três forças


Se um corpo está em equilíbrio, a resultante das forças atuantes tem de ser evidentemente nula.
Mas para além deste resultado geral é possível concluir algo sobre as linhas de ação das forças,
quando o número destas não excede três. Essas conclusões podem facilitar a formulação ou a
resolução de alguns problemas, pelo que vale dispender-lhes alguma atenção.

duas forças


Admita-se então um corpo rígido em equilíbrio, sobre a acção de duas forças, FA aplicada em A
−→
e FB aplicada em B. Calculando os elementos de redução em A e igualando-os a zero tem-se

− −
→ −→ → − −−→ −−→ −→ → −
R = FA + FB = 0 MA = AB × FB = 0
−→ −→
Da primeira equação conclui-se que FB = −FA , enquanto que a segunda permite estabelecer
−−→ −→ −→
que o vetor AB é paralelo a FB e, portanto também a FA .
Dito de outro modo, se um corpo rígido está em equilíbrio sobre a ação de apenas duas forças,
então elas têm a mesma intensidade e direcção, mas sentidos opostos, e, para além disso, partilham
a mesma linha de ação (ver figura 6).

três forças


Considere-se agora o caso de o corpo rígido estar em equilíbrio sob a acção de três forças, FA
−→ −→
aplicada em A, FB aplicada em B, e FC aplicada em C.
Em primeiro lugar, mostra-se que as forças são complanares. Considere-se, por exemplo, a
equação de equilíbrio de momentos em torno do eixo AB,1
−→ − −−→
→ −−→ −→ −→ −→ AB −→ −→ −−→
MAB = AA × FA + BB × FB + AC × FC · = 0 ⇒ AC × FC · AB = 0
|AB|
1
Recorde-se que para calcular o momento de uma força em relação a um eixo basta calcular o momento num
ponto desse eixo e projetar no eixo (fazendo o produto interno com o versor do eixo). Neste caso, escolhemos
−→ −→ −→
calcular o momento das forças FA e FC no ponto A e da força FB no ponto B.

6
−→
−→ FB
B FB
B
D C −→
FC
A A

→ −

FA FA
Figura 6: Corpo em equilíbrio sob a acção de duas ou três forças. A linha de ação das duas
únicas forças atuando num corpo é partilhada. Se três forças estão em equilíbrio,
as suas linhas de ação intersectam-se num mesmo ponto (a única excepção é se
forem todas paralelas).

−→ −→
As duas forças FA e FB não provocam momentos por estarem aplicadas no eixo, concluindo-
−→
-se que o momento da terceira força, FC , será também forçosamente nulo, o que só acontece
se a sua linha de ação intersectar o eixo AB ou lhe for paralela. Em qualquer dos casos, isso
−→
significa que a força FC deve necessariamente pertencer ao plano definido pelos três pontos
ABC. Repetindo o mesmo argumento para cada uma das outras forças (escrevendo as equações
de momentos relativamente aos eixos AC e BC), concluímos que as três forças devem ser
complanares, pertencendo todas ao plano ABC.
Estabelecida a complanaridade, há então que considerar duas possibilidades: ou as forças
são todas paralelas, ou então as linhas de ação de duas das forças têm que forçosamente se
intersectar, num ponto D do plano ABC. Mas, escrevendo a equação de momentos no ponto D
e igualando-a a zero, concluiremos que a linha de ação da terceira força também tem que passar
nesse mesmo ponto.
Em resumo: se três forças estão em equilíbrio, a sua resultante é nula e, além disso, ou são
paralelas ou as respetivas linhas de ação são concorrentes (figura 6).2 Note-se que o ponto de
intersecção das linhas de ação não pertence necessariamente ao corpo.

3.4 Problemas planos


Se todas as forças que atuarem num corpo estiverem contidas no mesmo plano, é possível sim-
plificar a análise do problema utilizando apenas três equações de equilíbrio.
De facto, se o plano que contem as forças for definido por z = 0, verifica-se que: (i) todas
as forças apenas têm componentes segundo x e y e (ii) o momento de qualquer força calculado
num ponto desse plano, sendo obtido através do produto externo de dois vetores contidos no
plano xy, apenas tem componente segundo z.
Então, das seis equações de equilíbrio de um corpo rígido, três estão automaticamente satis-
feitas, havendo apenas que verificar as três restantes:

Rx = 0 Ry = 0 MAz = 0

Em conformidade, o número de equações independentes de equilíbrio de um corpo rígido no


plano é de três.
Para além desta redução do número de equações, não há grande diferença nos conceitos que
se abordam de seguida.
2
O presente argumento exige que os três pontos não fossem colineares para que faça sentido definir um plano
com base nos 3 pontos. Mas, se as três forças não forem paralelas, é sempre possível encontrar três pontos A, B e
C, um da linha de ação de cada força, que sejam não colineares. E, se forem paralelas, a conclusão final é verificada
logo à partida.

7
3.5 Forças exteriores e interiores
Embora em abstrato um corpo rígido seja muitas vezes representado como uma massa perfei-
tamente delimitada a flutuar no espaço, na prática a idealização de um corpo rígido pode ser
utilizada de muitas formas distintas. Exemplos de entidades que podem ser encarados como
corpos rígidos incluem:

• corpos isolados, como por exemplo um bloco de pedra ou uma barra de aço;

• um conjunto de corpos ligados entre si, como por exemplo um automóvel3 formado por
várias peças ou uma estrutura formada por várias barras;

• uma parte de um objeto maior, como por exemplo um pilar inserido numa estrutura ou o
cabo de um martelo.

Na verdade, a distinção entre estes casos é um pouco difusa, sendo o ponto importante o facto de
um corpo rígido ser qualquer entidade cuja deformação (ou movimento interno) não é relevante
e que interage com o mundo exterior através de forças.
No caso de uma partícula, sem dimensões, todas as forças aplicadas têm origem externa.
No caso de um corpo rígido — que, como dissemos, pode inclusivamente corresponder a um
conjunto de corpos ligados entre si —, é importante classificar as forças em dois tipos: (i) forças
exteriores e (ii) forças interiores.
As forças exteriores têm origem no exterior do corpo rígido considerado e representam a
acção dos outros corpos sobre o corpo rígido em análise. Incluem o peso do próprio corpo, o
peso de outros corpos suportados pelo corpo, outras forças de contacto exercidas por corpos
adjacentes, as reações dos apoios que se opõem ao movimento do corpo, ou, de um modo geral,
qualquer força com origem externa (a força transmitida por uma corda que puxa o corpo ou a
força exercida pelo vento, por exemplo). Atente-se que o peso próprio do corpo é uma força que
está aplicada no interior do corpo, mas não deixa por isso de ser uma força exterior, na medida
em que é a força de atração gravítica exercida pelo planeta Terra — tendo, portanto, origem no
exterior do corpo — sobre o próprio corpo rígido.
Em contrapartida, as forças interiores são forças exercidas por uma parte do corpo rígido
sobre outra parte do mesmo corpo. São essas forças que asseguram a coesão do corpo rígido,
mantendo as suas diferentes partes unidas num todo, ou que correspondem simplesmente a
interações entre as diversas componentes do corpo.
Como é evidente, a classificação de uma força em exterior ou interior depende de qual é o
corpo rígido em análise.
O exemplo simples da pilha de três blocos de peso P representada na figura 7 permite ilustrar
o conceito. Cada um dos blocos está sujeito ao peso próprio e à força de contacto com os blocos
vizinhos e/ou a força exercida pelo chão. Por exemplo, as forças exteriores que atuam no bloco
inferior são o seu peso P , a força de contacto com o bloco do meio R2 e a força R3 de reacção
do chão. No entanto, se analisarmos a pilha toda como um único corpo, as forças exteriores são
simplesmente os pesos dos três blocos e a reacção do chão. Para a análise da pilha as forças R1
e R2 constituem dois pares de forças interiores.
Mas as forças interiores não se esgotam nas forças R1 e R2 , existindo também no interior de
cada bloco. Se imaginarmos que dividimos cada bloco em vários pedaços, na análise do equi-
líbrio de cada fragmento teríamos que considerar as forças de ligação que existem entre esses
vários pedaços. Na prática, no interior de um corpo rígido existem inúmeras forças de ligação,
já que se trata de um corpo contínuo que pode ser dividido também de inúmeras maneiras.
3
Pode parecer um pouco forçado idealizar um automóvel como um corpo rígido, mas há situações em que isso
faz sentido. Para analisar o equilíbrio de um automóvel sobre um viaduto ou sobre um camião de transporte é
razoável admitir que o movimento das partes móveis do automóvel — rodas, volante, motor, etc — não é relevante
e, portanto, pode ser simplesmente ignorado.

8
P

R1
P
R1

P P

R2
P
R2
R3
P

R3

Figura 7: Equilíbrio de uma pilha de três blocos. Diagramas de corpo livre e distinção entre
forças exteriores e forças interiores. As forças R1 e R2 são exteriores quando os
blocos são analisados individualmente mas são interiores na análise da pilha
como um todo, podendo ser ignoradas.

Esta multiplicidade de forças interiores não é um problema uma vez que não é necessário
considerar as forças interiores na análise do equilíbrio de um corpo rígido. Por exemplo, o
equilíbrio da pilha envolve apenas as forças exteriores P e a reacção R3 . A justificação reside
no facto de as forças interiores R1 e R2 se anularem duas a duas por constituirem sempre pares
ação-reação.
A análise do equilíbrio de um corpo nada diz sobre se as forças interiores são ou não capazes
de assegurar que o corpo em análise se comporta rigidamente. Quando se analisa a pilha como
um único corpo rígido, admite-se que os movimentos relativos entre blocos estão excluídos à
partida, hipótese essa que pode não ser válida — por exemplo, é possível puxar o bloco superior
para cima de forma a desfazer a pilha. Uma avaliação do «comportamento de corpo rígido»
pode assim necessitar da determinação das forças interiores, calculadas com base no equilíbrio
de cada um dos três corpos rígidos distintos.
Apesar da simplicidade deste exemplo é importante reconhecer que o conceito fundamental
é geral: apenas as forças exteriores devem ser consideradas nas equações de equilíbrio de um corpo
rígido.4
4
Inclui-se aqui uma explicação um pouco mais formal, aplicável a um corpo genérico submetido a forças arbitrá-
rias. Encare-se o corpo como um sistema de n partículas. Distinguido explicitamente entre forças exteriores (com
origem no exterior do corpo) e forças interiores (resultam da interação entre as várias partículas que pertencem ao
corpo), a força atuante em cada partícula pode ser expressa por

→ − → −

Fk = Fk ext + Fk int

Para a partícula estar em equilíbrio é necessário que a força total que atua partícula seja nula, isto é,

→ − →
Fk = 0

De acordo com a terceira lei de Newton (lei da ação e reação), o sistema de forças interiores é constituído por pares
de forças iguais em intensidade, com a mesma linha de ação e sentidos opostos. Cada um desses pares de forças
interiores é pois equivalente a zero e, consequentemente, o sistema constituído por todas as forças interiores do

9
3.6 Diagrama de corpo livre
Como consequência dos aspetos focados até agora, pode concluir-se que, para resolver um pro-
blema de equilíbrio de corpo rígido, é fundamental identificar de forma clara (i) qual é o corpo
a analisar, (ii) quais as forças exteriores que nele atuam e (iii) qual é a linha de ação de cada
uma das forças atuantes.
A melhor forma de lidar com estas questões é desenhar em primeiro lugar o diagrama de
corpo livre (DCL). O correto traçado deste diagrama, antes de escrever equações, é meio caminho
andado para a resolução correta de um dado problema. Na verdade, constata-se que grande
parte dos erros cometidos na resolução de problemas de equilíbrio têm origem na ausência de
ou num incorreto diagrama de corpo livre, frequentemente omitindo forças ou considerando
forças que não atuam no corpo em causa.
Para desenhar este diagrama começa-se por selecionar qual o corpo a analisar, desenhando-o
separadamente do mundo exterior. O desenho pode ser esquemático, mas é importante lembrar
que as dimensões do corpo são importantes, especialmente aquelas que dizem respeito à locali-
zação das forças que nele atuam.
Em seguida, todas as forças exteriores aplicadas ao corpo são representadas, devendo-se ter
o cuidado de identificar claramente qual o ponto de aplicação ou qual a linha de ação de cada
uma delas. Apenas as forças exercidas pelo exterior sobre o corpo devem ser incluídas. Nem (i)
as forças interiores ao corpo nem (ii) as forças exercidas pelo corpo sobre outros corpos — estas
últimas de sentido contrário às forças exercidas sobre o corpo — devem ser incluídas.
Na maior parte dos problemas, existem forças que são conhecidas à partida. É o caso do
peso do próprio corpo, ou as forças que lhe são aplicadas para um dada finalidade. Conhece-se,
portanto, a completa definição destas forças, incluindo intensidade, direção e sentido.
Em contrapartida, existem forças que são desconhecidas à partida. Estas forças resultam
geralmente do contacto com outros corpos e é através delas que o corpo é mantido em repouso.
Sendo forças que se opõem ao movimento, são designadas por forças de reacção ou, ainda, por
forças de ligação. À partida desconhece-se a intensidade e sentido destas forças, mas muitas vezes
o conhecimento do tipo de ligação permite conhecer a sua direção ou quais as suas componentes
que devem ser consideradas.
Considere-se novamente o exemplo simples da figura 7, no qual é suficiente considerar ape-
nas forças verticais e as correspondentes equações de equilíbrio na direcção vertical. Na figura
sistema de partículas é também nulo. Então, os seus elementos de redução calculados num ponto O qualquer são
n n
X −
→ −
→ X

→ −
→ −

Fk int = 0 rk × Fk int = 0
k=1 k=1

−−→
onde −→
rk = OPk é a posição da késima partícula relativamente ao ponto O. Segue-se que os elementos de redução do
sistema de forças exteriores e do sistema de forças total são idênticos, isto é
n n n n
X −
→ X− → X −
→ X −

Fk = Fk ext + Fk int = Fk ext
k=1 k=1 k=1 k=1
n n n n
X

→ −
→ X

→ −
→ X

→ −
→ X

→ −

rk × F k = rk × Fk ext + rk × Fk int = rk × Fk ext
k=1 k=1 k=1 k=1

Para o corpo rígido estar em equilíbrio, o sistema de forças total tem que ser equivalente a sistema nulo. Tirando
partido das equações precedentes, conclui-se que
n n

→ X−→ X− → −

R = Fk = Fk ext = 0
k=1 k=1
n n
−−→ X −
→ −
→ X− → −
→ −

MO = rk × Fk = rk × Fk ext = 0
k=1 k=1

ou seja, apenas as forças exteriores necessitam de ser contabilizadas para a escrita das equações de equilíbrio.

10
é possível observar os diagramas de corpo livre de cada um dos blocos vistos isoladamente e,
ainda, como alternativa, o diagrama de corpo livre da pilha encarada como um único corpo.5
Neste exemplo, as forças P , correspondentes ao peso dos blocos, são as forças conhecidas
e as forças de ligação R1 , R2 e R3 são as forças de ligação ou reacção desconhecidas. Uma
discussão mais detalhada da natureza dos vários tipos de ligação é levada a cabo na secção 3.8.

3.7 Determinação de reações ou de forças de ligação


Os problemas de equilíbrio são muitas vezes formulados para determinar qual o valor das forças
de ligação correspondentes a uma determinada posição de equilíbrio.
Uma vez concluído o diagrama de corpo livre, a escrita das equações de equilíbrio (forças e
momentos), contabilizando a contribuição de todas as forças aplicadas ao corpo, conduz a um
sistema de equações lineares, sendo as incógnitas o valor das forças de ligação desconhecidas.
Este sistema de equações pode ser (i) impossível, (ii) determinado ou (iii) indeterminado.6
Quando o sistema é impossível, significa simplesmente que as ligações ao exterior não são sufi-
cientes para manter o corpo em equilíbrio sob a acção das forças que lhe estão aplicadas. Nos
outros casos, o equilíbrio é sempre possível, mas nem sempre permite, por si só, a determinação
das forças de ligação.
Voltando ao exemplo da pilha, escrevendo a equação de equilíbrio na direcção vertical para
cada um dos três blocos tem-se

R1 − P = 0 R2 − P − R1 = 0 R3 − P − R2 = 0

Estas equações no seu conjunto permitem a determinação de todas as forças desconhecidas,

R1 = P R2 = 2P R3 = 3P

Em alternativa, se analisarmos o diagrama de corpo livre da pilha, concluiremos que R3 = 3P ,


sem necessidade de determinar ou sequer de considerar as forças R1 e R2 . Em qualquer das
abordagens (blocos ou pilha), o equilíbrio é, neste caso, estaticamente determinado.
Note-se que em muitos casos, desconhece-se à partida qual é o sentido das componentes das
reações ou das forças de ligação. Na prática, arbitra-se inicialmente um sentido para cada uma
dessas componentes, devendo as equações de equilíbrio refletir essa opção — por exemplo, a
força R1 aparece com sinal positivo na primeira equação e com sinal negativo na segunda. O
valor dessas componentes resulta da solução das equações de equilíbrio, admitindo, evidente-
mente, que o problema é estaticamente determinado. Se o valor obtido for negativo, significa
simplesmente que o sentido correto é o oposto ao arbitrado inicialmente.

3.8 Alguns tipos de ligações ao exterior


Para enfrentar problemas de equilíbrio gerais, mais complicados, é conveniente discutir os tipos
de ligação que podem existir entre um corpo rígido e o mundo exterior em que se insere.
Em muitos casos, admite-se que um determinado deslocamento é nulo em absoluto. Diz-se
então que existe um apoio ao qual corresponde uma reacção. Noutros casos, admite-se que, pelo
facto de dois corpos estarem ligados ou em contacto, existe um deslocamento que é comum aos
dois corpos. Nesta situação, é o deslocamento relativo que é nulo e não o deslocamento absoluto.
Esta ligação é concretizada através de um par de forças de ligação de sentidos opostos, devendo
cada uma das forças desse par ser considerada no equilíbrio do respetivo corpo.
5
Observe-se que, face ao caráter deslizante das forças, existe alguma liberdade na forma como as forças são
desenhadas na prática. Para o desenho ficar mais fácil de ler pode ser vantajoso se a ponta da seta do vetor que
representa uma força corresponder ao efetivo ponto de aplicação dessa força (e não a extremidade inicial do vetor),
como acontece aqui com as forças R1 a R3 .
6
Esta questão está fortemente relacionada com o conceito de estatia externa, estudado noutro capítulo da matéria.

11
Fora estas diferenças (deslocamento absoluto ou relativo nulo), o tratamento das forças de
reacção e das forças de ligação é muito semelhante. De um modo geral, existe uma força de
reacção ou de ligação por cada movimento impedido ou grau de liberdade restringido. Como
o número de graus de liberdade de um corpo rígido são seis — três translações e três rotações
—, cada apoio ou ligação a outro corpo dá origem a uma força e/ou momento de ligação num
máximo de seis componentes independentes. Descrevem-se de seguida alguns tipos de ligação
que surgem frequentemente na análise do equilíbrio de corpos rígidos — ver figura 8.

Figura 8: Alguns tipos de apoios e a identificação das componentes das respetivas forças
e momentos de reacção: encastramento, dobradiça (os momentos de reação po-
dem ou não ser considerados), contacto simples com e sem atrito (não havendo
atrito, apenas a reação normal é considerada) e rolamento (roda mas não escor-
rega lateralmente devido ao atrito).

Se a ligação é rígida, isso significa que todos os graus de liberdade estão constrangidos, pelo
que há que considerar 6 forças de ligação (forças no sentido lato, na verdade são 3 componentes
de força e três componentes do momento). É o que acontece por exemplo a uma barra rigida-
mente cravada numa parede ou à ligação de uma mesa a cada uma das suas pernas. Este tipo
de ligação é designado por ligação de continuidade ou encastramento.
Numa ligação articulada que permite a rotação relativa em torno de um eixo, não existe
componente do momento em relação a esse eixo, pelo que devem apenas ser consideradas
duas componentes do momento de ligação e as 3 componentes da força de ligação. Ligações
deste tipo, designam-se por apoios fixos dotados de rótulas cilíndricas e incluem como exemplos
representativos as dobradiças.
Note-se que nem sempre as ligações do tipo dobradiça são capazes de responder com mo-
mentos de ligação (em torno dos eixos perpendiculares ao eixo da dobradiça) de valor significa-
tivo, pelo que é aconselhável incluir apenas as componentes da força na modelação deste tipo de
ligação. Nesse caso, a ligação pode ser representada por um apoio fixo com rótula esférica. Um
apoio pontual sobre uma superfície rugosa, onde as forças de atrito são suficientes para impedir
o deslizamento relativo, é também suscetível de ser representado por um apoio fixo.
Em contrapartida, um apoio sobre uma superfície lisa sem atrito permite mobilizar apenas
uma reacção normal à superfície. Se o apoio incluir um rolamento que permite o deslizamento
numa única direcção, então existirão duas componentes da força de reacção (uma normal à
superfície e outra tangencial à superfície, mas perpendicular ao plano do rolamento). Este tipo
de ligação — caracterizada por rotação livre e translação livre numas direções mas impedida
noutras — denomina-se por apoio móvel.
Na análise de estruturas, todos estes tipos de apoio — encastramento, apoio fixo, apoio
móvel — são frequentemente representados por símbolos convencionais, dos quais se mostram
alguns exemplos nas figuras 9 e 10, relativos, respetivamente, a problemas tri e bi-dimensionais.
Embora a utilização destes símbolos permita identificar de uma forma clara as restrições ao mo-
vimento e as correspondentes reações, convem ter sempre presente que estes símbolos resultam

12
de um processo de idealização da realidade, cuja validade pode ser questionável. Em particular,
chama-se a atenção para as situações analisadas na secção 3.10.

Figura 9: Representação simbólica de apoios: encastramento, apoio fixo com rótula cilín-
drica, apoio fixo com rótula esférica e apoio móvel.

Figura 10: Representação simbólica de apoios no caso plano: encastramento, apoio fixo e
apoio móvel.

Por fim, uma menção especial aos chamados apoios pendulares, nos quais a ligação ao exte-
rior é materializada através de uma biela bi-articulada, isto é uma barra cujas duas extremidades
estão ligadas por rótulas a dois corpos. Como as únicas duas forças que atuam na barra são as
aplicadas nas suas extremidades, conclui-se, com base no primeiro resultado obtido na secção
3.3, que as duas forças de extremidade têm de partilhar a sua linha de ação. Se uma das ex-
tremidades da barra estiver fixa ao exterior, a barra comporta-se como um apoio pendular, cuja
reacção tem direção conhecida, tal e qual como num apoio móvel. Esta equivalência estática
está ilustrada na figura 11. De resto, estes apoios também gozam de uma equivalência cinemá-
tica: o deslocamento (infinitesimal) permitido por um apoio pendular coincide com os graus de
liberdade de um apoio móvel.

⇔ ⇔

Figura 11: Equivalência estática entre apoios pendulares e apoios móveis. A reação trans-
mitida pelo apoio pendular ao corpo rígido é vertical, pelo que a análise do
equilíbrio do corpo rígido pode ser feita substituindo o apoio pendular por um
apoio móvel horizontal, cuja reação é também vertical.

Uma situação muito semelhante é a da força transmitida por um cabo. Facilmente que
se compreende que, dada a sua flexibilidade natural, um cabo apenas pode transmitir uma
força de tração, a qual tem a direcção do cabo e um sentido que corresponde a puxar o
corpo a que esteja ligado. Deste ponto de vista, comporta-se exatamente como uma biela com
a distinção importante que apenas um dos sentidos é possível, sob pena do cabo se tornar frouxo.

13
3.9 Exemplo de aplicação
Para ilustrar a aplicação dos conceitos explicados, apresenta-se um problema resolvido. Uma
placa quadrada de lado 2L e peso P encontra-se suspensa através de 6 barras bi-articuladas,
como se mostra na figura 12. Os pontos H, I e J estão todos situados a uma altura L sobre o
plano da placa. Pretende-se determinar a força exercida pela barra AH sobre a placa.
J

I L NEJ
z H NF J
E F E F
x y NCJ
L NDI
C C G
D NAH D
P
L NBI
A B A B

L L

Figura 12: Placa suportada por 6 barras. Geometria e diagrama de corpo livre.

Todos os apoios são pendulares, o que, como explicado em 3.8, permite conhecer a direção
das respetivas reações. No diagrama de corpo livre representado ao lado, representam-se essas
reações de valor desconhecido (para já, admitindo que são de tração) e a única força conhecida
— o peso P — atuando no centro de gravidade da placa G (o centro geométrico).
Começa-se por notar que existem exatamente 6 reações de valor desconhecido, o que à par-
tida sugere que o problema seja estaticamente determinado. De facto, o valor das 6 reações pode
ser obtido a partir de 6 equações de equilíbrio independentes — por exemplo, as que resultam
de igualar a zero os elementos de redução em E do sistema de todas as forças identificadas no
diagrama de corpo livre.
Mas, como o objetivo é determinar a força na barra AH, a resolução ficará muito facilitada se
identificarmos uma equação de equilíbrio envolvendo apenas uma das incógnitas. Acontece que
as linhas de ação de todas as demais barras passam ou no ponto J ou no ponto I. Então bastará
calcular o momento em relação ao eixo JI para obter uma equação nas condições pretendidas
(uma força não provoca momento em relação a um eixo que intersecta). O facto de esse eixo
não pertencer ao corpo é totalmente irrelevante. Escreva-se então,
X →
− −−→ → − →
− −→ → −
MJI = λ JI · JH × N AH + λ JI · JG × P = 0

Note-se que (i) apenas são contabilizadas as duas forças que não concorrem no eixo JI, que (ii)
o momento de cada força em relação ao eixo é obtido projetando o momento, calculado num
ponto desse eixo (o ponto J, em ambos os casos), sobre o próprio eixo, e (iii) para calcular


o momento da força N AH , ela pode ser considerada aplicada em qualquer ponto da sua linha


de ação (neste caso, escolheu-se o ponto H). Vetorialmente, o peso é dado por P = −P → −e z,
enquanto que a força na barra pode ser expressa como
 

− →
− 1 →− 1 →−
N AH = NAH λ AH = NAH − √ e x + √ e z
2 2

14
Quanto ao versor do eixo JI, ele é dado por



− JI 1 →− 2 →−
λ JI = −→ = √ ex+√ ey
|JI| 5 5
P
Desenvolvendo a expressão para MJI tem-se então

√1 √2 0 √1 √2

0 r
5 5
 
5 5 2 P 2P P
1 0 0 + 1 1 −1 = − NAH + − √ + √ =0 ⇒ NAH = √

5

N√AH
− 0 N√AH 5 5 2
−P

2 2
0 0

que é o resultado pretendido. Deixa-se como exercício o cálculo das outras reações.7

3.10 Limites ao valor das reações ou forças de ligação


É importante ter consciência que em muitos problemas com interesse prático, o valor das reações
ou forças de ligação pode estar limitado pela sua própria natureza.
Por exemplo, apoios por contacto simples devem corresponder a forças de reação normal
com um único sentido possível, aquele que impede a interpenetração dos dois corpos. Como
é evidente, se os corpos se tenderem a afastar deixa de existir contacto e portanto desaparece
também a força de ligação entre eles.
Como se disse atrás, também as forças transmitidas por cabos têm um único sentido possível.
Outra situação a ter em atenção é o caso das forças de reação (ou ligação) mobilizadas
por atrito. Como se estuda na secção 4, o valor máximo da força de atrito depende da reação
normal.
A existência de valores limite para as reações tem como consequência que um corpo rígido,
ligado ao exterior através de apoios, pode estar em equilíbrio sob a acção de uma determinada
força, mas não ser possível garantir o equilíbrio se a força mudar de sentido ou aumentar de
intensidade. Dito de outro modo, embora as equações de equilíbrio correspondentes a uma dada
configuração de equilíbrio se traduzam normalmente por um sistema de equações lineares, a
partir do momento em que se consideram limites ao valor das reações o problema passa a ter
carácter não linear.
Uma metodologia geral para enfrentar esta dificuldade é discutida na secção 4.6, mas, para
já, vale a pena discutir o caso do contacto entre dois corpos através de uma superfície de dimen-
sões finitas (isto é, o apoio não é pontual).

3.11 A linha de ação da reação normal e a verificação ao derrubamento


Considere-se o seguinte problema plano: um bloco retangular, de peso P e dimensões b × h,
está apoiado sobre uma superfície rugosa e é solicitado por uma força horizontal de valor F a
meia altura do bloco, tal como representado na figura 13. Neste exemplo, admite-se que o atrito
entre o bloco e a superfície é suficientemente forte para que o bloco não deslize. Pretende-se
desenhar o diagrama de corpo livre, identificando corretamente quais as reações a considerar
no contacto chão-bloco.
Sendo a superfície rugosa, é possível mobilizar uma força de atrito horizontal, pelo que
devem ser consideradas duas componentes da força de reação, uma vertical V e outra horizontal
H, as quais asseguram que o bloco não sofre translação em qualquer dessas direções. E quanto
ao grau de liberdade de rotação? Como o bloco está impedido também de rodar, deve ser
considerado o correspondente momento de reação M . O primeiro diagrama de corpo livre
representado compreende assim o peso P , a força aplicada F e as três reações V , H e M .
7 P
Respostas: NBI = NF J = 0, NDI = NEH = 2
, NCJ = − √P2 (a única barra comprimida).

15
h P
2
F P F P F P

h F
2
H H

V V R
M
b b
2 2 b
2 e

Figura 13: Bloco sobre uma superfície horizontal. Diagramas de corpo livre, mostrando
várias formas equivalentes de representar a reação da superfície sobre o bloco.

Note-se, porém, que no traçado do diagrama de corpo livre fomos forçados a escolher uma
linha de ação para a reação normal (vertical), decisão para a qual não tínhamos, na verdade,
qualquer informação em que nos pudéssemos basear. Colocar a reação normal a meio da su-
perfície de contacto pode parecer natural, mas há que reconhecer que decorre da admissão
implícita de uma distribuição uniforme das tensões normais de contacto, hipótese de veracidade
claramente duvidosa.8
Em boa verdade, ao termos incluindo um momento nas reações, a linha de ação da reação
normal tornou-se um pouco arbitrária. Se mudarmos o ponto de aplicação da reação V , as
equações de equilíbrio continuam a ter solução sendo a única diferença o valor obtido para M .
Qualquer das soluções está correta, no sentido em que os elementos de redução do conjunto das
reações serão exatamente os mesmos.
Esta última observação leva-nos a pensar que é possível escolher um ponto de aplicação
para a reação normal para o qual o momento de reação é nulo, o que nos conduz ao segundo
diagrama de corpo livre apresentado na figura 13. Como é evidente, o valor das reações depende
das forças aplicadas ao bloco, pelo que não é possível de antemão — antes de resolver as
equações de equilíbrio — saber qual é a linha de ação da reação normal. Consequentemente,
o valor da distância e deve ser também considerado uma incógnita. Existe obviamente uma
relação entre o momento de reação do primeiro diagrama de corpo livre e a excentricidade e,
dada por

M =V e

Reconhecendo o carácter deslizante das forças (para efeitos de equilíbrio), podemos ainda
fazer deslizar a força F até intersectar a linha de ação do peso P e desenhar a terceira versão
do diagrama de corpo livre, também apresentada na figura 13, a qual torna evidente que a
resultante das reações é uma força inclinada R cuja linha de ação passa na intersecção de F
com P .
Qualquer que seja o diagrama de corpo que sirva de base à sua escrita, as três equações
de equilíbrio permitem calcular os valores das reações em função de P , F , b e h, sendo trivial
concluir que
Fh Fh
V =P H=F M= ou e=
2 P2
Analisemos agora quais os limites a impor ao valor das reações, atendendo à realidade do
problema físico. Por um lado, como já referido atrás, só faz sentido considerar uma reação
8
Em contrapartida, as tensões tangenciais (horizontais) partilham todas a mesma linha de ação, pelo que a linha
de ação da sua resultante passa obviamente na base do bloco. Este raciocínio só se aplica, porém, a problemas
planos.

16
normal positiva (de baixo para cima). Mas além disso, a linha de ação da reação normal tem
que passar dentro da superfície de contacto.9 Então devem-se verificar as seguintes inequações:
b b bV bV
V ≥0 − ≤e≤ ou − ≤M ≤
2 2 2 2
Expressando estas inequações em termos das forças aplicadas ao corpo concluiremos que só
é possível que o corpo esteja em equilíbrio, se se verificarem as seguintes relações:
Pb Pb
P ≥0 − ≤F ≤
h h
A primeira desigualdade estará sempre satisfeita, enquanto que a segunda relação permite es-
tabelecer qual o valor máximo da força F (em ambos os sentidos) que pode ser aplicada sem
provocar o derrubamento do bloco.10
A abordagem explicada atrás concentra-se na natureza do contacto entre corpos e nas con-
sequências para as forças de contacto e respetivas linhas de ação. Resta acrescentar que, em
muitas situações de interesse prático, tal como na análise da estabilidade de muros de suporte, a
verificação da segurança ao derrubamento é feita de uma forma ligeiramente diferente, porven-
tura mais simples, tirando partido da geometria particular recorrente nesse tipo de problemas. A
aplicação dessa abordagem ao presente exemplo consiste em garantir que o quociente, entre os
momentos estabilizador e de derrube das forças aplicadas em relação ao ponto que constituirá a
charneira de derrubamento, seja maior que um (ou qualquer valor apropriadamente escolhido
para fator de segurança):
Pb
Mestab 2 Pb
= Fh
= >1
Mderr 2
Fh

Facilmente se constata que, neste problema, as duas metodologias conduzem à mesma condição
(para o sentido positivo da força F ). Mas observe-se que o cálculo da razão entre momentos
estabilizadores e derrubantes se limita a problemas envolvendo um único corpo rígido assente
numa base.

3.12 Determinação de posições de equilíbrio


Para além de servirem para determinar de forças de ligação, as equações de equilíbrio podem
ser usadas também para determinar posições de equilíbrio. Por exemplo, dado um corpo rígido,
cujos vínculos ao exterior não impeçam totalmente os movimentos de corpo rígido, pode querer-
-se saber qual a posição em que ele se encontra em equilíbrio para um determinado conjunto de
forças aplicadas.
A diferença fundamental, relativamente aos problemas já estudados, é que, sendo a posição
de equilíbrio desconhecida, se torna necessário escrever as equações de equilíbrio numa posição
genérica. Este facto não só complica o desenho do diagrama de corpo livre e a escrita das
equações de equilíbrio como leva a que seja em geral necessário resolver uma ou mais equações
não lineares, frequentemente envolvendo funções trigonométricas. Com efeito, tanto a direção
de algumas forças (por exemplo, a reação normal a uma superfície de deslizamento, ou a reação
num apoio pendular) como os braços usados para calcular momentos (o ponto de aplicação das
forças acompanha o movimento do corpo rígido) podem depender da posição de equilíbrio.
Para uma ilustração breve deste tipo de problemas, considere-se novamente o bloco da figura
13, continuando a admitir-se que o deslizamento está impedido. Considere-se como dimensões
9
É um resultado fácil de demonstrar que a resultante de forças paralelas com o mesmo sentido passa forçosamente
entre elas. Ora, como a reação normal não é mais do que a resultante das tensões normais (forças normais infinite-
simais por unidade de área) todas de baixo para cima, a sua resultante — a reação normal — passa na envolvente
convexa da superfície de contacto.
10
Recorde-se que nesta análise se excluiu à partida a possibilidade de deslizamento.

17
do bloco b = 1, 0 m e h = 1, 6 m e que o peso do bloco é de P = 10 kN. Admita-se que a força
F aplicada permitiu inclinar o bloco sobre uma das suas arestas.11 Pretende-se saber qual é a
subsequente posição de equilíbrio que corresponde a F = 3 kN.
b
2 b
2

P
F
h
2

θ H

Figura 14: Bloco inclinado sobre uma aresta por ação de uma força horizontal. Diagrama
de corpo livre.

Para resolver este problem, começa-se por desenhar o diagrama de corpo livre numa posição
genérica — ver figura 14. Note-se que, para esta posição, as reações têm que passar forçosa-
mente pelo ponto de contacto.
As incógnitas do problema incluem agora o ângulo de rotação θ, para além das forças H
e V . Por aplicação das equações de equilíbrio de forças horizontais e verticais estas última
são trivialmente iguais às forças aplicadas F e P . Resta então o ângulo θ o qual pode ser
determinado escrevendo a equação de momentos no ponto de contacto. Tem-se então
   
h b h Pb − Fh
F b sen θ + cos θ + P − cos θ + sen θ = 0 ⇒ tg θ =
2 2 2 2F b + P h

Observe-se a dificuldade acrescida na determinação dos braços das forças, os quais dependem
de θ. Por outro lado, embora a equação de equilíbrio seja uma função não linear do ângulo, é
relativamente simples neste caso obter uma solução analítica.
Para os dados deste problema, a solução é
 
10 × 1, 0 − 3 × 1, 6
θ = arctg = 13, 298◦
2 × 3 × 1, 0 + 10 × 1, 6

11
De acordo com a análise realizada na secção 3.11, isso significa que a força F foi — inicialmente —
F ≥ 1,0
1,6
10 = 6, 25 kN.

18
4 Atrito
4.1 Introdução
Atrito é a resistência ao movimento relativo entre superfícies sólidas, camadas de um fluido, ou
partículas materiais. Sendo contrário ao movimento relativo e podendo envolver dissipação de
energia, está, paradoxalmente, na origem da transmissão de muitos movimentos úteis — basta
pensar no contacto entre o pneu e a estrada de um automóvel a acelerar.
Existem vários tipos de atrito. Neste texto apenas é considerado o atrito seco, gerado entre
duas superfícies sólidas.12 Não é por acaso que se introduz agora o tema do atrito, já que a sua
consideração é muito relevante para estudar o equilíbrio dos corpos rígidos, fora das situações
excessivamente idealizadas admitidas na secção 3.
Entre dois corpos em contacto geram-se em geral forças de atrito com direcção tangencial
à superfície de contacto. Estas forças podem impedir totalmente o deslizamento relativo, ou,
no caso de este se dar, levam à dissipação de energia mecânica convertendo-a em calor. Este
último efeito pode ser facilmente comprovado notando que o ato de esfregar as mãos leva ao
seu aquecimento.
As forças de atrito resultam de forças eletromagnéticas entre as moléculas constituindo as
duas superfícies em contacto. De notar que a área real de contacto é geralmente apenas uma
pequena porção da área aparente de contacto, dependendo muito da irregularidade das superfí-
cies ao nível microscópico — ver ilustração na figura 15. Dada a complexidade do fenómeno, a
quantificação da força de atrito não é geralmente obtida a partir das leis fundamentais da física,
sendo antes feita através de métodos empíricos, baseadas na observação experimental.

Figura 15: Ampliação do contacto entre duas superfícies. A irregularidade das superfícies
leva a que a área real de contacto seja muito inferior à área aparente de con-
tacto.

As leis clássicas do atrito seco remontam aos escritos de Leonardo da Vinci, que todavia
permaneceram desconhecidas durante séculos, até serem redescobertas por Amontons (1699) e
posteriormente desenvolvidas por Coulomb (1785). Podem ser condensadas nestas três leis:
• A força (máxima) de atrito é diretamente proporcional à força normal à superfície de
contacto.

• A força (máxima) de atrito é independente da área de contacto.

• A força de atrito é independente da velocidade de deslizamento.


O significado e as implicações destas leis são analisadas nas secções que se seguem.

4.2 Leis do atrito seco. Coeficientes de atrito


Considere-se um bloco de peso P , assente numa superfície horizontal, tal como se ilustra na
figura 16. Analisem-se agora os efeitos de se aplicar uma força Q horizontal. Neste exemplo,
admite-se que o bloco é suficientemente largo para que não haja a possibilidade de derrube,
12
O atrito entre camadas de fluidos (viscosidade), ou entre fluidos e sólidos (por exemplo, a resistência aerodinâ-
mica) ou, ainda, entre sólidos na presença de um fluido lubrificante é estudado na disciplina de mecânica de fluidos.
O atrito interno que se gera entre as partículas materiais de um sólido que se deforma é relevante na mecânica dos
sólidos.

19
mas, em contrapartida, admite-se que ele possa deslizar — observe-se que, no que diz respeito
a esta hipótese, este exemplo é complementar ao apresentado na secção 3.11.

Q P Q
P
F
N
φ
Figura 16: Bloco sobre uma superfície horizontal. Diagrama de corpo livre.

O diagrama de corpo livre, apresentado à direita na figura 16, envolve, para além das forças
P e Q, também a reação normal N e a força de atrito F , tangencial à superfície de contacto.
Não se conhecendo a relação entre as dimensões do bloco, não será possível escrever a equação
de momentos, pelo que, neste caso, também não é importante identificar a posição exata das
linhas de ação das forças.
Enquanto a força Q for pequena, o atrito é por si só suficiente para impedir o movimento.
As duas equações de equilíbrio relevantes permitem concluir trivialmente que N = P e F = Q.
À medida que o valor de Q aumenta, a intensidade da força de atrito F vai também crescendo,
igualando sempre o valor da solicitação horizontal aplicada ao bloco, assim garantindo o equi-
líbrio de forças.
Mas, aumentando a força Q acima de um certo valor, o atrito deixa de ser suficiente para
impedir o movimento e o bloco começa a deslizar. De acordo com as leis empíricas do atrito
referidas atrás, o valor máximo da força de atrito é proporcional à força normal, ou seja
|F | ≤ Fe = µe N
onde µe é o coeficiente de atrito estático, grandeza adimensional (estabelece a relação entre
duas forças) e que depende da natureza das superfícies em contacto. Na tabela 1 apresentam-
se alguns valores típicos deste coeficiente. O valor dos coeficientes de atrito é muito variável,
pelo que esta lista é apenas exemplificativa e muito, muito, incompleta. Para uma aplicação
específica, o ideal é a determinação do coeficiente com base em testes experimentais, tanto mais
que o coeficiente de atrito depende de factores tais como o grau de polimento e humidade das
superfícies em contacto.
Tabela 1: Coeficientes de atrito estático

Superfícies µe
Metal sobre Gelo 0,02–0,05
Metal sobre Metal 0,15–0,8
Metal sobre Madeira 0,2–0,6
Madeira sobre Madeira 0,25–0,5
Borracha sobre Betão 0,6–1,0

Chama-se a atenção para o facto de a máxima força de atrito não depender da área aparente
de contacto (a segunda lei), mas apenas do tipo de superfície e da força normal de compressão
exercida no contacto. Uma explicação física reside no facto de a compressão entre superfícies
irregulares ao nível macroscópico aumentar a área real das zonas em contacto.
Quando o atrito é vencido e o deslizamento se inicia, a força de atrito mantem-se aproxima-
damente constante (a terceira lei), embora geralmente inferior à força máxima Fe . Uma possível
explicação para este decréscimo é que, havendo movimento relativo, existe uma menor interpe-
netração entre as irregularidades das superfícies em contacto. Nesta situação, a força designa-se

20
por força de atrito cinético, sendo dada por

F = Fc = µc N

onde µc é o coeficiente de atrito cinético, o qual é uma fração do correspondente valor de µe (75%
é um valor típico). O sentido da força de atrito é contrário ao do deslizamento relativo.
O gráfico que se mostra na figura 17, sintetiza a discussão apresentada atrás, mostrando a
variação da força F com o aumento da força Q, admitindo, bem entendido, que a força normal
se mantém constante. Nesse gráfico é possível identificar três situações diferentes: (i) equilíbrio,
(ii) movimento iminente e (iii) movimento.
F
movimento iminente
µe N
movimento
µc N
brio
uilí
eq
Q

Figura 17: Bloco sobre uma superfície horizontal. Relação entre a força de atrito e a força
tangencial aplicada.

É importante chamar a atenção que nem todas as equações com que lidamos se mantêm
válidas nestas três situações. De facto, a equação de equilíbrio estático F = Q não é válida
quando há movimento, devendo ser substituída pela equação do movimento Q − F = ma (ver
secção 4.4). Por outro lado, a equação de atrito F = µe N não se aplica à fase inicial, pois, não
havendo movimento, sabemos apenas que se verifica a inequação F ≤ µe N .
O movimento iminente corresponde a um ponto muito especial, no sentido em que nesse
instante, tanto é válida a equação de equilíbrio F = Q como a equação de atrito F = µe N .
Torna-se, por isso, um cenário muito útil na resolução de problemas.

4.3 Ângulo de atrito e plano inclinado


É interessante identificar o ângulo que a reação faz com a direção normal à superfície. No
exemplo anterior, é imediato reconhecer que esse ângulo é
F µe N
φ = arctg ≤ arctg = arctg µe = φe ⇒ µe = tg φe
N N
O ângulo φe recebe o nome do ângulo de atrito estático. Ou seja, enquanto há equilíbrio, o
ângulo φ é inferior a φe .
Também para o atrito cinético é possível definir um ângulo de atrito cinético φc , cuja relação
com o coeficiente de atrito cinético µc é totalmente análoga: µc = tg φc .
Admita-se agora um bloco de peso P sobre um plano inclinado, cuja inclinação relativa à
horizontal é dada pelo ângulo α, tal como representado na figura 18. Como é evidente, se o
bloco estiver em equilíbrio a reação R do plano sobre o bloco deverá fazer um ângulo α com a
direção normal à superfície inclinada.
Como o ângulo máximo da reação com a normal é dado pelo ângulo de atrito, conclui-se
que um bloco sobre um plano inclinado mantém-se em equilíbrio desde que se verifique

α ≤ φe

21
P
α

α R

φe

φe
Figura 18: Bloco em equilíbrio sobre uma superfície horizontal. Diagrama de corpo livre
onde se representa o cone de atrito dentro do qual deve estar a reação da su-
perfície sobre o bloco.

Esta condição permite interpretar de um modo muito visual o significado do ângulo de atrito: a
reação do plano sobre o bloco tem que estar situada dentro de um cone de atrito de eixo normal
à superfície cujas geratrizes fazem um ângulo φe com o eixo.13
No caso de materiais granulares não coesivos, isto é materiais compostos por pequenas par-
tículas sólidas, o ângulo de atrito manifesta-se de uma forma particularmente evidente. Por
exemplo, despejando uma certa quantidade de areia sobre um determinado local, verifica-se
que esta tende a formar um monte de forma cónica, sendo a inclinação das geratrizes aproxi-
madamente igual ao ângulo de atrito. De facto, cada grão de areia que cai sobre a superfície
tende a resvalar monte abaixo, sempre que a inclinação da superfície do monte seja superior ao
ângulo de atrito.

4.4 Atrito cinético e as equações do movimento


A atenção deste texto está dirigida para os problemas de equilíbrio, mas vale a pena fazer uma
pequena incursão em problemas dinâmicos e ao papel que o atrito cinético desempenha nas
equações de equilíbrio.
P

y α

x
α ax
N Fa
R
φc α
φc

Figura 19: Bloco deslizando sobre uma superfície horizontal. Diagrama de corpo livre. A
reação da superfície está situada sobre o cone de atrito e, não existindo equilí-
brio de forças segundo x, o bloco sofre aceleração nessa direção.

Considere-se um bloco de massa m sobre um plano inclinado, admitindo-se agora que a in-
clinação do plano α é superior ao ângulo de atrito estático φe . Nestas condições o equilíbrio não
13
O termo «cone» faz referência ao comportamento tridimensional e às duas componentes da reação paralelas à
superfície de deslizamento.

22
é possível e o bloco desliza plano abaixo animado por uma aceleração que se pretende determi-
nar. Recorrendo ao diagrama de corpo livre representado na figura 19, aplica-se a segunda lei
de Newton decompondo o movimento em duas direções ortogonais — por conveniência uma
delas está alinhada com o plano inclinado,
(P (
Fx = max P sen α − Fa = max
P ⇒
Fy = may N − P cos α = may

Com esta escolha de eixos e para o movimento de deslizamento do bloco sobre o plano14 tem-se
naturalmente ay = 0.
No que diz respeito às forças, para além do peso do bloco, P = mg, há que contabilizar
a reação normal e a correspondente força de atrito. Havendo deslizamento, estas duas forças
relacionam-se através da lei de atrito cinético

F a = µc N

A substituição destas relações nas equações de movimento conduz então a


( (
mg sen α − µc N = max ax = (sen α − µc cos α) g

N − mg cos α = 0 N = mg cos α

Determinou-se assim a aceleração adquirida pelo bloco, a qual é uma fração da aceleração
da gravidade e que se manterá inalterada, pelo que o movimento será uniformemente acelerado.

4.5 Atrito em cabos e correias


Para além do deslizamento de um corpo sobre uma superfície, existe uma outra situação que
interessa contemplar. Trata-se do atrito entre um cabo ou correia e uma superfície curva que
impõe um desvio à direção do cabo ou da correia.
Frequentemente o desvio da direção de um cabo é materializado através de uma roldana
que roda em torno do seu eixo com um atrito desprezável. Nessa situação, como consequência
do equilíbrio de momentos no centro da roldana, a força de tração instalada é a mesma nos dois
lados.
Mas se a superfície curva (circular ou não) for fixa, desenvolvem-se forças de atrito que
se opõem ao movimento. Trata-se ainda de atrito seco, regido pelas mesmas leis que foram
discutidas anteriormente, mas há que ter em conta que a direção normal ao escorregamento
varia de ponto para ponto.
Considere-se então um cabo que passa sobre uma superfície curva fixa, tal como represen-
tado na figura 20. Pretende-se determinar qual é a relação entre a força de tração nos dois troços
do cabo quando ele está na iminência de deslizar para a direita. Na figura 20 representa-se tam-
bém o diagrama de corpo livre de um troço infinitesimal do cabo. Para facilitar a exposição,
no que se segue admite-se que esse troço é «horizontal», mas, na verdade, pode corresponder a
qualquer troço em contacto com a superfície, bastando trocar a direção horizontal pela direção
tangente à superfície.
A força de tração do cabo à direita será ligeiramente superior à da esquerda, pelo que é
referida como T + ∆T . Para além das duas forças de tração, há que contar com a reação
da superfície curva, a qual inclui a força de atrito opondo-se ao movimento iminente. Dada
a natureza infinitesimal do troço, podemos, como primeira aproximação, considerar a reação
14
Note-se que neste problema se admite que o derrube do bloco não está em causa. A análise dinâmica do derrube
é mais complicada pois necessita das equações de movimento relativas à rotação de um corpo rígido, matéria que só
será estudada noutra disciplina.

23
θ ∆θ ∆θ
2 2

∆θ T ∆F T + ∆T
∆N
θ
T1 T2 ∆θ

Figura 20: Atrito de um cabo sobre uma superfície curva. A força T2 «puxa» pela força T1 e
o movimento está iminente para a direita. Diagrama de corpo livre de um troço
infinitesimal.

normal como vertical e a força de atrito horizontal. Escrevendo as duas equações de equilíbrio,
obtêm-se as forças de contacto com a superfície
(P ( (
Fx = 0 (T + ∆T ) cos ∆θ
2 − T cos ∆θ
2 − ∆F = 0 ∆F = ∆T cos ∆θ2
⇒ ∆θ ∆θ

∆N = (2T + ∆T ) sen ∆θ
P
Fy = 0 ∆N − T sen 2 − (T + ∆T ) sen 2 = 0 2

No movimento iminente, estas duas forças relacionam-se através da lei de atrito, pelo que
∆θ ∆θ
∆F = µe ∆N ⇒ ∆T cos = µe (2T + ∆T ) sen
2 2
Esta equação pode ser dividida por ∆θ e rearranjada ligeiramente de forma a que se escreva
como

∆T sen ∆θ
 
∆T ∆θ 2
cos = µe T + ∆θ
∆θ 2 2 2

Faz-se agora tender ∆θ para zero, o que tem como consequência: (i) ∆T ∆θ tende para a
dT ∆T
derivada dθ , (ii) a função cosseno tende para um, (iii) (T + 2 ) tende para T e, finalmente,
(iv), a fração envolvendo a função seno tende também um.15 Conclui-se assim que

dT
= µe T

Esta equação diferencial pode ser integrada
T2 θ2
dT dT
Z Z
T2
= µe dθ ⇒ = µe dθ ⇒ ln T2 − ln T1 = µe (θ2 − θ1 ) ⇒ ln = µe θ
T T1 T θ1 T1

obtendo-se finalmente a equação que relaciona as duas forças de tração,

T2 = T1 eµe θ

Nesta equação θ representa o ângulo total de desvio sofrido pelo cabo ao passar pelo obs-
táculo e deve sempre ser expresso em radianos. Deve-se ainda ter o cuidado de identificar a
força T2 como aquela que «puxa» pela outra, já que a força de atrito funciona contra ela (em
consequência do movimento iminente admitido). Este ângulo pode ser maior que 2π — é o que
acontece, por exemplo, quando um cabo de um navio dá várias voltas a um poste de amarração,
15 lim sen x
Basta recordar que x→0 x
= 1.

24
tirando desse modo proveito da relação exponencial para manter o navio preso exercendo uma
força relativamente pequena no cabo do lado de terra.
Não havendo movimento iminente, não é possível escrever uma equação estabelecendo a
relação entre forças, mas apenas as inequações

T1 e−µe θ ≤ T2 ≤ T1 eµe θ

contemplando assim ambos os casos T2 < T1 e T2 > T1 . Estas inequações relativas a atrito em
correias são as equivalentes às inequações do atrito entre superfícies |F | ≤ µe N , ou, o que é o
mesmo, −µe N ≤ F ≤ µe N .
Note-se que é o ângulo de desvio que é determinante, já que a forma particular da super-
fície curva não é realmente importante, podendo ser cilíndrica, outra curva suave ou mesmo
uma aresta irregular. Em particular, se um cabo é desviado por uma série de obstáculos im-
porta apenas o ângulo total acumulado — mas somados sempre em valor absoluto. De facto,
para um cabo que passe por três obstáculos como se mostra na figura 21 é imediato mostrar a
equivalência

µe θ1
T2 = T1 e

T3 = T2 eµe θ2 ⇒ T4 = T1 eµe θ1 eµe θ2 eµe θ3 = T1 eµe (θ1 +θ2 +θ3 )

T4 = T3 eµe θ3

Por último, no caso de o cabo estar efetivamente a escorregar, a relação entre as forças nos
cabos é dada por uma expressão análoga, bastando substituir o coeficiente de atrito estático pelo
cinético.
T4 = T1 eµe (θ1 +θ2 +θ3 ) T4
θ1 θ1

T2
θ3 T2 θ3
T3 T3
θ2 θ2
T1 T1

Figura 21: Cabo contornando três obstáculos. No movimento iminente associado a


T4 > T1 , a relação entre as forças pode ser calculada com base no ângulo to-
tal de desvio.

4.6 Metodologia para resolução de problemas


Independentemente do número de corpos envolvidos e de quais os fenómenos de perda de
equilíbrio envolvidos — deslizamento entre superfícies, derrube de corpos, atrito em cabos —
dois principais tipos de problemas podem ser colocados envolvendo o atrito entre corpos.

problemas de verificação de equilíbrio


Num primeiro tipo de problema, conhecem-se todas as forças aplicadas e os coeficientes de atrito
nas superfícies de contacto em jogo e pretende-se saber se o equilíbrio é possível. Neste caso,
utilizam-se as equações de equilíbrio dos vários corpos para calcular todas as forças de contacto
entre corpos. No final, fazem-se as verificações ao deslizamento e/ou ao derrubamento.
É fundamental ter a consciência de que, numa situação de equilíbrio, as forças de atrito que
existem não são, em geral, iguais à máxima força de atrito. Por esta razão, equações de atrito

25
do tipo F = µe N não devem ser usadas para a determinação das forças de contacto, devendo
apenas utilizar-se as inequações F ≤ µe N na verificação ao deslizamento.
Esta abordagem — determinação das forças com base apenas no equilíbrio e posterior veri-
ficação das inequações de atrito — funciona em problemas simples, como o do bloco sobre um
plano inclinado, mas nem sempre o sistema de equações correspondente ao equilíbrio dos vários
corpos é determinado. De facto, o número de forças de contacto pode ser superior ao número
de equações o que resulta num sistema indeterminado. É então preferível reformular este tipo
de problemas num problema do segundo tipo, da forma que se explica no fim desta secção.

problemas envolvendo movimento iminente


O segundo tipo de problemas é construído à volta do movimente iminente. Frequentemente,
envolve a determinação de qual é o valor máximo de uma força aplicada, de modo a que o
sistema ainda esteja em equilíbrio, mas pode, em alternativa, incidir sobre qual o menor coefi-
ciente de atrito que garante o equilíbrio ou sobre qual o maior ângulo com que uma dada força
pode atuar. Deste modo, as incógnitas do problema incluem, para além das forças de contacto,
também a força aplicada de valor desconhecido (ou o coeficiente de atrito desconhecido, ou o
ângulo de atrito desconhecido).
Neste tipo de problemas, especialmente na presença de vários corpos, pode ser necessário
colocar uma hipótese sobre o movimento iminente, especificando entre que superfícies se dará
um escorregamento relativo e quais os corpos que irão sofrer um derrubamento. Embora nal-
guns problemas a forma como se dá o movimento iminente seja óbvia, noutros casos é inevitável
recorrer a um processo de tentativa e erro.
Em contraste com o primeiro tipo de problemas, a determinação das incógnitas é agora feita
com base nas equações de equilíbrio dos vários corpos, complementadas com as equações de
atrito relativas aos escorregamentos admitidos e com a localização das reações nas charneiras
dos derrubamentos admitidos. Note-se que o sistema de equações resultante é geralmente neste
caso um sistema determinado, já que a existência de forças de contacto redundantes é compen-
sada com equações adicionais correspondentes aos movimentos relativos admitidos.
Mas, à semelhança dos problemas do primeiro tipo, é também necessário fazer as verificações
relativas às interfaces onde se admitiu inicialmente que não haveria deslizamento ou derruba-
mento. Se alguma das correspondentes inequações não for satisfeita, é necessário voltar ao
princípio e estudar uma forma diferente de se dar o movimento iminente.

transformação de um problema de verificação de equilíbrio num problema envolvendo


movimento iminente
A forma mais simples de lidar com problemas de verificação de equilíbrio indeterminados é
admitir que uma determinada força F , presente no problema, passa a ser variável, sendo o seu
aumento16 indiscriminado capaz de desequilibrar o sistema. Em alternativa, pode adicionar-se
uma força fictícia com o mesmo fim.
O problema transforma-se assim num problema do segundo tipo que pode ser resolvido de
acordo com a metodologia apresentada. Como referido, o sistema de equações correspondente
ao movimento iminente será agora determinado.
A força F assim calculada corresponde à força que é necessário aplicar para provocar o mo-
vimento iminente. Se este valor for maior que o real positivo, podemos concluir que o equilíbrio
é possível.

16
Ou decréscimo!

26
4.7 Exemplo de aplicação
Apresenta-se a resolução de um problema que evidencia vários das aspetos focados isoladamente
até aqui. Embora envolvendo apenas três blocos, o problema já é consideravelmente complexo.
Considere-se o sistema formado por três blocos de pesos conhecidos representado na figura
22. O coeficiente de atrito (estático) entre todas as superfícies (inclusive no desvio do cabo em
D) é µ = 0, 1. Pretende-se saber se o equilíbrio é possível nesta posição.

2,5 7,5

D 12

1,5 A
[kN, m]

µ = 0, 1 3 3

C B

6=Q 2 4

2,25
Figura 22: Problema exemplo. Para facilitar a exposição, apresentam-se algumas distâncias
que foram calculadas a partir dos dados do problema (por exemplo a posição do
centro de gravidade do bloco inclinado). Os pesos dos blocos são todos conhe-
cidos, mas, para converter o problema num problema de movimento iminente,
admite-se um peso variável Q para o bloco suspenso.

Em primeiro lugar, de acordo com a metodologia proposta, converte-se o problema num


problema de movimento iminente, admitindo-se um peso variável Q para o bloco suspenso.
Note-se que um valor de Q demasiado elevado provoca a perda de equilíbrio para a esquerda,
mas não é de excluir a possibilidade do bloco superior escorregar para a direita na ausência ou
para um valor pequeno de Q. A resolução que se segue ocupa-se apenas do movimento para a
esquerda, deixando-se como exercício o outro cenário.

diagramas de corpo livre


Os diagramas de corpo livre estão desenhados na figura 23, sendo conveniente chamar a aten-
ção de alguns pormenores. Para facilitar a resolução do problema, nos locais onde é possível o
escorregamento, as forças de contacto entre blocos estão decompostas nas componentes normal
e tangencial. Admite-se para as forças tangenciais o sentido contrário ao movimento relativo es-
perado. Além disso, note-se que os contactos em A e B são pontuais, mas o mesmo não acontece
na base do bloco inferior, o que leva a que a linha de ação da reação VC seja desconhecida.
Nestes diagramas podemos identificar oito incógnitas: Q, T , NA , FA , NB , FB , VC , HC .
Mas ainda desconhecemos a posição da linha de ação de VC , pelo que, de facto, o problema
contém nove incógnitas. Dispomos de três equações de equilíbrio para cada um dos blocos, o
que nos leva a concluir que necessitamos de mais três equações relativas a escorregamentos ou
derrubamentos. Da figura, observamos que podem ocorrer escorregamentos em A, B e D e
pode haver derrubamento em torno da charneira C. Que o cabo tem que vencer o atrito em
D para haver movimento parece evidente, mas quanto ao resto é necessário admitir hipóteses
sobre o movimento iminente.

27
T T 12

FA

Q NA
FB

NA NB

FA
3
1 1
HC 0,6 0,8
VC
0,8 0,6
Figura 23: Diagramas de corpo livre dos dois blocos do problema exemplo. Note-se que o
desenho relativo ao desvio do cabo em D é útil para escrever a equação do atrito
em correias, mas, como não inclui as reações do exterior, não é um verdadeiro
diagrama de corpo livre.

hipótese 1: escorregamentos em A e B (e em D)
Comecemos então por admitir que se dão escorregamentos em A e B (e em D). Da análise do
equilíbrio do bloco superior (inclinado), tem-se
P 
P Fx = 0
 −T + 0, 8FA + 0, 6NA + FB = 0

equilíbrio do bloco superior: Fy = 0 ⇒ −0, 6FA + 0, 8NA + NB − 12 = 0

P 
MB = 0 4, 5T + 2, 25 × 12 − 5NA = 0

equações estas que complementadas com as duas equações relativas ao escorregamento,


(
FA = 0, 1NA
movimento iminente
FB = 0, 1NB

formam um sistema de 5 equações a 5 incógnitas, cuja solução é

T = 9, 838 kN NA = 14, 254 kN FA = 1, 425 kN NB = 1, 452 kN FB = 0, 145 kN

No que diz respeito a este bloco, tudo parece estar bem17 , mas é ainda necessário verificar o
bloco inferior.
As equações de forças deste bloco revelam
(P (
Fx = 0 HC − 0, 6NA − 0, 8FA = 0
equilíbrio do bloco inferior: P ⇒
Fy = 0 VC − 3 − 0, 8NA + 0, 6FA = 0
17
O que é que podia não estar bem? Por exemplo, se o coeficiente de atrito fosse 0,3 e não 0,1, as cinco equações
teriam como solução

T = 17, 335 kN NA = 21, 001 kN FA = 6, 300 kN NB = −1, 021 kN FB = −0, 306 kN

Este resultado não pode ser aceite porque NB não pode ser negativo (a reação do solo tem que ser de baixo para
cima). Isto indicaria que em vez do deslizamento em A e B, dever-se-ia antes analisar a rotação em torno de A, a
que corresponderia NB = FB = 0. Em contrapartida deixaria de haver escorregamento em A.

28
Entrando com os valores obtidos para NA e FA , obtém-se

HC = 9, 693 kN VC = 13, 548 kN

que se confirma serem ambos positivos, como teriam que ser dada a natureza do contacto por
encosto. Falta, ainda, verificar a condição do derrubamento. Uma forma de o fazer é calcular o
momento de NA , FA e do peso do bloco em relação ao ponto C,
X
MC ( ) = (0, 6 × 3 − 0, 8 × 2)NA + (0, 8 × 3 + 0.6 × 2)FA − 3 × 1 = 4, 982 kNm > 0

Esta quantidade ser positiva mostra que a linha de ação da reação VC precisa de estar à esquerda
do ponto C, o que é impossível.
A hipótese inicialmente admitida tem que estar errada. Voltamos à estaca zero, embora agora
tenhamos fortes suspeitas que o movimento iminente deve estar associado ao escorregamento
em B e ao derrube do bloco inferior em torno de C.

hipótese 2: escorregamentos em B (e em D); derrube em C


Quando existe derrube em torno de C, a linha de ação de VC passa por C. Então por equilíbrio
de momentos em C no bloco inferior tem-se
X
MC = 0 ⇒ (0, 6 × 3 − 0, 8 × 2)NA + (0, 8 × 3 + 0.6 × 2)FA − 3 × 1 = 0

ou, simplesmente,

0, 2NA + 3, 6FA − 3 = 0

Regressamos, ao bloco superior. Continuam a ser válidas as três equações de equilíbrio


apresentadas anteriormente, que aqui se repetem:

−T + 0, 8FA + 0, 6NA + FB = 0

equilíbrio do bloco superior: −0, 6FA + 0, 8NA + NB − 12 = 0

4, 5T + 2, 25 × 12 − 5NA = 0

Mas as equações associadas ao movimento são agora, apenas o deslizamento em B e a


equação deduzida atrás, relativa ao derrube do bloco inferior,
(
FB = 0, 1NB
movimento iminente
0, 2NA + 3, 6FA − 3 = 0

Não é de mais realçar que no cenário agora considerado não se pode admitir FA = 0, 1NA !
Estas cinco equações têm agora como solução

T = 7, 768 kN NA = 12, 391 kN FA = 0, 145 kN NB = 2, 174 kN FB = 0, 217 kN

Estes valores permitem comprovar que não existe, de facto, escorregamento em A

FA = 0, 145 kN < 0, 1NA = 0, 1 × 12, 391 = 1, 239 kN

Concluímos assim que esta segunda hipótese é a verdadeira (em rigor, falta verificar que
HC = 7, 551 kN e VC = 12, 826 kN são ambos positivos).

29
obtenção da força Q e verificação do equilíbrio
Falta relacionar T com o peso do bloco suspenso. Recorrendo à equação do atrito em cabos,
tendo em conta que o movimento iminente corresponde à descida do bloco suspenso tem-se
π
Qmax = T e0,1× 2 = 1, 170 × 7, 768 = 9, 089 kN (1)

Este seria o peso do bloco suspenso que iniciaria o movimento descendente. Como o peso do
bloco suspenso é, na realidade, inferior (6 kN), podemos concluir que o movimento não se dá
neste sentido.
Como se disse no início da resolução do problema, há ainda que fazer a verificação no
outro sentido. O procedimento é muito semelhante, residindo a principal diferença no sentido
das forças de atrito nos pontos A e B. Omite-se a resolução detalhada, mas resumem-se os
resultados dessa análise: o movimento iminente para a esquerda, dá-se por deslizamento em
A e em B (não há derrubamento do bloco inferior) para T = 4, 559 kN, a que corresponde
Qmin = 3, 897 kN.
Visto que o peso do bloco Q = 6 kN está compreendido entre estes valores Qmin e Qmax ,
podemos dizer que o equilíbrio dos blocos está verificado.

∗∗∗

Constatamos que um problema relativamente simples acaba por ter uma resolução algo com-
plicada com muitas verificações sucessivas, o que é uma consequência de a forma como se dá o
movimento iminente não ser óbvia. Uma abordagem deste tipo, assentando fortemente numa
estratégia de tentativa e erro, é útil para ganhar uma boa compreensão dos fenómenos físi-
cos em jogo (contacto, escorregamento, derrube) em problemas de pequena dimensão, mas é
claramente inapropriada para problemas mais complexos. É verdade que existem técnicas ma-
temáticas (programação linear) que permitem lidar com problemas deste tipo de uma forma
sistemática, mas esse tema está claramente fora do âmbito deste texto.

Manuel Ritto Corrêa

2 Março 2016

30

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