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Letras

A cidade como representação da Modernidade na


poesia de Baudelaire
Edgar Roberto Kirchoff

Doutor em Teoria da Literatura pela PUCRS

MODERNIDADE Baudelaire, focalizando-a também a partir de sua


modernidade estética.
A maior parte dos críticos de literatura
afirma que a poesia moderna inicia com No entanto, Jürgen Habermas 6 defende a
Baudelaire, uma vez que é ele o primeiro poeta a tese de que o modernismo estético surge já no
eleger a cidade grande como objeto poético. início do século XVIII, com a discussão entre os
Segundo G. M. Hyde, por exemplo, “a literatura classicistas franceses e os assim-chamados
modernista nasceu na cidade, e com Baudelaire - modernos. Estes últimos negavam o conceito
principalmente com sua descoberta de que as aristotélico da perfeição estética - desligada do
multidões significam solidão e que os termos tempo e, por isso mesmo, eterna - defendida
multitude e solitude são intercambiáveis para um pelos primeiros. Amparados pela nova noção de
poeta de imaginação fértil e ativa.” 1 Michael progresso, tal qual fora sugerida pelas incipientes
Hamburger 2 também afirma que Baudelaire é o Ciências da Natureza, os modernistas propunham
pai da poesia moderna, visto que o poeta concilia, o belo como totalmente relativo e vinculado ao
pela primeira vez na história da literatura, dois tempo. O filósofo alemão afirma que é, portanto,
pontos de vista até então antagônicos, a saber, o no domínio estético que a questão da
elemento contemporâneo e o intemporal, fundamentação da modernidade a partir de si
mediante o uso alegórico das imagens urbanas. 3 própria se coloca pela primeira vez na sua
Numa perspectiva semiótica, Walter Koch afirma história.
que o modernismo de Baudelaire – assim como
Apesar de a demarcação temporal do
dos demais simbolistas – consiste na radicalização
Modernismo ou da Modernidade ser um assunto
do foco estilístico da linguagem em detrimento do
controvertido entre os pensadores das mais
foco informacional. 4 Além disso, o filósofo alemão
diversas áreas, 7 parece não haver contendas
Walter Benjamin 5 havia já anteriormente
quanto ao caráter moderno da poesia
dedicado um estudo exaustivo à obra de
baudelairiana. Em Baudelaire, o respeito pela
1
tradição se torna visível pelo uso rigoroso que faz
Cf. G. M. HYDE, A poesia da cidade, p. 275.
2
Cf. Michael HAMBURGER, La verdad de la poesia, p.
6
272. Cf. Jürgen HABERMAS, O discurso filosófico da
3
id. ibid., p. 15. modernidade, p. 19.
4 7
Cf. Walter KOCH, The roots of literature, p. 134s. Sobre alguns dos principais aspectos da disputa em
5
Cf. Walter BENJAMIN, Charles Baudelaire: um lírico torno do moderno, verificar, entre outros, Walter KOCH, The
no auge do capitalismo, 271 p. roots of literature e Alain TOURAINE, Crítica da modernidade.
da forma em sua poesia. O poeta não só respeita seguindo uma sugestão de Ferrara 11 . No passeio,
a versificação clássica, que prefere versos as imagens se apresentam estáticas, seguras e
alexandrinos, como lhes investe de vários publicamente codificadas, garantindo a
recursos técnicos e estilísticos, tais como rimas referencialidade da própria identidade urbana
internas (Je verrai l’atelier .../Les tuyaux, les através de alguns marcos, como a Torre Eifel, por
clochers...) e muitas aliterações, como Les deux exemplo. A flanerie, por sua vez, não decorre da
mains au menton, du haut de ma mansarde, ou mera observação, e sim, da reflexão, em que as
L’étoile dans l’azur, la lampe à la fenêtre. imagens se colocam como “um pano de fundo,
um recorte que sustenta uma caudal de
Já o efêmero se faz presente pelo novo
sentimentos e reflexões.” 12 Segundo a autora:
uso da linguagem, em que são admitidas imagens
contemporâneas (atelier, tuyaux, mâts de la cité), Se a imagem urbana era, sobretudo,
quase todas buscadas dentro da nova visual e icônica, o imaginário é
configuração espacial que surge com os tempos polisensorial e resgata índices, marcas,
modernos, a saber, a cidade grande. Além disso, signos para, com esses fragmentos,
o efêmero se presentifica também pelos produzir uma constelação, uma unidade
paradoxos criados a partir da justaposição de que atua como metáfora da cidade: a
temas antagônicos, principalmente a cidade e a solidão que se concretiza na multidão, o
natureza. O sujeito lírico se apresenta integrado a flâneur, a prostituta, o burguês, a
essa nova configuração espacial - e não como velocidade são metáforas da modernidade
mero observador. Por isso, “para Baudelaire, a e temas constantes do imaginário
experiência estética fundia-se com a experiência urbano. 13
histórica da modernidade [Modernität].” 8
Em suma, Baudelaire não só apreende a
Ainda segundo Habermas 9 , a partir de cidade grande como o espaço simultaneamente
Baudelaire, a referência para a modernidade físico e social em que se refletem os mais
passa a ser constituída de uma atualidade que se significativos movimentos decorrentes da nova
autoconsome. E já que essa atualidade não pode estruturação social em seu tempo, como também
ser compreendida apenas como um período de se apodera desse mesmo lugar, através da
transição, uma vez que se estabelece como flanerie, para transformá-lo em uma alegoria da
centro da vida moderna, também não pode ser modernidade. A seguir, esse processo será
buscada na oposição a épocas e figuras do demonstrado através de alguns exemplos
passado. Assim sendo, “a atualidade só pode retirados dos Quadros parisienses e de uma
constituir-se como intersecção de tempo e análise mais aprofundada do poema Paysage.
eternidade. 10 ” Logo, torna-se evidente que, ao
propor a assimilação do eterno pelo efêmero,
Baudelaire dá início a uma nova estética literária, PARIS COMO CIDADE
diferente tanto da estética tradicional quanto da TRANSFIGURADA
estética modernista do século XVIII, de cunho
Segundo Walter Benjamin 14 , nem a
positivista-cientificista.
cidade grande tampouco a multidão constituem a
É na cidade grande que Baudelaire verdadeira melodia de As Flores do mal, apesar
encontra o objeto poético ideal para construir a de ambas despontarem como os temas
principal metáfora desse novo tempo. A cidade decisivamente novos na poesia baudelairiana.
representa fisicamente as novas formas de Benjamin afirma que “os verdadeiros objetos de
organização social, decorrentes da desintegração As Flores do Mal se encontram em lugares mais
da ordem medieval, atuando como uma espécie invisíveis. São (...) as cordas jamais tocadas do
de catalizador de todas as novas relações instrumento inaudível em que Baudelaire
possíveis em um universo não mais organizado devaneia.” 15 Nessas cordas, soam, segundo o
pela ordem clerical. Do ponto de vista subjetivo autor, seus três temas recorrentes, o satanismo, o
do poeta, a atitude epistemológica frente a esse spleen e o erotismo desviante.
novo objeto é a flanerie, concebida como um ato
Benjamin retrata, através desse paradoxo,
eminentemente imaginário, visto que impõe à
a atitude perceptiva de Baudelaire, que se ancora
observação dos objetos um distanciamento
solitário. A flanerie pode ser mais bem 11
Cf. Lucrécia D’Alessio FERRARA, Cidade, imagem e
compreendida se oposta ao simples passeio,
imaginário, p. 196.
12
id. ibid.
8 13
Cf. Jürgen HABERMAS, op. cit. id. ibid. p. 198.
9 14
id. ibid. Cf. Walter BENJAMIN, op. cit., p. 161.
10 15
id. ibid. id. ibid.
na imaginação. É essa atitude que permite ao planejadas (...) com esgotos e encanamentos de
poeta realizar a transfiguração dos objetos água absolutamente separados e distintos uns
urbanos parisienses em objetos imaginários. E o dos outros. Dava (ou pretendia dar) a impressão
resultado dessa transformação é, primeiro, um de um ressurgimento das glórias de Roma antiga;
certo satanismo, manifesto no culto pelo o primado das vias encarnava a idéia dominante
presente; segundo, o spleen ou melancolia, uma de comunicações integrando o todo. 19
tristeza profunda, vinculada ao sentimento de que
Baudelaire, por sua vez, inverte o
o passado está se perdendo no presente e de que
significado desse projeto ufanista de reformas
o presente não permanece; terceiro, o erotismo
apelando para imagens do passado clássico
desviante, que encontra amor e beleza no feio e
ocidental, como a personagem Andrômaca, o rio
no abjeto. A inspiração desses temas é buscada,
Simeonte e o poeta Ovídio. Estes ofuscam as
por Baudelaire, principalmente no romantismo 16 .
imagens do presente que pretende imitar o
Contudo, é necessário esclarecer que, passado através de meras fachadas. O cisne,
diferente dos românticos, Baudelaire não utiliza animal belo e garboso, é a metáfora utilizada para
tais temas apenas como expressão do pitoresco, retratar essa inversão. Baudelaire o caracteriza
do fantástico ou do sentimento da época, mas os como portador de gestes fous (gestos
transfigura por uma espécie de alquimia realizada tresloucados), e o compara com os exilados, que
a partir de um domínio exemplar da forma lírica são ridículos e sublimes. Ao passo que o cisne é
tradicional, de um lado, e da utilização copiosa de transformado de símbolo do belo em pária
antíteses e paradoxos, de outro. O resultado é urbano 20 , as reformas urbanas são transformadas
uma alquimia linguageira, através da qual o poeta em símbolo de imobilidade: “Paris change! mais
cria um espaço inatingível para a razão referencial rien dans ma mélancolie/ N’a bougé! (...).” Surge,
- visto que se compõe de paradoxos - ou, nas portanto, um dos incontáveis paradoxos
palavras de Benjamin, uma metafísica do baudelairianos, que, aqui, transfigura o tema da
provocador 17 . mudança em imobilidade.
Os quadros parisienses parecem constituir Ao passo que a beleza do cisne é
o conjunto poético em que Paris mais bem transformada em símbolo de decadência, as
representa este novo espaço transfigurado. Neles, imagens decadentes de Paris, por outro lado,
o satanismo e o erotismo surgem através da transformam-se em objetos de apreciação
dispersão do eu lírico no espaço urbano, estética. Por exemplo, em outro poema,
simultaneamente representado como espaço Baudelaire transforma uma mendiga ruiva -
natural e como espaço místico. O resultado é um caracterizada como pobre, dona de tamancos
certo sentimento de profunda tristeza ou grosseiros e de meias estragadas - em símbolo do
melancolia, caracterizado com o termo spleen, belo: Va donc, sans autre ornement,/ Parfum,
visto que as contradições não encontram perles, diamant,/ Que ta maigre nudité,/ O ma
resolução. No poema Le cigne, por exemplo, beauté! A mesma inversão ocorre com os Sete
Baudelaire retrata as muitas reformas velhos, descritos como criaturas provindas de
arquitetônicas ocorridas na Paris do Segundo algum tipo de inferno (du même enfer venu), mas
Império. Segundo Hyde 18 , naquela época, capazes de incitar um sentimento místico e
proliferavam fachadas neoclássicas monumentais, religioso, voltado para a eternidade: (...) malgré
e a cidade erapela primeira vez servida por ruas tant de décrépitude/ Ces sept monstres hideux
avaient l’air éternel!
16
Alguns temas românticos dos quais Baudelaire Todos os demais objetos escolhidos por
dispõe são a solidão, a natureza idealizada e o misticismo Baudelaire sofrem o mesmo tipo de inversão,
demoníaco. Além disso, a própria forma poética não rompe como as velhinhas, os cegos, e as prostitutas. A
atitude poética é, portanto, criativa e
com a tradição romântica, pois, como afirma Hyde, “na
transformadora, mas não apaziguadora. A
França, o romantismo, apesar do que se vangloriava Hugo, metáfora utilizada por Baudelaire para
não depusera, ou pelo menos não desalojara, o alexandrino caracterizar o próprio fazer poético como atitude
clássico (...)” Cf. G.M.HYDE, op. cit., p. 278. No entanto, o transformadora é o sol. Assim como o sol é
efeito de subjetividade na poesia baudelariana é desesperado, amoral, (Ce père nourricier, ennemi des
chloroses,/ Éveille dans les champs les vers
não conduzindo a uma superação mística apaziguadora. Por
comme les roses;) uma vez que ilumina
isso, apesar de recorrer a temas românticos, a poesia de indistintamente tanto o verme como a rosa, o
Baudelaire não pode ser classificada como pertencente a esse
19
período literário. id. ibid.
17 20
Cf. Walter BENJAMIN, op. cit., p. 11. A imagem do cisne como um dos párias urbanos de
18
Cf. G.M. HYDE, op. cit., p. 277. Baudelaire é de HYDE, op. cit. p. 279.
poeta também o é, pois exerce sua “estranha afirma, de início, que representará a cidade por
esgrima” tanto na cidade como no campo, tanto uma forma poética bucólica. Além disso, há
sobre os tetos, quanto sobre os trigais (Sur la ville outros lexemas que apontam para a natureza
et les champs, sur les toits e les blés). Assim como configuradora da urbanidade, tais como o
sendo, Baudelaire funde a imagem do sol com a céu, o vento, as brumas, a estrela, a lua, e as
do poeta, caracterizando a ambos como sujeitos estações do ano.
vitalizantes de objetos imóveis. Ambos possuem o
No verso 14, o eu lírico anuncia a
poder de redimir até as coisas mais abjetas por
chegada do inverno com suas neves monótonas,
meio da luz e da vontade, criando os espaços
que o fará mudar de atitude frente à cidade: “Je
complexos da vida e da poesia.
fermerai partout portières e volets/ Pour bâtir
A análise pormenorizada do poema dans la nuit mes féeriques palais. A observação
paysage demonstra essa configuração espacial da cidade a partir do alto da
heterodoxa, composta pela urbanidade, a mansarda/campanário não é possível durante o
natureza e o misticismo. Nos quatro primeiros inverno por causa do frio e da neve. Por isso, o eu
versos, o eu lírico afirma que quer, para compor lírico avisa que se recolherá para construir seus
suas éclogas castamente, deitar-se junto ao céu feéricos palácios. Deve-se notar que essa
como os astrólogos, e escutar sonhando, junto mudança de estado é apenas aparente, pois, no
aos clochers (campanários), os seus hinos solenes poema, não há diferença entre observar
levados pelo vento. A religiosidade ou misticismo externamente e observar internamente, uma vez
está latente no advérbio castamente, ligado ao que, tanto do alto do campanário/mansarda
campanário (torre de uma igreja, em que ficam os quanto de dentro das portas e venezianas
sinos). Ela também está subjacente nos lexemas fechadas, o eu lírico transforma a realidade que
astrólogos e hinos solenes. O pronome leurs, em observa.
frente a hymnes solennels, cria ambigüidade
Nos versos 17 a 20, o sujeito lírico
quanto ao possuidor: os hinos podem proceder
explicita o objetivo de sua imaginação, a saber,
dos sinos no campanário, ou dos astrólogos.
sonhar com horizontes azulados (je rêverai des
Contudo, a despeito dessa ambivalência, a idéia
horizons bleuâtres), com jardins, com jatos de
do misticismo é mantida.
água chorando em alabastros (Des jardins, des
A figuração urbana externa aparece jets d’eau pleurant dans les albâtres), com beijos,
somente a partir do quinto verso, em que o pássaros cantando à tarde e à noite, e com tudo
sujeito lírico exclama que verá, com as duas mãos mais que o Idílio tenha de mais infantil (tout ce
no queixo, do alto de sua mansarde, o atelier qui que l’Idylle a de plus enfantin). Nesses versos, de
chante e qui bavarde, les tuyaux, les clochers, ces influência nitidamente romântica, predomina,
mâts de la cité. Os lexemas mansarde, atelier, novamente, a idéia de uma cidade lida como se
tuyaux e mâts apelam para uma descrição visual fosse natureza. A paisagem externa será
da paisagem urbana, vista do alto. No entanto, o transformada, pelo sonho, em paisagem natural.
lexema clochers, agora inserido entre elementos O valor positivo da urbanidade será adquirido
profanos, adquire uma ambivalência semântica, através de sua naturalização. Esse percurso
pois é, simultaneamente, um lugar religioso e temático é comprovado pelo verso 21, em que o
não-religioso. mundo externo - representado pela multidão
(L’Émeute) - tenta, em vão, desviar o poeta de
Além disso, essa ambivalência também
sua voluptuosidade onírica (L’Émeute ... Na fera
está presente na fusão realizada entre mansarde
pas lever mon front de mon pupitre).
e clocher. O único elemento semântico que
mantém sua unidade é o aspecto da altura: tanto Os últimos quatro versos são elucidativos
o campanário quanto a mansarda são lugares quanto à fonte de manipulação do sujeito lírico.
altos. No entanto, ao passo que a mansarda é Este afirma que estará arrebatado por essa
presente, o campanário remonta ao passado voluptuosidade de invocar, com sua vontade, a
eclesiástico. Logo, a ambivalência religiosa é primavera, de tirar um sol de seu coração, e de
paralela à ambivalência temporal. transformar seus pensamentos abrasantes em
uma atmosfera tépida. O querer do sujeito lírico é
Tanto o misticismo quanto a visualização
investido de poder por meio do sonho. Portanto, o
da cidade são fundidos com o tema da natureza,
percurso temático que investe a cidade com o
completando um espaço sêmico que poderia ser
sema da natureza completa seu caminho com
definido como espaço elevado, místico-profano,
sucesso, visto que o sujeito quer e pode realizar a
passado-presente, urbano-natural. A natureza,
transformação da cidade não-natural em cidade
apesar de oposta ao universo urbano, permanece
natural. Assim, a Paris externa e urbana, que se
como principal fonte temática de sua composição.
apresenta ao poeta sob a metáfora da multidão, é
O primeiro lexema que o comprova é éclogas
convertida em uma Paris idílica, inocente, infantil
(poemas pastoris), através do qual o eu lírico
e mesmo bucólica, através de um simples ato de BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico
vontade, concedido pelo sonho. 21 no auge do capitalismo. São Paulo:
Brasiliense, 1997. 3. ed.
Pode-se concluir que é a disposição
paradoxal, na poesia baudelairiana, que desponta COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da
como o elemento verdadeiramente novo em modernidade. Belo Horizonte: Editora UFMG,
relação à tradição poética anterior. É ela que 1996.
constitui as cordas jamais tocadas do instrumento
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da
inaudível em que Baudelaire devaneia, para citar
modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990.
as palavras de Benjamin. O paradoxo engendra,
de um lado, a mediaticidade do objeto em seu HAMBURGER, Michael. La verdad de la poesia:
tempo presente e, de outro lado, o apelo a tensiones en la poesía moderna de Baudelaire
repertórios sígnicos derivados de tradições a los años sesenta. Mexico: Fondo de cultura
passadas, cujo objetivo é transfigurar o próprio económica, 1991.
presente. Esse mesmo paradoxo se reflete na
HYDE, G. M. A poesia da cidade. In: BRADBURY
vontade de transformar o urbano em natural.
Malcolm & McFARLANE, James. Modernismo:
Presente e passado, cidade e natureza, portanto,
guia geral, 1890-1930. São Paulo: Companhia
convivem de forma antagônica e harmônica. O
das Letras, 1989.
antagonismo decorre das contradições lógicas
entre os dois mundos, ao passo que a harmonia é FERRARA, Lucrécia d’Alessio. Cidade, imagem e
garantida pela coerência da construção poética, imaginário. In: de SOUZA, Célia Ferraz &
ancorada na própria tradição (métrica e melodia) PESAVENTO, Sandra Jatahy. (org.) Imagens
e no desejo do poeta. urbanas: os diversos olhares na formação do
22 imaginário urbano. Porto Alegre: Editora da
Segundo Lucrécia Ferrara, é a
UFRGS, 1997.
modalidade de estímulo calcada no imaginário
que dá origem a uma poética urbana identificada KOCH, Walter. The roots of literature. Bochum:
com a modernidade. E Baudelaire, efetivamente, Brockmeyer, 1993.
recria o imaginário parisiense, na medida em que
TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade.
apresenta a cidade sob a forma de um espaço em
Petrópolis, Vozes, 1994.
que circulam conjuntamente o passado e o
presente, a religião e a não-religião, a natureza e
a anti-natureza, numa transfiguração que leva o
receptor para além da própria Paris, porém, sem
jamais abandoná-la. Em suma, Baudelaire
explora, pela primeira vez na história da poesia,
um imaginário fundado na transitoriedade do
presente, ligado à eternidade do passado. O
resultado, como não poderia deixar de ser, é o
paradoxo, manifesto principalmente pelo
sentimento melancólico do spleen, do qual o
poeta é tomado em sua atitude de flaneur.

BIBLIOGRAFIA
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

21
Essa tendência naturalista ou naturalizante é
constante em toda a obra de Baudelaire, conforme atesta,
entre outros, Hamburger: “Apesar de seu elogio ao culto do
artifício, a imaginação de Baudelaire tendia a buscar na
natureza os símbolos do “ideal”, e, nos fenômenos da
civilização moderna, os símbolos da condição decadente,
depravada e neurótica, que ele nomeou de “spleen”. Cf.
HAMBURGER, Michael, La verdad de la poesia, p. 273.
22
Cf. Lucrécia D’Alessio FERRARA, op. cit., p. 197.

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