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Constituição de Consórcios Públicos e Implicações
Constituição de Consórcios Públicos e Implicações
107/
2005 nas associações intermunicipais anteriores
Gustavo Gomes Machado
Mestre em Gestão das Cidades pela PUC Minas. Professor de Direito Urbanístico. Professor de Direito Público na Faculdade Pitágoras.
Especialista em Políticas Públicas e em Gestão Governamental do Estado de Minas Gerais.
Sumário: 1 Introdução – 2 Criação de consórcios públicos com Embora cercada de polêmicas, a Lei
personalidade jurídica – 3 As fases de constituição dos consór-
cios públicos – 3.1 A fase de pactuação – o protocolo de inten-
nº 11.107/2005 deve ser comemorada devido a
ções – 3.1.1 Cláusulas obrigatórias do protocolo de intenções sua importante função de regulamentar o associa-
– 3.1.2 Subscrição do protocolo de intenções – 3.2 A fase de tivismo federativo voluntário no regime jurídico de
ratificação – 3.2.1 Reservas ao protocolo de intenções – 3.2.2
Celebração do Contrato de Consórcio – 3.3 A fase de registro do direito público.4
Contrato de Consórcio – 4 Gestão do consórcio – 5 Superveniên- Neste capítulo, abordaremos o regime jurídico
cia da Lei nº 11.107/2007 em face das associações intermuni-
cipais – 5.1 Associações que não executam obras ou serviços de
de constituição dos consórcios públicos, tema de
interesse comum – 6 Considerações finais: benefícios do novo extrema relevância, na medida em que não mais
regime dos consórcios públicos – Referências se admite a formação de consórcios de forma não
solene, ou seja, sem a observância de rito formal
prescrito na Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005.
1 Introdução Como dito, neste capítulo discutiremos o rito
Na persecução do federalismo cooperativo, solene de constituição de consórcios públicos nos
a implantação do regime jurídico de direito público termos da Lei nº 11.107, de 2005, assim como
para associações interfederativas abre, com novos da sua norma de regulamentação, o Decreto
instrumentos, a possibilidade de superação do fe- nº 6.017/2007. Não descuidaremos, outrossim,
deralismo competitivo, preponderante na República dos princípios e regras que devem reger a superve-
Brasileira desde 1891.1 niência da lei nova diante dos ajustes consorciais já
Em verdade, a regulamentação dos consórcios estabelecidos.
públicos não substitui nem obstaculiza outras for-
mas de regionalismo2 e relações intergovernamen- 2 Criação de consórcios públicos com
tais admitidas na federação brasileira. Há que se personalidade jurídica
reconhecer, contudo, as inovações conceituais pro-
A Lei nº 11.107/2005 explicitamente vincula
movidas pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de
junho de 1998, que dá nova redação ao art. 241, os consórcios à personalidade jurídica por meio de
prescrevendo os consórcios públicos como alterna- associações — públicas ou privadas — de entes
tiva para a gestão associada de serviços públicos. federados, opondo-se a entendimento tradicional da
Ademais, firmou-se a exigência de cláusulas doutrina administrativista brasileira, que até então,
obrigatórias nos contratos de consórcio que con- caracterizava os consórcios administrativos como
duzem à vinculação do funcionamento dessas enti- acordos cuja implementação independia de um
dades à Boa Administração Pública, entendida por
Juarez Freitas3 como um direito fundamental dos 4
A experiência de consórcios no Brasil é rica, especialmente em
cidadãos, e que compreende, entre outros aspec- acordos envolvendo Municípios. Muito embora a Constituição da
tos, a sindicabilidade aprofundada dos atos admi- República e a Lei nº 11.107/2005 tenham facultado a Estados-
membros e à União Federal serem partícipes na formação de
nistrativos, a responsabilidade do Estado por ações consórcios públicos, é patente que os principais destinatários
e omissões e a valorização das carreiras de Estado. da modalidade consorcial de associativismo federativo voluntário
são os governos municipais.
Não por acaso, os consórcios intermunicipais e outras formas de
1
Sobre esse tema, ver: ABRUCIO, Fernando L.; COSTA, Valeriano. associativismo municipal surgiram bem antes da edição da Lei
M. F. Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro. São nº 11.107/2005. Fruto da criatividade, das demandas dos admi-
Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 1999. nistrados, dos misteres de investimentos públicos, em suma, da
2
Sobre o tema do regionalismo no Brasil, ver: KLINK, Jeroen Johannes. necessidade fática, os consórcios intermunicipais estão postos
A cidade-região: regionalismo e reestruturação no grande ABC paulis- na realidade brasileira há algumas décadas. Aludidos acordos
ta. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. intergovernamentais, anteriormente firmados na forma de asso-
3
Nesse sentido, tomar nota da obra: FREITAS, Juarez. Discricio- ciações disciplinadas pelo direito civil, estão agora guarnecidos
nariedade administrativa e o direito fundamental à boa questão pelo ordenamento e ungidos em definitivo pelo regime jurídico de
administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007. direito público.
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 14, n. 160, p. 35-48, abr. 2015 ARTIGOS 35
36 ARTIGOS Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 14, n. 160, p. 35-48, abr. 2015
entre a soberania dos Estados e o regramento po- De outro ângulo, parece-nos que a Lei
sitivo das relações internacionais. No direito inter- nº 11.107/2005 foi omissa em relação a um dos
nacional, pondera Francisco Resek,9 “os Estados pressupostos lógicos mais importantes, que é a de-
se organizam horizontalmente, e dispõem-se a monstração de viabilidade técnica e financeira do
proceder de acordo com normas jurídicas na exa- Consórcio Público. Embora não seja uma exigência
ta medida em que tenham constituído objeto de positivada na lei, é recomendável que a redação do
seu consentimento”. Analogicamente, em face do protocolo de intenções seja antecedida por estudo
Direito Constitucional brasileiro, a criação de asso- de viabilidade, elaborado por especialistas no foco
ciações de entes no seio da Federação brasileira de atuação do consórcio, que contenha o devido
deve pressupor consentimento das partes interes- levantamento das condições técnicas e financeiras
sadas, de modo a preservar a autonomia das uni- necessárias ao funcionamento do consórcio. Além
dades federadas.10 A exigência de manifestação de auxiliarem no delineamento dos direitos e obri-
solene de vontade dos entes federados para a for- gações entre os entes federados no protocolo de
mação de consórcios é de especial relevância para intenções, tais estudos técnicos e financeiros, po-
os Municípios, que têm, na Federação brasileira, derão subsidiar a elaboração dos contratos de ra-
autonomia assegurada na Constituição de 1988.11 teio e dos contratos de programas pertinentes ao
A inspiração da Lei de Consórcios no direito in- consórcio.
ternacional fica patente quando se apura a presen- Desse modo, os riscos envolvidos na redação
ça na Lei nº 11.107/2005, de conceitos oriundos do protocolo de intenções podem ser prevenidos
desse ramo da enciclopédia jurídica, tais como os com a elaboração de um Estudo de Viabilidade do
de ratificação e reserva, elaborados e aplicados no Consórcio Público que auxilie o discernimento dos
Direito das Gentes. A lei, dessa forma, sinaliza o ob- chefes do poder executivo que pretendem firmar o
jetivo de se harmonizar a constituição de consórcios protocolo de intenções.
públicos e pessoas respectivas com a autonomia Ora, se a própria Lei de Licitações (Lei nº
dos entes federados. 8.666/93) exige a elaboração de um plano de tra-
A Lei nº 11.107/2005 buscou inspiração no
balho para os convênios administrativos que, de
direito internacional para fazer surgir os consórcios
resto, são ajustes de menor complexidade que os
mediante processo segundo o qual se estabelece
contratos de consórcios, parece-nos equivocado
uma espécie de pré-contrato, denominado protocolo
não prever estudos técnicos prévios ao protocolo
de intenções, que, depois de ratificado por um nú-
de intenções.
mero mínimo de poderes legislativos, adquire força
de lei.
Alguns doutrinadores não poupam críticas à 3.1 A fase de pactuação – o protocolo de
prolixia e minunciosidade da Lei nº 11.107/2005, intenções
argumentando que a lei nacional, em tese de dire- O requisito inicial para se criar um Consórcio
trizes gerais, deixou espaço exíguo para a atividade Público é a manifestação de vontade dos entes
legislativa estadual e municipal na regulamentra- federados interessados, que só pode ocorrer por
ção de suas respectivas participações nos consór- meio de subscrição do Chefe do Poder Executivo
cios públicos. Todavia, com ressalva no tocante ao protocolo de intenções. Inspirados na lição de
a excessos, os requisitos estabelecidos pela Lei Caio Mário da Silva Pereira sobre o surgimento de
nº 11.107/2005, mostram-se pressupostos lógi- pessoas jurídicas,12 pode-se aduzir que o protocolo
cos necessários à constituição dessas pessoas ju- de intenções é o instrumento contingente da de-
rídicas sui generis e ao delineamento dos direitos e
claração de vontade de constituição do consórcio,
obrigações dos entes consorciados. Desse modo,
sendo, portanto a causa geradora inicial da pessoa
se a lei nacional não houvesse explicitado tais re-
jurídica e dos direitos e obrigações pactuadas. Com
quisitos, seria impossível a disciplina das pessoas
o protocolo de intenções, que deve ser escrito e
jurídicas que serão criadas em tal formato.
obedecer à formalidade prescrita no art. 4º, da Lei
nº 11.107/2005, inaugura-se a fase de pactuação
9
RESEK, Francisco. Direito internacional público. 10. ed. São Paulo: do consórcio.
Saraiva, 2007. p. 1.
10
A única situação disposta na Constituição de 1988 em que é O Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007,
possível a formação de agrupamentos de entes federados sem regulamentando a Lei Geral de Consórcios, em seu
que os agrupados sejam ouvidos está consignada no art. 25, §3º,
que permite aos Estados-membros, por meio de lei complemen- art. 2º, inciso III, define o protocolo de intenções
tar, estabelecer regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limí-
trofes. 12
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Intro-
11
KRELL, Andreas Joachim. O município no Brasil e na Alemanha: dução ao direito civil. Teoria geral do direito civil. 21. ed. rev. e
direito e administração pública comparados. São Paulo: Fundação atual. de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizada por Maria
Konrad Adenauer, 2003. Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 1.
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como sendo o “contrato preliminar que, ratificado art. 46, inciso I, do Código Civil de 2002, de teor
pelos entes da Federação interessados, converte-se semelhante (rodapé). A previsão destas cláusulas
em contrato de Consórcio Público”. essencias no protocolo de intenções tem por fulcro
Portanto, o protocolo de intenções, que ratifi- prescrever os elementos básicos da pessoa jurídica
cado é subsumido em Contrato de Consórcio, cons- em processo de criação. A denominação constitui
titui o elemento fundamental do Consórcio Público item de identificação do Consórcio Público, desta-
a delinear os direitos e obrigações acordados entre cando sua personalidade jurídica da dos entes fede-
os entes consorciados. Ademais, este é o instru- rados constituidores. A lei foi infeliz ao adotar com
mento essencial à constituição da pessoa jurídica certo descuido as expressões “finalidade” e “ob-
que viabilizará a realização dos objetivos pactuados. jetivos” do Consórcio,13 não explicitando se essas
O protocolo de intenções, como já se mencio- expressões são sinônimas dentro da sua sistemá-
nou, é o instrumento jurídico preliminar à formaliza- tica. Em nome da segurança jurídica, para fins de
ção dos consórcios públicos e da instituição, tanto estabilização das relações sociais e da transparên-
das associações públicas quanto das de direito pri- cia na gestão pública, a lei exige não só a menção
vado. genérica à finalidade do consórcio, como também
Precipuamente cabe ao Chefe do Poder o detalhamento dos objetivos a serem alcançados.
Executivo de cada ente federado interessado a Tal detalhamento possibilita o controle interno e ex-
competência para a formalização da intenção em terno necessários à atividade administrativa, impe-
constituir o Consórcio Público. Ressalte-se que dindo o desvio de finalidade tão comum na atuação
cabe apenas ao Chefe do Poder Executivo tal mani- do executivo. Assim, o protocolo de intenções deve
festação, e nem poderia ser diferente, vez que ele, descrever, pormenorizadamente, os objetivos a se-
executivo, é o titular da competência para a presta- rem alcançados por meio da gestão associada.
ção de serviços públicos. O consórcio não criará ou A definição da finalidade e dos objetivos é o
estabelecerá serviços; a ele caberá a sua execução, momento de maior discricionariedade do adminis-
razão pela qual a lei estabelece que é o Chefe do trador na constituição do consórcio. Detectado o
Executivo dos entes federados o responsável pela interesse comum que incentiva a articulação federa-
iniciativa de eventual adesão à prestação associada tiva, cabe aos agentes públicos responsáveis pon-
de tais serviços. Como a lei não proíbe que tal ma- derarem sobre que instrumento de ajuste federativo
nifestação de vontade seja transmitida por auxiliar será o mais adequado para o atendimento do fim
autorizado pelo Chefe do Poder Executivo, entende- almejado.14 A finalidade do consórcio insculpida no
mos que tal procedimento seja possível por meio de protocolo de intenções deve, sobretudo, basear-se
delegação formal e expressa de competência. no interesse público que justifica a pactuação e a
A assinatura do protocolo de intenções pelos criação da entidade.
chefes dos poderes executivos interessados é o A definição do prazo de duração do consórcio
marco inicial que põe em marcha o processo gené- segue determinação prevista na legislação civil e co-
tico de ambas as espécies de consórcio. Configura, mumente empregada na instituição de autarquias,
portanto, a materialização da vontade das pessoas fundações públicas, sociedades de economia mista
jurídicas de direito público interno, ou seja, a União, e empresas públicas.
os Estados, o Distrito Federal ou Municípios, em O prazo de duração do consórcio poderá ser
constituir um Consórcio Público. indeterminado, conforme dispõe o art. 5º, inciso I,
do Decreto nº 6.017/2007.
3.1.1 Cláusulas obrigatórias do protocolo O protocolo de intenções deve explicitar o
Município em que o Consórcio Público terá sua
de intenções
sede. Recorremos ao conceito de “sede” da legis-
A Lei nº 11.107/2005, em seu art. 4º, esta- lação civil, na falta dispositivo próprio no Direito
belece cláusulas obrigatórias que devem constar no Público “sede”, assim, corresponde ao Município
protocolo de intenções. Pela sua importância, e por indicado no ato constitutivo para sediar o consórcio.
constituírem pressupostos lógicos necessários à Na sede será instalado o espaço físico de funciona-
constituição dessas pessoas jurídicas, cada inciso mento da administração do consórcio. O protocolo
desse artigo merece comentário, ainda que sucinto.
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de intenções deve expressar a previsão de altera- inciso II do caput deste artigo refere-se exclusiva-
ção da sede mediante decisão da Assembléia Geral mente aos territórios dos entes da Federação que
(Decreto nº 6.017/2007). tenham ratificado por lei o protocolo de intenções”.
A definição da sede do consórcio tem especial
importância para fins de estabelecimento de com- IV – A previsão de que o Consórcio Público é asso-
petência jurisdicional para dirimir conflitos entre as ciação pública ou pessoa jurídica de direito privado
partes consorciadas e aqueles em que eventual- sem fins econômicos:
mente a pessoa jurídica decorrente do ajuste venha O protocolo de intenções deve expressar a na-
a ser envolvida uma vez que a atuação do consórcio tureza jurídica que dará forma ao Consórcio Público.
poderá abraçar múltiplas comarcas. A previsão de personalidade jurídica própria rompe
com a doutrina administrativista acerca dos con-
II – A identificação dos entes da Federação con- sórcios administrativos, embora a nova orientação
sorciados: legal seja coerente com a prática dos consórcios
Trata-se de outro pressuposto lógico tanto anteriores, que se valiam da criação de entidade de
para a pactuação quanto para a criação de pessoas direito privado para exercerem suas funções.
jurídicas, com delineamento de direitos e obriga- O consórcio de direito público constitui uma
ções. Os entes federados consorciados devem ser associação pública, de natureza autárquica, espé-
identificados no protocolo de intenções por meio cie criada pela Lei nº 11.107/2005 e equiparada a
de seu número de registro no Cadastro Nacional de uma autarquia integrante das administrações indi-
Pessoas Jurídicas (CNPJ), assim como devem ser retas de todos os entes federados. Amparados em
explicitadas formalmente as pessoas físicas que Marçal Justen Filho,15 podemos afirmar que o fato
firmam o protocolo de intenções na qualidade de de o Dec-Lei nº 200/1967 não prever a chamada
representantes legais do poder executivo dos entes autarquia interfederativa como espécie do gênero
federados. entidades da administração indireta não impede
A lei é taxativa em prescrever que somente que lei federal superveniente inove o ordenamento
pessoas jurídicas de direito público interno podem jurídico com tipo novo de entidade pública, uma vez
propor a criação de consórcios públicos, não haven- que referido decreto-lei, segundo esse autor “não
do a possibilidade de pessoas físicas e pessoas ju- tem hierarquia ou eficácia de norma constitucional”.
rídicas de direito privado serem partes em protocolo
de intenções. Isso porque a titularidade dos servi- o fato do Dec-Lei nº 200/1967 não prever tal espé-
ços pertence às pessoas jurídicas de direito público cie de autarquia interfederativa não é fator impedi-
tivo de a lei federal inovar o ordenamento jurídico
interno. Obviamente, tais atividades e/ou serviços
com espécie nova de entidade pública, uma vez que
poderão, posteriormente e de forma associada, ser referido decreto-lei não tem hierarquia ou eficácia
emprestados por meio de concessão ou permissão, de norma constitucional.
mas a decisão inaugural da delegação pertence aos
titulares, ou seja, aos entes federados. A Lei Federal nº 11.107/2005 exige que a
A Lei nº 11.107/2005 permite que os consór- pessoa jurídica de direito privado constuída pelo
cios públicos sejam selados entre pessoas jurídicas Consórcio Público não possua fins econômicos.
de direito público de espécies diferentes (Estados Esse apontamento exclui a possibilidade de o
e Municípios, por exemplo), rompendo, assim, com Consórcio Público de Direito Privado adotar a for-
orientação tradicional da doutrina administrativista ma de sociedade simples (CC, arts. 997 a 1.038)
pátria. A lei ressalva, contudo, que a União somente ou sociedade empresária (CC, arts. 997 a 1.038).
participará de consórcios públicos em que também Exclui-se também, em princípio, a fundação, pois
façam parte todos os Estados em cujos territórios esta, formada por um patrimônio afetado para uma
estejam situados os Municípios consorciados (art. finalidade, não comporta o componente de associa-
1º, §2º). ção de vontades caracterizador das sociedades em
geral, embora o elemento patrimonial venha sendo
III – A indicação da área de atuação do consórcio: relativizado.16
Área de atuação do consórcio é o espaço ter- A espécie de pessoa jurídica de direito priva-
ritorial de atuação da entidade derivada do ajuste, do admissível para a criação de um o Consórcio
expresso pela soma dos territórios dos entes con- Público, por conseqüência, é a associação (CR/88,
sorciados. Essa “área”, portanto, é uma circunscri-
ção definida já no protocolo de intenções.
É o que se apura no Decreto nº 6.017/2007, 15
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo:
em seu art. 2º, parágrafo único, que diz: “a área Saraiva, 2005. p. 100.
16
Perspectiva doutrinada recente propõe o relativismo do patrimônio
de atuação do Consórcio Público mencionada no como elemento essencial das fundações.
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art. 5º, XVII a XXI e Código Civil/2002, art. 44, I), lei não exija a pessoal intervenção do interessado,
com o que se percebe clara dificuldade de seu en- ou seja, para os atos destituídos de natureza per-
quadramento no âmbito da administração indireta. sonalíssima”. O protocolo de intenções deve expli-
Nas associações não há fim lucrativo, embora haja citar objetivamente as situações que autorizam o
patrimônio formado com a contribuição de seus Consórcio Público, por meio da entidade, a atuar
membros. como representante dos interesses dos entes con-
Embora aparentemente discricionária, a defi- sorciados perante outras esferas de governo.
nição da pessoa jurídica mais adequada está con-
dicionada aos objetivos do Consórcio Público. Se VI – As normas de convocação e funcionamento
dentre as finalidades do consórcio figurar ativida- da assembléia geral, inclusive para a elabora-
des típicas da administração pública, tais como o ção, aprovação e modificação dos estatutos do
exercício de poder de polícia, somente a associação Consórcio Público:
pública estará apta a exercer tais funções. Contudo, O estabelecimento de regras para convocação
ao nosso entender, a escolha pela personalidade e funcionamento da assembléia geral, inclusive
pública ou privada não se deve a mero arbítrio no para a elaboração, aprovação e modificação dos es-
ato de constituição da pessoa jurídica, e sim à na- tatutos do Consórcio Público, visa a condicionar a
tureza do serviço a ser prestado. É o serviço quem execução dessas modalidades de atos de gestão,
traz consigo o regime jurídico aplicável a quem o nevrálgicos do Consórcio Público, ao pleno conhe-
executa. Logo, em se tratando de atividade típica de cimento de todos os entes consorciados dessas
Estado, não há como fugir a personalidade pública e ações.
todos os deveres-poderes que a ela serão necessá- A validade da assembléia geral depende da
rios para sua boa execução e controle. Interessante ampla divulgação entre os entes consorciados da
salientar que mesmo os serviços não típicos so- sua realização. Vislumbra-se, portanto, que o pro-
mente poderão ser prestados sem fins lucrativos, o tocolo de intenções estabeleça regras que garan-
que inviabiliza a exploração de atividade econômica tam o conhecimento com antecedência da pauta
típica de particulares por meio de consórcios. das reuniões da assembléia geral, assim como do
direito de participação nas decisões de cada ente
V – Os critérios para, em assuntos de interesse consorciado dessa instância máxima de decisão.
comum, autorizar o Consórcio Público a represen- A publicidade da assembléia geral deve se dar por
tar os entes da Federação consorciados perante meios tais como divulgação da impressa, internet e
outras esferas de governo: convocações diretas.
Dotada de personalidade jurídica própria, a A convocação irregular de assembléia geral, ao
associação instituída pelo Consórcio Público, pode nosso entender, vicia o ato convocatório, imputan-
representar os interesses dos entes consorciados, do-lhe nulidade.
conquanto que autorizado expressamente no proto-
colo de intenções. VII – A previsão de que a assembléia geral é a ins-
Essa previsão legislativa específica é de ex- tância máxima do Consórcio Público e o número de
trema importância vez que a ratificação, ao criar votos para as suas deliberações:
o consórcio, estabelece internamente delegação Tal como as sociedades em geral, disciplina-
do serviço pelo ente federado, porém, em última das pela legislação civil, o Consórcio Público tem
instância, a titularidade do mesmo continua perten- personalidade jurídica destacada das dos seus
cendo ao ente federado delegante. Sem essa au- constituintes. Entretanto, estes, enquanto titulares
torização expressa, negócios jurídicos com outras originários dos serviços outorgados, devem partici-
esferas de governo devem ser pautados pela partici- par das atividades de gestão do consórcio. A Lei
pação direta do titular do serviço, já que o consórcio nº 11.107/2005 prescreve como obrigatório cons-
teria apenas a competência para a gestão e execu- tar no protocolo de intenções a assembléia geral.
ção do serviço e não para relações federativas com Como instância máxima decisória do consórcio.
outras esferas. Com a autorização expressa, temos
uma ampliação da descentralização administrativa. VIII – A forma de eleição e a duração do manda-
Para a definição dos critérios dessa represen- to do representante legal do Consórcio Público
tação dos entes federados pelo Consórcio Público, que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder
pode-se recorrer, por analogia, a algumas regras Executivo de ente da Federação consorciado:
que orientam o instituto civil do mandato (art. 653 Como forma de gestão associada de serviços,
do CC/2002). Pressupõe-se, nesse raciocínio, que a administração do consórcio deve ter legitimidade
a representação pelo consórcio somente “possa política, e, para tanto, a lei estabelece que seu re-
ocorrer para a prática de atos jurídicos em que a presentante legal deva ser chefe do executivo de um
40 ARTIGOS Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 14, n. 160, p. 35-48, abr. 2015
dos entes consorciados, não importando de qual ní- de regime celetista para o pessoal administrativo
vel da federação seja, o que permite a alternância dos consórcios? Tal questão será abordada no capí-
da direção e comprometimento dos associados. Tal tulo relativo a agentes públicos do consórcio.
exigência, em princípio pode parecer descabida de Da mesma forma, o dispositivo determina que
propósito, afinal os entes federados possuem au- o protocolo de intenções já deva estabelecer os pa-
tonomia para sua organização. Todavia, a prática râmetros necessários para a contratação temporá-
anterior à Lei de Consórcios demonstra que sem a ria de serviço público prevista no artigo 37, IX, da
legitimidade dos titulares últimos da gestão do ser- Constituição da República. A ausência de tal previ-
viço, as deliberações do consórcio podem quedar são implicará, quando de tal necessidade, alteração
sem efetividade, razão pela qual a exigência legal do protocolo de intenções e nova ratificação, o que
nos parece apropriada. burocratizará e emperrará o processo, razão pela
Do contrário, poderíamos nos deparar com o qual o gestor deve estar atento a tal previsão.
seguinte absurdo: ter em algum momento a direção
do consórcio contrária e desalinhada da direção de X – As condições para que o Consórcio Público ce-
governo do ente federado partícipe e representado. lebre contrato de gestão ou termo de parceria:
Neste caso, o chefe do executivo representado po- A Lei nº 11.107/2007 foi receptiva às novas
deria destituir seu representante e com isso alterar formas de parceria na Administração Pública, repre-
o representante legal do consórcio? Parece-nos que sentadas pelo Contrato de Gestão e pelo termo de
a lei, ao exigir a representação por chefe do execu- parceria com entidade da sociedade civil, comenta-
tivo do ente federado, procura evitar tal imbróglio e dos com maior precisão no decorrer deste livro.
deixar claro que a representação legal se fará por
manifestação de vontade do ente federado e não XI – A autorização para a gestão associada de ser-
por qualquer pessoa física a ser indicada para tanto. viços públicos, explicitando: a) as competências
cujo exercício se transferiu ao Consórcio Público;
IX – O número, as formas de provimento e a remu- b) os serviços públicos objeto da gestão associada
neração dos empregados públicos, bem como os e a área em que serão prestados; c) a autoriza-
casos de contratação por tempo determinado para ção para licitar ou outorgar concessão, permissão
atender a necessidade temporária de excepcional ou autorização da prestação dos serviços; d) as
interesse público: condições a que deve obedecer o contrato de pro-
Antes da Lei nº 11.107/2005, os consórcios grama, no caso de a gestão associada envolver
intermunicipais utilizavam-se da prática de contra- também a prestação de serviços por órgão ou enti-
tação irrestrita de funcionários para seu quadro de dade de um dos entes da Federação consorciados;
pessoal, sem necessidade prévia de autorização le- e) os critérios técnicos para cálculo do valor das
gal e realização de concurso público, valendo-se do tarifas e de outros preços públicos, bem como para
argumento de que se tratava de associação civil re- seu reajuste ou revisão:
gida pelo direito privado. Com o novo regime, a con- Vislumbra-se nessa exigência que o protocolo
tratação de pessoal também passa a ser submetida de intenções estabeleça o marco regulatório geral
ao regime jurídico próprio da administração pública, da gestão associada dos serviços públicos avença-
válido para a adoção de personalidade pública ou da entre os entes federados.
privada, corrigindo a distorção anteriormente exis- Há uma razão lógica para o protocolo de in-
tente e pondo fim à polêmica em torno do tema. tenções estipular tais pré-requisitos da gestão as-
Empregos públicos, cuja remuneração ou salário sociada de serviços públicos, que, posteriormente
são pagos com recursos do erário, para o exercício serão detalhados e exaustivamente tratados nos
de competências estatais, devem ser criados por lei contratos de programa específicos entre o consór-
com quantitativos e atribuições. Louvável a previsão cio e os entes federados. O protocolo de intenções,
legal que estabelece a contratação pela modalida- ratificado e convertido em Contrato de Consórcio,
de de emprego público, haja vista a natureza nem estipula as condições da gestão associada que ad-
sempre perene da associação. Todavia, questão a quirem força de lei. Dessa forma, é pressuposto
ser enfrentada e que, todavia, foge aos objetivos do lógico que todas as regulamentações inerentes à
presente capítulo é a restauração do regime jurídico gestão associada que dependam de lei sejam pré-
único na administração brasileira após a declara- estabelecidas no protocolo de intenções. É o que
ção de inconstitucionalidade, em sede de liminar do ocorre, por exemplo, com a autorização para aliena-
STF, da nova redação do caput do artigo 39 pela ção de bens.
Emenda Constitucional nº 19/98. A complexidade regulatória pertinente à determi-
A concessão de tal liminar afeta o presente nação, por exemplo, dos critérios técnicos para cálcu-
dispositivo legal que estabelece a obrigatoriedade lo do valor das tarifas e de outros preços públicos, é
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 14, n. 160, p. 35-48, abr. 2015 ARTIGOS 41
ilustrativa, ao nosso sentir, da relevância dos entes seus respectivos órgãos legislativos o protocolo de
consorciados elaborarem um Estudo de Viabilidade intenções. A Lei nº 11.107/2005, contudo, autoriza
Técnica do Consórcio antes firmarem o protocolo de que o protocolo de intenções estabeleça um núme-
intenções, conforme comentamos alhures. ro mínimo de ratificações para que se dê origem ao
Contrato de Consórcio. Conforme dispõe o art. 5º,
XII – O direito de qualquer dos contratantes, quan- §1º: “o contrato de Consórcio Público, caso assim
do adimplente com suas obrigações, de exigir o preveja cláusula, pode ser celebrado por apenas 1
pleno cumprimento das cláusulas do Contrato de (uma) parcela dos entes da Federação que subscre-
Consórcio Público: veram o protocolo de intenções”.
Por força do art. 4º, inciso XII, da Lei Pode haver dissídio entre os Poderes Executivo
nº 11.107/2005, fica esclarecida a natureza con- e Legislativo quanto à criação do Consórcio Público.
tratual do Contrato de Consórcio. De resto, a pos- De modo a impedir que a divergência interna en-
sibilidade de mútua exigência de contraprestações tre os poderes executivo e legislativo de um único
entre as partes descaracteriza interpretação que ente federado afete o interesse dos demais entes,
entenda o Contrato de Consórcio com natureza de a Lei nº 11.107/2005 possibilita a completude da
convênio. ratificação por um número mínimo de aprovações
legislativas. A título de exemplo, um protocolo de
3.1.2 Subscrição do protocolo de intenções intenções firmado por cinco entes federados pode-
rá ser considerado ratificado quando pelo menos
Nos termos da Lei nº 11.107/2005, cabe ex- dois poderes legislativos aprovarem o ato constitu-
clusivamente ao chefe dos poderes executivos a tivo, desde que assim esteja descrito no texto do
competência para subscrever o protocolo de inten- protocolo de intenções. Evidentemente, os direitos
ções, que constitui um pré-contrato de Consórcio e obrigações firmados no protocolo, em princípio,
Público. somente poderão ser exigidos dos entes federados
Subscrito pelos entes federados, o protocolo que ratificarem o instrumento consorcial.
de intenções deverá ser publicado na imprensa ofi- A lei admite hipótese de dispensa de ratifi-
cial (art. 4º, §5º), em obediência ao princípio cons- cação quando o chefe do poder executivo obtém
titucional da publicidade. A publicação do protocolo anuência prévia do poder legislativo para a consti-
de intenções subscrito põe em marcha a fase de tuição do consórcio. Segundo o art. 5º, §4º, da Lei
ratificação do Consórcio Público. nº 11.107/2005, é dispensado da ratificação o ente
da Federação que, “antes de subscrever o protoco-
3.2 A fase de ratificação lo de intenções, disciplinar por lei a sua participa-
ção no Consórcio Público”. Nesse caso, o Prefeito,
A subscrição pelo Chefe do Poder Executivo
o Governador do Estado, do Distrito Federal ou o
não leva à obrigação de ratificar, cuja decisão per-
Presidente da República, interessados em subscre-
tence, autonomamente, ao Poder Legislativo.
verem protocolo de intenções, solicitam ao Poder
A exigência de ratificação, importada e adap- Legislativo que este aprove lei de disciplina dessa
tada pela Lei nº 11.107/2005 da teoria do direito intenção.
internacional público, qualifica a manifestação de Uma conclusão que se extrai da hipótese de
vontade do ente federado de se consorciar com ou- dispensa de ratificação é a de que, caso todos os
tros, pois incorpora a participação do poder legisla- entes consorciados que pretendam constituir o con-
tivo. A subscrição do protocolo não é ato bastante sórcio tenham disciplina legislativa prévia da sua
para o início da existência da pessoa jurídica. Deve participação, os chefes do poder executivo irão ce-
haver a aquiescência dos poderes legislativos en- lebrar, de ofício, o Contrato de Consórcio.
volvidos, já que se trata de pressuposto constitucio- Deve-se problematizar que instrumentos de
nal alicerçado no princípio da legalidade. controle podem ser adotados pelo órgão legislati-
A confirmação da vontade dos entes federa- vo se eventualmente o poder executivo extrapolar a
dos, o elemento que lhe empresta caráter definitivo autorização legislativa, subscrevendo protocolo de in-
e público, é a ratificação. Ao teor do art. 5º da Lei tenções com cláusulas extravagantes face à disciplina
nº 11.107/2005: “o contrato de Consórcio Público legislativa prévia. À primeira vista, a lei de disciplina
será celebrado com a ratificação, mediante lei, do pro- prévia tem natureza autorizativa, e não de delega-
tocolo de intenções”. ção para legislar.17 Nessa hipótese, deve-se lançar
A ratificação depende de um determinado nú-
mero de leis aprovadas. Se o protocolo de inten-
17
Se fosse assemelhada à delegação para legislar, a disciplina pré-
ções for omisso, este só será tido por ratificado
via da subscrição de protocolo de intenções deveria ocorrer por
quando todos os entes federados aprovarem em meio de resolução do poder legislativo, o que não é o caso.
42 ARTIGOS Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 14, n. 160, p. 35-48, abr. 2015
mão do controle dos atos normativos do órgão exe- A Lei de Ratificação, assim, poderá prever re-
cutivo exercido regularmente pelo poder legislativo. servas para afastar ou condicionar a vigência de
Ademais, de modo a evitar-se referido controle cláusulas, parágrafos, incisos ou alíneas do pro-
repressivo de constitucionalidade, entendemos que tocolo de intenções. Nessa hipótese, o consorcia-
a disciplina prévia da participação do ente consor- mento dependerá de que as reservas sejam aceitas
ciado em Consórcio Público deve pautar-se minucio- pelos demais entes da Federação subscritores do
samente pelas exigências constantes no art. 4º da protocolo de intenções.
Lei nº 11.107/2005 para a elaboração do protocolo Tal submissão das reservas à anuência das
de intenções. demais partes justifica-se pela própria natureza con-
Um comentário importante, por fim, refere-se tratual do Consórcio Público, principalmente quan-
ao art. 6º, §1º, da Lei nº 11.107/2005, segundo o do for alvo de reserva, cláusula essencial para o
qual “o Consórcio Público com personalidade jurídi- consorciamento. Por exemplo, suponhamos que um
ca de direito público integra a administração indireta Consórcio Público entre três municípios tenha por
de todos os entes da Federação consorciados”. Um finalidade a gestão associada do serviço público
pressuposto lógico para a eficácia desse dispositivo de saneamento básico, contando, para isso, com a
é o de que, seja a lei de ratificação do protocolo de emissão de documentos de cobrança e exercício de
intenções, seja a lei de disciplina prévia da subscri- atividades de arrecadação de tarifas para a presta-
ção, deve-se indicar o órgão da administração direta ção desse serviço. Imagine-se, nesse caso, que um
do ente federado a que o consórcio se vincula. Em dos municípios oponha reserva à possibilidade de
termos práticos, tal vinculação potencializa a tutela o serviço ser prestado mediante cobrança de tarifa.
e o controle dos entes consorciados sobre as ativi- Temos, nesse caso, uma reserva que atinge ele-
dades do consórcio. mento umbilical, ligado à própria sustentabilidade
Não há proibição legal expressa de que o con- econômica do consórcio. É de se esperar que as de-
sórcio de direito privado também integre a admi- mais partes contratantes do consórcio não aceitem
nistração indireta de todos os entes federados. A tal oposição unilateral.
dificuldade reside na matriz da administração indi- Se as reservas não forem aceitas pelas de-
reta prevista na Constituição. No nosso entender, mais partes do protocolo de intenções, fica o ente
causa estranheza o fato de a entidade privada cons- federado — autor dessas ressalvas — impedido de
tituída por pessoas jurídicas públicas não integrar a ser parte no Contrato do Consórcio.
administração.
3.2.2 Celebração do Contrato de Consórcio
3.2.1 Reservas ao protocolo de intenções Segundo o Decreto nº 6.017/2007, uma vez
O instituto da reserva, também inspirado no ratificado, o protocolo de intenções converte-se em
direito internacional público, visa garantir aos po- Contrato de Consórcio Público. Será a expressão
deres legislativos dos entes federados autonomia converte-se, adotada na regulamentação da Lei
para afastar a vigência de dispositivos do protoco- nº 11.107/2005, tecnicamente adequada?
lo de intenções. A reserva é definida no Decreto A leitura da Lei nº 11.107/2005 nos faz ques-
nº 6.017/2007 como o “ato pelo qual ente da tionar se tal conversão será automática, ou se
Federação não ratifica, ou condiciona a ratificação, haverá a necessidade de redação e assinatura do
de determinado dispositivo de protocolo de inten- contrato de consórcio, mesclando o texto original
ções” (art. 2º, V). do protocolo de intenções com eventuais ressalvas
No Direito Internacional, segundo Francisco decorrentes de aprovações com reservas eventual-
Resek,18 “a reserva é um qualificativo do consen- mente opostas pelos poderes legislativos. Para
timento estatal” à adoção por Estado de Tratados nós, é recomendável que seja redigido e subscrito
Internacionais, salientando o autor que esta é “co- o Contrato de Consórcio fielmente ao protocolo de
intenções e com base nas leis de ratificação ema-
lorário das naturais insatisfações que, ao término
nadas pelos entes federados.
da negociação coletiva em conferência, ter-se-ão
Não havendo reservas no processo ratificação
produzido, em relação a aspectos vários do compro-
do protocolo de intenções, conclui-se que o texto
misso...”. Analogicamente, as negociações interfe-
do Contrato de Consórcio será rigorosamente fiel
derativas que precedem a redação do protocolo de
ao texto firmado na fase de pré-contratação, cam-
intenções podem gerar insatisfações em alguns dos
biando-se, exclusivamente, o nome do documento
entes federados, e é constitucionalmente legítimo para Contrato de Consórcio. Contudo, se houver re-
que estas insatisfações sejam objeto de ressalvas servas, e estas forem aceitas, deve a redação do
unilaterais, na fase de ratificação. Contrato de Consórcio explicitar que cláusulas fo-
ram reservadas e para que entes federados essas
18
RESEK. Direito internacional público, 2007, p. 66-67. não são vigentes.
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Contrato de Consórcio, ocorrerá a gestão da asso- caráter transfederativo para a execução dos fins
ciação. Dentre outras atribuições da assembléia ge- consorciais. Nesse contexto, registra-se a criação
ral estão a elaboração dos estatutos e a aprovação de centenas de associações de direito privado de
de suas alterações. Municípios, adotando nomes estatutários diver-
O representante legal será auxiliado em suas sos como Consórcio Intermunicipal, Associação
atividades de gestão pelos órgãos administrativos Microrregional ou Agência de Desenvolvimento.
internos do consórcio, criados nos termos dos A ausência de regulamentação desses arran-
Estatutos. jos consorciais personificados, gestores de recur-
sos públicos, porém enquadrados no regime de
5 Superveniência da Lei nº 11.107/2007 direito privado, acarretava-lhes uma existência es-
em face das associações quizofrênica, que em muitas situações era alegada
para escusar os consórcios da sua submissão ao
intermunicipais
regime público de licitações, concursos para admis-
Muitas foram as mudanças trazidas pela Lei são de pessoal e controle externo.
nº 11.107/2005, cabendo ao intérprete identificar Questiona-se neste ensaio se os arranjos
os efeitos da superveniência dessa norma sobre consorciais criados antes da Lei nº 11.107/2005
consórcios criados antes de 6 abril de 2005. devem se adequar ao novo regime jurídico dos con-
Como foi dito antes, a necessidade fática gerou sórcios. Todas as associações e entes federados
os consórcios administrados na forma de pessoas devem se adaptar à lei nacional? Quais as implica-
jurídicas regradas pelo Direito Civil. Cabe salientar ções da inadequação? É possível a convivência de
que os consórcios criados antes da vigência da dois regimes distintos de associativismo federativo,
Lei nº 11.107/2005 não acarretavam necessaria- um de direito privado, preservado por uma supos-
mente a constituição de pessoa jurídica. Muitos ta irretroatividade da Lei nº 11.107/2005, e outro
doutrinadores ensinavam que os consórcios admi- vigente após a lei nacional? Não achamos que per-
nistrativos eram acordos entre entes federados do guntas dessa complexidade poderão ser respondi-
mesmo nível de governo (município/município, por das satisfatoriamente neste ensaio, mas ousamos
exemplo) sem personalidade jurídica própria, para a apontar alguns caminhos nesse sentido.
persecução de interesses comuns. A Lei nº 11.107/2005 tem duplo objetivo.
Entretanto, a prática administrativa teimou em Disciplinar por meio de normas gerais a constitui-
demonstrar a inviabilidade, em muitos aspectos, ção e o funcionamento de consórcios públicos e, ao
da gestão conjunta de obras e serviços públicos mesmo tempo, estabelecer um novo marco regula-
sem a criação de uma pessoa jurídica específica tório para a gestão associada de serviços públicos.
e acometida de delegações pelos entes federados. Partindo dessa constatação é que deve ser feita a
O principal aspecto problemático relacionava-se aos
leitura do artigo 19 da Lei, que assim dispõe:
misteres de realização de compras, admissão de
pessoal e outras providências administrativas in- Art. 19. O disposto nesta Lei não se aplica aos con-
dispensáveis para execução de obras e serviços vênios de cooperação, contratos de programa para
de interesse comum, as quais dependiam do des- gestão associada de serviços públicos ou instru-
tacamento de um dos entes consorciados para a mentos congêneres, que tenham sido celebrados
administração dessa atividade administrativa. Ora, anteriormente a sua vigência.
trata-se de uma orquestração política complicada
por diversas razões, como, por exemplo, o injusto A literalidade do aludido dispositivo é clara em
recaimento exclusivo da responsabilidade por atos estabelecer a irretroatividade da norma nacional
de gestão sobre um único ente federado. Ademais, face a instrumentos contratuais entre entes fede-
soava no mínimo controverso, por exemplo, uma rados celebrados antes da Lei nº 11.107/2005.
prefeitura executar serviços no território de outra Frisamos “instrumentos contratuais”, uma vez que
municipalidade. não há referência alguma no art. 19 aos consórcios
Desta feita, a escolha de um, dentre os con- anteriores à lei.
sorciados, para a administração e execução do con- Como a lei federal não se deteve com o devido
sórcio, não se mostrou uma opção viável. Assim, rigor à transição do regime civilista dos consórcios
nesse período em que o regime jurídico de direito para o regime de direito público, cabe ao intérprete
público não dava guarida à possibilidade de entes da lei a sistematização da aplicação de tal dispositivo
federados criarem entidade interfederativa para a em face do ordenamento jurídico. Preliminarmente,
execução de obras e serviços de interesse comum, deve ser salientada a interpretação asseverada no
os Administradores Públicos buscaram socorro no art. 41 do Decreto nº 6.017/2007, que assim ex-
direito civil para a personificação de entidades de plicita:
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Art. 41. Os consórcios constituídos em desacordo suas disposições não os alcançam, por força do art.
com a Lei nº 11.107, de 2005, poderão ser trans- 21 da Lei nº 11.107/2005 e do art. 6º da Lei de
formados em consórcios públicos de direito público Introdução ao Código Civil (“a lei em vigor terá efeito
ou de direito privado, desde que atendidos os requi- imediato”).20
sitos de celebração de protocolo de intenções e de
sua ratificação por lei de cada ente da Federação Interpretação sistemática e constitucional-
consorciado. mente adequada à situação, data máxima vênia,
Parágrafo único. Caso a transformação seja para induz a pensamento oposto ao de Odete Medauar e
Consórcio Público de direito público, a eficácia da Gustavo Justino.
alteração estatutária não dependerá de sua inscri-
A sistemática constitucional traçada na Lei
ção no registro civil das pessoas jurídicas.
Maior não deixa dúvidas quanto à perda de eficácia
dos dispositivos das leis de criação de consórcios
Fica claro nesse dispositivo que a lei não fulmi-
contrários à Lei nº 11.107/2005. Caso contrário
nou a existência dos consórcios constituídos antes
estar-se-ia aceitando a vigência no ordenamento de
da Lei nº 11.107/2007. Para estes consórcios a lei
leis contrárias a legislação nacional superveniente.
abre a possibilidade de se converterem ao regime
Ademais, seria um contra-senso a convivência de
público. Todavia, aparentemente, o objetivo de tal
consórcios precariamente criados sob a égide da
dispositivo regulamentar não é facultar aos entes
legislação civil com novos consórcios, regidos pela
federados a manutenção de um consórcio em des-
Lei nº 11.107/2005.
conformidade com a nova lei. Muito pelo contrário,
Vale ainda mencionar, como parâmetro in-
uma interpretação sistemática revela que o objetivo
terpretativo da Lei nº 11.107/2005, o Decreto nº
foi aclarar a viabilidade de transformação dos ar-
6.017/2007, que expressamente diz no art. 2º,
ranjos consorciais antigos em pessoas jurídicas de
§2º: “Os consórcios públicos, ou entidade a ele vin-
direito público ou privado compatíveis com a norma
culada, poderão desenvolver as ações e os serviços
geral nacional.
de saúde, obedecidos os princípios, diretrizes e nor-
A lei nacional não põe fim de plano aos con-
mas que regulam o Sistema Único de Saúde – SUS”
sórcios antigos; faculta aos entes federados a ma-
(grifos nossos).
nutenção da gestão associada desde que atendidas
As novas regras para constituição de consór-
as novas disposições legais. A escolha discricioná-
cios públicos mediante protocolo de intenções; a
ria dos entes federados é no sentido de mantê-lo
disciplina da personalidade jurídica dos consórcios;
mediante adequação, ou extingui-lo e buscar novo
a entrega de recursos públicos mediante contrato
formato jurídico para a prestação do serviço.
de rateio; novas concessões ou permissões de
Essa assertiva vale também para os nume-
serviços, em fim, o regime jurídico público para fim
rosos consórcios de saúde criados antes da Lei de contratações, administração de pessoal, presta-
nº 11.107/2005, que, pela sua importância, mere- ção de contas, bens, entre outros, tem aplicação
ceram dispositivo especial da lei: “§3º Os consór- imediata para os consórcios criados antes da Lei
cios públicos, na área de saúde, deverão obedecer nº 11.107/2005.
aos princípios, diretrizes e normas que regulam o Evidentemente, em garantia dos atos ju-
Sistema Único de Saúde – SUS”. rídicos perfeitos e da segurança jurídica, a Lei
Com esse dispositivo, a Lei nº 11.107/2005 nº 11.107/2005 não retroagirá para alcançar ajus-
resguardou as especificidades da prestação de ser- tes contratuais vigentes. Logo, os serviços conce-
viços de saúde regulamentadas pela legislação es- didos ou as ações que vêm sendo empreendidas
pecial do Serviço Único de Saúde (SUS), mas de por meio de convênios e instrumentos congêneres
forma alguma isentou tais consórcios de serem permanecem válidos até o prazo de vigência cons-
submetidos ao novo regime de direito público para tante nos instrumentos contratuais. Todavia, a pror-
a sua personificação jurídica e funcionamento. rogação do prazo de vigência nos mesmos moldes
Pequena polêmica tem se instaurado em da legislação anterior à Lei nº 11.107/2005 ficam
torno da interpretação do mencionado art. 19 vedados, sob pena de burla à atual legislação re-
da lei. Autores como Odete Medauar e Gustavo gulamentadora do art. 241 da Constituição da
Justino imputaram a seguinte interpretação ao República. De algum modo, a lei procura resguardar
tema da adaptação dos consórcios de saúde à Lei a estabilidade das relações jurídicas, ao permitir
nº 11.107/2005: a vigência dos instrumentos de gestão associada
mesmo após a sua disciplina nacional. No entanto,
No que tange aos consócios públicos da área de
saúde celebrados antes da entrada em vigor da Lei
Federal 11.107/2005 (07.04.2005), vale ressaltar
20
MEDAUAR, Odete; JUSTINO, Gustavo Justino de Oliveira. Consór-
cios públicos: comentários à Lei nº 11.107/2005. São Paulo:
que, não tendo a presente lei aplicação retroativa, Revistas dos Tribunais, 2006. p. 29.
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Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 14, n. 160, p. 35-48, abr. 2015 ARTIGOS 47
KRELL, Andreas Joachim. O município no Brasil e na Alemanha: SOUTO, Marcos Juruema Villela. Direito administrativo das
direito e administração pública comparados. São Paulo: Fundação parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
Konrad Adenauer, 2003.
MEDAUAR, Odete; JUSTINO, Gustavo Justino de Oliveira.
Consórcios públicos: comentários à Lei nº 11.107/2005. São
Paulo: Revistas dos Tribunais, 2006. Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa.
3. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.
MACHADO, Gustavo Gomes; DANTAS, Caroline Bastos. Constitui-
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. ção de consórcios públicos e implicações da Lei nº 11.107/2005
Introdução ao direito civil. Teoria geral do direito civil. 21. edição. nas associações intermunicipais anteriores. Fórum de Contrata-
rev. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizada ção e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 14, n. 160,
por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, p. 35-48, abr. 2015.
2005. v. 1.
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direitodoestado. org.br>. Acesso em: 17 abr. 2008.
48 ARTIGOS Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 14, n. 160, p. 35-48, abr. 2015