Você está na página 1de 21

Novo Enem e SiSU: caracterizando o novo mecanismo de seleção

Jackeline N. N. 1
Tereza A. V2

Introdução

Buscando em uma perspectiva histórica o começo da utilização de mecanismos de


seleção nas universidades brasileiras, detectamos que a partir do crescimento da
demanda por educação superior instituem-se os processos de seleção com critérios
classificatórios e seletivos. Os decretos3 criados nos períodos de 1911 a 1925
evidenciam esse movimento que buscavam por meio da seleção conter o fluxo de
entrada a esse nível de ensino, um procedimento que teve início na instituição dos
exames vestibulares ou “(exames de admissão), em é ensino secundário, em 1915; e
burilado pela limitação de vagas e a introdução do critério classificatório” (CUNHA,
2007, p. 172). As medidas de contenção ao ingresso refletem uma educação exclusiva
para a atender uma demanda da de classe dominante que consolidavam políticas com a
intenção de conter o acesso e manter o ensino superior elitizado.
A pressão por uma oportunidade de ingressar ao ensino superior na década de
2000 intensificou-se, visto a valorização do conhecimento científico, a aspiração da
sociedade em ascensão social e a aquisição de competências para enfrentar o mercado
de trabalho. De acordo com dados do Censo da Educação Superior nos últimos dez anos
a oferta de vagas no Brasil cresceu em 121,53%, com predominância no setor privado.
Em 2010 esse setor ofertou 85,73% das vagas, com o equivalente a 49,77% de inscritos
e o setor público ofertou apenas 14,27% das vagas, com um quadro equivalente a
50,23% de inscritos. No entanto, quando se observa a relação candidato/vaga, o setor

1
Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso. Graduada em Pedagogia.
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais.
2
Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso. Vice-coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais.
3
Reforma Rivadávia Corrêa (DECRETO 8.659 DE 05.04.1911): oficializa-se a implantação do exame
de admissão como forma de seleção para o ingresso à educação superior, originando-se assim os
processos de seleção para ingresso a universidade; Posteriormente surgiu a Reforma Carlos Maximiano
(DECRETO 11.530 DE 18.03.1915): neste momento os exames de admissão passam a ser chamados de
exames vestibulares e o critério de ingresso exigido é o certificado do ensino secundário.
Sucessivamente apresenta-se a Reforma Rocha Vaz (DECRETO 17782.A DE 13.03.1925): tinha a
finalidade de conter o fluxo de passagem do ensino secundário para o ensino superior, ao limitar vagas e
introduzir o critério classificatório.
público possuía a relação maior, com 7.56% candidatos para cada vaga, o que
demonstra a dificuldade de ingresso nessa categoria frente ao setor privado, que
registrava uma concorrência 1,25 candidatos por vaga.
A expansão de vagas na educação superior pública, por muitas vezes, tornou-se
compreendida como sinônimo de democratização, contudo os desafios dizem respeito
não apenas a mera expansão de vagas, mas também a compreensão das diferentes faces
e dimensões dos modelos de seleção utilizados pelas Instituições Federais de Ensino
Superior (IFES) como políticas que possibilitem a democratização do acesso.
Assim, considerando a relevância da discussão o presente texto analisa o novo
formato de seleção utilizado nas universidades federais do Brasil, o Novo Enem e SiSU
(Sistema de Seleção Unificada) destacando os principais atos que o normatizaram bem
como os debates e conflitos que o permeiam.
Para a realização da pesquisa utilizamos os estudos bibliográficos e documentais,
além de recortes midiáticos (revistas, jornais, sites). Inicialmente, destacamos o que os
dispositivos da Educação Superior brasileira, enfatizam sobre a democratização do
acesso e os mecanismos de seleção. Tomamos por base documentos definidores de
políticas públicas do Brasil – focalizando no campo da educação superior – segundo as
décadas de 1980, 1990 e 2000. Por fim, analisamos a dinâmica e a proposta do Novo
Enem e SiSU.

Os dispositivos legais: o que dizem sobre os mecanismos de seleção e a


democratização do acesso

A finalidade deste item consiste no entendimento de que a análise de qualquer


fenômeno acaba emergindo para a necessidade, em certa etapa da pesquisa, da análise
da legislação. Tal análise configura uma etapa necessária para compreender as medidas
impostas pelo Estado que afetam a realidade concreta, para a construção de possíveis
melhoramentos ou para a manutenção do sistema capitalista.
Antes de iniciarmos as análises, faz-se necessário esclarecer a compreensão das
autoras por alguns conceitos.
Situando-nos no contexto da sociedade capitalista, que é por natureza desigual,
compreendemos que a democracia não ocorre de forma efetiva, ponderamos que tal
política é “uma forma de liberdade necessariamente limitada” (TONET, 2009, p. 16), a
qual dentro desse sistema “não passa nunca da democracia de uma minoria, das classes
possuidoras, dos ricos”. (LENIN, 1978, p. 107). Tomamos dessa forma o termo
democratização compreendendo este, ser “como um caminho para a democracia plena”
(VELOSO; SILVA; BERALDO, 2011, p. 59). Essa conceituação nos leva ao
direcionamento das análises dos mecanismos de seleção, como processos de
consubstanciação da democratização.
Entendemos mecanismos de seleção como um processo mais abrangente que
abarca uma união entre processos seletivos e formas de ingresso, que cumprem o papel
de selecionar e ingressar o estudante. O processo seletivo nomenclatura apresentada a
partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) é entendido
como um procedimento mais específico, seria o ato de realizar a prova, no caso o
conhecido termo “vestibular”, o qual cumpre o papel de captar os melhores e mais
aptos, ou seja, o processo seletivo traz consigo o perfil de que “o que determina a
seleção é a inteligência, capacidade e esforço do candidato” (OLIVEIRA, 1994, p. 5)
essa análise é realizada em face à realidade, de como se concretizam as seleções. Já o
entendimento sobre formas de ingresso levantou-se principalmente a partir do
surgimento do SiSU (Sistema de Seleção Unificada), que se utiliza de determinado
processo seletivo, no caso o Novo Enem, para ingressar em uma IFES. O Novo Enem
(Exame Nacional do Ensino Médio) seleciona pela média e o SiSU pela concorrência,
ou seja, o estudante precisa alcançar no Exame uma média para poder ainda concorrer
no SiSU. A partir da média do estudante inscrito em determinado curso/instituição, ele é
selecionado pelo Sistema (SiSU). Identifica-se nesse fenômeno uma ‘dupla seleção’.
Ao tratarmos dos mecanismos de seleção faz-se necessário explicitarmos que este
processo faz parte de uma categoria mais ampla e abrangente o “acesso”, que traz em
seu rol de indicadores a compreensão dos modelos de seleção. Para maior entendimento
compartilhamos da definição das autoras Silva e Veloso (2011, prelo):
[...] para analisar o acesso na sua etapa inicial (ingresso), propõe-se a
observação da oferta de vagas, do ingresso propriamente e da forma de
seleção. Como indicadores da permanência, dados relativos à matrícula, à
taxa de diplomação e a programas de fixação do estudante na academia. E
para a qualidade na formação é possível ter em vista: categoria
administrativa; organização acadêmica; titulação e dedicação do corpo
docente; participação discente/docente nas decisões; escolha do curso;
avaliação institucional; produção de pesquisa; autonomia político-pedagógica
e financeira. (SILVA; VELOSO, 2011, prelo).

Neste sentido, o “acesso” é compreendido como uma categoria mais abrangente,


que não se limita apenas ao ato de ingressar, tal categoria tem em sua compreensão, “o
ingresso, a permanência e a qualidade na formação, que alarga e aprofunda a definição
do acesso, contrapondo-se a uma visão fragmentada e imediatista” (SILVA; VELOSO,
2011, prelo).
No plano documental, destacamos a seguir, analisamos o que trazem sobre a
democratização do acesso e os mecanismos de seleção.
De acordo com o artigo 26 da Declaração Universal de Direitos Humanos4, o
acesso à educação superior deve ser garantido a todos com base no mérito, e aberto em
plena igualdade, ressalta ainda, que e esse princípio deve servir de base para políticas de
educação superior. Quando nos reportamos a Constituição Federal (CF) de 1988
notamos que a mesma segue o parâmetro da Declaração Universal, no que diz respeito
às indicações sobre o acesso para ingresso à educação superior, pautados na igualdade.
Descreve em seu artigo 206: “O ensino será ministrado com base no princípio da
igualdade de condições para o acesso e permanência”. Acrescenta ainda em seu artigo
208 “O dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um”. Sustenta-se a perspectiva de que a educação superior está
aberta a qualquer cidadão, determinando que o alcance desse objetivo dependa
exclusivamente do sucesso individual, adquirido ao longo da trajetória educacional.
Diante dessas indicações presentes na CF, compreende-se que a igualdade de
condições, está pautada na base da democracia liberal, a qual o indivíduo se sobressai a
partir de sua capacidade individual, e isso não significa “à igualdade real” (VIEIRA,
1992, p. 70). E contrapondo o que se apresenta na Declaração Universal a respeito da
“plena igualdade”, partimos da concepção de que:

[...] a liberdade em sua forma plena (portanto para além da forma


democrática), só pode configurar-se com a supressão radical da propriedade
privada, das classes sociais e, por consequência, do seu instrumento
fundamental de manutenção, que é o Estado. (TONET, 2009, p. 18).

Em 1996, passou a vigorar a Lei nº 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional (LDB). Foi elaborada num momento histórico em que as políticas
educacionais eram fortemente influenciadas pelas propostas neoliberais, impulsionando
a abertura do ensino superior ao setor privado em detrimento do setor público. Reforça-
se o Estado como fiscalizador e avaliador, fato que pode ser evidenciado pelos

4
Declaração Universal de Direitos Humanos. Disponível em:
http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pdf Acesso
em: 20 jan. 2011.
mecanismos de avaliação adotados SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica),
ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e o ENC (Exame Nacional de Cursos).
Na LDB destacamos o: artigo 2º - O ensino deve ser ministrado com base nos
princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; artigo 44
- A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: II – de graduação,
abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham
sido classificados em processo seletivo; artigo 51 - As IES credenciadas como
universidade, ao deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão de estudantes,
levarão em conta os efeitos desses critérios sobre a orientação do ensino médio,
articulando-se com os órgãos normativos dos sistemas de ensino.
A LDB traz uma mudança, retira a nomenclatura “vestibular” e passa a utilizar o
termo “processo seletivo”. Isso decorre da finalidade de proporcionar as Instituições de
Ensino Superir (IES) a flexibilidade na formatação de seus modelos de seleção.
Percebe-se que seguindo a mesma lógica da CF, reforça o termo “igualdade de
condições”, articulando agora com aspecto “classificatório”. Ambos os termos possuem
relação com o conceito “mérito” o qual determina as posições do sujeito de acordo com
consecuções individuais.
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) – Razões, princípios e
programas: é instituído pelo governo federal, e entre suas indicações gerais, estabeleceu
“reduzir desigualdades sociais e regionais se traduz na equalização das oportunidades de
acesso à educação de qualidade”. (BRASIL, 2009). Considerando que a “equalização” é
uma forma apenas de “atenuação” de problemas maiores. Ou seja, reduzem-se as
desigualdades como uma forma de amenizar tensões e disputas, sem perspectiva de
rompimentos.
No PDE destaca-se:

i) expansão da oferta de vagas, dado ser inaceitável que somente 11% de


jovens, entre 18 e 24 anos, tenham acesso a esse nível educacional, ii)
garantia de qualidade, pois não basta ampliar, é preciso fazê-lo com
qualidade, iii) promoção de inclusão social pela educação, minorando nosso
histórico de desperdício de talentos, considerando que dispomos
comprovadamente de significativo contingente de jovens competentes e
criativos que têm sido sistematicamente excluídos por um filtro de natureza
econômica [...]. (BRASIL, 2007, p. 26)

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das


Universidades Federais (REUNI) tem como fim imediato o aumento das
vagas de ingresso e a redução das taxas de evasão nos cursos presenciais de
graduação. O REUNI permite uma expansão democrática do acesso ao
ensino superior, o que aumentará expressivamente o contingente de
estudantes de camadas sociais de menor renda na universidade pública. O
desdobramento necessário dessa democratização é a necessidade de uma
política nacional de assistência estudantil que, inclusive, dê sustentação à
adoção de políticas afirmativas. O Plano Nacional de Assistência Estudantil
(PNAES) consolida o REUNI. (BRASIL, 2007, p. 27)

Em síntese o Plano considera os seguintes aspectos como possibilidades de


democratização: a expansão de vagas; expandir, mas manter a qualidade, porém sem
especificar o que se entende por qualidade; inclusão social, visando os talentos,
competências e criatividade, características voltados para a “meritocracia”, na
competência individual do sujeito; o REUNI, como um programa que auxiliará no
aumento de vagas para ingresso; e por fim o PNAES, que entrará em contrapartida para
oferecer assistência à nova demanda de ingressantes, para permanecerem na instituição.
São medidas operacionais que sinalizam a prioridade na questão da expansão, sem
nenhuma expressão sobre processos de seleção.
Em 2003, início do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, evidencia-se
que o mesmo de certa maneira, herda um conjunto de políticas e ações que
caracterizavam a reforma da educação superior ocorrida no governo anterior. Suas
propostas não significaram a ruptura do modelo econômico desigual da sociedade
capitalista, embora historicamente tenha defendido um projeto político de esquerda para
o Brasil, no poder, os direcionamentos de suas propostas evidenciaram muito mais o
assistencialismo do que a promoção social pautada no igualitarismo, sendo possível
considerar que o seu mandato foi:

caracterizado mais pela promoção de políticas assistenciais e compensatórias


por meio de programas sociais desenvolvidos para público-alvo específico, os
mais pobres, que pela ampliação de políticas e ações que assegurassem os
interesses universais inscritos na Constituição Federal de 1988. (OLIVEIRA,
2011, p. 328)

A nova proposta do Plano Nacional de Educação – PNE (Lei 8.035/2010) surge,


então, em um momento político pautado no assistencialismo, marcado por debates e
discussões em torno de sua implantação, como foram realizadas na Conferência
Nacional de Educação (CONAE), que ocorreu com a finalidade de estabelecer
proposições na construção desse novo Plano. A CONAE teve o real intuito de sinalizar
proposta que visasse democratizar o acesso à educação superior pública, entendendo
que mediante a democratização haveria possibilidades de oferecer oportunidades às
classes historicamente desfavorecidas ingressar e permanecer no ensino superior de
qualidade.
Nesse contexto, apresenta-se a proposta do Novo Plano Nacional de Educação
para década de 2011-2020, direcionado ao Congresso Nacional, o qual expressa dez
diretrizes, 12 artigos e 20 metas, seguidas de estratégias específicas de concretização.
Elencamos a seguir as metas e estratégias que se direcionam aos “mecanismos de
seleção e a democratização do acesso”: 3.3) Utilizar exame nacional do ensino médio
como critério de acesso à educação superior, fundamentado em matriz de referência do
conteúdo curricular do ensino médio; Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na
educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos,
assegurando a qualidade da oferta; 12.1) Otimizar a capacidade instalada da estrutura
física e de recursos humanos das instituições públicas de educação superior mediante
ações planejadas e coordenadas, de forma a ampliar e interiorizar o acesso à graduação;
12.2) Ampliar a oferta de vagas por meio da expansão e interiorização da rede federal
de educação superior, da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica e do Sistema Universidade Aberta do Brasil; 12.5) Ampliar, por meio de
programas especiais, as políticas de inclusão e de assistência estudantil nas instituições
públicas de educação superior, de modo a ampliar as taxas de acesso à educação
superior de estudantes egressos da escola pública, apoiando seu sucesso acadêmico;
12.6) Expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de Financiamento ao
estudante do Ensino Superior - FIES, de que trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de
2001, por meio da constituição de fundo garantidor do financiamento de forma a
dispensar progressivamente a exigência de fiador; 12.9) Ampliar a participação
proporcional de grupos historicamente desfavorecidos na educação superior, inclusive
mediante a adoção de políticas afirmativas, na forma da lei; 12.16) Consolidar processos
seletivos nacionais e regionais para acesso à educação superior como forma de superar
exames vestibulares individualizados.
Verifica-se o reforço que se faz em utilizar o exame nacional de ensino médio
como um “processo seletivo” para ingresso as IES, algo que aparece em dois momentos
no Projeto de Lei como se observa acima, porém essas estratégias deixam lacunas, e em
função disso, questiona-se, como seriam os processos seletivos regionais, e o que se
entende por exames vestibulares individualizados. Esses são questionamentos não
sanados neste documento, o que deixa margens para interpretações e até mesmo formas
de consolidar essa política de maneira diversificada.
Pela estrutura apresentada pelo novo PNE, é preciso assinalar que na apresentação
de suas metas e estratégias, evidencia-se que muitas propostas vêm de políticas e
programas educacionais que já vinham acontecendo, desde 2007, na educação superior
que são diretrizes e metas de propostas como o PROUNI, REUNI, SiSU, entre outros.
Considerando dessa forma, um plano que se esperava algo novo que viesse na
perspectiva de avançar, na realidade, apenas apresenta políticas já existentes e que estão
caminhando, mostrando de certa maneira uma dificuldade em compreender o que se
espera que ocorra na educação superior durante essa década que vise realmente
verdadeiras mudanças e um salto qualitativo para o sistema educacional brasileiro.
As contradições estão presentes na legislação, planos e projetos, ao mesmo tempo
em que declaram direitos, possibilidades de democratização, inviabilizam esses direitos
na realidade concreta, levando-nos a ponderar que “as declarações de direitos “afirmam
mais” do que a ordem estabelecida permite” (CHAUÍ, 1989, p. 26). Esse movimento é
inerente ao Estado pautado no sistema capitalista, que mesmo apresentando direitos, em
uma perspectiva democrática, criam concepções para a regulação, no os direitos só
serão viabilizados mediante competição, mérito e esforço individual.
Assim, a legislação brasileira, seguindo aspectos da Declaração Universal de
Direitos Humanos, também sinaliza que a democratização do acesso, via mecanismos
de seleção, serão sempre pautados na oportunidade de competir, e no mérito. Tendência
do sistema capitalista, onde a meritocracia é utilizada como instrumento para
perpetuação das desigualdades sociais, exaltando o individualismo e falseando a
realidade e seus problemas essenciais.

O Novo Enem e SiSU: compreendendo a dinâmica

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) surge em um momento histórico o


qual emergem os sistemas de avaliações nas políticas educacionais no Brasil, que
viabilizariam o controle escolar. Esse caráter avaliativo será fortemente instituído na
década de 1990, nomeada por Dias Sobrinho (2003, p. 75) de a “década da avaliação”.
A avaliação educacional é tida como principal instrumento de mensuração da qualidade
do ensino, o autor ressalta ainda que “ela tem então, o poder de definir quais são os
conhecimentos “válidos” do sistema educativo” (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 49).
Criado pela Portaria Ministerial nº 438 de 28 de maio de 1998, o ENEM
apresentava-se como a finalidade de avaliar as competências e habilidades dos alunos
egressos do ensino médio, mensurando assim, o conhecimento adquirido durante seu
percurso de escolarização, além de subsidiar os mecanismos de seleção à educação
superior:
Artigo 1º - Instituir o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, como
procedimento de avaliação do desempenho do aluno, tendo por objetivos:
I – conferir ao cidadão parâmetro para auto-avaliação, com vistas à
continuidade de sua formação e à sua inserção no mercado de trabalho;
II – criar referência nacional para os egressos de qualquer das modalidades
do ensino médio;
III – fornecer subsídios às diferentes modalidades de acesso à educação
superior;
IV – constituir-se em modalidade de acesso a cursos profissionalizantes pós-
médio.

Logo após a sua implantação surge a perspectiva de utilizá-lo como processo


seletivo para o ingresso nas IES, isso se consolida no o Parecer CNE/CP nº 98/99 de 6
de julho, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, o qual ressalta que o Exame
pode ser utilizado de forma isolada ou conjuntamente com outro processo de seleção:

O Exame Nacional de Ensino Médio, recentemente iniciado, é outra


excelente oportunidade para inovar os processos seletivos e tanto melhor
quanto mais crescente seja sua universalização. Sendo de conteúdo único
para todo o país e realizado fora do processo de escolaridade formal, o
Exame Nacional de Ensino Médio oferece uma medida parametrizada do
conhecimento dominado por todos os possíveis candidatos ao ensino
superior. Trata-se, portanto, de um recurso tecnicamente seguro para ser
utilizado como critério de ingresso ao ensino superior, isolado ou
concomitantemente com outro processo seletivo, igualmente universal e
democrático. (CNE/CP Nº 98/99, p. 5, 1999, grifo do autor).

O ENEM passou a ser utilizado também, a partir de 2005, como forma de ingresso
no Programa Universidade Para Todos (PROUNI) conforme o disposto no art. 3º da lei
nº 11.096. E com a Portaria nº 109, de 27 de maio de 2009, sendo utilizado para
certificação de conclusão do Ensino Médio em cursos de Educação de Jovens e Adultos
(EJA), substituindo o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e
Adultos (Encceja).
Finalmente, registramos em 2009 um novo formato no Exame, agora intitulado
Novo Enem, que passa a ser utilizado como processo seletivo para ingresso nas IFES,
agora abrindo uma concorrência nacional. O MEC apresenta essa nova proposta
baseado no entendimento de que a unificação do processo seletivo trará benefícios,
como a democratização das oportunidades de concorrência, a mobilidade dos estudantes
e a possibilidade de reestruturação de currículos do ensino médio.
O MEC enfatiza, no entanto, que a adesão ao novo mecanismo de seleção não
implicaria em abandonar outras formas de processos seletivos, algo garantido pela
LDB/1996, expondo as seguintes formas de utilização: a primeira adotando o Novo
Enem como fase única ou primeira fase do processo seletivo; a segunda ao utilizar o
Novo Enem como fase única a instituição aderirá conjuntamente ao Sistema de Seleção
Unificada (SiSU) (BRASIL, 2009b).
Para participar, de acordo com o Termo de Referência Novo Enem e Sistema de
Seleção Unificada (SiSU) (MEC, 08/04/2009), as instituições interessadas na adesão ao
SiSU, assinariam digitalmente um termo de participação e passariam ao Sistema os
cursos, habilitações e turnos de cada campus ou unidade educacional, confirmando o
número de vagas em oferta e podendo, ainda nessa etapa indicar pesos diferentes para
cada uma das cinco provas (Linguagem, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências da
Sociedade e Redação), a serem ponderados para cada curso. Informando também a
adoção ou não de políticas afirmativas (CONRADO; LUZ; SILVA, 2011).
O processo de inscrição do candidato, segundo informa o documento, acontece
exclusivamente pela internet, na página eletrônica do SiSU. Feita a inscrição, o
candidato indicaria se concorreria ou não para as vagas de política afirmativa, podendo
escolher até cinco opções5 de cursos e instituições de sua preferência,
independentemente do local de sua residência.
De acordo com o item 16 do documento, na página eletrônica do SiSU o
candidato tem acesso as seguintes informações:

a. Divulgação das vagas ofertadas em cada curso de cada campus ou unidade


educacional da IES, de forma que o candidato possa visualizar as opções
disponíveis antes de iniciar sua inscrição;
b. Divulgação das notas de corte em cada curso. Essas notas serão atualizadas
diariamente, conforme as inscrições dos candidatos. Por meio desta
funcionalidade, o candidato poderá visualizar a nota do último candidato
selecionado dentro do número de vagas ofertadas e comparar com a sua, de
forma a saber se esta nota será suficiente para obter a vaga, antes mesmo de
efetuar sua inscrição;
c. Possibilidade de alteração das suas opções a qualquer tempo e quantas
vezes julgar necessário, até o encerramento do prazo das inscrições. Cada
candidato poderá, assim, acompanhar as notas de corte e rever suas opções,
de forma a alterá-las, aumentando suas possibilidades de seleção.

O SiSU, regulamentado pela Portaria Normativa nº 2, de janeiro de 2010, é o


sistema informatizado gerenciado pelo Ministério da Educação, para a seleção de

5
No ano de 2012 os estudantes puderam optar por apenas dois cursos, tendo a oportunidade de ser
selecionado na 1ª ou 2ª lista de classificação.
candidatos a vagas em cursos de graduação disponibilizadas pelas instituições federais
de educação que aderiram ao sistema. Tal Sistema foi pensado com a intencionalidade
de proporcionar a concorrência de vagas em qualquer IES que aderisse ao Sistema de
Seleção, possibilitando o estudante realizar a prova no seu próprio estado e cidade, sem
a necessidade exigida pelo vestibular tradicional o qual era necessário deslocamento até
a cidade realizar a prova, ou seja, cria a oportunidades de concorrer à vagas, agora em
nível nacional, o que de fato é a questão chave do SiSU, ‘a seleção nacional’.
No primeiro ano de implantação do novo mecanismo de seleção em 20096, foram
verificadas, de acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições
Federais de Ensino Superior (ANDIFES), 14 IFES que aderiram ao Novo Enem e SiSU
como forma única de ingresso:
Além das 14 instituições que selecionarão candidatos apenas por meio do
Enem, outras 9 experimentarão o novo método em parte de suas vagas ou em
parte de seus cursos. É o caso da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da
Universidade Federal de Tocantins (UFT) que destinarão, respectivamente,
50% e 25% das vagas ao sistema de seleção pelo novo Enem. Em outras
iniciativas, como na Federal de São Paulo (Unifesp) e na Federal da Bahia
(UFBA), a separação vem por cursos – na Unifesp, das 26 graduações
oferecidas, 19 selecionarão estudantes pelo novo Enem e na UFBA o novo
método só será usado na seleção dos bacharelados interdisciplinares e no
curso superior de tecnologia. Os dados do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep) mostram que das 58 instituições ligadas à
Andifes, 23 entrarão (parcial ou totalmente) no sistema de seleção unificado e
17 usarão o exame nas outras três opções permitidas pela proposta do MEC:
como primeira fase, como parte da nota do vestibular ou para preencher
vagas remanescentes. Em 16 universidades, o novo Enem está descartado
para a seleção de 2009 ou ainda é uma proposta em discussão. De acordo
com o último censo da Educação Superior realizado pelo Inep, das
instituições que aderiram ao sistema de seleção unificado, apenas uma está
entre as dez maiores universidades federais do país, a UFBA, que ocupa a 9ª
posição no ranking. Porém, na UFBA, a nota do novo Enem selecionará
estudantes para 950 das 6.400 vagas oferecidas, já que a universidade adotou
parcialmente o novo método7.

É importante compreendermos que quando nos referimos a adesão “integral ou


única” queremos evidenciar que a instituição disponibilizará as suas vagas apenas por
meio deste processo de seleção Novo Enem e SiSU. Já as que aderiram parcialmente,
não utilizam os dois processos conjuntamente como porta única de entrada, algumas

6
O SiSU apresentado em 2010 ingressou os alunos que fizerem a prova (Novo Enem realizada em 2009)
nas instituições federais que aderiram ambos como porta única de entrada.
7
Mapa de adesão ao novo Enem mostra que 14 Ifes aderiram plenamente ao sistema unificado.
Disponível em:
<http://www.andifes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1858:mapa-de-desao-ao-
novo-enem-mostra-que-14-ifes-aderiram-plenamente-ao-sistemaunificadocatid=18&Itemid=100014>.
Acesso em: 15 jan. 2010.
ainda mantêm seus vestibulares, ou disponibilizam apenas uma porcentagem de suas
vagas ao Novo Enem e SiSU.
O quadro de adesão cresce a cada ano, em 2012, de acordo com a ANDIFES8
totalizou-se 24 IFES que o utilizaram como processo único de ingresso. Ainda
contabilizou 59 instituições que utilizaram apenas a prova do Novo Enem, sem a
inclusão no SiSU. O Quadro 1 apresenta a relação de 24 Instituições que aderiram
integralmente ao Sistema em 2012.

Quadro 1 – Lista das Universidades Federais que aderiram integralmente ao SiSU


no Brasil em 2012
Universidades Federais
1 UFABC (Universidade Federal do ABC)
2 Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto)
3 UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
4 UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
5 UFSCar (Universidade Federal de São Carlos)
6 UFU (Universidade Federal de Uberlândia)
7 Unifal (Universidade Federal de Alfenas
8 Unifei (Universidade Federal de Itajubá)
9 Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)
10 Furg (Fundação Universidade Federal do Rio Grande)
11 UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre)
12 UFPel (Universidade Federal de Pelotas)
13 Unipampa (Universidade Federal do Pampa)
14 UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná)
15 Ufal (Universidade Federal de Alagoas)
16 UFC (Universidade Federal do Ceará)
17 UFCG (Universidade Federal de Campina Grande)
18 Ufersa (Universidade Federal Rural do Semi-Árido)
19 UFMA (Universidade Federal do Maranhão)
20 UFPI (Universidade Federal do Piauí)
21 UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia)

8
Como as instituições federais vão usar o Enem 2011. Disponível em:
<http://www.andifes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5795:como-as-
instituicoes-federais-vao-usar-o-enem-2011&catid=52&Itemid=100013
22 UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco)
23 UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
24 UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso)
Fonte: ANDIFES. Quadro elaborado pelas autoras.

O número de adesão ao novo mecanismo de seleção evidencia que nem os


problemas operacionais foram capazes de conter o crescimento de IFES no processo.
Tais problemas se efetivaram na primeira parte do processo, que corresponde à prova do
Enem. Dentre eles destacamos:
- em 2009: cancelamento de prova devido a denúncia de vazamento;
- em 2010: defeito de ordenação no material impresso;
- em 2011: liminares concedidas para obter resultados da redação, divulgação das
questões em escolas, a proposta de uma segunda edição em abril de 2012 foi cancelada,
apresentando como justificativa a pressão que o MEC recebeu para viabilizar o acesso
às provas discursos concentrou muitos esforços por parte do mesmo, ocasionando
assim, a inviabilidade da segunda prova.
Embora não conste nada descrito em forma de legislação, os discursos do ex-
ministro da educação Haddad, evidenciaram que haveria contrapartidas financeiras para
as IFES que aderissem ao novo mecanismo, principalmente como porta única.

Segundo Haddad, o MEC terá que dobrar esse volume de recursos para
atender à futura demanda provocada pela possível substituição do atual
modelo de vestibular por uma avaliação nacional nos moldes do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem). [...] “Eu vou anunciar aqui que vamos
ampliar o programa de assistência estudantil, sobretudo com foco nas
instituições que aderirem [à nova proposta de avaliação]. Acontecerá o
seguinte, você melhora as condições de seleção, seleciona melhor e
justamente por isso existe uma probabilidade muito grande de jovens de mais
baixa renda ingressarem na universidade por esse processo. Se isso for
verdade, nós temos que reforçar o orçamento de assistência estudantil”,
argumentou. (RIBEIRO, 2009, não paginado).

Sustenta-se essa informação em uma das atas de reunião da Andifes:

[...] há proposta de um acréscimo escalonado para as Ifes em função do grau


de adesão ao novo Enem: 100% para as que tiverem o Enem como forma
única de ingresso; 75% para aquelas que destinarem 20% das vagas; 50%
para aquelas que tiverem percentual superior a 10 e inferior a 50% do número
de vagas, 50% para aquelas que utilizarem o Enem como forma parcial de
seleção e 25% para todos, independentemente do Enem. (REUNIÃO..., 2009,
p. 2).
Dessa maneira, fica evidente que há previsão de contrapartidas financeiras
concomitante a adesão do novo mecanismo, e isso talvez justifique o número de adesão
das IFES terem aumentado, em 10 Instituições, no período de 2009 a 2012.

Analisando a proposta do Novo Enem e SiSU

Tecemos a seguir uma análise critica do documento Proposta à Associação


Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, com a
finalidade de compreender a proposta efetivada pelo MEC em realizar essa mudança.
Destacamos, assim, aspectos relacionados aos três pilares dessa nova proposta: a
democratização das oportunidades de concorrência; a mobilidade estudantil; e por fim a
possível reestruturação curricular do ensino médio.
a) A democratização das oportunidades de concorrência.
O documento traz no seu início a justificativa de que embora os vestibulares
(utilizados anteriormente a este processo) efetivavam com qualidade o trabalho de
“selecionar os melhores candidatos”, ainda sim continham problemas, como a
inviabilidade do estudante se deslocar de sua região para prestar vestibular em outra
região, o que remeteria investimentos financeiros e que poucos teriam condições
econômicas para tal. Além, de limitar a concorrência, pois na medida em que nem todos
podem se deslocar para realizar vários vestibulares em instituições diferentes a
concorrência diminui, obtendo acesso somente aquele que conseguiu realizar todo esse
percurso. E ainda ressalta que tal processo (vestibular tradicional9) limitava a
“capacidade de recrutamento pelas IFES, desfavorecendo aquelas localizadas em
centros menores”. (PROPOSTA À ASSOCIAÇÃO... 2009, p. 1-2)
Nota-se que o caráter de captar os melhores é enfatizado como algo positivo,
mesmo efetivando a mudança do vestibular tradicional para o novo mecanismo de
seleção10, o processo ainda se pautará na perspectiva meritocrática, na medida em que
apresenta que tal mecanismo seleciona os “melhores”, colocando em questão que exista
o seu contrário, ou seja, os “piores”. Segundo Halsey (1977 apud. ARRUDA et alli,
2006, p. 80) “é impossível que a meritocracia exista em uma sociedade desigual”.
Considera ainda que a “utilização do mérito individual como base para seleções justas
seria possível de aplicação somente no futuro, já que a igualdade de fato entre os
indivíduos também seria uma projeção, não podendo ser observada atualmente”.

9
Vestibular tradicional é entendido como o processo de seleção utilizado anterior ao Novo Enem e SiSU.
10
Entendemos novo mecanismo de seleção a junção do Novo Enem e SiSU.
Na contramão do que é defendido pelo MEC, o autor Leher (2009, p. 1) aponta as
implicações políticas e pedagógicas geradas por essa nova proposta:

As ditas provas de “raciocínio” do ENEM, a pretexto da democratização,


vêm promovendo um rebaixamento da agenda de estudos que terá
conseqüências muito negativas para a educação básica. É uma quimera
afirmar que um exame rebaixado e nacional abre a universidade pública aos
setores populares. Como o exame é classificatório, não importa se o último
ingressante teve nota 5, 6 ou 9. Este é um sistema que beneficia o mercado
privado de educação: os estudantes que não lograram serem classificados nas
públicas não terão outra alternativa que a de buscar uma instituição privada.
E o MEC, reconhecendo a dita eficiência privada no fornecimento da
mercadoria educação, prontamente se disponibiliza a repassar recursos
públicos para incentivar as privadas a atender ao crescimento da demanda.

O discurso da oportunidade de concorrer em nível nacional tão enfaticamente


defendido pelo MEC e mídia, consegue criar uma aparente igualdade de oportunidades,
sem levar em consideração a realidade tão desigual no ensino médio brasileiro. Esse
quadro desigual pode ser visualizado também quando comparamos as médias da prova
do Novo Enem realizado em 2009, por estados no Brasil:

Quadro 2 – Lista de desempenho por estado e DF. Novo Enem/200911


COMPARAÇÃO PELAS NOTAS MÉDIAS DAS UFs

ORDEM UNIDADE DA FEDERAÇÃO ALUNOS PONTUAÇÕES MÉDIAS


PARTICIPANTES

1 RIO DE JANEIRO 66.425 37.440.799,27 563,66


2 RIO GRANDE DO SUL 51.404 28.834.207,73 560,93
3 DISTRITO FEDERAL 13.408 7.488.121,64 558,48
4 SANTA CATARINA 24.295 13.476.761,45 554,71
5 MINAS GERAIS 98.385 54.534.126,05 554,29
6 SÃO PAULO 163.809 90.576.573,76 552,94
7 GOIÁS 25.028 13.519.571,14 540,18
8 MATO GROSSO DO SUL 13.390 7.225.850,11 539,65
9 PARANÁ 54.665 29.404.378,22 537,90
10 PARAIBA 11.911 6.328.907,12 531,35
11 PERNAMBUCO 40.941 21.657.415,86 528,99
12 BAHIA 53.656 28.274.200,03 526,95
13 RIO GRANDE DO NORTE 14.756 7.756.882,98 525,68
14 ESPÍRITO SANTO 27.550 14.414.806,84 523,22
15 PIAUÍ 18.120 9.456.948,11 521,91
16 PARÁ 23.890 12.461.674,84 521,63
17 AMAPÁ 2.589 1.342.976,51 518,72
18 ALAGOAS 8.684 4.494.559,95 517,57
19 SERGIPE 8.103 4.179.521,18 515,80
20 MARANHÃO 26.016 13.382.846,62 514,41
21 TOCANTINS 7.935 4.069.806,52 512,89
22 MATO GROSSO 19.163 9.816.216,98 512,25
23 RONDÔNIA 7.924 4.053.942,24 511,60

11
ENEM 2009: Estados e DF. Disponível em: http://timblindim.wordpress.com/2010/08/04/enem-2009-
estados-e-df/ Acesso em: 31 jan. 2011.
24 CEARÁ 32.280 16.500.800,68 511,18
25 AMAZONAS 20.225 10.274.883,00 508,03
26 ACRE 2.725 1.382.524,30 507,35
27 RORAIMA 1.614 812.139,52 503,18
BRASIL 838.891 453.161.442,65 540,19

Mesmo diante desse quadro discrepante de médias, o discurso oficial é enfático na


defesa democrática do mecanismo, como observamos no discurso da presidenta Dilma
em solenidade de posse dos novos ministros:

Defender o Enem é defender o Prouni, o Reuni e o Ciência sem Fronteiras.


De tudo faremos para melhorar o Enem, posto que ele é um instrumento de
acesso democrático à educação. E democracia não significa que não
premiaremos o mérito. Democracia significa acesso à oportunidade”, disse a
presidenta. (ROUSSEF, 2012).

Nota-se que o caráter democrático vem no sentido de oportunizar uma disputa


nacional, o que não era viável há muitos no antigo vestibular. A aprovação só depende
do esforço individual, ou seja, do mérito de cada um. Entretanto, a igualdade da prova
não significa igualdade de chances; é somente aqueles mais bem preparados
conseguirão efetivar o ingresso na instituição pública. Para Oliveira et alli (2008):
“prevalece a competição livre e aberta entre os desiguais, o que, infelizmente, faz
aumentar o gap cultural, historicamente em construção, entre os atores sociais,
reforçando a reprodução social”.
Assim, diante dos dados do Quadro 2, questiona-se como pensar um processo que
busca a abertura de concorrência nacional, visto a própria avaliação do ensino médio,
evidenciar quadros tão diferentes de médias entre estados? Podemos considerar que o
caráter meritocrático acaba se fortalecendo neste novo mecanismo de seleção, na
medida em que cada vez mais se direciona ao ‘indivíduo’ a responsabilidade pelo seu
sucesso ou fracasso.

b) Mobilidade estudantil
Embora traga a questão da mobilidade o documento pouca explica sobre a
manutenção dessa estratégia. Mesmo que se abram possibilidades de concorrência
nacional e consequentemente a oportunidade de estudar em outra região, sem nem ter
precisado se deslocar para fazer a prova, traz implicações no que se refere a assistência
deste estudante em outro estado. Cabe então o questionamento: como um novo
mecanismo que se propõe a romper com as dificuldade impostas pela
“descentralização” (perspectiva que se tornava entrave para os que não tinham
condições financeiras de se deslocar e fazer prova em vários estados) poderá agora se
passar no processo (Novo Enem e SiSU), se manter na cidade a qual se inscreveu? Esse
mesmo sujeito que não tinha condições para prestar vestibular em várias instituições de
regiões diferentes, terá agora, condições de se manter nas instituições fora de seu local
de moradia, ou seja em outra região?
Leher (2009, p. 1) considera que esse fenômeno pode ocasionar o elitismo
educacional, para ele
Ao contrário da publicidade oficial, o ENEM privilegia os estudantes de
maior renda. Um estudante paulista que, apesar de elevada nota, não
ingressou na faculdade de medicina da USP (dada a concorrência), poderá,
com os seus pontos, frequentar o mesmo curso em uma universidade pública
em outro estado, desde que tenha recursos. A mobilidade estudantil
pretendida somente favorece os que possuem renda para se deslocar, uma vez
que as universidades não dispõem de moradias estudantis e políticas de
assistência estudantil compatível com as necessidades. (LEHER, 2009, p. 1).

Assim, tal documento deixa lacunas para questões como essas, que ainda não são
esclarecidas por documentos legais. A democratização do acesso ocorre atrelada a
políticas de permanência, e se a mobilidade é um dos eixos desse novo mecanismo é
preciso se pensar na assistência financeira.

c) Reestruturação curricular do ensino médio.


O documento de Proposta expressa que a prova do Novo Enem possibilitaria uma
relação mais estreita entre ensino médio e superior. Realiza ainda, um “chamamento às
IFES para que assumam necessário papel, de repensar o ensino médio, discutindo a
relação entre conteúdos exigidos para ingresso na educação superior” (PROPOSTA À
ASSOCIAÇÃO... 2009, p. 3). Esse posicionamento leva-nos a considerar que o nível
médio se direciona a construir um público que ingressará na educação superior. A
reestruturação vem no sentido de adequar o ensino médio para o ingresso a educação
superior, dessa forma ocasiona uma corrida nas adequações, e que evidentemente acaba
sendo liderado pelas escolas da rede privada que acabam tendo recursos para se
adaptarem ao novo sistema. Já as escolas públicas se encontram em desvantagem, pois
carecem de investimentos públicos para se manter, e muitas vezes são investimentos
escassos e insuficientes. Dessa maneira, acarreta um direcionamento para o tipo de
público que ingressará nas IFES que diante dessa análise continuará sendo elitista.
Conclusões preliminares

A proposta de substituir o vestibular pelo Novo Enem e SiSU por si só não pode
ser considerado como a democratização do acesso, mas é um dos pilares para que isso
ocorra. Essa mudança deve ser acompanhada por medidas de ampliação de vagas no
setor público bem como a assistência estudantil, melhorias do ensino fundamental e
médio.
Como nos apresenta Neto (2011, p. 18), “é necessário questionar até que ponto as
ações nacionais, quando igualmente aplicadas a todo país e a todos os estudantes das
escolas do Brasil, são realmente democratizadora”.
Compete atentar-nos que a incompatibilidade de posicionamentos em relação ao
acesso provoca de certa forma o antagonismo, ou seja, de um lado uma classe que quer
manter a hegemonia dominante, e do outro a classe menos favorecida que deseja
ingressar em uma instituição de nível superior pública que necessita e luta para ter
condições para tal. São esses antagonismos próprios do movimento do real, que acabam
por muitas vezes bloqueando perspectivas de mudanças.
Por fim, diante dos problemas operacionais apresentados pelo novo mecanismo de
seleção das IFES, ocultam-se perante a sociedade as principais motivações por traz da
proposta de uma seleção nacional. Não ocorrem debates e nem elucidações da
intencionalidade desse Sistema Unificado. Cabe atentar para necessidade da realização
de estudos mais específicos sobre esse novo mecanismo de seleção, realizando uma
análise crítica da realidade, considerando abordagens qualitativas e quantitativas para
compreender o fenômeno.

Referências

ARRUDA, Júlio Érico Alves de et alli. Mérito: quem tem? In: SILVA, Jailson de Souza
e; BARBOSA, Jorge Luiz; SOUZA, Ana Inês (Orgs.). Práticas pedagógicas e a lógica
meritória na universidade. Rio de Janeiro: UFRJ, Pró-Reitoria de Extensão, 2006, p.
70-82.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso
em: 15 jul. 2010.

______. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n° 8.035/2010. Brasília, 2010.


Aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020, e dá outras
providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2010/msg701-101215.htm >. Acesso
em: 22 dez. 2010.

______. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 15 jul. 2010.

______.Ministério da Educação. Censo da educação superior. Disponível em:


<http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/default.asp>. Acesso em: 01 mar.
2010.
______.Ministério da Educação. Novo ENEM. Disponível em: http:
portal.mec.gov.br/índex.php?view=article&catid=179%Avestibular&id=133. Acesso
em: 09 maio 2009.

______. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação. Razões,


Princípios e Programas. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/livro.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2009.

______. Proposta à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de


Ensino Superior. Assessoria de Comunicação Social. Ministério da Educação.
Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=310&id=13318&option=com_content&vie
w=article>. Acesso em: 17 mar. 2010.

______. Ministério da Educação. Textos teóricos e metodológicos: ENEM 2009.


Brasília: INEP, 2009.

______. Parecer CNE/CP nº 98/99, de 6 de julho de 1999. Regulamentação de


Processo Seletivo para acesso a cursos de graduação de Universidades, Centros
Universitários e Instituições Isoladas de Ensino Superior. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PNCP098.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2010.

______. Portaria Ministerial nº 438, de 28 de maio de 1998. Instituiu o Exame


Nacional do Ensino Médio – ENEM. Disponível em:
<http://www.inep.gov.br/basica/enem/legislacao/p438_280598.htm>. Acesso em: 17
ago. 2010.

______. Portaria Normativa nº 2, de 26 de janeiro de 2010. Institui e regulamenta o


Sistema de Seleção Unificada. Disponível em:
<http://sisu.mec.gov.br/#/legislacao.html>. Acesso em: 10 mar. 2010

______. Termo de Referência – Novo Enem e Sistema de Seleção Unificada, de 8 de


abril de 2009b. Disponível em: < http://www.portalmec.gov.br>. Acesso em: 25 set.
2010.

CASTANHO, Sérgio. A educação superior no século XXI: comentários sobre o


documento da Unesco. Interface – Comunicação, Saúde, Educação 7. Agosto, 2000.

Como as instituições federais vão usar o Enem 2011. 27 de setembro de 2011.


Disponível em:
<http://www.andifes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5795:co
mo-as-instituicoes-federais-vao-usar-o-enem-2011&catid=52&Itemid=100013> Acesso
em: 30 abr. 2012.

CONRADO, Nayara Lucas Dias de Menezes; LUZ, Jackeline Nascimento Noronha da;
SILVA, Maria das Graças Martins da. O SiSU como forma de ingresso na educação
superior:evidências iniciais no curso de Pedagogia da UFMT. In: SILVA, Maria das
Graças Martins da. (Org.). Políticas educacionais: faces e interfaces da
democratização. Cuiabá: Ed. UFMT, 2011. p.119-137.

CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã: o ensino superior, da Colônia à Era


Vargas. 3 ed.São Paulo. Unesp. 2007.

CHAUÍ, Marilena de Souza. Cultura e democracia. São Paulo: Cortez, 1989.

DIAS SOBRINHO. Avaliação: políticas educacionais e reformas da Educação


Superior. São Paulo: Cortez, 2003.

ENEM 2009: Estados e DF. Disponível em:


http://timblindim.wordpress.com/2010/08/04/enem-2009-estados-e-df/ Acesso em: 31
jan. 2011.

MAPA de adesão ao novo Enem mostra que 14 Ifes aderiram plenamente ao


sistema unificado. 24 de junho de 2009. Disponível em:
<http://www.andifes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1858:ma
pa-de-adesao-ao-novo-enem-mostra-que-14-ifes-aderiram-plenamente-ao-sistema-
unificado&catid=18&Itemid=100014>. Acesso em: 15 jan. 2010.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008.

NETO, Francisco José da Silveira Lobo. Plano Nacional de Educação 2011-2020: uma
leitura e uma discussão necessárias. Universidade e Sociedade. DF, ano XXI, n. 48,
jul. 2011.

OLIVEIRA, João de Ferreira de. Liberalismo, Educação e Vestibular: movimentos e


tendências de seleção para o ingresso no Ensino Superior no Brasil a partir de 1990.
Goiânia, MEEB/FE/UFG, 1994 (Dissertação de Mestrado).

______. et alli. Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil. In:


BITTAR, Mariluce; Oliveira, João Ferreira de; MOROSINI, Marília (Orgs.). Educação
Superior no Brasil: 10 anos pós-LDB. Brasília: Inep, 2008, p. 71-88.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. Das políticas de governo à política de estado: reflexões


sobre a atual agenda educacional brasileira. Educação e Sociedade. Campinas, v. 32,
n.115, p.323-337, abr.-jun. 2011.

LEHER, Roberto. O que é comodificado é mercadoria. Disponível em


http://www.mepr.org.br/noticias/educacao/290-enem-o-que-e-comodificado-e-
mercadoria.html. Acesso em: 20 dez. 2009.
LENIN, V. I. O Estado e a revolução. São Paulo: Hucitec, 1978.

REUNIÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO PLENO DA ANDIFES, 82, 209, Rio de


Janeiro. Ata eletrônica... Brasília, 2009. Disponível em: <
http://www.andifes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=38&It
emid=>. Acesso em: 12 set. 2011.

RIBEIRO, Jeferson. Ministro quer dobrar verba de auxílio aos estudantes universitários. G1,
Brasília, 6 abr. 2009. Disponível em
<http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1075350-5604,00-
MINISTRO+QUER+DOBRAR+VERBA+DE+AUXILIO+AOS+ESTUDANTES+UNI
VERSITARIOS.html>. Acesso em: 12 set. 2011.

ROUSSEF, Dilma. A construção do futuro passa pela ampliação das oportunidades,


diz presidenta na posse de novos ministros. 24 de janeiro de 2012. Disponível em:
http://blog.planalto.gov.br/index.php?s=Novo+ENEM&btn_sub.x=0&btn_sub.y=0
Acesso em: 29 maio 2012.

SILVA, Maria das Graças Martins da; VELOSO, Tereza Christina Mertens Aguiar.
Acesso nas políticas da educação superior: dimensões e indicadores em questão.
Revista Avaliação da Educação Superior, 2012. Prelo.

VELOSO, Tereza Christina Mertens Aguiar; SILVA; Maria das Graças Martins;
BERALDO; Tânia Maria. Expansão no ensino superior noturno em Mato Grosso: um
processo democrático? In: SILVA, Maria das Graças Martins da. (Org.). Políticas
educacionais: faces e interfaces da democratização. Cuiabá: Ed. UFMT, 2011. p. 39-
68.

VIEIRA, Evaldo. Democracia e política social. São Paulo: Cortez; Autores


Associados, 1992.

TONET, Ivo. Marxismo e democracia. In: BORGES, Liliam Faria Porto; MAZZUCO,
Neiva Gallina. (Org.). Democracia e políticas sociais na América Latina. São Paulo:
Xamã, 2009. p. 9-21.

Você também pode gostar