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Entre las FARC y MST, entre la violencia en el campo y la policía del Estado en
América Latina: diferentes aspectos de la historia del conflicto agrario en Brasil y
Colombia
Between FARC and MST, between the violence in the field and the state police in
Latin America: different aspects of historical agrarian conflict in Brazil and Colombia
Resumo
Este estudo pretende traçar um panorama das principais lutas sociais desenvolvidas na
América Latina nos últimos anos, em especial em relação aos conflitos agrários, resultando
no surgimento de dois movimentos rurais históricos e distintos: o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST no Brasil e as FARC – Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia. Pretende-se estabelecer até que ponto tais movimentos
surgiram dentro do contexto de segmentos sociais excluídos, que buscaram no campo, por
meio da luta campesina, diversas formas de reivindicação de direitos que, em realidades
sociais diversas, resultaram em formas distintas e graus diferenciados de emprego da força
e violência no campo. Assim, discute-se até que ponto os conflitos sociais agrários
resultaram numa reação por parte dos poderes constituídos, dentro de uma realidade de
classe, a ponto de se estatuir em pleno período de redemocratização das nações latino-
americanas, na perspectiva de regimes constitucionais, assentados num Estado Democrático
de Direito, um anômalo Estado Policial, em detrimento do exercício de direitos
fundamentais, como a liberdade de reunião e associação. Além disso, um processo de
criminalização crescente do MST no Brasil, a exemplo do que ocorre nos embates entre o
Estado e as FARC na Colômbia, contribui para um processo de militarização do aparato
repressivo do Estado, que nada contribui para a manutenção da paz e promoção da inclusão
social no continente latino-americano.
Resumen
Este estudio tiene como objetivo dar una visión general de las principales luchas sociales en
América Latina desarrolladas en los últimos años, particularmente en relación con disputas
por la tierra, dando como resultado la aparición de dos movimientos históricos en las zonas
rurales: el Movimiento de Trabajadores Rurales Sin Tierra - MST en Brasil y las FARC -
Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia. El objetivo del trabajo es establecer en qué
medida estos movimientos surgieron en el contexto de los grupos sociales excluidos, que
buscaban en el campo, a través de la lucha campesina, diversas formas de reivindicación de
los derechos en diversas situaciones sociales, dando lugar a diferentes formas y diferentes
grados de uso de la fuerza y la violencia en el campo. Por lo tanto, se discute hasta qué
punto el conflicto social agrario dio lugar a una reacción de los poderes dentro de una
realidad de clase durante un período de democratización de las naciones latinoamericanas,
desde la perspectiva de los regímenes constitucionales, sentado en un Estado democrático,
un policía del Estado anómalo, más que el ejercicio de los derechos fundamentales como la
libertad de reunión y de asociación. Por otra parte, un proceso de creciente criminalización
del MST en Brasil, como ocurre en los enfrentamientos entre el gobierno y las FARC en
Colombia, contribuyendo a un proceso de militarización del aparato represivo del Estado,
que no contribuye en nada al mantenimiento de la paz y la promover la inclusión social en
América Latina.
Abstract
This study aims to give an overview of major social struggles in Latin America developed
in recent years, particularly in relation to land disputes, resulting in the emergence of two
distinct historical and rural movements: the Movement of Landless Rural Workers - MST
in Brazil and FARC - Revolutionary Armed Forces of Colombia. It’s intended to establish
to what extent these movements emerged within the context of excluded social groups, who
sought in the field and through the peasant struggle, various forms of claims of rights in
various social situations, resulting in diverse ways and different degrees of the use of force
and violence in the countryside. Thus, we discuss to what extent the agrarian social conflict
resulted in a reaction by the powers that, within a class reality, during the period of
democratization of Latin American nations, from the perspective of constitutional regimes
seated in a democratic state, an anomalous state police, rather than the exercise of
fundamental rights such as freedom of assembly and association. Furthermore, a process of
increasing criminalization of the MST in Brazil, as occurs in clashes between the
government and the FARC in Colombia, contributed to a process of militarization of the
repressive apparatus of the state, which doesn’t contribute to the maintenance of peace and
the promotion of social inclusion in Latin America.
Keywords: Agrarian conflicts, social movements in the field, violence, state police,
democratization.
tratamentos legais diferenciados para duas da violência, inclusive por obra da reação
significativas siglas que englobam estatal à eclosão de movimentos
movimentos maciços de trabalhadores associados com terra, trabalho e reforma
alijados do mercado, onde a participação agrária, percebe-se que o fechamento de
popular desses setores excluídos da terras em torno de latifúndios, dificultou
sociedade, transformam-se em lutas sobremaneira a inclusão social do
sociais revestidas de polêmica, violência trabalhador do campo, permanecendo o
e criticas ideologicamente extremadas. camponês como um ser desenraizado,
Um pouco das lições que podem ser migrante, numa trajetória de vida
obtidas através do histórico de repressão itinerante à procura de trabalho, num
as FARC e, em alguma medida contra o processo de proletarização em que as
MST (principalmente em períodos opções legais ou à margem da legalidade
autoritários), podem levar a uma passam a competir em grau de igualdade
constatação dos fracassos do modelo de nas alternativas a serem fornecidas para
Estado liberal implantado no continente esses indivíduos, carecedores de trabalho,
latino-americano, revelando até que ponto sujeitos à superexploração ou até mesmo
as consequências das opções tomadas ao trabalho escravo, principalmente em
pelo modelo liberal de gestão da reforma algumas regiões do Brasil, como
agrária levaram ao nascimento desses Pernambuco, Bahia, Pará e Mato Grosso 1.
dois movimentos que serão analisados a
partir de agora. A luta dos excluídos pode
ser inglória, mas a perseverança para
1
permanecer lutando parece constante. Nesse sentido, em seu estudo sobre a sociologia
do narcotráfico na América Latina, a socióloga
Ana Maria Ribeiro, do departamento de
Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da
Um cotidiano de violência e repressão UFF, publicou relevante estudo sobre narcotráfico
estatal nos conflitos agrários latino- e questão camponesa, fazendo referência aos
estudos anteriores de José de Souza Martins,
americanos indicando até que ponto a degradação das
condições sociais do camponês brasileiro o força a
buscar opções de trabalho no campo fora dos
meandros da legalidade. RIBEIRO, Ana Maria.
Em primeiro lugar, ao se efetuar uma Sociologia do narcotráfico na América Latina e a
questão camponesa. IN: RIBEIRO, ANA MARIA
análise do advento e crescimento dos MOTTA; IULIANELLI, Jorge Atílio.
conflitos agrários associados ao aumento Narcotráfico e violência no campo. Rio de
Janeiro: DP&A, 2000, p. 25.
Soma-se a isso o fato de que a própria legislação civil como baluarte dos direitos
legalidade contribuiu para a de propriedade, entendendo que a
marginalização crescente do camponês, principal forma de sua aquisição, nos
pelos difíceis requisitos legais para a moldes de uma sociedade de mercado,
ocupação legal de terras e pela visão ainda seria pela acumulação de riquezas.
predominantemente liberal-burguesa do Se a lei civil entendia que somente os
exercício do direito de propriedade. A
ortodoxia jurídica dos tribunais e de and Development Journal, onde o autor critica o
pensamento jurídico tradicional, predominante no
muitos legisladores, acentuadamente Brasil antes do governo Lula (2003-2010),
revelando até que ponto a visão privatista do
vinculada a um paradigma liberal e direito levou a se entender o direito de
propriedade como quase absoluto, sem observar a
positivista do Direito2, tendia a ver a necessidade de sua função social. MESZAROS,
George. O MST e o estado de direito no Brasil.
IN: CARTER, Miguel. Combatendo a
2
Vide o estudo efetuado por Meszáros, em texto desigualdade:o MST e a reforma agrária no
originalmente apresentado na Law, Social Justice Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p.441.
No decorrer deste estudo, o que parece serem resolvidos; o que torna bastante
ficar demonstrado é que nunca antes a problemática a questão da manutenção do
racionalidade do direito penal ficou tão princípio da democracia, num Estado
comprometida diante de um avanço Constitucional de Direito, como se vive
punitivo, no que tange às soluções hoje na realidade brasileira.
jurídicas empregadas para problemas
sociais pendentes na realidade brasileira, O modelo de segurança colombiano
como a questão da reforma agrária e a diante das FARC e a repressão aos
desigualdade social no meio rural. Não movimentos sociais no Brasil
obstante a previsão constitucional acerca
da função social da propriedade, desde a O modelo de segurança adotado pela
promulgação da Constituição de 1988 até Colômbia a partir de 2002 revelou uma
hoje, a utilização de táticas que levam em aliança implícita entre os setores
conta a ocupação de terras como meio de paramilitares da sociedade colombiana e
protesto e exercício da reivindicação seu corpo político, numa plena
social como direito de resistência, tem materialização do conceito de inimigo
sido mal entendida por juristas e trazido por Jakobs, agora traduzido na
aplicadores do direito, uma vez que as forma da figura do terrorista, e o
pressões exercidas pelo sistema reconhecimento como tal de integrantes
econômico e pelo sistema político, ainda da organização guerrilheira intitulada
comprometem por demais as decisões FARC (Forças Armadas Revolucionárias
havidas no interior do sistema do direito. da Colômbia). Independente do quão
Importante notar como as rebeliões vago e aberto seja o tipo penal que defina
populares, capitaneadas por movimentos o que é terrorismo, Jakobs defende que a
organizados, mesmo numa sociedade pena, num Estado de Direito, não se
democrática, no atual estágio de aplica ao terrorista, ao comentar o Código
desenvolvimento das relações sociais no Penal Alemão:
Brasil, ainda são vistas como fator de
alarma e, para alguns, como momento “embora a perturbação da segurança
fomentador de perigos, que necessitam da pública somente possa ser distinguida de
intervenção repressiva do Estado para forma relativamente difusa, fazem-se
inimigos são vistos como uma combater o domínio das FARC, em parte
necessidade, vê seus correlatos não do território sujeito a sua intervenção.
apenas na experiência colombiana, mas Atualmente essas organizações se
muito na formação de milícias formadas constituem de formas diversas, desde
por policiais ou ex-policias no Brasil, no milícias rurais ou empresas de segurança,
exemplo do Rio de Janeiro, como também até a formação de pequenos grupos de
na formação de exércitos particulares, mercenários, contratados a soldo da
mercenários pagos por empresas privadas, iniciativa privada 20. Assim como na
como é o caso da norte-americana Colômbia, nas regiões ocupadas pela
Blackwater, em plena atividade num FARC, houve um incentivo do governo à
Iraque ocupado militarmente. Não formação desses grupos na resistência
obstante a existência de efetivos policiais contra a guerrilha, que acabaram por se
uniformizados, responsáveis pelo constituir em organizações criminosas, no
patrulhamento e policiamento ostensivo, Brasil, em capitais como o Rio de Janeiro
em todas essas regiões o que se percebe é houve certa tolerância do governo local
o advento de um novo modelo de fluminense quanto ao surgimento e
segurança, alicerçado em diretrizes desenvolvimento das milícias privadas,
políticas de um Estado comprometido formadas em sua maioria por integrantes
com soluções imediatistas acerca da nova das polícias, residentes nas comunidades,
criminalidade global, como o no combate a traficantes, que acabaram
narcotráfico, o crime organizado e o por se transformar em quadrilhas e
terrorismo, mesmo que à revelia dos bandos de criminosos que vivem graças à
dispositivos constitucionais garantidores prática de venda de proteção, controle de
de direitos. sinais de televisão a cabo e no
fornecimento de abastecimento de água e
O paramilitarismo colombiano é um gás. Tanto os paramilitares colombianos
fenômeno social que surgiu na Colômbia como os brasileiros possuem braços nos
desde a década de oitenta do século poderes institucionalizados, com
passado, e tem suas raízes na formação de representantes clandestinos no Poder
organizações de autodefesa, autorizadas Legislativo, e sob a lógica da autotutela
pelo governo colombiano, a fim de 20
PÉCAULT, Daniel. Op.cit.p.97.
Direito vigente e fatores de risco para a brasileira desde a formação das Ligas
segurança nacional. Camponesas até o surgimento do MST.
26
HOBBSBAWN, Eric. Globalização,
democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007, p. 125.
Atividade da
Municípios Nome do conflito Data Nome da vítima
vítima
Amazonas
Gleba Curuquetê/ Adelino Ramos
Lábrea 27/05/2011 Liderança
Linha 02Km (“Dinho”)
Pará
Fazenda de
Francisco Alves
Breu Branco Mariene Nerys e 03/03/2011 Liderança
Macedo
Darli
Comunidade de João Chupel
Itaituba 22/10/2011 Agente Pastoral
Mirituba Primo
Pedro Oliveira
Acampamento
Itupiranga 29/01/2011 Teixeira (Pedro Sindicalista
Planta Brasil
“Saraca”)
Jurandir Soares
Juruti Gleba Curumucuri 12/01/2011 Assentado
Nunes
Fazenda Valdemar Oliveira
Marabá 25/08/2011 Liderança
Califórnia Barbosa (Piauí)
Assentamento
Maria do Espírito
Nova Ipixuna Praia Alta 24/05/2011 Liderança
Santo da Silva
Pinhareira
Assentamento
José Claúdio
Nova Ipixuna Praia Alta 24/05/2011 Liderança
Ribeiro da Silva
Pinhareira
Assentamento
Herenilson Pereira
Nova Ipixuna Praia Alta 26/05/2011 Assentado
dos Santos
Pinhareira
P.A. Rio
Pacajá 30.04.2011 Nildo Ferreira Assentado
Bandeiras
P.A. Rio
Pacajá 30.04.2011 Adão Ribeiro Assentado
Bandeiras
Acampamento Obede Loyola
Pacajá 09.06.2011 Sem-terra
Esperança Souza
José Ribamar
Acampamento
Rondon do Pará 07.10.2011 Teixeira dos Liderança
Deus é Fiel
Santos (“Riba”)
Maranhão
Criança Awa-
Arame T.I. Arariboia 30.10.2011 Índio
Guajá
Júlio Luna da
Arame Citerna.Temasa 08.12.2011 Assentado
Silva
Centro do
T.A. Alto Turiaçu 31.03.2011 Tazirã Ka’apor Índio
Guilherme
Assentamento João Conceição da
Santa Luzia 24.09.2011 Assentado
Fiechal Silva
Cícero Felipe da
Santa Luzia P.A.Rosa Saraiva 06.02.2011 Silva (Cícero Liderança
“Patácio)
Serrano do Valdenilson Liderança
Quilombo Rosário 02.10.2011
Maranhão Borges quilombola
Serrano do
Povoado Portinho 07.11.2011 Delmir Silva Quilombola
Maranhão
Relação de pessoas assassinadas em conflitos agrários no Amazonas, Maranhão e Pará (região norte e
nordeste do Brasil) no ano de 2011
Fonte: Comissão Pastoral da Terra, em www....
na via pela qual o Estado canaliza sua possuir traços reaçonários e totalizantes, 29
violência por meio de seu aparato no sentido de que, historicamente, foram
repressivo. Do dia para a noite geram-se se formando novas relações entre os
inimigos, terroristas e indesejáveis a grupos sociais, movidas por
serem combatidos pelo Estado, em prol demonstrações emotivas de medo,
de uma sociedade “livre”, conforme o indignação e hostilidade em relação ao
jargão liberal dos argutos defensores de problema do crime.
um componente ideológico neoliberalista.
Está preparado o cenário para a Garland constata que as classes sociais
propagação da violência. que outrora apoiavam políticas de bem-
estar social, seja por estarem movidas por
Estado policial ao invés de Estado social, interesses próprios ou por uma simples
tratamento de reivindicações sociais solidariedade de classe, passaram a rever
legítimas por terra e trabalho seu apoio a tais políticas, à medida que
considerados como caso de polícia e ação setores da classe média passaram a se
de criminosos que promovem invasões de sentir atingidos pelas mudanças sociais
terra e destruição de propriedades. Nesse ocorridas com as políticas previdenciárias
discurso punitivo de criminalização do destinadas aos pobres. Medidas
MST é possível sinalizar como as assistencialistas e a intensa preocupação
mudanças econômicas trazidas pela pós- com a ressocialização e manutenção das
modernidade e a manutenção de uma garantias de indivíduos das classes mais
estrutura social anacrônica, mantida por baixas envolvidos em práticas delituosas,
um conservadorismo presente no discurso passaram a ser vistas como um luxo
dominante sobre a criminalização, oneroso destinado a quem trabalhou
culminou com a expansão punitiva e a menos, ou se esforçou pouco para obter,
repressão ativa e consciente dos no âmbito da livre concorrência a tão
movimentos sociais. Garland, por sua sonhada aquisição de riquezas, defendida
vez, analisa que a reação ao chamado pela ideologia liberal. As críticas dos
“prevendiciarismo penal” passou a
29
GARLAND, David. A cultura do controle:
crime e ordem social na sociedade
contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008, p.
182.
Referências