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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS
INTERDISCIPLINARES SOBRE MULHERES, GÊ NERO
E FEMINISMO

ELIZABETE RODRIGUES DA SILVA

AS MULHERES NO TRABALHO E O TRABALHO DAS


MULHERES: UM ESTUDO SOBRE AS MULHERES
FUMAGEIRAS DO RECÔNCAVO BAIANO

SALVADOR – BAHIA
2011
ELIZABETE RODRIGUES DA SILVA

AS MULHERES NO TRABALHO E O TRABALHO DAS


MULHERES: UM ESTUDO SOBRE AS
TRABALHADORAS FUMAGEIRAS DO RECÔNCAVO
BAIANO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e
Feminismo, da Universidade Federal da Bahia como
requisito parcial para obtenção do título de Doutora.

Ori entadora: Profª Drª Lina Maria Bran dão de Aras

SALVADOR – BAHIA
2011
Silva, Elizab et e R odr igu es da
S586 As mu lher es no tr abalho e o tr abalho das mu lher es : u m estu do s obr e
as mu lher es fu ma geir as do R ecônca vo baia no / Elizab et e Rodr igu es da
Silva . – Salvador , 2011.
251 f.: il.
Or ienta dor a: Pr ofª. Dr ª. Lina Mar ia Brandão de Ar as
T es e ( dout or a do) – Univer sida de F eder a l da Bahia, Faculdade de
Filos of ia e Ciências Hu ma nas, Núcleo de Est udos I nt er dis cip linar es s obr e
Mulher es, G êner o e F eminis mo 2011.

1. Mulher es – Ba hia. 2. Relaçã o Homem- Mulher . 3. Mulher es –


T rabalho. 4. Memór ia hist ór ica – Bahia. I. Ar as, Lina Mar ia Br andão de.
II. Univer s ida de F eder a l da Ba hia, Faculda de de Filos of ia e C iências
Hu ma nas, Núcleo de Estu dos I nt er discip linar es sobr e Mu lher es, G êner o e
Feminis mo. I II. T ítulo.

CDD – 305.4
TERMO DE APROVAÇÃO

ELIZABETE RODRIGUES DA SILVA

AS MULHERES NO TRABALHO E O TRABALHO DAS


MULHERES: UM ESTUDO SOBRE AS
TRABALHADORAS FUMAGEIRAS DO RECÔNCAVO
BAIANO

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos


Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, da Faculdade
de Filosofia e Ciências Huma nas/Universidade Federal da Bahia –
UFBA, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora.

Aprovada por:

_____________________________________________
Profª. Dr.ª Lina Mari a Brandão de Aras (Orientadora)
Doutora em Hist ór ia pela Universidade de São Paulo, 1995
Professora do Depart ament o de Hist ória e do PPGNEIM/FFCH/ UFBA

___________________________________________
Profª. Dr.ª Ana Ali ce Al cântara Costa
Doutora em Socio logia Po lít ica pela Universidade Nacional Autônoma de
México – 1996
Professora do Depart ament o de Ciência P olít ica e do PPGNEIM/FFCH/UFBA

_____________________________________________
Profª. Dr.ªIn aiá Maria Morei ra de Carval ho
Doutora em Socio logia pela Universidade de São Paul o – 1986
Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciê ncias Sociais da UFBA

____________________________________________
Profº. Dr.º Raim undo Nonato Pereira Morei ra
Doutor em Hist ória pela Uni versi dade de Estadual de Campinas – 2007
Professor Adjunt o da Universidade do Estado da Bahia - UNEB

____________________________________________
Profº. Dr.º Vitor de Athayde Couto
Doutor em Est udos Rurais I nt egrados pela Universidade de Toulouse - França
Professor de Econo mia da Univers idade Federal da Bahia - UFBA

Salvador, 25 de março de 2011


À m em ór i a da ch a r ut eir a que m e i n spi r ou, m e
m ot i vou e m e a m ou e que, p or m ui t os a nos
sust en t ou sua pr ol e e r essi gn i fi c ou sua vi da
fa z en do ch ar ut os: m i nha am a da m ã e, B e ne dita
Rodr i gue s da Si l va .

Ao m eu i n esque cí vel irmão De r ni val (in


me mori am) que i n ve st i u em m eus e st udos de sde a
m inh a t enr a i da de e que son h a va em m e v er
“ for m a da” . Nã o deu t em po l h e a pr esen t ar os fr ut os
do s eu n obr e e s for ço, t ud o que p oss o fa z er a gor a é
dedi ca r -l h e est e t ra ba l h o.
AGRADECIMENTOS

A t rajet ória de uma pesquisa acadêmica é co mpost a por fases que nos
per mit em percorrer vár ios caminhos e envo lver diversas pessoas que, dir et a
ou indir et ament e, cont ribuem co m a sua feit ura, co mpart ilhando conosco
t rabalho, ideias e sent iment os. Ao fina l, faz -se necessár io regist rar os no mes
de a lgumas dessas pessoas, inclu indo também as inst it uições, co mo uma
for ma de agradeciment o. Cont udo, a essência dos meus agradeciment os não
cabe e não est á expressa, apenas, em u m conjunt o de palavr as que se segue,
mas se revela int ensament e na co mplexa subj et ividade do meu ser,
t raduzindo -se numa imensurável grat idão por cada pessoa e inst it uição que
fez e faz part e dessa minha exper iência hist órica.
Agr adeço, co m imenso apreço, à minha orient adora, Profª. Dr.ª Lina
Mar ia Brandão de Aras, pelo respeit o co m q ue t ratou o processo de
orient ação, principalment e, co mpreendendo os limit es que separam nossas
concepções, desde as quest ões t eórico - met odológicas à co nst rução do objet o
de pesquisa. Agradeço - lhe, pela co mpreensão num dos mo ment os mais
difíceis de minha v ida em que não pude corresponder às exigências da
orient ação e que, mesmo assim, na grandeza de sua humanidade, me ajudou a
reco meçar co mo se ajuda a alguém dá os pr imeiros passos. Uma mulher que,
ao viver as dores do part o, dar à luz sob a mão de uma boa part eir a, jamais a
esquecer á, ass im é co mo eu me sint o diant e dest a orient adora.
Agr adeço ao Programa de Pós -Graduação em Estudos
Interdi scip linares sob re Mulheres Gênero e Femini smo , pelo aco lhiment o e
pela dignidade do t rat ament o que t em me dispensado em t odos esses anos de
convivência acadêmica. Agradeço, em especial, às pro fessoras Cecí li a
Sard enberg, que na sua mat ur idade t eórica me for neceu as bases das t eor ias
feminist as; Iracema B randão, que a part ir das discussões sobr e gênero e
t rabalho me despert ou para important es leit uras que levaram ao
aprofundament o do t ema; Si lvia Lúcia Ferrei ra, sempr e dispo nível, gent il e
responsável co m as so licit ações das alunas e os encaminha ment os do
Programa, quando est eve na coordenação do mesmo ; e, Ana Alice Alcânt ara
Costa, na sua not áve l respo nsabilidade no desempenho de suas funções
acadêmicas, me co nduziu co m co mpet ência didát ica à reflexão do gênero e m
relação à hist ór ia e do gênero em relação ao poder, bem co mo de for ma
inversa; na Coordenação do Programa, es t a professora, tratou da minha “vida
acadêmica” co m t ot al isenção, porém, com a humanidade que lhe é peculiar.
Obr igada!
Agr adeço, mais uma vez, à Facu ld ade de Fi losofia e Ciên cias
Humanas – FFCH da Universid ade Fed eral da Bahia – UFBA, por t er me
aco lhido e por fazer part e do seu corpo discent e.
Agr adeço à Secretari a da Educação do Estado da Bahia , pela
concessão do meu afast ament o para realização do curso e ao Colégi o
Estadual Professor Edgard Santos , o nde faço part e do corpo docent e, pelo
apo io e compr eensão nesses dias, t ão difíceis, dedicados à finalização do
t ext o.
Agr adeço a Facu ld ade Maria Mi lza – FAMAM, pelo apo io
inco ndic io nal, possibilit ando flexibilizar a minha dispo nibilidade no t rabalho
e, sobret udo, invest indo na organização do acervo documen t al das empr esas
fumageiras, bem co mo, per mit indo de forma irrest r it a o acesso à est e acer vo,
que muit o cont ribuiu para est a pesquisa.
Agr adeço às mu lheres fu magei ras que ofereceram suas hist órias para
co mpor est e t ext o e, assim, cont r ibuir par a a análise e r eflexão da sit uação de
out ras mulher es, t ant o nos espaços de t rabalho co mo na vida pr ivada. At ravés
de suas hist órias, t ambém, pude escrever e ent ender a hist ória de minha mãe
e, por consequência, me faço present e nest a(s) hist ór ia( s). Um dos encont ros
mais import ant es da minha vida.
Agr adeço às amigas e amigos que me apo iaram, incent ivaram,
for neceram mat er iais e acred it aram em minha proposição. Obr igada a t odas e
todos!
Andréa Jaquei ra, co mpanheira da mesma causa e lut a – nossas t eses.
Ana Maria Carvalho, pro fessora e amiga sempre dispo nível para a lut a.
Divani se Vi eira, da reflexão filo só fica às lições de vida – uma amiga.
Fabrício Amorim, pelas let radas co nt r ibuições.
Hamilton Rodrigues, amigo de “fé”, ir mão camarada.
Iole Vani n, sempre preocupada e dispost a a ajudar: “a t ese, co mo vai?”.
Ligia Santana, sua amizade é um grande present e nest e mo ment o.
Luzia Ferrei ra, em busca da mesma hist ória, co mpart ilh a precio sidades.
Maria de Fátima, brava co mpanheira! Sut ilment e fez grandes co isas.
Mariana Brandão, seu abr aço é abr aço de mãe, dá apo io e segurança.
Marlene Vasconcelos me o fert ou as pérolas da caminhada acadêmica.
Nádia Santana, co mpanheira de t rabalho sempre at encio sa.
Silmári a Brandão, mulher guerreir a, leal, sempre dispost a a me apo iar.
Valdecira Aragão, amiga de out ras hist órias, mas sempre present e.
Valdicinéa Aragão , nossas conversas quebram a minha mo notonia.

Agr adeço à minha famí li a, meu po nt o de part ida e de chegada. Aliás ,


meu porto seguro. A família é par a mim a comu nidade mais r est r it a em que
vivo diar iament e, aprendendo e part ilhando “o saber viver ”. É o lugar onde a
art iculação ent re o exercício do poder e do amor se faz possível, alé m de
ocorrer ao mesmo t empo. A cult ura é incr ível! É nest a minha família que
exper iment o mais de pert o o t ecido das relações de gênero e com cert a
perspicácia exercit o, de maneira inc ipient e, os pr incíp ios que regem o
feminis mo – aut ono mia, emancipação e liberdade. A lut a é árdua, po is não é
cont ra as pessoas, mas co nt ra o “modelo ” est r ut urado, por isso, acredit a - se
que, do out ro lado, as pessoas (os ho mens) t ambé m so frem.
Meu co mpanheiro, Raimundo, pessoa pacient e e co mpreensiva , se mpre
na vanguarda do cot idiano, dispost o a ajudar para que t udo ocorra bem em
minha vida. Minhas fi lhas, meu fi lho, neto e neta – t ambém “uma quest ão de
gênero”. Co mo mãe, é muit o difícil explicar o sent iment o que t enho por cada
um de vocês. Tudo pela felic idade de vocês. Nery, Day e Nina, as mais
import ant es mulheres de minha vida, que t udo fazem para que eu realize meus
ideais, desejo e lut o para que vocês se emancipem da pr isão do gênero. Dene,
suas aulas de filoso fia, sem dúvidas, me levam à reflexão sobre o mundo e o
ser humano, mas é a ad mir ação que t enho por você e a alegr ia de vê - lo se
apropr iando, co m t ant a mat ur idade, dos saberes das ciências e de sua própr ia
vida que me fazem melhor. Vinícius e Alice chegaram para iluminar o meu
ser que se enco nt rava so mbr io e, verdadeir ament e, me dera m forças par a
cont inuar. Be ijos da vo vó.
Agr adeço às Deu sas e os Deuses da minha vida pela vida.
Cada ser humano é a história de suas
relações sociais. Deste ângulo, a pessoa é
entendida como um ser relacional e histórico.
SAFFIOTI, 1992

Cada um sabe a dor


E a delícia
De ser o que é...
CAE T ANO VE LOSO
RESUMO
O present e t ema de pesquisa “ As mu lheres no t rabalho e o t rabalho das
mu lheres: u m estudo sob re as t rabalh adoras fu magei ras do Recôn cavo
Baiano” objet ivou est udar, no âmbit o da hist ór ia, a presença das mulheres
t rabalhadoras no cont ext o indust r ial fumageiro do Recôncavo baiano, no
per íodo que circunscreve a pr imeir a met ade do século XX, abarcando desde a
inst alação, o auge econô mico dessa indúst ria at é o início do agravament o da
cr ise fumageira na região. Trat a -se de uma presença que não é apenas
numér ica, mas que carrega as exper iências vividas no t rabalho, bem co mo,
out ros cont eúdos e prát icas engendradas social e cult ura lment e em seu t empo.
Est a presença se expressa nas relações t ecidas no âmbit o do t rabalho,
denuncia a/uma nat ureza desse t rabalho que se organizou a part ir da “divisão
sexual do trabalho”, t ant o no âmbit o dos est abeleciment os fabr is quant o no
t rabalho a do micílio, sob os fundament os das relações sociais pat riarcais e
que aqui foram co mpreendidas a part ir de um “o lhar ” feminist a respaldado na
abordagem hist ór ica e po lít ica de Palmer o, Dahlerup e Cost a. Fo i, port anto,
um exercíc io que exigiu pensar o t ema a part ir da per spect iva das própr ias
mulheres quando revisit avam suas memórias. É a part ir da concepçã o de
memór ia em Le Go ff e Halbwachs que é possíve l ent ender que a hist ór ia
vivida e lembr ada pelas pessoas deve ser co mpreendida co mo algo vivo
socialment e, “co m sent ido”. Para adent rar a est e campo, recorreu -se à fo nt e
oral, bem co mo, à leit ura dos docume nt os impressos, a part ir de uma
perspect iva feminist a co m base na Epist emo logia Standpoint elaborada por
Nancy Har st ock e Sandra Harding. P art indo das exper iênc ias co muns das
t rabalhadoras, Tho mpso n ofereceu a compreensão de que elas devem ser
reconhecidas co mo um fenô meno co nst ruído hist or icament e no grupo. Mas, ao
conceber que as exper iências são gendradas buscou -se em Scott a noção de
gênero como base par a rejeit ar o det erminis mo bio lógico e realçar o carát er
relacio nal das definições de feminino - masculino, além de co mpreender o
significado e a nat ureza da opressão das mulheres t rabalhadoras. Para fazer a
leit ura da resist ência empr eendida pelas t rabalhadoras cont ra a opressão e a
exploração so fr idas, baseou -se na concepção de poder em Foucault , ao
ent ender que os indivíduos nunca são o alvo inert e ou consent ido do poder,
são sempr e cent ros de t ransmissão, possibilit ando co mpreender a at uação das
t rabalhadoras. Das fo nt es escr it as examinadas, dest acam -se as “Fichas de
Regist ro de E mpregados” das fábr icas de charut os Suerdieck e C. P iment el e
uma sér ie de imagens e document os avulsos dispost os na FAMAM, APEB,
Arquivo Público de São Félix e nos acer vos part iculares e pessoais, a exemplo
dos Memor iais Anuais das Ir mãs da Sant a Cruz e das Cart eiras de Trabalho e
fot ografias cedidas, na maior ia, por seus familiares. Os caminho s percorr idos
part ir am dos mais int angíveis e subjet ivos para reco nst ruir a sit uação
hist ór ica e a vida das mulheres fumageiras do Recôncavo Baiano,
ident ificando suas est rat égias de sobrev ivência e de resist ência para vencer as
necess idades mat er iais, a exploração no/ do t rabalho, a discr iminação sexual
regada de opressão, assim co mo a invis ibilidade social, e t ent ar romper co m a
clausura da infer ior idade a que eram submet idas na sit uação de mu lheres
naquela região.
Palavras chave: Mulheres; relações de gênero; re lações de t rabalho ;
memór ia; Bahia.
ABSTRACT

The present research, Women at work and work of women: a study on tobacco
women producers f rom R ecôncavo Bai ano , had t he proposal t o st udy, in t he
hist or ical field, t he presence o f wo men workers in t he indust rial co nt ext o f
tobacco in Recôncavo Baiano, in t he fir st half o f t he 20t h Cent ur y, per io d
which invo lves t he inst allat io n, t he economic culminat ion and t he beginning
of t he cr is is aggravat io n of t he t obacco in t he regio n. This is not simply a
numer ic presence, because it br ings lived exper iences, as well as ot her s
subject s and pract ices which wer e developed social and cult urally in t he ir
proper t ime. T his presence is expr essed in t h e relat ions fr amed in t he work
ambit . It also denounces a nat ure o f t his work, which was organized o n t he
basis o n t he sexual divis io n o f t he labor, as much in t he heavy indust r y as in
t he do mic iliar y work, under t he social basis o f pat r iarchal relat io ns, which is
co mprehended here t hrough a feminist point o f view, based o n t he hist or ical
and po lit ical approach by Palmero, Dahlerup and Cost a. Therefore, it was a n
exercise t hat requires t he consider at ion of t he subject t hrough t he wo men i n
t heir proper persp ect ive, when t hey revis it ed t heir me mor ies. Based o n t he Le
Goff and Halbwachs conception of memory, it is possible to understand that the history
lived and remembered by people must be comprehended as something socially alive, which
has a meaning. To enter this field, it was necessary to use oral data, as well as printed
documents, through a female perspective based on Standpoint epist emo log y,
elaborat ed by Nancy Harst ock and Sandra Harding. Consider ing t he co mmo n
working wo men exper iences, Tho mpson provid ed t he co mprehensio n
according to which t hey should be recognized as a pheno menon hist or ica ll y
built in t he group. However, when t he exper iences ar e hist orically built , it is
necessar y t o seek t he not ion o f gender in Scott as a basis t o reject t he
bio logic al det er minis m and t o reinforce t he relat io nal charact er of t he fema le -
masculine definit io n, beyo nd t o comprehend t he meaning and t he nat ure of
working wo men oppress io n. To read t he working wo men resist ance against
t he oppressio n and explo it at ion, t his r es earch relies on t he power concept ion
by Foucault , when he proposes t hat people do not ever represent an inert and
passive t arget of power, but cent er of t ransmissio n, providing t he
co mprehensio n o f working wo men act io ns. Fro m t he wr it t en dat a, t he
fo llo wing document s highlight : regist rat ion card o f emplo yees fro m Suerdieck
and C. P iment el cigar fact ories and an amo unt of images and sundr y
document s available at FAMAM, APEB, São Félix Public Archive and in
pr ivat e and perso nal invent ory, such as Annual Me mor ials o f t he S ant a Cruz
S ist ers and Work Cards and phot ographs given, mo st o f t he t ime, by t heir
relat ives. T he most u nachievable and subject ive pat hs were t aken in t his
resear ch t o restore t he hist orical sit uat ion and lives o f tobacco wo me n
producers fro m Recô ncavo Baiano , ident ifying t heir sur viving and resist ance
st rat egies t o overco me mat er ial necessit ies, t he explo it at ion in/o f t he labor,
t he sexual d iscr iminat ion operat ed by oppressio n, as well t he socia l
invis ibilit y and t r y t o be free fro m t he infer ior it y enclo sure which t hey were
submit t ed because of t heir fema le condit ion in t hat regio n.
K ey words: wo men; gender relat io ns; labor relat io ns; memor y; Bahia.
LISTA DE FIGURAS
FIG URA 1 Baia de Todos os Sant os (Bahia - Brasil) 43
FIG URA 2 Baía de Todos os Sant os (Bahia - Brasil) 44
FIG URA 3 Recô ncavo da Bahia 45
FIG URA 4 Recô ncavo da Bahia 46
FIG URA 5 Fo lha de Fumo Seca 55
FIGURA 6 Os Campos de Fumo de Cachoeir a 58
FIGURA 7 Pr imeira Fábr ica de Charut os em Marago jipe - 1905 81
FIG URA 8 Ficha de Regist ro de Empregado da Suerdieck - Marago jipe 84
FIG URA 9 Ficha de Regist ro de Empregado da Suerdieck - Marago jipe 85
FIG URA 10 Fábr ica de Charut os Suerdieck em Maragojipe - 1921 87
FIG URA 11 Fábr ica de Charut os Suerdieck em Maragojipe - 1921 87
FIG URA 12 Fábr ica de Char ut os Suerdieck em Cruz das Almas - 1935 89
FIG URA 1 3 Fábr ica de Charut os Suerdieck em Cachoeira - 1936 89
FIG URA 1 4 Fotografia de D. Alzira 107
FIG URA 1 5 Fotografia de D. Benedit a 109
FIG URA 1 6 Fotografia de D. Joana 111
FIG URA 1 7 Fotografia de D. Cel ina 112
FIG URA 1 8 Fotografia de D. Dalva 113
FIG URA 1 9 Fotografia de D. Isaura 115
FIG URA 20 Fotografia de D. Laurent ina 116
FIG URA 21 Fotografia de D. Raimunda 118
FIG URA 22 Fotografia de D. Rode Schinke 119
FIG URA 23 Fotografia de S. Sebast ião 120
FIG URA 24 Mulher es esco lhendo fumo no Ar mazém Alt ino da Fo nseca 136
FIG URA 25 Fardos de Manocas de Fumo 138
FIG URA 26 Mulher es selecio nando Fo lhas de Fumo no Ar mazém 139
FIG URA 27 Mulher es confeccio nando charut os na Cooperat iva 141
FIG URA 28 Mulher pa ssando charut os na Fábr ica Dannemann 142
FIG URA 29 Seção de charutaria de uma fábrica de charutos do Recôncavo 173
FIG URA 30 Seção de Caixa de uma fábrica de charutos do Recôncavo 173
FIG URA 31 Ficha de Regist ro de Empregado da Fábr ic a C. P iment el 215
FIG URA 32 Fotografia de S. Maninho e D. Iaiá 218
FIG URA 33 Confecção de Charutos na COOVALE 220
LISTA DE TABELAS

T ABE LA 1 Funcio nár io s da Fábr ica Suerdieck (Mar agojipe – 1906) 82


T ABE LA 2 Funcio nár io s da Fábr ica Suerdieck (Mar agojipe – 1906) 83
T ABE LA 3 Quadro da Administ ração Diret a de A. Suerdieck 86
T ABE LA 4 At endiment o no Ambulat ór io da Fábr ica Suerdieck 94
T ABE LA 5 Grau de Inst rução – Mulheres 103
T ABE LA 6 Grau de Inst rução – Homens 103
T ABE LA 7 Est ado Civil – Mulher es 104
T ABE LA 8 Est ado Civil – Ho mens 104
T ABE LA 9 Tot al de Trabalhadoras(es) – 1906-1998 128
T ABE LA 10 Tot al de Trabalhadoras(es) – 1906-1959 128
T ABE LA 11 Regist ro das Funções da Fábr ica C. P iment el e m Mur it iba 209

LISTA DE QUADROS
Q UAD RO 1 E mpresas Fu mageir as e Agr egad as 75
Q UAD RO 2 Acio nist as da Suerdieck S./ A. 92
Q UAD RO 3 Acio nist as da Suerdieck S./ A. 92
Q UAD RO 4 Est rangeiros ligados ao Grupo Suerdieck 122
Q UAD RO 5 Funções Exercidas por Mulheres 133
Q UAD RO 6 Funções Exercidas por Homens 133
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13
1 REDESENHANDO O CENÁRIO DO TRABALHO E DAS TRABALHADORAS
42
FUMAGEIRAS
1.1 POR ONDE ANDOU O FUMO 52
1.2 A PEQUENA “LAVOURA DOS POBRES” 66
1.3 A GRANDE MANUFATURA DOS RICOS 73

2 AS MULHERES FUMAGEIRAS E SUAS HERANÇAS


97
SOCIOCULTURAIS
2.1 TRAÇOS ÉTNICOS DA POPULAÇÕ DO RECÔNCAVO 97
2.2 OUTRAS HERANÇAS 101
2.3 EM NOME DE TODAS AS TRABALHADORAS 106

3 AS MULHERES FUMAGEIRAS E SEUS LUGARES NO TRABALHO


124
FABRIL
3.1 QUANTAS SOMOS? 124
3.2 A SEXUALIZAÇÃO DAS TAREFAS 130
3.3 O STATUS SOCIAL DAS TRABALHADORAS 144

4 A RESIS TÊNCIA INVENTIVA DAS TRABALHADO RAS


154
FUMAGEIRAS
4.1 RELAÇÕES SOCI AIS P ATRI ARCAIS 155
4.2 ORGANIZAR PARA IMOBILIZAR 168
4.3 CAMPO DE FORÇAS 177

5 TRABALHO INVISÍVEL: O TRABALHO EM DOMICÍLI O DAS


200
MULHERES FUMAGEIRAS
5.1 TRABALHO EM DOMI CÍLIO: OUTRA EXPERIÊNCI A DAS
FUMAGEIRAS 210

5.2 O TEMPO, O ESP AÇO E O S EXO DO TRABALHO EM


222
DOMICÍ LIO

CONSIDERAÇÕES FINAIS 231


REFERÊNCIAS 241
FONTES 249
14

INTRODUÇÃO

A hi st óri a é a som a de t odas a s hi st óri as


possí v e i s: um a c ol e ç ão de ofí c i os e de
pont os de v i st as de ont e m , de hoje e de
am anhã.
BRA UDE L, 1992 .

A di v e rsi dade de ol hare s e de post uras,


c e rt am e nte e nri que c e nossos di sc urso s
c rí t i c os sobre a soc i e dade e a ci ê nc i a.
SARDE N BE RG, 2002.

“As mulheres no t rabalho e o t rabalho das mulheres: um est udo sobre as


t rabalhadoras fumageiras do Recôncavo B aiano ”, 1 circunscreve-se na pr ime ir a
met ade do século XX, per íodo que abarca desde a inst alação, o
desenvo lviment o e auge at é o início do agravament o da cr ise da indúst r ia
fumageira na região. Esse co nt ext o, t ambém, demarca a t rajet ória de vida das
mulheres fumageiras enquant o t rabalha doras, que buscaram nest e cenár io
so cioeconô mico a sobrevivência mat er ial e a visibilidade social, fat os que
evidenciavam e, ao mesmo t empo, t ransgredia m a nor ma pat r iarcal que
per meava as relações sociais de gênero naquele t empo e espaço.
Cons iderando que se t rat a de um per íodo de relat iva s mudanças
econô micas e sociais para a região, objet ivo u -se examinar, hist or icament e, a
presença das mulheres no cont ext o da indúst r ia fumageira do Recôncavo
Baiano. Est a presença, que não é apenas numér ica, mas que carrega as

1
A expr essã o “m ul h er es fum a gei r a s” a qui uti l iz a da ba sei a -se n a i den ti da de de gên er o,
que, por sua vez , é c om p ost a e a o m esm o t em po di fer en ci a da por i dent i da des soci a i s e
pol í t i ca s. (SCOT T , 1997). Ma s , sobr et udo, per pa ssa da por um a con str uçã o h i st ór i ca da s
di fer en ça s e um con t ext o h i st ór i co esp ecí fi c o, r evel a dor da exper i ên ci a dessa s m ul h er es.
14

exper iências 2 vividas no t rabalho, bem co mo, out ros cont eúdos e prát icas
engendr adas social e cult uralment e em seu t empo. Est a presença que se
expressa nas relações t ecidas no âmbit o do t rabalho, denuncia a/uma nat ureza
desse t rabalho que, por sua vez, se organizou a part ir da divisão sexual do
t rabalho. Trat a-se, port ant o, de um exercício que exige pensar o t rabalho das
mulheres fumageiras a part ir da per spect iva das mulheres.
Ao discut ir sobr e as mulheres no t rabalho e o t rabalho das mu lheres, no
caso das fumageiras do Recô ncavo, nã o é considerável pensar que se t rat a de
um “t rabalho feminino”, 3 mas pensar a relação e a dist ância –
hier arquicament e post as – que há ent re as t rabalhadoras e os t rabalhadores.
Pensar, t ambém, que as diferenças ent re os sexos, no ca mpo do t rabalho, ao
mesmo t empo em que são negadas são exploradas, aliás, a pr imeira sit uação é
que sust ent a a segunda. ( KARTCHEVS KY, Andrée, 1986, p. 10).
Ser mulher e ser ho mem não é a mesma co isa, t ant o no meio familiar,
quant o na sociedade e, em co nseqüência, a difer ença se faz ainda mais visível
e r igorosa no int er ior de uma fábr ica. Saffiot i, ao analisar o conceit o de
gênero em Scott , obser va que “uma vez que as exper iências adquir em u m
co lor ido de gênero, como aliás ocorre com a c lasse e a et nia t ambém, a vida
não é vivid a da mesma for ma por ho mens e mulher es”. (S AFFI OTI, 1992, p.
199).
E m ambo s os casos, é preciso co mpreender as det er minações cult urais e
sociais e co mo est as influencia m nas represent ações sociais que ho mens e
mulheres co nst roem de si e do out ro. Bruschin i (2007) afir ma que “o lugar
que a mu lher ocupa na sociedade, t ambém, est á det er minado por seu papel na
família”, mas deve- se consider ar que, em out ros t empos, as diferenças ent re
ser um e out ro, cert ament e, eram muit o mais vis íve is e ext remas, assim,
ent ende-se que essa posição é det er minada hist or icament e. Seguindo essa
análise, é possível salient ar que a divisão sexual do t rabalho, em específico
na indúst r ia fumageir a est ava apo iada na subordinação da mulher no espaço
pr ivado e nas assimet r ias ent re os s exos const ruídas socialment e.
2
O termo “experiência” baseia-se na concepção de E. P. Thompson (1987), entendido como o conteúdo de
classe, já que se trata da experiência histórica do trabalhador, aquela que o autor afirma ser “determinada, em
grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente”. (E.
P. THOMPSON, 1987, p.10).
3
A expressão “trabalho feminino” transmite a ideia estereotipada de que há trabalho de homem e trabalho de
mulher, determinado de forma natural.
15

Nos espaços de t raba lho essas det er minações foram e, de cert a for ma,
ainda são t ão visíveis que os espaços fís icos, as funções e as concepções de
t rabalho e de va lor do t rabalho, desde a concepção à execução do t rabalho ,
foram e podem ser organizados pelo cr it ér io da d ivisão sexual do t rabalho 4 o
que per mit e co ncordar com out rem que “o t rabalho t ambém t em sexo”.
Ser fumageira é diferent e de ser fu mageir o, aliás, sequer encont ra -se na
document ação examinada o t ermo fumageiro. To da a t rajet ória de t rabalho e
de vida das t rabalhadoras fu mageir as se fez diferent ement e das t rajet órias dos
t rabalhadores dest e mesmo set or. Da organização dos espaços, de todo o
processo de beneficiament o dos fumo s à confecç ão de charut os simples, be m
co mo os de pr ime ir a linha, considerados nobr es, t udo era planejado e
organizado a part ir da o fert a da mão de obra masculina e feminina. Não se
t rat a, apenas, do vo lume quant it at ivo dessa ofert a, mas de suas caract er íst icas
no que diz respeit o ao gênero, pois eram adot adas t arefas masculinas e
femininas, co m graus de import ância diferenciados, a serem ocupadas pelo
cont ingent e daquela mão de obra.
Publicada em 1991, a co let ânea de escr itos de E lizabet h Souza -Lobo
cent rada na socio logia do t rabalho, enfat iza a divisão sexual do t rabalho a
part ir de um percur so t eórico - met odológico que cont empla a t emát ica das
relações de gênero como prát icas sociais, s imbó licas e po lít icas que são
influenciadas por sit uações e cont ext os dist int os e het erogêneos. Nest a
perspect iva, ao fazer a cr ít ica à socio logia quant o às relações de gênero na
esfera do t rabalho, est a aut ora t raz à baila a quest ão da rest r ição do modelo
conceit ual de t rabalho à imagem masculina e problemat iza as assimet r ias de
gênero nos mecanismo s de co nt role e de submissão na esfera do t rabalho.
Out ro conjunt o de t ext os – “O sexo do t rabalho ”, organizado por André
Kart chevsky- Bulport em 1986 – r esult ado de pesquisas feit as na It ália e no
Brasil, ass im sociedades e cult ur as diferent es, alé m de art icular espaços e
t empos das t rajet órias fe mininas, obser vo u co mo est a art iculação impr ime no
t rabalho o sexo feminino em oposição ao masculino. Dest a for ma, o conjunt o
de t ext os visa most rar de que for ma a abo rdagem da divisão social do t rabalho

4
A discussão sobre a divisão sexual do trabalho, esta que foi a primeira forma de divisão do trabalho, encontra
seus fundamentos históricos na teoria de F. Engels, não cabendo, portanto, aqui deslindar agora sobre sua
gênese.
16

em t er mos de r elações de classe e ent re os sexos per mit e aplicar,


concret ament e, uma co nceit ualização ampla de t rabalho, at ravés da rest it uição
da realidade viva do t rabalho so b t odas as suas for mas, mas que se resume e m
“pensar a classe operár ia no feminino”.
Assim, são est as as perspect ivas das abordagens que, por cert o, mais
at ender am e fundament aram a quest ão da divisão sexual do trabalho no
âmbit o da indúst r ia fumageir a no Recô ncavo, mas consider ando as difer ent es
conjunt uras.
A discussão sobre o t ema cent rou -se em ident ific ar e inscrever na
hist ór ia as mulher es fumageiras do Recôncavo, pr incipalment e at ravés de suas
próprias falas, por ent ender que, quando cada mulher est á falando de suas
exper iências e de suas vidas est á edit ando sua hist ór ia e a do grupo em que
est eve inser ida, reflet indo sobre a sua posição no mundo co mo t rabalhadora e
co mo mulher, além de represent ar uma possíve l for ma de fazer e refazer a sua
vida.
No ato e no lapso de fazer da me mór ia a sua própr ia hist ór ia, as falas
dessas mulher es per mit iram organiza r uma lógica de reconst rução das
memór ias das t rabalhadoras fumageiras do Recôncavo , a part ir do viés das
relações sociais de gênero que co nst it uíam as relações de t rabalho no âmbit o
da fábr ica e da casa. No ent ant o, esse percurso fo i mat izado pelo “o lhar ”
feminist a co nsiderando a int er secção de gênero, classe e raça, par a aquele
t empo e espaço. 5
Para ut ilizar gênero como cat egoria analít ica ao est udar as mulheres
fumageiras co mo um grupo oprimido da hist ór ia, buscou -se ent ão no t ext o da
hist or iadora nort e-amer icana Joan W. S cott a noção de gênero ou de relações
de gênero, como base para rejeit ar o det er minis mo bio lógico e r ealçar o
carát er relacio nal das definições de feminino - masculino e, pr incipalment e,
para co mpreender o significado e a nat ureza da opre ssão das mulher es
t rabalhadoras frent e aos demais t rabalhadores.
Scott, inspirada pelas reflexões de Foucault e Derr ida, propõe, além d a
mudança de per spect iva t eórica no uso da cat egoria gênero, uma no va for ma

5
É nesta perspectiva que este trabalho avança em relação à dissertação de mestrado, esta que discutiu a atividade
de fazer charutos no Recôncavo Baiano como uma ocupação eminentemente feminina, descrevendo o cotidiano
das mulheres dentro e fora das fábricas de charutos. (SILVA, Elizabete R. da. Fazer charutos: uma atividade
feminina. (Dissertação de Mestrado). FFCH/UFBA. Salvador: 2001).
17

de fazer hist ór ia, que implicar ia em abando nar a busca pelas or igens dos
fenô menos; reco nhecer a co mplexidade dos processos hist óricos a part ir da
int errelação dos element os e não do iso ladament e; discut ir co mo se sucederam
os fenô menos, descobr indo os seus porquês; ver ificar as ligações ent re o
sujeit o e a organização social na busca dos significados; e co mpreender que o
poder não se enco nt ra cent ralizado , apenas, no seio das organizações po lít icas
e sociais. A aut ora sugere a busca const ant e pela hist or icização e
desco nst rução dos t ermos que proc uram deno minar a diferença sexual.
Soctt resume a definição de gênero como um element o const it ut ivo das
relações sociais baseadas nas difer enças que dist inguem os sexos sendo,
pr incipalment e, u ma for ma pr imár ia de relações significant es de poder
present e e m t odas as dimensões da vida social. Por fim, e la chama a at enção
para a hist or icidade das int erpret ações, mesmo as elaboradas pela ciência,
pois est a é, apenas, uma for ma de explicar os fenô menos, não é, pois, a única
maneira de apreensão e co mpreensão do mundo. (SCOTT, 1991).
O modo de pensar e co nst ruir o co nheciment o vai alé m das esco lhas
polit izadas, exige t ambém posições t eórico -met odológicas que per mit am u m
ângulo de visão correspondent e co m a pr opost a. É aí que res ide o desafio das
feminist as. O que é prudent e e seguro, na alt ura das discussões, so bre a for ma
co mo o conheciment o deve se const it uir é não adot ar um mo delo t eórico
t radicio nal, baseado na razão iluminist a que se respalda na neut ralidade e na
objet ividade co mo pressupost os r ígidos na cons t rução do saber, além de
eleger o ho me m co mo represent ant e de uma humanidade, pret endendo -se
universal.
E m t er mos epist êmicos nos pergunt amos: o que se aplica às mulheres e
às r elações de gênero? Considerando que “o conheciment o não é apenas u m
conjunt o de argument os, mas t ambém um reflexo de int er esses” ( FARGANIS,
p. 227), fo i possível fazer esco lhas dos inst rument os t eórico - met odológicos
que pudessem mo ver nosso campo de visão e nos posicio nar mo s
epist emo logicament e na const rução do objet o.
Uma das asser t ivas epist e mo lógicas fe minist as que o ferece maior
flexibilidade, t ant o para mover o campo de visão na esco lha do objet o como
para ampliar o leque dos inst rument os met odológicos, é a Epist emo logia
Feminist a Perspect ivist a ou do Standpoint, uma est rat égia epist emo lóg ica
18

feminist a elaborada, dent re out ras, por Nancy Harst ock e Sandra Harding, que
defendem um saber fundament ado no pont o de vist a das mulheres. É o
“conheciment o sit uado, ist o é, o conheciment o reflet e a perspect iva ou a
‘posicio nalidade’ dos sujeit os cognoscent es, sendo gênero um dos fat ores
det er minant es na sua const it uição”. (SARDENBERG, 2002, p 98 -102).
O conheciment o sit uado, port ant o hist órico, podendo -se det er minar
t empo e espaço de sua ocorrência e o cont ext o sociocult ural de sua
const it uição. Também é gendrado, como t em most rado a cr ít ica feminist a
sobre o androcent r ismo na ciência. 6 Assim, o conheciment o é parcial e
corpor ificado, o que nos per mit iu mo ver , epist emo logicament e, o ângu lo de
visão para est udar aquelas/aqueles que est ão na ba se, que não t êm ou não
t iveram voz e que so freram ou ainda so frem algu m t ipo de opressão.
Reflet ir, nessa perspect iva, sobr e as exper iências e a vida das
t rabalhadoras fumageiras do Recô ncavo é fazer uma opção a part ir de uma
visão que se quer feminist a, posicio nando -se polít ica e epist emo logicament e,
para, não apenas, ident ificar as fo nt es de sua opressão/exploração, mas,
pr incipalment e, buscar desnat uralizar as desigualdades de gênero e de classe
que as co locavam, hierarquicament e e perversa ment e, em des vant agens aos
ho mens de sua época.
Nest e caminho, embor a quest ionando algumas abordagens que ho je
ent endemos co mo cont radit ór ias ou que não mais import ant es às quest ões
fundament ais do feminis mo, não podemo s perder de vist a os aspect os
posit ivos que alguma s delas ainda podem sust ent ar as nossas discussões.
Aspect os díspar es, por sua nat ureza t eór ico -met odológica, mas que podem ser
obser vados no que t ange à vida das t rabalhadoras fumage ir as. Olhares co mo o
das fe minist as liber ais, que explica m a subordinação feminina pe la via da
discr iminação sexual seguida da “socialização diferenciada” ; o das feminist as
socialist as, que afir mam que a pr imaz ia do problema se assent a na est rut ura
capit alist a de reprodução; e o das feminist as radicais, que t eoriza m
enfat izando que a det er minância maior encont ra -se na est rut ura pat riarcal de
reprodução.

6
Ver, dentre outras, HARDING, Sandra. 1996; SCHIENBINGER, Londa, 2001; BORDO, Susan, 2000.
19

Não se t rat a, pois, de uma t ent at iva de unificação das abordagens, ne m


de fazer uma mist ura inescrupulo sa, mas de perceber os aspect os inerent es e
relevant es para a discussão da s quest ões r elat ivas a sexo e classe, que
per meiam o cot idiano das mu lheres t rabalhadoras no cont ext o hist ór ico e
cult ural específico. Confor me Sardenber g (2002, p. 97), “a diver sidade de
olhares e de post uras, cert ament e enr iquece nossos discursos cr ít ico s sobre a
sociedade e a ciência”. Cont udo, o que mais import a é não produzir u m
conheciment o com os ranços do androcent rismo, ao cont rário, renegá- lo e
perceber o gênero como est rut urant e nas relações socia is.
A ló gica dest e raciocínio passa, necessar iame nt e, por uma out ra
concepção de co nheciment o e, pr incipalment e, das bases fundament ais que,
at é ent ão, t êm nort eado a sua const rução. Essa concepção se assent a na
perspect iva feminist a das relações de gênero e no campo da hist ór ia que
possibilit a visualizar novos o bjet os ou um no vo olhar sobre velho s o bjet os,
ut ilizar novas fo nt es e novas abordagens. (BURKE, 1992).
As epist emo logias feminist as, por sua vez, quest iona m o sujeit o único e
et erno, dando lugar ao sujeit o mar cado pelo gênero, port anto, hist órico ,
cult ural e social. (DANSI LIO, 2005). Nest e sent ido, os modos de conhecer
são diver sos e o conheciment o reflet e a percepção desses sujeit os em seus
cont ext os hist ór icos concret os.
Dent re as possíveis epist emo logias feminist as, a Epist emo logia
Perspect ivist a Feminist a se const it ui at ravés de um processo, t ant o de
desco nst rução dos pr incípio s iluminist as que fundament am os saberes
androcênt ricos, quant o na const rução de uma t eoria cr ít ica so bre o
conheciment o, bem co mo, aut oriza a const rução de saber es por mulher es e de
relevância para as mu lheres. Esse posic io nament o revela um
co mpro met iment o co m um saber que se quer po lit izado e apresent a uma int er -
relação conflit uosa ent re su jeit o do conheciment o e objet o da invest igação
cient ífica, o que co mpro met e os pr incípio s da objet ividade cient ífica da for ma
co mo são concebidos pela Ciência Moder na.
A desco nst rução dos cr it ér ios de objet ividade e neut ralidade, co mo
querem as epist emo lo gias feminist as, nem sempre quer dizer que se deva
descart á- los, mas faz- se necess ár io uma “reco nceit uação” ou uma “re -
significação” para “que dê cont a da aut o -reflexão”, co mo propõem Keller e
20

Longino, respect ivament e, ou mais clar ament e, t rabalhar co m a noção de


“o bjet ividade fort e” de Donna Haraway. (1995).
A objet ividade feminist a ad vém da concepção de que t odo
conheciment o é sit uado social e hist or icament e e, port ant o, parcial. O sujeit o
do conheciment o mo ve o seu campo de visão, que t ambém é parcial e
corpor ificado, para uma posição que lhe confer e uma ident idade (HARAWAY,
1995, p.18) e, nest e caso, a Epist emologia Perspect ivist a Feminist a de
Harding or ient a que se deve part ir da base, da reflexão do cot idiano das
pessoas, buscando ident ificar as fo nt es de sua opressão.
São est as as perspect ivas que or ient am o est udo das mulheres
fu mageiras do Recôncavo com suas memór ias mar cadas pe la po lít ica do
cot idiano, desde o t rabalho no domic ílio at é o t rabalho nos/dos
est abeleciment os fabr is. Memór ias marcadas por suas exper iências vividas e
reflet idas no ato da própria fa la. E a oralidade, n est e caso, per mit iu a
produção de um saber, não só sobre as mulheres, mas das mulheres e co m o
objet ivo de se t ornar para mulheres.
A Epist emo logia Perspect ivist a Feminist a possibilit a diá logos co m
t radições t eóricas dist int as, que per mit em ro mper definit i va ment e co m os
velho s esquemas exp licat ivos, alguns de est rut uras posit ivist as, b aseados na
razão que det er minava a separação ent re fat os e “valores” e, port anto, o
dist anciament o do sujeit o do conhecime nt o do seu objet o de invest igação,
cuja neut ralidade garant ia a objet ividade e a universalidade dos conceit os.
Dent re essas corrent es t eór ico - met odológicas que possibilit am analisar
os sujeit os a part ir da sua subjet ividade e do seu cont ext o hist órico -cult ural,
considerando quem fala e de onde fala, bem co mo, as int er secções de raça,
classe e gênero, fo i possíve l t ransit ar por algumas que se seguem, t omando
emprest ados seus inst rument os de análise da realidade. Co nt udo, vale
ressalt ar que alguns desses caminho s e possibilidades met odológicas foram
aplicados no t rabalho de mest rado (2001) e, em pequenos fr agment os de t ext o,
t ransport ados para est e t rabalho por ent ender que cont inuam vá lidos e que
cabem, em sua int eireza, nest e t exto.
A co meçar pelo uso das ferrament as da feno meno logia que, alé m do
est at uto filosó fico, segundo Mer leau -Pont y “é t ambém um relat o do espaço,
do t empo, do mundo ‘vividos’. É a t ent at iva de uma descr ição dir et a de nossa
21

exper iência t al co mo ela é”. (2006, p. 01 -02). A per spect iva feno meno lógica
concent ra a sua at enção no significado qu e os agent es sociais at r ibuem às
suas própr ias exper iências, as represent ações das falas são as per spect ivas dos
sujeit os e, nest e caso, as perspect ivas das mulheres, a visão da quela s
mulheres. Nest e sent ido, o que int eressa é a percepção e as hist órias da s
próprias mulheres enquant o t rabalhadoras da indúst r ia fumageira do
Recô ncavo. A Hist ória Oral, ent ão, fo i o recurso pot encial ou o veículo pelo s
quais as mulher es fumageiras o ferecer am fragment os de memór ias
represent at ivos de seus so nhos, de seus medos, de suas vit ór ias e de suas
derrot as, enfim, de suas vidas co mo mulheres t rabalhadoras numa det er minada
época.
O neo - mar xismo, t ambém, o ferece sua cont r ibuição at ravés de seu
int er locut or E. P. Thompson, ao enfat izar a exper iência dos sujeit os nu m
processo caract er izado pela ação -reflexão, um fenô meno que se faz
hist or icament e. Para est e aut or, a exper iência é det er minada, em grande
medida, pelas relações de produção (THOMPSON, 1987, p.10). Mas quando
afir ma que “a classe é definida pelo s homens enquant o vi ve m sua própr ia
hist ór ia e, ao final, est a é sua única definição” (THOMPS ON, 1987, p. 12),
ele abre espaço para se ent ender, t ambém que a “classe” sendo definida pela
hist ór ia é, port ant o, produto dela, result ado das exper iências (objet ivas e
subjet ivas). Ainda na obr a “A misér ia da t eoria ou um planet ár io de erros”,
Tho mpson apud Saffiot i (1992), afir ma que:

É a exper i ên ci a que dá cor à cul t ur a , a os va l or es e a o pen sa m en t o; é


por m ei o da exper i ên ci a que o m od o d e pr oduçã o ex er ce um a
pr essã o d et er m i nan t e s obr e out r a s a t i vi da des; e é p el a pr á ti ca que a
pr oduçã o é m an t i da . (T HOMP SON, 1981 apud SAFFIOT I, 1992, p.
191).

Ao part ilhar exper iências co muns, as pessoas const roem e art icula m
uma ident idade de int eresses, posicio nando -se opost ament e àqueles cujos
int eresses diferem dos seus. Tant o no nível ma is geral, quant o no âmbit o do
grupo social a que pert enceram e/ou pert ence m, as mulheres fu mageir as
acumular am exper iências dist int as e co muns ao mesmo t empo: ser mu lher e
ser t rabalhadora, nest a últ ima de uma mes ma at ividade produt iva.
22

Ora, ser fumageir a significava, ent ão, ser mu lher e ser t rabalhadora 7, o
que revela uma sit uação social e cult ur alment e co nst ruída no t empo e no
espaço, não se t rat a, port ant o, de uma condição, um est ado nat ural das co isas.
Por out ro lado, ser mulher revela os var iados significados de uma cult ura
masculinizadora, de uma sociedade mar cada pela d ivisão hier arquizada de
poderes ent re os sexos, co mo t ambém revela uma hist ór ia de lut as, seja m
est as abert as, declaradas ou fechadas e disfar çadas, pela conquist a de sua
aut onomia no campo das relações socia is, que incluem as re lações de gênero e
de t rabalho, para a co nst rução de sua cidadania.
O fat o de ser t rabalhadora, naquela r ealidade vigent e, represent ava o
desafio de vencer os obst áculo s das co njunt uras po lít ica, econô mica e social,
est as que não o ferecia m nenhum inst rument o ou possibilidade de reconhecer
as mulheres co mo sujeit os econo micament e at ivos, ao cont rár io, mant inham -
nas, ora exc luídas do processo produt ivo, reduzindo sua co nt r ibuição socia l
apenas ao papel de mant enedoras do equilíbr io do mést ico, ora explorando a
sua força de t rabalho co mo reser va de mão de obra, à so mbr a do “ho me m
t rabalhador”, além das péssimas condições de t rabalho, não havendo uma
subst ant iva valor ização so cial e eco nô mica da mulher no campo do t rabalho.
O status de fumageira, port ant o, implicava em acumular os significados
das duas esfer as – mu lher e t rabalhadora -, est as que co nfor mava m as bases
para uma singular expressão polít ica daquele grupo frent e ao cont ext o da
cult ura fumageir a, onde art icularam as est rat égias para a sobrevivência
econô mica e socia l, o que co mpreendo como a expressão do seu “fazer -se”,
enquant o mulher t rabalhadora inser ida no seu grupo de t rabalho, ao mesmo
t empo carregando as marca s do mundo familiar e do mést ico. (THOMPSON,
1987, p. 09-14).
Nest e sent ido, a discussão dessas cat egor ias, a part ir da t emát ica das
fumageiras co mo mulheres e t rabalhadoras, expr ime uma oposição à chamada
hist ór ia t radicio nal 8 por se ocupar, em gr ande par t e, da hist ór ia das pessoas
co muns, da fala das pessoas opr imidas e explor adas e, e m part icular, das

7
Não se trata de categorias estruturalmente opostas, mas duas faces de uma mesma prática social, o que ocorre é
a dificuldade coletiva para estruturar o pensamento sobre a realidade fora das categorias dominantes
convencionais. (KERGOAT, 1986, p. 90).
8
Para a História Tradicional, Burke apresenta os pontos mais significativos das diferentes abordagens
historiográficas: BURKE, 1992, p. 10-16.
23

mulheres t rabalhadoras. Nest e sent ido, dar vozes às pessoas excluídas da


hist ór ia, t raçar a t rajet ór ia de vida dos grupos marginalizados da hist ór ia e,
nest e caso, das mu lheres t rabalhadoras da região fumageira, reve la u m
posicio nament o cr ít ico e po lít ico de quem se det er mina a fazê - lo s, co mo
t ambém fez E. P. Thompson em sua esco lha:

E st ou t en t an do r esga t a r o pobr e t e cel ã o d e m a lh a s, o m e ei r o


l uddi t a, o t ecel ã o do ‘ obs ol et o’ t ea r m an ua l, o a r t esã o ‘ut ópi c o’
(. . . ). Seus ofí ci os e t ra di ções podi a m est a r desa pa r ecen do. Sua
h ost i l i da de fr en t e a o n ovo i n dust r ia l i sm o podi a ser r et r ógra da . Seus
i dea i s c om un i t ári os p odi a m ser fa n t a si os os. Sua s c on spi r a çõe s
i n surr eci on a i s podi a m ser t em erár i a s. Ma s el es vi ver a m n esse s
t em pos d e a guda per t ur ba çã o s oci a l , e n ós n ão. Sua s a spi r a çõe s
er a m vá l i da s n os t er m os de sua pr ópri a exper i ên ci a (. . . ).
T HOM PSON E . P. , 1987. p. 13).

Resguardadas as peculiar idades, em t er mos de dist ân cia no t empo e no


espaço, t rabalhadas pelo aut or, toma - se o mesmo posicio nament o ao esco lher
“escrever cont ra o peso das ort odoxias do minant es” em que “apenas os
vit or iosos são lembr ados . Os becos sem saída, as causas perdidas e os
próprios perdedores são esquecidos”. (THOMPSON, 1987. p. 12 -13).
E m se t rat ando de quem é le mbrado ou esquecido, Mar ilena Chauí ao
discut ir so bre a sit uação da velhice na sociedade capit alist a, no t ext o da
Apr esent ação da obra de Ecléa Bosi, reafir ma o posicio nament o classist a e
selet ivo dest a sociedade em relação à memór ia dos velhos.

Todavia, a memória não é oprimida porque lhe foram roubados suportes materiais,
nem só porque o velho foi reduzido à monotonia da repetição, mas também porque
uma outra ação, mais daninha e sinistra, sufoca a lembrança: a história oficial
celebrativa cujo triunfalismo é a vitória do vencedor a pisotear a tradição dos
vencidos. (CHAUÍ in BOSI, 1994, p. 19).

Uma out ra perspect iva t eór ico - met odológica que or ient a est e t raba lho é
a Nova Hist ór ia, a ssociada à chamada École des Annal es, que apesar de não
est ar preocupada co m a proble mát ica das mulheres ou das r elações de gênero,
oferece a possibilidade de se amp liar e/ou inaugurar no vos campos do saber,
bem co mo, ampliar o leque de fo nt es e de inst rument os met odológicos para a
análise hist órica. Tem ent re seus represent ant es, Jacques Le Go ff que edit ou
uma co leção de ensaio s acerca de “no vos problemas”, “no vas abordagens” e
“no vos objet os”. (BURKE, 1992, p. 9 -10).
24

A No va Hist ór ia é o result ado de um mo viment o de reação deliberada


ao paradigma t radicio nal, buscando renovar a escr it a da hist ória a part ir de
um o lhar mais amplo sobre o mundo. Cont udo, vale ressalt ar que,
pio neirament e, o feminis mo fo i um dos mo viment os que t eve grande impact o
sobre a escr it a da hist ória recent e, desper t ando significat iva e diamet ralment e
para uma mudança de o lhar so bre a r ealidade, ao perceber e lut ar pela
desnat uralização das desigualdades de gênero.
Vinda de uma or igem mar xist a e de debat es acirrados so bre a concepção
de hist ór ia, que inc lui a esco lha dos objet os, as abordagens, as problemát icas
e as fo nt es, a Nova Hist ór ia passou a se preocupar co m a discrepância que,
at é ent ão, a hist ór ia vinha produzindo, ao fazer a hist ór ia de uma part e da
humanidade – os ho mens – e a out ra part e – as mulheres – ficarem de fora.
Nest e sent ido, a No va Hist ória subst it ui a “visão de cima”, da hist ória
dos grandes feit os e dos grandes ho mens ( não é o ho mem genér ico, mas o
ho mem no masculino), para a “visão de baixo” ou “hist ór ia vist a de baixo”,
confor me J. Sharpe (1992), t razendo à baila as opiniõ es e as exper iências das
pessoas co muns, ou seja, o rest o da humanidade que at é ent ão est ava
dest inada a um papel secundár io no drama da hist ória, lugar o nde as
mulheres, at é ent ão, est iver am in ser idas.
Seguindo est a perspect iva da inver são dos lugar es e das abordagens, em
relação aos su jeit os na hist ória, é que se pode perceber as re lações sociais de
gênero co mo um campo de forças que não é co nst it uído, apenas, de pó lo s
opostos que se dispõem de for ma est anque e iso lada, mas na dinâ mica que
envo lve as r edes de poder, onde as hierar quias est abelecidas são visíve is e as
ações dos sujeit os que mina m e aba lam essa est rut ura nem sempre o são.
A co ncepção de poder t omada de Foucault (1979) possibilit o u fazer a
leit ura da resist ência das mulher es fuma geir as, t ant o à exploração quant o à
opressão vividas nos ambient es de t rabalho impr egnados e perpassados,
cult uralment e, por essa for ma de do minação sexist a , t endo em vist a que o
conceit o de poder for mulado por Foucault (1979) é essencia lment e, o de
const elações disper sas de relações desiguais, discur sivament e const it uídas em
campos sociais de força.
Est es posicio nament os t eórico - met odológicos não inviabilizam,
t ambém, a percepção e a análise das relações so ciais pat r iarcais, que
25

per meavam a vida social do Recôncavo Baiano no per íodo em quest ão. Uma
vez que, hist or icament e, a divisão sexua l t em sido a base da organização das
sociedades at é ent ão conhecidas, per meada por relações de poder que
det er minam lugare s socialment e hier arquizados, produzindo uma desigualdade
de gênero que se est ende além da opressão das mulher es.
É nest a visão que as fe minist as, dent re elas dest acam -se as radicais, ao
lo ngo do t empo vêm denunciando a sit uação de subalt er nidade das mulh eres
em r elação aos ho mens e reivindicando, for malment e, at ravés dos vár io s
inst rument os legais, o reconheciment o das mulheres enquant o indivíduos
aut ônomos. 9
É, port ant o, a part ir desses o lhares, que analiso a vida das t rabalhadoras
fumageiras do Recôncavo Baiano. Os caminhos percorr idos part iram dos mais
int angíve is e subjet ivo s, desde a fo nt e oral aos “achados” – document os
escr it os e iconográficos –, que per mit ir am r econst ruir a sit uação hist órica
dessas mulheres, a part ir de suas est rat égias de sobr evi vência e de r esist ência
que, ao lut ar par a vencer as necessidades mat er iais, a explor ação no/do
t rabalho, a discr iminação sexual r egada de opressão, assim co mo a
invis ibilidade social, ro mpia m co m a clausura da infer ior idade a que era m
submet idas na sit uaç ão de mulher es po bres, donas de casa, mães e esposas ou
amásias. (SILVA, 2001).
As quest ões específicas das mulheres enquant o t rabalhadoras
fumageiras do Recô ncavo da Bahia não foram cont empladas pelo s clássicos,
nem mesmo pelos t rabalhos ma is recent es da hist or iografia eco nô mica e
social do Brasil. Os est udos relat ivo s à hist ória da produção, indust r ialização
e co mercialização do t abaco na Bahia receber am, dos clássicos da
hist or iografia, um t rat ament o a part ir da ót ica dos cic lo s dos “grandes
produtos”, e os t extos mais no vos rondam o assunt o de for ma subordinada aos
grandes t emas, co mo sist ema co lonia l, campesinat o e out ros.
A produção hist or iográfica sobre o t rabalho e o cot idiano das mulher es
fumageiras no Recôncavo nas univer sidades baianas se resume, at é ent ão, a
poucos t rabalho s. Margar et h Nunes Sant os Go mes (2010) discut e as prát icas

9
A di vi sã o sexua l do t r a ba l h o, desde a fa m í li a a os espa ç os da pr oduçã o m a t er i a l, é
c on for m a da n o con t ext o da s r el a ções s oci a i s p a tr i ar ca i s que a qui sã o c om pr een di da s a
pa rt ir de um ol h ar fem i n i st a fun da m en t a do na abor da gem h i st ór i ca e pol í t i ca de Pa l m er o
(2004) e Da h l er up (1987), r espect i va m en t e.
26

sociais, as t ensões e negociações do cot idiano das t rabalhadoras e


t rabalhadores da lavoura e manufat ura fumageiras no per íodo de 1960 a 1980,
no munic ípio de Conceição do Alme ida. No percurso de sua análise, a aut ora,
dest aca a at ividade fumageira co mo fat or import ant e à sobr evivência das
t rabalhadoras( es), pr incipalment e, para as mulheres que, ao ingressar no
t rabalho, passaram a empreender novos papéis na família e na sociedade. A
discussão de M. Go mes, t ambém, é per meada pelas relações de poder t ecidas
no âmbit o do t rabalho, por ambo s os lados, mulheres t rabalhadoras e ho mens
no co mando do t rabalho. Ainda, t raz à luz um conjunt o de sit uações vivid as
pelas t rabalhadoras no univer so familiar. Cont udo, o per íodo que Margar et h
Gomes se det eve para est udar as mulher es t rabalhadoras da at ividade
fumageira reflet e outra conjunt ura econô mica e social, outras peculiar idades
no que diz respeit o às re lações de/ no t rabalho, assim c o mo as vivências
desses agent es sociais. Out ra especificidade do t rabalho da aut ora est á
relacio nada às caract er íst icas locais no trat o com o fumo, po is, em Co nceição
do Alme ida, nesse per íodo, não há regist ro de fábr icas de charut os,
pr incipalment e, na pr oporção e com a mesma dinâmica das cidades
ant er ior ment e cit adas, po is, assim, afir ma a aut ora:

Out r o t ra ba l h o exer ci d o for a dos a r m az én s er a a fa br i ca çã o ca sei r a


de ch a r ut o. Apesa r de n ã o ha ver fá br i ca s de ch a r ut os n o m un i cí pi o,
já que a m a i or pa r t e dos a r ma z én s ben e fi ci a va o fum o em fol h a e
en vi a va o pr odut o pa r a out r os m un i cí pi os ou p a ra a E ur opa , on de
er a m tr an sfor m a dos em ci ga r ri lh a s e char ut os. Ma s, h a vi a um
pequen o c om ér ci o i n t ern o, n o qua l a l guma s m ulh er es fa br i ca va m o
ch ar ut o de for m a art esa n a l, em sua s pr ópr ia s ca sa s, pa ra ven der a o
pequen o gr upo c on sum i dor da ci da de. ( GOME S, 2010, p. 92).

E m outro ext remo, Rosana Falcão Lessa (2010) escreve sobre as


“Mulheres na indúst r ia fu mageir a de são Gonçalo dos Campos ”, t rat a-se de
um munic ípio que est á s it uado na out ra ext remidade do Recôncavo, mais
próximo à Feira de Sant ana. A aut ora part e do cot idiano das mulheres
fumageiras da fábr ica Menendez e Amer ino fundada em 1979, par a
co mpreender a dinâ mica da econo mia fumageira no município e a realidade
socio econô mica dessas t rabalhadoras, uma vez que se t rat ava de uma
população com fort es t raços e heranças escravist as e de uma indúst r ia dir igida
por “brancos est rangeiros ”. A divisão sexual do t rabalho, as exper iências e as
27

represent ações sociais das mulheres fumageiras foram cont empladas na


discussão da aut ora, além da part icipação das t rabalhadoras nas fest as
profanas e relig iosas locais, ident ificando as mulheres co mo agent es de uma
dinâmica socio cult ural que mat izava o cenár io fabr il da cidade. Da mesma
fo r ma, t rat a-se de um t rabalho co m significat ivas cont r ibuições para a hist ór ia
das mulher es t rabalhadoras da indúst ria fumageira na reg ião, que ret rat a um
per íodo mais à fr ent e, cuja dinâmica econô mica, social e po lít ica do país,
co mo da indúst r ia fumageir a , baseava- se em parâmet ros dist int os.
A segunda met ade do século XX é para a indúst r ia e co mércio
fumageiro um t empo de cr ises e decadência, port anto, de falência de algumas
empresas e reest rut uração de out ras nos moldes de uma econo mia que t ambém
se reest rut urava e exigia a flexibilização das relações de t raba lho ( JAT OBÁ;
ANDRADE, 1993) , que modificou severament e o cont ext o fabr il fumageiro e,
consequent ement e, a vida, as relações sociais e as prát icas sociais da
população fumageir a, a lém de considerar qu e cada época produz suas próprias
fo nt es hist ór icas.
São do is import ant es t rabalho s vo lt ados para a t emát ica das mulheres
fumageiras do Recôncavo e, considerando as suas especificidades t ant o no
t rato das quest ões pert inent es às t rabalhadoras e ao t rabalho co m o fumo
propriament e, quant o em relação ao per íodo e as fo nt es hist ór icas ut ilizadas
por ambas as aut oras, percebe -se uma comple ment ar idade na discussão do
t ema. A hist ór ia, port ant o, não se esgot a, t ampouco, a necessidade de se
discut ir e de t razer à t ona as especific idades de cada t empo, lugar e grupos
sociais, mesmo que se t rat e da mesma t emát ica. Ainda há muit o que se fazer
em relação ao est udo da vida e do t rabalho das mulher es fumageiras.
Est udar a t rajet ória de vida dos indivíduos que pert enceram ou ainda
pert encem aos grupos marginalizados da hist ór ia e, nest e caso, das mulher es
fumageiras, é mat ér ia difíc il, não so ment e pela pequena produção
hist or iográfica, co mo t ambém, pela rara at enção dispensada a elas. As
mulheres t rabalhadoras da região fu mageir a do Recôncavo ainda est ão , em
grande medida, fora da hist ória, não apenas por serem t rabalhadoras ao invés
de propr iet ár ias dos meio s de produção, não por serem pobres ao invés de
r icas, mas, pr incipalment e, por serem mu lher es ant es de t udo. Nest e s ent ido,
nos rest a acat ar o que sugere Le Go ff, que é ver alé m do que é ou est ar visível
28

– desmo nt ar as ideo logias, ler nas ent relinhas e vasculhar a me mór ia para
t razer à tona a po lít ica do cot idiano, a part ir da visão de seus at ores. (LE
GOFF, 1990, pp. 28-29).
As ocorrências do cot idiano são, ao mesmo t empo, int egrant es e
result ant es de um cont ext o mais amplo, carregadas de conot ações sociais,
polít icas, econô micas e cult urais , que mer ecem ser invest igadas, uma vez que
a vida humana se co ncebe hist or icame nt e numa co nst rução sucessiva de
pequenos at os no dia a dia dos grupos sociais. Segundo Fer nand Br audel, a
"hist ória é a so ma de todas as hist ór ias possíve is: uma co leção de ofício s e de
pont os de vist as de ont em, de ho je e de amanhã”. (BRAUDE L, 1992. p.53 ).
Nest a visão, nenhuma hist ória se co nst rói apenas de grandes causas
polít icas, pensadas e planejadas nos palácio s dos gover nos, é pr eciso
co mpreendê- la, t ambém na sua diver sidade e int ensidade cot id iana, seja no
lar, nos grupos de t rabalho, na organizaç ão das fest as ou nas mú lt iplas e
cot idianas relações que envo lve m as pessoas e os grupos.
O cot idiano é o lugar onde t udo se est abelece e, ao mesmo t empo, se
t ransfor ma, o nde t udo se mo viment a o t empo t odo. É onde a oposição ent re os
det ent ores e os excluídos do poder é assimilada na int r incada lut a ent re a
imposição e a oposição ; é, ainda, o lugar onde se dá a reint erpr et ação e
reelaboração das regras do poder, seja no campo po lít ico, eco nô mico ou
cult ural. Port ant o, é no cot idiano onde se const roem, t ambé m, as relações de
gênero. (SILVA, 2001). No conjunt o das diversas relações que perpassam os
grupos sociais, inscr evem- se for mas de vis ibilidade e de expressão próprias
onde emergem cada indivíduo co mo sujeit o da hist ória, co mo aut ores de
mudança ou de cont inuidade. Trat a-se, t ambé m, da nat ureza dos espaços que
cada grupo social ocupou ou ainda ocupa e os usos e represent ações que
fizeram e ainda fazem desses espaços.
As ações po lít icas t ravadas no cot idiano, co mo for ma de const rução da
base social e, t rat ando -se de mu lheres como sujeit os das relações que lut a m
ou lut aram por t ransfor mações na esfera da hierarquia familiar e social, t êm
sido alvo de grandes preocupações no âmbit o da hist or iografia. Porém,
t rat ando -se do o lhar fe minist a sobre os mesmo s objet o s, as lacunas são outras
e mais profundas, po is o lhar a realidade sem perceber a sua dinâmica a part ir
29

da divisão sexual e das const ruções em t orno dessa divisão é não perceber a
est rut ura da organização social nos seus cont ext os hist óricos específicos.
Segundo Mar y Del Pr iore (1998) "a hist ória da mulher não se faz
sozinha, se faz ancorada no social", co nt udo, sugere -se que seja um social que
abarque a noção de cult ura numa per spect iva mais ampla e co mplexa,
ident ificando os comport ament os, as relações soc iais e os valores do grupo
social co mo const ruídos na proble mát ica do cot idiano e a part ir de suas
peculiar idades. É o social e o cult ural que desvelam o infor ma l e o cot idiano
popular exig indo, port anto, que a invest igação hist órica t race caminho s
alt er nat ivos.
Dest a for ma, fo i a part ir das le mbranças individuais, marcadas pelas
múlt ip las exper iências de seu grupo social, que as t rabalhadoras fumageiras
foram e são inscr it as na hist ór ia. Est as mulheres est ão inser idas na cult ura e
na t radição da oralidade não por inexist ência do recurso da escr it a, mas pelo
fat o das inst it uições e os document os escr it os pr ivilegiarem muit o mais o
t rabalho legalizado, as empresas e as relações co m o mer cado e com o Est ado
e não as suas ações cot idianas. (SILVA, 2001).
Para e nt ender a relação das fa las das t rabalhadoras(es) co m a memór ia
fo i (e ainda co nt inua sendo) preciso recorrer a autores que cent raram suas
reflexões na memór ia, co mo Halbwachs , est e que est udou os cont ext os sociais
da memór ia, fazendo a “not ável dist inção ent re a memór ia hist órica co mo
reconst rução dos fat os fornecidos pelo present e da vida social e pro jet ada
sobre o passado reinvent ado e a memór ia co let iva” 10; Le Go ff t raz a hist ória
da memór ia co m ênfase na memór ia co let iva no campo cient ífico e Ecléa Bos i
que, ao colher memór ia de velho s, faz art iculação ent re a memór ia e a
realidade social vivida pelo s seus “guardadores da memór ia”.

10
Embora, considere-se a crítica e o uso de Halbwachs feito por Elizabeth Jelin, quando esta afirma que: “En
verdad, la propia noción de «memoria colectiva» tiene serios problemas, en la medida en que se la entienda
como algo con entidad propia, como entidad reificada que existe por encima y separada de los individuos. Esta
concepción surge de una interpretación durkheimiana extrema (tomar a los hechos sociales como cosa). Sin
embargo, se la puede interpretar también en el sentido de memorias compartidas, superpuestas, producto de
interacciones múltiples, encuadradas en marcos sociales y en relaciones de poder. Lo colectivo de las memorias
es el entretejido de tradiciones y memorias individuales, en diálogo con otros, en estado de flujo constante, con
alguna organización social -algunas voces son más potentes que otras porque cuentan con mayor acceso a
recursos y escenarios- y con alguna estructura, dada por códigos culturales compartidos”. (JELIN, 2001, p. 4).
30

Para se fazer a leit ur a do passado at ravés da memór ia dos suje it os que o


vivenciar am, é preciso co mpreender o processo de const rução dessa memór ia,
dos element os e referências que est es indivíduos eleger am, espont aneament e
ou não, como pert encent es ao univer so daquele passado. Sabendo -se que cada
sujeit o est á mergulhado em sua própr ia hist ória e em seu própr io t empo , e que
as le mbranças dos acont eciment os fazem part e de uma seleção individual,
confor me os int eresses de cada um, ent ão, como (re)const ruir 11 a hist ór ia de
um grupo ou de uma sociedade? A r espost a vem de Halbwachs que afir ma
que “nunca est amos sós” (2006, p.30). As sim, mesmo que as narrat ivas e os
acont eciment os pareçam individuais e iso lados, eles adquir em sent ido e
significado porque são, na sua gênese, colet ivos e fazem part e de um grupo
social. P ara est e aut or, não é a elaboração ind ividual que co nst rói a memór i a
co let iva, mas as represent ações co let ivas que at ravessam os indivíduos. A
consciência individual ser ia “apenas” o lugar de passagem e de encont ro dos
t empos co let ivos. ( HALBWACHS, 2006, p.132).
Ao cont rár io, do que co mument e se espera o passado não se en cont ra
puro e her met icament e guardado numa “galer ia subt errânea” do cérebro das
pessoas, est á sempre em diálo go const ant e com o co let ivo mais amp lo, co m
out ras memór ias e símbo los, sendo refeito no present e da subjet ividade de
cada pessoa. O papel da memór ia individual no processo de const rução do
passado é, port ant o, mediado pela memória ext erna e não, simplesment e,
pelas subjet ividades individuais, sendo a vida cot id iana a pont e ent re os
indivíduos e os “mundos sociais”. Seguindo est a linha de pensament o sobr e a
memór ia de t rabalhadoras e t rabalhadores , Sardenberg (1998) afir ma que:

(. . . ) n a m em ór i a da com un i da de a in da se m a n t ém ba st a n t e vi va s a s
i m a gen s do quot i di a n o da vi da n a fá br i ca e n o espa ç o d o ba i rr o
qua n do est e a i n da era um a vi l a oper ár ia . T a i s i ma gen s sã o
c om um en t e e voca da s n ã o a pen a s qua n do os t r a ba lh a dor es e a n t i gos
m or a dor es se r e fer em a o pa ssa d o m a s, n o pa rt i cul ar , quan do
c on fr on t a m -n o com a si t ua çã o pr esen t e. Ma i s im por t an t e, el a s sã o
c om pa r ti lh a da s t a m bém por gen t e do ba i r r o que ja m a i s t est em unh ou
ess e pa ssa d o, o que n ã o se dá por a ca so. (. . . ). Ne ssa l uta, a
me mór i a s oc i al d o anti g o ope r ar i ad o, ao e s tabe l e c er a pont e
e ntr e passad o e pr e se nte , tor na o pas sad o pa r te da hi stór i a d e

11
Qua n t o a o u s o d os t er m os “r e vi ver ” e “r efa z er ” , E cl éa Bosi a fi r m a que “p ost o o l i m i t e
fa t a l que o t em po i m põe a o h i st or i a dor, n ã o l h e r est a sen ã o ‘r econ st r uir ’, n o que l h e for
pos sí vel , a fi si on om i a dos a c on t eci m en t os” . (BO SI, 1994, p. 59).
31

tod os – nã o s ó d os ve l h os mas, ta mbé m, d os novos mor ad or e s .


(SA RDE N BE RG, 1998, p. 149). (Gr i fo N os s o).

Por outro lado, é preciso ressalt ar que a memór ia é gendr ada, po is


carrega as impressões do t empo vivido difer ent ement e para ho mens e
mulheres. Ao discut ir sobre o gênero da memór ia de operár io s e operár ias da
fábr ica São Braz, no subúr bio de Salvador, Sardenberg (1988), descreve que a
memór ia:
Se m ost r a di fer en t e pa ra di fer en t es g er a ções de t ra ba l ha dor es e, n o
pa rt i cul ar , r ec or t a da em t er m os de g ên er o, r efl e t in do a exp er i ên ci a
op er ár i a di st in ta de h om en s e m ulh er es na fá br i ca , n o espa ç o d o
ba i rr o (. . . ) . As m ulh er es, m ui t o m a i s que os h om en s, t em vi vos n a
m em ór i a det a lh es de a ci d en t es ver i fi ca dos n o t r a ba l h o, da s
c on di ções ba st a n t e i n sa l ubr es s ob a s qua i s se vi a m obr i ga da s a
t ra ba l ha r e de a t os d esp ót i c os p or pa r t e de sup er vi s or es c on t r a seus
subor di n a dos. Sur pr een dent em en t e, sã o con t udo a s m ulh er es que
r ecor da m , com m a i or n ost a l gi a e sa uda des, não a pen a s a vi da n o
ba i rr o en qua n t o vi l a oper á r i a com o t a m bém seu t ra ba l h o n a fá br i ca ,
i dea l i z an do ess e pa ssa do op er ár i o c om o a m el h or época de sua s
vi da s” . (SARDE N BE RG, 1998, p. 149 -150).

Mesmo não se t rat ando dest a dicotomia de gênero , Halbwachs (2006)


afir ma que a hist ória vivida e le mbrada pelas pessoas deve ser co mpreendida
co mo algo vivo socialment e, ou seja, “com sent id o” e que t o ma-se emprest ado
est e “sent ido”, po is equivale a dizer que a memór ia deve ser co mpreendida a
part ir do lugar dos sujeit os , co nsiderando pr incipalment e, o lugar de gênero.
Mas, enfim, “a memór ia é um cabedal infinit o do qual só regist ramos um
fragment o”. (BOSI, 1994, p. 39).
A fo nt e oral fo i e é um recurso pot encial a lançar luzes sobre as áreas
inexploradas, at é ent ão, da vida das fumageir as, t razendo à t ona part e de suas
memór ias expressas na voz, nos gest os e no semblant e desses agent es sociai s.
Segundo A. Port elli (1997, p. 26), a imp ort ância maior da fo nt e oral est á em
ent endê- la na essência da oralidade e, nest e sent ido, faz - se necessár io
obser var e explorar o conjunt o de infor mações gest uais e seus significados,
associados aos espaços t rans it ados por est as t rabalhadoras que, segundo o
mesmo aut or , “o rit mo do discur so popular carrega imp lícit o os significados e
conot ações sociais irreprodut íveis na escr it a”. (PORTELLI, 1997, p.28).
O int r ínseco diálogo da oralidade co m a memór ia selecio na e reconst rói
a represent ação do passado, que não é apenas do ind ivíduo, mas dele inser ido
32

no grupo familiar e social e, no caso das fumageiras, t ambém, no grupo de


t rabalho, considerando o t empo da memór ia. Segundo S ilva:

O di á l ogo c om a m em ór i a - ca m po pa n t an oso - sem per der a n oçã o


do t em p o, sa ben do- se qu e o t em p o da m em ór i a nem sem pr e c oi n ci d e
c om o t em po objet i vo, cr on ol ógi c o, é o qu e per m i t e com pr een der a s
vi s ões d e m un do e os va l or e s s oci a i s e m or a i s c on ce bi d os p el a s
t ra ba l ha dor a s. (SILVA, 2001, p. 15 ).

As memór ias das mulheres fumageir as, represent at ivas de seu grupo no
cont ext o do t rabalho e das relações sociais, bem co mo de sua época,
significaram um dos caminhos que per mit iu a leit ura e a co mpreensão das
vár ias est rat égias de so brevivência e de re sist ência diant e das for mas
específicas de exploração e do minação; est rat égias que represent aram o
campo de lut as onde as t raba lhadoras fumageiras pro jet aram -se co mo suje it os
de sua própr ia hist ór ia, seja por lut ar pela sobr evivência mat er ial e social,
seja pelas for mas de resist ência que empreendeu cont ra o seu opressor no
campo do t rabalho e at é da família.
A fo nt e oral possibilit ou, port ant o, “o aviva ment o das me mór ias e
hist ór ias passadas, filt radas pelo present e”, po is, obser vou -se nas fa las das
t raba lhadoras fumageiras, quando fazia m a reconst it uição de suas vidas, a
seleção daquilo que acredit a m ser mais import ant e para ser lembrado e
ext ernado a part ir da repet ição de alguns fat os que, cert ament e, represent am o
sent ido do present e. Dest a for ma, ent e nde-se que a post ura do pesqu isador
que t rabalha co m est e t ipo de font e deve ser aquela adot ada por Bosi:

A ver a ci da de d o n a rra dor nã o n os pr e ocup ou: c om c er t ez a seu s


er r os e l a ps os sã o m en os gr a ves em sua s c on seqüên ci a s que a s
om i ss ões da h i st ór i a ofi ci a l . Noss o i n t er esse est á n o que foi
l em br a do, n o que foi e sc ol h i do pa r a per pet ua r -se n a h i st óri a de sua
vi da . (BOSI, 1994, p. 37).

A Hist ória Oral t ambém per mit iu perceber que a me mór ia é gendr ada,
pois a oralidade das mulher es fumageiras t rouxe à t ona uma me mór ia marcada
por event os e ações próprias de um mundo cult uralment e feminilizado. A fala
das mu lheres expressa o mundo do mést ico, a sensibilidade e a emoção e,
pr incipalment e, o lugar de subalt er nidade que ocupava nas r elações sociais de
gênero, desde a família às relações de t rabalho e à sociedade de modo geral.
33

Assim, pode-se afir mar que a evidência oral correspo nde ao feit o da
exper iência humana produzida num t empo e espaço específicos, considerando,
t ambém, os lugares de r aça, classe e as relações sociais de gênero const ruídas
por seus agent es em suas respect ivas cult uras. Nest e sent ido, a H ist ória Oral,
at ravés das reminiscências ind ividuais, é para a Hist ór ia Social –
pr incipalment e, ao considerar a perspect iva feminist a – um inst rument o de
poder, t endo em vist a a sua adequação aos objet ivos e a possibilidade de
reconst ruir de for ma mais co nsist ent e a dimensão subjet iva dos processos
hist ór icos e inst it uir agent es hist ór icos reais. (GARCI A, 1997, p. 334).
Afina l, a fo nt e oral não corresponde, apena s ou necessar iament e, ao que o
povo ou um grupo t enha feit o no seu passado, mas “o que quer ia fazer, o que
acredit ava est ar fazendo e o que agora pensa que fez.” ( PORTELLI, 1997,
p.31).
As fo nt es – oral, escr it a e visual – foram analisadas e, muit as vezes,
cruzadas, no sent ido de const ruir um diálogo mais pró ximo da realidade
vivida pelas mulher es fumageir as. O uso da fo nt e oral, por sua vez, não
significou as t radicio nais ent revist as est rut uradas, mas optou -se por longas
conver sas infor mais que se organiz ou nat uralment e, confor me as condições
apresent adas por cada uma das “depoent es”. Algumas vezes sozinhas, apenas
a pesquisadora e a ent revist ada ; out ras com a presença de uma ve lha amiga,
t ambém, fumageira; e, outras, ainda co m a presença e a cont r ibuição de seus
familiares. Nest es encont ros, a conversa – infor mal – iniciava, sempr e, co m a
seguint e pergunt a: “co mo era sua vida de fumageira?”, mas no decorrer da
conver sa, ent re as pergunt as que, nat uralment e, iam surgindo, vo lt ava -se a
quest io nar sobr e a sua sit uação como trabalhadora e como mulher naquele
cont ext o. A seleção do que dever ia ser lembr ado e falado, o t empo hist ór ico
t ransit ado pela(s) fumageira(s) respo ndent e(s) e out ros aspect os inerent es
àquela co nver sa, ficaram a cargo de cada uma, po is, a i nt enção era
proporcionar uma relação co m maior grau de aproximação ent re pesquisadora
e a pesquisada e, assim, alcançar maior confiança e, conseq uent ement e, maio r
abert ura no níve l da co municação.
Nas pr imeiras co nver sas, fo i possível perceber que as pess oas recorr iam
aos t empos, hist ór icos e cro no lógicos, t ransit avam ent re passado e present e
sem se dar cont a da presença alhe ia da pesquisadora. Falavam de suas vidas,
34

do seu passado, dos mo ment os felizes e aqueles que deixaram a desejar, co mo


se est ivessem r evivendo os fat os, além de expr essar co m nat uralidade
sit uações co mo mudança no tom de voz, pausas enquant o pensavam,
ret icências, gest os e expressões facia is. Po is, segundo E lizabet h Jelin
“ Ab or dar la memor ia involucr a r ef er ir se a recu er dos y olvidos, na r r ativas y act os,
silencios y gest os. Hay en ju ego sab er es, p er o ta mb ién ha y emociones. Y ha y
tamb ién hu ecos y fr actur as”. (JELIN, 2001, p. 1). E é n est e sent ido que o diálo go
diret o per mit iu à pesquisadora for mar impressões que os regist ros impr essos
não puderam o ferecer , além de considerar que “a co nver sa evocat iva de u m
velho é sempre uma exper iência pro funda”. (CHAUÍ, 1994, p. 22).
E m mo ment os ant er iores já havia concluído que esses encont ros e
conver sas co m as fumageiras, possibilit ar am conhecê - las de uma for ma muit o
part icular, pr incipalment e no t ocant e às relações sociais de gênero, que os
escr it os sobre po lít ica ou eco no mia da r egião fumageira não são capazes de
oferecer. Por isso, consider a -se que essas “lo ngas conversas” co m as
fumageiras são algu mas das fo nt es mais r icas para uma (re) leit ura de suas
hist ór ias de vida e de suas exper iências, possibilit ando, ao mesmo t empo, uma
leit ura das relações sociais de gênero naquele cenár io.
Desde as pr ime iras ent revist as no per íodo da graduação, os diálogos
mais abert os durant e o mest rado, até os últ imos encont ros onde as
“conversas” já ocorriam num clima de maior confiança e apro ximação, que se
recorreu ao mesmo universo de mulhe res ant er ior ment e pesquisado, co m
exceção de algumas perdas e ganhos durant e a caminhada.
Para a seleção das pessoas, os fat ores que dificult aram ainda co nt inuam
sendo os mesmo s e que, acabar am por definir a esco lha e o per fil das/dos
ent revist adas(os). Co mo é o caso da fa lência da indúst r ia fumageira na região
e os pedidos de aposent ador ia que cont r ibuír am para a disper são geográfica
dos remanescent es. O que é mais gr ave é o reduzido número de so brevivent es
desse per íodo.
Dest a for ma, faz- se necessár io ouvir e escrever sobre est as
t rabalhadoras, nu m t empo cada vez mais dist ant e, p ara que não sejam ma iores
as lacunas dessa/ nessa hist ória. Assim, S ilva (20 01) afir ma que:
35

Pot en ci a l i z ar a exi st ên ci a da s fum a gei ra s com o suj ei t os h i st ór i cos,


sua s vi vên ci a s e a ç õe s, é da r -lh es voz pa r a expr essa r em o se u
t em po qu e n ã o é r í gi do, n em l i n e ar , que n ã o é o m esm o da fá br i ca ,
m a s que s e m ove c on for m e os sen t i m en t os, a spi r a çõe s e a
c on cr et i ci da de da hi st ór i a ; par a com pr een der as sua s exp er i ên ci a s
c om o e st r a t égi a s de s obr e vi vên ci a , qua n do t en t a va m “fa z er -se ”
c om o su j ei t os, “ fa z er a vi da ” e a h i st ór i a. (SILVA, 2001, p. 23).

Cont udo, o uso da font e oral não deve excluir out ras possibilidades de
invest igação, ao cont rár io, a preferência é que se possa cruzar as diversas
fo nt es. O cruzament o dest as fo nt es, no ent ant o, não deve ser t rat ado como um
apa nhado de provas e/ou a evidência de maior número de infor mações sobre o
objet o, mas de aco lher vár io s o lhares e o lhar por vár ios ângulo s, co mpreender
o objet o a part ir de vár ias per spect ivas, embora seja a per spect iva das
mulheres àquela que mais deve prev alecer, po is é preciso considerar que os
document os oficia is carregam o carát er androcênt r ico e, por isso, exigem um
olhar desconfiado e uma análise cuidadosa par a per ceber as suas int enções no
tocant e, pr incipalment e, às relações de cla sse e de gênero.
As fo nt es escr it as, examinadas para est a pesquisa, est ão relacio nadas ao
mundo econô mico e social das cidades de Marago jipe, Cachoeira, São Félix,
Mur it iba e Cruz das Almas, sit uadas no Recôncavo Baiano e infor mam,
especifica ment e, sobr e a dinâmica da manufa t ura fumageir a, nas diversas
unidades fabr is, o ferecendo pist as e possibilidades de leit ura das relações
t rabalhist as, das r elações sociais de gênero e da import ância da at ividade
fumageira para a região naquele mo ment o. A leit ura e a análise das fo nt es
escr it as per mit iram, ainda, sit uar o Recôncavo Fumageiro e as t rabalhadoras
em suas dist int as áreas de t rabalho e percebendo a sua singular idade na
dinâmica sociocult ur al do seu t empo e no cont ext o socioeco nô mico regio nal.
Nesse conjunt o de fo nt es escr it as, dest acam- se as “Fichas de Regist ro
de E mpr egados” das fábr icas de charut os Suerdieck e C. P iment el, que se
const it uír am em um acer vo import ant e para a pesquisa. Nas ruínas do prédio
da Suerdieck em Marago jipe, no ano de 2000, foram encont radas e
cat alogada s 4.621 fichas de regist ro de t rabalhadoras(es), empregadas(os)
naquele munic ípio. E m 2007, dest a vez em Cruz das Almas, nas ru ínas do
prédio, t ambé m da Suerdieck, foram encont radas e cat alogadas 6.233 fichas
de regist ro de t rabalhadoras(es) daquela e de o ut ras empresas, todas ligadas a
36

at ividade fumageira no per íodo que t ranscorre de 1906 a 1998 12. Est as fichas
est ão assim dist r ibuídas : Suerdieck de Marago jipe – 1.188; Suerdieck de
Cachoeira – 31; Suerdieck de Cruz das Almas – 2.428; e C. P iment el de
Mur it iba – 2.586. Est e acer vo forneceu as infor mações pessoais das/dos
t rabalhadoras( es), infor mações t écnico -administ rat ivas e socio econô micas,
bem co mo, possibilit ou perceber a divisão sexual do t rabalho e sua
organização hierarquizada a part ir da dist r ibuição das funções de t rabalho.
Alé m de fichas de reg ist ro de t rabalhadoras(es) da região, t ambém encont ram -
se regist ros de est rangeiros que ocupavam os cargos mais import ant es nas
refer idas empr esas.
Uma document ação avu lsa, co mpost a por Cont ratos de Trabalho, Cart as
de operár ias(os) aos gerent es e sócio s das unidades fabr is, Pedidos de
Demissão, Advert ências às operár ias, Processos Trabalhist as e Relat ór ios de
At ividades, t ambém, fo i localizada nas dependências do prédio da Suerd ieck,
em Cruz das Almas, que gua rdam infor mações e hist ór ias além do que se p ôde
examinar.
Correspondências diversas – dir igidas ou recebidas, co mo os Decret os,
Cir culares, Memor ia is da Secret ar ia de Governo e demais document os da
Secret ar ia da Agr icult ur a I ndúst r ia e Co mércio do Est ado da Bahia,
lo calizados no Arquivo Público do Est ado da Bahia - APEB, nos per mit iram um
percurso pela lavoura fumageira, co nhecendo o grau de sua import ância
econô mica na Bahia, o t rat ament o dispensado pelo Gover no a est a área de
produção e indust r ialização do fumo e o lugar das mulher es e ho mens no trato
do t abaco.
Na Associação Comercial da Bahia fo ram ident ificados e list ados
document os, como, Livros de Regist ros das E mpr esas, Relat ór ios e Bo let ins.
No Arquivo Municipal de São Félix foram ident ificados o Me mor ial da Leit e
& Alves, Correspondências de co municação int er na da Dannemann e
exemplar es do “Correio de São Félix”, jo rnal de grande c ir culação na região,
fo nt es que for neceram as mais diver sas compr eensões do cont ext o polít ico e
econô mico e das r elações sociais per meadas pelas ideo logias de classe e,
sobret udo, de gênero.

12
Este acervo, denominado de massa falida da Suerdieck, pertence atualmente a Faculdade Maria Milza –
FAMAM, em Cruz das Almas - BA.
37

Os document os dos órgãos supracit ados esclar eceram os vo lumes de


produção e export ação do fumo e de t oda produção fumageira daquela r egião ;
as t axações de impost os, a cr iação do Inst it uto Bahiano do Fumo e suas
considerações em relação aos seus t rabalhadores, t ambém nos levaram a
perceber os o lhares do Gover no do Est ado no sent ido de organizar e cont rolar
o conjunt o das at ividades fumageiras e a at enção ou a falt a dest a ao
cont ingent e de mu lheres envo lvido nest as at ividades, bem co mo, compreender
as relações co merc iais e de t rabalho da região.
No Arquivo Público do Est ado da Bahia, na secção de document os da
Secret ar ia de Agr icult ur a, fo i localizada uma sér ie de fot ografias onde as
mulhe res est ão dispost as numa das fábr icas em plena at ividade de confecção
de charut os do ano de 1942, aproximadament e. Dent re out ras imagens, foram
ident ificadas algumas fot ografias nos memor iais anuais das Ir mãs da Sant a
Cruz, em Go ver nador Mangabe ir a – BA, o s quais er am enviados para seus
co laboradores na Alemanha. São fot ografias de mulheres t rabalhando na
esco lha de fu mos e na co nfecção de charut os, são imagens flagrant es do
cenár io fumageiro, que denunc ia m uma r ealidade caract er íst ica de um est ado
de explo r ação, de sexismo e de opressão regado pelo s est ereót ipos de gênero.
Est as imagens auxiliar am na análise do per fil socioeconô mico , cult ural e
ét nico das mulheres t rabalhadoras da indúst r ia fumageira, o ferecendo
t ambém, uma noção dos universos feminino e ma sculino (est e últ imo por
exclusão na fot ografia) que co mpunham os est abeleciment os fabr is ;
universos, precisament e, gendrados so b a égide de uma época e de uma
cult ura sit uadas geograficament e.
As imagens, quando incorporadas ao laborat ório do hist or iador , est ão
ligadas aos sist emas de r epresent ação dos ind ivíduos e da sociedade. No caso
da fot ografia, t rat a-se de um t ipo de regist ro visual, não -escr it o, silencio so e
de cont eúdo não -ver bal, que nem sempre é co mpr eendida co m facilidade,
sobret udo se fo i pro duzida em um cont ext o afast ado ou se o event o regist rado
faz part e de out ro cont ext o, t ant o no espaço quant o no t empo. A imagem do
passado, co mo é o caso, exige ma ior grau de int erpret ação, precisa ser vist a e
decodificada em seu sent ido hist órico. (CARDOS O e MANUAD, 1997, p.
405-412). Mas, o recurso da fotografia, mesmo sendo apenas a “co nser vação”
de uma cena congelada no t empo, per mit e fazer uma po nt e e visualizar aquele
38

inst ant e. Para Le Go ff “é a fot ografia, que revo lucio na a memór ia : mult iplica-
a e de mo crat iza-a, dá- lhe uma pr ecisão e uma verdade visuais nunca ant es
at ingidas, per mit indo assim guardar a memór ia do t empo e da evo lução
crono lógica”. (LE GOFF, 1996, p. 466).
Uma sér ie de correspondências ent re a mat r iz e as filiais da Cia de
Charut os Dannemann, que se encont ra no Arquivo Munic ipal de São Félix, fo i
de fundament al import ância para aco mpanhar o moviment o int er no da fábr ica,
seja na produção como nas relações de t rabalho, co mo as referências so bre o
grande número de t rabalhadoras, casos de ad missão, demissão, legalidade ou
omissão perant e a lei, dist r ibuição de funções, modos de remuneração,
punições e a reação das t rabalhadoras nos refer idos casos. Alé m de out ras
sit uações, co mo afast ament o por doença e/ou gravidez, uma vez que, sendo
mulhere s de muit os filhos, fr eq uent ement e precisavam afast ar -se do t rabalho
(PINTO, 1998, p. 128 -129).
São font es, port ant o, que per mit ir am sit uar as mulher es fumageir as no
seu cont ext o hist ór ico, social e cult ural, visualizando e recort ando um largo
per íodo que vai desde a fundação da fábr ica de charut os Suerdieck , em
Marago jipe, em 1906, at é a década de 1950, embora co m os prejuízos
irreparáveis de algumas lacunas, que são, de fat o, os problemas que enfrent a m
o pesquisador e que o fazem t rabalhar com as fo nt es q ue enco nt ra e não co m
as que deseja t rabalhar. (REIS, 1989, p. 15). Dest a for ma, é preciso levar e m
consideração o problema das font es e valorizar t odos os achados, seja m eles
oficia is ou ofic io sos, que possam r evelar as ações das mulher es, no sent ido de
sua aut oafir mação co mo suje it os e agent es de sua própr ia hist ór ia, bem co mo,
os problemas hist ór ico -cult urais responsáveis por sua discr iminação, opressão
e sujeição.
A ext ensa exposição int rodutória se just ifica por ser uma propost a que
visa esclar ecer as esco lhas e o t raçado dos caminho s t eórico - met odológicos
percorr idos, no sent ido de at ender t ant o ao objet ivo pr incipal da pesquisa
quant o às necessidades que a t emát ica impôs ao longo de sua invest igação.
No pr imeiro capít ulo int it ulado “Redesen hando o cen ário do trabalho e
das t rabalhadoras fum ageiras ”, dá-se iníc io a uma br eve descr ição do
Recô ncavo a part ir dos aspect os fis iogr áficos e geográficos, reconhecendo
vár ias est rut uras produt ivas, co m o objet ivo de dest acar suas caract er íst icas
39

nat urais propícias à produção fumageira, considerando desde as t radicio nais


delimit ações de carát er geopolít ico àquelas de co ncepção hist ór ico -social
defendidas por Milt on Sant os, Mar ia de Azevedo Brandão e L. A. Cost a P int o.
Part indo dest as per spect ivas, apresent a -se a delimit ação da zo na fumageira, o
percurso geo -hist órico do fumo e sua import ância econô mica para a região,
embora sendo considerada a “lavoura dos pobres”, bem co mo, discut e a
presença dos agent es sociais, que geralme nt e eram ho mens e mulheres pobres,
confor me as co nt r ibuições de Vilhena, Kát ia Mat toso, Jean Bapt ist e Nardi,
Bar ickman, S chwart z dent re out ros. Segue-se, ainda, discorrendo a hist ória e
at uação das indúst r ias t abaqueiras, co mpost a por empresas de gr ande e médio
port es, cuja produção se est rut u rou a part ir da divisão sexual do trabalho para
realizar a exploração da mão de obra feminina.
O segundo capít ulo “As m ulheres fu m ageiras e seu s lugares no
trabalho fabril ”, inicialment e, t rat a de delinear a co mposição do quadro
social e suas caract er íst icas ét nico -cult urais, que co mpunha m, hist oricament e,
a região fumageir a t endo como base os Censos de 1940 e 1950, Mar ia de
Azevedo Brandão, Anphiló fio de Cast ro, Cost a Pint o e as Fichas de Regist ro
de E mpregado da Suerdieck. E m seguida, expõe imagens e t ra jet órias de
algumas t rabalhadoras co m vist as a conhecer e t raçar um breve per fil
daquelas mu lheres que se dedicaram, por muit os anos, ao labor fumageiro
t ant o na indúst r ia quant o no t rabalho em domic ílio. Apresent a, t ambém, u m
quadro com est range iros, reve lando os cont rast es hierárquicos no t ocant e à
ocupação dos cargos/ funções por ambos os grupos. Traz a predominant e
presença das mulheres no t rabalho fumageiro discut indo a just ificat iva desse
cont ingent e co m base nos est ereót ipos de gênero inscr it os nas r elações sociais
pat riarcais, aliados às necessidades econô micas vividas pela população da
região. Com base em Souza-Lo bo, Hirat a, Bruschini dent re out ras, que trat am
as t rajet órias de t rabalhadoras(es), os set ores e ocupações dest inados a
ho mens e mulher es co mo const ruções históricas, sociais e cult urais , discut e-
se a divisão sexual do t raba lho, no processo de produção dos fumo s e seus
der ivados, dest acando a exclusividade que os ho mens t inham em exercer as
funções de poder. Do pont o de vist a sociocult ur al, o bser va que havia uma
significat iva dist ância ent re as t rabalhadoras dos ar mazéns e as t rabalhadoras
das fábr icas, det er minando status diferenciados ent re os dois grupos.
40

O t erceiro capít ulo, “ A resi st ência inven tiva das m ulheres fum agei ras
do Recôncavo Baiano”, t raz o embat e das relações de poder no âmbit o do
t rabalho ent re a chefia e as t rabalhadoras. Discut e as ações de exp loração e de
dominação sofr idas pelas t rabalhadoras nos espaços de t rabalho, t endo suas
raízes na const rução hist ór ica e cult ural da s re lações sociais pat r iarcais, uma
sit uação que ult rapassa a quest ão de classe e perpassa, necessar iament e, pela
quest ão de gênero. Dest a for ma, fez - se necessár io ent ender, mesmo que
brevement e, co mo se const it uíram, hist órico e cult uralment e, as relações de
gênero no mundo ocident al, a part ir das abordagens feminist as de Dahlerup,
1987; Cost a, 1998; Saffiot i 1992 e Palmer o, 2004.
E m segu ida, apresent a a leit ura da organização dos espaços de t rabalho
visando dest acar a divisão sexual do t rabalho e o cont r ole sobr e a mão de
obra. Descreve, ainda, as ações que co nfiguraram inst rument os de resist ência
sut il das t rabalhadoras, co mo uma respost a à exploração e a do minação no
espaço do trabalho, a part ir da co ncepção de poder em Michel Foucau lt , est e
que discut e a nat ureza do poder co mo não sendo apenas r epressivo, mas
disciplinar e co mo produto de um saber, podendo, dest a for ma, ser per ifér ico
e circular ent re os ind ivíduos, confor me a máxima dest e aut or “onde há poder
e saber há resist ência”.
No quarto capít ulo “T rabalho invi sível : o trabalho dom iciliar das
m ulheres fum ageiras”, a propost a se resumiu em discut ir o t rabalho
fumageiro fora dos espaços indust r iais , no do micílio das t rabalhadoras,
considerado como uma cat egor ia ou modalidade de at ividade produt iva,
embora, margina l. Para co mpreender a hist ória e a dinâmica do t rabalho em
domic ílio das fumageiras do Recôncavo, recorreu -se às análises de Alice
Rangel de Abreu, Bila Sor j e Robert o Ruas, embora, t rat ando -se de cont ext os
difer ent es, mas a discussão perpa ssa pelas quest ões que envo lvem as
condições e a divisão sexual do t rabalho.
A discussão do t rabalho e m do mic ílio, sob a for ma de subcont rat ação,
encont rou em Braver man (1987), a perspect iva hist ór ica de ser um fenô meno
que per sist e desde as pr ime ir as fas es do capit alis mo indust r ial. E m seguida,
são apresent adas as especific idades regionais do t rabalho em do micílio e a
sit uação da mão de obra fe minina em relação ao cont ext o indust rial
fumageiro, bem co mo a descr ição e análise dos espaços e at ividades fabr i s; a
41

superposição de t arefas, a jor nada de t rabalho e o significado do t rabalho par a


as mulher es fumageiras.
Concluindo que, o gênero das t rabalhadoras definiu as caract er íst icas
do t rabalho e m do micílio, ao mesmo t empo em que, as fumageiras recorrera m
ao trabalho em do micílio co mo uma est rat égia de so brevivência, uma vez que
se t rat ava de mulher es pobr es dos meio s urbanos.
42

1 REDESENHANDO O CENÁRIO DO TRABALHO E DAS


TRABALHADORAS FUMAGEIRAS

As regiões são fatos humanos, são pedaços de


história.
Durval Muniz de Albuquerque Jr

A história do Recôncavo é também a história


das contradições.
Maria de Azevedo Brandão

O lugar da cena ou o cenár io onde se desenro lou a t rama das r elações


de t rabalho das mulher es fumageiras, das relações de gênero no/do t rabalho
fabr il fumageiro é o mes mo espaço da produção dos fumos, “a t erra por
excelência produt ora de t abaco”, ambos for mam o Recôncavo fumageiro,
unidade produt iva de um t odo diverso – Recô ncavo da Bahia, est e que se
conso lidou como a pr imeir a reg ião fumageira d o Bras il -C olô nia.
O Recôncavo da Bahia é a região geográfica lo calizada em t orno da
Baía de Todos os Sant os, abrangendo a Região Met ropolit ana de Salvador ou
co mo descr eveu Milt o n Sant os (1998), “[ o Recôncavo] fica em t orno da Baía
de Todos os Santos aureo lando Salvador”. Nessa perspect iva, a região t em
seus limit es a part ir das ba rrancas da margem or ient al do Rio São Franc isco,
descendo em co nvergência at é o níve l do mar, num circuit o de
aproximadament e 200 quilô met ros. Segundo Cost a Pint o (1998):

Chama-se Recôncavo a região que circunda a Bahia de Todos os Santos,


formando o grande anfiteatro no qual, há mais de quatrocentos anos, se
vem desenrolando um dos mais antigos capítulos da colonização do
Brasil, que ali teve o seu começo (...). (PINTO, 1998, p.103).

Est a prime ira descr ição geográfica e fis iográfica da região , possibilit a
co mpreendê- la, inic ialment e, a part ir de um cenár io nat ural em for ma cô ncava
43

de onde vem a se or iginar o vocábulo recôncavo, confor me as figur as n.º 1, 2,


3 e 4 a seguir.

FIGURA 1 – Baia de Todos os Santos (Bahia Brasil)

FONTE: BRANDÃO, Maria de Azevedo. Cidade e Recôncavo da Bahia. In BRANDÃO Maria de


Azevedo (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador (BA):
Fundação Casa de Jorge Amado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia,
1998, p.31.
44

FIGURA 2 – Baía de Todos os Santos (Bahia - Brasil).

FO NTE: Di spon í vel em : www. di a r i o-un i ver sa l . com / t a g/ br a si l / pa ge/ 2/ .


Ac ess o: 27/ 08/ 2010.

A sua de limit ação geopolít ica var ia conforme as diver sas concepções.
Numa perspect iva t radic io nal, faz sent ido est abelecer os limit es do Recô ncavo
em t orno da Baía de Todos os Sant os ou ao fundo do golfo. Out ra
classificação para det er minar a delimit ação do Recôncavo é a divisão po lít ica,
cujo número de munic ípio s so fre uma rela t iva var iação de 23 a 33 munic ípio s .
Cons idera- se, t ambém, uma refer ência import ant e no recort e regional a
classificação de so los, at ividades econô micas e suas relações de produção. Os
mapas a seguir reflet em delimit ações específicas em mo ment os diferent es –
1970 e 1952, respect ivament e.
45

FIGURA 3 – Recôncavo da Bahia

FO NTE: BRAN DÃO, Ma r ia de Az eved o. Ci da de e Re c ôn ca vo da Ba h i a. In BRA NDÃO,


Ma r ia de Az e ved o ( Or g. ). Re c ônc avo da B ahi a: S oc i e dade e Ec on omi a e m Tr an si ç ão .
Sa l va d or / BA: Fun da çã o Ca sa J or ge Am a d o; A c a dem i a de Let r a s da Ba h i a; Un i ver si da de
Fed er a l da Ba hi a, 1998, p. 31.
46

FIGURA 4 – Recôncavo da Bahia

FONTE: BRANDÃO, Maria de Azevedo. Cidade e Recôncavo da Bahia. In BRANDÃO Maria de


Azevedo (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador (BA):
Fundação Casa de Jorge Amado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia,
1998, p.33.

Conforme Santos (1998) são os diferentes caracteres de formação do solo do


Recôncavo que correspondeu a uma diferente utilização do mesmo e que ainda pode ser assim
caracterizado.

Os solos pobres do cristalino serviram a culturas alimentares, tanto no norte quanto


no sul. Os tabuleiros terciários foram o habitat ideal para o fumo. A série Santo
Amaro deu o fofo massapé, onde há quatrocentos anos se planta incessantemente a
cana-de-açúcar. (SANTOS, 1998, p. 62).
47

Toda t ent at iva de t raçar uma lo calização e uma delimit ação do


Recô ncavo enquant o região deve -se considerar a sua hist oricidade e a sua
dinamic idade, ao invés de ent endê - lo co mo espaço (não social) est át ico.
Sant os (1998) chama a at enção para uma for mação e uma definição de
Recô ncavo muit o mais dinâmica que àquela propost a pela ideia t radicio nal,
“uma vez que o Recôncavo fo i sempre ma is u m conc eit o hist órico que mesmo
uma unidade fis iográfica”. (S ANTOS, 1998, p.62).
Já Mar ia de A. Br andão (1998), afir ma que “na verdade, o Recôncavo
nunca for a, seja quant o ao subst rat o ambient al, ou à co ncepção eco nô mica,
uma área unifor me, mas ant es um co mplexo de subáreas especializadas”.
(BRANDÃO, 1998, pp.31 -32). No final da década de 1940, ela afir ma que a
região co mpreendia quat ro subáreas, sendo: a área do massapé,
co mpreendendo part e de Sant o Amaro, São Francisco do Co nde, Terra Nova e
São Sebast ião do Passé, do minada pela pr odução do açúcar ; o alt o Recôncavo,
os t abule iros a oest e dedicados basicament e à produção de fumo e de
aliment os, demogr aficament e denso e marcado por um processo de int ensa
minifundização ; o baixo Recôncavo, as t erras ao sul e a sudo est e, co m maio r
frequ encia de médias e pequenas propr iedades, e que se ocupar am sempr e
mais pr eponderant ement e co m a produção aliment ar (...) ; o Recôncavo Nort e,
demograficament e ralo e marcadament e iso lado das dema is áreas da r egião e
da própr ia cap it al, apesar de sua viz inhança fís ica, est e ent ão dedicado à sua
produção de subsist ência e do coco da Bahia e à pecuár ia ext ensiva.
(BRANDÃO, 1998, pp. 41 -42). Seguindo, ela resume que:

No c on jun t o, o Re c ôn ca vo d o m ea do de st e sé c ul o c om pr een di a os
t er m os da s fr egu esi a s da ci da de d o Sa l va dor e da s a n t i ga s vi l a s d e
Abr a n t es, Sã o Fr a n ci sco da Ba r ra do S er gí do Con de, Sa n t o Am a r o,
a s t er ra s da Vi l a de Ca ch oei r a a n or dest e do Pa ra gua çu e d o Ri a ch o
Fun do, e os t er m os da s Vi l a s d e Ma r a gogi pe e d e Ja gua r i pe.
(BRAN DÃO, 1998, pp. 42).

Numa análise, t ambém, socio lógica dat ada da década de 1950, C. P int o
co mpreendeu o Recôncavo co mo uma sínt ese regio nal dividida em out ras seis
sub-regiõ es, sendo elas: Zona da pesca e do savei ro – na or la mar ít ima e nas
ilhas; zon a do açúcar – nas t erras do massapé; zona do fu mo – mais recuada
do lit oral; zona da agri cu ltu ra de sub si stência – área desco nt ínua, co njunt o
de manchas, roças de mandioca, milho, feijão, hort aliças, frut as, associada ao
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pequeno cr iat ór io, que se espalham por todo o Recôncavo, co mplet am out ras
cult uras pr incipais (pr inc ipalment e a do fumo), concent rando -se mais na
direção das front eiras do Sul e do Sudoest e; zona do pet róleo – ainda
crescent e, definindo agora os seus limit es geográficos pelo processo
eco lógico de invasão de out ras zonas, or iginada e co ncent rada, ent ret ant o, nas
mesmas t erras do massapé açucareiro, nas ilhas e na orla mar ít ima; zon a
urban a de Salvador – de caract er íst ic as met ropolit anas, ou quase, cuja
exist ência, cresciment o e função – co mo cent ro de consumo, de co mércio, de
redist r ibuição, de ser viços, de influência polít ica, de cont role administ rat ivo,
de vida int elect ual, de cont act os com o mundo – represent a um dos pr incipais
fat ores, simu lt aneament e, de unidade e de divers idade do conjunt o (...).
(PINTO, 1998, pp. 108 – 109).
Obser vando que as quat ro prime iras sub-regiões represent avam, at é
ent ão, modelos t radicio nais de relações econô micas e sociais e onde se
prat icavam, dent re out ras at ividades, a pr odução de fumo, est a que favoreceu
a inst alação da indúst r ia fumageir a e, conseq uent ement e, as possíve is
modificações nas relações de t rabalho e nas relações sociais.
O Recô ncavo recort ado em subáreas baseia - se em diferent es at ividades
econô micas, est as, por sua vez, correspo ndem a diferent es g rupos sociais que
at uaram em limit es e dimensões t emporais dist int os, marcando suas épocas
enquant o produziam e reproduziam seus modos de vida t ant o no âmbit o rura l
co mo urbano. São “suas vár ias porções com vocações e at ividades difer ent es”
(SANTOS, 1998, p.62-63), que lhes conferem, ao lo ngo do t empo, um carát er
dist int o de out ras regiões da Bahia, a exemplo do sert ão. Ana Mar ia Olive ira
(2000) descr eve a dist inção ent re as duas regiões:

E n quan t o o Re c ôn ca vo t r a z em sua r epr esen t açã o a s i m a gen s d e


fer t i l i da de, pr oduçã o a gr í col a a bun dan t e, cl ima a m en o e sua ve ,
á gua fá ci l , en tr e out r a s, o ser t ã o é r epr esen t a do por el em en t os que
sã o op ost os a o Rec ôn ca vo c om o es ca ss ez da pr oduçã o a gr í col a ,
cl i m a desér t i co, fa l t a de á gua, ari dez , et c. Nã o obst a n t e, se o cl i m a
e, p or c on seqü ên ci a , a veg et a çã o dã o un i da de a o Re c ôn ca vo t ã o
pr óxi m o d o ocea n o, o r el e vo va r i a do fa z c om que n est e m e sm o
Rec ôn ca vo oc or r a m n um er osos m i cr ocl i m a s. Ide n ti fi ca m os t a m bém
que o Re c ôn ca vo é a ss oci a do à Ba h i a par a r epr esen t ar a di ver si da de
cul t u r a l e o fa ust o d os t em p os c ol on i a i s; o s er t ã o é, p or sua vez ,
r el a ci on a do a o N or dest e, à p obr ez a , a o ba n dit i sm o e a o que é
c on si der a do ar ca i co. (OLIVE I RA, 2000, p. 48).
49

A maior singular idade do Recôncavo enquant o região é, exat ament e, a


sua diver sidade. 13 Ana Mar ia Olive ir a (2000), reconhece que:

O Re c ôn ca vo é um a r egi ã o h á um t em po si n gul ar e n out r o pl ur a l ; se


exi st em el em en t os que l h e dã o un i da de há tam bém a quel e s qu e
dem on st r a m a sua di ver si da de. Di fí ci l per ce ber a r i quez a, a
pobr ez a , os c on t ra st es do Re c ôn ca vo s em l e va r em con t a a
va r i eda de d os s eus a spe ct os fí si c os, s óci o -e c on ôm i c os e o se u
per cur so h i st ór i co.
O Re c ôn ca vo ba i a n o n ã o possui um ún i c o si st e m a pr odut i vo e um a
est r ut ura a grár i a uni for m e. Há n o Re c ôn ca vo vá r i os si st em a s,
est r ut ura s e cul t i vos. A un i da de ec on ôm i ca da r egi ã o nã o s e
en con t r a n a pr esen ça un i for m e e d et er m in an t e de um si st em a de
pr oduçã o, m a s pel o m a i or ou m en or gr a u de r el aci on a m en t o m an ti do
en tr e a l gun s si st em a s e a l gun s cul t i vos pa r t i cula r es. T orn a -se m a i s
c oer en t e en c on t rar a uni da de den tr o de ca da r egi ã o e em seu s
si st em a s i n t ern os, do que n o Re c ôn ca vo t om a do por i nt ei r o.
(OLIVE I RA, 2000, p. 48 - 49).

Est e modo de ver e pensar so bre o Recôncavo oferecem possibilidades


de se pensar, port ant o, a exist ência de vário s recô ncavos d ent ro do Recôncavo
da Bahia. É a part ir desses recort es, que vis lumbra - se co mpreender a porção
aqui deno minada de “Recôncavo Fumageiro”, cuja delimit ação foge aos
cr it ér ios da divisão po lít ico -administ rat iva ou geográfica apenas, e opt a por
um espaço hist o r icament e organizado a part ir das at ividades fumageir as, e m
torno das quais a população produziu e reproduziu as cond ições mat er iais
necessár ias à sua sobrevivênc ia e est abelece u as relações sócio -po lít icas e
cult urais de seu t empo, dando - lhe a int eligibil idade de região.
Vale r essalt ar que qualquer t ent at iva de delimit ação precisa de uma
região torna-se, por demais, co mplexa em função dos vár io s aspect os que a
mesma incorpora, seja do pont o de vist a geográfico, econô mico, polít ico,
social, cu lt ural, hist ó r ico ou ant ropológico. Segundo Nardi (2004):

Di scut i r a s quest õe s de r egi ã o, t er ri t ór i o, espa ç o é pen et r ar n um


m un do ext r em a m ent e di ver si fi ca d o de t e or i a s e a bor da gen s por
en tr e os g e ógr a fos, m a s a in da os h i st or ia dor es, e c on om i st a s,
soci ól ogos e, n a a dm i n i str a çã o públ i ca , en tr e out r os, os
en ca rr ega dos d o pl a n eja m en t o ou p ol í t i ca s e c on ôm i ca s e s oci a i s.
(NARDI, 2004, pp. 12 -13).

13
Nã o c om por t a a qui tra t ar de t odos os el em en t os qu e , cer t a m en t e, com põem a
si n gul ari da de e a di ver si da de de ss e un i ver so, a exem pl o d a riqueza e da complexidade dos
aspectos culturais a l i, h i st or i cam en t e, desen vol vi d os .
50

Por certo, o que há de fato é o não-estabelecimento de um lugar específico e


estático para cada aspecto que compõe uma região ou para a própria região, pois,
ela se completa num todo harmônico, embora distinto, que sofre e gera
transformações no tempo. (OLIVEIRA, 1997, pp. 27-28). A formação e o contorno
dos espaços não são apenas obras da natureza e, neste sentido, Ana Maria Olivei ra
(2000), afirma que a definição de uma região depende:

da escolha que se faz, dos aspectos colocados em relevo e da problemática proposta.


A região torna-se uma questão da opção e da construção do historiador; é a partir das
suas crenças, do seu suporte teórico e das questões apresentadas que este delimita
uma região. (A. M. OLIVEIRA, 2000, p. 39).

Dest a for ma, considera - se que, apesar das paisagens e fenô menos
nat urais que dão fisio no mia própr ia e dis t int a a uma região, ela é um fat o e
um fat o que “não est á dado desde sempre”, co mo t al, a sua co nst rução
cot idiana é fe it a pelo s agent es que dela se apropriam hist órico e socialment e
e, por isso, concorda-se co m Albuquerque Jr. (1999), quando ele afir ma que
“as regiões são fat os humanos, são pedaços de hist ória”. ( ALBUQUERQUE
JR, (1999, p.66).
É a part ir dessas concepções que busca -se ent ender uma unidade do
Recô ncavo baiano que se ergueu a part ir de uma sociedade ligada à produção
e manufat ura do fumo, uma vez que, ant es de ser apenas um espaço
geográfico ela é o result ado de um processo hist ór ico, cuja definição result a
da dinâmica social e eco nô mica dos seus agent es em seus própr ios t empos.
Trat a-se do Recôncavo Fumage iro e, dent ro dest e, circunscrever a área
de at uação e das vivências das mulheres fumag eiras. Est a é uma área socia l
mais rest r it a dent ro da zona ur bana do Recôncavo Fumageiro que, a part ir da
int ensa at ividade de beneficia ment o dos fumos e fabr icação de charut os,
engendrou novos t ipos de relações sociais, de inst it uições e de valores e m
conso nânc ia co m a produção e reprodução sociocult ural, t raduzindo u m
“est ilo de vida e psico logia social de sua gent e". (C. PINTO, 1998, p. 108).
Ao t rat ar de um Recô ncavo Fumageiro, explic it ament e, se r evela a
exist ência de out ros Recôncavos que, confor me a at ividade econô mica
desenvo lvida, alguns est udiosos lhes dão vida e ident idade própr ia. Segundo
Milt on Sant os, é possível se dest acar um Recôncavo açucareiro, um
51

Recô ncavo fu mageiro, mandioqueiro, de cerâmica e um da pesca. (S ANTOS,


1998, pp. 61-65).
Mar ia de A. Brandão t ambém infor ma que há o Recôncavo da cana, do
fumo, da subsist ência e dos mat er iais de const rução, da lenha e da pecuár ia.
(BRANDÃO, 1998, p. 32). Nest es Recôncavos, t ambém, se desenvo lvera m
relações sociais dist int as que engendrar am os mo dos de vida espec ífico s dos
grupos humanos que ali viveram durant e o t empo em que cada unidade
conseguiu se impor enquant o unidade produt iva.
O t empo crono lógico que orient a o percurso dest a pesquisa, co mo já fo i
dest acado ant er ior ment e, percorre um per íod o que vai de 1906, quando a
document ação oferece infor mações so bre o regist ro das pr ime ir as mu lheres
fumageiras da empresa Suerdieck em Marago jipe , 14 configurando o mo ment o
em que a indúst r ia de charut os começou a se desenvo lver e pot encializar
econô mica e socialment e a área fumageira; at é 1950, quando se acent uou o
processo da cr ise e declínio da produção fumageir a na região, dent ro de um
co mplexo cont ext o de cont radições. 15
É preciso explicit ar que est e per íodo fo i det er minado pela
document ação escr it a, en quant o que o t empo expresso nas falas das mulheres
fumageiras fo i o t empo da memór ia e de suas memór ias em part icular, o
t empo fugaz, que não se pode medir nem fixar em lugar algum para ser
revist o, ele é mó vel co mo é móvel a memória de cada pessoa.
As mu lheres fumageir as enquant o fa lavam de suas vidas, falavam de
seus t empos marcados por fat os que const it uía m suas vidas de mulher es, dest a
for ma, o que marca o seu t empo necessar iament e não marca o t empo dos
ho mens nem o t empo das empresas ou vice - ver sa. Ao falar, as mu lheres
t ransit avam no t empo e ent re os t empos a part ir de seus própr ios parâmet ros,

14
Palavra que deriva do Tupi, Maragojipe, é o nome do município onde foi instalada a fábrica Suerdieck. Porém,
foi utilizada, algumas vezes no texto, a palavra grafada como "Maragogipe", por assim constar em todos os
documentos consultados.
15
Desde os tempos coloniais aos republicanos, o Recôncavo sempre viveu dois status: àquele de produtor de
riquezas, sendo o celeiro da Capital pela produção de provisões, além de ser o entreposto entre o sertão e a
capital na distribuição de produtos diversos; outro que revelava um quadro social de muita pobreza de sua gente;
e àquele do latifúndio da cana-de-açúcar, concomitantemente, com as pequenas propriedades de plantação de
fumo e de roças de subsistência. Mas, para a década de 1950, Brandão afirma que é a partir da segunda metade
do século XX que a expansão da rede rodoviária nacional e a integração do mercado interno, dentre outros
fatores de ordem histórica e política, que terminaram por marginalizar os velhos centros de produção regional,
deprimindo a imponente rede que envolve a Baía de Todos os Santos. (BRANDÃO, 1998, pp. 29-42).
52

por isso pode ser que alguns mo ment os de suas falas est ejam relacio nados a
per íodos outros que não est e que aqui fora det erminado.
Assim, considerando a especificidade de as fumageiras estarem diretamente
ligadas à manipulação do tabaco, lança -se um breve olhar sobre este produto e suas
relações com a região e a população que ali viveu no auge da produção e
industrialização do fumo, elementos importantes na formação das redes de relações
sociais e culturais que envolveram parte das mulheres desta porção do Recôncavo
Baiano. Contudo, pretende-se evitar a discussão concernente ao trabalho no campo,
o quadro que se segue tem o caráter, apenas, contextual servindo de base para a
discussão das relações sociais de gênero no âmbito do trabalho fabril fumageiro na
região do Recôncavo, ora denominada de Recôncavo Fumageiro.

1.1 POR ONDE ANDOU O FUMO

A porção do Recôncavo baiano, onde predominou a plantação de tabaco, fo i


citada por diversos pesquisadores a partir das características do solo e da sua
localização geográfica em relação à outras áreas de produção, já que o Recôncavo
como um todo era comparado a um mosaico pelas diferentes plantações nele
distribuídas. Milton Santos (1998, p.62), se referindo aos solos menciona que “os
tabuleiros terciários foram o habitat ideal para o fumo” ; Maria de A. Brandão
(1998, p.41), chamou de “Alto Recôncavo” “os tabuleiros a oeste dedicados
basicamente à produção de fumo”; C. Pinto (1998, p. 108), também, define uma
subárea do Recôncavo como “zona do fumo – mais recuada do litoral”; e Pedrão
(1998, p. 222), quando divide o Recôncavo fisicamente em três andares (tabuleiros,
planícies e manguezais) localiza o fumo nos tabuleiros.
Os tabuleiros 16 de fumo ou zona fumageira constitui o que denomina -se de
Recôncavo Fumageiro, este que encontra-se mais recuado em relação ao litoral
constituindo parte do chamado Recôncavo Sul (SANTOS, 1998, pp. 61 -65). A
outra parte é formada pela zona econômica do açúcar. Ainda, segundo C. Pinto
(1998), a cultura do fumo espraiou-se por uma área extensa que “vai do Norte do
16
“Geogr. Forma topográfica própria a terrenos sedimentares, que se assemelha a pequenos platôs, limitados por
escarpas pouco elevadas; porção de terra separada em que se plantam flores e hortaliças”. (LAROUSSE
CULTURAL, 1992).
53

município de Santo Amaro, percorrendo extensa faixa de ambos os lados do


Paraguaçu, sempre mais recuada do litoral, até, no Sul, ultrapas sar os limites do
recôncavo, entrando no município de Castro Alves”. (C. PINTO, 1998, p. 122).
Conforme o CEI (Centro de Estatística e Informação – 1940), a região
fumageira estendia-se de Maragojipe a Santo Antônio de Jesus. Nestes limites,
destacam-se as cidades de Maragojipe, Cachoeira, São Félix e Muritiba,
interligadas pela antiga estrada BA 02.
Seguindo o curso do Rio Paraguaçu, a sua margem direita é ligada a
Cachoeira pela Ponte D. Pedro II, que encontra do outro lado do rio a cidade de São
Félix e, subindo a escarpa da falha, chega-se a cidade de Muritiba e, a seis
quilômetros após, o Distrito de Cabeças (Governador Mangabeira – município
criado em 1962).
Nesta porção do Recôncavo baiano, sob as coordenadas 120 23’ a 130 24’
latitude sul e 380 30’ a 400 10’ longitude oeste, centra-se a área que, por muito
tempo, enquadrou-se sob um mesmo gênero de vida a partir da cultura do fumo,
envolvendo direta ou indiretamente toda a sua população, de modo particular as
mulheres fumageiras na lida deste produt o, desde seu auge, crise e decadência.
(SILVA, 2001, p. 30).
Dentro dos limites geográficos descritos por C. Pinto e pelo CEI, o solo
apresentava características adequadas ao desenvolvimento da lavoura fumageira,
por apresentar uma composição sílicoargilos a e rica em húmus. As propriedades
naturais deste solo associadas à adubação com o esterco de gado, uma prática
freqüente em toda a região naquela época, determinavam a boa qualidade e
quantidade dos fumos do Recôncavo. Tanto Amaral Lapa (1973, pp. 160 -163),
quanto Nardi (1996, pp.51-52; 66-68), fazem uma minuciosa descrição dos tipos de
solo apropriados para a plantação de fumo. Segundo o memorialista Anfilófio de
Castro "até seis meses quando o fumo, com tempo favorável em terreno bom e
forte, que dá até treze córtes, qual vimos no Fumal, nós e o culto cientista bahiano
Sr. Dr. Heitor Fróes". (CASTRO, 1941, p. 104).
Escrevendo sobre o século XVIII, Ant onil (1982, p. 149) dest aca que a
at ividade fumageir a no Recô ncavo dat a dos t empos da co lo nização da Bahi a,
quando desdobrou-se paralela ment e co m a produção de açúcar na região, a
54

part ir de uma organização po lít ica, econô mica, social e cult ural
difer enciada. 17
A fumicult ura baiana é considerada pela maior ia dos aut ores que t rat am
o t ema co mo uma lavoura de pe quenos agr icult ores e quant o as relações de
produção e a est rut ura fundiár ia, a cult ura do fumo se organizava de for ma
dist int a da cult ura canavieir a, po is, enquant o est a últ ima t inha co mo base o
lat ifúndio e a mão de o bra escrava, o fumo ut ilizava as pequ enas propr iedades
e a mão de obra de ho mens livres, pr incipalment e, a mão de obra fa miliar.
O t abaco era produzido em pequena escala e seu benefic iament o, além
de não exigir alt o níve l de especia lização, era menos dispendioso que o
açúcar, condições que at raíam pequenos agr icult ores para aquela at ividade.
(CASTRO, 1941, p. 107).
Inicia lment e, a maior part e da plant ação de t abaco concent rada nas
t erras de Cachoeir a era dest inada à produção do chamado fumo de corda ou
fumo de ro lo. 18 Est e fumo, mesmo sendo de qualidade infer ior represent ou,
por muit o t empo, uma import ant e at ividade econô mica, embora secundár ia, no
co mércio co lo nial do t ráfico de negros com a Áfr ica. (BORBA, 1975, vo l. 2,
p. 12). Ao passar dos anos, não se obser vou modificações significat ivas n as
t écnicas de plant io e beneficia ment o do fumo, apenas passou a ser produzido
t ambém em for ma de rapé e em fo lhas selecio nadas par a a fabr icação de
charut os.
A produção de fumo e m fo lha co meça por volt a de 1750 e, nest e
per íodo, represent a apenas 1% das exportações dest inadas à Í ndia Port uguesa,
sendo a ma ior part e da produção fumageira co lonia l co mpost a quase
exclusivament e de fumo de corda. (NARDI, 2004, p. 34). Mas, segundo
Alme ida, P. H., (1983, p. 15), a part ir de 1840, o Recô ncavo t em o seu eixo
de produção vo lt ado para o fumo em fo lha, sust ent ando o cresciment o
econô mico da região fumageira at é meados do século XX. Co m o
desenvo lviment o da indúst r ia de charut os na região, cresceu a import ação de
fo lhas de fumo para ser vir de capa, cont udo, considera ndo que a região

17
Segundo Marisa Corrêa, o fumo da Bahia, além de ter sido produzido simultaneamente ao açúcar, rendeu mais
que o ouro das Gerais aos cofres portugueses. (CORRÊA, 1982, p. 19).
18
O fumo de corda é um produto exclusivamente do período colonial brasileiro. “É o fumo que os índios
fabricavam aqui e cuja técnica os colonos portugueses aperfeiçoaram, criando máquinas e apetrechos para
preparar a corda, as bolas e os rolos”. (NARDI, 2004, p. 33).
55

oferecia condições nat urais favoráveis ao plant io , bem co mo, o alt o cust o da
import ação, as empresas passaram a invest ir em t écnicas de plant io ma is
so fist icadas visando a produção do fumo em fo lhas, que era um dos t ipos ma is
import ant es para a produção de charut os e, por isso, mais caros.

FIGURA 5 – Fo lha de Fumo Seca

FONT E : Fol h et o da Suer di eck, 1955.

O fumo era uma cult ur a que se mant inha dent ro dos mo ldes t radicio nais
de produção, embora t ivesse assumindo uma posição de dest aque e
est abilidade dent ro da paut a de produt os export áveis para out ras part es do
mundo, assim co mo, t ambém aument ou o consumo int er no possibilit ando a
emergência de um mercado consumidor local que passou a favorecer o
cresc iment o da econo mia e a for mação de um quadro social caract er íst ico da
região fumage ir a.
Anfiló fio de Cast ro infor ma que "fo mo s nós que já em 1559, envia mo s
sement es de fumo a Port ugal". Co m relat iva diferen ça t emporal, Nardi (2004)
afir ma que a cult ura co mercia l do fumo no Brasil co meço u por volt a de 1570
nas r egiões cost eiras da Bahia e de Per nambuco. Mas, fo i a part ir da segunda
met ade do século XVII que a cu lt ura do fumo passou a ser uma das pr incipais
lavouras t ípicas do Recôncavo Sul da Bahia ( MATTOSO, 1992. p. 463), sendo
est imulada pe lo crescent e int eresse de Port ugal que já ut ilizava o fumo co mo
mo eda de t roca no comércio de escravos co m a Áfr ica e de especiar ias no
Or ient e, quando promo via o abrandament o das medidas rest r it ivas à lavoura,
em favor da po lít ica prot ecionist a que lh e favorecia nos negócio s.
56

No Recôncavo, segundo SCHWART Z (1998), a produção de fumo para


co mercia lização t em início por vo lt a da segunda década do século XVII,
quando pequenos agr icult ores inic iaram em São Pedro do Mont e de Mur it iba
as pr imeiras plant açõe s, seguindo -se à Vila de Nossa Senhora do Rosár io do
Porto da Cachoeira, onde co meçou a cent ralizar a indúst r ia do fumo de ro lo.
(SCHWARTZ, 1988, pp. 84-85).
Assim, o t abaco fo i ocupando novos espaços chegando a for mar uma
área ext ensa de plant ação e benef ic iamento que passou a ser deno minaram de
Recô ncavo Fumageiro. Mas, va le regist rar que fo i nas t erras de Cachoeira que
ele deu os pr imeiros sinais de seu desenvo lviment o na reg ião, pois Vilhena
assim já descreveu:

Creio que não ignoras ser a erva do taba co de qualidades diferentes, a que
se tem igualmente dado diversidades de nomes, e que tôdas elas
produzem maravilhosamente por todo o Brasil, mas que nos campos da
vila da Cachoeira distante 14 léguas a Oeste da cidade de Salvador, é que
nos domínios portugueses do Brasil, se descobriu a terra mais própria, e
melhor para a plantação desta lucrativa erva, cujo Real Contrato anda
hoje pela soma que não ignoras. (VILHENA, 1969, p. 197).

Jean Bapt ist e Nardi, especialist a na hist ória e econo mia do fumo no
Brasil, em part icular na região Nordest e, reafir mou a região de Cachoeir a
co mo o cent ro da produção fumageir a da Bahia. Par a o últ imo quart o do
sécu lo XVIII, a document ação examinada por est e autor dest aca “os campos
da Cachoeira” co mo os pr incipais espaços p rodut ores de t abaco naquela
região, a part ir dos seguint es limit es:

Os ca m pos da Ca ch oei r a a br an gi am n a quel a époc a m ui ta s fr eguesi a s


sen do qu e a s m a i s i m por t an t es er a m a s de Ca c h oei r a , Sã o J os é d e
It a por or oca s, Sã o G on ça l o d os Ca m pos, Sã o Pedr o da Mur i t i b a ,
Out ei r o Red on do e Sa n t o E st e vã o d o Ja cuí pe. Ou t ra s de i m por t ân ci a
m en or ch am a va m -se Ol i vei r a , Sant i a go do Igu a pé, Dest er r o, Sã o
Fel i pe, Ma r a goji p e, Sã o F él i x e Cr uz da s Al m a s. (NARDI, 1996, p.
36).

Segundo Vilhena, no século XVIII, “há nest a Cap it ania difer ent es
paragens, onde se lavra t abaco; os sít io s porém onde há mais fazendas dê le
são co m prefer ência a t odos do Brasil, os campos da Cachoeir a". (VI LHENA ,
1969, p. 199). No início do século XIX, 1802, ainda escrevia Vilhena, “A
Vila de Cachoeir a se fa z r eco mendável e opulent a por ser caixa de t odo o
57

Tabaco que se fabr ica no cont inent e”. Para Kát ia Mat t oso (1992, p. 463), no
final do século XVIII, só no dist r it o de Cachoeira havia o it o mil plant adores
de fumo e na maior ia rendeiros, cr iando, a part ir de ent ão, uma espécie de
t radição em t orno dessa at ividade e um t ecido social t err it orialment e
difer enciado.
Assim, a expressão “Os campos da Cachoeira”, no que diz respeit o à
produção de fumos do Recô ncavo, vai além dos at uais limit es po lít icos e
geográficos dest e município . Segundo Nardi (1996), t rat a-se da class ificação
das fazendas de fumo por freguesias. Vale ressalt ar, que est e recort e at ende à
época da plant ação do t abaco visando a produção de fumo de ro lo e, port ant o,
ainda de propr iedade dos grandes fazendeiros ut ilizando mão de obra escrava.
A figura abaixo per mit e visualizar a abrangência dos Campos de Fumo da
Cachoeira.
58

FIG URA 6 – Os Campos de Fumo da Cachoeira

FO NTE: NARDI, Jea n Ba pt i st e. O fum o Br a si l eir o n o Per í od o


Col on i a l. Sã o Pa ul o: Br a si l i en se, 1996, p. 37.

Analisando a hist ór ia agrár ia do Recôncavo baiano do século XI X,


Bar ickman explic a que, desde o iníc io, as t erras que não foram exploradas
pela cult ura açucareira, pr inc ipalment e aquelas de so lo de areia, fora m
ut ilizadas para o cult ivo de fumo pelos agr icult ores que possu íam pequenas
áreas de t erra. E m Cruz das Almas, por exemplo, 60% dos sít ios t inha m
menos de 40 ha, enquant o o engenho médio do Recôncavo t inha 481 ha.
(BARICKMAN, 2003).
Nesse per ío do, Cachoeira e seus arredores, pr incipalment e os
munic ípio s de São Félix e Mur it iba, represent aram o cent ro da cult ura
59

fumageira na Bahia, seja pela qualidade do fumo, seja pelo s produtos ali
produzidos. Out eiro Redondo, dist r it o de São Félix, chegou a receber
incr ement os do governo pela “produção de safras apr eciáveis na ba lança do
Est ado”. 19 O fu mo de São Félix era, de fat o, para o ext er io r, a melhor espécie
export ada pelo Brasil, por corresponder às exigências do mercado na
produção de charut os finos.
Cachoeira, que desde sempr e ligava o Sert ão à Salvador funcio nando
co mo cidade-ent repost o, no mo ment o do auge da econo mia fumageira, ent ão,
ligava- se à t odas as localidades da zona do fumo, co mo t ambém a Feira de
Sant ana e Sa lvador, sendo, dest a for ma, pr ivilegiada por sua posição port uária
e depo is ferroviár ia, reforçando sua posição de cent ro polít ico -administ rat ivo
e por dir igir as relaçõe s econô micas na região.
As cidades vizinhas foram est rat egicament e afast adas ou anexadas à
rot a promissora da econo mia fumageira. Sant o Amaro, que era reco nhecida
t ambém co mo porto fumageiro no iníc io do século, perdeu suas funções
depo is que a ferrovia l igando Cachoeira à Feira de Sant ana passou a servir à
zona e as loca lidades fumageiras. (S ANT OS, 1998, p. 76 -77). Já S ão Félix e
Mur it iba, cidades muit o próximas à Cachoeira, co mplement avam o conjunt o
hier árquico do “co mplexo baiano do fumo ”, além de ser vi re m de pont o de
pouso para os t ransport adores de mercador ias . 20
Junt as, Cachoeira, S ão Félix e Mur it iba, represent avam o cent ro
co mercia l do Recô ncavo Fu mageiro, pois t inham a função de sediar o
escoament o da produção e int er mediar a capit al e o int er ior ma is dist ant e - o
sert ão, ao recambiar uma sér ie de produtos export áveis, fat o que reproduziu o
cenár io de t ropeiros, vaqueiros e co merciant es a t ransit ar pelas ruas daquela s
cidades em direção ao porto.
Essa rede de co municação que se enco nt rava so lid ifica da em fins do
sécu lo XIX, so freu sér ias modificações e uma nova organização no início do
sécu lo XX, co m a abert ura de est radas de rodagem e a conseqüent e ut ilização

19
ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO FÉLIX. DIAS, L. Gonzaga. O Congresso nacional do Fumo: histórias e
problemas vistos em conjunto. Correio de São Félix. São Félix: Publicação aos sábados, n.º 887, 12/07/1952.
20
Adota-se o conceito “complexo baiano do fumo” de Paulo H. de Almeida (1983) e não o de “complexo
econômico regional” ou “complexo nordestino”, uma vez que estes tem como eixo a produção de açúcar que se
manteve à frente da economia regional de maneira preponderante até início do século XX. Também, em
contraposição ao conceito de “sistema agroindustrial”, que o autor afirma não poder ser aplicado, em nenhum
momento, para a atividade fumageira da Bahia. (ALMEIDA, 1983, p. III).
60

de veículos aut omotorizados, embora t enha sido est e um dos fat ores
import ant es para a progr essiva t ransfer ência da import ância eco nô mica e
polít ica dessa região para out ras áreas, isolando -a do resto do país. (CENSO,
1970, pp. 17-18).
Nest e co nt ext o, dest aca -se a co nsiderável import ância do Porto da
Cachoeira, sit uado nos t erraços fluviais da m argem esquerda do Paraguaçu,
pois desde os pr ime iros t empos da co lo nização at é meados do século XX,
grande part e da produção do planalt o fumageiro, incluindo a produção das
manufat uras de charut os, era escoada por via flúvio - mar ít ima, fazendo do
porto um e le ment o muit o import ant e na est rut uração econô mica e social da
região. (CENSO, 1970, pp. 17 -18).
E m 24 de junho de 1949, já co m a ext ensão da malha viár ia na região, o
prefe it o de Cachoeir a, Ar ist ides Milt o m, so licit ou ao minist ér io da Viação a
cifra de Cr$ 200.000,00 para a const rução do cais da Vila do Iguape,
afir mando que "Quase t odo t ransport e é feit o por via fluvial e d'ai a
necess idade ext rema e urgent e do cais de que t rat a a emenda". (A. M.
CACHOEIRA/ CORRESPONDÊNCI AS OFICIAIS. ESt . 6, CX. 169, 1949 ).
É, de fat o, um cenár io que revela um int enso mo viment o de ent rada e
saída de mercador ias na região, caract er izando o t empo de uma econo mia
promissora, embora cont rast asse co m um quadro social de mu it a pobreza que
ali margeava e para lá se dir igia em bus ca de t rabalho, inclusive nas fábr icas
que for mavam o parque manufat ureiro da região. (PINTO, 1998, pp. 123 -133).
No fina l do século XIX, o fumo, já pr ocessado pela indúst r ia lo cal,
imperava co mo import ant e art igo de expo rt ação. Ao adent rar o século XX, as
rendas aufer idas pela export ação do fumo cont inuaram co nt r ibuindo co m o
desenvo lviment o da econo mia da Bahia, sendo o Recô ncavo o maior
for necedor de fumo e der ivados de t odo o Est ado. Fo i assim at é mesmo
quando já não ocupava lugar de dest aque por ocasiã o das sucessivas cr ises e
dificuldades que a lavoura enfr ent ava. (BORBA, 1975, p. 10; ALMEIDA,
RÔMULO, 06/ 1951, n.2. pp. 8 -9).
A produção de fumo procedent e do Recôncavo per mit iu à Bahia, at ravés
do comércio de export ação e import ação, mant er fort es r elaç ões co merciais
co m as cidades de Bremen e Hamburgo na Alemanha, dent re out ras,
favorecendo a abert ura do consulado alemão na cidade de Salvador já e m
61

1820, sendo o pr ime iro do Brasil e, em 1872, fo i inst alado, t ambém, o


consu lado imper ial alemão. Segundo A lme ida, esses co nsulados
dese mpenharam o papel de verdadeir as represent ações co merciais,
co mprovando o int eresse dos alemães nas at ividades eco nô micas na região.
(ALMEIDA, P. H., 1983, p. 16).
A Alemanha represent ava o mais import ant e mercado de fumo de
charut os de toda a Amér ica, po is, segundo Nardi est e país é, naquela época,
“o cent ro do comércio int er nacio nal do fumo ”. (NARDI, 2004, p.35). Breme n
chegou ao fim do sécu lo XIX co m o pr imeiro lugar na import ação mundia l de
fumo em fo lha e, no iníc io do séc ulo XX o fumo da Bahia – co mo é chamado
o fumo do Recôncavo -, ocupou lugar de dest aque no co mér cio de Bremen,
ant es dividido so ment e co m os Est ados Unidos. (BORBA, 1975, pp. 75 -78). 21
Co mparado muit as vezes co m o fumo de Havana, o fumo do Recô ncavo,
quando aqui beneficiado, t ambém era dest inado aos charut os de qualidade
super ior, uma vez que o int eresse ale mão pelo fumo baiano explica -se, dent re
vár ios fat ores, por suas caract er íst icas de “fumo s fort es” co m boa aceit ação
nos mer cados da Europa Cent ral. ( AL MEIDA, P. H., 1983 p. 17; S UERDIEC K
S/A CHARUTOS E CIGARRI LHAS, 1905 -1955). Segundo Anfiló fio de
Cast ro, em sua obra so bre Mur it iba:

Claro, aroma delicioso, fino, leve, elástico e resistente; folhas de limbos


largos, nervação delicada, lisas, ora apresent ando pêlos granulosos a que
chamamos em vulgar - "carrosquilhos", é o fumo das nossas bôas
"malhadas". (...) Daí a sua reconhecida estima e preferência sôbre o de
todas as demais zonas, para a indústria charuteira. ( CAST RO, 1941 p.
104-105).

Ao mesmo t empo, vale lembr ar que a Bahia co nst it uía -se, t ambém, num
grande import ador de fumo de vár ias part es, at ravés de Br emen de onde
adquir ia os charut os alemães. As relações co mercia is ent re a Bahia e a
Ale manha evidenciam o r eflexo do cont role do mercado do fumo baiano pela
Ale manha, po is, do Recôncavo era exportado o fumo brut o, que naquele país

21
Segundo P. H. Almeida, “O produto de exportação da província que concentrava os interesses do capital
alemão era o fumo em folha. (...). Nas últimas décadas do século passado, os negociantes nacionais limitavam-
se, na maioria dos casos, à compra das folhas diretamente dos fumicultores, ao enfardamento em armazéns no
Recôncavo e a revenda do produto para grandes empresas alemãs” estas que controlavam, praticamente, toda
exportação do fumo baiano. (ALMEIDA, P.H., 1983, p.16).
62

era beneficiado e reexport ado como fumo de alta qualidade para ser utilizado,
inclusive, nas manufaturas do próprio Recôncavo a preços altos. 22
Mas, t odo est e est ado pro missor do Recôncavo fumage iro que envo lveu
desde a produção, beneficia ment o e co mercialização dos fumo s e der ivados,
const ruiu um t rajet o dinâmico pelas cidades det er minado pelos r equis it os do
desenvo lviment o eco nô mico do set or, int erfer indo na paisagem ge o fís ica e
socioeconô mica da região.
Assim, num processo de sucessão hist órica e eco lógica, o pólo
fumageiro foi, gradativamente, sendo transferido para Cruz das Almas e
adjacências, conforme se verifica nos números da produção do ano de 1926, em que
os municípios de Cachoeira, São Félix e Muritiba juntos produziram 1.140.000
quilos de fumo e Cruz das Almas sozinho produziu 1.660.000. (IBF, 1936, Cx.
2378. M. 149, p. 07 ). No resumo dos trabalhos do ano de 1936, do Instituto
Bahiano de Fumo, consta que Cruz das Almas tinha cadastrado 1.521 lavradores e
rendeiros produtores e Muritiba o número de 1.466, enquanto que Cachoeira e São
Félix não aparecem mais como grandes produtores de fumo. (IBF, 1936. Cx. 2378.
M. 149, p. 07).
Em meados do século XX, a expansão da rede rodoviária nacional, a
integração do mercado interno e o advento do caminhão na região, contribuíram
diretamente para as transformações espaciais da indústria fumageira n o Recôncavo.
Neste momento, Cruz das Almas já representava o maior produtor d e fumo entre
aqueles municípios e os velhos centros da produção regional foram, então,
marginalizados. (SANTOS, 1998, p. 79; BRANDÃO, 1998, p. 40). Essa mudança
de direção no quadro da importância econômica dos antigos municípios produtores
e beneficiadores de fumo, causou um certo mal-estar. Pois, em 1941, ainda sem
perceber as mudanças conjunturais oferecidas pelo momento, Anfilófio de Castro
escrevia:
(...) e, de culpa nossa, nos tomou [Cruz das Almas] a vanguarda,
desaparecendo assim o nosso nome que, m uito acreditado e conceituado,
brilhava nos mercados estrangeiros, onde as grandes "marcas" atuais,
feitas de fumo nosso, em nossos armazéns, levam chapas dizendo -se de
outras procedências, como se possível noutras partes genero igual, e
operários aptos e escrupulosos como o muritibano. (CASTRO, 1941, p.
104).

22
Durante o século XIX e a primeira metade do século XX, observa-se uma presença marcante do capital alemão
na economia fumageira baiana. (ALMEIDA, 1983, pp. 15-16).
63

A área que representou o principal centro da cultura fumageira da Bahia,


incluindo aí o que se denominava na época de Recôncavo Sul, foi composta,
considerando os diferentes períodos de ascensão eco nômica, pelos municípios de
Maragojipe, Cachoeira, São Félix, Muritiba, Cruz das Almas, São Gonçalo, São
Felipe, Nazaré e Santo Antônio de Jesus. Estes percorrendo uma grande faixa de
ambos os lados do Rio Paraguaçu, os chamados tabuleiros terciários sempr e
recuados do litoral, formavam uma zona natural produtora de fumo de onde
procediam várias espécies apropriadas ao fabrico de charutos pelo tratamento dado
às suas folhas. (BORBA, 1975, p. 19; PI NTO, 1998, p. 122). No relatório do
IBF, de 1936, os tipos de fumo são classificados conforme as zonas produtoras,
bem como a sua preferência nos setores manufatureiro e comercial:

O "mata", fumo suave e fino era procedente de Belém (distrito de Cachoeira),


Muritiba, Cruz das Almas, Conceição do Almeida, Maragogipe, São Felipe e Santo
Antonio de Jesus; o "Beira-campo", ou seja, fumo forte e fino procedente de São
Gonçalo e Cachoeira; produzindo as outras áreas um fumo mais "ordinário". Cada
uma dessas espécies pode ainda apresentar variações secundárias de qualidade.
(APEB. Seção Republicana. Sec. Da Agricultura. Correspondência anexa ao
Regulamento do IBF, cx. 2378. M. 149, p. 10).

Os fumos de Matta e São Gonçalo são os mais usados nas nossas fábricas
de charutos e gozam de preço elevado, como os de Cruz das Al mas que
são também superiores, e das zonas próximas conhecidas como "Matta
Perto", por alguns negociantes. (...) Em São Gonçalo e Cruz das Almas,
fumos cultivados com cuidados especiaes, por alguns agricultores, e
cortados folha por folha, cuidadosamente b eneficiados alcançam preços
de 80$000 e mesmo... 100$000 a arroba. Estes fumos especiaes são quasi
todos comprados pelas nossas fabricas de charutos. ( APE B. Seçã o
Repu bl i ca n a . Sec. Da Agr i cul t ura . Corr espon dên ci a an exa a o
Regul a m en t o do IBF, cx. 2378. M. 1 49pp. 3 -4).

Na década de 30 do século XX, a lavoura de fumo já havia se estendido por


outras áreas do Estado, a exemplo de Coração de Maria, São Miguel das Matas, São
Gonçalo dos Campos e Castro Alves, chegando a 101 municípios dos 152 daquela
época, uma expansão que caracterizou a importância desse produto agrícola na
economia baiana, considerado como aquele que "tem uma tríplice influência: é
artigo de exportação, é objecto de geral consumo interno e é fonte fiscal ou de
renda". (APEB. Secret ar ia da Agr icult ur a I ndúst ria e Co mércio. Relatóri o
sob re o fu mo. Cx. 2378, M. 149, p. 31).
64

Esse processo de evolução da importância econômica do fumo na Bahia,


principalmente, no Recôncavo, é que contribuiu para a instalação e ampliação de
várias empresas de manufaturas deste produto, coincidindo a época da grande
exportação de fumo com o surto manufatureiro, localizado principalmente nas
cidades de Maragojipe, Cachoeira, São Félix, Muritiba e Cruz das Almas, que
esteve no auge, considerando os períodos de crise, at é a década de 50 quando
começa o processo da decadência da manufatura fumageira na região. ( BORBA,
1975, p. 18; SANTOS, 1998, pp. 80 -87).
No relatório de 1931, a Associação Comercial da Bahia ao solicitar ao
interventor do Estado, Juracy Magalhães, proteção para os fumos brasileiros em
nome dos comerciantes, revela que "este Estado tem na exportação do fumo em
folha um dos índices mais elevados da sua expressão econômica e financeira".
(ASSOCI AÇÃO COMERCI AL DA BAHIA. Relatóri o da 91.ª Di rectoria –
1931. Bahia: 1932, pp. 235/8). Sabendo-se que o fumo em folha, de alta
qualidade e produzido nessas áreas, serviam exclusivamente para capas de charutos.
Em 1941, por época da comemoração do terceiro ano de governo do
interventor da Bahia Landulfo Alves, num bolet im que informava as suas principais
obras, a lavoura do fumo ainda apresentava elevada apreciação porquanto "foram
incorporados ao Campo de Fumo de São Gonçalo mais cem hectares de terras".
Terras que foram desapropriadas para atender a todos os pequenos a gricultores que
quisessem plantar fumo, além de construir naquele campo estufas para secagem do
fumo para produção de cigarros. São Gonçalo é um município que se localiza entre
o Recôncavo e Feira de Santana e, naquela época, serviu de sementeira, ou seja, de
campo experimental do Instituto Bahiano do Fumo. ( APEB. Sec. Doc.
Administ rat iva. Pape let as, Circular es e Out ros. 1940 -1947. E. 087, Cx. 2281.
M. 1935).
A situação do mercado do fumo em folhas, produto originário do Recôncavo
baiano e destinado à produção de charutos e cigarrilhas, foi considerada naquele
momento bastante promissora, uma vez que mereceu nota publicada em jornal local,
na data de 26 de julho de 1942, revelando diversos dados sobre o assunto, entre eles
que "70% da produção foi vendida p ara o exterior e 100% da produção foi em
época própria, vendida pelos agricultores aos enfardadores, a preços duplos dos da
safra passada, (...)". (AMS F. Correio d e S ão Féli x. S ão Fé lix: Jornal semanal,
n.º 65, 26/07/1942).
65

Em 1952, ocorreu em Salvador o Congresso Nacional do Fumo voltado para


o estudo de novas técnicas na cultura do fumo, assim como, para a busca do amparo
à lavoura e assistência financeira aos produtores 23 e industriais, acontecimento que
revela a importância do fumo naquele período. Na oportunidade, o Jornal Correio
de São Félix dedicou importantes espaços à história do fumo e das manufaturas
naquela região, como a publicação em 26 de abril de 1952, da palestra "Fábricas de
Charutos", proferida pelo Comendador José Ramos de Almeida Alves, em
09/04/1952 no Rotary Club Cachoeira - São Félix; os artigos "O Fumo na História"
de Enio N. Labatut que ocupou o número do dia 10, 17 e 24 de maio de 1952; e "O
Congresso Nacional do Fumo: histórias e problemas vistos em conjunto" de L.
Gonzaga Dias, publicado em 12 de julho de 1952.
A zona fumageira definiu, ao longo do tempo, uma nova hierarquia para as
cidades da região no plano da importância do desenvolvimento econômico e sócio -
espacial, emprestando também a sua população características culturais
diferenciadas das regiões vizinhas ou da mesma região em outros tempos a exemplo
da região canavieira. (SANTOS, 1998, pp. 66 -70; S CHWART, 1988, p. 85). O
fumo, portanto, constituiu-se num elemento importante nesta região, não apenas
como produto auxiliar de sua economia, mas como produto econômico primário de
uma sociedade, que além de uma paisagem natural, delineou uma paisagem humana
e social característica de suas propriedades, desde o trato na roça, o uso na
fabricação de charutos até o comércio de modo geral.
Como já foi dito em outra oportunidade, a evolução da importância do fumo
na região revela o grau de envolvimento da população que, ao longo do tempo,
dedicou-se ao seu plantio, beneficiamento e manufatura, delineando, também, uma
fisionomia social e cultural do Recôncavo Fumageiro. O domínio da cultura
fumageira representou outra economia, outra vida e outra cultura, refletindo assim,
na formação de uma sociedade diferente do Recôncavo açucareiro.

23
A utilização do termo “produtores” deve-se à documentação que assim se refere aos plantadores de fumo na
Bahia. Porém, P. H. ALMEIDA trabalha com o termo fumicultores, pois segundo este autor o primeiro está
ligado diretamente às relações de produção no campo, ou seja, à questão camponesa. (ALMEIDA, P.H., 1983).
66

1.2 PEQUENA “LAVOURA DOS POBRES”

E m finais do século XVIII, 99,1% dos lavradores de fumo eram pessoas


livres, dist r ibuídas nas cat egorias de milit ares, eclesiást icos , mu lheres e
escravos forros. (NARDI, 1996, pp. 133 -134). Quant o à mão de obra da
lavoura fumageir a, um cenár io co m poucas mod ificações at é o final do século
XIX, est a era for mada por um pequeno número de escravos e escravas, t ant o
para o t rabalho da roça quant o para a preparação do fumo em ro lo ou fumo em
corda que for mava a “bo la de fumo ”, t rabalho pesado realizado nas
manufat uras da Vila da Cachoeira. (LAP A, 1973, pp. 171 -179; MATTOSO,
1992. p. 463; ALMEIDA, P. H., 1983).
Após a abo lição da escravat ura, a part ir de 1888, essa região passou a
cont ar co m o ret alhament o das t erras e com um co nt ingent e ma ior de mão de
obra livre e sem t raba lho fixo. (S ANTOS , 1998, p. 73). É nest e cont ext o que
grande part e dos escr avos libert os da região passou a ocupar as cat egor ias de
meeiro e rendeiro e, post erior ment e, lavr adores de fumo . (BORBA, 1975, pp.
13-15; PINTO, 1998, pp. 124 -125; CORREIO DE S ÃO FÉLI X, n.º 22,
15/10/1944). De modo geral, O liveira A. M. (2000), classifica os
t rabalhadores da lavoura e os negociant es de fumo, a part ir dos per íodos da
hist ór ia po lít ica:

Na área fumageira, "da lavoura de pobre" além dos escravos e homens livres,
lavradores, que predominaram na época colonial e imperial, é possível destacar já no
período republicano, os trapicheiros, pessoas que compravam o fumo dos lavradores
para revender às firmas exportadoras. (OLIVEIRA A. M., 2000, pp. 46-47).

O Recô ncavo Fumageiro se impôs co mo uma vast a área dedicada ao


plant io do t abaco e a produção dos fumo s e der ivados 24. Cont udo, não se t rat a
de grandes propr iedades plant adas , mas de pequenas plant ações em
propriedades co m ext ensão de 1 a 10 hect ares de t erra apro ximadament e.

24
O processo agrícola da atividade fumageira incluía desde o plantio, a limpa da roça, o período de desolhar
(tirar o olho da planta para que esta enchesse de folhas), o corte e a secagem do fumo, processos realizados com
o fumo ainda inatura. Na casa do agricultor, outra etapa se iniciava: o barrufo (molhar o fumo com a boca cheia
d’água), a fermentação em “camas de fumo” e o processo de seleção das folhas que, ao chegar aos armazéns, a
produção já estava semi-processada, mas que dava-se início a um outro processo de limpeza e seleção dos fumos
conforme as necessidades, seja de exportação ou venda direta às fábricas de charutos.
67

Est as propr iedades eram administ radas inic ialment e por ho mens livres de
parcos recursos econô micos e que mesmo não sendo um lat ifundiár io co mo
era o senhor de engenho, possuía m pequenas ext ensões de t erras ou era m
meeiros.
Nest e caso, nem sempr e o meeiro era aquele que t inha a posse da
met ade da t erra. O meeiro no Recôncavo era aquele que, at ravés de u m
cont rato verba l, arrendava um pedaço de terra para t rabalhar e met ade de t udo
o que produzia levava co mo pagament o para o dono da t erra. Já o rendeiro,
aqui, não era aquele que arrendava a t erra, mas o t rabalhador que não a
possuía e, por isso, t rabalhava nas t erras de out ra pessoa, recebendo e m
dinheiro pelos dias t raba lhados; ou morava nas t erras de out ra pessoa onde
fazia roça de subsist ência para sobr eviver, inclusive co m a família, e pagava
“a renda” co m t rabalho na roça do propriet ár io alguns dias da semana.
(SILVA, B enedit a. 2009 ; MATTOSO, 1992, p. 463; BORBA, 1975, p. 13 -
14). 25
Cost a Pint o descreve e classifica as formas de parcer ias co mo “renda
t rabalho”, em que o propriet ár io cede as t erras em t roca de alguns dias de
t rabalho na se mana em sua lavoura ; “r enda-produt o”, o lavrador paga ao
propriet ár io das t erras uma part e do que produz, chamada de t erça ou meia; e
“r enda-dinheiro”, quando o aluguel da t erra é pago em dinheiro. (PINTO,
1998, p. 124-125). Esse r egime de parcer ia local enquadrava -se nas for mas
t radicio nais e arcaicas d as relações sociais de produção no mundo agrár io.
Enquant o na indúst r ia fumageira, desde o embr io nár io processo de inst ala ção
e adapt ação , a mão de obra enquadrou-se so b o modelo cap it alist a de
assalar ia ment o.
E m fins do século XIX e no século XX, co m a ut ilização do fumo , em
larga escala na fabr icação de charut os e cigarr ilhas e, por conseguint e, maio r
exigência do mercad o int er no e ext erno, passou a predo minar um número
maior dos chamados pequenos e médio s propriet ár ios de lavouras de t abaco
no Recô ncavo Baiano .

25
Somente após 1959 as categorias de rendeiros, parceiros e meeiros sofreram uma redução acentuada, conforme
SECRETARIA DA AGRICULTURA – IBF/CEPA, SEC. DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO. Fumo na Bahia:
Diagnóstico Preliminar. Salvador: 1980, p. 20.
68

D. Benedit a (1998), afir ma que o conjunt o dessas pequenas e médias


lavouras de t abaco for mava “uma malhada ver de nas épocas de cult ivo e, no
per íodo de secagem, enchiam as casas dos moradores de ‘camas de fumo’ e
t alos secos”. 26 As famílias propr iet ár ias das lavouras de t abaco ou mesmo
àquelas que se enco nt ravam na cat egoria de meeiras ou rendeiras vivia m
envo lvidas no labor diár io dessa at ividade, cujas et apas eram muit o
t rabalho sas. As pr incipais et apas iam desde a preparação das sement eiras e do
so lo, o plant io e o t rato com a plant a; a co lheit a, ou seja, as et apas do cort e,
secagem e enfar dament o ; t ransport e dos fardos para os ar mazéns 27 de
enfardament o ou beneficia ment o nos cent ros urbanos mais próximos ; at é o
t rabalho das manufat uras, que t inha o seu cont ingent e operár io maior,
exat ament e no per íodo ent re ssafras, quando cessava o t rabalho na roça de
fumo e se est endia a labut a com a plant a já seca e semi-processada nos
est abeleciment os fabr is ou nas própr ias casas das t rabalhadoras . (LAP A,
1973, pp. 160-167; CASTRO, 1941, pp. 106 -107; NARDI, 2004, pp. 1). 28
O cenár io nat ural e social da região fumageira era for ma do por um
conjunt o de sit uações e apet rechos específicos daquela lavoura e de seu
cont ext o . Ferrament as, co mo o arado e a enxada ; insumo s co mo o adubo – o
est erco de gado ou a mamo na 29 (RELATÓRIO DO I BF. Cx. 2378, M. 149, p.
15-29); as mãos e os avent ais da s mu lher es sujo s de cero l de fumo ; o aro ma
fort e da plant a verde ou seca ; os t elhado s das casas e/ou dos galpões cheios
de fumo ; os fardos de fumo sobre os animais t ransit ando ent re as casas e os
ar mazéns de benefic iament o; além dos fabr icos e fábr icas de charut os no auge
do seu funcio nament o, todos são element os peculiares que definiram e

26
Sobre o uso do termo “malhada”, Joaquim de Amorim Castro (Juiz de Fora e lavrador da vila de Cachoeira –
1788) já utilizou em suas Memórias como “lugar estrumado”. (CASTRO apud LAPA, 1973). Completando Lapa
diz “que hoje pode também significar uma plantação de fumo”, (LAPA, 1973, P. 164).
27
Os armazéns de fumo, como eram conhecidos na região, eram estabelecimentos comerciais de compra e venda
de tabaco, que acumulavam várias atividades, dentre elas, a compra do fumo diretamente do produtor, muitas das
vezes financiando a produção; o beneficiamento do fumo através do processo de escolha, destalação e separação
dos fumos; enfardamento; pesagem; exportação e importação; e distribuição dos fumos para as empresas que
ficavam na ponta da produção – as fábricas de charutos, de dentro e fora do estado.
28
Para um estudo minucioso sobre a semeadura e todas as fases de produção do tabaco, a obra que apresenta
maior número de informações detalhadas é a de Antonil, que dedica 12 capítulos, versando sobre o assunto.
Antonil avalia, ainda, ser o trabalho de lidar com o tabaco tão penoso que excede em muito o de fazer o açúcar.
(ANTONIL, 1982, pp. 149-160 e 199).
29
O adubo químico, resultado do bagaço de caroço da mamona passou a ser utilizado já no século XX. O
estrume do gado destinado à fertilização da terra para o plantio de tabaco está intimamente relacionado à
conexão desta cultura com a pecuária, na mesma região. (LAPA, 1973, 162).
69

caract er izaram não só a região, como as pessoas e os t ipos de relações que as


mesmas t eciam no seu cot idiano.
Na lavoura fumageira, diferent ement e da indúst r ia, a maior ia das et apas
de produção dos fumo s envo lvia o t rabalho de todos os membros da família,
inc luindo os agregados, se os t ivessem, não hav endo, port ant o, a presença de
um feit or ou mest re. No ent ant o, todo o t rabalho est ava so b a direção do chefe
da família qu e, ger alment e, era o ho mem, cabendo - lhe, t ambém, as funções de
maior responsabilidade que iam além de part icipar do cult ivo da lavoura,
co mo a organização do t ransport e e a co mercia lização do fumo nas casas
enfardadoras dos fumo s. E st as últ imas r ealizavam a int er mediação ent re o
agr icult or e as fir mas de export ação ou de benefic iament o, t ant o para
export ação, como para produção de charut os.
As mulher es, de t odas as idades, est ava m present es na lida agr íco la,
elas que, cult uralment e, eram as únicas respo nsá veis por todo o serviço
domést ico e o cuidado co m as cr ianças . 30 Est as últ imas já crescia m na lida,
lado a lado a seus ir mãos e ir mãs, pais, mães e avós, aprendiam, desde cedo, a
t rabalhar nas vár ias et apas que envo lvia a fumicult ura.
S it uações que envo lviam r elações eco nômicas, sociais e de gênero
emprest avam àquela gent e caract er íst icas singulares ligadas às at ividades
relacio nadas ao fumo. (NERIS, 1996 ; P INTO, 1998, pp. 129-130). A zona
agr íco la do Recô ncavo Fumageiro t eve sua vida econô mica baseada nas
pequenas unidades de produção, ao cont rár io da área co nt ígua açucareir a e,
uma vida social organizada em t orno da família . (P APELET A, CI RCULARES
E OUTROS 1940-1947, E st . 87, Cx. 2281, M., 2863; BOLETIM n.º 15, p. 10).
Segundo o Relat ório do I nst it ut o Bahia no do Fumo, "o pequeno lavr ador
plant a sua roça e n'ella t rabalha co m a sua família ." ( RELATÓRIO DO IBF.
Cx. 2378, M. 149, p. 12). A const it uição dest a família t ant o podia ser a
sacra ment ada pela Igreja Cat ólica , at ravés do mat r imô nio, quant o à nat ural,
co nst it uída pela mera vo nt ade dos parceir os, ou seja, “a for ma cost umeir a da
amigação” e t ão comum em t oda a Bahia.

30
Ainda no final do século XVIII, Nardi identifica sete mulheres lavradoras de fumo, sendo três brancas viúvas,
duas brancas solteiras e duas pardas viúvas. (NARDI, 1996, p. 133). Para o período estudado, a documentação
não foi suficiente para quantificar as mulheres lavradoras de fumo, apenas, as entrevistadas afirmaram haver
muitas mulheres viúvas assumindo a roça de fumo dos seus falecidos maridos.
70

As uniões conjugais ext ralegais nest a região const it uíam - se em relações


per manent es, ou quase per manent es, de convivência ent re um ho mem e um a
mulher na for mação de uma família, t ornando o amas iament o uma prát ica
quase inst it uc io nalizada de união conjugal. (PINTO, 1998, pp. 128 -129;
MATTOSO, 1992, p. 208; VAINFAS, 1989; BASTIDE, 1980). Os Censos de
1940 e 1950 apresent am para o conjunt o da popu lação de 15 anos e mais,
dest a região, um percent ual de habit ant es casados de relat ivament e 20% e de
so lt eiro de 76%, sendo o rest ant e de viúvo s e de não declarados.
A “lavoura de po bre”, que t ambém fo i chamada de lavoura de “fundo de
quint ais” – pelo seu car át er democrát ico de ocupar at é os menores espaços da
pequena propr iedade, co mo os jard ins e quint ai s –, abar ca va um grande
cont ingent e hu mano dedicado ao seu cult ivo. (ALMEIDA, 1983, pp. 8 -9 ;
LAP A, 1973, p. 149; BORBA, 1975, p.15; PEDRÃO, 1998, pp. 219 -228;
RIBEIRO, 1995, pp. 277 -279; SCHWARTZ, 1988, pp. 84-85; NARDI, 1996;
CORREIO DE S ÃO FÉ LIX , nº21, 08/10/1944). O est at uto social da população
envo lvida co m a lida diár ia do fumo, desde a lavoura às manufat uras, er a
co mpost o por pessoas de uma pobreza ba st ant e acent uada. Co nfor me declar a
P int o (1998), "não rest a dúvida que é aqui, ent re as subáreas do Recôncavo,
que at raso e pobreza são mais visíve is e mais chocant es". (PINTO, 1998, p.
122-134). Cast ro t ambém afir ma que os “lavr adores de fumo eram geralme nt e
analfabet os e pobres". (CASTRO, 1941, P . 104).
O quadro social que se delineava em t orno da lavoura e das manufat uras
fumageiras ult rapassava os t empos. Em março de 1941, no t erceiro
aniver sár io do gover no Landulpho Alves, fo i lançado um Bo let im de n. º 15,
que ao anunciar as medidas de educação agr íco la para a região do fumo,
reconhece que:

O FUMO: Lavoura de grande importância para a vida econômica do


Estado, mas que a própria natureza da cultura, a pobreza da população
rural que a ela se dedica e n ela busca o seu meio de vida, (...), são fatores
contrários com que sempre lutou para atingir uma produção melhor
sistematisada, racional. (PAPE LE T A, CIRC UL ARE S E O UT RO S
1940-1947. E ST. 87, CX. 2281, M. 2863, BOLE T IM N. º 15, P. 10).

A pobr eza daquela gent e revelava um modo de vida car act er íst ico da
região do fu mo, que est endia - se do campo aos cent ros urbanos e suas
71

per ifer ias, aco mpanhando o t rajet o do fumo aos ar mazéns, fábr icas de
charut os e às residências onde, t ambém , a manipulação indust r ial do fu mo er a
rot ina. Nest e cenár io, o fumo represent ava a grande cont radição. Por um lado,
ele er a co nsiderado a gr ande r iqueza econô mica do Recô ncavo Sul, po is a
produção fina l de t oda a região mo via grandes so mas de capit ais, t ant o dos
co merciant es co mo do Est ado. Por outro, obser va-se a composição dest a
mesma região co mo um mo saico de pequenas plant ações e raras propr iedades
de maior ext ensão, onde o pequeno agr icult or trabalhava co m sua família ,
vivendo a mercê da po lít ica de pr eços adot ada pelo s co mpradores , além de
não receber nenhum incr ement o do Est ado para a ampliação de sua lavoura .
Est a sit uação gerava uma relação de dependência dos lavr adores co m os
co mpradores de suas safras, ao ficarem “nas mão s” dos t rapicheiros e out ros
co merciant es, conhecidos co mo “at ravessadores”, po is eram os represent ant es
dos vár ios ar mazéns de fumo e das export adoras, empresas que usavam u m
sist ema de financia ment o ant ecipado, ou se ja, co mpravam as safras ant es
mesmo de plant ar o fumo a preços presumidos, o que significava p reço s
baixo s, logra ndo t odas as possibilidades de ganho do lavr ador, além dos juros
ext orsivos pr at icados nest e co mércio . Par a o agr icult or que se est abelecia na
cat egoria de “meeiro” ou aquele que t rabalha co mo “r endeiro”, o problema
era ainda maior, po is, alé m de não receber nenhu ma ajuda ou prot eção por
part e do Est ado, ainda ficava sujeito às condições impost as pelo s
propriet ár ios das t erras. (BORBA, 1975, pp. 15 -16; CENTRO DE
PLANE JAMENTO DA BAHI A, 1978, pp. 144-145; ALMEIDA, P.H., 1983,
pp. 23-24; PINTO, 1998, P 125).
O cult ivo do fumo er a um t rabalho co let ivo no tocant e à força d a mão
de obra dispensada p ela família do agr icult or e seus agregados. Para est es
t rabalhadores, o dia de t rabalho co meçava ao raiar do so l e só t er minava ao
ent ardecer ; além de t odo o t rabalho que envo lvia a lavoura de subsist ência ,
est a que gar ant ia, de fat o, a so brevivência real do agr icult or . Muitas das vezes,
fazia-se necessário recorrer às práticas de ajuda mútua e o adjutório, comum
naquela região. Segundo Borba (1975, p p. 16-19), o fumo muit o pouco deixava
de lucro para o agricult or e sua fa mília, uma vez que era dest inado apenas
para a co mpra de roupas e calçados para a família.
72

No Relat ório da Associação Co mercial da Bahia , do ano de 1931, que


t rat a da Refor ma Tr ibut ár ia do Est ado, est ão regist radas diversas recla mações
em relação ao impost o cobrado sobre o fumo e seus produtos. Uma delas
proclama va que o fumo era a lavoura do pobre e est e pagava t axas
exorbit ant es, enquant o a lavoura do açúcar e do cacau, lavouras de
fazendeiros abast ados, gozava de t odos os benefício s e at é de favores da
Federação. Afir mava que o pequeno lavrador, no ent ant o:

planta milho, feijão, mandioca, amendoim etc. etc., para satisfazer às


necessidades diárias, para poder comprar carne verde ou seca, kerosene,
bacalháo, pão, etc etc., e lavra o fumo para no fim do ano poder pagar a
renda da terra e comprar roupa para si e sua família. (RE LAT ÓRIO D A
91. ª DIRE CT ORI A – 1931. BAHIA: 1932, pp. 17 -21).

Ainda, a nexo ao decret o de cr iação do Inst it uto Bahiano de Fumo e seu


Regula ment o, dat ado do ano de 1935, um relat ório da Secret ar ia de
Agr icult ura I ndúst r ia e Co mércio t ambém ident ifica que:

A sua safra de fumo dá -lhe o numerário necessário para o vestir e a sua


família. As outras lavouras ou o trabal ho a dia dão-lhe a subsistência.
Quasi sempre o lucro que dá a venda do fumo ao pequeno plantador, é
destinado a compra de fazendas, roupas e calçados para a família.
(SECRETARIA DA AGRICULTURA INDÚSTRIA E COMÉRCIO. RELATÓRIO
SOBRE O FUMO. CX. 2378, M. 149, p. 12).

As relações sociais t ravadas no cont ext o da lavoura fumageira deram


lugar ao surgiment o de prát icas sociais que, nem sempr e favorece ra m ao
t rabalhador, de modo geral, seja ele propriet ár io da lavoura, meeiro ou
rendeiro. Pois, o ganho que perce bia o agr icult or e sua família não era
suficient e par a uma vida razoavelment e sat isfat ória, o que dava lugar a muit as
prát icas, dent re elas a de co mprar part e dos mant iment os, por um lo ngo
per íodo, no ar mazém ma is pró ximo de sua casa. O regist ro do seu déb it o era
feit o numa cader net a e o pagament o dest a dívida só ser ia realizado na época
da venda da produção , ou seja, no final de cada safra anual. Est a prát ica
implicava em s ignificat ivo s preju ízos para o lavrador, po is não t inha o
cont role dos preços das me rcador ias, já que nas anot ações havia apenas a
discr iminação das mercador ias; geralme nt e, o lavrador e sua família eram
analfabet os, facilit ando ao vendeiro ou co merciant e a calcular o débit o em
seu favor; quando est e era pago co m o fumo, o lavr ador ainda poder ia t er
73

prejuízos quant o à pesagem e pr eço , além de perder a liberdade de esco lher


out ro comprador que pagasse melhor a arroba do produto e poder receber o
valor da venda do fumo para co mprar qualquer mer cador ia que necessit asse
mais naquele mo ment o. (MATTOSO, 1992, p. 518).
Out ra prát ica, recorrent e ent re as cr ianças e adolescent es , era a de cat ar
o “baixeiro”, aquelas fo lhas de fu mo est ragadas que ficavam na part e de baixo
do caule dest a plant a, est as fo lhas t ambém eram chamadas de r efugo. Sempre
bem cedo, ao amanhecer, quando as fo lhas de fumo ainda est ava m úmidas
pelo sereno da no it e e, port anto, macias, além de ma is pesadas, vist o que o
fumo er a vendido a peso , eram apanhadas na roça e amarradas em fardos que
pesavam, aproximadament e, de meio a um quilo e levados à uma venda para
serem t rocado s por mercador ias ou vendidos por alguns cent avos. (SILVA,
Benedit a. 1996).
Est as e out ras sit uações de precar iedade vivenciadas pelo agr icu lt or de
fumo e sua família, defin ir am aspect os da vida socioeconô mica da zona
t abaqueir a e explicaram, port ant o, a expr essão “lavoura dos pobres”, est a que
represent ou um parado xo em relação ao fumo já que est e era a r iqueza que
mo via a eco no mia do Est ado , nos per íodos em que est eve em ascensão.
(SILVA, 2001). É nest e cont ext o que foram assent adas as bases para o
est abeleciment o da indúst r ia fumageira no Recô ncavo Baiano na pr ime ira
met ade do século XX, circunscreve ndo um espaço que passou a ser, por
excelência, o maior produtor de fumo s na Bahia, o pr incipal cent ro de
export ação desse produto , bem co mo, das manufat uras de charut os e
cigarr ilhas, cuja mão de obra seguiu explorando um grande cont ingent e de
ho mens e mulher es pobr es, os/as quais buscara m nest e t rabalho a
sobrevivência mat er ia l e social.

1.3 GRANDE MANUFATURA DOS RICOS

“Crescia ma landro o cabedal dos brancos”. (BRANDÃO, 1998, p. 39).


Co m a abo lição da escravat ura e a conseq uent e dificuldade na preparação do
fumo de ro lo, pela falt a de mão de obr a, deu -se início à preparação do fumo
74

em fo lhas para export ação, mot ivando a abert ura de empresas para o t rabalho
de beneficiament o e enfar dament o dos fumo s, cuja mão de o bra passou a ser
assalar iada e co nst it uiu -se de ho mens e mulheres pobr es. Ao cont rár io da
lavoura do t abaco, a indust r ialização e export ação do fumo no R ecô ncavo,
desde o início, est iveram em mãos de grandes empresár io s sendo, na ma ior ia,
est rangeiros. Trat ava-se de um mo ment o – a últ ima década do século XIX e
pr imeir a do século XX – que segundo Inaiá Car valho , a conjugação de
diversos fat ores que envo lvera m uma cr ise no co mércio ext er ior e na
capacidade de import ar , reproduziu um cont ext o que propic iou as condições
para o surgiment o da indúst r ia nacional no Brasil, nos mo ldes do
aproveit a ment o dos mercados regio nais. ( CARVALHO, 1971, p. 22 e 32).
O exame das fo nt es escr it as possibilit ou o levant ament o de grande part e
das empr esas que at uaram no Recô ncavo, no período em est udo. O quadro
abaixo apresent a uma relação das empr esas fumageiras e de ser viços – est as
últ imas ligadas à co mercialização e export ação dos produtos der ivados do
fumo – inst aladas na região. Cont udo, aparecem alguns no mes de pessoas que
t ant o podiam ser pessoas jur ídicas, quant o fís icas, po is segundo Luz ia S.
Ferreir a (2009), muit as(os) t rabalhadoras( es) ao fazer a ficha de filiação ao
sindicat o ident ificavam a empr esa em que t rabalhavam pelo no me de fant asia,
mas t ant as out ras ident ificavam pelo nome de seu gerent e – aquele que
represent ava a empr esa – e não por sua razão social, podendo haver a í
duplicidade de empr esas ou mesmo ausência d e algumas delas.
Outra questão a ser observada é que todas estas empresas nem sempre
existiram ao mesmo tempo, o tempo todo, pois com muita freq uência se fundiam
quando as pequenas eram absorvidas pelas grandes e/ou mudavam de razão social.
No entanto, a lista obedece ao que consta na documentação, uma vez que a verdade
do historiador é aquela que se apresenta nas fontes e, neste caso, a maioria dessas
empresas está registrada nos livros de associados do Sindicato dos Trabalhadores
na Indúst r ia do Fumo de Cruz das Almas, no per íodo de 1930 a 1969.
75

QUADRO 1 – E mpr esas fumageiras e agr egadas


N.º EM P RES A N. º EM P RES A
1. Agr o Co me r ci a l d e F u mos 34. F r a n ci s co Ca r d os o Ci a
2. Al b e r t o Ve l os o d a R. P a s s os 35. F r a n ci s co Vi e i r a De M e l o
3. An t on i o Ca e t a n o d a S i l va 36. Ex p . F u mos S u e r di e ck S . A.
4. Ar a ú j o e Ci a 37. S u e r d i e ck S . A. Ch ar u t os e Ci ga r r il h a s
5. Ar t u r F u r t ad o d e S i ma s 38. He n d r i k Kel n e r Lt d a
6. Au gu s t S u e r d i e ck 39. He r l i o M as ca r e n h a s Ca r d os o
7. B. Rod e mb u g e Ci a 40. Ir mã os F r a ga
8. Da vi d Be r k ove t z ( Ba i x a d o P al me i r a ) 41. J e zl e r e Hoe n n i n g
9. Ca r l Le on i Lt d a 42. J oã o M a u r i ci o Vi a n a
10. C. P i me nt e l Ci a 43. J or ge Al me i d a
11. Ci a . Ch ar u t os Da n n e ma n n 44. J os é B. F on s e ca
12. Ci a . de F u mos S ã o F é l i x 45. J u l i o P a s s os
13. Ci a . Pa n a me r i ca n a d e Tab a co - COP AT A 46. Ku e n g N &C om
14. Comb i n a ç ã o Br a s . Ta b a cos - COM BR AP A 47. La u r o P a s s os
15. Cos t a F e r r ei r a e Pe n a 48. Le i t a l ve s
16. Cr on or S / A Co m. In d ú s t r i a 49. Lu i z Ba r r e t o F i l h o Ci a .
17. C. S / A C. In d ú s t r i a 50. Lu i z El oi P a s s os
18. Da vi d Be r k ove t z 51. M on ge n r ot h Le on i
19. Da n n e ma n n e Ci a 52. Nor k a i Imp . e Ex p. Lt d a
20. Da n n e ma n n S / A - DAN CO IN 53. Ove r b e c Ci a . Lt d a
21. De s i d é ri o F . Br an d ã o 54. P o ok e Ci a
22. Di a s Ba st os 55. Ri o Gr a n d e Ta b a co
23. Es t e As i á ti co d e Na ve ga ç ã o Lt d a 56. Rob e r t o H oe n n i n g
24. Es t e As i á ti co Imp . e Ex p. d e F u mos Lt d a 57. Rod ol f o Ga s ch l i n
25. Ex ot a c o Ex p . d e F u mos 58. S o c. Ex p . d o Ta b a co d a Ba h i a Lt d a
26. Ex p . Es ch i n b ur ge r Lt d a 59. S o ci e d a d e Con t i n e nt a l d e T. d a Ba b ia
27. Ex p . F . As s i s Gar r i d o S / A 60. S o ci e d a d e F u ma ge i r a Ru ma n d i Lt d a
28. Ex p . e Imp . S ch l e i ch e r Ci a . Lt d a 61. S t e n d e r & Ci a
29. F e r n a n d o M a nt fe l d 62. Ta b a cos M a t a s da Ba hi a - TAM AB A
30. F á b r i ca d e Ch a r ut os M e l o 63. Ta b a ca r e l a d o Br as i l
31. F . H. Ot t e ns 64. Wa l t e r Le on i
32. F . P on ce t 65. Za ca r i a s d a Nova M i l h a ze s
33. F . S . J e zl e r - -

FO NTE: NASCIME NT O, Ann a Am él i a Vi ei ra . M e mór i as da Fe de r aç ão das Ind ústr i a s


do Esta d o da B ahi a . Sa l va dor : FIE B, 1997, p. 35. CART E IRA P RO FISSI ONA L
de La ur en t ina Neve s Mel o, n º 36341, Ser i e n º 5, 08/ 05/ 1946.
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1906 a 1998.
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IRMÃ S D A SA NT A C RUZ. M em or i a l da s Ir m ãs da Sa n t a Cr uz, 1984. Ar qui vo
da s Irm ã s da San ta Cr uz, Gover na dor Man ga bei ra – BA.

Para at ender à propost a dest e t rabalho , faz -se necessár io , dest acar
dent re as diversas empresas fumage ir as que se inst alaram no Recôncavo, do is
t ipos dist int os dent re elas, que são os ar mazéns de benefic iament o e
76

enfardament o de fumos 31 e as fábr icas de charut os e cigarr ilhas,


est abeleciment os fabr is que recrut aram o maior número de mulheres e de
ho mens pobres e que caract er izou, de fat o, uma mão de obra fumageira ,
mar cada pela sexualização das tarefas, das ocupações e pelas relações hierárquicas
de dominação e opressão no trabalho. Todas as empresas fumageiras instaladas no
Recôncavo foram de propriedade de homens, aparecendo algumas mulheres como
sócias ou sócio-proprietárias apenas quando seus maridos faleceram.
Na segunda metade do século XIX, começaram a se instalar na região os
armazéns de beneficiamento do fumo em folhas para exportação. As fontes indicam
que em 1888 chegava à Bahia August Suerdieck como empr egado da firma alemã F.
H. Ottens para o cargo de fiscal de enfardamento de fumo na cidade de Cruz das
Almas, mas, se a Dannemann foi fundada no ano de 1873 e, neste mesmo ano já
começa a fabricar charutos, está claro que o processo de beneficiamento e
enfardamento de fumo, que é sempre uma fase anterior e necessária à fabricação de
charutos, já havia começado antes do período mencionado. ( SUERDIECK S/ A,
1955; DOC. DA CI A. DE CHARUTOS DANNEMANN, 1920 A 1952).
Inicialmente, os armazéns de fumo foram insta lados na região para atender
ao comércio de exportação dessa matéria –prima, mas com a instalação das fábr icas
de charut os e cigarr ilhas acelerou, enormement e, a produção, o preparo e o
co mércio dos fumo s no Recôncavo e em out ras part es da Bahia.
(NAS CIMENT O, 1997, p. 34; S ANTOS , 1998, p. 73). 32 A document ação
infor ma que a pr imeir a fábr ica de char utos fundada no Recôncavo fo i e m
1870, pelo port uguês Fr ancisco José Car doso, apelidado de Chico Pet it inga,
na cidade de São Félix, que produziu, t ambé m, a pr ime ira marca de charut os
chamada de “Regalias”, sendo est a adquir ida, post erior ment e, pela Suerdieck.
(ALVES in Correio de São Féli x, 1952).
Com o aumento significativo do consumo mundial do tabaco e seus
derivados, durante a primeira metade do século XX, elevou -se a produção e a

31
Mui t os d os a r m a z én s de fum o t a m bém expl or a va m a a t i vi da de de exp or t a çã o d e fum os,
c on t udo, est a er a um a a t i vi da de m a i s si st em á t i ca e t od o o pr oce ss o d e n eg oci a çã o e ven da
er a r est r it o a o c or po a dm in i str a ti vo da s em pr esa s. A ext en sã o dessa s fi r m a s n a s a t i vi da des
de a r m az en am en t o, com pr a e ven da de fum o que fo r m a va m a s or gan i z a ções d e exp or t a çã o
e i m por t a çã o n ã o fa z part e dos obj et i vos de ss e t ra ba l h o.
32
Apen a s fa z en do um r á pi do pa ra l el o, a expa n sã o i n dustr ia l do t a ba c o em Cu ba oc or r e n o
i ní ci o d o s é cul o XIX, qua n do a a r i st ocr a ci a passa a c on sum i r os ch a r ut os e ci ga r ri lh a s,
di fer en t em en t e do Re c ôn ca vo. ( LE RE VE RE ND, 1985, pp. 51 -55).
77

industrialização de fumos no Recôncavo Baiano, inclusive a fabricação e


comercialização de charutos finos. Nesse período, diversos outros fatores também
contribuíram para transformar a manufatura fumageira da região numa das mais
significativas atividades econômicas da Bahia como, por exemplo, abundância de
matéria-prima e de mão de obra barata, rio navegável com porto natural que
facilitava o escoamento da produção para Salvador e de lá para o exterior, rede
ferroviária e infraestrutura adequada, além do crescimento do mercado interno.
(BORBA, 1975, p. 35 ; ALMEIDA, 1951, p. 9).
Os principais centros fabris da região fumageira do Recôncavo Sul da Bahia,
foram as cidades de Maragojipe, Cachoeira, São Félix, Muritiba e Cruz das Almas
que, além de exportar e fornecer a outras regiões seus produtos, formaram um
parque de fabricação de charutos, chegando a produzir mais de 200 milhões deste
produto por ano, artigo requintado da burguesia e que não faltava também nos
meios populares, propiciando grandes incrementos à indústria e comércio do fumo
baiano. Nas memórias de sua viagem pela Bahia o escritor St efan Zweig, afir ma
que “E m Cachoeir a, a velha cidade hist órica e na qual vár ias casas ainda t êm
set eir as para defesa cont ra os índios, exist em as maiores e mais afamadas
fábr icas de charut os do país ”. (STEFAN ZWEIG, 1941, p. 116).
As manufaturas de charutos dividiam-se em dois grandes grupos. Um era
formado pelas manufaturas de pequeno porte, de caráter caseiro e artesanal
envolvendo apenas os familiares, funcionando como uma extensão do trabalho rural
de cultivo do fumo que ocorria em círculos familiares. O outro grupo constituía -se
de grandes manufaturas que, também pertenciam a grupos de famílias, contudo,
estas famílias trabalhavam apenas na administração e nas relações comerciais, mas
para o trabalho da lida, diretamente, com o fumo contratavam a mão de obra
regional, principalmente das mulheres.
As grandes manufaturas classificavam o fumo conforme os tipos de charuto e
respectivas clientelas. Para o charuto de alta qualidade eram significativas as
importações de fumos de Sumatra, Java, Virgínia e Havana, efetuadas através de
Bremen e Hamburgo, negócios facilitados pelas estreitas ligações entre os
importadores e as firmas fornecedoras de origem a lemãs. As espécies importadas
eram utilizadas para a “capa”; para o “capote”, além do Sumatra e Java, era muito
utilizado o fumo da Bahia; para a “torcida” eram empregados os fumos de São
Domingos, Filipinas, Havana e, principalmente, o fumo da Bahia. (SIL VA, 2001).
78

Com o aumento da produção de charutos, as fábricas passaram a desenvolver


suas próprias plantações com o objetivo de produzir fumos finos, substituindo,
principalmente, o tipo Sumatra. Nessas plantações, usavam-se técnicas mais
aperfeiçoadas e as relações de trabalhos eram menos arcaicas, pois baseavam-se em
contratos remunerados sob forma de salário em dinheiro. (PINTO, 1998, p.126).
As pequenas manufaturas utilizavam exclusivamente o fumo da região, que
ficou conhecido como fumo da Bahia e também muito conceituado na fabricação de
charutos. (BORBA, 1975, p. 40 e 49). Mas, segundo Pinto (1998), era visível a
diferença de qualidade entre o fumo produzido pelas fábricas e aquele produzido
pelos agricultores locais sem a utilização de técnicas de plantio mais avançadas,
além de se basearem numa relação de parceria que, segundo este autor,
caracterizava-se, no plano das relações sociais, em servidão ao dono da terra
quando era o caso.
O empreendimento industrial dos fumos no Recôncavo, na primeira metade
do século XX, foi marcado tanto por momentos de elevada ascensão, pela sua
capacidade de produção e aceitação do mercado consumidor, como por momentos
de instabilidade gerados pelas grandes crises mundiais. Contudo, foram nesses
períodos de crise que, de certa forma, a região elevou a sua produção e lançou as
bases do seu crescimento. Pois, foi durante os períodos das duas grandes guerras
mundiais, quando os mercados estrangeiros fornecedores de grande parte do fumo
capeiro utilizado nas charutarias do Recôncavo, sofreram crises e duras
intervenções, que a região passou a oferecer, em parte, respostas positivas com o
aumento significativo da produção e comercialização de seu próprio fumo.
No período da Primeira Guerra Mundial, os fumos importados pela Bahia
vindos diretamente da Alemanha, passaram a ser comprados através de Nova York,
impondo grandes dificuldades aos estabelecimentos fabris do Recôncavo e, é neste
intervalo, que o fumo baiano supre as demandas do parque manufatureiro local.
Neste momento, se constata o crescimento da indústria fumageira, pois a Suerdieck,
por exemplo, passou gradativamente de 400 operários em 1916, para 900 em 1921.
(SUERDIECK S/A, 1955; NASCIMENTO, 1997, pp. 34-39; BORBA, 1975, p. 69).
Da mesma forma, durante a Segunda Guerra Mundial, considerando que se
tratava de uma época de muitas dificuldades no plano econômico e político,
inclusive para os alemães no Brasil, as manufaturas de charutos encontraram no
próprio Recôncavo as condições materiais para uma produção local satisfatória.
79

Neste momento, a indústria de charutos já se encontrava ameaçada e com a


utilização dos fumos nativos a produção elevou-se, ganhou expressão e atingiu o
seu ápice por mais uma década, após esse período é que entrou num processo
gradativo de crise e decadência. (BORBA, 1975, p. 43; NAS CIMENTO, 1997, p.
37). 33
Dentre as várias fábricas de charutos que funcionaram no Recôncavo,
durante a primeira metade do século XX, destacam-se a Costa Penna & Cia.,
Dannemann, Suerdieck e C. Pimentel & Cia. Juntas, estas manufaturas empregaram,
no auge da produção, cerca de dez mil pessoas nas cidades de Cachoeira, São Félix,
Marago jipe, Mur it iba e Cruz das Almas. (CÉSAR, 2000, p. 03).
Transfer ida de Recife para São Félix em 1883 e regist rada na Junt a
Co mercia l do Est ado da Bahia em 1891, a fábr ica Ut ilidade fo i t ransfor mada
em 1914, em Cost a Ferre ir a & Penna, sendo seus propr iet ár ios Manoel Cost a
F. Filho e Manoel Cost a Penna. E m 1926, fo i t ransfor mada, no vament e, em
Cost a Penna & Cia. E m 1935, Clar ice Barros P enna e Et elvina Cost a surge m
co mo no vas sócias e em 1955 est a fábr ica fo i fechada. ( AMS F. CORREIO DE
SÃO FÉLIX. 20/10/1945). Cont udo, a document ação não o ferece infor mações
sobre o quadro de funcio nár ios ou so bre out ros aspect os que r evele m o
cot idiano da fábr ica.
Sobre a fábr ica C. P iment el, localizada na cidade de Mur it iba, a única
fo nt e disponível são as Fichas de Regist r o de Empregados que não oferecem
infor mações sobre a or ige m, desenvo lviment o e desapar eciment o da empresa.
Por est a font e, o pr ime iro regist ro de empregado ocorreu no ano de 1930 e o
últ imo no ano de 1988. Nesse per íodo, 58 anos, a fábr ica C. P iment el
regist rou 2.086 mulher es e 439 ho mens, tot alizando 2.525 regist ros de
empregados. (FAMAM/ CEDOC. Ficha de regist ro de empregados. 1930 a
1988).
Já a Dannemann e a Suerdieck er am empresas de procedência ale mã,
cujos propr iet ár ios er am indust r iais e co merciant es que cont rolavam a
econo mia fumageir a na região, bem co mo, em t odo o Est ado da Bahia. A duas
manufat uras t iveram import ância dest acada s devido ao capit al socia l

33
Sobre a crise e decadência da economia fumageira ver RAMOS, José Alberto Bandeira. Crise da Economia
Fumageira do Recôncavo da Bahia. (Dissertação de Mestrado em Ciências Humanas – UFBA). Salvador (Ba):
1990, pp. 40-50.
80

invest ido, o vo lume da mão de obra ut ilizada e a influência na dinâ mica


co mercia l das cidades onde est avam inst aladas nos anos de seu apogeu.
(BORBA, 1975, p. 40 -52; ALMEIDA, 1983, p. 10 -11).
A Dannemann & Cia., fundada por Gerh ard Dannemann, um ale mão da
cidade de Bremen, inic iou suas at ividades indust r iais co m seis operár ias, na
cidade de S ão Félix no ano de 1873, quando começou a produção de charut os
de mar ca do mesmo no me da empr esa – Dannemann. E m 1883, D. P edro II, ao
vis it ar a região, confer iu - lhe o t ít ulo de I mper ia l Fábr ica de Charut os
Dannemann. E m 1908, Gerard Dannemann retornou para a Europa e a gerência
geral da fir ma fo i passada a Ado lfo Jo nas, auxiliado por Eduardo Danne mann
Filho. Nos pr imeiros anos do século XX, e st a empresa já havia adquir ido o
cont role so bre a produção, indust r ialização e comércio de fumo na Bahia.
Segundo S ilva (2001), “ao longo de sua hist ór ia a Dannemann t eve a
razão social t ransfor mada algumas vezes, confor me o int eresse de seus sócios
ou condições po lít icas e eco nô micas a ela impost as”. (p. 59). Em 1922, a
Dannemann fundiu- se e co m a St ender & Cia, t ransfor mando -se na Cia.
Charut os Dannemann. Nesse per íodo, est a empresa já cont ava co m as filiais
nos municíp ios de Mur it iba e Marago jipe, sendo que nest e últ imo expandiu -se
at é o dist r it o de Nagé.
E m 1937, co m a mort e de Ado lfo Jonas, tomou posse na direção dest a
empresa Ado lfo Jonas Filho, seguido de Ernest o Tobler. E m 1942, per íodo da
Segunda Guerra Mundia l, por ser de or igem alemã a Dannemann so freu uma
int er venção e passou a ser administ rada pelo I nst it ut o Baiano do Fumo, sendo
t ransfor mada em empresa nacio nal, quando recebeu o no me de Cia. Brasileir a
de Charut os Dannemann. E m 1948, fo i desat ivada e em segu ida fo i adquir ida
por um grupo suíço que passou a pr ior izar a export ação de fumo. ( FOLHETIM
DOS 125 ANOS DA DANNEMANN, 1998; CORREIO DE S ÃO FÉLI X, n.º
876, 26/04/1952; BORBA, 1975, pp. 46 -48).
O empreendiment o da Suerdieck na Bahia t em início co m a chegada do
alemão August Wilhelm Suerdieck a Cruz das Almas no ano de 1888, co m a
finalidade de fiscalizar o enfardamento de fumo da firma exportadora, a também
alemã F. H. Ottens. Em 1892, August W. Suerdieck iniciou as suas atividades por
conta própria, como enfardador e comprador naquela localid ade. Em 1894, adquiriu
seu próprio armazém da mesma empresa em que trabalhava a F. H. Ottens. Ao
81

final do ano de 1899, A. W. Suerdieck registrou a firma A. Suerdieck, importadora


e exportadora de fumo, que contou como primeiros fregueses as firmas Joh
Schuback & Soehne, de Hamburgo, e a Dannemann & Cia., de São Félix.
Em 1892, a firma A. Suerdieck estendeu seus negócios até o município de
Maragojipe onde construiu seu primeiro prédio, o armazém Cajá, localizado na
Praça Sebastião Pinho. E, em 1905, por iniciativa de Ferdinand Suerdieck irmão de
A. W. Suerdieck, entrou em funcionamento a primeira fábrica de charutos da
Suerdieck. (SUERDIECK S/A, 1955).

FIGURA 7: Primeira Fábrica de Charutos em Maragojipe, em 1905.

P ri m e i ra Fábri c a - 1905

FONTE: SUE RDIE CK S/ A C HA RUT O S E CIGARRIL HAS, 1955.

Além da ampliação e crescimento da industrialização e comercialização dos


fumos no Recôncavo, uma das justificativas dos sócios-proprietários da Suerdieck
para abrir a fábrica de charutos na cidade de Maragojipe, explica-se como sendo
uma forma de aproveitamento do tempo pela empresa. Pois, a compra de fumo na
região e a exportação ocupavam apenas o período de dezembro a junho de cada ano,
quando a safra de fumo estava pronta para a comercia lização, durante o restante do
ano, enquanto os agricultores plantavam e colhiam os fumos, os estabelecimentos
82

fabris ficavam ociosos, mesmo realizando o trabalho de beneficiamento e


enfardamento dos fumos. Esse intervalo, embora natural, representava para a
empresa, como para a sociedade, prejuízos em tempo real de quase seis meses de
espera. (SUERDIECK S/ A, 1955 ).
As instalações da primeira fábrica de charutos da Suerdieck eram, sob todos
os aspectos, rústicas tendo, inicialmente, utilizado até fardos de fumo como bancas
para confecção dos primeiros charutos e uma produção ainda muito pequena,
“quase sem caráter comercial”. A princípio, a indústria incipiente e enfrentando a
competição de algumas fábricas já organizadas na capital baiana, contou com
apenas cinco operários dos quais o chefe era, ao mesmo tempo, o escolhedor de
fumo, mestre de secção, encarregado de embalagem, desdobrando -se como “um
proteu de mil formas”. Contudo, a Suerdieck “foi pouco a pouco se desenvolvendo
e progredindo, chegando mesmo a constituir objetivo sério, para a consecução do
qual não pouparam esforços nem mediram sacrifício”. ( SUERDIECK S/ A, 1955 ).
Estando a A. Suerdieck de Maragojipe sob o comando de Ferdinand
Suerdieck e seu auxiliar Timóteo Cerqueira Santiago – um dos primeiros
empregados no serviço do fumo desta empresa – cumpriu-se, então, a meta inicial e
apresentou ao mercado suas primeiras marcas, que foram “Simples n.º 1”, “Simples
n.º 2” e “Simples n.º 3”, charutos confeccionados com capas da mata, conhecido
como puro fumo Bahia. (SUERDIECK S/ A, 1955 ). Esta mesma fonte informa que
em 1906, um ano decorrido da abertura desta empresa, a sua folha de pagamento
referente a uma semana de trabalho, de 26 de novembro a 1.º de dezembro, era a
seguinte:

TABELA 1 – Funcionários da Fábrica Suerdieck (Maragojipe – 1906)


FUNÇ ÃO VALO R
Dest aladeir a 960 Réis
Charuteira 118.480 Réis
Banca de Capa e Serviço Geral 57.580 Réis
FONTE: Suer di eck S/ A Ch ar ut os e Ci garr i lha s, 1955 .

Evidenciam-se, assim, as primeiras marcas da presença feminina no trabalho


fumageiro. Porém, para este mesmo período, outra fonte informa uma presença
mais significativa, no que diz respeito às mulheres e suas funções na indústria
83

fumageira, especificamente, nas fábricas de c harutos. A Suerdieck de Maragojipe,


portanto, já havia formado um quadro de funcionários composto por:

TABELA 2 – Funcionários da Fábrica Suerdieck (Maragojipe – 1906)


N. º FUNÇ ÃO Q UANT
01 Aneladeira 01
02 Charuteira 02
03 Destaladeira 01
04 Empapeladeira 01
05 Mest re 01
TO TAL 06
FONTE: Fichas de Registro de Empregados - Fábrica
Suerdieck/Maragojipe-BA. (1906 – 1986).

E mbora est eja se t rat ando de uma organização inic ial, mas percebe -se
que est e quadro já é indicat ivo da posição que as mulher es passar ia m a ocupar
na divisão social do t rabalho na indúst r ia fumageira, po is, desde ent ão, elas
realment e passaram a ocupar as funções relacio nadas ao t rato do fumo e a
confecção dos charut os, sendo que o único ho mem do quadro ocupava a
função de mest re, uma das funções import ant es na hierarquia do poder da
indúst r ia fumageira.
Dent re os regist ros das trabalhadoras dos primeiros t empos da
Suerdieck, encont ra-se uma “Ficha de Regist ro de Empr egados” de Mar ia
Marce llina Conceição, moradora de Maragojipe e admit ida no ano de 1908 na
função de charut eir a da fábr ica. Obser va -se que a ficha fo i fe it a no ano de
1939, per íodo em que co meçaram as exigências devido à implement ação da
Conso lidação das Leis Trabalhist as (CLT ), mas grande part e das infor mações
refer e-se ao per íodo de sua admissão. Mar ia Marcellina nasceu em ju lho de
1892 e co meçou a t rabalhar em maio de 1908, co m 16 anos inco mplet os,
embora, na ficha co nst e no it em “Idade” 46 anos, po is, quem fez o cálculo
considerou do ano de nasciment o à sua demissão , em 1938. 34 At é aí foram
t rint a anos de t rabalho, mas, no verso da ficha const am regist ros de fér ias de
1937 at é o ano de 1949, que somar iam 41 anos de t rabalho. Cont udo, para a

34
As questões relacionadas às idades serão discutidas mais à frente, pois em cada tempo predominou uma faixa
etária das trabalhadoras.
84

present e discussão prevalece a apr esent ação do document o, abaixo, para


evidenc iar o início do processo de inser ção e a posição hierárquica, co mo
socioeconô mica das t rabalhadoras na indúst r ia fumageir a, a part ir da hist ór ia
das fábr icas de charut os.

FIGURA 8 – Ficha de Registro de Empregados da Suerdieck (Maragojipe (1908).

FONTE: Documentos da Fábrica Suerdieck. Maragogipe-Bahia. (1906-1986).

FONTE: Documentos da Fábrica Suerdieck. Maragojipe-Bahia. (1906-1986).


85

FIGURA 9 – Ficha de Registro de Empregados da Suerdieck (Maragojipe - 1908/Verso.

FONTE: Documentos da Fábrica Suerdieck. Maragojipe-Bahia. (1906-1986).

Mas, voltando à trajetória do desenvolvimento da firma Suerdieck, é, por


volta do ano de 1906 que seu proprietário optou pelo desmembramen to da empresa
em duas razões sociais distintas, fazendo surgir as firmas Aug. Suerdieck,
exportadora de fumo, localizada em Cruz das Almas e A. Suerdieck, fabricante de
charutos na cidade de Maragojipe. Esta última, já em funcionamento, foi transferida
para a Rua Dom Macedo Costa, n.º 67, antiga Rua do Fogo, apresentando um
quadro de 13 operários e a criação de novas marcas de charutos, inclusive com uma
embalagem mais aperfeiçoada em caixas de luxo feitas com madeira envernizada.
Essas mudanças adentraram o ano de 1907, quando chegou da Europa o técnico
Carl Jetzler, para assumir o cargo de gerente. Em 1909, era a vez de Gerhard Meyer
Suerdieck, parente próximo de August W. Suerdieck, assumir a gerência desta
fábrica.
86

Com o crescimento da produção dos derivados do fumo, a fábrica de charutos


A. Suerdieck já contava, em 1910, com 200 operários e, adquirindo um sobrado do
senhor Elpídio Barbosa, foi transferida, desta vez, para a Rua Pedra Branca, hoje
Ferdinand Suerdieck. Assim, a administração foi distribuída da seguinte maneira:

TABELA 3 – Quadro da Administração Direta da A. Suerdieck, em 1910


CARG O /
NO M E
FUNÇ AÕ
August Suerdieck Sócio -propriet ár io
Ferdinand Suerdieck Sócio/gerente-fundador
Gerhard Meyer Suerdieck Procurador
A. Willy P. Haendel 35 Guarda-Livros
Luiz Leal Correspondente
Julio Muench Faturista
FONTE: Suer di eck S. A. Char ut os e Ci garr i lh a s, 1955.

Em 1914, houve a junção das firmas, mudando a razão social para Suerdieck
& Cia. e admitindo, como novo sócio, Ferdinand Suerdieck que veio a falecer nove
anos mais tarde sendo, assim, substituído por Gerhard Meyer Suerdieck. Já em
1921, sob a influência da crescente demanda internacional de charutos provocada
pelo fim da Primeira Guerra Mundial, a empresa construiu um novo prédio que
fazia comunicação ao já existente por uma ponte de cimento armado. O
consentimento dado pelo prefeito para a realização desta obra causou impacto à
população, conforme segue:

Por ter dado consentimento para a feitura dessa ponte, estilo de


construção, aliás, até então inédito naquela cidade, sofreu o Prefeito de
Maragogipe grande campanha popular, não faltando, mesmo, quem se não
mostrasse receosos em passar por de sob a mesma. ( SUE RDIE CK S/ A,
1955).

Antes da construção da ponte, os prédios d a Fábrica de Charutos Suerdieck


em Maragojipe eram separados pela Rua das Flores, após a construção da ponte ou
passarela unindo os dois prédios o acesso às ruas era feito por baixo da ponte,
conforme figuras n.º 10 e 11, abaixo:

35
Auxiliar vindo da Europa e que integrou o quadro de dirigente em 1913.
87

FIGURA 10 – Fábr ica de Char utos S u er dieck em Mar agojip e (1921)

FONTE: Suer di eck S/ A Ch ar ut os e Ci ga rr i lh a s, 1955 .

FIG URA 1 1 – Fá br i ca de Ch ar ut os Suer di eck em Mar a goji pe (1921)

FONTE: Disponível em:


http://www.historiaemaragogipe.com/2010/04/suer dieck-1892-
1913.html. Acesso em 26/10/2010.

Mais à frente, em 1923, outro pavilhão foi concluído denominado


“Repartição de Cigarrilhos”, onde eram fabricados os cigarrilhos de marca
“Garantidos”. Neste período, também foram criadas algumas filiais para a tender a
uma produção que ultrapassava os 10 milhões charutos anuais. Por esta época, vale
ressaltar que os operários de todas as fábricas de charutos do Recôncavo declaram -
se em greve, pleiteando aumento de salário que “variava de 20$000 a 30$000 por
semana, chegando-se, por fim, a um acordo, com um aumento de 10%”.
(SUERDIECK S/ A, 1955).
88

Com o falecimento do sócio Ferdinand Suerdieck, em viagem à Europa em


1923, foi admitido em seu lugar o antigo gerente Gerard Meyer Suerdieck.
Coincidindo com a transferência da residência de August Suerdieck para a
Salvador, onde se dedicou à exportação de fumo, o novo sócio foi indicado para
gerenciar a fábrica de Maragojipe.
No ano de 1925, outra greve marcou a paralisação dos trabalhos na
Suerdieck, mas logo foi contornada sem contabilizar prejuízos para esta firma,
ficando ainda oculto os motivos que a originou, além de não haver registro da greve
por parte dos trabalhadores, apenas a seguinte informação:

Com o é, de or di n ár i o, com um n os c en t r os i n dust r ia i s, em 1925, os


op er ár i os da fi r m a SUE RDIE CK & CIA. , m a l or i en t a dos por
el em en t os est r anh os a o m ei o t r a ba l ha dor , decl a r ara m -se em gr e ve,
oc or r en do, n essa oca si ã o, a i n va sã o d e per t ur ba dor es n os
est a bel e ci m en t os fa br i s, m un i dos de bom ba s de di na m it e, obr i ga n do
a os oper á r i os a a ba n donar o ser vi ç o. T udo foi , n o en t ant o,
n or ma l iz a do. (SUE RDIE CK S/ A, 1955).

No cenár io da hist ór ia da indúst r ia fuma geir a em Marago jipe, t ambém,


at uou a “Fábr ica de Charut os Melo” que, em 1928, arrendou todos os seus
prédios sit uados à Praça Jo ão Pessoa à Suerdieck. E m 1940, est a últ ima fez a
co mpra dos prédio s incorporando -os ao seu pat rimô nio.
Co m o faleciment o do sócio -propriet ár io August Suerdieck, na
Ale manha em 1930, sua viúva Her mine S uerdieck assumiu a direção da fir ma,
mas faleceu, t ambém, no ano seguint e. Formou -se, ent ão, uma nova
organização, t endo co mo sócios major it ár ios Ger hard Me yer Suerdieck, já
nat uralizado brasile iro, sua esposa T ibúrcia Guedes Me yer Suerdieck e o Kar l
Horn, ant igo co laborador. Mais t arde, est e últ imo sócio fora afast ado por
suspeit a nazist a e a Suerdieck, ent ão, int erdit ada e nacio nalizada pelo
gover no brasileiro. (SUERDIECK S/ A, 1955).
Paralelo à Suerdieck, em 1933, fo i fundada a fir ma Fonseca & Cia,
cujos sócio s er am José da Fonseca, Ger hard Meyer Suerdie ck e Kar l Horn,
para ser deposit ár ia dos charut os Suerdieck na Bahia e fazer a dist r ibuição e
“r edespacho para diversas praças do país”.
Vivendo ainda seu esplendor econô mico e apro veit ando a expansão do
co mércio e da indúst r ia fumageira na região, a Suer dieck const ruiu em Cruz
das Almas, no ano de 1935, um prédio o nde fo i inst alada uma nova fábr ica de
89

charut os. Cruz das Almas que, at é ent ão, mant inha apenas ar mazéns de
esco lha e enfar dament o de fumos par a export ação, começou t ambém o
t rabalho de fabr icaçã o de charut os finos empregando, inic ialment e, 50
operár ias(os) e, em 1955, já co nt ava com 300 t rabalhadoras(es). A gerência
dest a filial ficou so b os cuidados de Johann Schinke, que já er a t écnico da
fábr ica de Marago jipe, em seguida por Joseph Muelbert , H erbert St ern e
out ros que foram sucedendo.

FIGURA 12 – Fábr ica de Char utos Su er dieck em Cr uz das Almas (193 5).

FONTE: Suer di eck S/ A Ch ar ut os e Ci ga rr il ha s, 1955 .

E, em 1936, fo i inaugurada a filia l de Cachoeira co m produção diár ia de


4.734 charut os da marca “Cat a Flor”, t endo como gerent e Co nrad Grave,
subst it uído sucessivament e por Ger hard Behrens, Kurt Ado lph Hasse e Waldo
Azevedo em 1942. Nest a cidade, os prédio s de n.º 78 e 82, da Rua Dr. José
Joaquim S eabra, foram adapt ados para in st alação da mais nova filia l,
confor me vist a parcia l da fot ografia abaixo:

FIGUR A 13– Fábr ica de Char utos Su er dieck em Cachoeir a (1936).

FONTE: Suer di eck S/ A Ch ar ut os e Ci ga rr il ha s, 1955.


90

Nesse processo de expansão, houve uma t ent at iva de implant ar uma


unidade da fábr ica de charut os Suerdieck na Vila de Cabeças 36, na década de
40, cuja dat a vacila ent re um infor mant e e out ro, mas que t omam por base o
eclipse so lar que ocorreu nest a região e que fez grande alvoroço ent re as/os
operár ias/operár ios dest a fábr ica. 37 Mar ia de Lourdes afir ma que:

Aqui t a m bém t e ve um a fá br i ca , a Suer di eck, a qui jun t o de Ni n o


on de seu Pa ul o m or a a l i n a quel a ca sa e os pe ss oa l da fá br i ca na
gr an de, on de D. An gel i ta m or ou. Tr a ba lh ou t a nt a gen t e n a quel a
fá br i ca , eu t a va c om 12 a n os n essa ép oca que t eve o ecl i ps e, o
pess oa l t a va n a fá br i ca que o di a vi r ou n oi t e, foi ! E ra a fá br i ca
Suer di eck, el e quer i a dei xar a fá br i ca a qui, m a s.. . o povo n ã o deu o
a poi o pr a ven der a ca sa , depen dia da ca sa que a ca sa n ã o er a
pr ópr ia del e, er a de seu Os va l do F on seca , a í a fá br i ca foi pa r a out r o
l ugar , lá em Cr uz da s Alm a s, ma s el e quer i a fa z er a qui . (NOVAIS ,
Ma r ia de Lour des Con c ei çã o).

Tendo em vist a a ampliação dos negócios, em 1938 a sede da Suerdieck


fo i t ransfer ida da fábr ica - mat r iz em Mar ago jipe para Salvador e a pr ime ir a
fábr ica t ornou-se, ent ão, filial. Um ano depo is, co m o afast ament o do sócio
Kar l Horn, fo i t ambém disso lvida a fir ma Fonseca & Cia., alt erando o quadro
de sócio s, ao mesmo t empo em que a fir ma fo i co mplet ament e incluída nas
organizações genuinament e bras ileiras por figurar, apenas, Ger hard Meyer
Suerdieck já nat uralizado brasileiro e sua esposa, brasileir a, nat ural de
Marago jipe. Po is, at é o iníc io da Segunda Guerra, est a empresa mant inha seu
quadro de sócios co mpost o apenas por est rangeiros, fat o que “não era vist o
co m simpat ia pelo operar iado, cujo número mo nt ava, mais ou menos, a
3.000”, confor me escreve o organizador da obra “Suerdieck S/ A Charut os e
Cigarr ilhas, 1955”.
Passados mais t rês anos, um no vo quadro de sócios se delineou, dest a
vez, co mpost o por maior ia de brasileir os. Em 1942, passou a int egrar à
sociedade Geraldo M. Suer dieck, José Fonseca, Ant ônio E lo y da S ilva,
Nico lau M. Suerdieck, Epamino ndas da S ilva Bandeira e Raul Ayres de
Lacerda. Nas fábr icas, t ambém, foram feit as novas no meações, ent re elas a de

36
A Vila de Cabeças pertencia ao município de Muritiba até o ano de 1962, quando foi emancipada e passou a se
chamar Governador Mangabeira.
37
SANTOS, Sebastião Pereira dos. Prenseiro da Costa & Penna e trabalhador de "armazém de beneficiamento
de fumo em Cabeças. 96 anos, 1999; NOVAIS, Maria de Lourdes Conceição. Filha de charuteira e charuteira de
vários fabricos na Vila de Cabeças, 65 anos, 2000; "O Correio de São Félix" informa que o eclipse ocorreu em
20/05/1947. N.º 623, 17/05/1947 e n.º 624, 24/05/1947.
91

Corbiniano Rocha, funcio nár io desde 1917, para ger ent e da filia l de
Marago jipe.
Nos anos de 1944 e 1945, a Suerdieck amplio u seus negócio s para São
Gonçalo dos Campos e Salvador. No pr imeiro adquir iu um grande ar mazém de
fumo que pert encia a Art ur Magalhães e no segundo co mprou a fir ma
Trapiche 1.º P ilar, passando a exp lor ar o ramo da ar mazenagem do fumo
capeiro em fr igor íficos.
E m 1946, a Suerdieck fo i t ransfor mada em Sociedade Anô nima e a
razão social passou à Suerdieck S/ A, co m a admissão dos sócios Alfred Will y
Paul Haendel, Ant onio E lo y da S ilva, Raul Ayres de Lacer da, Epamino ndas da
S ilva Bandeira, Nico lau Me yer Suer dieck, Albrecht Wo lfgang Meyer
Suerdieck, Fer nando Meyer Suerdieck, Corbiniano Rocha e E lisabet h Cabús
de Amor im. E m fever eiro do ano seguint e, o Diár io Ofic ial publicou a no va
diret oria da empr esa co mpo st a por quat ro sócios, sendo eles Ger hard Meyer
Suerdieck – Diret or-president e, Geraldo Meyer Suerdieck – Vice-president e,
Alfred Willy Paul Haende l – Dir et or-gerent e e Ant onio E lo y da S ilva –
Diret or-gerent e. (SUERDIECK S/ A, 1955) .
Co m a mort e de Ger hard Meyer Suer dieck, em 1950, sua esposa,
T ibúrcia Meyer Suerdieck, t oma posse no cargo de Dir et ora -president a, at é o
t érmino do mandat o. Cont udo, o autor do escr it o sobre a Suerdieck afir ma
que, a posse da viúva no cargo do esposo, t rat ava - se de uma “ho menage m
expressiva à memór ia de Ger hard Meyer Suerdieck”. (SUERDIECK S/ A,
1955). Fat o que configura a realidade dos est ereót ipos que dão significados
ao masculino e ao feminino, t ambém, naquele cont ext o, onde o exercíc io do
poder é exclusivo dos ho mens, cabendo às mulheres, alé m do “papel
t radicio nal”, um lugar à so mbra de seus mar idos, pais, ir mãos ou out ros
parent es, apenas no mo ment o em que se fazia necessár io garant ir a posse e
cont inuidade do pat rimô nio da família.
Ainda, é possível o bser var a ausência das mulheres nos espaços de
poder da empr esa – Suerdieck – at ravés dos Quadros de Acio nist as, abaixo,
publicados na década de 1950 , onde, no pr imeiro, apenas uma e no segundo
duas “mu lheres-esposas” figuram co mo acio nist as da empr esa.
92

QUADRO 2 – Acio nist as da Suerdieck S./A.

1. Geraldo Meyer Suerdieck: Diret or President e


2. Nico lau Meyer Suerdieck
3. Fer nando Meyer Suerdieck
4. Suerdieck
5. Willy Haendel
6. Ant ônio E lo y da S ilva
7. Epamino ndas da S ilva Bandeir a
8. Her bert St ern
9. Eli zabet e Cabus de Amorim
10. Co rbiniano Rocha
11. Raul Ayres de Lacerda
12. Renat o Araújo Sampaio
13. Abelardo Maga lhães Sacr ament o
14. August o Mart ins Junior
15. Export adora de Fumos Suerdieck S.A
16. Luiz August o Schiorder
17. Vivaldo Fonseca Barret o
FO NTE: Di á r i o Ofi ci a l , Dez / 1954. At a de a ssem b l éi a G er a l E xtr a or din ári a de
Suer di eck S/ A – Ch ar ut os e Ci ga r ri lh os, 20 de out u br o d e 1954. (Gri fo
Nosso ).

QUADRO 3 – Acio nist as da Suerdieck S./A.

1. Geraldo Meyer Suerdieck: Diret or President e


2. Tibú rcia Gued es Meyer Su erdieck: Dir etor – Vice-president e
3. Willy Haendell
4. Ant ônio E lo y da S ilva
5. Fer nando Meyer Suerdieck
6. Nico lau Meyer Suerdieck
7. Albr echt Wo lfgang Meyer Suerdieck
8. Epamino ndas da S ilva Bandeir a
9. Her bert St ern
10. Raul Ayres de Lacerda
11. Eli zabeth Cabu s de Amori m
12. Corbiniano Rocha
13. Renat o Araújo Sampaio
14. Luiz August o Schiorder
15. Abelardo Maga lhães Sacr ament o
16. August o Mart ins Junior
17. Vivaldo Fonseca Barret o
18. Export adora de Fumos Suerdieck S.A
FO NTE: Di á r i o Ofi ci a l , Dez / 1954. At a de a ssem bl éi a G er a l E xtr a or din ári a de
Suer di eck S/ A – Ch a r ut os e Ci ga r ri lh os, 28 de dez em br o d e 1954. (Gri f o
Nosso).
93

A Suerdieck, mesmo após t ant as t ransfor mações em sua r azão social e


na co mposição de sua sociedade, conseguiu chegar à década de 1950 ainda
co m grande pot enc ial indust r ial e co mercial, p o is nesse mo ment o at uou
sozinha no ramo charut eiro naque la região, comemor ando o seu jubileu de
ouro com 180 milhões de charut os por ano e um co nt ingent e de 2.052
operár ios/operár ias regist rados(as). 38 (CÉSAR, 2000, p. 4). Nesse mesmo
per íodo, exat ament e em 1950, fo i fundada a Sociedade Agro -Co merc ial
Fumageira Lt da., em Cruz das Almas, organizada so b o pat rocínio da
Suerdieck S/ A, para se ded icar ao cult ivo “cient ífico e t écnico” do fumo
capeiro, com o objet ivo de reduzir a import ação dessa mat ér ia -pr ima.
A part ir de meados do ano de 1951, a Suerdieck ajust ou seus cont ratos
para a int rodução de máquinas em suas fábr icas de charut os, visando elevar a
produção, quando realizou grandes refor mas em algu mas de suas unidades de
produção. Em Marago jipe, adquir iu o prédio da Rua Barão do Rio Branco, n.º
2, fazendo refor mas para inst alar a secção de celo fanagem no pr ime iro andar
e a S ala de E mbar que no t érreo. Em Cachoeira, a fábr ica fo i t ransfer ida para
novas inst alações à Rua dos Art ist as. E m Cruz das Almas fo i const ruindo u m
pavilhão para abr igar as máquinas em processo de mont agem .
Nessa época, fo i adquir ido, t ambém, um aparelho de Raio s X e de
abreugrafia, seguidos da inst alação do Cent ro Médico José S ilveira, em
Marago jipe, para cuida r das doenças infeccio sas. (SUERDIECK S/ A, 1955).
Essa preocupação co m a assist ência à saúde dos operár ios chama a at enção
para a exist ência dessa necessidade, já que o t rabalho da lida diár ia co m o
t abaco associado às péssimas cond ições de aliment ação e moradia das/dos
t rabalhadoras( es), pr incipalment e em Mar ago jipe, eram fat ores indicat ivos da
presença de vár ias afecções do aparelho r espirat ório e a t ísica, dent re out ras.
O balanço do ano de 1954 revela essa sit uação a part ir dos números de
at endiment o, exames e de mais ser viços médi cos prest ados às/aos
t rabalhadoras( es) em um único ano .

38
Vale ressaltar que esse número de empregados da Suerdieck no ano de 1950, refere-se, apenas, ao que consta
na documentação examinada, nas Fichas de Registro de Empregados depositadas nos arquivos.
94

TABELA 4 – Atendimento no Ambulatório da Fábrica Suerdieck em Maragojipe


(1954)
SERVIÇO Q UANT.
Pessoas at end idas 688
Abr eugrafias 2.800
Radiogr afias 107
Radio scopia 20
Pneumot órax 38
Pneumoper it ô nio 36
Inspeções de saúde 92
Vacinações 265
Injeções aplicadas 2.180
FONTE: Suer di eck S. A. Charut os e Ci ga rr i lha s, 1955.

O grande número de exames ligados ao aparelho r espir at ório, indicando


a preocupação ou a incidência das doenças pulmo nares no meio operár io, leva
à suspeit a de que o manuseio diret o e const ant e co m o fumo era responsável
por t ais doenças, uma vez que, apenas no ano de 1954, foram realizadas 2.800
abreugrafias 39 e 107 radiografia s. Cont udo, a relação do t rabalho fabr il
fumageiro na r egião do Recôncavo co m as doenças pulmo nares, em espec ial a
t uberculo se, carece de pesqu isas, merecendo, port ant o um est udo à part e.
No t ranscorrer da década de 1950 se acent ua o processo da decadência
da indúst r ia fumageira na região do Recôncavo, principa lment e, no tocant e às
fábr icas de charut os, confor me descrevem S ilza Borba (1975 ), Milt on Sant os
(1998), e José A. B. Ramo s (1990), dent re out ros. Gradat ivament e, nas
décadas seguint es, a falência fo i abat endo o conjunt o empresar ial fumageiro
da região e, conseq u ent ement e, inst alando o caos econômico e social na
região , afet ando diret ament e as/os t rabalhadoras(es) que vivia m da at ividade
fumageira 40. Sendo que, os homens, cert ament e, buscaram out ros espaços e

39
Método radiológico do diagnóstico de doenças pulmonares geralmente associadas ao trabalho, destacando-se
em maior número a tuberculose. A abreugrafia permitia a realização de um grande número de exames em um
curto espaço de tempo
40
As crises e a decadência da indústria fumageira na Bahia constitui-se uma matéria a ser detidamente estudada
à parte deste trabalho, considerando a sua complexidade no que diz respeito aos vários e divergentes pontos de
vista sobre o assunto, os contextos políticos e econômicos porque passou o país e o mercado dos fumos e
derivados e, especificamente, a indústria fumageira, além das questões relacionadas aos interesses dos grupos
95

out ras for mas de t rabalho, enquant o as mulheres, pelo fat o de est arem mais
ligadas à casa e a família, circunscr it as socialment e ao espaço domést ico e
suas t arefas diár ias, não puderam fazer o mesmo e, assim, sent iram muit o
mais a falt a do t rabalho , est e que t inha papel import ant e na const rução de sua
aut onomia econô mica e social.
Dest a for ma, vale ressalt ar que a s t rajet órias da Dannemann e Suerdieck
– as duas maiores empresas que at uaram simult aneament e no t rabalho de
beneficia ment o de fumo s, fabr icação de charut os e no co mérc io de import ação
e export ação de fumo s e seus respect ivo s produto s – são amplas e se
confundem co m a própr ia hist ór ia do t abaco e seus der ivados na Bahia. Seus
negócios alcançaram uma dimensão muit o maior e mais co mplexa,
co mparando -se ao que fo i aqui apresent ado porquant o o objet ivo dest e esfor ço
é apenas ident ificar e rast rear o percurso de algumas manufat uras de fumo,
co m vist as a co mpreender a est rut ura social da indúst r ia fu mageir a do
Recô ncavo a part ir da sua organização administ rat iva, cujo quadro de
dir igent es e funcio nár ios da burocracia empresar ia l era for mado, na maior ia,
por est rangeiros europeus e, essencialment e, por homens. Já o quadro de
t rabalhadoras( es) em geral, assunt o que vamo s nos det er doravant e,
const it uía-se de ho mens e mulher es, com vant age m numér ica para est as
últ imas.
O desenro lar dest a exposição se fez de propósit o, no sent ido de
evidenciar a const rução de uma hist ór ia a part ir de do is aspect os . Primeiro,
em no me do desenvo lviment o, a cult ura fu mage ir a dant es pert encent es aos
habit ant es do Recô ncavo, é “t omada de assalt o” pelo cap it al est rangeiro aqu i
represent ado por algumas famílias européias que, além de explorare m
int ensament e uma at ividade econô mica, mant iveram - se, t odo o t empo, no t opo
da hierarquia do poder no tocant e à organização da indúst r ia fu mageir a local.

dirigentes das empresas de manufatura, importação e exportação de fumos. A decadência da indústria fumageira
no Recôncavo, conforme os autores supracitados, deveu-se, inicialmente à Segunda Guerra Mundial, uma vez
que o capital empregado era de origem alemã, bem como, a maioria dos sócios-proprietários, estes foram presos
e/ou expulsos do país e suas empresas nacionalizadas. Por outro lado, fortalece-se o truste americano que coloca
em evidência a indústria de cigarro com embalagem pequena, sofisticada e um produto mais barato, mais
acessível à população, além da propaganda maciça que atraía a juventude. Nesta cadeia de agravantes, ainda,
considera-se relevante o processo de reestruturação da economia, tomando como lema os cortes com os gastos e
o reordenamento da força de trabalho, levando levas de trabalhadoras e trabalhadores à demissões e instalando a
precarização das relações de trabalho.
96

Segundo, que a produção fumageira se est rut urou sobre a base de uma divisão
sexual e social do t rabalho , at ingindo não apenas os/as operár io s(as), co mo
t ambém os propr iet ár ios, uma vez q ue não se ident ificou as mulher es de suas
famílias ou out ras envo lvidas na administ ração das empresas que aqui se
est abeleceram por muit os anos, excet o quando da mort e de algum sócio
major it ár io e por falt a de out ro dependent e. A chefia, port ant o, era masc ulina
e ass im, esse mo delo se dist r ibuía nas demais at ividades ent re os/as
t rabalhadores( as), reforçando cada vez mais os est ereót ipos relacio nados aos
ho mens e as mu lheres, no que diz respeit o à det er minação cult ural de seus
lugares nos espaços de t rabalho que t ambém eram espaços de poder.
97

2 AS MULHERES FUMAGEIRAS E SUAS HERANÇAS


SOCIOCULTURAIS

Ce nt e nas de m oç as m ore nas ac ham -se


se nt adas nas sal as da fábri c a um a ao l ado
da out ra e c ada grupo de l as e xe rc e um a
at i v i dade di fe re nte .
STEFAN ZUE IG, 194 1.

2.1 TRAÇOS ÉTNICOS DA POPULAÇÃO DO RECÔNCAVO

A co mposição do quadro social e cult ural da população fumageira, na


pr imeir a met ade do século XX, é herdeira da mais ampla e hist ór ica for mação
social do Recôncavo baiano, onde amer índios, afr icanos e europeus se
“enco nt raram” e, co mo em out ras regiões, não puder am impedir o processo de
miscigenação e a int erpenet ração de suas cult uras. Cont udo, apesar da
part icipação dos europeus, em part icular dos p ort ugueses, considera - se muit o
maior a pr esença de t raços ét nicos e cult urais dos indígenas, mas, sobret udo,
dos afr icanos na população da r egião no per íodo em evidência o que
det er mina a for mação ét nico -cult ural e social das/ dos t rabalhadoras(es)
fumageiras(os).
Quant o aos aut óctones, são esparsas as infor mações. E m “Hist órias
Menores”, Osvaldo Sá descreve que havia em Marago jipe as aldeias de
Conquist a da Pedra Branca, dos índio s Quir ir is e Tapuias e a de Sant o
Ant ônio da Aldeia, pert encent e à Freguesia de São Bart olo meu, sendo dos
Tupinambás. E m conseq u ência da co municação, at ravés do Rio Par aguaçu, do
arraial de S ant o Ant ônio da Aldeia co m o ancoradouro de Najé 41, onde os
índios prat icavam o escambo e o que mais int eressasse à sua manut enção, est a
aldeia passou a pert encer à Vila de Najé. Ainda descrevendo as belezas

41
Anajé que significa gavião na língua nativa é um topônimo que os conquistadores deturparam para Najé.
98

nat urais do Rio das Caboclas sit uado ent re Najé e Mar ago jipe, o aut or afir ma
que est e últ imo “produziu a maior safr a de mame lucos”. (SÁ, 1981, p. 31 -33).
Ainda cont a est e aut or que “t r ibos va lent es, aparent adas aos Aimorés”,
invadiram Capanema, um dos sít io s das t erras marago jipanas, no século
XVIII, embora muit o ant es Mem de Sá já houvesse “dest roçado aimorés da
Serra da Copioba, afugent o -os do lit oral”. (SÁ, 1981, p. 73).
Mais à frent e, em d ireção a Mur it iba, a r egião era t ot alment e povoada
pelos índio s Tupinambás que, no per íodo dos t rês go ver nos gerais, so mara m
47 aldeias. So ment e São Félix, const it uiu -se numa aldeia de índios co m 20
palhoças habit adas por cerca de 200 índ io s. Porém, logo q ue o colonizador
chegou à região est a população fo i gradat ivament e sendo dizimada. Segundo
S ilva (2001):

Com a instituição do domínio português e a resistência indígena,


instalou-se a guerra de destruição à esses índios que constituiu -se em um
denominador comum na história de ocupação do Recôncavo, da qual
resultou o gradativo despovoamento desta região. (SILVA, 2001, p.39).

No ent ant o, é sabido que os aut óctones r esist iram co nt undent ement e à
exploração, à dominação e a quaisquer out ras for mas de dest ruiç ão de sua
espécie impost as pelo co lo nizador port uguês. Fo i nest e processo de lut a e
resist ência à escravidão e ao poder sobre o seu t err it ório que os índio s,
mesmo so frendo grandes baixas em seu efet ivo, sobreviveram favorecendo ao
processo de miscigenação do Recôncavo. 42
A presença da população negr a no Recôncavo est á relacio nada à
escravidão afr icana que, desde a co lo nização at é o fina l do século XIX,
apresent ava a ma ior concent ração do Est ado da Bahia. Ao examinar os
invent ár io s post-mort em da população dest a região, do período de 1750 a
1800, Parés (2005), ident ificou dent re os 1.400 cat ivos afr icanos uma ma ior ia
cujos et nô nimo s refer ia m- se a mina, jeje, nagô e ango la dent re out ros, t er mos
que designavam uma pluralidade de gr upos het erogêneos, mas guarda vam
cert as afinidades ling u íst icas e cult urais . Ressalt a, ainda, que est e t ipo de

42
Para a questão vê: AMSF: Jornal da Cidade. Edição Especial, 10/1990; AZEVÊDO, UFBA/Salvador, 1968,
pp. 3-14; CASTRO, 1941, p. 34; MATTOSO, 1992, pp. 69-81; SCHWARCZ, 1998, vol. 4, cap. 3, p.193;
SILVA, 2001, pp. 39 - 43.
99

document ação expressa o uso dessas cat egorias feit as co mument e pelo s
senhores e t raficant es. (PARÉS, 2005, pp. 96 -97).
E liane Azevedo (1968), afir ma que a demanda dos afr ican os no
Recô ncavo da Bahia vinculou -se ao cr esciment o da indúst r ia do açúcar e as
plant ações de fumo, sendo est as últ imas para sust ent ar o t ráfico de escravos
no "co mér cio t riangular". ( AZEVEDO, 1968, p. 7).
Quant o à evo lução demográfica dest a população na região, nos século s
seguint es, fez-se necessár io cruzar as infor mações for necidas pela S inopse
Preliminar do Censo Demográfico (1980) e os nú meros suger idos por Roger
Bast ide (1980), para obt er as seguint es infor mações: no fina l do século XIX,
exat ament e e m 1890, a população da Bahia era de 1.919.802 habit ant es e,
dest es 75,97% eram de negros, relat ivament e proporcio nal a est es números
t ambém t odo o Recôncavo, considerando que as cidades de Cachoeira e São
Félix er am os pr incipais cent ros de irradiação negr a do Est ado, pois fo i nessa
micro rregião que se concent rou o maior número de engenhos de açúcar da
Bahia. (IBGE, 1980, pp. 14 -15; BASTIDE, 1980, p. 68 -70; AZEVEDO, 1968,
p. 4).
Mas, “as t erras em vo lt a d’água” est abelecia co municação ent re o sert ão
e a Baía de Todos os Sant os que, co m o passar do t empo, cont ribuiu par a
disso lver a d ist ância ent re as diferent es mat r izes e processou significat ivas
mudanças no quadro ét nico e cult ur al do Recôncavo. Inicia lment e a
co municação se deu at ravés dos r ios que ali des embo cam e, mais t arde,
at ravés das rodovias, cont ribuindo para a dist r ibuição t anto de produtos e
mer cador ias diversas co mo da população que t ransit ava em direção à capit a l
ou ao sert ão, dest acando -se nesse t rajet o o porto de Cachoeir a co mo pr inc ipal
pont o de encont ro das pessoas e ent relaçament o de cult uras. ( AZEVEDO,
1968, p. 4-7). Ao lo ngo do t empo, est e trânsit o de co isas, cost umes e pessoas
promo veu um processo de redefinição ét nico -cult ural e social,
part icular ment e, para a zona do fumo que aqui é den o minada de Recôncavo
Fumageiro.
Assim, Lilia Schwarcz (1998) afir ma que “era a cult ura mest iça que,
nos anos 30 [do século XX] despont ava como represent ação ofic ial da nação”.
(SCHWARCZ, 1998. p.193). Ainda, na pr imeir a met ade do sécu lo XX, e m
viagem pela Bahia, o escr it or aust r íaco, resident e no Rio de Janeiro, vis it ou
100

as fábr icas de charut os de Cachoeira e descr eveu as et apas da feit ur a dos


charut os se refer indo às t rabalhadoras, de modo part icu lar izado, pelo seu t ipo
ét nico, como “cent enas de moças more nas acham-se sent adas nas salas da
fábr ica uma ao lado da out ra e cada grupo delas exerce uma at ividade
difer ent e”. [gr ifo nosso]. (SWEIG , 1941, p.116).
Ao final da pr ime ira met ade do século XX, a população dessa região já
se apr esent ava densament e miscig enada, pr incipalment e, de um t ipo ét nico
que Azevedo (1968) deno mina de "mulat o escuro". Confor me dados do
Inst it uto Brasileiro de Geografia e Est at íst ica, no ano de 1940, a população
dos municípios de Marago jipe, Cachoeira, S ão Félix e Mur it iba so mava
105.047 habit ant es, sendo 34,14% de cor pret a e 46,33% de cor parda. E m
1950, est es municíp ios so mavam uma população de 110.253, sendo 52,75% de
cor parda, ou seja, revela que a maior ia era de uma população não branca,
nem exclusiva ment e de cor pret a. (IBGE/C ENSO, 1950/1958, pp. 95 -105).
Apesar da sobrevivência em grande part e, nest a reg ião, da herança de
element os da cult ur a européia, nat iva e, sobret udo, afr icana, a efet iva
convivência ent re esses po vos, os fr eq uent es deslocament os das populações,
bem co mo as int erpenet rações sociais e cult urais que se processavam em t odo
o Nordest e brasile iro facilit ara m, par t icular ment e ao Recôncavo, uma
co mplexa for mação ét nica, cult ural e social específica dessa região que,
mesmo não sendo est át ica, co nt r ibuiu para a defi nição, co m cert a
peculiar idade, das caract er íst icas de sua população.
Alé m das at ividades sociais e cult urais, as at ividades econô micas ali
desenvo lvidas, t ambém, repr esent aram fat ores const it ut ivos da especific idade
da população de cada zona que co mpunha o Recôncavo, considerando que a
at ividade fumageir a marcou, ao longo do t empo, os comport ament os, os
cost umes, o convívio social e at é o modo de pensar e viver daquelas/daque les
que t rabalhar am e vivera m no Recô ncavo fumageiro.
101

2.2 OUTRAS HERANÇAS

O Recô ncavo dos canaviais, dos engenhos, aquele chamado de “cele iro
da capit al”, dent re out ros que for mavam o conjunt o das áreas produt ivas e,
port ant o ricas da Bahia, enfr ent ou a part ir da segunda met ade do século XIX,
pr incipalment e após a abo lição do r egime escr avocrat a e conseq u ent ement e o
“quebrament o das forças produt ivas”, uma progressiva decadência que levou a
região a perder a sua ant iga import ância econô mica, po lít ica e social,
iso lando -a dos processos que desde ent ão mar caram a vida nacio nal.
Difer ent ement e da Cidade da Bahia, ao nde t udo ia florescendo, “o Recôncavo
açucareiro se ret rai e suas ár eas per ifér icas se margina lizam”, co nfor me
afir ma Mar ia de A. Br andão (1998, p. 40), dent re out ros. Nesse co nt ext o, C.
P int o descreve a pauper ização da p opulação da região e a int ensa ut ilização
da mão de o bra feminina, pr incipalment e, na indúst r ia fumageir a e afir ma
que:
E não resta dúvida que é aqui, entre as subáreas do Recôncavo, que atraso
e pobreza são mais visíveis e mais chocantes (...) visitar o s bairros
proletários de Cachoeira, São Félix, Muritiba, Maragojipe, Cruz das
Almas é ver de perto a pobreza amarela da classe trabalhadora urbana
dedicada à manipulação industrial do tabaco. (PINTO, 1998, p. 122 e
128).

Alé m do quadro econô mico que se d elineava na r egião fumageir a, que


já inc linamo s nosso olhar em mo ment os ant er iores, out ras peculiar idades e
caract er íst icas de cunho socio cult ural que ali se desenvo lveram emprest ara m
uma fisio no mia própr ia à população ligada especificament e à at ividade
fu mageira.
Quant o ao nível de esco lar ização das/dos trabalhadores fumageir as(os),
há cont rovérsias. P ara a indúst r ia fumageir a, Anfiló fio de Cast ro avalia que
"(...) é a ocupação de quási a t ot alidade do seu povo" [Mur it iba], "o qual,
embora co m qualidades apreciáveis, é pouco inst ruído e pouco afeiçoado às
let ras". (CAST RO, 1941, p. 5). Est a afir mat iva deve est ender -se nas mesmas
proporções para todos os out ros municípios da região fumageira, po is,
confor me o Censo de 1940, o tot al da população de cinco ano s e ma is de
idade dos municíp ios de Marago jipe, Cachoeira, São Félix e Mur it iba era de
88.275 e dest es 65.720, ou seja, 74.45% não sabiam ler e escrever. Em 1950,
102

segue co m pequena diferença, o mesmo rit mo das proporções, uma méd ia de


70.65% de analfabet os para o t ot al da população de cinco anos e mais de
idade. (IBGE. Enci clopédia dos Municíp ios B rasi lei ros. R.J.: XX vo l. 1958,
pp. 95-105).
Cons iderando que a at ividade fumageira se divid iu no binô mio
agro indust r ial, é preciso não generalizar em qualquer avaliação do gênero. De
cert o que, a passagem das relações sociais est rut uradas sob o t rabalho no
campo para as relações sociais est ruturadas so b o t rabalho fabr il não
det er minou u m cort e radical nos padrões socia is vigent es, per manecendo,
ainda, por algum t empo, os mesmos valores, comport ament os, bem co mo, a
for mação sociocult ural da população envolvida co m o trato do fumo. Cont udo,
quando Mar ia de A. Brandão, afir ma que “as relações de produção
det er minam aí r elações sociais (...)”, (BRANDÃO, 1998, p. 18) , possibilit a
co mpreender que, de alguma mane ir a, o processo de indust r ialização da zona
fumageira influenciou na dinâmica ur bana, social e cult ural e, que se
analisada separadament e pode -se obt er result ados difer enciados.
Assim, confor me as anot ações da F ichas de Regist ro das/dos
t rabalhadoras( es) das pr incipa is fábr icas charut os – P iment el, Suerdieck de
Marago jipe e Suerdieck de Cruz das Almas, no per íodo de 1906 at é à década
de 1950 – ocorreu um processo gradat ivo de esco lar ização dessa população.
E mbora, deva-se considerar que se t rat a de uma amost ra rest r it a e que os
dados são relat ivos pela flut uação do pessoal naquela lo calidade, mas, de
qualquer maneira, t rat a -se da realidade cult ural das/dos t rabalhadoras(es) das
fábr icas de charut os do Recôncavo. Out ro fat or preponderant e para est a
análise é considerar que, naquele mo ment o, trat ava -se de um processo lent o e
que a esco lar ização das classes populares, ainda, não aparec ia co mo um valor,
muit o menos co mo valor posit ivo. Assim, segue a amo st ra nas t abelas abaixo:
103

Tabela 5 – Grau de inst rução - Mulheres


MULHER
DÉCADA ALF % N/ALF % NI/O % TO TAL
1930 170 31. 89 160 30. 02 203 38. 09 533
1940 278 55. 60 145 29. 00 77 15. 40 500
1950 204 71. 58 47 16. 49 34 11. 93 285
TOTAL 652 49. 47 352 26. 71 314 23. 82 1.318
Le ge nda : ALF= Al fa bet i z a da (o). N/ ALF= Nã o Al fa bet i z a da (o).
NI/ O = Nã o In for m a do ou Out r os
FONTE: Fichas de Registro de Empregados das Fábricas Suerdieck (Maragojipe/Cruz das Almas),
Pimentel (Muritiba).

Tabela 6 – Grau de inst rução - Homens


HOMEM
DÉCADA ALF % N/ALF % NI/O % TO TAL
1930 98 49. 75 50 25. 38 49 24. 87 197
1940 121 60. 81 21 10. 55 57 28. 64 199
1950 112 80. 58 15 10. 79 12 8. 63 139
TOTAL 331 61. 87 86 16. 07 118 22. 06 535

TO TAL G ERAL (M ULH ER E H OM EM ) 1.833


Le ge nda : ALF= Al fa bet i z a da (o). N/ ALF= Nã o Al fa bet i z a da (o).
NI/ O = Nã o In for m a do ou Out r os
FONTE: Fichas de Registro de Empregados das Fábricas Suerdieck (Maragojipe/Cruz das Almas),
Pimentel (Muritiba).

As relações conjugais t ambém reve lavam out ra face de uma realidade


caract er íst ica da massa t rabalhadora da região fumageira. O casa ment o nos
mo ldes o ficiais previst os pelo Est ado e pelo Cr ist ianis m o, predo minant e
naquele per íodo, apresent ava número bast ant e reduzido, cedendo lugar às
uniões livres, na for ma do concubinat o, àquelas que P int o deno minou de
“uniões conjugais ext ralegais, de puro amasiado, t ão fr eq uent e, ent re as
classes pobr es brasile ir as, especialment e no int er ior” (PINTO, 1998, p.128),
mas que se inst it ucio nalizaram co mo uma prát ica recorrent e nas áreas ur banas
da zona do fumo do Recôncavo.
E m seu est udo sobre Mur it iba, Anfiló fio de Cast ro ident ificou que
"numa população ent re 37 a 40 .000 alma s, realizando -se apenas, anualment e,
156 casament os legais, at inge as raias do espant o pela ins ignificância".
(CASTRO, 1941, p. 36). Tomando o Censo de 1940, est e infor ma que a
104

população dos quat ro munic ípio s – Mur it iba, Cachoeir a, São Félix e
Marago jipe – na faixa et ár ia de 15 anos e mais, so mava um t ot al de 105.047,
dest es 76,88% (80.762) era m de pessoas so lt eir as. (IBGE. Censo, 1940. XX
vo l. 1958, pp. 95-105).
Para as décadas de 1930, 1940 e 1950 43, uma amo st ra das Fichas de
Regist ro de Empreg ados das E mpresas C. P iment el em Mur it iba, Suerdieck em
Marago jipe e Cruz das Almas, t razem as seguint es infor mações quant o ao
est ado civil das/dos t rabalhadoras(es):

Tabela 7 – Est ado Civil - Mulheres


MULHER
TO TAL
DÉCADA CAS % SOLT % NI/O %
%
1930 29 5.44 86 16.14 418 78.42 533
1940 68 13.60 258 51.60 174 34.80 500
1950 71 24. 91 197 69. 12 17 5. 97 285
TOTAL 168 12. 75 541 41. 05 609 46. 20 1. 318
Le ge nda : CAS= Ca sa da (o). SO LT= Sol t ei r a (o).
NI/ O = Nã o In for m a do ou Out r os
FONTE: Fichas de Registro de Empregados das Fábricas Suerdieck (Maragojipe/Cruz das Almas),
Pimentel (Muritiba).

Tabela 8 – Est ado Civil - Ho mens


HOMEM
TO TAL
DÉCADA CAS % SOLT % NI/O %
%
1930 42 21.32 57 28.93 98 49.75 197
1940 31 17.32 82 45.81 66 36.87 179
1950 41 29. 50 98 70. 50 0 0 139
TOTAL 114 22. 14 237 46. 02 164 31. 84 515
TO TAL G ERAL (M ULH ER E H OM EM ) 1.833
Le ge nda : CAS= Ca sa da (o). SO LT= Sol t ei r a (o).
NI/ O = Nã o In for m a d o ou Out r os

FONTE: Fichas de Registro de Empregados das Fábricas Suerdieck (Maragojipe/Cruz das Almas),
Pimentel (Muritiba).

43
Foram selecionadas estas décadas por apresentarem informações mais uniformes, uma vez que as Fichas de
Registro de Empregados das fábricas de charutos foram preenchidas e regularizadas a partir do ano de 1938.
Para as décadas de 1910/20, as Fichas apresentam várias lacunas quanto as informações mais específicas das/dos
trabalhadoras(es).
105

Como informa os números acima, do total de 1.318 mulheres registradas nas


fábricas de charutos supracitadas, no período de três décadas, apenas 12.75%
declararam-se casadas. Assim, as mulheres solteiras na região tinham a primazia
numérica em relação às demais. Seguidas, proporcionalmente, dos homens.
É necessário, entretanto, relativizar estes resultados, pois nesta época, muitas
mulheres eram casadas “no padre” – expressão usada popularmente para designar o
casamento religioso – e, neste caso, elas não eram consideradas, legalmente,
casadas. No entanto, conviviam com seus companheiros/cônjuges considerando e
absorvendo as mesmas regras de convivência conjugal do casamento que ocorria
dentro das formalidades oficiais, por este configurar -se como um valor social e
moral de alta relevância para aquela socied ade. Segundo o redator do jornal Correio
de são Félix:

Indiscutivelmente, o casamento, nas suas devidas condições, é uma


grande felicidade; é o aurorear de uma nova vida, pontilhada de ternuras
e esperanças; é a iniciação de uma existência nova, para novo s surtos de
trabalho e de fé, para a segurança do futuro, que deve ser a preocupação
maiór daqueles que se unem e vão constituir famílias. (DANTAS, 1942, n.º
67).

O casamento civil não era tão comum entre as mulheres das camadas mais
baixas daquela população, por ser distante de sua realidade econômica e social,
considerado um ato e um valor da elite motivado por interesses econômicos e
sociais. Enquanto que, ser uma mulher solteira não significava apenas aquela que
não fosse casada, mas a mulher livre, se m marido 44 e passível de envolvimento em
relações amorosas clandestinas, situação em que muitas mulheres se encontravam,
embora quisessem fugir, pois era um comportamento, radicalmente, rejeitado pelos
valores morais daquela sociedade.
Assim, é que o casamento na igreja era entendido e vivido por essas
mulheres como uma válvula de escape, uma opção para se aproximarem do ideal
comum – a convivência conjugal reconhecida – à todas as mulheres daquela época e
contexto e de não serem enquadradas na categoria de "solteiras", além do
casamento religioso ser mais acessível em termos de custos que o casamento civil.

44
Entenda-se aí sem aquele que lhe daria o nome de mulher casada, portanto, sem aquele que lhe faria uma
pessoa respeitada. O marido na vida de uma mulher casada era a presença oficial daquele que iria impor-lhe o
respeito, a proteção diante de outros homens para que a mesma não caísse em “tentação”, além do
reconhecimento da sociedade.
106

Estes dados referentes às origens étnicas e sociais de parte da população do


Recôncavo, especificamente àquela do Recôncavo Fumageiro, permitem uma
aproximação do perfil socioeconômico e cultural das mulheres fumageiras da
primeira metade do século XX, que fizeram parte desse cenário e que, certamente,
abrigaram a mesma crença subjetiva em uma procedência comum.

2.3 EM NOME DE TODAS AS TRABALHADORAS

Descrever o per fil das t rabalhadoras fumageiras é t arefa difícil, po is


não se t rat a, apenas, de levant ar dados objet ivos ou classificar por
caract er íst icas físicas ou fenot ípicas, ma s de r econhecê - las a part ir de suas
hist ór ias de vida engendradas no cenár io d a labut a fumageir a, cujas hist ór ias
se confundem. Usando co mo refer ência algumas per sonagens dessa t rama fo i
possível ident ificar e co mpreender o t ipo social que deu significado ao
cot idiano fabr il do Recô ncavo Fu mageiro.
Mulher es que t rabalhar am em ar ma zéns de fumo, em fábr icas de
charut os, em fabr icos e/ou em suas próprias residências lidando co m o fumo,
são aqui represent adas por aquelas que as c ir cunst âncias as fizeram fo nt es,
objet os e sujeit os da pesquisa. Ut ilizando regist ros ant er iores e novos t em- se
um quadro aproximado de um breve per fil das t rabalhadoras fumageiras do
Recô ncavo Baiano. Est e exercíc io, t ambém, ind icou o mesmo caminho que
percorreu Ecléa Bosi, “regist rar a voz e, at ravés dela, a vida e o pensament o
de seres que já t rabalhar am por seus cont emporâneos e por nós”. (BOSI, 1994,
P. 37).
Dos vários municípios que formavam o Recôncavo Fumageiro, destaca -se,
também, a Vila de Cabeças, esta que deu origem a muitas(os) trabalhadoras( es)
fumageiras(os), dentre elas(es) as operárias de armazén s de fumo que ocupavam
diversas funções no trabalho de beneficiamento do fumo, as charuteiras que
trabalhavam por conta própria no seu domicílio , as charuteiras que trabalhavam em
regime regular nas fábricas de charutos e as proprietárias de fabricos.
Alzira Ferreira da Silva, nascida em 10 de abril de 1908, na Vila de Cabeças
– Muritiba, seu pai foi trabalhador de armazém de fumo e sua mãe hábil charuteira.
107

D. Alzira começou a trabalhar no preparo do fumo "desde que saiu da escola" -


expressão usada para se referir à conclusão do curso primário à época. A sua
Carteira Profissional foi expedida em 1935, quando foi anotada a sua admissão na
Fábrica de Charutos Dannemann de Muritiba retroativa a 1924, seguida da sua saída
em junho de 1938. Neste mesmo ano foi readmit ida na fábrica, permanecendo como
charuteira até a sua aposentadoria, por volta da década de 1960.
Em sua fala, D. Alzira não menciona outra atividade profissional que não
tenha sido a de confeccionar charutos em casa ou na fábrica, sendo mais uma
mulher que engrossava a fileira das que caminhavam todos os dias para o pólo
industrial do charuto, construindo a sua vida a partir de uma luta surda, mas
contínua, buscando as possíveis melhorias das condições materiais e sociais, a
partir daquele contexto econômico e social, cuja atividade fumageira era a única
oportunidade de trabalho para as mulheres, bem como, a maioria dos homens da
região do Recôncavo Baiano, naquele momento .

FIGURA 14 – Fotografia de D. Alzira

Alzira Ferreira da Silva

FO NTE: Ac er vo pa r t i cul ar. Fot ogr a fi a c edi d a pel os fa m i l i ar es da


t ra ba l ha dor a , 2009.
108

Benedit a Rodr igues da S ilva, t ambém nasceu na ant iga Vila de Cabeças,
no ano de 1923, era filha de pais agr icult ores. Aprendeu a fazer charut os ,
ainda, muit o jo vem por influência de um mo ment o em que gr ande part e das
mulheres da região est ava envo lvida nest a at ividade. Mulher de mascat e e
co merciant e da V ila, D. Benedit a era mãe de o it o filho s e dedicou -se à
confecção de charut os em do micílio por um per íodo de 40 anos seguidos.
Para adquir ir os fumos que ut ilizava em sua pequena produção, D.
Benedit a se des locava a pé at é os ar mazéns de fumo localizados nas cidades
de Cachoeira e Mur it iba – nessa época o t ransport e automot orizado ainda era
muit o escasso na r egião – o nde, t ambém, vendia part e de sua produção , a
out ra met ade vendia aos co mpradores deno mina dos pelo s empresár io s de
at ravessadores ou int er mediár ios que ma nt inham uma fr eguesia se manal co m
as charut eiras que produziam em suas própr ias casas .
Na década de 1970, par alelament e ao trabalho que execut ava no próprio
domic ílio, D. Benedit a t ambém t r abalho u por um per íodo de cinco anos na
Cooperat iva Art ezanal Mixt a do Va le do Paraguaçu – COOVALE, co mo o
no me já ident ifica, era uma cooperat iva de fabr icação de charut os inst alada na
cidade de Gover nador Mangabe ir a (ant iga Vila de Cabeças), que vendia s ua
produção para a Leit alvis. Co m o fecha ment o da Leit alvis e,
consequent ement e, da Cooperat iva, as charut eiras foram convidadas pela
freira Ir. Adélia Senn para t rabalhar na fábr ica de charut os Dannemann e m
Cruz das Almas e, D. Benedit a, enfrent ando a opo sição de seu mar ido, deu
iníc io à sua lo nga jor nada de t rabalho em Cruz das Almas, a 15 km de
dist ância, po is acordava muit o cedo para realizar as at ividades do mést icas e
às seis horas da manhã já est ava na est rada, vo lt ando so ment e doze horas
depo is.
Apesar de t ant os anos de t rabalho co mo charut eira, so ment e em 10 de
set embro de 1977 D. Benedit a t eve, pela pr ime ira vez, sua Cart eir a
Profissio nal assinada co mo charut eira , e, em 20 de março de 1981, fo i
assinada a sua dispensa em função da cr is e que enfr ent ava a Cia. Brasileir a de
Charut os Dannemann, levando, conseq uent ement e, à redução do quadro de
operár ias(os).
A vivência de D. Benedit a em relação à fabr icação de charut os perpassa
desde a modalidade da produção em domic ílio at é à produção realizada no
109

int er ior da fábr ica; da co mpra da mat ér ia -pr ima nos ar mazéns de fumo à
venda dos charut os aos negociant es dest e produto. Assim, ent ende-se que fo i
conduzindo est e conjunt o de sit uações e mo vendo -se em meio às diver sas
relações sociais que t ecia no mundo do tr abalho, bem co mo, a represent ação
que est e t rabalho t inha para a sua vida, que D. Benedit a se fez uma exímia
charut eira.

FIGURA 15 - Fotografia de D. Benedita (1977)

Benedita Rodrigues da Silva

FO NTE : Ac er vo pa r t i cul ar. Fot ogr a fi a c edi da pel os fa m i l i ar es


da tr a ba lh a dora , 2009.

Car melit a Oliveira de Jesus, conhecida co mo Car m élia, e suas duas


filhas Tereza e Sô nia nunca t rabalhar am, de fat o, numa fábr ica de charut os,
mas, const ruíram suas vidas a part ir do t rabalho co m o fumo. Mãe e filhas
t ransit avam ent re a produção de charut os realizada no domic ílio e àquela do
fabr ico de Joana S ilva, mais co nhecida co mo “Joana Pr et a”. O t empo e o
envo lviment o dest as t rabalhadoras co m o fabr ico de D. Joana Pret a foram t ão
int ensos que as filhas de Car mélia – Tereza e Sônia – passar am a morar co m
110

D. Joana, tornando -se “filhas de cr iação”, cha rut eir as de seu fabr ico de
charut os e herdeiras de seus bens, após sua mort e.
Car melit a, Tereza e Sônia repr esent am duas gerações e uma par cela das
fumageiras que não t ivera m a oport unidade de t rabalhar numa fábr ica, mas
que, da mesma for ma que as t rabalhadoras das fábr icas, apesar do ano nimat o,
buscaram seu espaço e, por conseguint e, romper am t ambém co m as
impressões do mest icadas de que as mulheres não dever ia m t rabalhar fora de
casa. Dent ro das condições econô micas e sociais desse grupo, ser charut eira,
dent ro ou fora das fábr icas, represent ava, t ambém, um papel import ant e no
seu grupo socia l a que pert enciam.
Joana S ilva ou Joana Pret a, co mo era conhecida, nasceu em 1915 na
Vila de Cabeças e, desde muit o jovem começou a t rabalhar na at ividade
fumageira fazendo charut os em casa para vender aos at ravessadores. D. Joana
t irou a sua pr imeira Cart eira Profiss io nal em 1935, como charut eir a. E m julho
1942, regist rou-se como charut eira da Companhia de Charut os Dannemann,
onde t rabalhou at é dezembro de 1944. A par t ir de ent ão, há uma lacuna de
t empo sem regist ro de t rabalho em sua Cart eira qu e, segundo Car melit a, fo i a
época em que D. Joana abr iu um fabr ico de charut os que funcio nava dent ro de
sua própr ia casa.
O fabr ico de Joana Pret a era famo so pelo número de mu lheres que
t rabalhava m e pela quant idade de charut os que produzia m t oda semana par a
at ender a u ma client ela que envo lvia via jant es que t ransit avam ent re o sert ão
e o Recôncavo, principalment e, o Port o de Cachoeir a, pr incipal acesso à
capit al do Est ado; os co mpradores avulsos de charut os que vendiam no
mer cado clandest ino ; além de vender para a Fábr ica de Charut os C. P iment el.
Os pedidos de charut os da fábr ica crescer am t ant o que, em dezembro de 1967,
D. Joana passou a ser funcio nár ia da fábr ica, t endo em sua Cart eira
Profissio nal o regist ro de "charut eira em domic ílio " at é julho de 1968.
111

FIGURA 16 - Fotografia de D. Joana

Joana Silva

FO NTE : Ac er vo pa r t i cul ar. Fot ogr a fi a c edi d a pel os fa m i l i ar es da


t ra ba l ha dor a , 2009.

Celina de Jesus Neris nasceu em 1928, no município de Serra Preta, Bahia,


vindo morar em Cabeças com no ve anos de idade, quando já ajudava seus pais no
trabalho da roça. Aos doze anos Celina já sabia manipular o fumo e fazer charutos,
atividade que executou até o ano 1996, em sua residência.
D. Celina foi trabalhadora dos armazéns de beneficiamento de fumo por um
período de vinte anos, não se casou nem teve filhos, mas viveu sempre rodeada de
parentes cuja responsabilidade do sustento era sua. Também fazia charutos em casa
nos horários que ainda lhe restavam. Ela afirmou que “trabalhou clandestino para
um senhor de Muritiba catorze anos, para o finado Moisés", que lhe fornecia o
fumo e comprava-lhe os charutos; negócio que, muitas vezes, foi realizado aos
sábados depois de encerrar o expediente de trabalho do armazém.
Começou a trabalhar na fábrica de charut os C. Pimentel a partir da década de
1950, saindo todos os dias a pé de Cabeças à Muritiba e, em 1960, passou a
trabalhar nos armazéns de fumo de Altino da Fonseca e de José Carvalho em
Governador Mangabeira. Nos períodos de entre ssafra, quando o armazém fazia o
112

"corte", ou seja, dispensava o maior número de trabalhadoras(es), D. Celina, como


tantas outras fumageiras, recorria às fábricas de charutos em busca de trabalho.
Contudo, o trabalho de fazer charutos em casa parecia permanente para a maioria
das mulheres.

FIGURA 17 - Fotografia de D. Celina

Celina de Jesus Neris

FO NTE : Acer vo pa r t i cul ar. Fot ogr a fi a cedi da pel os fa m i l i ar es


da tr a ba lh a dora , 2009.

Dalva Damiana de Freit as, conhecida at ualment e na região co mo D.


Dalva do Samba da Suerdieck, nasceu em Cachoeir a, no ano de 1927, seu pa i
era sapat eiro e sua mãe charut eira da Dannemann. D. Da lva co meçou a
t rabalhar aos cat orze anos de idade par a ajudar sua família que, alé m de
numerosa, era muit o pobre. Post er ior ment e, inic iou co mo aprendiz na fábr ica
de charut os Dannemann em S ão Félix, at ravés do SENAI (S er viço Nacio nal de
Apr endizagem I ndust r ia l), onde precisava co locar um banco sobre o out ro
para se sent ar e at ingir a alt ura da banca de t rabalho, logo que aper feiçoou as
t écnicas de fabr icação de charut os e cigarros, fo i empregada e regist rada
co mo charut eir a, confor me CTPS, dat ada de maio 1946. E m 1958, já separ ada
do pr imeiro mar ido e mãe de cinco filhos, D. Dalva passou a t rabalhar na
Suerdieck S/ A, filia l de Cachoeira, onde se aposent ou como charut eir a no ano
de 1974.
D. Dalva r elat ou uma vida de muit a po breza e de muit as d ificuldades no
sust ent o e educação dos filhos. Co nt udo, ent re a carência econô mica e social,
est a charut eira, co m o auxílio de out ras mulheres, cr iou as co ndições par a
organizar fest as em t orno dos sant os cat ólicos, seja no ambient e d a fábr ica ou
113

fora dele. Nas fest as do padroeiro, por exemp lo, quando cada fábr ica era
represent ada num det er minado dia, D. Dalva, na liderança de seu grupo,
organizava e part icipava dir et ament e dos fest ejos, oport unidade que mot ivou
est a charut eira a cr iar o Samba de Roda da Suerdieck que se t ornou uma
inst it uição, ho je, reconhecida pela Bahiat ursa, pelo Minist ér io da Cult ura,
vis it ada por t urist as do mundo int eiro e aplaudida na reg ião. 45
A fala de Dalva Damiana expressa uma vida de muit o t rabalho, pobreza
e explor ação, ao mesmo t empo em que a amizade, o respeit o, a so lidar iedade
e o espír it o fest ivo , vividos e sent idos por ela e seu grupo, t êm o significado
de ir a lém do árduo viver da mãe, mulher e t rabalhadora da indúst r ia
fumageira de seu t empo.

FIGURA 18 - Fotografia de D. Dalva

Dalva Damiana de
Freitas
FO NTE : h t t p: / / www. g oogl e. c om . br / i m a ges?h l = pt -
br & bi w= 1280& bi h = 617&q= da l va %20da mi an a &um = 1&i e= UT F
-8&s our ce= og &sa = N&t a b= wi

45
Sa m ba d e Roda Su er di eck foi criado em Cachoeira – BA, no ano de 1961, por iniciativa Dalva Damiana
de Freitas, operária da fábrica de charutos Suerdieck, de onde adveio o nome do grupo. At ua l m en t e, é
c om post o p or 17 i d os os, s en do qu e, a o l on go do p er í od o de sua exi st ên ci a , 77 pess oa s
dessa fa i xa et á r i a est i ver a m jun ta s na con duçã o d o gr upo, a br i ga n do a t é a í qua tr o
ger a ções. A principal característica deste grupo é a performance das baianas, vestidas com indumentárias
típicas, elas tocam tabuinhas e executam a coreografia do chamado “samba no pé”. Disponível em:
http://www.cultura.gov.br/site/wp -content/uploads/2009/12/projeto-idoso_5_versao.pdf. Acesso:
05/12/2010.
114

Isaura Lopes dos S ant os nasceu em Cruz das Almas no ano de 19 19,
mãe de t rês filhos e t rabalhou nos est abeleciment os fumageiros – ar mazéns –
nas vár ias funções ligadas ao beneficia ment o de fumo. E la cont a que seu
pr imeiro t rabalho fo i enfrent ar um fardo de fumo, sent ada no chão, para
desmanchar as cabeças das manocas separando e classificando todo o fumo,
sendo remunerada por quilo de fumo selecio nado. Depois, co mo acont ecia
co m out ras mulher es, D. Isaura passou a t rabalhar na raloa onde t irava t oda a
t erra do fumo, “pocava” as cabeças, esco lhendo e separando os vár ios t ipos de
fumo, t rabalho que era feit o em pé durant e todo o dia. E m seguida, passou a
t rabalhar co mo esco lhede ir a e sua remun eração já era feit a por dia de
t rabalho, função que ocupou at é a sua aposent ador ia , embora, em sua Cart eir a
Profissio nal const e apenas a função de ser vent e .
D. Isaura descreve a r elação dos mest res co m as t rabalhadoras nos
ar mazéns de fumo e acent ua o medo, a rigidez da disciplina e a humilhação
porque passavam essas mu lheres para se mant erem no t rabalho, bem co mo, o
esforço físico e repet it ivo que fazia por lo ngas horas diár ias, co m int er valo
apenas para o almoço, sent adas no chão ou em pé, uma sit uação que, segundo
D. Isaura, co mpara va-se so ment e ao “cat iveiro”.
Dest a for ma, D. Isaura ilumina part e da hist ór ia das fumageiras , das
t rabalhadoras de ar mazéns de fumo que, na lut a pela sobr evivência,
exper iment aram o mundo do t rabalho de uma for ma muit o part icular, não
apenas co mo t rabalhadoras fumageiras, mas, sobr et udo como mulheres
t rabalhadoras, po is as quest ões relacio nadas ao gênero est ão mais evident es
que as quest ões que envo lvem as relações de t rabalho propr ia ment e.
115

FIGURA 19 - Fotografia de D. Isaura

Isaura Lopes dos Santos

FO NTE : Fi ch a de Regi st r o de Ass oci a t i vi sm o a o Si n di ca t o dos


T ra ba l ha dor es do Fum o d e Cr uz da s Al ma s, 2010.

Laurent ina Neves Me lo, conhecida co mo D. Neném, nasceu na Vila de


Cabeças no ano de 1915, era filha de carregador ambulant e e empregada
domést ica e, aos 11 anos de idade, deixo u a esco la para t rabalhar no prep aro
do fumo para a co nfecção de charut os no "fabr ico de Yayá de Manin". D.
Neném infor mou que, em 1935, co meçou a t rabalhar na Fábr ica de Charut os
Suerdieck, em Cruz das Almas, para onde se deslocava diar iament e a pé, ma s
que não t eve a sua Cart eir a Pro fis sio nal assinada por est a empr esa. E m 1940,
fo i t rabalhar for malment e co mo fumageir a na Fábr ica de Charut os C. P iment el
& Cia., localizada em Mur it iba e, em 1943, fo i, nest a mesma empr esa,
admit ida na função de charut eira, onde t rabalhou at é dezembro de 197 3,
quando deu ent rada e m sua aposent ador ia, so mando -se t rint a e o it o anos de
charut eira.
Paralelo ao t rabalho nas fábr icas, D. Neném t ambém fazia, diar iament e,
charut os em sua casa para ajudar no orçament o da família. Co m seis filho s
para sust ent ar co m o seu t rabalho, D. Neném não t eve out ra alt ernat iva a não
ser buscar naquele cont ext o econômico as respost as para as suas necessidades
reais.
Um lo ngo t empo de t rabalho ligado ao fumo e seu pr incipal der ivado –
o charut o – t ransfor mou est a mu lher em “D. Nené m charut eira”, fat o que se
116

est ende para além das necessidades mat er iais e at inge o campo da
subjet ividade, po is, acrescent a aí out ros element os que não, apenas, o salár io,
as condições de t rabalho e as t écnicas que desenvo lvia para fabr icar os
charut os, ma s seus sent iment os de r evo lt a co m a po breza e muit o t rabalho, de
grat idão co m as pessoas, de saudades das co legas e do próprio cot idiano do
t rabalho e das co nquist as que est e lhe proporcionou, pois, ao narrar sua
hist ór ia veio à t ona t oda uma represent ação e significação dest e t rabalho para
sua vida.

FIGURA 20 - Fotografia de D. Laurentina

Laurentina Neves Melo

FO NTE: Fi ch a de Regi st r o de E m pr ega do da Fá br i ca de Ch ar ut os


C. Pim en t el & Cia Lt da. Mur i ti ba – Ba . 2008.

Mar ia Alves Per eir a, conhecida co mo Lilia de Abílio Ar agão, nasceu


em 1915, t ambém na Vila de Cabeças, filha de pa i alfaiat e e mã e charut eira,
co meçou a t rabalhar desde os 10 anos de idade at é os 75 anos, per íodo em que
fo i charut eira, part eira e vendedora de acarajé. D. Lilia t rabalhou co mo
charut eira na Dannemann, Cost a & Penna e Suerdieck, porém, t eve a sua
Cart eira Profiss io nal assinada so ment e pela Suerdieck que lhe deu o direit o à
117

aposent adoria ma is t arde. Percorreu a pé de Cabeças às respect ivas cidades de


Mur it iba, São Félix e Cachoeira onde for am inst aladas as r efer idas unidades
fabr is, ao mesmo t empo em que t rabalhava co mo part eira, at ividade que não
lhe o ferec ia renda em dinheiro ou bens, apenas alguns pr esent es, afilhados e o
respeit o da co munidade. Já aposent ada, D. Lilia mudou -se para Salvador,
onde passou a vender acarajé para co mple ment ar o salár io da aposent ador ia.
D. Lilia afir mou que "ganhou a vida" como charut eir a e, que apesar do
anonimat o que a própr ia hist ória lhe confer iu, galgou o status de charut eir a
profissio nal, ainda que est e não t enha lhe o ferecido o padrão de vida
dese jado, mas significou o result ado de u ma lut a própria cont ra os
mecanis mo s de opressão da mulher e da t rabalhadora, naque le per íodo.
Raimunda Souza ou D. Mundinha, nasceu em Cruz das Almas, no ano
de 1937, no auge da indust r ialização fumageira naquela cidade, e, apesar de
afir mar que co meçou a t rabalhar desde cr iança, co mo t odas as mu lheres
daquela r egião, mas seu regist ro de t rabalho na indúst r ia fumageira só ocorreu
no final da década de 1950. Traba lhadora de ar mazém de fumo, D. Mund inha
descr eve as mesmas condições de t rabalho que as out ras mulheres, o poder e
aut orit ar ismo exercido pelo s mest res sobre elas, seus medos e est rat égias de
resist ência e t odas as et apas do beneficia ment o do fu mo em que as mulher es
t rabalhavam nos ar mazéns de fumo.
D. Mundinha o bt eve t rês regist ros em sua Cart eir a Pro fissio nal que
denuncia m o iníc io da precar ização das relações de t rabalho na indúst r ia
fumageira. E m junho de 1958, sua CTPS fo i assinada pela e mpresa Hendr ik
Kelner Lt da, co m saída em agost o do mesmo ano. E m 2 abr il de 1959, deu
ent rada em sua Cart eir a a empresa Walt er Leoni que, por sua vez, assinou a
saída em 30 de abr il dest e ano. Retornou para Hendr ik Kelner Lt da., que
assinou sua ent rada em maio e saída e m agosto de 1959.
Assim, D. Mundinha passou a fazer part e de outra geração das
t rabalhadoras da indúst ria fumageira que, além de viver a mesma sit uação de
precar iedade eco nô mica, so b as ordens e discip linar ização dos mest res,
chamados por elas de carrascos, ainda foram submet idas à nova ordem do
mer cado fazendo rodízio co m out ras t rabalhadoras, ad mit indo por per íodos
curt os e em seguida demit indo, o que causou uma grande inst abilidade ent re
as t rabalhadoras que, no desespero para não ficarem desempregadas,
118

aceit avam as condições impost as pelos empresár ios, so b a just ificat iva da
cr ise na indúst r ia fumageira.

FIGURA 21 - Fotografia de D. Raimunda (1958)

Raimunda Souza

FO NTE : Ac er vo pa r t i cul ar. Fot ogr a fi a c edi d a pel os fa m i l i ar es da


t ra ba l ha dor a , 2009.

Alé m das t rabalhadoras da indúst ria do fumo no Recôncavo out ras


vozes, t ambém, ecoaram oport unament e e foram ouvidas auxiliando a
(re)compor o cenár io cot idiano do t rab alho, os valores sociais da época e as
hist ór ias de vida das pr incipais per sonagens da t rama t ecida no t rabalho
fumageiro.
Rose Schinke Mart feld, nasceu em 1943 , resident e em Cachoeir a é filha
de Zelinda Br it o, charut eira e aneladeira da Fábr ica de Charut o s Suerdieck e m
Marago jipe e do alemão Johann Schinke, import ador de fu mos na Ale manha
que veio para o Brasil depo is da Pr imeira Guerra Mundial e assumiu os cargos
de t écnico e gerent e dessa mesma fábr ica; em 1935, assumiu a gerência da
fábr ica de Cruz das Almas; e, post er ior ment e, gerent e da Dannemann em São
Félix.
119

Envo lvida nest a co mplexa r elação ent re est rangeiro e brasileiro, chefe e
operár ias fumageiras, Rose Schinke represent a um pont o de vist a
emblemát ico, apesar de t er vivido co mo filha de pat rão. Sua proximidade co m
as t rabalhadoras se deve ao fat o de t er sido filha de charut eira, mas,
sobret udo, por t er vivido, por muit o t empo, na co mpanhia de D. Marcelina,
uma charut eira que depo is do fechament o das fábr icas passou a morar co m a
família Schinke. Por out ro lado, a senhora Rose Schinke ainda mant ém uma
pequena fabr icação de charut os, com fo lhas int eiras, na cidade de Cachoeira.
E la, port ant o, represent a uma voz que anima os valores de uma convivência
ent re “mundos” difer ent es, ou seja, o branco est r angeiro e pat rão e as
t rabalhadoras.

FIGURA 22 - Fotografia de Rose Schinke

Rose Scinke Martfeld

FO NTE : M UIT O#117. Re vi st a Sem a n a l do Gr upo A Tar de . Ba h i a de


T od os os Ch ar ut os. 27/ 06/ 2010, p. 27.

Sebastião Pereira dos Santos, Seu Bastião, antigo morador da Vila de


Cabeças, nasceu em 1904 e, por algum tempo, foi tropeiro, atividade que a prendeu
com seu pai, carregando e entregando material de construção na região. Mais tarde,
tornou-se trabalhador da indústria fumageira. Em 1926, trabalhou na fábrica de
charutos Costa & Penna, na função de prenseiro, onde conheceu a mulher com
120

quem se casou, depois passou a ser trabalhador de "armazém de fumo",


compreendendo, a partir do seu lugar nas relações de gênero , a lógica do trabalho e
da atividade fumageira. Completamente lúcido, relembra as questões que envolviam
uma mulher ao sair para trabalhar fora de casa, bem como, as diferentes concepções
sociais entre a trabalhar no armazém e trabalhar numa fábrica de charutos. Ao
relatar a vida das mulheres fumageiras a partir de suas experiências pessoais, como
homem e trabalhador da indústria do fumo na região, transita entre passado e
presente permitindo uma análise das relações sociais de seu tempo a partir do olhar
masculino.

FIGURA 23 - Fotografia do Sr. Sebastião (2002)

Sebastião Pereira dos Santos

FO NTE: Acer vo pa r t i cul ar . Fot ogr a fi a cedi da pe l os fa m i l i ar es. 2007.

As mulheres fumageiras eram, na maioria, chefes de suas próprias famílias,


arcavam com a manutenção da casa e todas as despesas financeiras da família, bem
como, a responsabilidade com a educação dos filhos. Muitas não tinham um
companheiro que assumisse total ou em grande parte as despesas da famí lia,
àquelas que conviviam com o marido ou amásio, normalmente, recebiam apenas
uma pequena ajuda. (PINTO, 1998, pp. 127 -129). D. Tereza Oliveira Ramos,
121

t rabalhadora de ar mazém de fumo em Cr uz das Almas, descreve sua sit uação


em relação ao seu lugar na fam ília:
Com e cei a t r a ba l h ar n a ba se a í de 52, n o a n o qu e Va r do m or r eu, a í
c om e cei pa ssa n do um a cri se di fí ci l , a í com e c ei a tr a ba lh ar. (. .. ).
Na quel e t em po eu t i n ha doi s fi l h os, um ca s a l . Depoi s eu fu i
va ci l a n do n a vi da , va ci l a n do, a í c om pl et ou foi a t é oi t o fi l h os. Deu s
t i r ou um a, cr i ei set e, c om t oda s or t e, c om t od o s ofr i m en t o. í
a con t ec e qu e, qua n do eu c om e c ei a gost a r de um , quan do t a va n o
m a i or pr az er .. ., é m inh a sor t e n é? Nã o s ei , de r epen t e el e m or r eu
t a m bém . Er a Va vá , eu t inha o t er cei r o fi l h o , a í eu fui m udan do d e
m ar i do, m udan do de m a r i do, ch eguei o m om en t o de cr i a r set e fi l h os
soz i n ha . A m inha hi st ór i a era essa , eu pr ocur a va , ha bi l i t a va pra ver
se da va c er t o, eu pr ocur a va , quer i a . E u a cei t a va pra t er um a
c om pa nh ia , a t é pr a ’s cr i an ça s, m a s er a en gan o, m a i s cr i an ça do qu e
já t inh a e int ei ra va , in t eir a va . E u ta va n ova . (RA MOS, 2007).

Para os padrões sociais e morais daquela época e espaço, onde as mulheres


deveriam restringir-se ao trabalho doméstico, criação dos filhos e cuidado com os
maridos – o que representava papéis sociais de homens e mulheres marcadamente
distintos – as mulheres trabalhadoras da indústria fumageira, certamente,
ofereceram alguns parâmetros para as mudanças, tanto na concepção de família
quanto na própria estrutura familiar daquela sociedade. Desta forma, compreende-
se que o estudo da vida e da história das mulheres trabalhadoras da indústria
fumageira, revela a situação e a própria história das mulheres das classes
oprimidas, sendo elas trabalhadoras, mães, mulheres livres, amásias ou esposas.
Ainda, seguindo a exposição, faz -se necessár io acrescent ar o Quadro n.º
2 abaixo co mpost o pelos est rangeiros ident ificados na document ação como
fazendo part e do grupo Suerdieck e at uando nos municípios de Marago jipe,
Cruz das Almas e Salvador, no per íodo que se est ende da chegada August
Wilhelm Suerdieck at é a década de 1950. Obser va - se, ent ão, o cont rast e que
se revela quant o à maciça ocupação, por est rangeiros, dos principais
cargos/ funções nos est abeleciment os fabr is 46, bem co mo, a masculiniz ação
dessa ocupação, po is, se “a classe operár ia t em do is sexos”, na classe
empresar ial fumageir a o segundo sexo sequer ent rou.

46
A maioria desses estrangeiros também era acionista da empresa.
122

QUADRO 4 – Est rangeiros ligados ao grupo Suerdieck at uando em


Marago jipe, Cruz das Almas e Salvador
N. º NO M E NAC ADM I S S ÃO CARG O
1. Au g u s t Wilhelm Suerdieck Al e mã 1888 S ó ci o -P r op r i e t á r i o
Ge r e n t e (a s s u mi u
e m 1 9 3 0 , com a
2. H e r mi n e S u e r d ie c k Al e mã Esposa de A. Suerdieck mor t e de seu
e s p os o, ma s f a l e c e u
no ano seguinte)
S ó ci o/ ge r e n t e -
3. F e r di n a n d S u er d i e c k Al e mã 1905
fu n d a d or
4. Carl Jetzler Al e mã 1907 Ge r e n t e
5. Gerhard Meyer Suerdieck Al e mã 1909 P r ocu r a d or
6. A. Willy P. Haendel Al e mã 1910 Gu a r d a -Li vr os
7. Julio Muench 1910 F a t u r is t a
8. J oh a n n S c h i n ke Al e mã 1935 Ge r e n t e
9. J os e p h M u e l b e rt Al e mã 1935 Ge r e n t e
10. Con r a d G r a ve 1936 Ge r e n t e
11. Gerhard Behrens Al e mã 1 9 3 6 ( ?) Ge r e n t e
12. K u r t Ad ol p h H a ss e Al e mã 1 9 3 6 ( ?) Ge r e n t e
Al e mã As s i s t e n t e/ S e t or
13. H e r b e rt St e r n 2 9 / 0 3 / 1 9 37
Na t . Bra s P r od u ç ã o
14. Ad ol f Ru t h e r Al e mã 1937 S u b -Ge r e n t e
15. H a n s O s va l d H ei n d or n Al e mã 1937 S u b -Ge r e n t e
Ci t a d o e m 1 9 3 0 , com o
16. K a r l H or n Al e mã
a n t i go c ol a b or a d or
J os e p h Ca r l F r a n z H oe c h e r l As s i s t e n t e
17. Al e mã 0 1 / 0 3 / 1 9 49
( Ap e l i d o P e p e ) P r ocu r a d or
18. Au r e l i o Tr a n c os o P a zos s Es p a n h ol a 0 2 / 0 2 / 1 9 52 Es cr i t ó r i o

FONTE: FAMAM/ CE DOC. Fi c ha de r e gi str o de e mpr e gad os . 1906 a 1998. Cr uz da s


Al m a s (BA). 2007

Dar voz a det er minados agent es hist ór icos para fa lar de suas vidas,
cont ar suas hist ór ias e vivências, expressar os sent iment os que guardam de
uma época é fazer fluir suas memór ias individuais, mas que são reflexos das
memór ias de um t empo e lugar peculiar es ao conjunt o da sociedade.
(HALBWACHS, 1990). As hist ór ias e memór ias das mulher es fu mageir as
expressam seu t empo, aquele que não é crono lógico e linear co mo o t empo da
fábr ica, mas o t empo hist ór ico const ruído a part ir de seus sent iment os,
aspirações e necessidades concret as; expressam, t ambém, os referenciais
sociocult urais que per meavam aquele cont ext o social que demar cavam os
“lugares” de raça, classe e, sobret udo, de gênero, est e que é o int eresse ma ior
dest e est udo.
Port ant o, most rar os sent idos que emer gem das falas, dos gest os e
sent iment os no present e sobre o passado, est e que é a subst ância de suas
123

vidas, fo i um dos percur sos met odológicos dest e t rabalho t ent ando uma
aproximação das exper iências vividas pelas mulher es fumageiras do
Recô ncavo e, assim, poder fazer a leit ura de “seus luga r es” naquela/daquela
sociedade, po is, co mo escr eveu Bosi, o regist ro alcança uma memór ia pessoa l
que é t ambém uma me mór ia social, familiar e grupal. (BOSI, 1994, p. 37).
124

3 AS MULHERES FUMAGEIRAS E SEUS LUGARES NO


TRABALHO FABRIL

Sempre que a indústria precisa aparecer como espaço


masculino, o discurso da fragilidade aparece.
SOUZA-LOBO, 1991.

3.1 QUANTAS SOMOS?

O cont ingent e de t rabalhadoras e t rabalhadores da zo na fumageira do


Recô ncavo Baiano, dist r ibuído ent re as empres as e as at ividades infor mais
ligadas ao ramo fumageiro, era organizado com base na divisão sexual do
t rabalho, que det er minava cargos e funções dist int as para mulher es e par a
ho mens no processo de manufat ura dos fumos e seus produtos 47. Para isso, o
sist ema fabr il fu mageiro se apropr iou do conjunt o de valores morais, co m
base nas relações sociais pat r iar cais vivenciadas na região, e mo ldou a
est rut ura de organização social do t rabalho que, por sua vez, t ambém,
reforçava os est ereót ipos sexist as, garant indo, dest a for ma, result ados
posit ivos e concr et os no vo lume de sua produção. Obser va -se a presença do
capit al se ut ilizando das difer enças das relações de gênero na força de
t rabalho, ao mesmo t empo, que exerce sobre elas um esfor ço para nat uralizá -
las e reforçá- las.
As fo nt es examinadas revelam que mais de 70% do cont ingent e de
t rabalhadores de, apenas, t rês empr esas de fabr icação de charut os no
Recô ncavo Fumage iro, eram de mulher es. 48 Somando est a represent ação com o

47
Segundo Combes e Haicault “existe apenas uma mesma e única divisão sexual do trabalho operando na
produção e na reprodução, materializando sempre, em ambos os aspectos, a subordinação de um sexo ao outro”.
(COMBES E HAICAULT, 1986, p. 26).
48
Fontes impressas: 6.233 Fichas de Registro de Empregados das empresas Suerdieck e C. Pimentel, no período
de 1906 a 1998. Para o recorte temporal que abarca o período de 1906 a 1959, foram analisadas 1.884 destas
125

número de mulheres que t rabalhava m no s ar mazéns de fumo e àquelas que


t rabalhavam em casa dest alando ou separando fumo s e co nfeccio nando
charut os, for mava- se um quadro de mão de obra predo minant ement e feminino
na at ividade fumage ir a. (CÉSAR, 2000, p. 03 -04).
A mão de o bra na indúst r ia fumageira, na pr imeir a met ade do século
XX, t ambém, fo i mar cada pelo seu est ilo art esanal, ou seja, sem o uso de
máquinas ou do processo de produção em sér ie, po is, t ant o o fumo era
esco lhido, selecio nado e t rat ado pelas mãos das mulher es t rabalhadoras,
quant o os charut os eram feit os à mão, um a um, rot ine ir ament e, por cada
mulher. Esse quadro det er minou, ao lo ngo do t empo, a fe minização das
at ividades ligadas ao fumo e, conseq uent ement e, a divisão sexual do t rabalho.
O desenro lar do t rabalho fumageiro desenvo lvid o por essas mulher es ao
lo ngo do processo indust r ial, envo lvia uma sér ie de et apas desde o
beneficia ment o e preparação do fumo at é a sua fase final – a fabr icação dos
charut os – est a que, ger alment e, ocorria nas fábr icas do próprio Recôncavo ou
em fábr icas de out ros países, a exe mplo da Ale manha.
Apesar de se t rat ar de um processo indust r ial, mas o fat o de ser uma
at ividade realizada de for ma art esanal e envo lver um grande número de
mulheres aliment ou , naquela população (homens e mu lheres), o est ereót ipo de
que o t rabalho co m o fumo, espec ialment e o processo de esco lha e a
fabr icação de charut os, era “essencialment e um t rabalho feminino”. Cont udo,
por razões já discut idas ant er ior ment e , a just ificat iva par a o predo mínio das
mulheres nest a at ividade passava ao largo dessa concepção de nat uralização
dos papéis ent re ho mens e mulher es, embor a, as vozes ecoavam,
pertinentemente, no sentido de reafirmar a naturalização desta atividade como
feminina. Segundo Geraldo Meyer Suerdieck e Rose Schinke, respectivamente:

As mulheres eram mais cuidadosas, seletivas e perfeccionistas. Ao


contrário dos homens, elas trabalhavam com mais amor e maior
dedicação. Daí a preferência pelas charuteiras e não pelos charuteiros.
(SUERDIECK, Geraldo Meyer apud CÉSAR, 2000, p. 06).

Havia mais mulheres, é porque pra fazer o charuto as mulheres têm mais
delicadeza e é um trabalho mais para mulher, fazer o charuto. Porque o

Fichas. Contudo, é preciso assinalar que no período entre 1906 e 1930, a documentação apresenta uma lacuna no
que diz respeito ao registro das trabalhadoras, embora o mesmo não tenha acontecido com os trabalhadores.
126

homem não tem, talvez, aquela paciência de ficar ali sentado manuseando
aquilo, é um trabalho mais leve, os homens ficaram na parte, justamente
de força, era imprensar fardo, virar pilha de fumo (...). (SCHINKE, 2000).

Ainda, em t empos at uais, o aut or da report agem “Bahia de Todos os


Charut os”, ao t ent ar desmist ificar a ideia de que as mulheres enro lavam os
charut os nas per nas, acabou por just ificar que a esco lha das mulher es par a
fabr icar os charut os ocorr ia e ainda ocorre porque “(...) elas são mais
cuidadosas co m as fo lhas”. (MUITO#117, 2010, p. 27).
São as fa las repr esent ant es da ideia da nat uralização do lugar da s
mulheres desde aquele co nt ext o. Fazer t rabalho s manuais, minucio sos, que
requer t empo, dedicação e cuidados er am, segundo a ideo logia sexist a e
machist a, funções ou papéis das mulheres. Afina l, não é o cuidado que sempr e
est eve à fr ent e funda ment ando t antos out ros at ribut os dit os feminino s?
Assim, não rest a dúvida de que o est ereót ipo da sensibilidade e da
docilidade co mo qualidades inerent es à mulher e não ao ho mem est ava
present e na visão dos empresár io s do fumo e da própr ia sociedade e que ,
cert ament e, influencio u na prefer ência das mulheres para lidar co m o fumo e
fabr icar os charut os. 49 Vale lembrar que a divisão sexual do t rabalho é
hist or icament e ant er ior à esse t empo e espaço e o est ereót ipo de gênero,
inc lusive, o da sensibilidade e docilidade se mpr e func io nou co mo
just ificat iva.
Nest a perspect iva, Pena (1980) avalia t ambé m que o desenvo lviment o
do capit alis mo indust r ial no Brasil não foi cego ao sexo e procurou ut ilizar a
seu prove it o a dominação que o ho mem impunha sobr e a mulher dent ro da
organização familiar da classe t rabalhadora e que lhe impunha o t rabalho
reprodut ivo.
Essa ideia est ereot ipada não est eve sozinha o t empo todo no esforço de
alavancar um número t ão significat ivo de mulheres para uma at ividade laboral
fumageira, alé m da est rut u ra social e cult ura l, havia uma conjunt ura
econô mica específica daquela r egião, naquele mo ment o , que favoreceu o
recrut ament o das mulheres àquele t rabalho . A esco lha do t rabalho pela s

49
Era uma concepção já cristalizada no pensamento coletivo da região e, também, incorporada ao
conjunto de valores da sociedade brasileira, devido à su a formação patriarcal. (PINTO, 1998, p.
128).
127

mulheres ocorreu para at ender, de fat o, às necessidades econô micas, poré m, a


esco lha das mulheres pelos empr esár ios não corresponde à mesma inic iat iva.
Havia a li mão de obra fart a e barat a, conseq u ência de uma sit uação de
precar iedade econô mica da população per ifér ica da região do fumo (PINTO,
1998, pp. 128 e 129; IBGE, 1940 e 1950), nor malment e co mpost a por
mulheres pobres e mães de muit os filho s para cr iar, e que fo i
sist emat icament e visualizada pelo s emp resár io s do fumo. (BORBA, 1975,
p.37). Desta forma, pode-se considerar que o trabalho fabril na região fumageira
representou, na primeira metade do século XX, a oportunidade da inserção dessas
mulheres em um mercado de trabalho que se encontrava em processo de
desenvolvimento. Assim, foram também, as necessidades concretas vividas pelas
mulheres pobres do Recôncavo que as estimularam a enfrentar longas jornadas de
trabalho nos armazéns de fumo e nas fábricas de charutos, rompendo, também, com
os rígidos padrões sociais e morais daquela sociedade que mantinham as mulheres
“presas” às atividades domésticas e ao cuidado com a família, enquanto o trabalho
na rua deveria, apenas, ser realizado pelos homens. Apesar da opressão e da
exploração sofridas pelas mulheres fumageiras no campo do trabalho, mas elas
souberam se utilizar das brechas que a própria organização econômica e social lhes
ofereceu naquele momento, para alavancar suas vidas da precariedade concreta e da
invisibilidade social em que viviam.
Segundo S ilva (2001), fo i no processo de for mação da zona fumageira,
desde os pr imórdio s da produção do t abaco at é o auge da indúst r ia
manufat ureir a do charut o, que fo i se definindo uma geografia humana, socia l
e cult ural na região deno minada de Recôncavo Fumageiro. É, port ant o, no
int er ior desse processo e a part ir das int erações socioeco nô micas vivenciadas
pela população, que as fuma geiras, em suas singular idades, buscaram co m
perspicácia o seu lugar e a sua ident idade 50 co mo mulher e co mo t rabalhadora.
A part ir do univer so de t rabalhadoras(es) apresent ado pelas fo nt es
impressa s – Fichas de Regist ro de E mpregados – das empresas Suerd ieck e C.
P iment el, confor me a Tabela n.º 9, det erminou -se o recort e t emporal da
pesqu isa e, por conseguint e, o número de mulheres e ho mens que, durant e

50
Não se trata de atribuir às mulheres uma identidade monologa, não relacional.
128

quase meio século est eve envo lvido na labut a diár ia do t rabalho fumageiro,
seja nos ar mazéns, nas fábr icas, nos fabr icos ou nas própr ias casas.

TABELA 9 – Total de Trabalhadoras(es) - (1906 a 1998)


EMPRESA LOCAL PERÍODO QUANT/ SEXO
TOTAL
Homem Mulher
Suerdieck Maragojipe 1906 – 1992 418 35.19% 770 64.81% 1.188
Pimentel Muritiba 1930 – 1988 442 17.09% 2.144 82.91% 2.586
Suerdieck Cachoeira 1935 – 1975 26 83.87% 05 16.13% 31

Suerdieck C. das Almas 1936 – 1998 494 20.35% 1.934 79.65% 2.428

TOTAL 1.380 22.14% 4.853 77.86% 6.233


FONTE: FAMAM/ CE DOC. Fi c ha de r e gi str o de e mpr e gados . 1906 a 1998.
Cr uz da s Alm a s (BA). 2007

Assim, doravant e o dest aque será, em espec ial, para as mu lheres que
t rabalhara m nessa at ividade do ano de 1906 at é o fina l da década de 1950,
co m represent ação numér ica, sempre, super io r aos ho mens. E m vis it a a uma
fábr ica de charut os em Cachoeira o escr it or Zweig (1941), repet indo a
epígrafe, escreve que “cent enas de mo ças morenas acham- se sent adas nas
salas da fábr ica u ma ao lado da out ra e cada grupo delas exerce uma at ividade
difer ent e”. (ZUEIG, 1942, p. 116). No conjunto das empresas e seus respectivos
espaços de atuação, considerando o período acima citado, o percentual de mulheres
registradas é de 70.22% e dos homens 29.78%, confor me det alha ment o da Tabela
n.º 10.

TABELA 10 – Total de Trabalhadoras(es) – (1906 a 1959)


EMPRESA LOCAL PERÍODO QUANT/ SEXO
TOTAL
Homem Mulher
Suerdieck Maragojipe 1906 – 1959 169 52.32% 154 47.68% 323
Pimentel Muritiba 1930 – 1959 202 37.83% 332 62.17% 534
Suerdieck Cachoeira 1935 – 1959 22 81.48% 05 18.52% 27

Suerdieck C. das Almas 1936 – 1959 168 16.80% 832 83.20% 1.000

TOTAL 561 29.78% 1.323 70.22% 1.884


FONTE: FAMAM/ CE DOC. Fi c ha de r e gi str o d e e mpr e gados . 1906 a 1998. Cr uz
da s Al m a s (BA). 2007
129

Apesar das fo nt es não esclarecer o número de t rabalhadoras(es)


refer ent es aos diver sos ar mazéns de fumo da região e quant o ao t rabalho em
domic ílio , pode-se afir mar que, da mesma for ma, o cont ingent e de mulheres
era super ior ao dos ho mens. Dest a for ma, é possíve l afir mar que, foram as
mulheres que sust ent aram a indúst r ia de fumos no Recôncavo da Bahia.
Valér ia Pena, est udando a indúst r ia t êxt il no Brasil, analisa os Censos
de 1920, 1940 e 1950 e selecio na os ramos indust r iais co m predo minância de
mão de obra feminina, par a afir mar que as mulher es co mpunham a maior ia
abso lut a de operar iado na indúst r ia t êxt il e em cert os ramos de confecção na
produ ção de fumos, cigarros, charut os, de caixas de papelão, fósforos,
per fumar ia e choco lat es. E m 1940 e me smo em 1950 elas co nt inuavam a
const it uir a força de t rabalho pr edo minant e e, ainda, dest aca que em 1920 na
indúst r ia de cigarros, charut os e fumos a part icipação feminina é de 74% .
(PENA, 1980, p. 93). (Grifo Nosso).
A represent ação numér ica das mulheres na indúst r ia fumageira, dá
margem a uma minuciosa obser vação sobre o seu cot idiano, consider ando os
aspect os ligados à mão de obra, co mo a execução das et apas de t rabalho, as
funções ocupadas pelas mulheres em relação aos ho mens, as quest ões
econô micas e as relações de poder junto aos mest res e aos gerent es das
empresas, bem co mo, as relações de t rabalho e as relações sociais de gênero
t ravadas no âmbit o fabr il.
Quant o à quest ão econô mica relacio nada dir et ament e às t rabalhadoras
fumageiras, vale ressalt ar que não foi possível realizar uma anális e
sist emát ica dos salár io s pagos a elas, seja pelas empresas ou pelos fabr icos,
ou at é mesmo refer ent e ao ganho das mulheres que t rabalhavam em do micílio ,
durant e as décadas em est udo, por não haver, at é ent ão, dados sufic ient es ou
consist ent es que possibilit assem est a ação .
Sendo a Ficha de Regist ro de E mpregados das empresas fumageir as o
document o mais co mplet o em t er mos de dados econô micos, ainda assim
mo st ra-se super ficia l. At é o ano de 1941, no item que informa o salário, consta a
expressão "Conta Própria", e na forma de pagamento consta “Semanal”. A partir de
51
1942, desaparece o salário por "Conta Própria” e passa a constar o termo

51
DOCUMENTOS DA FÁBRICA SUERDIECK: Fichas de Registro de Empregados. Maragojipe - Bahia.
130

"Tarefeira", mudanças que refletem o momento da implementação da legislação


trabalhista. 52 Somente a partir da década de 1950 que constam em algumas fichas o
valor dos salários, regularizando, de fato, a partir de 1960, período que ultrapassa o
recorte temporal proposto e adentra a um outro contexto que é o início do processo
de reestruturação da economia e que dá margem ao surgimento dos fatores
determinantes das mudanças no campo econômico das empresas e,
conseqüentemente, na vida das trabalhadoras, pois se estabelece o processo de
precarização do trabalho.

3.2 SEXUALIZAÇÃO DAS TAREFAS

Segundo E lizabet h Lo bo, não bast a afir mar que “a classe operár ia t em
dois sexos”, é preciso t ambém reconhecer que ela é masculina. O conceit o de
operár io e de t rabalho co m represent ação masculina fo i, ao lo ngo do t empo,
sendo const ruído de maneir a a ser absorvido co mo nat ural e pret endendo -se
co mo univer sal. Est a sit uação gera uma co mpreensão que impossibilit a
perceber as assimet r ias de gênero nos gr upos e na sociedade, bem co mo, nas
análises dos mecanismos de cont ro le, d a submissão e reclusão das mulher es
nos lares e, pr inc ipalment e, das t rabalhadoras nos espaços de t rabalho.
(SOUZA- LOBO, 1991, p. 195).
O mo viment o feminist a, desde o seu surgiment o e quando da
reivindicação dos dir eit os de part icipação e represent ação po lít ica, já
produzia vár io s dis cur sos em t orno dos lugares at r ibuídos às mulher es em
relação aos ho mens, mo st rando que “a dist r ibuição de t arefas e at ividades de
t rabalho seguir ia uma classificação hierárquica, expr essão hist ór ica de
det er minadas relações sociais onde se ent relaçam sexo e classes sociais ”.
(BLASS, 1995, pp. 140 -141). A aut ora analisa que as ideias de opressão e
superexploração não só sust ent am as oposições ent re as habilidades dit as
nat urais para as mulheres e as qualidades dit as pro fissio nais para os ho mens,
mas t ambém just ificam os baixos salár io s, o cont role e as nor mas
disciplinares ma is r ígidas em r elação às mulheres. Sendo assim, co nclui que

52
A discussão das formas de salários e das ideias implícitas nas expressões “Conta Própria” e “Tarefeira” já fora
realizada na dissertação de mestrado. (SILVA, 2001).
131

“as diferenças, embora percebidas, são explicadas, mu it as vezes, pela


nat ureza bio lógica ou pela do minação pat riar cal”. (BLASS , 1995, p. 141).
Nesse sent ido, Souza-Lobo amplia a co mpreensão so bre t rabalho
feminino quando se opõe à pr imazia dos det er minant es eco nô micos co mo
única possibilidade de explicação dos significados da subjet ividade e da
exper iência humanas. A part ir dest a compr eensão, os fenô menos, ant es
lo calizados no campo da eco no mia e da produção, passam a ser invest igados
co m maior r elevância no campo das difer enças e das relações de poder ent re
os agent es socia is, uma vez que est es possuem a co mpreensão de si e de su a
relação co m o outro, de sua exper iência, seja ela no t rabalho ou fora dele,
além de vivenciar o seu pert enciment o a um sexo.
Nest a perspect iva, Souza-Lobo, Hirat a, Bruschini dent re out ras, t rat am
as t rajet órias de t rabalhadoras(es), os set ores e ocupaçõ es dest inados a
ho mens e mu lheres co mo const ruções hist óricas, sociais e cult urais . Nest e
sent ido , a ideia de gênero per mit e pensar a ligação indissociável ent re
opressão sexual no campo do t rabalho e a exploração econô mica a part ir do
sexo, que é o caso d as mulher es.
Assim, é que essa proble mát ica remet e à out ra co mpreensão. A divisão
sexual do t rabalho não est á apenas ligada à produção como não est á vinculada
mer ament e ao sexo bio ló gico, mas art icula -se co m a esfera da reprodução,
co mo afir mou Souza-Lobo:

A di vi sã o d o t r a ba l h o en t r e os sex os est á n a ba se da opr es sã o da


m ulh er n a soci eda d e e n a fa m í l i a e, pa ra c om pr een dê -l a , é
n eces sá r i o com bi n ar a an á li se do c ot i di a n o da fá br i ca (. . . ) com o da
fa m í l i a oper ár i a. (SOUZA- LO BO, 1991, p. 42).

E m relação à at ividade fumageira no Recôncavo Ba iano, obser vou -se


que, diferent ement e do que ocorria no campo, onde os fumo s que enchiam as
casas er am plant ados, co lhidos, postos para secar e manocados por toda a
família, nos cent ros urbanos e est abeleciment os fabr is, as at ividades
relacio nadas ao fumo eram dist r ibuídas, dist int ament e, ent re ho mens e
mulheres. Se em casa, so ment e as mulheres execut avam as t arefas
132

fumageiras 53, nos ar mazéns de fumo e nas fábr icas de charut os havia u m
sist ema de organização baseado na sexual ização das t arefas, das ocupações e
das relações hierárquicas de t rabalho.
Inicia lment e, ao examinar o regis t ro das funções das/dos
t rabalhadoras( es) das fábr icas de charut os e cigarr ilhas, o bser vou -se que o
mesmo apresent ava, clarament e, as det er minações de seu t empo hist órico,
baseado no cont ext o em que se deu o desenvo lviment o da indúst r ia fumageira
no Recôncavo. E m seguida, ver ificou -se at ravés das imagens e das falas
das/dos ent revist adas(os) que as funções correspondiam sempr e aos lugares
que cada grupo ocupava na cadeia das relações sociais de gênero, sendo,
port ant o, dist int as ent re os sexos. Assim, o processo de produção dos fumo s e
der ivados, o cont role das t rabalhadoras e os dema is aspect os do cot idiano
fabr il, eram mar cados pela d ivisão sexual do t rabalho, co mo se obser va nos
quadros 5 e 6 abaixo.

53
As mulheres juntamente com todos os membros de sua família, incluindo os filhos ainda adolescentes. Mas, ao
chegarem à idade adulta, como os seus pais, os filhos não mais executavam tarefas que incluíssem escolha e
seleção de fumos, muito menos a confecção de charutos.
133

Q UADRO 5 – F u n ç õe s ex e r ci d a s p or mu l h e re s Q UADRO 6 – F u n ç õ es e xe r ci d a s p or h ome n s


N.º MULHER / FUNÇÃO ANO N.º HOMEM / FUNÇÃO ANO
1. Charuteira 1906 1. Administrador Secção de fumo 1906
2. Raloeira 1930 2. Mestre 1907
3. Destaladeira 1935 3. Contínuo 1911
4. Pagador 1917
4. Encaixadeira 1935
5. Fiscal 1919
5. Aneladeira 1936 6. Administrador de Capotaria 1921
6. Banca (de Capa) 1936 7. Auxiliar de Fábrica 1924
7. Empapeladeira 1936 8. Facturista 1924
8. Enfermeira 1936 9. Procurador 1925
9. Passadeira 1936 10. Escriturário Fabril 1925
10. Mudança de Caixa 1936 11. Gerente Técnico 1925
11. Torcida 1937 12. Médico 1928
12. Trouxeira 1937 13. Ajudante 1928
13. Cigarreira 1938 14. Ajudante de Gerência 1928
15. Caixa 1929
14. Auxiliar de Escritório 1939
16. Correspondente 1933
15. Assistente de Creche 1940 17. Aprendiz 1934
16. Auxiliar de Farmácia 1941 18. Auxiliar de Escritório 1934
17. Seladeira 1941 19. Cabeceiro 1934
18. Servente 1941 20. Gerente 1935
19. Enroladeira 1942 21. Mestre em Carpintaria 1935
20. Auxiliar de Enfermeira 1943 22. Vigilante 1935
21. Tarefeira 1943 23. Auxiliar Farmacêutico 1937
22. Aprendiz 1944 24. Subgerente 1937
25. Ajudante de Fiscal 1938
23. Farmacêutica 1946
26. Auxiliar Correspondente 1938
24. Charuteira a Domicilio 1947 27. Chauffer 1938
25. Celofanista 1949 28. Embalador / Empapelador 1938
26. Operária 1949 29. Farmacêutico 1938
27. Manocadeira 1951 30. Gradeiro 1938
28. Caixa 1953 31. Ajudante de Mestre 1939
29. Cortadora de Selos 1955 32. Contador 1939
33. Servente 1939
FO NTE: F AM A M / C E D O C . F i c h a d e r e g i s t r o d e 34. Técnico Calculista 1939
empregados d as F ábric as Suer diec k e C. P i men tel . 35. Técnico em Manufatura 1940
1 9 0 6 a 1 9 9 8 . C r u z d a s A l m a s ( B A) . 2 0 0 7
36. Ajudante de Acabamento 1941
37. Banca de Capa / Banqueiro 1941
38. Encaixador 1941
39. Mecânico 1941
40. Passador de Charutos 1942
41. Barracão 1943
42. Carapina / Carpina 1943
43. Carregador de Caixas 1943
44. Escolhedor 1943
45. Quebragem / Quebra Fardos 1943
46. Charuteiro (01) 1944
47. Guarda-livros 1948
48. Prenseiro 1949
49. Ajudante de Marcenaria 1950
50. Ajudante de Mecânica 1950
51. Ferrador 1950
52. Destalador 1951
53. Maquinista 1951
54. Pregador 1952
55. Advogado 1954
56. Subchefe de Oficina 1954
57. Cortador de Selos 1955
58. Faxineiro 1958
59. Capoteiro 1959
FONTE: F AM A M / C E D O C . F i c h a d e r e g i s t r o d e
empregados d as F ábric as Suer diec k e C. P i men tel .
1 9 0 6 a 1 9 9 8 . C r u z d a s A l ma s ( B A) . 2 0 0 7
134

Os Quadros 1 e 2 acima, cont endo as rela ções de funções exercidas por


mulheres e ho mens t rabalh adoras(es), se refere m às E mpresas Suerdieck
func io nando em Marago jipe e Cruz das Almas e C. P iment el funcio nando em
Mur it iba, durant e a pr ime ira met ade do século XX. Trat a -se de
est abeleciment os fumageiros que se dest inavam ao beneficia ment o dos fumo s
e, pr incipalment e, à fabr icação de charut os e cigarr ilhas, adot ando
necessar iament e os mesmo s t ipos de ser viços e funções.
Obser va-se que mulher es e ho mens exer ciam funções dist int as, assim,
co mo era dist int a a nat ureza das funções , pois, a divisão sexual do t rabalho
t ende a limit ar as mulheres a funções det er minadas a pri ori, a part ir de uma
definição sociocult ura l de seu sexo. Todas as at ividades ligadas diret ament e
ao t rato com o fumo e a confecção dos charut os eram realizadas pelas
mulheres, desde a limpe za, seleção e preparação dos fumos, incluindo os
cuidados específicos da bucha, capot es e capas, at é a feit ura dos charut os e
das cigarr ilhas.
Dent re as vint e e nove funções, co nst ant es nas fichas de regist ro de
empregados at é àquela década e exercidas por mulheres, met ade delas fazia
part e do processo diret o de fabr icação dos charut os. 54 As dema is funções,
faziam part e da est rut ura organizacio nal das fábr icas que inc lui, t ambém, o
processo de emba lage m dos produtos dent re out ras at ividades. E m seguida,
não se ident ificou, at é aquele per íodo, nenhuma função de mando, de
represent ação do poder, sendo exercida por aquelas mulheres.
Por out ro lado, as funções exercidas pelos ho mens nos mesmo s
est abeleciment os fabr is e per íodo, fo ram numer icament e super iores às
exercidas pelas mulher es – o dobro. Havia, port anto, mais funções exer cidas
por homens que por mulheres, embora, em cada função dessas precisasse de
poucos ho mens, ao cont rár io das funções ocupadas por mulheres, que,
geralment e, necessit avam de muit as mãos para at ender a demanda da
produção. Nas fábr icas de charut os, por exemplo, o obser vador Zweig (1941)
relat a que:

54
Raloeira, Destaladeira, Banqueira (Banca de Capa), Empapeladeira, Passadeira, Torcida, Trouxeira,
Enroladeira, Manocadeira, Tarefeira, Cigarreira, Charuteira, Operária, Charuteira a Domicilio.
135

T od o ch ar ut o n ess e pa í s é fei t o à m ã o, ou m e l h or, na fei t ur a de


ca da um t r a ba lh am quar en ta ou oi t en t a m ã os h á bei s. E p odem os —
o qu e pa r a t odo fum a n t e é um a sur pr esa obse r va n do a suc es si va
t ran sfor m a çã o, per ce ber a dm ira dos qua n t o t ra ba l h o se ocul t a s ob a
fi n a ca pa dum ch ar ut o. ( ZWE IG, 1941, p. 116).

Também, é vis íve l a nat ureza das funções reser vadas aos ho mens. A
maior ia das funções ocupadas p elo s ho mens era de carát er t écnico,
organizacio nal e administ rat ivo, t rat ava -se da engrenagem que mo nt ava e
fazia funcio nar a est rut ura geral da fábr ica, sendo poucas as at ividades ou
funções exercidas pelo s ho mens que envo lviam dir et ament e o preparo dos
fumo s e a confecção dos charut os. Mas, a evident e peculiar idade das quest ões
que envo lvem a ocupação das/dos t rabalha doras(es) na indúst r ia fumageira é a
exclusividade que os ho mens t inham em exer cer as funções de poder.
Excluindo -se os propr iet ár ios e sócios das empr esas, out ros ho mens ocupara m
os pr incipais cargos/ funções co mo os/as de g erente, administrador de secção de
fumo, administrador de capotaria e mestre de secção . Estes espaços de poder foram
assim distribuídos(das) desde o início da industrializa ção do fumo, enquanto as
mulheres trabalhadoras permaneceram nas funções subordinadas e, somente, no
último quartel do século XX é que aparece na documentação algumas mulheres
assumindo cargos de gerente de produção que equivale a mestra e gerente de
fábrica, dentre outras funções de posição relativamente superior na hierarquia das
empresas.
Outra questão que os registros denunciam é a ausência da freq uência de
flutuação das posições ocupadas pelas trabalhadoras(es) ao longo de seu tempo de
serviço em cada estabelecimento fabril. Os mestres, por exemplo, não desciam nem
subiam de posição, bem como, as(os) trabalhadoras(es) de outras funções. O que se
observa é que o tempo que elas(es) permaneciam na empresa, também,
permaneciam na função.
As funções exer cidas pelas(os) t rabalhadoras(es) na indúst r ia fumageir a
foram se definindo a part ir das pr imeiras organizações do t rabalho, confor me
as et apas de produção desde o beneficiament o dos fumo s à confecção dos
charut os. Assim, ao passar dos anos, as funções e a t ividades foram se
est abelecendo t ornando -se ocupações ou mesmo pro fissões desempenhadas
pelas mulheres nos est abeleciment os fabr is, sendo, da mes ma for ma, seguidas
pelas mulheres que t rabalhavam co m o fumo no própr io domicílio ou nos
136

fabr icos de charut os. A relação de funções, abaixo, e suas respect ivas
at ividades, bem co mo, as figuras das mulheres t rabalhando nos ar mazéns e
nas fábr icas de charut os favorecem a uma rápida co mpr eensão dos dois
universos – ar mazéns de fu mo e fábr icas de charut os.
Nos ar mazé ns de fumo, as t rabalhadoras desenvo lviam as at ividades
agrupadas nas funções que se seguem. Escolhedei ra – sent adas ao chão co m
uma pilha de fu mo à sua fr ent e, as t rabalhadoras sacud ia m ou bat ia m o fumo
vindo da roça para t irar o excesso de terra, na sequência, separa vam por
t amanho e por cor. As fo lhas maiores eram separadas em pequenos mo nt ant es
e dest inadas ao processo de passagem, junt ando a out ras fo lhas. As fo lhas
pequenas eram selecio nadas co mo bucha e seguiam para o set or de
enfardament o, confor me imagem abaixo.

FIG URA 2 4 - Mul h er es es c ol h en do fum o


no Ar m a z ém Al t in o da Fon se ca –
Gover n a dor Man ga bei r a – Ba .

FO NTE: Mem or i a l da s I rm ã s da San t a Cr uz ,


1970. Ar qu i vo da s Ir m ã s da Sa n ta Cr uz .
Gover n a dor Man ga bei r a – Ba . Im a gem cedi da
por Ir. Rosâ n gel a .

O cenár io acima é deso lador, pelas condições do t rabalho e pela marca


do gênero. O que a fotografia per mit e visualizar é a imagem de um galpão
137

co m paredes velhas e descascadas, o piso coberto de fumo, t ant o em p ilhas


co mo espalhados, e as t rabalhadoras numa sit uação humilhant e a acenar u m
olhar de surpresa, cert ament e, para o fotógrafo. A presença das mulheres
nest e cenár io repr esent a, nada ma is que, mais uma peça da engrenagem da
indúst r ia fumage ir a. Ali, nenhum art efat o exist e que viesse a demo nst ra r
algum t ipo de apoio ou auxílio no t rabalho, apenas a imagem de um espaço e
de um t rabalho inst alados e organizados para t irar daquelas t rabalhadoras, da
maneira mais t orpe, a produção diár ia.
Segundo D. Tereza Ramo s, “era pra t rabalhar por produção, co m um
fardo de fumo na frent e”. (RAMOS, 2007). Sent adas diret ament e ao chão,
logo em frent e a uma pilha de fumo, elas er am as esco lhedeir as de fumo ;
vest idas co m roupas simples, as mes mas que t ransit avam nas ruas no ir e vir
do trabalho, e co m panos amarrados à cabeça, as t rabalhadoras de ar mazéns
de fumo carregavam a mar ca da exploração e da sujeição reproduzidas no
t rabalho.
Passad ei ra ou classi fi cadei ra – realizava uma espécie de inspeção,
pois, passava o fumo vindo da esco lhedeira classificando -o por t amanho, cor,
cheiro e for mat o de fo lhas, passando para as bancas de capa ou para as camas
de fumo ; raloei ra – sacudia, t irava a t erra e esco lhia as fo lhas de fumo de
classe infer ior, geralment e, os fumo s de 3.ª e 4. ª classes, era o fumo ut ilizado
na bucha de charut o; cama de fu mo – nest a, as t rabalhadoras se posicio nava m
dent ro de uma caixa grande ma is ou menos 2mX2m, enquant o os ho mens
jogavam o fu mo para que e las fossem pisando e, assim, acamar o fumo par a
curar, e/ou enfardar as fo lhas para exportação. Segundo Luzia S. Ferreira “as
mulheres da cama de fumo, não sei que no me dá, po is est as eram esco lhidas
por ser mais fort e ou por ser desafet o dos mest res, na verdade era um dos
piores ser viços dent ro do armazém”.
Manocadei ra – fazia as mano cas ou bo necas de fumo , junt ando
pequenas porções de fo lhas de fumo, t odas do mesmo t amanho, e enro lando a
“cabeça” dos t alos co m uma fo lha avulsa do mesmo fumo . E st e t rabalho
t ambém era realizado pelos agr icu lt ores dos fumo s após a secagem, em suas
próprias casas. A figura, abaixo, é de um fardo de manocas de fumo.
138

FIG URA 2 5 – Fa r dos d e Ma n oca s d e


Fum o

FO NTE: An uá r i o Br a si l ei r o do Fum o,
2007

E, por fim, a t rou xei ra – ret ir ava a t rouxa de fumo do ar mazém para
realizar a esco lha no domic ílio e, no dia seguint e, devo lver ao ar mazém, onde
era pesado, novament e, e anot ado numa ficha ou cader net a at é o dia de sábado
quando era feit o o pagament o . (SOUZA, Raimunda. 2010; FERREIRA, Luzia
Souza. 2010; S ANTOS, Isaura Lopes dos. 2010; SINDI CATO DOS
TRABALHADORES NA INDÚSTRI A DO FUMO DA CIDADE DE CRUZ
DAS ALMAS, 1930 a 1959).
E mbora vale ressalt ar que, nos ar mazéns de fumo, difer ent ement e das
fábr icas de charut os, era ma is freq uent e ho mens exer cerem algumas funções,
geralment e at r ibuídas às mu lheres, como é o caso do passador e/ou
classificador de fumos. Mas, a função de raloeir a era predo minant ement e
ocupada por mulher es, po is, nem na document ação escr it a nem nos
depo iment os orais fo i encont rado qualquer regist ro da ocupação dest a função
por homens. Assim co mo, não se enco nt rou mulher es ocupando a função de
mest re nos ar mazéns de fu mo. (STIFCA, 1930 a 1959). D. Tereza Ramo s
(2007), ent re as demais t rabalhadoras consult adas, afir ma veement ement e que
“não t inha chefe mulher, os chefes eram homens ”.
139

Abaixo, algumas imagens do processo fabr il fumageiro e suas


especificidades no t ocant e à maciça presença de mu lheres no t rabalho. A
figura 25, por exe mplo, t raz a imagem dos fardos de fumos em manocas, o
mesmo t ipo que se apresent a sendo manipulado pelas mulheres na figura 26,
apropr iado, pelo t amanho e qualidade, para c apa de charut os e cigarr ilhas,
difer ent ement e, daquele da figura 2 4 que é o fumo apropr iado par a a bucha ou
mio lo do charut o, após passar por t odo o processo de limpeza, esco lha e
enfardament o e dist r ibuído aos fabr icant es de seus produt os.

FIG URA 26 - Mul h er es sel eci on a n do fol h a s de fum o p or t a m anh o


(Ba n ca de Fum o) n o Ar ma z ém Ri o Gr an de T a ba co

FO NTE: Mem or i a l da s Ir m ã s da San t a Cr uz , 1984. Ar qui vo da s Ir m ã s da


Sa n ta Cr uz, Gover n a dor Man ga bei r a – BA. Im a gem cedi da por Ir .
Rosâ n gel a .

Est a imagem em muit o pouco se dist ancia da pr imeira. Ao o lhar uma e


out ra, num inst ant e é possíve l imaginar que apenas a mesa e os bancos dão -
lhes dignidade. Mas, est as t rabalhadoras, t ambé m, sent aram ao chão para
esco lher fumo e, nest e mo ment o, apenas a mesa e os assent os lhes separa m da
pr imeir a função, além da presença de uma possível fr eira, ao fundo, pousando
para a fot ografia. Aliás, quem lhes separavam da função de esco lhedeira,
140

naquelas condições de t rabalho, não eram os mó veis ou a prese nça de algué m


de fora do grupo, mas o t ipo de fumo com que t rabalhavam ; eram fo lhas de
fumo grandes e largas que est avam sendo medidas e selecio nadas par a a
fabr icação de charut os, por isso, não poder iam ser manipuladas no chão, po is
além de serem car as, o seu manuseio dever ia ser cuidadoso para não rasgar,
além da higiene necessár ia, u ma vez que se t rat avam de capas e est as eram as
fo lhas que ficar iam em cont at o diret o com a boca do fumant e. Nest a imagem,
o ambient e é t ão host il quant o o prime iro, bem co mo os t raços das relações de
gênero no t rabalho. Tant o na pr imeira, quant o na segunda imagem não se
percebe a presença masculina.
Já o t rabalho nas fábr icas exigia uma maior seq uência de t arefas de
execução ligadas diret ament e à produção de charut os e cigarr ilhas.
Destalad ei ra – ret irava os t alos ou as veias pr inc ipais das fo lhas de fumo ;
banquei ra ou banca de capa – abr ia e espalmava as fo lhas de fumo chamadas
de capa ou pr ime ira fo lha do charut o; cap otei ra – abr ia e espalmava as fo lha s
de fumo chamadas de capot e ou segunda fo lha dos charut os; torcid a –
preparação do fumo para a bucha ou mio lo dos charut os; en roladei ra – enchia
o capot e com a t orcida, passava o papel para mo ldar o charut o ant es de passar
a capa; charutei ra – confeccio nava o charut o enchendo o capot e e,
55
pr incipalment e, passando a capa e dando o acabament o fina l; cigarrei ra –
confeccio nava a cigarr ilha enchendo o capot e e, principa lment e, passando a
capa e dando o acabament o fina l; passad ei ra – passava os charut os e
cigarr ilhas na bit o la para co nfer ir as medidas e ret ir ar as peças defeit uosas ;
cort adora de Selo s – cort ar os selos impr essos em fo lha única; aneladei ra ou
selad ei ra – co locava os selo s nos charutos , em for ma de anel, o selo er a
passado ao meio do charut o dest acando a marca e o no me do fabr icant e;
empap eladei ra ou celofani sta – envo lvia o charut o em papel celo fane par a

55
Z wei g (1941) de scr e ve m i n uci osa m en t e a s et a pa s de c on fe cçã o d o ch a r ut o n um a fá br i ca
em Ca ch oei r a : “Per c or r en do essa s sa l a s, p odem os a ssi st i r à evol uçã o i n t ei r a dum ch ar ut o.
(. . . ). Após a pr i m eir a esc ol h a , fei t a p or m ulh er es, sen t a da s en tr e m on t õe s d e fol h a s de
fum o, sã o r et i r a dos os t a l os. S ó d ep oi s, c om eça o en r ol a m en t o da s fol h a s pa ra for m a r em
os ch a r ut os. Out r o gr upo de oper á r ia s c or t a com fa ca s os ch a r ut os d e a c or do c om um a
m edi da . Ma s por en quant o os ch a r ut os est ã o n us, fa l t a -lh es a i n da a ca pa, que l h es va i da r
for m a e sa bor . Re vest i d o a fi n a l o ch a r ut o da ca pa , out r a oper ár ia t em que fa z er a pon t a,
out r os ded os m or en os c ol oca m -l h e a cin t a e a in da out r os c ol a m o sel o. S ó en t ã o sã o os
ch ar ut os en vol vi d os em c el ofa n e e c ol oca d os n a s ca i xa s, que r ec e bem um a m a r ca fei t a a
fog o. (ZWE IG, 1941, p. 116).
141

conser var o aro ma e prot eger cont ra fungos; encai xadei ra – co locava o s
charut os em suas respect ivas caixas, confor me t ipo, quant idade e mar ca.
(Fichas de Regi st ro d e E mp regados das empr esas Suerdieck e C. P iment el;
Correspondências int er nas da Dannemann, 1920 – 1952; SI LVA, Benedit a
Rodr igues da. 2008).

FIG URA 2 7 - Mul h er es c on fe cci on a n do Ch arut os n a Cooper a t i va


Ar t ez an al Mi xta do Va l e do Pa r a gua çu – COOVALE

FO NTE: M em or i a l da s I r mã s da Sa n t a Cr uz, 1974. Ar qui vo da s Ir m ã s da


Sa n ta Cr uz , Gover n a dor Man ga bei r a – BA. Im a gem c edi da por Ir.
Rosâ n gel a .

E mbora não seja t ão percept ível a diferença ent re as imagens, nest a as


t rês jovens est ão confeccio nando charut os em bancas apropr iadas e, mesmo
não sendo em uma grande fábr ica co mo é o caso, apresent am alguns ele ment os
que as dist inguem das t rabalhadoras de ar mazéns de fumo. Apesar de não
est ar vis íve l, mas t rat a -se de um ambient e onde a mat ér ia -pr ima já chegava
t rat ada e selecio nada co nfor me as et apas de fabr icação dos charut os, port ant o,
as t rabalhadoras só t inham acesso a pequenas quant idades, na medida da
produção diár ia para cada t ipo de charuto, fat ores que favoreciam ma is as
charut eiras em relação às t rabalhadoras de ar mazéns, t ant o em quest ão de
vo lume quant o das condições de t rabalho e, cert ament e, de salár ios.
142

A aparência fís ica das t rabalhadoras reflet e uma sit uação concret a mais
favorável desde a post ura do corpo às vest iment as e acessór ios co mo br inco s,
pulseir as ou relógios de pulso que t razem co nsigo. Cont udo, essa imagem
muit o pouco t raz de difer ent e da ant er ior se se considerar que as t arefas
realizadas por est as t rabalhadoras, t ambém, reflet em, não apenas, a divisão
sexual do t rabalho co mo as relações assimét r icas co nt idas nessa divisão e no
níve l da hierarquia.

FIG URA 28 - Mul h er (D. Dór ea ) pa ssa n do Charut os n a Fá br i ca


de Ch ar ut os Dann em ann em Cr uz da s Alm a s

FO NTE: FE RRE IRA, Luz i a S ouz a . Ar qui vo


Pa r t i cul ar. S/ d

Na hierarquia das funções numa fábr ica de charut os, a passadeira est ava
acima da charut eira. Era uma charut eira ma is exper ient e e que sabia fazer
vár ios t ipos de charut os, adquir indo a confiança de seus mest res e gerent es
que lhe passavam a função de passadeir a co mo um cargo de confiança. Mas, a
chefia das fumageiras, de modo geral, era mes mo masculina. Na cadeia da
divisão sexual do t rabalho, passar ch arutos era uma at ividade feminina,
reproduzindo, port ant o, as represent ações de gênero.
143

Nos ar mazéns de fumo co mo nas fábr icas de charut os, após a década de
1950, pr incipalment e a part ir de 1970, obser va -se, ent re as vár ias
modificações ocorridas nas r e lações de t rabalho em função de uma conjunt ura
econô mica que pro mo veu a precar ização do t rabalho at ravés do sist ema de
reest rut uração produt iva, a sut ileza da mudança da no menclat ura de algumas
funções. Surge, port ant o, a função de “S er viço Geral”, a de “ Operár ia do
fumo ” e de “Fumageir a”, abr indo a possibilidade de abarcar vár ias at ividades
na mesma função, facilit ando, port ant o, o remaneja ment o das t rabalhadoras, a
qualquer mo ment o, de uma at ividade para out ra, excet o as charut eiras.
Diante do cenário que as fontes permitiram delinear, não se pode afirmar que
o controle social da indústria fumageira era, prioritariamente, feito a partir da
divisão sexual do trabalho, mas, frente ao interesse em adotar e manter esse tipo de
organização e de concepção social, não há como duvidar de que esse também era
um dos principais mecanismos ideológicos de controle, exploração e dominação,
utilizados pelo sistema fabril. Pois, se a fragmentação do trabalho em tarefas
tivesse como finalidade, apenas, a produtividade, como explicar essa lógica pela via
da divisão sexual? O que tem o sexo ou o gênero a ver? Se a explicação está na
manutenção do estereótipo da força física de um lado e da sensibilidade e
delicadeza 56 de outro, como entender as mudanças e as inversões de tarefas e
“papéis” que, historicamente, vem se registrando, a exemplo, de casos reais citados
por Souza-Lobo (1991, p.58-59), em São Paulo na década de 1970? Esta autora
pontua que “trata-se novamente de uma divisão que reproduz representações do
masculino e feminino não imprescindíveis à produção, mas que obedecem à
tradições, a hierarquias que fazem parte da cultura do trabalho”. (SOUZA-LOBO,
1991, pp. 57-58).
Outro aspecto que desmonta as explicações estereotipadas em relação à
divisão sexual do trabalho é a questão da qualificação e não-qualificação dos
operários. Se nas empresas pesquisadas por Souza - Lobo em São Paulo na década
de 70, o discurso era que os homens tinham maior possibilidade de qualificação,
enquanto as mulheres apresentavam uma trajetória de vida e profissional matizada
pela maternidade e pelas “obrigações domésticas”, já na indústria fumageira, a
qualificação não era uma necessidade e/ou uma exigência para o trabalho com o

56
“Sempre que a indústria precisa aparecer como espaço masculino, o discurso da fragilidade aparece”.
(SOUZA-LOBO, 1991, p. 59).
144

fumo, apenas o pessoal da administração das unidades fabris e das empresas de


modo geral, possuía qualificação específica para cada função, conforme os Quadros
4, 5 e 6. No tocante ao trato do fumo diretamente, apenas, para a confecção de
charutos e cigarrilhas necessitava-se de pessoal que desenvolvesse com eficiência
as técnicas, principalmente, para os charutos e cigarrilhas destinados à exportação,
mesmo assim, eram as mulheres as únicas responsáveis por esta tarefa, mas sem
nenhum destaque na hierarquia empresarial. 57 Assim, conclui-se que, da mesma
forma – com ou sem qualificação – o que imperava mesmo era a divisão sexual do
trabalho nos moldes já discutidos.
As relações no t rabalho são, apenas, um aspect o das relações sociais
ent re ho mens e mulher es, est as que são vividas e pensadas a part ir do que é
definido hist or icament e co mo masculino e feminino, est es “que são os
gêneros”. Segundo Souza -Lobo “a divisão sexua l do t rabalho é um dos muit os
locus das relações de gênero” e, port ant o, “não cr ia a subordinação e a
desigualdade das mu lheres no mercado de t rabalho, mas recr ia uma
subordinação que exist e t ambém nas out ras esferas do social”. (SOUZA -
LOBO, 1991, p.201-61).
Assim, tonar visível a sexualização das tarefas, das ocupações e das relações
hierárquicas no âmbito da indústria do fumo no Recôncavo Baiano, num
determinado tempo cronológico e histórico, é compreender os mecanismos de
desigualdade e dominação de gênero, que implica em conhecer, também, a dinâmica
das respostas e das formas de resistência, organizadas ou não, pelas mulheres
trabalhadoras e que será discutida mais à frente.

3.3 O STATUS SOCIAL DAS TRABALHADORAS

Ao analisar a est rut ura social da indúst ria fumageira do Recô ncavo
baiano, obser vou-se que era no “andar de baixo” que a dinâ mica do cot idiano

57
Nã o havia cursos preparatórios para charuteiras, pelo menos até a década de 1940, quando foi
criado o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem), mesmo assim para uma parcela mínima de
mulheres já engajada no trabalho fumageiro. Geralmente, as menina s e mulheres aprendiam o
ofício fazendo em casa com suas mães e avós; outras nos fabricos, enquanto trabalhavam no
preparo do fumo; e, ainda, outras se interessavam por buscar ajuda junto a alguma charuteira que
pudessem lhes ensinar.
145

fabr il se fazia ma is expl íc it a. No int er io r dos est abeleciment os fumageiros,


nos espaços onde se realizava, efet ivament e, o trabalho fumageiro, mulheres e
ho mens assumiam funções e posições que expressam difer ent es status e
demarcam, so bret udo, os lugares de gênero, confir mando que “a classe
operár ia t em do is sexos”. (SOUZA- LOBO, 1991).
Mas, ao analisar, fazer refer ência e escrever sobre o cont ingent e
operár io da indúst r ia fumageira do Recô ncavo deve - se co nsiderar as
peculiar idades int er nas do grupo e não incorrer numa le it ur a
ho mogeneizadora. Trab alhar nu m ar mazém de fumo, numa fábr ica de charut os
e cigarr ilhas, num fabr ico ou no do mic ílio, não significava apenas ocupar
funções, execut ar at ividades ligadas ao fumo e receber um salár io,
significava, t ambé m, vivenciar sit uações econô micas diferenciad as e posições
sociais dist int as, dent re out ras quest ões.
Do ponto de vist a social, havia uma significat iva dist ância ent re ser
t rabalhadora de um ar mazém de fumo e ser t rabalhadora de uma fábr ica de
charut os, e dest a últ ima em r elação à ocupação de charut e ir a. Vár ios eram os
aspect os que det er minavam diferenças ent re os status das t rabalhadoras do s
ar mazéns e das t rabalhadoras das fábr icas.
O fumo ainda em seu est ado brut o que chegava aos ar mazéns em fardos
para serem abert os: “pocar” as cabeças das manocas , limpar a t erra e out ras
impur ezas; repassar, esco lher e separar por t ipos, t amanhos ou classes, era m
algumas das et apas do t rabalho realizado pelas mulheres nos ar mazéns. Mas,
em relação ao t rabalho nas fábr icas , est e últ imo era considerado um t rabalho
mais pesado e, pr incipalment e, “cust oso”, pelo t rat ament o que recebiam de
seus mest res e pelas ínfimas condições de t rabalho, po is, ger alment e, as
mulheres t rabalhavam sent adas no chão. Assim, narra D. Isaura quando afir ma
que, inicia lment e, fo i esco lhedeir a e depo is passou por todas as out ras
funções:

O primeiro que eu trabalhei, quando eu cheguei, foi botar o fardo de fumo


na frente (risos). Aquele fardo de fumo nós tinha de decifrar todas as
classes do fumo: primeira, segunda..., separado tudo as rumin has,
escolher, bater a cabeça do fumo que vinha emplastrado (...). Sentada no
chão, no pano de alinhagem ou quando achava uma talbinha boa..., ali
pra decifrar tudo com a cabecinha junto, tudo juntinho assim, tinha
primeira, segunda, terceira, trinta e três, trintinha – era o marca ó – era o
menor que tinha. Já por nós saber a classe do fumo, sem ninguém dizer
146

ou mestre vim cá dizer nada, só dizia eu quero de primeira ao patente 58,


todo escolhido. (...) ficava ali na escolha e depois, quando passava
aqueles dias, um mês ou mais, agora você vai pra raloa, pra banca (abrir a
folha do fumo e classificar), ou vai fazer FA – [manocão, um pequeno
fardo amarrado na cabeça e na ponta]. (SANTOS, Isaura Lopes dos.
2010).

Exploração e opressão estão aí expressas na re lação de trabalho,


principalmente, com os seus superiores diretos – os mestres. Estes que deixaram
suas marcas nas memórias das trabalhadoras, muito mais pela dureza com que as
tratavam do que pelo trabalho que realizavam junto a elas. Este poder era
masculino e, numa clara contradição, representava firmemente àquele que,
certamente, também lhe explorava – o empresário. Se os mestres das fábricas eram
severos com as charuteiras e as demais trabalhadoras, os mestres dos armazéns,
aproveitando-se da necessidade das mulheres em relação àquele trabalho, pois havia
um contingente enorme de mulheres sem trabalho na região, além da oportunidade
de demonstração de poder, subjugavam-nas de maneira indecorosa, 59 conforme
depoimentos simultâneos de D. Isaura e D. Raimunda:

Se tinha mestre? Óia! Tinha mestre sim. Tinha mestre que a gente não
comia uma banana porque eles não deixava, não tinha recreio não, a gente
não podia bater a boca. Não podia conversar que mudava de lugar, dava
carão, carão da gente chorar e dizia ‘olhe se eu lhe encontrar outra vez
conversando você vai se embora, a porta da rua taí’, era um cativeiro,
podia dizer que era um cativeiro. Os mestres era tudo daqui. O finado
Armando, era meu irmão, e fazia as piores perversidades e dizia logo
‘deixa eu fazer com você que a justiça começa de casa’. Eu saí do
armazém dele, que ele era mestre e eu não agüentei. O cunhado, finado
Modesto, finado Miliano, o melhor que eu achei foi Benedito de Garrido,
ele tinha umas venetas, mas sempre..., mas, os outros! Um Eg ídio êeta!
Vinha assim nos peitos d’agente e levava até a mão assim, pra querer
bater, o quê?! Nós sofreu que só Jesus, nós tá viva porque Deus olhou pra
gente e disse vocês sofreram tanto (...). Miliano ele fazia uma pia de
fumo da altura disso aí (olhando para o telhado), as mulheres jogava o
fumo pra baixo e ele deixando (catava pra ganhar a quilo, era 2 tostões, 1
cruzado, quinhentos réis), que quando tava aquela pia de fumo, tava em
cima, ele chamava a passadeira, nós foi passadeira de tudo, cata tudo isso
aí leva já pra os prenseiros enfardar que é pra levar lá pra Alemanha,
ôôô! (SANTOS, Isaura Lopes dos. 2010).

Foi nesse caso mesmo! Hoje onde é a receita federal, o armazém dele era
ali [Miliano], ele tomava conta de 40 mulheres, tudo sentada no chã o

58
Patente era maior folha ou manoca de fumo entre todas. Como disse D. Isaura “feito uma folha de bananeira”.
59
As depoentes falam do comportamento e da demonstração de poder da maioria dos mestres, mas, em alguns
momentos pontuam um ou outro mestre que não era tão carrasco quanto os demais. Desta forma, entende-se que
não se tratava de uma regra geral, ou que, além de explorar e oprimir, desrespeitar as mulheres, deliberadamente,
fosse condição sine qua non para ser mestre.
147

passando o fumo. Quando foi um dia tinha uma ruma de fumo assim bem
na frente da porta, aí vem ele de lá, eu tava assim abaixada, quando ele
disse assim ‘ó esse fumo não tá bem passado não, eu não vou lhe pagar
pra você passar fumo sentada não, é pra você ficar é assim’, de quatro pé,
aí eu voltei pra ele e com licença da palavra eu disse eu: não passar fumo
de quatro pé que eu não sou nenhuma (...) [Risos]. Aí ele disse ‘o quê’?
Eu disse: isso mesmo que você está ouvindo, não vou passar fumo de
quatro pé na frente dessas mulheres tudo não que não sou nenhuma (...),
entrei e peguei minha sacola, botei no ombro e já vou. (SOUZA,
Raimunda, 2010).

Fazendo a comparação entre trabalhar no armazém e na fábrica de charutos,


D. Isaura afirma que “na fábrica era muito além, oh! Nós é que fomos muito
sofridas”. Assim, trabalhar no armazém de fumo era, para as mulheres, a primeira e
a última coisa que elas queriam fazer. A primeira, porque diante da pobreza em que
viviam, representava a grande oportunidade de trabalh o e, consequentemente, de
salário para suprir suas necessidades imediatas. A última, porque socialmente eram
vistas com diferenciação entre as demais mulheres daquela sociedade, inclusive, em
relação às trabalhadoras das fábricas.
Os espaços de trabalho das mulheres fumageiras – o armazém e a fábrica –
caracterizaram-se, não apenas pelas atividades laborais que ofereciam e
desenvolviam naquela região, mas pelo estatuto econômico e social que oferecia à
população trabalhadora da região. Quando o Sr. Sebastião se refere à profissão de
fumageira, afirma a sua importância e faz questão de ressaltar os lugares do
masculino e do feminino no trabalho fumageiro, conforme as convenções morais e
os estereótipos de gênero de sua época.

Era boa, a profissão, era boa n ão era ruim não. Era boa porque deu muito
conforto mesmo aqui em Cabeças ao povo, se não tinha nada a tratar a
não ser essas coisas, era charuto e... pronto! Não tinha mais nada. O
homem era armazém de fumo e as mulheres, as mocinhas, procurava m era
fabrico e fábrica para trabalhar. (SANTOS, Sebastião Pereira dos. 2007).

O que havia na fábrica de melhor, mais importante e diferente que demarcava


social e hierarquicamente esses espaços de trabalho para as fumageiras? Apesar de
ser, também, um estabelecimento fumageiro a fábrica de charutos se diferia do
armazém de beneficiamento de fumos por receber o fumo já beneficiado, ou seja,
escolhido e selecionado para o trabalho de fabricação dos charutos, portanto, o
trabalho mais “custoso” já havia sido feito. Na cadeia produtiva, o charuto ou a
cigarrilha era o produto final, assim, a fábrica era o espaço onde se realizava a
148

etapa final dessa cadeia – o trabalho dito mais leve e, principalmente,


“especializado”, portanto, social e economicamente mais importante. Po r
conseguinte, o valor da produção diária era diferenciado e a relação de trabalho
mais amistosa, o que não quer dizer que as trabalhadoras das fábricas de charutos
não tivessem sido exploradas e oprimidas pelos seus superiores diretos e indiretos.
Neste cenário, a fabricação artesanal conferia aos charutos requinte e
qualidade no sabor, por isso eram sempre mais caros do que as cigarrilhas ou
aqueles que eram fabricados à máquina, dos quais se ocupava o capoteiro.
Trabalhar numa fábrica de charutos, fazendo-os de forma artesanal, portanto,
conferia às charuteiras o status que outras mulheres, principalmente àquelas que
trabalhavam nos armazéns, gostariam de conquistar. D. Celina Neris foi enfática ao
dizer que:

Todo mundo só desejava trabalhar na fábrica e era quem tinha muito


valor eram as charuteiras. E tinha três fábricas: em Muritiba tinha a
Pimentel, tinha o Costa; e tinha o Dannemann no caminho de Cachoeira.
Muita gente, todo mundo, de Cabeças, de São Félix (...), que tinha fábrica
também em São Félix. (NE RIS, Cel i na de Jesus, 1996 ).

Nas fábricas de charutos, também, havia escalas sociais diferenciadas entre


as trabalhadoras, pois, as diversas funções desempenhadas por elas determinavam
seus lugares e posições no processo de produção. Além das traba lhadoras que
executavam as diversas funções de preparação dos fumos, as charuteiras também se
dividiam, hierarquicamente, conforme os tipos de charutos que sabiam fazer. Havia
aquelas charuteiras que confeccionavam os mais simples e mais baratos e aquelas
que confeccionavam os charutos nobres, para exportação, que exigiam maior
dedicação e perícia, sendo, portanto, mais caros. As charuteiras faziam parte do
grupo seleto de trabalhadoras da fábrica, formando o "primeiro escalão" da
charutaria, assim, sua tarefa ou produção teria que ser menor e a mão de obra mais
valorizada. Estas charuteiras gozavam de relativo prestígio junto aos mestres e
gerentes, pois, além de serem profissionais qualificadas de quem a indústria
necessitava para produzir charutos de qualidade, elas sabiam fazer todos os tipos de
charutos, conheciam o ponto para uma boa combustão do produto – uma vez que os
charutos não podiam ser duros, pesados ou folgados demais – e não desperdiçavam
o material, exigência número um das fábricas.
149

À medida que narra sobre os diferentes métodos de confecção dos charutos,


Dalva Damiana associa os tipos de charutos ao status da charuteira, evidenciando a
divisão social do trabalho no interior da fábrica, que acontecia diferentemente no
trabalho do armazém de fumo:

Tinha o charuto à pau e o charuto à mão. A charuteira à mão era de alto


grau, né? É número um. E a charuteira à pau era a pessoa fazendo o
charuto, enrolando e botando ali, já tinha as conchas pra botar ali dentro
pra depois botar na prensa pra pr ensa machucar ele, pra eles ficar
bitolado pra depois capear, ali já era charuteira de segunda (risos). Tinha
de primeira e tinha de segunda. (...). Mas, charuteira especial, o charuto
especial o número um, esses tinha a quantidade do charuto e era mais
caro, agora charuto de pau nego enchia as caixa s. E tinha separação,
trabalhava lá em cima com seu Francisquinho e cá as charuteiras a pau
trabalhava com seu João Dantas, João Lobo, os mestres. ( SANT OS,
Da l va Da m i ana dos ).

As charuteiras, como as trabalhadoras dos armazéns de fumo, eram pessoas


simples, desprovidas de fortunas e que desde cedo, ainda na adolescência,
começavam a trabalhar na manufatura do fumo para ajudar a família. As fábricas de
charutos instaladas na região representavam o espaço de traba lho que iria lhes
garantir a conquista da autonomia econômica e social, além da oportunidade de
trabalhar fora de casa e viver outras relações sociais. Neste momento, essas
mulheres, mesmo sem perceber, abalavam as bases da sujeição feminina e do
estereótipo de gênero que mantinham as mulheres presas às atividades domésticas e
longe do trabalho produtivo. Desta forma, alcançar o posto de charuteira numa
fábrica era, para aquelas mulheres, uma forma de valorização econômica e social,
conforme o relato de D. Laurentina:

Eu comecei a trabalhar com 11 anos, assim que eu saí da escola, pois eu


estudei até o 5.º ano, então eu disse: ‘mamãe agora eu vou trabalhar’.
Trabalhei aqui no fabrico sentada no chão, abrindo fumo para as
charuteiras no fabrico de Yayá de Manin. Depois eu fui aprender fazer
charuto ali com Cecinha. Aprendi fazer charuto, aí ... tinha u’a velha que
trabalhava lá em Muritiba na fábrica do Costa e aí eu falei com ela pra
arranjar um trabalho pra gente, pra mim e minha irmã e, aí ela chegou e
arranjou. (ME LO, La ur en tin a Neves ).

Em sua narrativa, D. Laurentina expressa o desejo que tinha, à época, de


começar a trabalhar logo que terminasse os estudos. Passa pela etapa de iniciante, a
de abrir fumo sentada no chão, vence a etapa da aprendizagem pa ra, finalmente,
chegar ao posto de charuteira, considerado o mais alto entre as fumageiras. Na
150

trajetória de ascensão profissional de D. Laurentina, percebe -se que a mulher que


não chegasse ao posto de charuteira, não alcançaria o mesmo grau de importância
social e econômica dentro do grupo a que pertencia. Semelhante trajetória, também,
fez D. Dalva Damiana:

Bem, aí quando eu fui trabalhar com d. Matilde, que é morta, ela era
mestra da cigarrilha, os bancos era emendado pra poder a gente chegar na
altura da banca, ia ensinando a gente ali (...)depois d. Matilde deu a gente
por pronta na cigarrilha, a gente passou pra trabalhar com seu
Francisquinho, passei a fazer um charutinho de ‘bojo’, n.º 5 e 7 e aí fui
continuando trabalhando até quando eu formei mesmo os meus 18 anos
completo. (SANT OS, Da l va Da m ian a R. ).

D. Dalva Damiana, co mo as demais mulheres fumageiras, co meç o u a


t rabalhar ainda menina, passando pela fase da aprendizagem dos diver sos
t ipos de charut os at é a posição de charut eir a, quando co mplet o u a idade
adult a. Esse processo não é simplesment e mecânico, ele carrega os
significados da t rajet ória de vida e do desejo da ascensão profissio nal,
econô mica e social de cada mulher fumageir a, t ant o daquelas que t rabalhara m
por toda a vida nos ar mazéns de fumo, como aquelas que chegar am ao st atus
de excelent es charut eiras.
E m ent revist a ao Jornal “O Correio da Bahia”, Geraldo Meyer
Suerdieck diz que "uma charut eira de alto nível, per feit a, levava de do is a
t rês anos passando por diver sas et apas, co meçando pelo s charut os mais
simples e galgando posições at é chegar ao topo, o aperfeiçoament o complet o".
(SUERDIECK, Geraldo Meyer. Correio da Bahia, 2000, p. 06). Era, nest a
fase, que a mulher fumageira ent rava para o selet o grupo das charut eiras
responsáveis pela produção dos charut os nobres.
Nas t rajet órias de vida e de t rabalho cont adas pelas charut eiras, raras
vezes foram cont empladas algumas das diver sas funções desempenhadas por
out ras mulher es no int er ior das fábr icas ou t ivera m dest aque alguma at ividade
que, por vent ura, haviam execut ado nos ar mazé ns de fumo, no caso daquelas
que t rabalharam nos do is t ipos de est abeleciment os fumage iros. Os poucos
mo ment os em que out ras funções foram cit adas pelas charut eiras fo i, apenas,
para ilust rar a caminhada at é chega r ao posto de charut eir a, demo nst rando
pouca import ância para as demais funções ou, mesmo, o sent iment o de que as
demais ocupações eram socialment e infer iores.
151

Desse modo, as mu lheres que t rabalhavam nas fábr icas de charut os


sent iam- se ma is valor izadas em relação às demais da mesma camada social e
econô mica, pr incipalment e, as fumageiras dos ar mazéns de fumo, por est as
não est arem inser idas no quadro de char ut eiras das fábr icas, est e que er a o
lugar que definia o status eco nô mico e socia l mais alt o dessas m ulher es.
Co mo obser va D. Celina Ner is:

Todo mundo só desejava trabalhar na fábrica e era quem tinha muito


valor era as charuteiras. E tinha três fábricas: em Muritiba tinha a
Pimentel, tinha o Costa; e tinha o Dannemann no caminho de Cachoeira.
Muita gente, todo mundo, de Cabeças, de São Félix (...). (NERIS, Celina de
Jesus).

Ainda, neste contexto, observa-se que havia uma certa resistência até dos
companheiros – cônjuges – para aceitar que as companheiras trabalhassem nos
armazéns de fumo. Seria a desvalorização, do ponto de vista social, sofrida por
essas trabalhadoras? Decerto, que este seria um fator de influência, mas u ma das
proposições que remete a esta questão de maneira mais direta é o fato das mulheres
fumageiras dos armazéns de fumo trabalhar no mesmo salão que os homens,
enquanto que nas fábricas de charutos a divisão sexual do trabalho também se
estendia até a organização do espaço e da produção manufatureira. D. Isaura afirma
que nos armazéns de fumo “tinha homem escolhedor, botava muito homem para
passador, o patente todo era escolhido por homens e era tudo no mesmo salão,
agora as mulheres de um lado e os homens do outro”. (SANTOS, Isaura Lopes dos.
2010).
Ora, sendo grande parte da população masculina, também, trabalhadora de
armazém e sabendo que as mulheres eram constantemente assediadas, tanto pelos
colegas de trabalho, como pelos mestres, naturalmente, que esses homens
sentissem-se ameaçados quando suas mulheres trabalhavam nos armazéns de fumo.
Mesmo nas fábricas de charutos, onde as mulheres trabalhavam em espaços
separados aos dos homens, ocorriam com freq uência casos de relacionamentos entre
trabalhadoras e trabalhadores, geralmente, entre os mestres e as trabalhadoras. No
trabalho de passagem dos charutos para detectar possíveis peças com defeitos há
relatos de casos de proteção a algumas charuteiras por parte do mestre ou do
contramestre quando passavam a produção no final do dia, pois se tratava de um
trabalho onde a relação entre as pessoas destas funções era de muita proximidade,
152

chegando a resultar, muitas vezes, em relações amorosas entre charuteiras e o


mestre. (SCHINKE, 2000; CÉSAR, 2000, p. 07).
O mestre, o gerente e outros que ocupassem a posição de chefia na fábrica,
incorporavam uma imagem que configurava força e poder, era como se oferecessem
às mulheres uma masculinidade mais atrativa do que a dos outros trabalhadores,
pois o status de chefe era um dos principais elementos que garantiam o poder de
sedução sobre as mulheres que, por sua vez, enxergavam nesses homens, além de
uma masculinidade mais atraente e "mais poderosa", proteção, menos perseguição,
menos exigências e garantia da permanência no trabalho. Ao relatar a vida amorosa
de um chefe de produção da Suerdieck em Maragojipe, o Sr. Bartolomeu Borges
Paranhos, conhecido por dom-juan, o jornalista Elieser César afirma que "uma
fábrica de charutos pode ser a casa de Eros". ( CÉSAR, 2000, p. 07).
Nos armazéns de fumo a situação era mais intensa, pois a convivência diária
no espaço do trabalho ocorria com maior proximidade, além da situação das
mulheres ser bastante diferenciada, sua precariedade parece ter sido maior, assim,
como os mecanismos de opressão e subordinação foram maiores. Maria de Lourdes,
quando se refere aos maridos das charuteiras, numa inflexão bastante agu da de sua
voz exprime as divisas que demarcam o grau de importância entre os armazéns de
beneficiamento de fumo e as fábricas de charutos:

Agora no armazém que eles não gostava m que as mulheres trabalhassem,


de uns tempos novos pra cá foi que se acostumar am a trabalhar algumas
pessoas, assim, casada. Mas no armazém trabalhava mais assim as
mulheres... . Ave Maria! Pra's mulheres trabalhar no armazém aí tinha
grilo viu! Agora, depois (...) esse povo todo aí foi chegando, as
casadinhas, as casadas tudo chegando pra trabalhar. Mas, na fábrica era
bacana, era uma coisa mais decente que o armazém, o armazém como eu
tô te dizendo era pra esse povo mais inferior, naquele tempo. Nas fábricas
as pessoas se sentiam mais valorizadas, eu não sei por quê. Na fábrica
ganhava por produção, quanto mais fazia mais ganhava, no armazém
também, mas o estilo era muito melhor na fábrica. ( NOVAIS, Ma r i a de
L our des Con c ei çã o, 2000 ).

Tereza Ramos que trabalhou em vários armazéns de fumo em Cruz das


Almas, também, faz interpretação do comportamento dos homens em relação às
suas companheiras trabalharem, principalmente, no armazém:

E n a quel e t em po n ã o er a t odo h om em que t i nha m ulh er e queri a que


a m ulh er tr a ba lh a sse n o a r ma z ém . Ach a va que er a tr a ba lh o ba i xo,
n é? E u a cha va i sso, n é? . . . El es a ch a va m que nã o exi st i a pr eci sã o ,
153

pr a el es a s m ulh er es sa í r em pra tra ba l ha r, sen tar n o ch ã o, suja r de


poei r a , de fum o, s en t a r n o ch ã o den t r o da t erra , eu a ch o t a m bé m
que er a i sso, n é? Que el es n ã o fa z i a m quest ã o, já que el es t i n ha
c on di ções de sust en t ar . E fel i z h oje quem a cha . Ca sa da, tá
pr ocur an do h oje, t á com di fi cul da de. ( RAMO S, 2007).

Numa região onde não existiam alternativas de escapar ao subemprego ou ao


desemprego, sem perspectiva de crescimento econômico ou social era, portanto,
grande a dependência das mulheres em relação aos armazéns de fumo e as fábricas
de charutos. Contudo, àquelas "oportunidades de vida" não se restringiram a comer
um tanto mais, apenas, mas serviram para trazer à tona outras questões que
envolviam, além do status econômico e social em relação ao grupo, as concepções
patriarcais moralizadoras e organizadoras daquela sociedade. Além de outras
questões como lembra, Saffioti (1992) :

Que os seres humanos não são exclusivamente força de trabalho, mas


seres que amam, odeiam, desprezam, invejam etc. Através das relações
sociais são trocadas não apenas mercadorias, como por exemplo a força
de trabalho, como também sentimentos de toda ordem: tanto a
solidariedade quanto a hostilidade, tanto o amor quanto o rancor, tanto a
liberdade quanto a opressão. (SAFFIOTI, 1992, P. 201).

Enfim, dentre outras situações/posições, ser fumageira era ser, também,


trabalhadora, fato este que diante da família ou propriamente do companheiro, e de
outras mulheres que não o fossem, era estabelecer diferenças que definiam suas
concepções do ser mulher antes e depois da experiência do trabalho. Assim, ao
perguntar a D. Dalva Damiana o que mudou em sua vida quando passou a ser
trabalhadora de uma fábrica, ela afirmou que: "menina, eu acho que é a pessoa ser
dona de si, não é?".
154

4 A RESISTÊNCIA INVENTIVA DAS MULHERES


FUMAGEIRAS DO RECÔNCAVO BAIANO

Em v e z de form ul ar o probl e m a da alm a


c e nt ral , c rei o que se ri a pre c i so proc urar
e st udar os c orpo s pe ri fé ri c os e m úl t i pl os, os
c orpos c onst i t uí do s c om o suj e i t os pe l o e fe it o
do pode r. (. . . ) Os indivíduos (...) nunca são o
alvo inerte ou consentido do poder, são sempre
centros de transmissão.
FOUCAULT, 1979, p. 183

A disciplina é, antes de tudo, a análise do


espaço. É a individualização pelo espaço, a
inserção dos corpos em um espaço,
individualizado, classificatório, combinatório.
FOUCAULT, 1979, p.106

A relação de dominação-exploração não


presume o total esmagamento da personagem
que figura no pólo de dominada -explorada. Ao
contrário, integra esta relação de maneira
constitutiva a necessidade de preservação da
figura subalterna. Sua subalternidade, contudo,
não significa ausência absoluta de poder. Com
efeito, nos dois pólos da relação existe poder,
ainda que em doses tremendamente desiguais.
SAFFIOTI, 1992, p. 184

A resistência das mulheres fumageiras, enquanto enfrentamento às ações de


exploração no trabalho, deve ser compreendida a partir do seu contexto histórico e,
sobretudo, cultural, pois neste caso trata-se de uma situação que vai além da
questão de classe, perpassa, necessariamente, pela questão de gênero. E, ainda,
155

como relações de gênero são relações de poder , faz-se necessário entender, mesmo
que brevemente, como se constituíram, histórico e culturalment e, as relações de
gênero no mundo ocidental influenciando àquela sociedade e, por conseguinte, a
vida e a história das mulheres fumageiras do Recôncavo Baiano , pois em relação ao
elemento dominação-exploração exercida pelos homens sobre as mulheres, Saffio ti
afirma que a “intensidade varia de sociedade para sociedade e de época para
época”. (SAFFIOTI, 1992, p. 183).

4.1 RELAÇÕES SOCIAIS PATRIARCAIS

Sendo o conceit o de pat riarcado muit o cr it icado e rejeit ado por ser
ent endido co mo ahist ór ico e Weber t er t rat ado como um esquema pur ament e
de do minação e não de do minação -exploração, além de cent rar apenas na
família, t oma-se aqui as abordagens de Dahlerup, 1987; Cost a, 1998; Saffiot i
1992 e Palmero, 2004, por se configurar em co mo po lít icas e fazerem a sua
leit ura mais pró xima da realidade e do cont ext o a que se ocupa est a pesquisa.
Para Saffiot i “o pat riarcado, enquant o esquema de do minação, inscreve -
se na esfera po lít ica, embora sua or igem r esida na aut oridade de um domi nus,
exercida no seio de uma co munidad e domést ica”. (S AFFIOTI, 1992, p. 193).
Est a autora sugere redefinir o significado de pat riarcado pensando -o a part ir
de um esquema de do minação -exploração , reconhecendo que est es são
co mponent es de u ma simbio se (de lógica cont radit ór ia) c o mpost a, t ambém,
pelo modo de produção e pelo racis mo . Nest a per spect iva, a aut ora rejeit a as
post uras dualist as de Weber (1964) e de G. Rubin (1975).
Pensando as mulheres no cont ext o do t rabalho t orna -se impossíve l não
perceber que elas est iveram ou são alvos, t ant o da opressão quant o da
exploração, uma vez que “gênero e classe são const ruídos simult aneament e ao
lo ngo da hist ór ia” e, por isso, Saffiot i sugere que, se pat r iarcado e
capit alis mo não são sist emas aut ôno mos, devam ser examinados junt os.
Assim, fazer a leit ur a da opressão e da explor ação das mulher es
fumageiras e, pr incipalment e, de suas r eações a part ir de uma per spect iva
feminist a é uma posição considerada po lit icament e corret a. Porém, não é t ão
156

simples, faz- se necessár io pergunt ar : qual per spect iva fe minist a? O o lhar
feminist a, o ponto de vist a feminist a e a int erpret ação feminist a dos fat os não
são posições iso ladas, fechadas em uma disciplina ou que obedecem a u m
cânone. São múlt iplas as per spect ivas feminist as que se ut ilizam das vár ia s
áreas do conhec ime nt o para fazer a cr ít ica feminist a, ao mesmo t empo em
que, as diver sas áreas do conheciment o incorporam em suas análises a
perspect iva feminist a de gênero, incluindo, na mesma med ida, a cr ít ica
feminist a ao conheciment o.
A Hist ória, por sua vez, t em sido uma das c iências que me lhor t em
empreendido essa t arefa apesar de não apresent ar, ainda, uma preocupação
mais direcio nada para a quest ão das mulheres. Mas, ao lado de ciências co mo
a Ant ropologia, a Hist ór ia t em se aproximado de out ros campos do saber e, a
exemplo do que fez os est udos feminist as, t ambém, t em produzido uma cr ít ica
cont undent e ao conheciment o e seus t radicio nais mét odos, assim co mo, t em se
lançado por caminho s “est ranhos”, ousado no vos mét odos quase que
arqueo lógicos para encont rar o que fo i apagado, novos objet os, novas fo nt es,
novos o lhares sobre ant igos objet os 60, quest ionando e invalidando as t eorias
supost ament e neut ras.
A Hist ór ia das Mulher es, apesar das cr ít icas que t em so fr ido, 61 fo i um
dos pr incipais pont os de part ida par a ro mper as barreiras da invis ibilidade das
mulheres na hist ór ia, bem co mo, sua negação enquant o sujeit os do
conheciment o. Segundo Soihet et all (2001):

A pa rt ir da con st a t a çã o de n ega çã o e d e esqu e ci m en t o, a h i st ór ia


da s m ulh er es t om a seu im pul so em 1970, a poi ada n a expl osã o do
fem i n i sm o e ar t i cul a da a o cr esci m en t o da an tr opol ogi a e da
h i st ór ia da s m en ta l i da des, i n cor por an do a s con t r i bui ções da
h i st ór ia soci a l e d os a por t es da s n ova s pe squi sa s s obr e m em ór i a
popul a r . (SOIHE T e t al l, 2001, p. 8).

É, port anto, os camp os da hist ória que ofer ecem as condições par a
analisar a const it uição da opressão das mulheres fumageiras no cont ext o das

60
A E sc ol a d os A nnal e s (1929) a pa r t ir de seus r ep r esen t a n t es Luci en F e bvr e, Ma r c Bl oc,
den tr e out r os da s dua s pr in ci pai s ger a çõe s de h i st or i a dor es, for a m os r esp on sá vei s p or est a
m udan ça n a escr i t a da h i st ór ia , derr uba n do o pa ra di gma posi t i vi st a , defen sor dos
pr in cí pi os da Ci ên ci a Moder n a.
61
Os/ a s cr í t i cos(a s) da Hi st ór i a da s Mul h er es a cusa m a s el a bor a çõe s em t or n o do t em a , de
sexi st a s, r est r it a s e par ci a i s e que par t em dos m e sm os pr essup ost os a n dr ocên t r i cos .
157

relações sociais da região, que, naquele espaço e naquele mo ment o, se


configuravam a part ir de par âmet ros p at riar cais. É preciso se de sprender da
busca pelas origens e perceber a cont inu idade do pat riar cado e a sua dinâmica
nas re lações sociais 62. Compreender co mo ele se mant eve at ravés do t empo,
quais fora m as for mas em que ele se t ravest iu em det er minados espaços
at ravés dos discursos q ue perpassavam os valores e as inst it uições, para
mant er a do minação dos ho mens so bre as mulheres. (ENGELS, 1987).
Na região fumage ir a do Recôncavo Baiano, desde os primórdios, é
possível ident ificar as marcas e os inst rument os que denuncia m uma hist ór ia
da opressão das mulher es, bem co mo de suas lut as, organizadas ou não, cont ra
o seu opressor. A família era o redut o de “produção ” e reprodução da
dominação das mulher es, cont udo, foram nos est abeleciment os de t rabalho
que a do minação se expressou de for ma o rganizada e pública, onde as
relações sociais pat r iarcais demarcaram os espaços fís icos e sociais e as
relações de t rabalho 63.
Mesmo t rat ando -se de mulher es que chefiavam suas famílias, t ant o no
que se refere ao aspect o econô mico e administ rat ivo da casa, quant o na
educação e cuidado dos filho s e agregados, elas vivia m so b os parâmet ros de
uma sociedade co m caract er íst icas das relações sociais pat r iarcais, t omando
co mo referência a definição explíc it a no quest io nament o de Dahle irup:

Al gun a s per son a s di cen ‘vea n a t oda s esa s m ujer es qu e dom i n an


c om pl et a m en t e a su fa m í l i a ’. ‘? Com o pued en en t on ces l l a m ar l a
un a soci eda d pa tr i ar ca l ?’
La r espuest a es qu e c om o pr om edi o en n uest r a soci eda d l a s
m ujer es ga n an m en os que l os h om br es, que en gen er a l l a s m ujer es

62
A o r e jei t a r a c on cep çã o cr i st a l i z a da de est r ut ur a soci a l , Ker goa t fa z um r a ci ocí n i o em
t er m os d e r el a ções s oci a i s (c om seu c or ol á r i o: a s pr á ti ca s soci a i s): “r el a çã o si gn i fi ca
c on tr a di çã o, a nt a gon i sm o, l ut a pel o p oder , r ecus a a c on si der ar que os si st em a s d om i n an t es
(ca pi t a l i sm o, pa tr i ar ca do) sã o t ot a l m en t e det er m in an t es e qu e a s pr á t i ca s s oci a i s a pen a s
r efl et em essa s d et er m in a çõe s. E m r esum o, o qu e é i m por t a nt e na n oçã o d e r el a çã o s oci a l
(. . . ) é a di n âm i ca que el a r ei n tr oduz , vi st o qu e i ss o i m pl i ca i n tr oduz i r a con tr a di çã o, o
a nt a gon i sm o en tr e gr upos soci a i s n o cen t r o da aná l i se” . (KE RGOAT , 1986, p. 8 2).
63
A fa m í l i a com o expr essã o de d om i n a çã o ca pi t a l ist a e pa tr i ar ca l é ci t a da vár i a s vez es, em
di á l ogo c om di ver sa s a ut or a s, por Cost a (1998, p, 19 -90). E st a a ut ora a fi r ma que a fa m í l ia
é a “i n st i t ui çã o que i n st r um en ta l i za e m an t ém a opr essã o da m ul h er em t oda a h i st ór i a
dessa s oci eda d e, já que a fa m í l i a evol ui u e s e a da pt ou de for m a m a i s efi ci en t e que a s
out r a s i n st it ui çõe s a os i n t er esse s da cl a s se d om i n ant e” . (COST A, 1998, p. 21). Nã o se t r a t a
a qui de exa m i n ar o m od el o d e fa m í l i a exi st en t e n o Re c ôn ca vo ca n a vi ei r o ou a qu el e da
Ca sa Gran de di scut i do p or Gi l ber t o Fr ei r e, ta m pouc o, a s r el a ções s oci a i s pa tr i ar ca i s
r epr oduz i da s n a quel e c on t ext o, em bor a c on si der an do que a sua i n fl uên ci a ul t ra pa ssou
t em pos, e spa ç os e cl a ss es s oci a i s.
158

a va n z an m en os que l os h om br es y t i en en puest os in fer i or es, que l a s


m ujer es a r r a str an un dobl e p es o de t r a ba jo, que s on vi ol a da s,
gol pea da s, est á n som et i da s a l a vi ol en ci a fí si ca de l os h om br es y a l
h ost i ga m i en t o sexua l en l e t r a ba j o; que l a s i n st it uci on es p ol í t i ca s,
l os pa r t i dos pol í t i c os y l os si n di ca t os est á n dom in a dos por
h om br es y p or úl t i m o, que l a s n i nã s y l a s m uj er es s on de spr eci a da s
por l os h om br es – y por el l a s m i sm a s. La a ut o -e st i m a de la s n inã s
y d e l a s m u jer es e s en gen er a l má s ba ja . E st a s s on a l gun a s de
n uest ra s ra z on es par a l l am ar l a un a soc i eda d pa tr i ar ca l.
(DA HLE RUP, 1987, p. 117).

A co mpreensão do conceit o de pat r iarcado passa pela sociedade de


modo ger al, mas deve -se levar em consideração as var iações e as
especificidades nas relações sociais ent re ho mens e mulher es, co nfor me os
espaços po lít ico s, a classe e a raça em que est ejam inser idos ou façam part e,
pois, os efeit os do pat r iarcado sobre as mulheres t êm ocorrido difer ent ement e
para cada caso, mant endo, apenas, o t raço comum da desigualdade na s
relações ent re ho mens e mulheres.
Dest a for ma, import a-nos ent ender como se caract er izavam e se
organizavam as relações sociais pat r iarcais no âmbit o da indúst r ia fumageira
do Recôncavo Baiano e co mo as mulheres t rabalhadoras se mo viam nesse
ambient e minado pela opressão e pela exploração, á medida que lut avam pela
sobrevivência, acumu lando a const rução das duas ident idades – mulher e
t rabalhadora. É possível ent ender , portant o, que a explor ação não se dê,
apenas, no âmbit o da produção, nem a opressão pa t riarcal, apenas, no âmbit o
da reprodução, uma vez que a co mplexidade da realidade não comport a
dicotomias reducio nist as. 64 Cost a (1998) infor ma que “pat riarcado e
capit alis mo convivem at ravés da divisão sexual do t rabalho na família e na
produção social, e m um processo de dependência mút ua: um se adapt a às
necess idades do out ro” e ainda, “(...) os dois são duas faces de um mesmo
sist ema produt ivo e devem examinar -se como for mas int egr adas” (COST A
1998, p. 36 e 39).
As relações sociais devem ser pensadas, s empre, a part ir dos pont os de
vist a de classe e gênero, art iculados de modo a se comple ment arem. A
sit uação daquelas e de out ras t rabalhadoras nos espaços de t rabalho est ava

64
Produção e reprodução são indissociáveis, mas não cabe apurar sobre as condições do surgimento dessa
relação. No entanto, Combes e Haicault afirmam que “ela corresponde, em grande parte, à instauração do
sistema patriarcal, ele próprio articulado com o desenvolvimento de sociedades de classes e com a produção
organizada de excedentes”. (COMBES E HAICAULT, 1986, p. 25).
159

relacio nada co m a sua sit uação de mulher , a part ir de suas funções na família
ou a part ir de um modelo de família, bem co mo, nos mo ldes das desigualdades
de gênero em que a sociedade est ava , e pode-se dizer que ainda est á,
est rut urada. 65 E, compreendendo que o fenô meno do pat riarcado ou a
exper iência das relações sociais pat r iarcais, faz em part e da sociedade
ocident al, concorda-se e reafir ma- se, ent ão, o que alguém já disser a que
gênero é a lent e co m que o lhamo s est a sociedade.
Nas concepções clássicas e aquelas que busca m s ua or igem, o conceit o
de pat r iar cado era ut ilizado para denominar uma sociedade regida por
ho mens, a exemp lo da sociedade feudal, em que o pai era o cabeça da família,
co m poderes so bre sua mulher, filho s, t rabalhadores e ser vent es.
(DAHLE RUP, 1987, p. 112). Desde ent ão, o conceit o de pat r iarcado t em sido
usado par a deno minar a subordinação das mu lheres, uma vez que t odas as
sociedades cont emporâneas enco nt ram-se sobre o do mínio dos ho mens 66,
pr incipalment e, no que se refer e às at ividades po lít icas e eco nô micas, po is
t rat a-se de um sist ema de do minação classist a e não - nat ural/ bio lógico. Pena
(1980) ut ilizou o t ermo pat riar calis mo definindo -o como:

Por pa tr i ar ca l i sm o est ou en t en den do a s r el a ções s oci a i s de


r epr oduçã o, or ga ni z a da s n a fa m í l ia e que de s i gna m à m ulh er o
t ra ba l h o r epr odut i vo. A r epr oduçã o n ã o c on t ém a pen a s um el em en t o
bi ol ógi c o; est e el em en t o d e r est o est á sa cr a m ent a do n a in st i t ui çã o
da ‘m a t erni da de’. O t ra ba l h o r epr odut i vo sup õe a r epr oduçã o em
ba s es ger a ci on a i s (. .. ) e em ba ses r ot i n ei ra s. A fa m í l i a , a ssi m , n ã o
a pen a s r epr oduz a s r el a ções d e pr oduçã o qua n t o t a m bém r el a çõe s d e
r epr oduçã o, n ã o a pen a s um a soci eda de di vi di da em cl a ss es, m a s
t a m bém um a soci eda de di vi di da em gên er os. (PE NA, 1980, p. 69).

Mas, para Palmero , o pat riarcado “es um sist ema social de do minació n
que consagra la do minació n de lo s indivíduos del sexo mascu lino so bre los de
sexo feminino ”. (PALMERO, 2004, p. 34) . Est a aut ora faz uma anális e

65 Conforme Dahlerup (1987, p.124), o conceito marxista de exploração de classe se define pelas relações da
classe trabalhadora com os meios de produção, enquanto a opressão das mulheres não deriva de um único jogo
de relações sociais, mas de um complexo sistema de estruturas e relações inter-relacionadas. Para Combes e
Haicault (1986, p.25), produção e reprodução são indissociáveis, uma é condição da outra, porém, se o modo de
produção transforma o próprio ser humano numa mercadoria apenas confirma a subordinação da reprodução à
produção e essa subordinação se apóia numa outra subordinação ou submissão – a das mulheres aos homens, que
repousa na divisão sexual do trabalho. E ainda acrescenta que essa relação corresponde à instauração do sistema
patriarcal, articulado com o desenvolvimento de sociedades de classes.
66
Saffioti vai mais além quando afirma que “Todas as sociedades realmente conhecidas revelam dominância
masculina, ainda que esta dominância varie de grau”. (SAFFIOTI, 1993, p. 183-184).
160

hist ór ica e cult ura l das or igens do pat r iarcado e seu aparat o de legit imação
aliment ado pela mit o logia que at r ibui a masculinidade e a pat er nidade a um
Deus, modelo consagrado aos ho mens, enquant o às mulher es, que em nada se
ident ifica co m esse mo delo, coube - lhes, apenas, o papel de ser vir a Deus e a
seus represent ant es na t erra - os ho mens.
Assim, o “mit o da cr iação” faz de E va a co mpanheira e depo is a
pecadora, que precisa redimir a sua culpa com as dores do parto, mas sempr e
ocupando o papel, ora de maldit a, ora de infer ior. E m segu ida, vem Mar ia
para t ransfor mar E va em mãe, cujo sofr iment o lhe redime do “pecado
origina l”, ao mesmo t empo em que alt er a a i mage m da mulher lascívia pela
imagem da madona que per mit e que a sua sexualidade e reprodução seja m
cont roladas pelo ho mem. Pr escr it os aí, ent ão, os funda ment os do pat riarcado
e co m ele a gênese da opressão das mu lheres. (PALME RO, 2004, pp.34 -42).
O que est á dit o é que os ho mens det êm nat uralment e o poder e que as
mulheres, por sua fraqueza, incapacidade ou rebeldia o perderam e,
nat uralment e, não apresent am as condições necessár ias para ocupar post os de
gover no ou cargos que exija m o manejo do poder. Ora, Eva não conseguiu
cont rolar a sua sexualidade, os seus impulso s diant e do frut o proibido,
port ant o, demo nst rou fraqueza e, por isso, a sua descendência precisa ser
cont rolada e vigiada sempr e, não podendo, sequer, ficar a sós co m out ro
ho mem que não seja a quele que a prot eja de sua própr ia fr agilidade, o seu
guardião. 67
Por out ro lado, esse ho mem ho nrado e fort e que, segundo Deus,
precisava de uma co mpanheira, elevou Eva à condição de Mar ia e est a
aco lheu co m obediência o cargo nobre e et erno, o de mãe. O g over no do lar é
seu, enquant o o gover no do mundo ext er no e de suas inst it uições é do ho mem,
est e que sempre fo i fort e diant e das adversidades. Inst it uiu- se o modelo de
família que det er minou que “E l ho mbre es cabeza de familia, la mujer e l
cuerpo: se repro duce así el esquema de dominació n ancest ral.” (P ALMERO,
2004, 49).

67
Segun do Pa l m er o (2004, p37), a r epr essã o da s exua l i da de n a s m ulh er es e seu c on t r ol e é
o ver da dei r o ca va l o d e ba t a l ha do pa t ri ar ca do. Ma s, sobr e e st a quest ã o en t en de -se qu e s e
h á um “ca va l o d e ba t a l ha ” h á, por t an t o, um a ba ta lh a e, um a ba t a lha , n ã o se t r a va s oz i nh o
a l ém de h a ver sem pr e, pa ra a m bos os l a dos, em i nen t em en t e o r i sco de per der a ba t alh a .
161

O pat r iar cado, ent ão, passou a funcio nar co mo um jogo de relações
sociais ent re os ho mens e inst it uiu nor mas gerais de valoração dos gêneros,
co m preju ízos, hist or icament e, “irreparáveis ” par a as mu lheres. O pai, o
ir mão, o mar ido e o filho, enco nt ram- se ainda em posições super iores à
mulher. E m um lo ngo per íodo de t empo, assinaram pelas mulher es, falara m
por elas, ainda davam- lhe o no me.
Diant e das mulheres, sent aram-se nos melhores lugar es, co meram o que
havia de melhor, t inham liber dade de ir e vir a qualquer hora e em qualquer
lugar; puder am amar mais de uma mulher sem medo e sem vergonha ; em vida,
eram sozinho s os do nos da r iqueza, mesmo que est a t ivesse sido produzida
por toda a famíl ia, est a que so ment e vinha a t er a posse quando o “cabeça”
falecia; a t ransmissão das r iquezas e do poder at ravés do sist ema de
heredit ar iedade lhes favoreceu co m pr ior idade abso lut a ; a palavr a de decisão
na família fo i um de seus maiores pat r imô nio s. E nfi m, os ho mens exercer am o
poder em det r iment o das mulheres.
O jogo das relações sociais pat r iarca is sempre pro ibiu as mulheres de
exercer o poder e det er o conheciment o e, se em dados mo ment os, alguma
delas se at reveu a desafiá - lo fo i rot ulada co mo maldit a ou r idícula, a exemp lo
de Eva, Pandora e outras. (PALMERO, 2004, p. 37). Qualquer definição ou
descr ição sobre o pat riarcado traz em si algo comum que é o foco no poder
dos ho mens e a do minação dest es sobre as mulher es, var iando a sua for ma de
ação hist or icament e, confor me os cont ext os polít ico, econô mico, social e
cult ural. E mbora deva se obser var que est e sempre fo i e é o objet ivo do
pat riarcado, mas que as mulheres nunca est iveram inert es sob as suas ações.
Segundo Saffiot i, “em t odas as sociedades conh ecidas, as mulheres det êm
parcelas de poder, que lhes per mit em met er cunhas na supremacia masculina
e, assim, cavar -ger ar espaços nos int erst ício s da falo cracia”. (S AFFIOTI,
1993, p. 184).
Cont udo, é preciso est ar at ent a/at ent o para não perder de vist a qu e est e
poder/dominação , regado de exploração, não é o result ado de uma
det er minação bio lógica que se baseia na diferença sexual, mas que se t rat a de
uma do minação classist a e que se perpet ua at ravés da família e da divisão
sexual do t rabalho. Assim, de t od os os pares opost os inst it uídos pela cult ur a
ocident al, no sent ido de est abelecer uma ordem objet iva de co mpreensão do
162

mundo, o masculino/ feminino, a cult ura/ nat ureza e o “um/out ro”, oferecera m
as bases para a ordem hierarquizada e simbó lica do pat riarcado , dificult ando
o seu quest ionament o ou mesmo out ra possibilidade de no meação,
conceit uação e organização do mundo e de suas inst it uições, inclusive a da
divisão sexual do t rabalho que, at ravés da figur a do caçador, inst it uiu
cult uralment e a valor ização da masculinidade e das t arefas realizadas pelo
ho mem.
A hist ór ia das mu lheres t rabalhadoras, em qualquer t empo e lugar, t em
revelado quão exploradas e suje it adas t êm sido as mulher es, co mo, t ambém,
t em sido grande a sua lut a para r esist ir e ro mper co m est e sist ema
so ciopo lít ico injust o, uma vez que suas vit ór ias t êm provado que essa
sit uação é result ado de uma co nst rução cult ural e social ; que a sujeição é uma
sit uação impost a às mulher es e não uma condição da nat ureza feminina que
faz co m que e las devam se resignar e aceit ar, fac ilit ando, port ant o, a
exploração.
A hist ór ia t em t est emunhado muit o mais as lut as das mulheres que a sua
passividade, a sua capacidade de mina r as forças opost as, de organizar
est rat égias sut is ou abert as de enfr ent ament o e de resis t ência à exploração e a
dominação, at é de romper co m os padrões sociais e morais inst it ucio nalizados
que reforçam a do minação e a opressão como lei nat ural. 68
A lut a ainda é ma is co mplexa porque os inimigo s não são declarado s e
não se sit ua m fora, à part e, ou à dist ância de sua presa . Pat r iar cado e
capit alis mo são int rojet ados pelas pessoas de qualquer sexo, idade, credo,
raça ou classe, sem se configurar em ou se aut odeclarar em abert ament e co mo
sist ema s de opressão e exploração int egrados, que ser ve m aos ho mens em
det riment o das mulher es. Ao cont rár io, no caso da ideo logia pat r iarcal,
encont ra-se impr essa e expressa nas rela ções e nas prát icas sociais, ela est á
incorporada às maneiras co mo as pessoas se co mport am e age m
cot idianament e, co mo se est ivesse na na t ureza humana e das co isas em ger al.
(SHOTTER, J. e LOGAN, J., 1993, p. 91 -92). Ser ia um erro pensar que esse
fenô meno ocorre separadament e e que at inge uns e out ros não, mas t rat a -se de

68
Mui t o em bor a , a o l ut a r con t ra os i n st r um en t os pa t r iar ca i s que g er a m a sua
opr essã o/ expl or a çã o, a s m ul h er es t en h am que a pl i ca r m ét odos pa t r ia r ca i s, um a vez que s e
en con t r am in ser i da s n um si st em a de r el a çõe s pa t r iar ca i s e fa z em pa r t e del e. (S HOT T E R, J.
e LOG AN, J. 1993 , p. 100).
163

prát icas sociais aut o -reproduzidas, co m o carát er de uma “lei nat ural ” que
ordena o mundo, inclusive os espaços.
O processo hist órico e ideo lógico da sujeição das mulher es aos ho mens
e de sua reclusão no espaço do mést ico , sendo excluída, pr incipalment e, da
acumulação de r iquezas, fo i engendrado desde os pr imórdio s da humani dade e
vem se aper feiçoando com mét odos rigorosament e so fist icados que t orna m
cada vez mais per ver sas as suas ações, porém escamot eadas pelo elevado grau
de sua sut ileza. Nest e sent ido, Combes e Haicault (1986) infor ma m que:

Se a di vi sã o sexua l d o t r a ba l h o que de si gn a pr i or it ar ia m ent e os


h om en s par a a pr oduçã o e a s m ul h er es par a a r epr oduçã o é bem
a nt er i or a o m od o d e pr oduçã o ca pi t a l i st a , é cl a ro, n o en t a nt o, que
o a dven t o do ca pi t a l i sm o su bver t e n ã o a penas a s con di ç õe s da
pr oduçã o de ben s, m a s t a m bém a s c on di ç ões da pr oduçã o d os ser es
h uman os. (COMBE S E HAIC A ULT , 1986, p. 27).

Nest a análise, é possíve l afir mar que, hist or icament e, a dominação


masculina so bre as mulheres t em sido reest rut urada confor me os processos de
t ransfor mações po lít icas, sociais, c ult urais e, sobr et udo, econô micas,
passando a fazer part e da est rut ura da sociedade at ual. (DAHLERUP, 1987, p.
115).
Sob a miragem do ideal universalist a da Moder nidade que inclu ir ia a
todos e todas, o patr iarcado se reco nst ruiu numa no va roupagem. 69 Enqua nt o
os ideais ilust rados triunfaram par a os homens, as mulheres foram r elegadas à
menor idade (PALMERO, 2004, p.47), criando a necessidade, segundo essa
ideo logia, de prot eção, devendo ser mant idas no lar para o bem da família –
t raduzindo -se para o bem dos ho mens – e da sociedade. Segundo Palmero, a
reconst rução moder na do pat r iarcado se conso lida a part ir das seguint es
chaves ideo lógicas:

L os pr edi ca dor es de l a l i ber t a d i n di vi dua l nega r án ést a a l a s


m ujer es; l os a gen t es del pa ct o soci a l n o deja r án que l o fi r m en l a s
m ujer es; l a a ut on om í a y l a a ut orr ea l iz a ci ón , cl a ve s del n uevo
suj et o m or a l m oder n o, l e s er án sust r a í da s a l a s m ujer es, y l a s en da

69
Ne st e m om en t o, Rouss ea u si st em a t i z a e c odi fi ca a s ba se s d o pa t r i ar ca do m oder n o, a
pa rt ir do seu pr oj et o de edu ca çã o di st i n t o pa r a h om en s e m ulh er es que, de um l a do
r epr esen t a do por E m í l i o – est e qu e s e ocupa de t a r efa s qu e l h e dá a ut on om i a e a ut o -
r ea l iz a çã o – e d e out r o p or Sofi a – qu e r epr es en t a o m od el o da m ul h er bur guesa , pur a ,
dedi ca da a o l a r e subm i ssa .
164

m or a l que se di señ a para el l a s la s con sa gr ará a la s vi r t udes n o


un i ver sa l i za bl es d e l a a bn ega ci ón y l a fi de l i da d a l ser vi ci o
ut i l i tar i o de l os va r on es y l a soci eda d. (PALME RO, 2004, p. 48).

Assim, fo i co nclamado por todos e todas, pr incipalment e pelas


feminist as, que as mulher es ficaram de fo ra dessa nova ordem po lít ica e mora l
da sociedade moder na, porém é preciso re ssalt ar que elas foram exclu ídas do
que se convencio nou “direit os universais” que inclu ía a sua cidadania, mas,
no pro jet o ma is amplo da moder nidade isso significou a sua inc lusão no plano
de sust ent ação e garant ia dos direit os e liberdades masculinas, co m o t ambé m
no plano econô mico, po is coube às mulheres t odo o empreendiment o
domést ico e familiar sem qualquer remuneração, ao cont rário, est e fo i
ideo logicament e inst it uído como uma t arefa eminent ement e feminina.
As mulher es apenas ocupavam a cat egoria de “ c idadãs de segunda
classe”, po is est avam submet idas ao “pact o de suje ição”, fir mado pe lo
mat r imô nio, 70 que rest r ingia sua at uação ao espaço do mést ico onde a le i não
ent rava par a prot egê-las nem fís ica nem moralment e, sendo consideradas
co mo seres sem dignid ade e sem cidadania. Alé m de que, o art ifíc io jur ídico
que legit imou e legit ima o mat r imô nio, segundo Pena:

Pr ocur ou a pa ga r a hi st ór i a in di vi dua l da m ulh er, seu n om e que


r epr esen t a seu pa ssa do e sua i den t i da de pel a qual el a a pr en deu a se
r econ h ece: da s m ã os d o pa i à s d o m a r i do, el a nã o p ossui um a
h i st ór ia pr ópri a . Per den do seu pa ssa d o, qu e er a o d e s eu pa i , el a
a gor a ir i a con fun di r seu fut ur o c om o d e s eu pa r cei r o l ega l . (PE NA,
1980, p. 152).

Essa divisão dos lugares e das funções ent re as duas met ades d a
humanidade inst it uiu sever ament e o discurso da rupt ura , não soment e ent re os
sexos, mas ent re público e pr ivado, supervalor izando as at ividades r elat ivas
ao espaço público, port ant o masculinas e desvalor izando as at ividades

70
Al ém da m i t ol ogi a que t r a z a s just i fi ca t i va s da subm i s sã o da s m ul h er es em r el a çã o a os
h om en s, o m a tr i m ôni o, h i st or i ca m en t e, r epr esen t a um pa ct o de suj ei çã o d e ca da m ulh er a
seu m a r i do, sel a do publ i ca m en t e desde o di r ei t o r om an o e sem m odi fi ca çã o a t é o i n í ci o do
sé cul o XIX, qua n do “n o puede c on t r a tar ni obl i ga r se com t er cer os si n a ut ori z a ci ón de su
m ar i do; a un que est e em r egi m e d e s epa r a ci ón de bi en e s, e s l ega l m en t e i n ca pa z de da r ,
en a jen ar , h i pot eca r o a dqui r i r” . (PE T IT T , 1994, p. 54). Obs er va -se a í o “r egi m e d e
sepa r a çã o d e ben s” pr esen t e n a r el a çã o d o m a tr i m ôni o, c on fi gur an do, n ã o a pen a s,
si m pl esm en t e a dom i n a çã o d o h om em s obr e a m ul h er , m a s a r egul a m en t a çã o da poss e d os
ben s na for m a l iz a çã o da r el a çã o c on juga l .
165

relacio nadas ao espaço pr ivado , dest inado às mu lheres, excluindo -as do


direit o à cidadania, co mo afir mou Pa lmer o:

(. . . ) el cor t e públ i c o/ pr i va do pr et en di ó ex cl ui r a la s m ujer es n o


sol o de su pa pel c om o suj ei t os de l a h i stor i a , sin o de l a s
a tr i bui ci on es d e l a ci uda da n í a y del r e c on oci m e n t o de su di gn i da d
per son a l com o a ut on om í a . (PALME RO, 2004, p. 44).

O espaço domést ico não se const it uiu ou fora discur sivament e


const ruído, para melhor dizer, apenas, como um espaço pr ivado de t oda a
família, mas co mo um espaço de confina ment o das mulh er es, de
disciplinament o de seus corpos e de sua ment e, para que for massem o seu
carát er modelado pelas “boas” regras de condut a e de moral, co m base em u m
modelo preest abelecido de feminino. 71 Paradoxalment e, co nt rar iando os
valores burgueses que inc lui a pr ivacidade e a individualidade, nest e mesmo
espaço as mulheres não dispõem de um espaço pr ivado para si, nem de t empo
próprio e, fora dele so fre o massacre da vigilância da opinião pública sobre os
seus at os e sobre a sua imagem. (PALMERO, 2004, p. 51 -52).
A part ir da exist ênc ia dest e espaço pr ivado/domést ico, o pat riarcado
agiu co m maest r ia. Usou da força fís ica para apr isio nar as mulheres e par a
torná- las dóceis, mas, t ambém soube, est rat egicament e, usar inst rument os
mais so fist icados e poderosos como, p or exemplo, a educação, que não
modela apenas o comport ament o, como t ambém o ser. O processo de
socialização das meninas co meça desde a mais t enr a idade e difer e
co mplet ament e da educação dos menino s 72, po is não t rabalha a
individualidade, mas a sua do mest icação.
Dest a for ma, não se t rat a de uma educação for mal, co m base e m
conheciment os univer sais, mas de um processo de disciplina ment o específico,
de carát er ideo lógico, no sent ido de const ruir o ideal de esposa e do na de casa
per fe it as, bem co mo, de mãe virt uosa, reunidas numa única mulher
represent at iva do modelo feminino necessár io à sociedade burguesa, ao
71
O qu e c on h ecem os c om o fem i n in o n o pa t r i ar ca do, n ã o s er i a t udo o qu e a s m ul h er es sã o,
sen ã o o qu e os h om en s (a l gun s) t êm con st r uído pa r a el a ou t êm di t o qu e el a s sã o.
(RIVE RA, p. 40 -41).
72
Si m on e d e Bea uvoi r a n al i sa e de scr e ve o pr oce ss o d e s oci a l i z a çã o da s m en i na s em
c om pa r a çã o com o d os m en i n os, con st a t a n do o en genh os o t r a ba lh o de c on st r uçã o cul t ur a l
do fem i n in o, defl a gr a do n a cél e br e fr a se que a br e a sua ma i s i m port an t e obr a O se gundo
se x o : “Nã o se n a sce m ul h er, t orna -se m ulh er ”. (BE A UV OI R, 198 0. ).
166

mesmo t empo em que, mo ldada pela emo ção est a nova mu lher co nt inuava
sat isfazendo plenament e às relações sociais pat r iarcais por ser ela afet iva,
passiva e dependent e. Est ereót ipos mant idos pelo pat r iarcado para
caract er izar uma per sonalidade feminina. (COST A, 1998, p.49).
E mbora, outras sociedades, a exemplo da sociedade feudal, já t ivessem
reconhecido o domínio público co mo masculino e o do mínio pr ivad o co mo
feminino, mas é na sociedade burguesa que a separação ent re as esferas va i
organizar o pensament o, as inst it uições e as relações sociais. As bases da
sociedade moder na assent aram- se so bre o novo modelo de feminino e de
masculino que separava e carac t er izava os espaços onde o privado/domést ico
é feminino e o público ou o não -domést ico é masculino. 73 Ao mesmo t empo
em que est es espaços passa ram a funcio nar co mo inst it uições socializadoras e
for madoras dos gêneros, reforçando a const rução da separação e
hier arquização dos sexos, de modo que a sociedade se r eest rut ura pelo
parâmet ro da divisão sexual, det er minando uma ordem moral e dualist a
baseada no poder social ent re o masculino /hegemô nico e o feminino/ passivo.
É um paradoxo, mas é possíve l afir mar qu e é o pat r iarcado subsist indo
na sociedade for malment e igualit ár ia. O que represent a dizer que mesmo no
bo jo das lut as das feminist as pela aut ono mia individual das mulheres e
considerando os ganhos reais por elas obt idos nos per íodos revo lucio nár io s da
hist ór ia do ocident e, mas o pat r iarcado vem se recr iando a part ir das
condições econô micas e po lít icas vigent es em cada co nt ext o, cuja ação
fort alece a organização social necessár ia à manut enção do sist ema. É u m
processo de ret roaliment ação ent re a ideologia pat r iarca l e as inst âncias de
poder que compõem e mant êm o sist ema polít ico, econô mico e social.
Seja qual for a definição ou o conceit o ut ilizado para co mpreender o
pat riarcado, seja qual for a for ma e o cont ext o em que ele at uou ou at ua,
sejam as maneira s pe las qua is se reest rut urou para aco mpanhar o
desenvo lviment o dos sist emas po lít ico, econô mico e social, o pat r iarcado t em
a ver, diret ament e, co m o poder, a autoridade e o cont ro le dos ho mens so bre

73
Da hl er up (1987) a fir m a que a esfer a públ i ca es t a va r egi da por h om en s e que est e s n ã o
est a va m a usen t es da e s fer a da fa m í l i a, ma s a t uava m n a s dua s esfer a s, en quant o a m ulh er
só t er i a um a esfer a de a t ua çã o. E st a a ut or a ta m bém fa z um a di scussã o d o qu e ser i a
pr i va do, dos vá r i os si gn i fi ca dos qu e r eún e est e t er m o e da i m pr eci sã o d os l i m i t es en t r e a s
dua s es fer a s.
167

as mulheres (DAHLERUP, 1987, p. 119) . Mas, um cont role que não é


expressivo apenas do corpo da mulher, da mulher enquant o o “out ro” apenas,
mas co mo o “out ro” ou a out ra part e da humanidade que ameaça t omar o
poder inclusive o poder que regula as relações de produção. E como propõe
Scott (1991), com efeit o, re lações de poder expr imem- se pr imordia lment e
at ravés das relações de gênero.
Não há dúvida do alcance do pat r iarcado, mas co mo ele não se
configura enquant o algo, coisa ou uma inst it uição , mas sendo percebido
enquant o impregnado nas relações sociais, alg umas est udiosas t rat am- no
co mo present es nas relações sociais e prát icas sociais e por isso prefere m
co mpreendê- lo e deno minar est a sit uação co mo relações sociais pat r iarcais. O
que é preciso obser var são as nuances de sua at uação nos devidos t empo e
espaço, pois, apesar do pat riarcado ut ilizar esses inst rument os ao lo ngo da
hist ór ia e at é nossos dias, as cir cunst âncias mudaram, os cont ext os po lít icos,
econô micos e sociais mudaram e det er minaram out ras post uras, além das lut as
e resist ências das feminist as a t odo t ipo de opressão, exploração e
discr iminação às mulher es.
No cont ext o das sociedades capit alist as, por exemp lo, o cont role dos
ho mens so bre as mulheres não é o mesmo , ele não se dá t ão dir et ament e ent re
um ho mem e uma mu lher, mas encont ra -se present e em t odas as est rut uras da
sociedade, impregnado e int rojet ado nas/pelas pessoas, present es nas
inst it uições, diluído nas ações e co mport ament os co let ivos. Ident ificando essa
concepção na análise “socialist a - feminist a”, Dahlerup (1987), 74 salient a:

(. . . ) el m er ca do l a bor a l que est á s egr ega do en fun ci ón del s ex o; el


dobl e p e so de t r a ba j o d e l a s m uj er es, el cua l en su m a yor pa rt e n o
es a sa l a ri a do; l a s m ujer es c om o un a fuer z a la bor a l de r eser va ; l a
di fer en ci a sa l a r ia l en tr e l os h om br es y l a s m uj er es; el e fe c t o del
pr oce s o de s oci a l i z a ci ón sobr e l a s n inã s y l a s m ujer es; l a r el a ti va
fa l t a de pod er de l a s m ujer es de l a pol í t i ca tr a di ci on al , et c.
(DA HLE RUP, 1987, pp. 120 -121).

Co m base nest a análise da const it uição das relações sociais pat r iarcais,
Palmero (2004) sugere que a t arefa é r efazer a hist ór ia e desacredit ar no

74
Dr ud Da h l er up i den t i fi ca um pa tr i ar ca do pe ss oa l e um pa t r i ar ca do est r ut ur al ; t am bém
i den t i fi ca na s soci eda de s oci d en t a i s vá r i os t i pos de opr es sã o: p ess oa l e i m pe ss oa l , vi sí vel
e i n vi sí vel , fí si ca / m a t er ia l e psi col ógi ca , l egí t i ma e i l egí t im a . (198 7, pp. 122 -123).
168

relat o pat riarcal que t em dificult ado a incorporação das mulheres ao espaço
público e, co nseqüent ement e, a ausência de mo delo s fe minino s co mo
prot agonist as nesse espaço, excet o os casos que f ogem à regr a. Mas, a
desco nst rução do pat riarcado passa pela desconst rução cult ural dos
est ereót ipos de gênero – a sua análise a part ir do pont o de vist a feminist a
const it ui uma denúncia e uma reflexão da sit uação at ual das mulher es, co m o
objet ivo de conduzi- las, cada vez ma is, à quebra do “co nt rato sexual” e de sua
sujeição, est a que t em dado suport e à sua dupla explor ação.
É preciso (re) vis it ar o passado, vasculhar as memór ias e co nfro nt ar -se
co m as sit uações concr et as em que viviam as mulheres para ent e nder a lóg ica
da opressão em cada cont ext o e em cada sit uação especificament e. Da mesma
for ma que, par a ent ender a exploração, bem co mo, as lut as e resist ências das
fumageiras no cenár io fabr il da indúst r ia do fumo, faz -se necessár io conhecer
as suas hist ó rias, suas exper iências co mo trabalhadoras e a est rut ura
organizacio nal em que est avam inser idas, para ent ão, compreender a dimensão
de cada at o, de cada gest o, de cada comport ament o naquele campo de forças.

4.2 ORGANIZAR PARA IMOBILIZAR

O trabalho produtivo realizado pelas mulheres fumageiras do Recôncavo


Baiano circunscreveu-se a dois espaços distintos – a casa e a fábrica 75. O primeiro
caracteriza-se como um espaço privado, de constituição da família 76, lugar de
disciplina, de produção e reprodução do s gêneros, em correspondência com as
demandas morais, religiosas, culturais e sociais, em seus diversos contextos. Lugar
adequado à exploração e, de forma inseparável, à opressão, seja na produção ou na

75
Nest e ca s o, a “fá br i ca ” r epr esen t a t odos os est a bel e ci m en t os fa br i s (a rm a z én s de fum o e
fá br i ca s de ch ar ut os e ci ga rr i lh a s) da in dú st ri a fum a gei ra do Re c ôn ca vo ba i a n o.
76
Apesa r de t er pr edom i n a do n a l i t era t ur a e n o i m a gin ári o s oci a l d o Re c ôn ca vo Ba i a n o o
m odel o d e fa m í l i a n ucl ear , ma s, n a prá t i ca ess e m od el o r esum i u -se, a pen a s, à pequen a
el i t e e c on ôm i ca . Nos m ei os p opul a r es , a fa m í l i a con st i t uí a -se de m a n eir a m a i s
c on t in gen t e, con t udo, os va l or es s oci a i s e m or a i s t a m bém a fet a va m ess e gr upo. E m r el a çã o
à n oçã o d o e spa ç o da ca sa c om o pr i va do, n ã o se t r a t a de uma n oçã o de l uga r fe ch a do,
i na cessí vel e sem r el a çã o c om o m un do ext er i or, a o c on t rá ri o, t ra t a va -se, t a m bém , de um
espa ç o d e pr oduçã o, on de a l inha que o sepa r a va da r ua er a m uit o t ên ue.
169

reprodução. 77 Os valores produzidos e reproduzidos neste espaço refletem,


diretamente, nos demais ambientes e nas relações de trabalho. O segundo, a fábrica,
caracteriza-se como espaço externo, disciplinado e de disciplinamento, onde o
controle e a vigilância dos sujeitos, no caso as trabalhadoras, não advêm ou servem
a uma tradição, mas a um sistema de produção que tem como objetivo principal
produzir em larga escala para obter lucros imediatos e cada vez maiores, o que faz
extraindo do/da trabalhador(a) todo o seu tempo e a sua força laboral.
A casa e a fábr ica, espaços onde se desenrolaram as atividades fumageira de
beneficiamento, preparação dos fumos e fabricação de charutos e cigarrilhas, se
constituíram e se caracterizaram a partir das relações de trabalho, como também das
relações sociais mais gerais entre os sujeitos envolvidos, direta e indiretamente, no
cenário econômico e social da região do Recôncavo. Em casa, tanto a atividade
doméstica como o trabalho com o fumo diretamente, eram realizados sob o
comando das mulheres, mas, envolvia, exceto os home ns, todos os membros da
família, inclusive as crianças. 78 Nas fábricas, patrões, gerentes, mestres, operários e
operárias, ocupavam a cadeia hierárquica das posições de poder e das funções para
a realização do trabalho fabril.
Eram espaços separados fisicamente e distintos em sua função primeira, mas
faziam-se unidos pela rede de relações tecida pela população fumageira, esta que
transitava entre os espaços (re)inventando os seus modos de vida, ao mesmo tempo
em que forjava todas as possibilidades de resistê ncia à exploração e à dominação 79
impostas pelo trabalho nos seus respectivos lugares.

77
Segundo Engels (1987), a primeira opressão de classe coincide com a primeira opressão do sexo
feminino pelo masculino. (E NGE LS, 1987 , p. 70). Segun do a l gum a s a n á l i ses a fa m í l i a
c on t in ua sen do a m a tr i z expl i ca t i va do c om p or t am en t o da s oper á r ia s n o t r a ba lh o, ou s eja ,
a subor di n a çã o da s m ulh er es n a fa m í li a cor r espon der i a sua subor di na çã o n os espa ç os
for m a i s de tr a ba lh o. E m bor a , se con c or de em pa r t e com essa m á xi m a , ma s, por out r o l a do,
é pr eci s o en t en der que a s pr át i ca s soci a i s n ã o e st ã o cr i st a l i z a da s n o t em po, s en do a pen a s
r epet i da s m eca n i ca m ent e, vi st o qu e a s r el a ç õe s s oci a i s sã o r e ve st i da s de a n t a gon i sm o e de
l ut a pel o poder , sen do, por t an t o, dinâ m i ca s. Qua nt o à s r el a ções s oci a i s, Ker goa t a fi rm a
que “t r a t a -se, efet i va m en t e, de um a c on tr a di çã o vi va , per pet ua m en t e em vi a s de
m odi fi ca çã o, de r ecr i a çã o” . (KE RGOAT , 1986, p. 82).
78
A an ál i se do t r a ba lh o da s fum a gei r a s n o pr ópr i o dom i cí l i o en c on tr a -se m a i s à fr ent e.
79
Nã o se t r a t a a qui de um a dom i na çã o n o s en t i do ger a l ou gl oba l , m a s, de um a dom i n a çã o
esp ecí fi ca da s r el a ções d e t r a ba lh o n o c on t ext o da i n dúst ri a fum a gei ra do Re c ôn ca vo,
c on si der an do a s que st õe s d e cl a sse, m a s, s obr et udo a s que st õe s d e g ên er o ; c om o t a m bém ,
n ã o se t r a t a de um a dom i n a çã o r í gi da de um gr upo s obr e o out r o, um a vez qu e, c on si der a -
se a dom i n a çã o em quest ã o c om o um a da s m últ i pl a s for m a s de dom i n a çã o exer ci da s n a
soci eda d e, poi s, s egun do F ouca ul t (1979), el a nã o oc or r e, a pen a s, de ci m a p ara ba i xo n a
es ca l a soci a l , ma s na s “m úl t i pla s sujei ç õe s que exi st em e fun ci on a m n o in t eri or do c or po
soci a l ” . (FOUCA ULT , p. 181).
170

É na estrutura organizacional dos estabelecimentos fabris da indústria


fumageira, que se observa uma das mais fortes evidências das estratégias
ideológicas de dominação a serviço da exploração das trabalhadoras do fumo. Esta
estrutura reproduzia e materializava a ideologia patriarcal desde a distribuição dos
espaços, das instalações e dos objetos à hierarquização das funções e das pessoas.
Apesar da relevância em se observar, em primeira mão, a exploração que
imperava nos ambientes fabris, independentemente do sexo, são as relações sociais
patriarcais, baseadas nas desigualdades de gênero, que lançaram as bases e geraram
as condições para que a exploração pudesse ocorrer a contento do sistema
econômico, considerando que capitalismo e patriarcado se produzem e reproduzem
mutuamente. 80 (COMBES E HAI CAULT, 1986, p. 28). Desta forma, as mulheres
e, no caso as fumageiras, encontravam-se duplamente em desvantagem – oprimidas
e exploradas. Por mais importante que fosse a sua posição na hierarquia de poder,
por mais necessária que fosse a sua função para a indústria fumageira, a mulher
continuava sendo um ser inferior diante dos homens, mesmo daqueles que
ocupavam funções menos importantes que a sua.
A organização dos espaços fabris na região fumageira atendeu á lógica
capitalista da divisão social e sexual do trabalho. No entanto, foi o caráter da
suposta naturalização da divisão das tarefas entre homens e mulheres que
caracterizou, em grande medida, a atividade fumageira dentro e fora das fábricas. O
gênero demarcava os espaços físicos e as relações entre os/as trabalhadores(as) e
entre estes/estas e os superiores hierárquicos.
O que explica a adoção do método “natural” de divisã o sexual do trabalho na
indústria do fumo do Recôncavo? Era a adoção ingênua e gratuita das formas de
organização da própria sociedade, naquele momento? A incorporação da dinâmica
das relações sociais patriarcais, que predominava na região do Recôncavo, pe los
empresários do fumo, culminava com seus interesses mais amplos. Era cômodo, ou
seja, não necessitava romper com a cultura local, não criava nenhum tipo de
desagrado àquela sociedade, ao contrário, a organização fabril reforçava e
reproduzia os valores da cultura patriarcal que determinava lugares para homens e

80
Não se trata aqui de desenvolver um pensamento estruturado sobre a articulação das relações entre patriarcado
e capitalismo.
171

mulheres na hierarquia social 81. Outro aspecto e, talvez, o mais importante é que o
modelo patriarcal servia, fielmente, ao sistema econômico vigente. A forma como
os estabelecimentos fabris estava organizada, revelava um propósito. A distribuição
dos/das trabalhadores(as) nos espaços e nas funções era, ideologicamente, projetada
no sentido de manter o controle dos grupos, poder adotar diferentes instrumentos de
disciplina e, principalmente, evitar qualquer possibilidade de articulação e de
mobilização de ações políticas pelos/pelas trabalhadores(as).
As fábr icas de charut os e cigarr ilhas eram co mpost as por diver sas
repart ições, var iando muit o pouco de uma para out ra fábr ica quando se t rat ava
do mesmo port e empresar ia l. As gr andes fábr icas co mpunham-se de recepção,
escr it ór ios, co fre (est e últ imo era u ma pequena salet a co m paredes e port a
adequadas), almo xar ifados, elevador de carga co nfor me o port e da fábr ica e
est rut ura do prédio, ambulat ório, sanit ár ios, refeit ór io, oficina mecânica,
depósit os, caldeiras, câmaras de fumo e de charut os, carpint ar ia, salões de
beneficia ment o de fumo onde se concent rava grande part e do pessoal nas
vár ias et apas do preparo do fumo, salão de anela ment o, salão de
encaixa ment o, bancas de ca pas e a charut ar ia. (FALEIRO, B. ;
CORRESPONDÊNCI AS INTERNAS DA DANNEMANN, 1920 – 1952).
Salvo as áreas e repart ições co muns, as demais eram divididas ent re os
dois sexos, ou seja, havia repart ições masculinas e repart ições femininas. Os
ho mens ocupavam as áreas administ rat ivas, a ár ea de ser viço s pesados e
ser viços ger ais. As mulheres ocupavam, apenas, as repart ições de t rabalho
ligadas diret ament e ao benefic iament o dos fumo s, confecção e embalagem dos
charut os e cigarrulhas. Todas as áreas e repart ições e r am, est rat egicament e,
projet adas para at ender, além das necessidades da cadeia de produção, a
lo calização dos indivíduos confor me o gênero e a posição na escala do
poder. 82 Assim, as mu lheres fumageiras fo ram dist r ibuídas, em suas diversas
funções, no cent ro da fábr ica – o nde se lo calizava m os salõ es de

81
Contudo, em nível de análise não se teve a intenção de hierarquizar as categorias de gênero, classe e raça, nem
mesmo isolar como estruturas separadas, já que elas se fazem no processo histórico, apenas, são separadas,
didaticamente, para organizar a discussão.
82
A divisão dos espaços na fábrica obedece ao método de racionalização da produção, para garantir a
produtividade em menos tempo possível, evitando gastos e comportamentos supérfluos, conforme os princípios
taylorista de organização do trabalho. Contudo, a subordinação de gênero manifestada na divisão sexual do
trabalho, foi uma base aliada à exploração das mulheres e, neste caso, expressamente às fumageiras.
172

beneficia ment o dos fumo s, de encaixa mento e anela ment o dos charut os – e na
part e da fr ent e, onde se localizava a charut aria. (SILVA, 2001).
A seção de charut ar ia, um espaço predominant ement e co mpost o por
mulheres, ficava sempr e no salão da frent e onde eram d ist r ibuídas as bancas
em file ir as duplas, dispondo as mulheres sent adas em t amboret es, uma ao lado
da out ra em cada fileira de bancas. As bancas eram divididas, em média, e m
dez lugares cada uma, separadas por t ábuas lat erais que o fereciam a cada
charut eira um espaço individualizado, onde arrumavam seus inst rument os e
mat er iais de t rabalho. Co mo se obser va na pr ime ira fot ografia a seguir, a
dist r ibuição das bancas da charut ar ia não favorecia co m facilidade a
co municação e a art iculação hor izont ais, ou seja, da charut eir a co m a sua
viz inha da frent e, po is, ou as bancas se lo calizavam dist ant e uma da out ra ou,
quando junt as, separavam- se por uma co luna mais alt a que o last ro da banca,
uma espécie de cabeceira. MELO, 1996; CORRESPONDÊNCI AS INTERNAS
DA DANNE MANN, 1920 – 1952).
Ora, se as charut eir as sent assem- se uma frent e à out ra sem qua lquer
obst áculo, possibilit ar ia não apenas a conversa ent re elas, mas a possibilidade
de parar o t rabalho enquant o se o lhassem para est abelecer uma co municação
mais dir et a, o que era mais difícil ocorrer co m as co legas de suas lat erais. A
conver sa e “o lho no o lho” enquant o t rabalhavam, poder ia ser int erpr et ado
pelos pat rões, at ravés dos mest res, co mo um “co mport ament o supér fluo” que
tomar ia t empo e prejudicar ia a produção, bem co mo, uma senda para as
est rat égias de resist ências sut is.
As fot ografias, a seguir, revelam que os assent os eram desconfort áveis
e sem recost o; a dist ância ent re as t rabalhadoras er a mínima, dificult ando a
lo co moção e at é o mo viment o dos braços enquant o cort avam a fo lha de fumo
e enro lava m os charut os. A arrumação da charut ar ia ia alé m da eco no mia de
espaços, favorecia, t ambém, aos mecanis mo s de discip lina e cont role usados
pelos mest res de seção, dent re out ras peculiar idades da organização fabr il.
173

FIGURA 29 - Seção de charutaria de uma fábrica de charutos do Recôncavo

FONTE: Arquivo Público do Estado da Bahia. Secretaria da Agricultura.


Série: fotografia sobre a cultura fumageira. S/d cx. 2378, março
149, doc. 557.

FIGURA 30 - Seção de caixa de uma fábrica de charutos do Recôncavo


174

FONTE: Arquivo Público do Estado da Bahia. Secretaria da Agricultura. Série:


fotografia sobre a cultura fumageira. S/d cx. 2378, março 149, doc. 557.
Nesta segunda fotografia, a seção de embalagem dos charutos seguia a
mesma organização e controle da charutaria. Neste espaço, a imagem favoreceu a
identificação de dois homens entre as mulheres, um fazendo a reposição de caixas
de charutos e o outro, mais atrás, de pé confirmando que havia ali a presença do
chefe de seção ou mestre, aquele que além de coordenar o trabalho, fiscalizava,
controlava e punia, se preciso fosse.
Nestes espaços ou seções de trabalho, tanto o gênero quanto o poder
interferiam diretamente na realidade mais concreta das trabalhadoras fumageiras –
seu corpo -, desde as vestimentas que lhes aprisionavam num corpo de mulher, até
as posturas que deveriam manter durante o período de trabalho. Seus corpos
estavam disciplinados para além da sexualidade, a sua distribuição no espaço fabril
anunciava a ordem e a disciplina a que as fumageiras estavam submetidas ; eram
corpos marcados e arruinados pela história. (FOUCAULT, 1979, p.22).
Era, enfim, a presença de um “poder disciplinar”, 83 específico daquele
contexto, que tinha como objetivo produzir as trabalhadoras necessárias àquele tipo
de indústria, tornando seus corpos força de trabalho, a partir de um sistema político
de dominação de gênero e classe. Pois, assim afirma Foucault:

A disciplina é o conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder


vão ter por alvo e resultados os indivíduos em sua singularidade. (...) é a
vigilância permanente, classificatória, que permite distribuir os

83
A análise do processo de disciplinamento das trabalhadoras fumageiras no espaço fabri l ou do
esquadrinhamento e organização do espaço como mecanismo de disciplinamento, não tem como
objetivo caracterizar o trabalho das fábricas de charutos como um “trabalho disciplinar”, mas em
identificar a disciplina como um dos principais instrumentos d e controle das trabalhadoras no
processo do “trabalho produtivo”, com vistas a garantir, ao máximo, a extração de sua capacidade
laboral, o melhor uso do tempo e atingir o nível mais elevado de produção, uma vez que, segundo
Foucault (1979), “as técnicas d e poder foram inventadas para responder às exigências da
produção. Falo da produção em sentido amplo”. Ainda, ao destacar a função tripla do trabalho:
produtiva, simbólica ou de adestramento ou disciplinar, este autor afirma que “o mais freqüente é
que os três componentes coabitem” nas categorias que se ocupa. (FOUCAULT, 1979, p. 223 -
224).
175

indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los e, por conseguinte, utilizá-


los ao máximo. (FOUCAULT, 1979, p.107).

A organização do espaço fabril da indústria fumageira era, portanto, um dos


principais meios de disciplinamento das trabalhadoras, além do controle do tempo
que as submetiam aos rigores do cumprimento da produção, considerando ainda a
exigência da qualidade. Por outro lado, essas ações jamais se concretizariam
espontaneamente ou através de meras ordens dos superiores hierárquicos das
trabalhadoras, foi preciso recorrer à implementação do mais antigo instrumento de
controle: a vigilância constante dos mestres, uma das “células periféricas do poder”
nas fábricas.
Os mestres, auxiliados pelos contramestres e passadores de charutos,
destinavam-se ao trabalho de observar, fiscalizar e controlar todo o processo de
trabalho da confecção dos charutos; de fazer as anotações e encaminhá -las aos
devidos setores; e de disciplinar as trabalhadoras. Segund o Foucault (1979), são nas
corporações de ofícios do século XVII que surgiram os personagens do mestre e
contramestre, este último destinado “não só a observar se o trabalho foi feito, como
pode ser feito rapidamente e com gestos melhor adaptados”, uma vez que “as
técnicas de poder foram inventadas para responder às exigências da produção” no
sentido amplo. (FOUCAULT, 1979, p.106 e p.223).
A necessidade dessas funções era reveladora da trama política que envolvia
os sujeitos no espaço fabril, pois, freqüentemente, registravam-se casos de erros
propositais na produção, desobediência e reincidência em práticas proibidas pelo
regulamento das fábricas, gerando um repertório de punições, desde a advertência
verbal e escrita, a suspensão até a demissão.
Os métodos de disciplina implantados nas fábricas controlavam não apenas a
produção, mas a qualidade dos produtos, desde a seleção dos tipos de fumo, o
tratamento dado a cada folha do tabaco à confecção e embalagem dos charutos.
Contudo, “o controle não atingia o próprio gesto”, não atingia o ritmo dos
movimentos dos braços e mãos no vai e vem do abrir e enrolar os fumos até obter o
produto final.
Para realizar a produção, as fábricas dependiam de cada charuteira, do seu
talento e a habilidade de suas mãos que, com arte e ciência fazia e refazia os
detalhes, buscando a perfeição em cada segundo para então surgir o charuto como
176

uma peça de arte das mãos da artista, pois, enquanto confeccionavam os charutos e
cigarrilhas, as mãos das charuteiras sobre a matéria -prima formavam uma simbiose
a galgar a perfeição estética e o bom paladar deste produto que alimentava o gosto
e a preferência dos seus adeptos. A qualidade do fumo e da mão de obra
determinava o resultado final da produção, ou seja, a qualidade e a quantidade da
produção. Preparar os fumos e confeccionar os charutos constituía m o campo de
saber das fumageiras que, ao estabelecer relações com outros campos de saber
existentes no espaço fabril, determinava m uma prática social de poder específica.
Apesar da fiscalização e disciplina impostas pelos fabricantes resultando,
diretamente, no controle dos corpos das fumageiras, elas detinham todo o saber da
preparação dos fumos e da confecção dos charutos, acumulando, portanto, uma
gama de poder e de controle, também, sobre a produção. Embora a indústria
fumageira, naquele momento, já tenha introduzido a separação entre trabalho
manual e trabalho intelectual no processo de industrialização do fumo, mas grande
parte do saber sobre as tarefas específicas de tratamento dos fumos e fabricação de
charutos e cigarrilhas, ainda, eram dominadas pelos(as) trabalhadores(as). É neste
sentido que se concorda com Foucault (1979), quando ele afirma que “o saber
acarreta efeitos de poder”, pois o saber das mulheres fumageiras represen tava uma
força poderosa temida pelos empresários, o que permitia a constituição de novas
relações no campo do poder no universo fabril regional.
As relações de trabalho são uma forma particular das relações sociais e, por
isso, não se constituem apenas das questões de classe dissociadas das demais, ao
contrário, é, exatamente, aí que residem as questões de raça, gênero e geração e,
portanto, são relações perpassadas e cingidas de poder e pelo poder. As intrincadas
relações tecidas pelos sujeitos no âmbito do trabalho, independente do tipo de
atividade exercida ou da posição que cada um ocupa na hierarquia do poder, são, na
maioria das vezes, tensas, conflituosas e carregadas de desconfiança. O fato de que
nem sempre são vistas e interpretadas desta forma, d eve-se à maneira como são
constituídas, conforme o contexto e as situações em que cada indivíduo ou grupo
encontra-se inserido, onde as disputas, as lutas e a negociação entre o superior e o
subalterno, bem como entre os subalternos, podem ocorrer tanto de forma aberta e
direta, como fechada e sutil, amistosa ou não.
O campo de forças se estabelece a partir de uma rede de relações e, não
apenas a partir de dois pólos isolados, sendo um positivo e outro negativo, um ativo
177

e o outro passivo. Como, também, não se pode compreender um campo de forças,


em se tratando das relações dos sujeitos em seus espaços de trabalho, apenas, pelo
viés do conflito aberto e das lutas organizadas, mas é preciso perceber todas as
formas de luta que se estabelecem entre os indivíd uos nesse espaço
especificamente, mesmo porque não cabe mais a compreensão de que há, de um
lado, aquele/aquela que manda, que detém o poder e, portanto, é o/a que explora e,
de outro lado, aquele/aquela que apenas obedece e sofre passivamente a ação
daquele/daquela que manda e, portanto, não detém poder algum e é de todo
explorado(a). Segundo Foucault (1979) e Saffioti (1992), respectivamente:

Onde há poder ele se exerce, ninguém é seu titular, no entanto ele se


exerce em determinada direção, com uns de um lado e outros de outro;
não se sabe ao certo quem o detém; mas se sabe quem não o possui.
(FOUCAULT, 1978, p. 75).

A relação de dominação-exploração não presume o total esmagamento da


personagem que figura no pólo de dominada -explorada. Ao contrário,
integra esta relação de maneira constitutiva a necessidade de preservação
da figura subalterna. Sua subalternidade, contudo, não significa ausência
absoluta de poder. Com efeito, nos dois pólos da relação existe poder,
ainda que em doses tremendamente desiguais. (SAFFIOTI, 1992, p. 184).

É a partir dessa compreensão e contexto que deverá se desenvolver a análise


direta da resist ência invent iva das mulher es fumageir as do Recôncavo Baiano ,
especificamente, na primeira metade do século XX, considerando as relações de
poder que, historicamente, entrelaçavam as ações dos sujeitos e que permeavam
outras relações, como às de gênero, raça e classe.

4.3 CAMPO DE FORÇAS

Ao longo dessa reflexão cabe deslindar algumas questões sobre o


entendimento e as respostas das trabalhadoras à exploração e opressão nos espaços
de trabalho. Teriam elas consciência de sua situação quanto à exploração e a
subalternidade nos ambientes fabris? Exprimiam algum tipo de conflito e de
desobediência, aberta ou sutil, nos espaços de trabalho? As respostas, certamente,
não se enquadram nos moldes das tradicionais análises sobre o processo de
resistência do operariado clássico, àquele que, em sua maioria, era formado por
178

homens. A tentativa das respostas seguirá o curso da leitura das ações e reações das
mulheres fumageiras em relação às situações impostas no/durante o trabalho.
Nesta análise, consideram-se ações todo tipo de imposição, norma e
disciplinamento praticado pelas empresas fumageiras em relação às mulheres
trabalhadoras, e ainda, toda forma de controle, seja nos espaços, seja no uso do
tempo ou de seus corpos, com o objetivo de extrair o máximo de sua força laboral,
em favor da produção diária determinada para cada uma das trabalhadoras. Mas, é
possível perceber que estas ações extrapolavam os objetivos da exploração da força
de trabalho, elas também se inscreviam no campo das relações de gênero, pois, não
bastava o cumprimento dos horários e da produção determinada, que faziam parte
do padrão de normas de qualquer trabalhador/trabalhadora industrial, era preciso
manter as mulheres trabalhadoras sob um rigoroso controle interno – não circular
nos demais espaço da fábrica a qualquer momento e sem autorização, não falar
muito, não conversar umas com as outras, não se levantar das banc as de trabalho,
exceto nos momentos predeterminados, e outras situações que as colocavam sob um
rígido controle de seus corpos, pois eram consideradas frívolas e arredias.
Por outro lado, o descumprimento ou desobediência, sutil ou aberta, a esse
conjunto de imposições; as estratégias que essas mulheres adotavam para burlar o
rigor do controle, assim como as sabotagens, a sedução, o “corpo mole” ou “cera” 84,
a ajuda mútua e, até mesmo, o enfrentamento direto configuravam o conjunto das
reações por parte das trabalhadoras. Ao analisar o “Soldado do Trabalho”, Rago e
Moreira (2003), escreveram que “mais do que nunca, absenteísmo, sabotagem,
“cera’, rebaixamento da qualidade do produto são métodos de resistência utilizados
pelos trabalhadores [...]”. (RAGO; MORE IRA, 2003, p. 38).
Percebeu-se nas falas das fumageiras e nos documentos consultados, que não
havia um poder central, macro agindo sozinho de cima para baixo, como uma
espécie de “instituição” de propriedade unicamente da empresa e que as
trabalhadoras est ivessem destituídas de qualquer poder. Ao contrário, ao analisar as
ações e reações no âmbito da indústria fumageira do Recôncavo Baiano percebe -se
que havia ali o exercício do poder por todos os indivíduos envolvidos no processo
de beneficiamento e fabricação de charutos e cigarrilhas e no conjunto das relações

84
O a t o d o c or po m ol e p od e s er c om pr een di do a pa rt ir da con cep çã o t a yl or i st a , sen do
a qui l o que qua l i fi ca c om o “i n dol ên ci a si st em á t i c a ” do t r a ba l h a dor, que, pr op osi t a da m en t e,
pr oduz m en os do qu e pod er i a . (RAGO ; MO RE I RA, 2003, p. 16).
179

de trabalho, não havendo, portanto, um poder localizado em um único ponto


específico da hierarquia empresarial.
Se havia uma situação central do poder, havia uma situação periférica ; se
havia um nível macro do poder, havia um nível micro do exercício do poder. O
poder não se configurava como uma coisa estática, mas como uma força que movia
o sistema de engrenagem da indústria fumageira, ou seja, as relações de trabalho e
as relações de gênero ali imbricadas.
Toma-se emprestada a concepção de poder de Michel Foucault, expressa na
obra a Microfísica do Poder (1979), onde surpreende por desvincular o poder do
aparelho estatal, destacando uma rede de poderes moleculares e periféricos que atua
em toda a sociedade. O poder, segundo este autor, não é apenas repressivo, mas
disciplinar, é, também, produto de um saber e é por este intensificado. Desta forma,
Foucault revela que nem o poder é global, nem o saber é unilateral, pois, “onde há
poder e saber há resistência”. Mesmo se tratando de espaços, tempo e situações
distintas, a análise de Foucault sobre o poder é perfeitamente conciliável às
questões concernentes ao contexto industrial da região fumageira, pois, trata -se da
análise do poder que circula entre os indivíduos em nível local e fora do âmbito
estatal. É um novo tipo de poder que, conforme este autor:

Não pode mais ser transcrito nos termos da soberania, é uma das grandes
invenções da sociedade burguesa. Ele foi um instrumento fundamental
para a constituição do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que
lhe é correspondente; este poder não soberano, alheio à forma da
soberania, é o poder disciplinar. (FOUCAULT, 1979, p. 188).

Nesta perspectiva, observa-se que a hierarquia da fábrica determinava uma


distribuição formal de poder através dos cargos, configurando uma rede de poderes
que iniciava com os proprietários/sócios, passando pelo gerente, em seguida os
mestres de secção e, por fim, os passadores de charutos, permitindo a formação das
“células periféricas”, para controlar e vigiar os/as trabalhadores(as) . Essa
organização do poder pretendia que os demais trabalhadores do fumo , e dentre eles
as mulheres fumageiras, apenas se submetessem às ordens impostas pela hierarquia
da fábrica e produzissem o máximo possível. Em cada repartição de uma fábrica de
charutos, por exemplo, havia um mestre que, além de dirigir e fiscalizar todo o
processo de trabalho que lhe foi confiado neste cargo, representava junto aos
trabalhadores a pessoa do gerente daquela unidade fabril, este último, por sua vez,
180

representava os sócios-proprietários da fábrica. No setor de charutaria da fábrica,


era comum haver o mestre e o segundo mestre ou contramestre e o passador de
charutos, função que também era executada pelos mestres quando necessário.
Apesar da aparente verticalização do exercício do poder que representava a
distribuição dos cargos e funções nos estabelecimentos fumageiros, mas na
dinâmica do cotidiano fabril ele funcionava em cadeia. Todos os sujeitos
envolvidos na hierarquia do poder, ora exerciam o poder, ora sofriam a sua ação,
nenhum deles detinham todo o poder, nem, tampouco, eram destituídos de todo o
poder, mesmo aqueles sujeitos que não receberam cargos de mando puderam
exercer, de alguma maneira, o poder, considerando as posições de classe e gênero.
O cargo de mestre era ocupado, na maioria das vezes, por homens, pois a
documentação pertencente às fábricas refere -se “aos mestres” e “passadores de
charutos”, no masculino mesmo, inclusive citando os seus respectivos nomes,
exceto D. Maria Matilde Moreira da Silva única mulher citada nesta ocupação.
(AMSF. CORRESPONDÊNCI AS INTERNAS DA DANNEMANN, 1920 –
1952). Sempre que as entrevistadas falavam de situações que envolviam a pessoa
que ocupava o cargo de mestre e seus auxiliares, se referiam a "ele". Dalva
Damiana, sem ser questionada sobre o assunto, falou espontaneamente como se este
dado, também marcasse o lugar da charuteira na fábrica:

Todos os mestres eram homens, agora Maria Matilde que era mestra da
cigarrilha, agora João Lobo, João Dantas, seu Francisquinho... tinha
mais, agora os outros eu não me lembro. Tinha o mestre da banca de
capa, tinha o mestre que tomava conta dos fumos, das torcidas que
botava pra secar (...). (SANT OS, Da l va Da m ian a dos).

O mestre de uma charutaria não se restringia, apenas, a distribuir material,


recolher e controlar a produção, mas à intensa vigilância das operárias, por ser o
representante da fábrica mais próximo das charuteiras, era, portanto, os olhos e
ouvidos dos patrões. Embora, os mestres estivessem, também, numa posição
subalterna em relação ao gerente e aos proprietários/sócios das fábricas, sua função
era vigiar e controlar a produção de charutos através do controle dos corpos das
mulheres, pois controlavam seu olhar, sua fala, seus movimentos e o
comportamento de cada uma. Era um mecanismo de poder que, conforme Foucault
(1979, p.187), era exercido continuamente através da vigilância com o objetivo de
extrair dos corpos tempo e trabalho, embora neste caso, e specificamente, o controle
181

extrapolava o nível da classe e, no mesmo processo, atingia outro nível – o de


gênero.
O instrumento de trabalho do mestre era o olhar penetrante e ameaçador, que
estava em toda parte até mesmo onde não havia sua presença física, pois era
introjetado pelas trabalhadoras, agindo como uma força invisível que invadia todos
os espaços à caça de situações que representassem o descumprimento das normas.
Em sua observação Foucault (1979) identifica que “não basta olhá -los
[indivíduos] às vezes ou ver se o que fizeram é conforme a regra. É preciso vigiá -
los durante todo o tempo da atividade e submetê-los a uma perpétua pirâmide de
olhares”. (FOUCAULT, 1979, p.106). Este poder, também era o resultado da
produção de um conjunto de saberes específicos da função – saber lidar com as
trabalhadoras, a capacidade de impor sua autoridade, acompanhar a “passagem” dos
charutos, anotar as produções de cada trabalhadora e encaminhar à gerência, bem
como, qualquer situação atípica que ocorresse naquele setor. Enfim, o controle da
produção e das operárias estava nas mãos dos mestres diretamente. Quanto a este
aspecto Foucault (1979), afirma que:

A disciplina implica um registro contínuo. Anotação do indivíduo e


transferência da informação de baixo para cima, de modo que, no cume
da pirâmide disciplinar, nenhum detalhe, acontecimento ou elemento
disciplinar escape a esse saber. (FOUCAULT, 1979, p. 106).

A fala de D. Laurentina expressa a sua impressão sobre o trabalho do mestre:

O trabalho do mestre era ali, era quando a gente chegava ele ficava ali
sempre olhando o que a gente tava fazendo e dizendo. Botava ali as
fôrmas de charutos que a gente tinha que fazer e de hora em hora ele
vinha assim nas bancas olhando o charuto, pegava assim pra v er se tava
certo, se tava bom, se não tivesse bom ele reclamava e dizia: "esse daqui
não tá selvindo" e, aí botava lá pro canto, era assim. Havia uma mestra
pra passar o charuto de novo, quer dizer que muitas perdia, era rifugo
aquele charuto que elas tirava, era rifugo, muitas perdia, agora eu,
Graças a Deus foi difice perder. (MELO, Laurentina Neves ).

Ao final do dia, quando cada trabalhadora prestava conta da sua tarefa, se


concluída ou não, os charutos eram entregues ao mestre da secção ou passador de
charutos que os conferia e passava numa bitola, fazendo uma revisão, onde
normalmente eram excluídos aqueles que não atendessem ao padrão daquele tipo de
182

charuto ou à qualidade exigida, descontando, pois, da tarefa daquela que, assim, os


fez. Segundo a charuteira:

A gen t e fa z i a o ch ar ut o, bot a va n a ca i xa e t inh a o pa ssa dor pra


pa ssa r o ch a r ut o, t odo di a t i nh a, ch a ma va Ven c esl a u o pa ssa d or de
ch ar ut o. (.. . ) Er a na or dem , quan do ch ega va n a ba n ca a ssi m , a s vez ,
ch a m a va a gen t e quan do o ch a r ut o da va de fei t o, o p a ssa d or
ch a m a va a gen t e pr a r ecl a m ar qual quer coi sa que des se. (NE RIS,
Cel i n a de Jesus, 1996).

D. Mar ia de Lourdes Dalt ro descr eve a sua exper iência co m a disciplina


e o poder dos mest res desde quando começou a t rabalhar na Suerdieck e m
Cachoeira, aproximadament e, no fina l da década de 1940:

T inh a Fern an do Guer r eir o, Fl a vi a n o, San t inho, ca da r epa r ti çã o


t inh a um m est r e par a fi sca l i z a r e c on t ar os c h ar ut os . Ma s qu em
fi s ca l i z a va m esm o s e ch a m a va Fer nan do Gu er r eir o. Agor a eu,
gr a ça s a Deus n ã o t enh o o qu e di z er de n enh um del es p or que s e el e s
r ecl a m a sse . . . Tinh a r ecl a m a çã o, suspen sã o, a m esm a coi sa qu e
c ol égi o, m a s eu n un ca fui susp en sa . A suspen sã o e r a se fi z e ss e
c oi sa s er r a da s, tr a ta sse el es m a l , r espon di a , fa z i a coi sa s er r a da s,
n ã o fa z i a o tr a ba lh o cer t o. (MA RIA DE LO URDE S M ORE I RA
DALT RO).

Anfilófio de Castro (1941) afirma que "são observados escrupulosamente os


princípios higiênicos; e a fiscalização não cede na exigência do apuro de todo o
trabalho, da 'molhação' do fumo até o arranjo das caixinhas". (CAS TRO, 1941,
p.108). Mas, o rigor da fiscalização também apresentava falhas relevantes, seja pela
possível fragilidade dos métodos utilizados pelos mestres, seja por sabotagem das
charuteiras ou pelos efeitos de possíveis subornos praticados pelos mestres ou pelos
passadores de charutos às charuteiras, pois, vários charutos com defeitos passavam
para a secção de embalagem e até chegavam ao mercado consumidor dando motivos
a reclamações constantes, como essas dentre várias que foram encontradas:

Houve, tambem, reclamações sobre o tamanho dos charutos e sua


grossura e já verificamos que a reclamação não procede, os charutos
estão com 98 mm, igual aos tipos Rafaela e Aymorés Fino e Mocca.
(AMSF. CORRE SP ONDÊ NCIA S INT E RNA S D A DANNE MAN N,
1920 – 1952, MAÇO 1952, 26/ 08/ 1952 ).

Espelho: Há reclamação sobre charutos com emendas grosseiras no


espelho, em Aymorés Finos e Coronel e recomendamos maior cuidado na
passagem. Os charutos com capa de Florida etc. são todos passados na
máquina de pó? Encontramos bastante caixas c om capas bem escuras e
183

pedimos verificar. (AMSF. CORRE S PONDÊ NCI AS INT E RNA S DA


DANNE MAN N, 1920 – 1952, MAÇO 1952, 26/ 08/ 1952 ).

Havia, portanto, muitos problemas relacionados à qualidade dos charutos,


considerando que se tratava de um trabalho manual, cujo controle de qualidade era
baseado no critério do "olho". O processo de fabricação e de fiscalização dos
charutos não obedecia a outros critérios objetivos além da bitola, dependia muito
mais da sensibilidade e da experiência dos/das profissionais, o que, de certa forma,
ocasionava falhas na produção, a exemplo dos charutos defeituosos que passavam
pela fiscalização e chegavam até o seu destino final.
Por outro lado, se considerar o grau das exigências , quanto ao controle e a
fiscalização em todo o processo de confecção dos charutos, torna-se adequado
afirmar que as falhas na passagem dos charutos – os casos em que charutos com
defeitos não eram abatidos da produção das charuteiras –, tratava-se, em grande
parte, de concessão de vantagens à algumas mulheres por parte dos mestres ou dos
passadores de charutos, pois a relação entre as pessoas que executavam tais
atividades – confeccionar, fiscalizar e conferir o produto – era de muita
proximidade, chegando a resultar, muitas vezes, em relações amorosas entre
charuteiras e o mestre, assim como com o passador de charutos. ( SCHINKE, Rose ;
CORREIO DA BAHI A, 2000, p.7). Uma outra possibilidade a ser considerada,
embora não tenha encontrado nenhum registro, é de ter havido, em parte,
solidar iedade dos ho mens e m r elaç ão às mulher es, co nfigurando uma
so lidar iedade de classe .
No entanto, a fiscalização da secção de charutaria ocorria num processo
contínuo e se estendia além da confecção dos próprios charutos, como já informou
D. Laurentina Neves Melo, que "o trabalho do mestre era ali, era quando a gente
chegava ele ficava ali sempre olhando o que a gente tava fazendo e dizendo(...)". E,
conforme D. Celina:

Era na ordem, quando chegava na banca, assim, as vez chamava a gente


quando o charuto dava defeito, o passador cham ava a gente pra reclamar
qualquer coisa que desse. Mas, ali a gente tinha que trabalhar na ordem
não tinha reclamação, todo mundo tinha que ficar direto constante ali até
a hora que sair, não era para ficar saindo, conversando, não podia, não
tinha esses direitos não. (NE RIS, Cel i n a de Jesus).
184

A disciplina, como sendo um conjunto de regulamentos destinados a manter


a ordem, destacava a obediência como instrumento de controle e que já se
constituía em um valor social e moral bastante defendido naquela époc a, pois
estava presente nos discursos e exigido rigorosamente na prática cotidiana,
principalmente nos lugares de trabalho, onde transformava -se em um forte
mecanismo de exploração. O jornal Correio de São Félix, era um dos meios de
veiculação desse e de outros valores, que tratava e difundia, de forma contundente,
a ideologia de manutenção da ordem pública e privada no conjunto da sociedade, a
partir de vários artigos que discutiam e reafirmavam os conceitos reguladores
dentro da disciplina e da moralidade. 85
Desta forma, a disciplina dos trabalhadores e, principalmente das mulheres
na indústria fumageira também passou a constituir -se numa função da fábrica e,
mesmo depois da legislação trabalhista que passaria a ser reordenada, de modo mais
amplo pelos mecanismos oficiais, continuou e, neste caso, as fábricas de fumos e
charutos passaram a regular os passos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Anexo
à ficha de uma charuteira admitida em 1962, o contrato de trabalho específico para
esta categoria, elaborado anteriormente a esta data, determinava que:

O regulamento da Fábrica, exibido em diversos pontos do


estabelecimento do empregador, passa a constituir parte integrante dêste
contrato, devendo ser estritamente observado, bem assim as ordens e
determinações dos superiores hierárquicos. (Con tra to D e T r a ba l h o n . º
3014, i t em IX d e 04/ 06/ 1962, FÁ BRICA S UE RDIE CK: Fi c has de
Re gi str o de Empr e gad os . Ma r a goji pe – Ba h i a ).

O processo de trabalho das fumageiras estava ligado à organização da família


como instituição, uma vez que era a família a expressão maior do sistema
patriarcal, a matriz explicativa do comportamento das mulheres no trabalho,
influenciando no comportamento social da região. ( PENA, 1980, p.21; COMBES e
HAICAULT, 1986, p.23-43; COSTA, 1998, p.21). Assim, as charuteiras levavam para o
trabalho as determinações sociais de seu sexo e viam na figura do mestre não
apenas uma chefia, mas a chefia masculina por excelência, aquele a quem deviam
obediência como se fosse o seu pai ou marido, como expressa Dalv a Damiana:

85
Textos publicados no Jornal Correio de São Félix por Pedro J. Dantas com títulos: Social, n.º 39, 25/01/1942;
A Família, n.º 67, 09/08/1942; A Desobediência, n.º 94, 14/02/1943. Em 23 de abril de 1944, em edição de n.º51,
este Jornal publicou os 10 mais importantes pontos de disciplina, exigidos pela Justiça do Trabalho.
185

Mas a gente tinha um respeito a ele igual um filho tem respeito pelo pai,
bastou dizer assim: evém seu Valdo! Ele era difícil dá um carão, mas só
no olhar dele de lá pra cá a gente já tava se tremendo, quer dizer que não
batia em ninguém, mas o respeito é tudo né? (SANT OS, Da l va
Da m i an a ).

Embora, fosse na sutileza dessa obediência que residia a sabedoria política


da charuteira, ou seja, obedecer não significava recuar, deixar -se dominar ou
acomodar-se, mas aprender a conviver habilmente com a " inevitável" dominação
daquela circunstância para atingir o seu objetivo que era manter -se no trabalho para
garantir a sobrevivência concreta e o reconhecimento social.
Mas, “onde há saber há poder e onde há poder há resistência”. O termo
“resistência” implica perguntar o quê ou a quem se resiste e, no caso específico das
mulheres fumageiras, esse questionamento “resistir a quê ou a quem” revela, de
certa forma, o caráter explorador e opressivo presente na relação entre o comando
da fábrica e as trabalhadoras. Contudo, mesmo considerando expressiva a
exploração sofrida pelas mulheres fumageiras, é a concreticidade da opressão nas
relações do cotidiano fabril que mais espoliava aquelas mulheres em sua vontade de
ser no mundo.
Recusar as ações que advinham daquele lugar e que lhes submetiam ao
controle, à disciplina e à sujeição não era tão simples, também não significava uma
resistência coletiva e organizada, a partir de uma consciência de gênero e/ou de
classe, contra um sistema de ideias sedimentado na cultura e arraigado em toda a
sociedade, mas, significava implementar estratégias, coletivas ou não, para driblar a
dominação que tentava, incessantemente, anular -lhes da condição de sujeitos de
suas ações. Era, de fato, uma luta sutil contra uma superexploração visível e
escancarada.
No fragmento da fala de D. Tereza Ramos, a seguir, observa-se, implícita, a
exploração do volume de trabalho, o baixo valor da produção, como também está
implícita, mas muito claro, a possibilidade de sabotagem do trabalho por ela s, as
trabalhadoras:

Ca n sei de tr a ba lh ar di a de dom in go, tr a ba lha r sá ba do. Qua n do


a con t eci a de sc er ca rr a da a ssi m de fum o e que ‘m or di a ’ pr a
dep osi t a r pra o e st r an gei r o, n ós t i nha de exa m i n ar o t r a ba lh o qu e
t inh a err o n a quel a em ba l a gem , n a quel a carr a da. ‘M or di a ’, a í bot a va
pr a gen t e r efa z er t udo de n ovo. Ag en t e já a dor a va . Qua l quer defei t o
186

n um fa r do da quel e que a br i sse pr a exa m in ar, que t inh a l á os h om en s


que exa m i na va m , que n ã o t a va bom , que n ã o t a va c om o el e s t a va
quer en do, a í ‘m or di a ’. Aí vol t a va e p edi a pr a gen t e i r e a gen t e
gost a va pr a in t ei rar o di nh eir o. Ah ! T inha di a que eu e Na di r , que
er a m ol e ca m esm o, di z i a : ‘Êt a m eu Deus! n em pr a m or der uma
ca rr a da, esse m ê s n ã o m or deu’. Ah ! Ah !. Pra ganh ar um dinh eir o a
m a i s por que a l í quan do pedi a pr a gent e i r t ra ba lh ar , a gen t e i a e
r ece bi a l og o. O di a de d om i n go er a um di a e pa ga va doi s, c on for m e
a pr eci sã o del es. Pr a in t ei rar pr a com pr ar o pã o n o di a de segun da -
fei r a ou out r a s coi sa s m a i s que o dinh ei r o n ã o deu pr a com pr ar n o
di a de sá ba do. A gen t e pi n t a va , m a s esc on di do del es. Quem t a va
doi d o d e fa z er n a vi st a del es ? Saí a, di z i a q ue t ava e r r ad o p or q ue
a ge nte q ue q ue r i a faz e r o tr abal ho e r r ado, i mbr ue tar a c ar r ada
de fumo. (RAM OS, 2007). ( G ri fo noss o).

Contudo, não se pode negar o fato de que essas mulheres , também,


incorporavam a opressão como natural, mas o que importa aqui é perceber como
elas resistiam aos seus efeitos. A exploração e a submissão das trabalhadoras, no
interior dos estabelecimentos fabris ocorriam, mas caminhavam, estrategicamente,
lado a lado com a resistência e, embora, as partes se apresentassem aparentemente
como sendo uma ativa e a outra passiva, ou seja, sem confronto aberto entre
mestres e fumageiras, mas num jogo político sutil se estabelecia uma relação que,
às vezes, se configurava como perigosa e, às vezes, como frouxa, identificando a
presença do exercício do poder por ambas as partes, pois “para resistir é preciso
que a resistência seja como o poder, tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto
ele que, como ele, venha de ‘baixo’ e se distribua estrategicamente”. (FOUCAULT,
1979, p. 241).
Se, por um lado, o poder exercido pelos homens se fazia legítimo, por outro,
a resistência exercida pelas mulheres se fazia perigosa, tal e qual o poder,
produzindo a necessidade do controle permanente. Os mestres precisavam sempre
se utilizar dos mecanismos coercitivos do poder que lhes eram conferidos como
homens e como chefes de seção - o olhar corretivo, punitivo, chamar a atenção ou
levar alguns casos à suspensão e até demissão quando ach avam necessário.
As mulheres fumageiras, por sua vez, recorriam às suas estratégias, como a
dissimulação e a astúcia, que traduzidas na política do "bom viver", ajudavam a
combater a dominação vinda de seus superiores. Desta forma, é que se concorda
com a concepção do termo "luta" na visão de Danièle Combes e Monique Haicault,
por estas entenderem que:

(...) toda prática que é contra (mas não necessariamente de forma


consciente) as formas de dominação que assumem uma ou outra
187

(freqüentemente uma e outra, para as mulheres) das relações sociais aqui


consideradas é tributária, a nosso juízo, da luta: absenteísmo, usos da
doença, do corpo, estratégia de frear as máquinas, indisciplina,
desperdício, solidariedade, são elementos da luta de classes. Da mesma
forma, toda prática - mesmo as não coletivas - das mulheres contra a
dominação patriarcal e as formas sutis de poder que ela reveste expressa
a luta dos sexos. (COMBE S, Dan i èl e e HAIC A UL T , 1986, p. 39).

Assim, D. Laurentina nos apresenta uma relação sem conf litos abertos ou
possíveis perseguições, mas deve ter se utilizado de táticas para conquistar a
confiança de seus mestres e viver com maior tranqüilidade o longo tempo que
trabalhou na fábrica C. Pimentel:

Trabalhei trinta e um anos somente nessa firma, no Pimentel, mas Graças


a Deus nunca eles tiveram o que dizer de mim e nunca eu tive o que
dizer deles. Os mestres me tratavam muito bem, depois que mudar am os
mestres botaram uma mestra lá, essa mestra me tratava muito bem e eu
gostava muito dela. O povo tinha ódio dela né? Mas eu gostava dela,
principalmente, por causa do meu filho, porque ela tratava Julinho tão
bem, que aquilo!!! Bem, eu me dei muito bem porque todos gostava de
mim, eu tratava todos bem, eu pileriava muito, brincava muito ali com o
mestre, porque tinha o mestre. ( ME LO, La ur en t in a Ne ves ).

Quando afirma que "o povo tinha ódio dela [mestra] né? Mas eu gostava
dela, principalmente...", observa-se que muitas não gostavam da mestra, revelando
que havia um relacionamento tenso entre a mesma e as trabalhadoras, enquanto ela,
D. Laurentina, fez-se mostrar como uma exceção em meio às demais, aquela bem
vista por todos, que faz tudo certo e não desagrada seus superiores e, por
conseguinte, também é bem tratada, o que, de fato, em vez de caracteriz ar a
submissão propriamente dita, ao contrário, estava implícito em sua fala que o que
havia, na verdade, era uma maneira específica de conduzir o relacionamento para
sobreviver melhor à exploração e submissão sem maiores atritos e poder tirar
melhor proveito da situação, o que significa muito mais uma artimanha que uma
submissão passiva e inconsciente.
É preciso ressaltar que na hier arquia fabril a mestra, esta que anteriormente
ocupava, apenas, a função de charuteira, exercia o poder igualmente ao mestre ,
embora, a expressão desse poder tivesse a marca do gênero. Sua ação, no entanto,
ora se impunha com as características da autoridade masculina, ora se expressava a
partir da solidariedade e da compreensão, permitindo uma maior aproximação entre
as trabalhadoras e a mestra.
188

No caso das charuteiras, o fato de fazer os charutos com muita rapidez para
tentar elevar a tarefa diária além do mínimo exigido, com o objetivo de aumentar o
salário, também nos leva a entender que se tratava de um dos modos que algum as
trabalhadoras encontravam para tentar burlar as regras da fábrica no sentido de se
beneficiar, mesmo sabendo que tinham que enfrentar as reclamações dos mestres.
Desta forma, para D. Laurentina a passagem dos charutos não significava grandes
problemas, pois "muitas perdia, agora eu, graças a Deus foi difice perder"; em
relação a algumas de suas companheiras de trabalho ela também afirma que, "(...)
porque perdia muitos charutos aí os mestres reclamava muito, elas se aborrecia ou
não gostava dos mestres, era assim, só ficava xingando, falando que não ia mais lá
trabalhar (...)".
Ainda, Dalva Damiana quando faz questão de afirmar que "eu mesma era
vagarosa, mas eu queria aquilo bem boliado, bem aperfeiçoado então eu não dava
produção", dá a entender que quem fosse mais rápida não trabalhava com a mesma
perfeição e/ou que se tivesse mais preocupada com a produção que com a qualidade
poderia, realmente, fazer charutos defeituosos. Tanto uma posição quanto a outra,
significavam ações conscientes por parte das charuteiras, justificando a repressão
por parte dos mestres.
Nesse repert ório de ações e reações no cont ext o do t rabalho fabr il
fumageiro, é preciso obser var as int enções subliminares, po is são est as que
revelam o jogo das relações sociais , incluindo as r elações de gênero . Ao
ent rar em fér ia s – mesmo se t rat ando de um per íodo post erior, 17/06/83, mas
vale a penas dest acar – o Sr. Engelbert Jungwirt h, do setor de “Produção de
Marago jipe”, escreve uma list a co m dezenove reco mendações endereçadas ao
Sr. Reina ldo P infildi, onde faz referência à Banca de Capas e às charut eir as,
chamando a at enção para a pr át ica do desperdíc io. Obser vando -se ai que não
há reco mendações da mesma nat ureza par a os set ores masculino s dir et ament e.

Re f: Al gun s it en s para obs er va r dur a n t e minh a s fér i a s


(. . . )
6- E st a m os r ece ben do fum o Agr o t i p o X B, pa ra Pur o Ba h ian o,
sen do qu e X B, t em fol h a s que n ã o ser vem pa r a Pur o Ba h i an o
por ém , ser vem pa r a Ci garr i lha s. Pr est ar a t en çã o, pa ra que n em a
Ba n ca de Ca pa e n em a s char ut eir a s jogu em est a s fol h a s n a
t or ci da . Ol har di ar i ame nte os c ai xõe s de p on tas, poi s al i se
de sc obr e de s pe r dí c i o de mate r i al . (Gr i fo n os s o). (FAMAM,
CEDOC, 2009).
189

Assim, “o lhar diar iament e os caixõ es de pont as, po is ali se descob re


desperdício de mat er ial”, est á implíc it a a id eia de uma prát ica recorrent e e
maldosa por part e das t rabalhadoras, por isso a persist ência em sua vigilância.
Dalva Damiana ao descrever outra atitude de seu mestre, deixa entender que
a relação deste com as charuteiras não era tão ríspida o tempo todo, havendo em
certos momentos o afrouxamento de suas ordens, que tanto podia ser uma
concessão, significando uma tática de controle, como podia ser o resultado de uma
relação de cumplicidade no tocante ao não cumprimento das ordens superiores, uma
vez que mestres e gerentes, também, ocupavam uma posição subalterna em relação
a outros do escalão hierárquico:

Quando ele tava pra dá um sermão ele chegava e "olhe o dono da fábrica
vai chegar tal dia, tal hora", mandava o rapaz que trabalhava na limpeza
limpar tudo, assear tudo, aí todo mundo já tava preparado, suas bancas
tudo limpinha, cuidando em seus trabalhos e, quando eles chegava não
gostava de vê ninguém olhando pra eles não, todo mundo de cabeça
baixa (...) Eles respeitava a gente e a gente respeitava eles , a gente não
respondia quando eles chamavam a gente pra conversar qualquer coisa,
eles chamavam aí eles conversava com a gente ocurtamente que ninguém
percebia o que era que estava falando, não tinha problema de ôooo não,
era ocurto que ninguém sabia. ( SANT OS, Da l va Dam i an a ).

Apesar do rigor da fiscalização e do controle utilizados nas fábricas, muitas


reações, mesmo que isoladas, das fumageiras contra os mestres ou contra a própria
fábrica tiveram lugar na preocupação dos dirigentes pelo embaraço das s ituações
geradas. Tirar algum proveito da empresa, o "corpo mole" no trabalho quando
favorável a elas, as desobediências e intrigas, foram atitudes visíveis praticadas
pelas fumageiras, que, por outro lado, conduziram às decisões drásticas por parte de
seus superiores hierárquicos. Em correspondência para o escritório em Salvador o
gerente da Dannemann de São Félix informa no item sobre licença que:

Conforme já falamos pelo fone, tem a operária Francisca Santos, direito


a 15 dias de ferias no valor de Cr$ 119,00. Pelo valor das ferias, se nota
logo que é uma operaria que pouco ou quasi nada gosta de trabalhar,
razão pela qual demos a nossa informação anterior, uma vês que
operários dessa especie é preferivel, sem onus para a firma, se afastar.
Aconselhamos a não conceder licenças, em vista desse caso. (AMSF.
CORRE SP ONDÊ NCIA S INT E RNA S DA DAN NE MANN, 1920 -
1952. Ma ço 1951, 03/ 01/ 1951).
190

Em agosto de 1923, na Dannemann de Muritiba, duas charuteiras foram


demitidas pelo fato de serem reincidente s na condenável prática de fazer charutos
para "arear dentes", este fato gerou um conflito que envolveu o mestre Manuel
Laudilino Ribeiro e o prenseiro Ovidio Bispo num caso de polícia que levou o
referido mestre à prisão e imediato afastamento do cargo. Após a liberação do
mestre, este tratou de enviar uma carta ao diretor da Dannemann em São Félix, Sr.
Adolpho Jonas, justificando suas atitudes e pedindo providências no sentido de lhe
reintegrar ao cargo, em seguida, recorreu também, ao Sr. Anphilóphio de Castro,
pedindo-lhe apoio moral que logo escreveu ao Sr. Adolpho Jonas o seguinte:
Muritiba, 30 de Agosto de 1923
Illmo. Sr. Adolpho Jonas
Affetuosas saudações
Acaba de estar commigo o meu compadre Manuel Ribeiro, e, muito
sentido, disse-me ter elle, despensado do serviço da fábrica d'aqui,
motivando este acto da gerencia, o ter elle, defendendo e acautelando os
interesses da casa, despachando duas charuteiras reincidentes na feia
pratica de, occultamento, fazerem grandes charutos de mascar,
manipulados somente com capas do melhor fumo.
Sendo, porem, ellas amantes do trabalhador Ovidio Bispo, este lhe pedira
a reintegração das mesmas, o que deixou de attender por consideral -as
prejudiciaes aos interesses da casa.
E, só por isso, o dito Ovidio, despeitado, ao contrário de p revalecer-se de
outros meios de accôrdo com as normas do trabalho, procurou o delegado
de policia e o intrigou de tal modo, que determinou a sua prisão delle
Ribeiro.
Foi, pelo visto, uma acção repunavel a do Ovidio.
E que a razão está ao lado do Sr. Manuel Ribeiro, não duvida
Diante disto, e mais sabendo de sciencia propria que o Sr. Manuel
Ribeiro é um cidadão trabalhador, sério e honesto, faço ao Illmo. a
presente no sentido de conseguir a fineza de sua reintegração no lugar
que occupava, nem só por ser a justiça, como de generosidade.

O uso do fumo dentro da fábrica pelos(as) trabalhadores(as) era proibido em


qualquer situação, fosse para fumar, mascar ou arear os dentes, implicava em falta
grave, seria o "occultamento" como disse Anphilóphio de Castro, que neste caso era
considerado, além do uso indevido do fumo, furto do material de trabalho. Fumar
dentro da fábrica mesmo que o charuto tivesse sido comprado fora do
estabelecimento fabril era igualmente proibido.
D. Celina assusta-se diante da pergunta "se podia fumar dentro da fábrica?" e
responde: "Não, Ave Maria! Se o gerente ou quando o dono chegasse e encontrasse,
Ave Maria! Não, não, não pode, era contrabando, ali dentro da fábrica ninguém
tinha o direito de fazer uma merenda".
191

As proibições no âmbito da fábrica não se restringiam apenas ao uso do fumo


ou dos charutos, se estendiam no sentido de uma rígida disciplina objetivando, além
de uma produção mais apurada, o controle absoluto das trabalhadoras e que ocorria
até mesmo a partir das pequenas ações.
Comer dentro da fábrica, principalmente no horário de trabalho, constituía -se
numa falta grave que, se reincidente, poderia resultar em punição daquele que
assim fosse surpreendido pelo mestre. Celina de Jesus quando se refere à proibição
do uso do fumo completa que "(...) ali dentro ninguém tinha o direito de fazer uma
merenda". Dalva Damiana quando descreve a rotina do seu dia entre a casa e a
fábrica, também revela a situação em que se envolviam as charuteiras quando se
tratava de alimentação dentro da fábrica:

Depois passou a vim as arapiracas meio esverdeada, a gente não


agüentava, aquilo é um sofrimento a gente tomava cada bebum, a gente
andava com um limão na bolsa que era pra cheirar ou então botar uns
pinguinhos na língua pra ver se melhora va, que não podia levar nem uma
merenda. A gente além de não ter fome pra tomar o café de manhã por
causa do horário, também não tinha o que levar; tinha que deixar para os
filhos e com isso a gente ia trabalhar, quando levava aquela besteira
mandava tomar, jogar no lixo qualquer coisa, a gente passou por estas
todas. (...) a gente comia dentro do sanitário trancada, quando a gente se
sentia mal às vezes a gente tomava um purgante na banca. A gente
comprava um sulfato pra desmanchar e fazer aquela beberagem e cada
uma tomava meio copo, botava limão, aquele negócio pra beber pra
poder coisá o estômago, de 15 em 15 dias a gente fazia isso, as colegas
porque não tinha dinheiro pra comprar sozinha era tudo misturado. Eu
sei dizer que quando a gente tava lá no terraço desmanchando
aquela...espremendo o limão, quando o gerente chegou mandou
suspender todo mundo porque a gente tava fazendo garapa pra beber,
mas não sabendo que era um remédio que a gente estava desmanchando
pra tomar, mas depois ele reconheceu e mand ou "deixa pra lá, deixa pra
lá". (SANT OS, Da l va Dam i ana ) .

Com um tom de voz carregado de angústia e revolta e, na expressão do rosto


um ar sisudo e triste, Dalva Damiana, revela como se estivesse resgatando o próprio
momento, pois também conheceu, além d a dominação, a humilhação no trabalho da
fábrica. E, sempre que esta e outras fumageiras se referem sobre o que era proibido
fazer dentro da fábrica, principalmente no horário de trabalho, utilizam a expressão
"não tinha o direito de...".
A dominação e a exploração reveladas na expressão “falta de direitos” são
situações abordadas pelas próprias fumageiras, o que significa que elas tinham
consciência da realidade em que viviam no trabalho, porém o que faz a diferença é
o grau da sutileza com que reagiam às atitudes dos dirigentes. Completando a fala
192

de Dalva Damiana quanto ao sermão do mestre ao preparar a chegada dos


proprietários, ela diz o seguinte:

Não queria ninguém mastigando nada, todo mundo na sua. Mas, também
ninguém é besta. Aí pronto, eles ficavam lá, depois desciam pegavam
assim o charuto, olhavam, acabava se tivesse algum com defeito ele
amostrava, aí o mestre vinha tirava botava na carteira dele. (...) agora eu
sempre com essa cabeça que eu tinha de viver sempre alegre na banca,
comendo fome ali, roendo zinco e naquela minha eu não dava o braço
a torcer. Eu às vezes levava até um pedaço de pão debaixo do sovaco,
quando a gente tirava pra comer debaixo de suor fedendo a bode, é dose!
Às vezes a gente fazia uma farofa e botava aqui ó [apontando p ara a
barriga] vestia a calça e ia. ( SANT OS, Da l va Dam ia na ). (grifo nosso)
Ainda D. Tereza Ramos afirma:

Agen t e t a va tr a ba lh an do por tar efa pr a dar con ta de t ar de. T inh a o


ca r t ã o pra entr ega r pr a fol h a , nã o é? E n t ã o, da l í a gen t e com i a , n ã o
l eva n t a va . Al í pa ssa va , a fom e pa ssa va . Agen t e bot a va den t r o do
a ven t a l , enr ol a va de ca l h am a ço n a ci n t ura pr a n in guém ver o
vol um e e n a h or a que os m e st r es t a va m bem l on ge, di st a n t es da l í
da quel a r edon dez a e n ós n a quel e set or , a í n ós l ogr a va el es, n ós
m esm os. Ah ! Ah ! Ah ! (.. . ). E ra eu, La di nh a, Na ir um a que er a da
Rua Sã o Ben edi t o, m a i s dua s da Rua Sã o Ben edi t o, dua s m a i s da qui
da E str a da de Ferr o, essa s t oda s já est ã o m or ta s, m inha s am i ga s,
a m i ga s de tra ba l h o, boa s c ol ega s. ( RAMO S, 2007).

Diante das situações impostas às fumageiras pelos dirigentes, Dalva Damiana


afirma que "mas também ninguém é besta" e, em seguida, apresenta um esforço
para se mostrar forte, além das ações ocultas. D. Tereza Ramos também ressalta “aí
nós lograva eles”. Significa que elas não ficavam submissas o tempo todo ou que
aceitavam as ordens sem qualquer rejeição, mas que tentavam e conseguiam burlar
as imposições na medida de suas necessidades.
Assim, foram os momentos de tensas relações que proporcionaram reações
abertas, fazendo-se necessárias longas conversas e até intermediários instituídos
juridicamente para negociar exigências, tanto por parte do empregador quanto por
parte dos/das trabalhadores/trabalhadoras, evidenciando a participação das
charuteiras em ações ativas.
E m 1924, a Dannema nn ple it eou unificar a semana de t rabalho que at é
ent ão era difer enciada por set or, quando uns recebia m at é o dia de sábado,
out ros at é sext a- feira co mo fo i o caso das charut eiras e, ainda outros at é
quint a- feira. Assim, na pr imeira semana do acerto todos/ todas dever ia m
receber at é o dia de quint a - feira ficando sext a e sábado par a serem incluído s
na fo lha da próxima semana.
193

Os operár io s que se sent ira m prejud icado s e, ent re eles, as charut eiras,
ameaçaram uma greve, po is ent enderam que, dest a for ma, ocorre ria u m
desco nt o real em sua semana de t rabalho. Const it uíram, ent ão, o advogado
Albert o Rabello , para represent á- los/ las junt o à empr esa, o que fez r ealizando
assemblé ias co m os/as t rabalhadores/t rabalhadoras e lo ngas horas de
ent endiment o com o Sr. Ernest o Tobller , represent ant e da Dannemann, que
result ou em deixar t udo como ant es. ( AMS F. CORRESPONDÊNCI AS
INTERNAS DA DANNE MANN, 1920 - 1952. MAÇO 1924, 04/09/1924).
Apro veit ando est e largo int er valo de t empo que as fo nt es pro moveram,
lembr a-se que é a part ir da década de 1940 que a legislação t rabalhist a figur a
co mo fazendo part e de um “pro jet o de const it uição da sociedade ur bano -
indust r ial capit alist a no Brasil” e que, segundo Carvalho (1971), ela ve m
at ender, além de medidas no sent ido de est abelecer limit e s às condições de
exploração do operariado, “o cont role de sua at uação enquant o classe”.
(CARVALHO, 1971, p. 28). Represent ando ainda um mo ment o muit o t ímido
de at uação do operariado brasile iro e, por conseqüência, a possibilidade de
alavancar at it udes ma is radicais ou conscient es por part e dos t rabalhadores da
indúst r ia de fumo no Recô ncavo, pr incipalment e por se t rat ar de um set or
t radicio nal e a inda mu it o ligado ao modelo agrár io. M esmo assim, co nt inua-se
regist rando as ações e reações, às vezes dent ro das for ma lidades, ás vezes de
maneira infor mal e sut il.
E m julho de 1946, um diss ídio co let ivo de grande reper cussão envo lveu
t rabalhadores/t rabalhadoras das fábr icas Dannemann, Cost a & Penna e
Suerdieck, os/as quais reivind icar am aument o de salár io que fo i co ncedido e
aceit o após vár ias negociações, obedecendo aos valores correspondent es a
cada cat egoria, ou seja, mensalist as, diar ist as e t arefeir as, est a últ ima onde se
inc luíam as charut eiras. (AMSF. CORREIO DE SÃO FÉLIX. n.º 579,
20/07/1946).
E m março de 1950, já no cont ext o das dificuldades financeiras que
enfrent avam a Dannemann e a Cost a & Penna, no vo dissídio fo i suscit ado
pelo sind icat o dos fumageiros que exigia o pagament o das fér ias dos/das
t rabalhadores/t rabalhadoras e que so ment e em junho do mesm o ano a
Dannemann veio a so lucio nar. ( AMS F. CORREIO DE S ÃO FÉ LIX . n.º 769 de
18/03, n.º 772 de 08/04, n.º 774 de 22/04, n.º 780 de 03/06/1950).
194

Ent re muit as reclamações t rabalhist as e ações mo vidas cont ra as


fábr icas, após o ano de 1940, dest acamo s o dia 4 de maio de 1949 por
responder, a Dannemann, a cinco not ificações de uma só vez, co mo const a um
document o sobre cont abilidade dest a empr esa:

Audiencia de hoje:- Iremos a audiencia de hoje, para as cinco (5)


notificações como sejam: America Maria da Silva para hoje á 9 horas;
Maria Lucia Alburqueque ás 15 horas; Bernardina da Conceição às 10
horas; Joselita Pinheiro do Rosario às 14 horas; Teodora Santana às 11
horas. ( AMSF. CORRE S PONDÊ NCIA S INT E RNA S DA
DANNE MAN N, 1920 - 1952. MAÇO 1949, 04/ 05/ 1949 .

Vár ias suspensões e obser vações sobre o co mport ament o das mulheres
fumageiras da fábr ica Suerdieck de Marago jipe, co nst am ou est ão anexas às
fichas demo nst rando o rigor da disciplina da fábr ica e a resist ência delas e m
obedecer as nor mas cont idas no regulament o da empresa, est e já cit ado
ant er ior ment e. Ações diversas mot ivavam os dir igent es da fábr ica a advert ir,
suspender e at é demit ir as t rabalhadoras, co mo se obser va nest e document o:

Comunicamos a, V.S., [Rita Alexandrina Barbosa] que apesar de varias


reclamações e advertencia, para não molhar as capas e muito mais ainda
a tabua, o que vem dando a nossa emprêsa grandes prejuisos com
charutos mofados, como aconteceu em nossa última remessa de charutos
para Alemanha, V. S., continua a molhar capas e a tabua, pa ra fins
disciplinar, esta emprêsa resolve a dar -lhe 1 (um) dia de suspenção que
será amanhã dia 13 do corrente. Esperamos que V. S., não mais volte a
repetir tais irregularidades. ( AMSF. CO RRE SPO NDÊ NCIAS
INT E RNAS DA DA NNE MAN N, 1920 - 1952. MAÇO 1949,
04/ 05 / 1949).

Maria Maia Batista Silva foi advertida verbalmente, assim consta em sua
ficha, por não ter aceitado fazer trabalho determinado pelo superior hierárquico.
Jairdes Borges da Silva foi suspensa de suas atividades por dois dias, porque estava
discutindo no setor de trabalho. Roquemilda Antonia de Souza foi, também,
suspensa de suas atividades por três dias por faltas de dois dias não justificadas aos
superiores, esta não aceitou a suspensão e recusou-se a assinar. (SUERDIECK:
FICHAS DE REGISTRO DE E MP REGADOS. MARAGO JIPE – BA). Nesses
casos e em tantos outros registrados nas referidas fichas, a partir de 1940, aparecem
a ameaça da possibilidade de aplicar o artigo 482 da CLT, este que trata sobre a
195

rescisão de contrato por justa causa pelo empregador. (SAAD, 1972, p. 186).
Sebastião dos Santos também afirma que:

Se brigasse era suspensão de oito dias, três dias conforme e só reclamava


aquelas que era bruta. Em Muritiba tinha muitas mulheres estúpidas,
valente, aquelas mulheres mais velhas tinha muita s mulheres valentes.
Suspendia, mandava embora, 'a senhora vai pra casa só daqui a oito dias,
daqui a três dias.

Em documentação datada de um período posterior ao da pesquisa, encontra -


se situações registradas que ainda refletem as mesmas posições como, p or exemplo,
uma Comunicação de Advertência de número 3451, de 19/06/1979, à operária
A.M.R.C., com o seguinte texto assinado pela Suerdieck S.A.:

Por várias vezes, advertimos V. Sª., verbalmente, por passagem de


charutos mal feita, prejudicando a outras operárias.
Agora o faremos por escrito cumprindo a determinação da C.L.T..
Esperamos que o fato não se repita, a fim de não tomarmos medidas
drásticas. (FAMAM, CEDOC, 2009).

Sabiam as fumageiras que as advert ências e suspensões so mavam -se


levando às demis sões, po is Laurent ina Neves afir ma que a "demissão só era
quando não obedecia a lei, quer dizer que eles ia bot ando aquilo ali no cant o,
guardando e quando t inha um cort e eles bot ava logo o no me daquelas, era
assim".
A so lidar iedade ent re as fumageiras, t a mbém, co nst it uiu-se num
inst rument o de força e de apo io para vencer as dificu ldades geradas pela s
próprias cond ições do t rabalho. Apesar de não fazer ent ender clarament e que
se t rat ava de uma união no sent ido po lít ico da lut a cont ra a
opressão/exploração, e mesmo t endo a sua origem nos t radicio nais “laços da
boa vizinhança” ou nas relações mais imediat as no espaço do t rabalho, a
so lidar iedade ent re as t rabalhadoras fumageiras, t ambém, significou a
expressão de uma “ident idade” ent re elas e um mecanis mo de r esist ência às
sit uações de opressão/exploração no t rabalho. Trat ava -se da so lidar iedade
ent re as t rabalhadoras, às vezes, at é co m os t rabalhadores, e não das
t rabalhadoras para co m os seus super iores ou em relação ao próprio t rabalho
fabr il.
Unindo -se, mesmo sem organização, promo viam s it uações de ajuda
ent re si, respaldadas na a mizade e na ident ificação do grupo a que est ava m
196

inser idas, bem co mo, na função que ocupavam dent ro dos est abeleciment os
fabr is, gerando quando não um sut il enfr ent ament o às forças de do minação,
uma barreir a que, por certo, int imidava os dir igent es a aplicar ações mais
r igorosas que as cost umeiras. Fazendo uma leit ura so bre o t aylor is mo, Rago e
Moreira (2003) afir mam que:

Os operários de um mesmo setor acabam por se unirem espontane amente


em função das necessidades imediatas para a realização de suas tarefas
cotidianas e deste modo formam grupos informais de trabalho, que se
opõem aos grupos formais que a Direção Científica quer impor. (RAGO;
MOREIRA, 2003, p. 37).

Apesar de não haver registro de lutas coletivas organizadas por parte das
fumageiras, no sentido de enfrentar as ações de exploração e de dominação
advindas do sistema de organização da indústria fumageira ou diretamente de seus
superiores hierárquicos, mas o sentimento de união e solidariedade que as
identificavam como trabalhadoras no estabelecimento fabril, e que não era apenas
uma necessidade natural de sociabilidade, significou uma forma de resistência, na
medida em que buscavam umas nas outras, ou dentro dos grupos, o apoio para a
resolução de problemas, tanto referentes ao próprio trabalho como os de ordem
econômica e doméstica, como se pode observar em alguns fragmentos de suas
exposições:

Muito bom, tudo era colega, tudo boa não tinha ninguém lá pra fazer
fuxico de nós e outros nem nada, era um lugar muito alegre que a gente
trabalhava tudo reunido. (SILVA, Benedita).

Era uma amizade! Naquele tempo era muita amizade que não tinha nada
contra os trabalhadores, tudo era um pelo outro. Tinha uma [charuteiras]
que tinha umas colegas ficava na casa delas, lá elas dava panela para
esquentar comida, quem tinha camaradagem, quem não tinha... esse
negócio de amizade. (...) agora nem todas, Litinha minha filha trabalhou
em Muritiba ela tinha muita amizade por lá. (SANTOS, Sebastião
Pereira).

Maria Alves diz que "Cada uma tinha que fazer sua produção, agora quem
acabava primeiro ajudava". Laurentina Neves Melo parece completar:

A gente era tudo amiga, tudo camarada, as que sentava junto assim,
porque num corredor assim sentava sete/oito pessoa, ali quem sentava
197

perto se dava de mão de amiga, camarada. (...) Me ajudava. Aí elas


tomava a metade pra capear e me ajudava. (MELO, Laurentina Neves).

Apesar das dificuldades de acesso aos armazéns e fábricas de charutos por


aquelas que moravam distante, da pesada carga de trabalho e da exploração sofrida
pelas fumageiras, as suas andanças de casa para os estabelecimentos fabris e vice -
versa e o seu espaço de trabalho foram marcados pelo alegre convívio que se
estabelecia a partir dos grupos de amizade que se formavam entre elas. Desta
forma, observa-se que:
Todo mundo igual, amiga muita que eu tinha, muitas fazia questão de eu
nem vim pra casa, ficar por lá, passar a noite por lá e muita amizade que
eu ainda tenho, as mais velhas q ue ainda tão vivas em Muritiba. Eu
tenho muita amizade, ontem mesmo morreu uma colega minha ela
trabalhava no Dannemann e eu trabalhei em Pimentel, mas nós era muito
amiga. (NERIS, Celina de Jesus).

A união da fábrica era tão boa que uma levasse um caroç o de milho
todas participava daquele caroço; se uma tivesse um aperto de não ter
um dinheiro dia de Sábado e você ter dez mil réis você dividia dava
cinco a uma; se uma caísse doente quando era dia de Sexta -feira a gente
saía com a latinha: 'fulano bota aq ui', cada uma botava um trocado pra
recuperar aquele...pra comprar o leite pra'quela colega que tava doente,
aí a gente chegava lá e dava a ela, ficava contente, quer dizer que há
união; se a senhora desse uma roupa pra vender lá na fábrica vendia, a
gente olhava, gostava vou comprar pra fulano, comprava, quando no dia
não tinha o dinheiro direito pra dar dava a metade aquela pessoa tinha
aquele consenso a dona aceitava. (SANTOS, Dalva Damiana).

As fumageiras entrevistadas apresentaram em suas falas e ge stos um modo


muito particular de exprimir as ações e os sentimentos, no que diz respeito ao
trabalho na indústria de fumo, era como se este modo de ser e (re)agir fosse um
fator de identificação enquanto trabalhadoras da mesma atividade. Além da
coerência ao relatar o nível de amizade e de união que se estabeleceu entre elas
durante o período em que trabalharam juntas nas fábricas, expressões como, por
exemplo, "a gente..." aparece com freqüência em suas falas, diferentemente dos
outros entrevistados e, configuram de fato a existência da solidariedade como
instrumento de força contra as situações opostas e impostas geradas dentro e fora
da indústria fumageira.
No interior dos armazéns de fumo, os homens estavam mais próximos das
mulheres do que nas fábricas de charutos, facilitando o relacionamento e as
negociações conforme o grau de amizade. D. Tereza Ramos relata a relação
amistosa que as trabalhadoras estabeleciam com os colegas de trabalho:
198

E l es n ã o m a l t ra t a va m a gen t e nã o, t udo er a c ol e ga . Qua ndo p esa va


o qu e er a de p esa r , o t r a ba lh o pr a bot a r n a fren t e da gen t e, a í a
gen t e pedi a pr a quebr ar o ga lh o. Quan do er a pra pegar a quel es
fa r dos d e fum o qu e vi n h a do dep ósi t o pr a bot a r n a ba l an ça e bot a r
n a fr ent e da gen t e pr a ’gent e es c ol h er , aí a gen t e pedi a um fa r do d e
fum o m el h or z inh o, pr a a l i vi ar m a i s a m ã o da gen t e, um fa r do d e
fum o que n ã o fos se m ui t o l i ga do pr a t á pú, pú, pú. T udo i sso a
gen t e t i nha a mi z a de pra a judar , a gent e t a m bé m da va m er en da a
el es pr a el es t a m bém qu e br ar o ga l h o da ge n t e. Ah ! Ah 1 Ah !
(RAM OS, 2007).

Mesmo entre as trabalhadoras e os trabalhadores, ou seja, entre os “iguais”, a


questão de gênero era visível, mantinha -se a divisão sexual do trabalho, pois as
mulheres sempre dependiam das atitudes ou decisões dos homens, uma vez que eles
detinham o poder. Sobre sua fala acima, D. Tereza Ramos faz uma ressalva:

Agor a se m a l t ra t a sse um da quel es, a m ulher ‘com i a fer r o’,


ca st i ga va . No l uga r que soubes se qu e os fum o er a pi or dos que er a ,
el es pega va e bot a va n a ba l a n ça e bot a va n a fr ent e, a quel e fa r do
dur o que pr a desl i ga r d a va tr a ba lh o, t inh a que ba t er a ssi m n o ch ã o
c om for ça e d e t a r de t a va c om i ss o a qui [ os br a ços] que n ã o
a güen t a va . T udo t em que t er um j ei t o pr a vi ver , por que se n ã o
sou ber . .. , nã o t á com na da. (RAMOS, 2007).

Contudo, é importante destacar que a resistência forjada pelas fumageiras no


campo do trabalho fabril, caracterizada como uma das formas de poder, como um
poder “periférico”, não foi confiscada nem absorvida pela estrutura dominante, ao
contrário, constituía-se como uma prática política autônoma que perpassava as
relações de trabalho e as relações de gênero, dinamizando, inevitavelmente, àquele
cotidiano. Embora, merece observar que essa prática não diminuía o poder exercido
pelas indústrias sobre as trabalhadoras, mas forçava uma reelaboração diária das
estratégias que norteavam as relações sociais entre aqueles sujeitos, considerando
que o poder se disseminava por toda a estrutura social da indústria fumageira.
As unidades de trabalho da indústria fumageira do Recôncavo, na verdade,
configuravam-se num espaço social onde se teciam solidariedades, divergências e
barganhas entre as mulheres e os homens, os patrões e as/os operárias. Para os
proprietários não era importante um grau de repressão tão forte que viesse a fastar
as operárias de suas atividades fabris, mas a eles importavam controlá -las com o
objetivo de explorar ao máximo a capacidade de sua força de trabalho e, ao mesmo
199

tempo, torná-las dóceis, sem capacidade de resistência ou de outras estratégias


políticas.
Se o objetivo do exercício do poder nos estabelecimentos fabris fosse,
apenas, reprimir e constranger com certeza levaria ao afastamento das operárias e,
por certo, a anulação dos diversos saberes ali produzidos e reproduzidos, uma
atitude que, para Foucault (1979), seria um modo negativo de exercer o poder, pois,
“se ele é forte é porque produz efeitos positivos a nível do desejo e também a nível
do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz”. (FOUCAULT, 1979, p.
148).
Enfim, as fumageiras enfrentavam desde as vicissitudes da dupla jornada de
trabalho à exploração, propriamente dita, a que eram submetidas, mas, não estavam
ou viviam inertes frente a essas situações cultural e socialmente produzidas,
criavam, também, situações e "espaços" nos q uais operavam as barganhas e
empreendiam os arranjos cotidianos que lhes permitiam vencer os obstáculos e a
dominação dentro de suas próprias percepções do viver o tempo e o cotidiano da
fábrica, pois como afirma Foucault (1979), “Jamais somos aprisionados pelo poder:
podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo
uma estratégia precisa”. (FOUCAULT, 1979, 241).
As lutas das mulheres fumageiras contra a opressão no trabalho, esta que
fundia exploração da mão de obra com subordinação sexual, não se limitaram às
formas coletivas, organizadas, políticas e sindicais, uma vez que, considera -se que
"toda prática, consciente ou não, contra as formas de dominação, é tributária da
luta" (COMBES, e HAICAULT, 1986, p. 39), seja a indisciplina, o desperdício, o
corpo mole, a obediência dissimulada, as estratégias sutis de resistência e de poder
e a solidariedade. Neste sentido, verifica -se que as fumageiras, também utilizaram
seus próprios elementos de luta contra a dominação nos dois aspectos da opressão.
Afinal, há trabalhadoras/trabalhadores que se submetem a toda forma de
dominação com passividade; há trabalhadoras/trabalhadores que reagem, resistem
com lutas abertas e diretas; e há aquelas/aqueles que criam suas próprias formas de
viver à condição de trabalhadora/trabalhador com a mesma autenticidade, pois, o
que há são as várias formas de ser trabalhadora/trabalhador. (SILVA, 2001).
Trabalhar na indústria fumageira beneficiando os fumos e/ou confeccionando
charutos e cigarrilhas, portanto, eram atividades que iam além do manuseio do
fumo ou de atingir uma produção apenas para ganhar um salário. O trabalho nas
200

fábricas e demais estabelecimentos da indústria de fumo, significava para cada


mulher fumageira a existência social, além do enfrentamento de situações adversas
que marcaram, também, a sua experiência na conquista da vida profissional e da
cidadania. Estes significados estão ainda presentes em suas vidas como se fossem a
marca de um tempo - o tempo da fumageira, afinal "os homens parecem-se mais
com o seu tempo que com seus pais".

5 TRABALHO INVISÍVEL: O TRABALHO EM DOMICÍLIO DAS


MULHERES FUMAGEIRAS

Um a das c arac t e rí st i c as m ai s m arc ante s do


t rabal ho a dom i c í l i o c ont e m porâne o é se r
um a at i vi dade e sse nc i al me nt e fe m i ni na e m
t odas as part e s do m undo.
ABRE U E SORJ, 1993.

A casa é ponto de partida e ponto de chegada.


TEIXEIRA, 1983.

At é o final da década de 1970, a produção hist oriográfica dedicada ao


est udo das mulher es t rabalhadoras se preocupou em vis ibilizar a at uação
dessas mulheres no processo hist órico, co mo sujeit os at ivos, provendo o
sust ent o da família a part ir dos espaços público s do univer so fabr il. 86 Soment e
a part ir da década de 1980, é que foram surgindo novas cont r ibuições
enfat izando o t rabalho a / em do micílio co mo u ma modalidade da força de
t rabalho, suas caract er íst icas cult urais e regio nais, bem co mo, dest acando

86
Gr an de par t e dess es est ud os e st á vol t a da , em par t i cul ar, par a a pr esen ça da s m ul h er es na
i n dústr ia t êxt i l, com o, p or exem pl o, os t r a ba l h os de E va Bl a y, 1978; Ma r ia Va l éri a Pena ,
1980; Bá r ba ra Wei n st ei n, 1995, den tr e out r a s. Já par a a déca da de 1990, h á um cr esc en t e
n úm er o de t r a ba l h os que t or n a vi sí vel a pr esen ç a da s m ulh er es em di st i n t os s egm en t os d o
m er ca do de t r a ba lh o. Vê Dos si ê de G ên er o i n Cad. Pa gu n o. 17 -18, 2002.
201

quest ões relacio nadas ao lugar que, cult uralment e, ho mens e mulher es
ocupavam e ainda ocupam nas relações de t rabalho, co mo espaço gendrado.
São t rabalhos que cont r ibuír am significat ivament e para uma no va
concepção de hist ória, a part ir da int rodução de no vos t emas, de um no vo
olhar sobre velhos t emas e de novas possibilidades met odológicas.
Amparados, de um lado pelas t eorias feminist as, result ant es da
het erogeneidade dos seus mo viment os, e, de out ro pela hist ória social,
alargaram o universo do hist or iador, abr indo as possibilidades para perceber a
dist inção das exper iências dos suje it os em seu cot idiano.
Por outro lado, é pr eciso ressalt ar que o campo da Socio logia t ambém
t rouxe import ant es o lhares sobre as diversas for mas de subco nt rat ação do
t rabalho das mulher es e das mulheres no t rabalho, inc lusive o t rabalho a /em
domic ílio, no decorrer desse per íodo.
Seguindo essa t rajet ória, port ant o, que os est udo s sobre t rabalho a/em
domic ílio no Brasil t omaram fô lego, sempre aco mpanhando a evo lução do
processo de reest rut uração da econo mia seguido da imediat a precar ização do
t rabalho, e adent raram a década de 1990 co m ma ior int ensidade, percebendo
as var iações da s relações que envo lvem t ant o a subco nt rat ação quant o o
t rabalho em do micílio realizado por mulheres. A part ir de ent ão, muit os
t rabalho s foram publicados e com eles foram surgindo no vas concepções
sobre o t rabalho em do micílio, aco mpanhando as t ransfor maç ões que ia m
ocorrendo no campo das re lações econô micas e, conseqüent e, das relações de
t rabalho, sempr e guiadas pelas modalidades que o capit al, em escala glo bal,
vinha e vem or ient ando.
Os maiores esforços da maior ia dest es est udos est avam direcio nados em
analisar set ores indust r iais co mo confecção e calçados. Ent re eles dest acam -
se aut ores como a dupla Abreu e Bila Sorj e Robert o Ruas, pr incipalment e,
em seus t rabalhos inclusos na co let ânea “O Trabalho invisível: est udos sobr e
t rabalhadores a do micílio no Brasil”, de 1993.
Abr eu e Sor j (1993) est udaram as cost ureir as a do micílio na indúst ria
de confecção no Rio de Janeiro, inic ialment e descrevendo uma cadeia de
funções e relações dist int as, cujo últ imo elo era a t rabalhadora a do mic ílio,
est a que t rabalhava na sua própr ia casa para as empr esas de co nfecção. Era
um cont ext o de crescent e flexibilização do processo produt ivo e de u m
202

mer cado que flut uava co m as alt as e baixas, t ant o da demanda dos produtos
co mo das cr ises financeiras, sendo o t rabalho a do mi c ílio ut ilizado pelas
empresas para at ender as necessidades dessa flut uação – rest r ing ir cust os,
mant er os exíguos prazos de ent rega ou, ao cont rário, reduzir a produção e m
mo ment os de fort e queda da demanda. Est as aut oras most raram a
vulnerabilidade das cost ureiras t rabalhando a do micílio, que, para garant ir a
cont inuidade do t rabalho e uma remuner ação sat isfat ória, se submet iam a um
int enso r it mo de t rabalho, po is, do cont rár io, não podiam mant er o níve l de
produt ividade e a pont ualidade da ent rega, exigi dos pelas empresas
cont rat ant es.
Segundo Abreu e Sorj, a co mposição da força de trabalho por gênero no
ramo da confecção era , major it ar ia ment e , for mada por mulheres e invis ível
diant e dos órgãos e das est at íst icas oficiais. 87 Est as autoras dest acam que a
d ivisão por sexo ent re os gêneros na esfera familiar desempenhou pape l
fundament al na gest ão do t rabalho a domic ílio, no cont ext o da indúst r ia da
confecção no Rio de Janeiro. (ABREU e S ORJ. 1993).
Robert o Ruas (1993), por sua vez, realizou um est udo sobre t r abalho a
domic ílio na indúst r ia de calçados na região Sul. Ruas percebe a difer ença
ent re o t rabalho a do mic ílio no Brasil, na indúst r ia calçadist a, e o modelo
japonês, cuja relação ent re a empresa que cont rat a e a cont rat ada se
est abelece de for ma est ável, sendo que, a prime ira o ferece maior grau de
segurança à segunda. O aut or, t ambé m, segue fazendo comparações ent re a
produção est rangeir a de calçados ( it aliana e espanho la) e a brasileir a,
avaliando as co ndições do emprego da mão de o bra nos diversos esp aços,
chegando à conclusão que no Brasil as relações de subcont rat ação aparecem,
em geral, em est ágio s menos desenvo lvidos. As empresas calçadist as, segundo
Ruas, recorrem: à exploração do trabalho diret o, mediant e o emprego
int ensivo de mão de obra pouco qualificada e de baixo cust o; ao recurso da
subco nt rat ação do t rabalho , dent re out ros element os que favorecem maior

87
Da mesma forma, Araújo e Amorim (2002) continuam abordando a questão: “A exploração das costureiras
domiciliares se concretiza sob o respaldo da invisibilidade: elas não constam dos registros oficiais das empresas,
nem das estatísticas industriais ou governamentais. Na medida em que exercem suas atividades produtivas no
espaço não-fabril e em que se estabelece um "distanciamento" entre a empresa contratante e o processo de
produção, estas se eximem - e julgam que o fazem de forma legítima - da responsabilidade sobre o que possa
ocorrer neste espaço produtivo e às trabalhadoras envolvidas. (ARAÚJO e AMORIM, 2002, p.12).
203

produt ividade e aument o dos lucros co m menos despesas e r espo nsabilidades


sobre a produção.
Est e autor classificou o t rabalho subcont rat ado no setor calçadist a do
Sul em algumas modalidades de produção, como: o Trabalho a Do micílio
Dist r ibuído – TDD e o Trabalho a Do mic ílio nos diferent es t ipos de At eliês.
O TDD é feit o diret ament e nas residências, cujas t arefas co mpreendem as
operações manuais co m re muneração é r eduzida. O t rabalho é realizado por
mulheres, cr ianças e idosos, que represent am cat egor ias de força de t raba lho
que est ão provisór ia ou definit ivament e fora do mercado de t rabalho ; e a
segunda mo dalidade t rat a -se de um espaço vinculad o a uma r esidência e
adapt ado para realizar a produção, podendo ser ou não micro ou pequena
empresa, co m pequenas diferenças na for ma da produção e na relação co m a
empresa cont rat ant e, cont udo o emprego da mão de o bra em nada difere da
modalidade ant er ior , mant endo -se precár io em t odos os sent idos. (RUAS,
1993).
No caso do t rabalho em das t rabalhadoras fumageiras, faz -se necessár io
ent ender que se t rat a de um outro cont ext o e que, desde a imp lant ação da
indúst r ia fumageira, t ant o as empr esas quant o as próp rias mulheres
recorrer iam ao t rabalho a/em do mic ílio, ora como t rabalho margina l, ora
co mo t rabalho legal, pr evalecendo a pr imeir a opção para est a análise po is fo i
a modalidade que mais se dest acou em meio à população da região.
Independent e da moda lidade, o t rabalho em do micílio das fumageir as se
caract er izou por ser uma at ividade realiz ada no âmbit o da precar iedade, co m
baixo valor de remuneração e sem qualquer prot eção lega l.
Dest a for ma, ao analisar o trabalho das mulheres fumageir as nas
fábr icas de charut os do Recôncavo Baiano, na pr ime ira met ade do sécu lo XX,
requereu uma visão, t ambém, do seu ent orno, pr incipalment e perceber aquela s
mulheres que não t iveram acesso ao t rabalho for ma l nos est abe leciment os
fabr is, mas que execut avam as mesmas t arefas no seu do micílio. Fez-se
necessár io, port anto, co mpreender a dinâmica do cot idiano das mulheres
fumageiras envo lvidas co m o t rabalho organizado no próprio do mic ílio,
considerando os processos eco nô micos e sociais que lhes impuls io navam e,
pr ior it ar iament e, as relações de gênero aí imbr icadas, co mo o result ado das
204

represent ações sociais de seu sexo que perpassavam as r elações sociais de


gênero naquele t empo e espaço 88.
O cont ext o da indúst r ia fumageir a do Recôncavo reunia uma
diversidade de at ividades laborais e m t orno do fumo, que ia do campo à
cidade, da casa à fábr ica e vice - versa, bem co mo da legalidade à
clandest inidade e/ou infor malidade, dando margem à pro liferação de uma mão
de obra margina l, caract er izada pelo carát er feminino const ruído em t orno da
maio r ia das at ividades fumageiras. Po is, em t odas as sit uações as mu lheres
prot agonizavam não apenas em número, mas, pr incipalment e, pela
det er minação sociocult ura l da feminização desse lugar – o das at ividades
manuais e delicadas, est as que er am necessár ias p ara o t rat ament o dos fumo s
e confecção dos charut os e cigarr ilhas.
A fábr ica e a casa que, desde a Moder nidade, foram co nst it uídos co mo
espaços dist int os por “nat ureza”, no cenár io da indúst r ia fumageira, ent ão,
represent avam uma out ra polar ização t ambém vis ível, po is, em se t rat ando de
espaços de t rabalho a fábr ica 89 est ava associada à idéia de legalidade e
for malidade, enquant o a casa, ao cont rár io, est ava explic it ament e associada à
idéia de ilega lidade e ao lugar da clandest inidade. Assim, esco lher os fu mo s e
confeccio nar os charut os na própr ia casa, fora do rit mo sist emát ico da
fábr ica, sem a prot eção de uma legislação t ant o no tocant e aos direit os
t rabalhist as quant o à regulação de preços dos charut os no mer cado
clandest ino, const it uír am-se num t rabalho invis ível.
A casa e a fábrica no Recôncavo se aproximavam pela presença dos fumos e
seus produtos, pelo próprio cheiro forte dos fumos, por serem espaços transitados e
apropriados pela população de trabalhadoras/es fumageiras(os), que ora trabalhava
nas fábricas, ora no próprio domicílio, quando não concomitantemente. Mas , para
efeit o da análise hist órica, na per spect iva das relações sociais de gênero,
esses espaços ser ão virt ualment e separados e o t rabalho produt ivo realizado
no int er ior das casas das fu mage ir as será doravant e deno minado de “Trabalho
em do micílio ”.

88
Contudo, no âmbito desta exposição é certo que prevalece alguns elementos em detrimento de outros.
89
O termo fábrica aqui se refere ao estabelecimento fabril pertencente ao conglomerado industrial fumageiro do
Recôncavo Baiano.
205

No Recôncavo Baiano, o t rabalho em do micílio r ealizado pelas


mulheres fumage ir as consist ia no t rato geral do t abaco à confecção de
charut os e cigarr ilhas, configur ando uma rede margina l de mão de obra
feminina 90, no que se r efere aos ar mazéns de fumo s e as fábr icas de charut os
ali inst alados. As mulheres fumageiras desenvo lviam diver sas at ividades
relacio nadas ao fumo. A co meçar pelo processo de secagem das fo lhas de
fumo, quando est as eram amar radas em mo lhos e dependur adas nos t elhados
das própr ias casas; a confecção de “bonecas” ou “manocas” 91 para o
enfardament o; depo is, quando os fumo s já est ava m nos ar mazéns, ger alment e
vo lt avam às residências, na modalidade de “t rouxas de enro la” para serem
esco lhidos pelas mulheres e demais me mbros de suas famílias; e, por últ imo,
a fabr icação domic iliar de charut os. Est a últ ima era uma at ividade rea lizada,
predo minant ement e, por mulheres ma is exper ient es na lida do t rabalho
fumageiro.
O t rabalho do miciliar é conhecido co mo aquele realizado no domicílio
da/do t rabalhadora/t rabalhador, por encomenda de uma empresa que est ipula
uma t arefa a ser cumpr ida num det er minado per íodo, seja por dia ou por
semana, det er minando t ambém o valor da produção. Embora, no cas o das
fumageiras não fo i enco nt rado qualquer r egist ro que indicasse que em t odos
os casos de t rabalho do mic iliar fosse por enco menda das empresas. Ao
cont rár io, ao longo do t empo, regist rou -se a crescent e iniciat iva das própr ias
mulheres fumageiras em prod uzir por cont a própr ia co mo for ma de inserção
na produção co mercial, uma vez que seu o objet ivo era co mercia lizar no
mer cado infor mal par a obt er alguma for ma de ganho financeiro,
especialment e em se t rat ando daquelas mulheres que se especia lizavam e m
fazer charut os.
Deve- se obser var, no ent ant o, que est a inic iat iva das mulher es não fo i
uma quest ão de liberdade de esco lha, mas est eve associada a um cont ext o
socioeconô mico específico que figurou no int er ior do sist ema capit a list a, nos

90
Não se trata da naturalização da mão de obra, mas de uma mão de obra feminilizada.
91
As “Bonecas” ou “manocas” eram molhos pequenos de folhas fumos (entre 8 a 10), selecionadas por tamanho
e enroladas na cabeceira por outra folha de fumo, cuja ponta passava no meio do molho para assegurar que não
se soltaria como se fosse um nó; com a cabeça das folhas de fumo juntas e presas e o corpo das folhas solto
formava-se a boneca ou manoca de fumo.
206

processos de cr ises e r eest rut uração da econo mia 92, ocasionando o surgiment o
ou o aument o significat ivo das at ividades não assalar iadas, circunscr it as na
cat egoria “por cont a própr ia”, 93 a exemplo de out ras regiões da Amér ica
Lat ina, co mo o México. (OLIVEIRA E ARIZA, 1997, p. 183) .
A produção em do micílio const it uiu - se numa cat egor ia ou modalidade
de at ividade produt iva que, at é ent ão, fugia aos modelos convencio nais de
organização do t rabalho nas sociedades moder nas. No Recôncavo fumageiro,
t ratou-se de uma at ividade produt iva re alizada, t ant o “por cont a própr ia” das
fumageiras, quant o nos mo ldes da subcont rat ação mediant e enco menda e
remuneração pelas empresas inst aladas na r egião. Ambos os casos sem
vínculo empregat íc io. Também, obser va -se o carát er de complement ar idade
subordinada, impost a t ant o pela divis ão dos espaços – indust r iais e
domést icos –, quant o pela divisão de t arefas embut ida num sist ema de valor
hier árquico que se caract er iza co mo infer ior por ser realizada por mulher es no
espaço domést ico, acent uando as desigualda des de dire it os e as cont radições
das relações de gênero. (SOHIET, 2001, p. 12).
É preciso ressa lt ar, no ent ant o, que a subcont rat ação sob a for ma de
t rabalho do mic iliar, não é um fenô meno recent e ou específico da região do
Recô ncavo Ba iano, apenas. Brave r man (1987), afir ma que est e sist ema surgiu
nas pr imeiras fases do capit alismo indust rial:

Na t ecel a gem , fa br i ca çã o de r oupa s, objet os de m et a l (pr egos e


cut el a r i a ), r el ojoa r i a , cha péus, in dúst ri a de l ã e cour o. No ca s o, o
ca pi t a l i st a di st ri buí a os m a t er i a i s n a ba se da em pr ei t a da a os
t ra ba l ha dor es, pa ra man ufa t ura em sua s casa s, por m ei o d e
subc on t ra t a dor es e a gen t es em c om i ssã o. ( BRA V E RMAN, 1987, pp.
62-63).

Segundo Abreu e Sor j (1993), “o t rabalho indust r ial a do micílio t e m


suas raízes nos séculos XVI e XVII na Europa, com a emergência da

92
Para a discussão do trabalho a domicilio realizado pelas fumageiras no Recôncavo Baiano, não se faz
necessário adentrar na análise do contexto econômico brasileiro que regulamentou o trabalho nas décadas
posteriores. A aceleração do processo de reestruturação produtiva típica do contexto de crise e globalização da
economia da década de 1990, por exemplo, também vem intensificando o uso de distintas formas de
subcontratação bem como de trabalho a domicílio, porém, trata-se de outro cenário e de outra complexidade
distintos do espaço, conjuntura e sujeitos em análise.
93
Para entender a expressão “por conta própria”, toma-se o texto de Oliveira e Ariza (1997, p. 189) que afirmam
que, las actividade por cuenta própria son vistas em general como uma forma de trabajo más precário que le
trabajo asalariado. Debido a la própria naturaleza de su actividade, el trabajador por cuenta própria no tiene
contrato laboral, carece de prestaciones laborales e no recibe sueldo fijo.
207

econo mia do mést ica, quando vida familiar e t rabalho est avam int ima ment e
int er ligados”. ( ABREU E SORJ, 1993, p.11). Com o advent o da Revo lução
Indust r ial, o t rabalho em/a do mic ílio, seja ele por cont a própria ou pel as vias
da subcont rat ação, t oma for ma e carát er específicos em cada país e nas
respect ivas regiões, confor me os cont ext os sociais, econô micos e cu lt urais.
No Brasil, pe lo menos desde o Censo de 1872, as mulher es já
const it uíam a ma ior ia abso lut a da mão em pregada, mas ao lo ngo das décadas
seguint es esse número vai se reduzindo, conduzindo as mulheres ao cuidado
co m a pro le e co m o mundo do mést ico. (PENA, 1980). Ent ret ant o, ao analisar
as infor mações do Censo de 1940, est a autora afir ma que:

As m ul h er es da cl a ss e t r a ba l h a dor a, m esm o em ca sa (. . . )
c on st i t uí am a pr in ci pa l for ça de t r a ba l h o ut i li z a da na in dúst ri a
dom i ci l i a r. E sse par eci a ser o ca m i nh o a tr a vés do qua l t an t o a
fa m í l i a , quant o o em pr esa r ia do e o E st a do e sper a va m ver c on ci l i a da
a dupl a con di çã o fem i n in a de tra ba l ha dor a e dona de ca sa : n enh uma
ga ran t ia tr a ba lh i st a, dupl a jor n a da de t ra ba l h o, a m ba s sem l i m i t es
di st i nt os (. . . ). E m pr ega da s n a in dústri a dom ést i ca , a s m ulh er es nã o
a pen a s est a va m i n t egr a da s à pr oduçã o n a con di çã o de ex ér ci t o
i n dustr ia l de r eser va c om o a i n da er am , ver gon h osa m en t e
expl or a da s. (PE NA, 1980, p. 134).

Fora do cenár io indust r ial, Teixeira (1983) percorre um lo ngo per íodo
hist ór ico, desde o século XIX, a procur a de fo nt es sobre as “t rabalhadoras
ext ernas”, do ramo de confecção e, so ment e, encont ra regist ros a part ir de
1917, no Rio de Janeiro, pois, segundo est a aut ora:

A fa l t a de r egi st r o h i st ór i co da s ext er n a s de ve - se a s eu t ot a l
i sol a m en t o, qua n do n em er am a bs or vi da s de for m a si st em á t i ca pel a s
i n dústr ia s, n em t am pouc o r e fer i da s c om o pa rt i ci pan t es dos
m ovi m en t os p ol í t i cos d o pa s sa do: o t r a ba l h ã o fa br i l a dom i cí l i o
m an t inha -se ext er n o e a l h ei o à d ocum en t a çã o em pr esa r i a l, e a
op er ár i a ext erna da fá br i ca , m ar gina l i za da da or gani z a çã o pol í t i ca
si n di ca l. (TE IXE IRA, 1983, p. 118).

O t rabalho em do mic ílio do Recô ncavo Baiano percorreu um lo ngo


per íodo que abarca desde a implant ação das pr imeiras fábr icas de co nfecção
de charut os, no início do século XX, 94 at é o per íodo que se est ende ent re as

94
A pr i m eir a fá br i ca de ch a r ut os d o Rec ôn ca vo foi fun da da em 1905, pel a em pr esa
Suer di eck, em Ma r a goji pe e, é em 1908, c om a cr esc en t e dem a n da da pr oduçã o d e
ch ar ut os, c om e ça a di st r i bui çã o d os fum os n os dom i cí l i os p a r a r ea l i za çã o d o t r a ba l h o de
208

décadas de 50 a 80, quando desencadearam a cr ise e falência da indúst r ia


fumageira na região, co nst it uindo um processo cont radit ór io, pois é,
exat ament e, nest e últ imo per íodo que a at ividade fumageir a no do micílio
cresce vert iginosa ment e e ganha expressão.
No início, o t rabalho e m do mic ílio se just ificava por ser a indúst r ia
fumageira ainda inc ipient e, funcio nando em pequenos espaços e co m mão d e
obra reduzida para at ender a crescent e exigência do mercado int erno e ext erno
de der ivados do t abaco, principalment e os charut os, cujas mar cas fora m
cr iadas conco mit ant ement e ao processo de inst alação e cresciment o da
indúst r ia. Assim, já e m 1908, a fábr ica de charut os Suerdieck, recém - fundada
em Marago jipe, co meçou a fazer a dist r ibuição de grande part e do trabalho
“em casas part icular es o nde er a execut ad o”. (SUERDIECK S/ A – CHARUTOS
E CIGARRLHAS, 1955).
E m 1947, a C. P iment el & Cia. Lt da., localizada em Mur it iba, regist rou
Est efânia Julião Sant os, nascida em 1890, co mo charut eira a do micílio.
(FAMAM/CEDOC, 1906 a 1998. 2008). No ent ant o, at é est a década não havia
nos regist ros ofic iais do Est ado qualquer menção à essa mo dalidade de
t rabalho por ser considerada co mo “rest r it os , a pequeno número de indúst r ias ,
os t rabalhadores e m do micílio que execut am ser viços não dependent es das
inst alações própr ias de es t abeleciment o indust r ial”, co nfor me publicação do
IBGE em 1948. (IBGE, S inopse do Censo Indust r ial e de Ser viço s. RJ.: 1948,
p. 9). Porém, o que é pro váve l é que o Est ado no pós -1930 ao int er fer ir na
regulament ação das relações ent re o capit a l e o t rabalho não dest ruiu est a
est rut ura paralela, ao cont rár io, “fechou os olhos” e per mit iu a manipulação
polít ica da legis lação pelo capit al que mant inha fora dos benefício s da
legislação grande part e da força de t rabalho regio nal.
At é que viesse m a fazer part e do s regist ros oficia is da indúst r ia
fumageira, as t rabalhadoras em do mic ílio est iveram separadas do conjunt o
dos demais t rabalhadores e, em part icula r, das t rabalhadoras fumageir as, ou
seja, da própr ia cat egor ia de classe – no que t ange ao operariado fumageiro –,
já que represent avam uma força de t rabalho sem refer ência no que diz

ben efi ci a r (ou pr epar ar os fum os) e c on fe cci on a r os ch a r ut os m a i s si m pl es. SUE RDIE CK
S/ A – CHA RUT OS E CIGA RRL HAS, 1955.
209

respeit o a qualquer t ipo de associação de classe. E mbor a, Teixeira (1983)


obser ve as duas faces dessa quest ão:

Com o um dos supor t es da r epr oduçã o do ca pi t a l , perm an ecer á o


t ra ba l h o fa br i l a dom i cí l i o c om o a l t er n a ti va de ocupa çã o d e pa r cel a
da for ça d e t r a ba l h o: um a fa c et a da s r el a ç õe s d e pr odu çã o qu e
es ca m ot ei a a su but i l i z a çã o da for ça de t r a ba lh o pel o ca pi t a l que, a o
m esm o t em po, é o r e ver so d o t r a ba l h a dor, em sua s m úl t i pl a s
est r a t égi a s de sobr e vi vên ci a e r epr oduçã o d e su a pr ópr i a vi da e de
sua fa m í l i a. (TE IXE IRA, 1983, p. 119).

No segundo mo ment o, a cr ise e a conseq uent e falência da indúst r ia


fumageira, fo i gerando uma massa ocio sa de t rabalhadoras(es) que, fora dos
est abeleciment os fabr is não t eve out ra alt ernat iva e dedicou -se ao t rabalho e m
domic ílio, fo sse e le frut o de uma r elação de infor ma lidade co m as empresas
que ainda mant inham-se na at iva ou por cont a própria co nfeccio nando
charut os e fornecendo ao mercado infor mal . A document ação da fábr ica C.
P iment el – Fichas de Regist ro de E mpregado – já regist ra, nesse co nt ext o, um
número de charut eir as a do micílio maio r que o número de charut eiras que
t rabalhava diret ament e na fábr ica, confor me o quadro a seguir:

TABELA 11 – Registr o das Funções da Fábr ica C. Pimen t el em Mur it iba - BA

1960 1970
FUNÇÃO QUANT FUNÇÃO QUANT
Abr i r Fum os 18 Abr i r Fum os (Ca pa ) 04
An el a dei ra 06 An el a dei ra 09
Aux. E scr i t ór i o 01 Aux. E scr i t óri o 02
Ca t a deir a Fum os 03 E n ca i xa dor a 11
Char ute i r a 96 Char ute i r a 69
Ch. a Domi c í l i o 121 Ch. a Domi c í l i o 95
Dest a l a dei r a 35 E nr ol dei ra 20
E nr ol a deir a 05 Fr i sa dor a 05
Fr i sa dor a 03 Ma n oca dei r a 187
Ma n oca dei r a 399 Pa ssa dei r a 02
Ser ven t e 04 - -
FNI 13 FNI 02
TO TAL 704 TO TAL 406

FO NTE: FAMAM. Fi ch a s de Regi st r o de E m pr ega do, (1906 a 1998 ). 2008.

Nest e percur so, obser va - se que no Bras il, a part ir da década de 1920 at é
os dias at uais, o t rabalho a /em do micílio vem se mo ldando, confor me as
polít icas econô micas e int eresses de alguns set ores específico s da indúst r ia,
210

porém, quant o a sua co mposição sexual, mant êm - se ma jor it ar iament e


feminino. Aliás, Abreu e Sor j confir mam que “uma das caract er íst icas ma is
mar cant es do t rabalho a do mic ílio co nt emporâneo é ser uma at ividade
essenc ialment e feminina em t odas as part es do mundo”. (ABREU E SORJ,
1993, p. 13).
Cont udo, é import ant e ressalt ar que o t rabalho em do mic ílio se
configura difer ent ement e confor me o espaço e o t empo em que o mesmo se
lo caliza, apenas mant endo algumas car act er íst icas co muns. Apesar de a
lit erat ura confir mar que em muit os países indust r ializados o t rabalho a /e m
domic ílio se concent rou e ainda se concent ra nas grandes cidades, no caso e m
est udo, t rat a-se de uma região de cult ura agrár ia e de um aglo merado de
pequenas cidades e lugare jos, dist ant e da dinâmica capit alist a das grandes
cidades, naquele per íodo.

5.1 TRABALHO EM DOMICÍLIO: OUTRA EXPERIÊNCIA DAS


MULHERES FUMAGEIRAS

Inicia lment e, o t rabalho a do micilio no Recôncavo fumageiro surgiu por


força das circunst âncias econô micas da população local que, sem alt er nat ivas
de t rabalho, encont rou no cenár io indus t rial as possibilidades de desenvo lver
mecanis mo s de so brevivência. Mas, quando percebido pelos indust r ia is,
passou a ser exp lorado, embora sem o carát er da subcont rat ação, mas
ut ilizando o art ifíc io de que se t rat ava de uma iniciat iva da população, já que
se aplicar ia bem o t ermo do t rabalho “por cont a própria”.
Segundo Blay (1978), a part ir da década de 1950 co meça a ocorrer um
processo de declínio da incorporação das mu lheres no set or de at ividades
indust r iais no Brasil, chegando em 1970 co m apenas 10,5 % das mulher es
int egradas. Daí, ent ão, é que a part ir dos anos 60, o t rabalho a do micílio
aparecia co mo possível “reser vat ór io inexplorado de flexibilidade” (BLAY,
1978, p. 141), mot ivando a desregula ment ação da jor nada de t rabalho, par a as
unidades produt ivas de algu mas indúst rias t radicio nais, a exe mplo das
indúst r ias de t abaco. (ABREU e SORJ, 1993, p. 19).
211

Por out ro lado, o cont ext o socioeconô mico da região fumageir a marcava
acent uadament e aquelas t raba lhadoras, pois, segundo Guimar ães (1979), “não
são apenas as necess idades do mercado que conduzem as mulheres ao
t rabalho, mas, pr incipalment e, é a det er ioração das condições de vida, que as
conduz, ou melhor, t orna -as disponíve is”. (GUIMARÃES, 1979, p.19).
A população, envo lvida co m a lida diár ia do fumo , apresent ava uma
pobreza bast ant e acent uada, que "não rest a dúvida que é aqui, ent re as
subáreas do Recôncavo, que o at raso e a pobreza são mais vis íveis e ma is
chocant es", 95 revelando um modo de vida caract er íst ico da região do fumo,
que se est endia do ca mpo aos cent ros urbanos e suas per ifer ias,
aco mpanhando o t rajet o do fumo aos ar mazéns, fábr icas de charut os e às
residências onde o t rabalho de manipulação do fumo era rot ina.
É nest e cenár io que se desenro lou o quadro de mão de o bra em
domic ílio, seja benefic iando os diversos t ipos de fumo, seja fazendo charut os
por cont a própria para co mer cializar no mercado clandest ino. Assim, a
indúst r ia de charut os do Recôncavo não se rest ringia apenas às fábr icas,
ocupava t ambém diver sos espaços e invadia a ma ior ia das r esidências da
população de baixa renda, co mplet ando o quadro do complexo indust rial do
charut o. Em 1931, por época da Refor ma Tr ibut ár ia do Est ado, represent ant es
dest a indúst r ia, ao reivind icar dir eit os de export ação iguais aos dados a
out ros produto s, chegaram a afir mar que:

O ch a r ut o, cuja i n dúst r ia pen etr a n os l oga r ej os m a i s m odest os, que


dá a vi ver a m i lh ar es de p ess oa s, m oci nh a s e vel h os, est a i n dúst ri a
se s obr eca r r ega de um a m an eir a ext ra or din ári a e c om o ún i ca
i n dústr ia do E st a do. (RE LAT ÓRIO DA ASSOCIAÇÃ O
COME RCIA L, 1932, pp. 17 -21).

Paralelament e aos ar mazéns de fumo s, embor a ligada d ir et ament e aos


mesmo s, se desenro lava part e da mão de obra marginalizada co nst it uída de
mulheres. Est as, por não part iciparem fo r malment e do mercado de t rabalho,
execut avam em suas própr ias casas a esco lha e “dest alação” do fumo. 96 Era

95 Segun do CAST RO, os "l a vr a dor es "d e fum o e r am "ger a l m en t e a na l fa bet os e p obr es".
CAST RO, 1941, p. 104.
96
O termo “destalação” refere-se ao trabalho realizado com o fumo específico da “trouxa de enrola”: era o
trabalho de tirar os talos do fumo, pois este iria se transformar em “torcida” – miolo de charutos. ASEVEDO,
1975, 1975, p. 10-12.
212

est e t rabalho deno minado “t rouxa de enrola”, por ser o fumo t ransport ado dos
ar mazéns para as residências em t rouxas de panos de aniagem ( jut a) na cabeça
de mulher es e cr ianças que, junt ament e com as charut eiras no seu t rajet o de
vai e vem, ia m for mando o cenár io ur bano e social da zo na fumageira. 97
Dispost os nos bares, nas mer cear ias, como t ambém nas janelas das
casas, o charut o era part e da paisagem de cada cidade, vila ou lugarejo. O s
charut os fe it os nas res idências das charut eiras eram conhecidos co mo
"charut os de ba laio " ou "charut os de regalia", pela qualidade infer ior dos
fumo s ut ilizados e pela fa lt a de apr imo rament o no seu acabament o, o que
co mpro met ia a qualidade do produto e e st abelecia difer enças em relação aos
charut os das fábr icas.
Mesmo assim, a produção em do micílio de charut os era vo lumo sa e
co mercia lizada nas própr ias residências, já co nt ando co m co mpradores fixos e
via jant es que, sem pagar impost os ou outras despesas fi scais, mo viment ava m
grandes so mas, co mercializando esses charut os no sul do est ado e do país. A
produção de charut os em do mic ílio chegou a represent ar 5% da produção
nacio nal. (CÉSAR, 2000, p. 06). Regist rando -se, t ambé m, casos em que a
produção em do mic ílio pert encia a uma fábr ica, que sem nenhu m
co mpro misso t rabalhist a, for necia o fumo para a charut eira, pagando - lhe
apenas pe la mão de obra da confecção dos charut os, o que caract er izava o
sist ema de subcont rat ação que, confor me Braver man (1987), “o capit al ist a
dist r ibuía os mat er iais na base da empreit ada aos t raba lhadores, para
manufat ura em suas casas, por meio de subco nt rat adores e agent es e m
co missão”. ( BRAVERMAN, 1987, p. 63). Ret ornando para as fábr icas, est a
produção somava- se à produção das marcas p opulares t ambém ali
confeccio nadas.
A produção de charut os em do micílio não fo i unifor me, se desencadeou
t ambém na modalidade de “fabr icos”. A modalidade convencio nal acont ecia
na residência o nde t rabalhavam as mulheres pert encent es à mesma família.
Porém, o “fabr ico”, apesar de ser inst alado numa residência, onde as mu lheres
da mesma fa mília t ambém t raba lhavam, reuniam - se ali out ras mulheres, co m

97
Descrição sobre o cenário das trouxas de fumos retiradas dos armazéns (Benedita Rodrigues da Silva, 85 anos,
2008).
213

ou sem vínculo de parent esco, ligadas apenas pelo int eresse no t rabalho de
confeccio nar charut os. Est as mulhere s eram organizadas sob o comando de
uma out ra mulher, 98 geralment e a do na da casa, responsável pelo invest iment o
e pela produção, não havendo laços empr egat ícios ou qualquer poss ibilidade
de cumpr iment o com a legis lação t rabalhist a da época. Confor me Sr.
Sebast ião:
Fa br i co er a um a ca sa de fa z er ch a r ut os, m a s n ã o er a fá br i ca , er a um
fa br i co c om o o d e Ia i á de Ma n i nh o, uma ca sa a on de 12 ou 1 5
pess oa s i a m con for m e qui ses se, m a s nã o er a fá br i ca . 99
A produção de charut os em do mic ílio, seja em cada unidade fa miliar,
seja na modalidade de fabr ico, apesar de não possuir a est rut ura de mont age m
nem a organização da fábr ica propr iament e dit a, era responsável por uma
quant idade de charut os que at endia em lar ga escala ao co mércio infor ma l e às
enco mendas das fábr icas, aque las que se int eressavam por est a produção,
ocupando mulher es e mo cinhas que for mavam uma rede de mão de obr a
marginal.
Ao se sent irem ameaçadas co m a concorrência do co mércio
“clandest ino”, a Suerdieck e a C. P iment el foram algumas das empr esas que
passara m a adquir ir os charut os "de ba laio" diret ament e da fo nt e, cort ando a
ação cont rabandist a na região. (IBGE, 1958, Vol. XX, pp. 95 -105; CÉS AR,
2000). Est as empresas não selar am nenhum co mpro misso de cunho legal co m
as charut eiras em do micílio – seja m aquela s que fazia m em suas própr ias
casas ou as donas de fabr icos – ou co m os repassadores dos charut os quando o
negócio era realizado at ravés dest es.
Ao cont rár io, est as empresas repassavam para as t rabalhadoras os
cust os e os riscos da produção, ainda adquir i am os charut os a preços baixo s,
inc lusive, er am as própr ias empr esas que det er minavam os preços, alé m do
baixo cust o operacional da produção, uma vez que a mão de obra er a realizada
no própr io do micílio e avaliada por produção 100 e sem vínculos empr egat ícios
co m as empresas. A aproximação das empresas co m os espaços do miciliares

98
Uma espécie de subcontratadora, semelhante à situação descrita por BRAVERMAN, 1987, p. 63.
99
SANTOS, Sebastião, 105 anos, ao ser entrevistado pôs-se a rememorar sua trajetória de vida destacando
aspectos ligados ao trabalho e as relações sociais que tecia ao circular na região; fala de sua esposa, D. Rosa,
charuteira de fábricas, bem como, a domicílio e de sua experiência enquanto trabalhador da fábrica Costa &
Penna.
100
Não havia qualquer instrumento de fiscalização e controle da produção estipulada pelas empresas às
trabalhadoras, pois, em não sendo registradas legalmente nas empresas, também, não eram nos sindicatos ou em
nenhuma outra associação de classe ou mesmo por parte do Estado não havia qualquer controle.
214

de produção “clandest ina” de charut os acenou para as mulher es fumageiras a


possibilidade de inser ção de for ma legal na produção indust r ial, mas que não
se r ealizou de fat o, per manecen do, dent re out ros prejuízos, o não acesso aos
benefício s sociais e a so fr ida lut a pela ascensão social e eco nô mica.
Ainda, obser vou-se que não havia nenhum t ipo de cadast ro desse
pessoal pelas empresas. E xcet o o regist ro das t rabalhadoras na cat egor ia “a
domic ílio”. As empresas fu mageir as, ao cont rário das e mpresas de confecção
de roupas no sudest e do país (TEIXEIRA, 1983, p. 120), não possuía u m
cadast ro -reserva do cont ingent e geral das t rabalhadoras a /em do mic ílio da
região, mes mo que fo sse co mo um meca nis mo de cont role dessa r eserva de
mão de o bra. A sit uação da indúst r ia fumageira do Recôncavo Baiano par ecia
mais confort ável nesse aspect o, pois, figurava sozinha na região podendo
acio nar o exércit o de mão de o bra disponíve l a qualquer mo ment o de acordo
co m as suas necessidades.
A part ir da exper iência de D. Joana S ilva ou Joana Pret a co mo era
conhecida na região, co mo dona de fabr ico, é possível perceber co mo se
est abeleciam as relações ent re a fábr ica de charut os e as t rabalhadoras e m
domic ílio, pr inc ipalment e, as propr iet ár ias de fabr icos da região. Ao obser var
o pot encial do fabr ico de D. Joana, que, por muit os anos – aproximadament e
desde a década de 1940 – for necia charut os ao mercado infor ma l, a fábr ica C.
P iment el & Cia., lo calizada em Mur it iba, efet ivou um cont rato com est a
t rabalhadora.
Do quadro de t rabalhadoras do fabr ico de D. Joana S ilva so ment e ela, a
propriet ár ia, era reco nhec ida legalment e como operária da fábr ica C.
P iment el, as demais mulher es t rabalhavam por cont a de D. Joana recebend o
apenas pelo t rabalho execut ado, ou seja, a "t arefa" diár ia ou semanal
previament e est ipulada. 101
O fabr ico de D. Joana Pret a era famo so pelo número de mu lheres que
ali t rabalhava e pela quant idade de char utos que produzia por semana para
at ender a uma client ela específica co mo : via jant es que t ransit avam ent re o
sert ão e o Recôncavo em direção ao Porto de Cachoeira, pr inc ipal acesso à

101
A tarefa era o volume do trabalho exigido pelos estabelecimentos industriais dentro de um prazo determinado.
Quando se tratava do beneficiamento do fumo, como no caso da trouxa de enrola, a tarefa era estipulada entre 15
a 30 kg por pessoa num período de 24h, no caso da confecção de charutos, a tarefa variava entre 100 a 300/dia,
conforme os tipos/marcas de charutos e as fábricas.
215

capit al do Est ado ; compradores avu lsos de charut os, deno minados pelo s
fabr icant es e jor nalist as de “at ravessadores”, que ven diam seus produt os no
mer cado infor mal, geralment e, no Mercado Modelo e Porto de Salvador ; e,
por últ imo, passou a vender par a a Fábr ica de Charut os C. P iment el, co mo
mencio nado acima. Os pedidos de charut os dest a fábr ica cr esceram t ant o que,
no dia 02 dezembro de 1967, D. Joana já co m 52 anos de idade, passou a ser
func io nár ia da fábr ica, t endo em sua Cart eira Pro fiss io nal o regist ro de
"charut eira em do mic ílio" at é julho de 1968. Confor me Figura abaixo.

FIG URA 3 1 – Fi ch a de Regi st r o de E m pr ega d o da Fá br i ca C. Pi m ent el


216

FO NTE: FAMAM/ CE DOC, 1906 a 1998. 2008.


Ao discorrer sobre sua vida de charut eira, Car melit a Olive ira de Jesus,
charut eira de fabr ico, prendeu -se às lembranças do t rabalho de fazer charut os
no fabr ico de D. Joana Pret a que funcio nava co mo uma espécie de ext ensão da
fábr ica C. P iment el, de onde vinha o mat er ial. Confor me Car melit a:

O m a t er ia l de l á , o ra pa z tr a zi a de l á [C. Pim en t el ], a gor a o n om e


do r a pa z eu n ã o s ei e el e t r a zi a par a D. Joa n a . E l a ch a ma va a gen t e
a í par a fa z er char ut o l á n a ca sa del a , tra ba l h ava eu, t r a ba l ha va a
m ã e de Ia i á , Pol i nh a, já m orr eu t a m bém . E sse p ovo t udo fa z i a
ch ar ut o pa r a D. Joa n a, m uit a s, m uit a s pess oa s fa z i a char ut o pr a D.
Joa n a . Dep oi s, pa ssa va pr a fá br i ca , vi nh a o r a pa z bus ca r na quel e s
ca çua r gran de, arr uma va t udo e l e va va . (JE S US, Ca rm el i t a Oli vei r a
de. 64 an os de i da de ).

Apesar de D. Joana S ilva ser subordinada à fábr ica a que se encont rava
regist rada, mas em seu fabr ico figurava co mo chefa, est abelecendo uma
relação de poder co m as mulheres que “empregava” , além de ocupar u ma
posição econô mica mais elevada que, pr opriament e, alguns ho mens da Vila.
Na produção em do micílio, no caso dos fabr icos, D. Joana era uma das
represent a nt es da t eia do poder que se mo via nas relações socioeco nô micas do
cont ext o fumageiro do Recôncavo.
Assim, o t rabalho em do micílio for mava uma rede marginal de produção
de charut os que mant inha o co mércio informal, est e que represent ava o grave
problema da co ncorrência para as fábr icas, desfalque aos co fres públicos e a
espo liação das charut eiras, po is a prát ica de fazer charut os e co mercia lizar de
for ma “clandest ina” era de amplo alcance e co mum na região.
217

O jornal Correio de São Félix publicou vár io s art igos e not as


advert indo para os prejuízos que a produção “clandest ina” causava ao
co mércio for mal de charut os. Soment e o redator Oldemar Sant os escr eveu
cinco art igos ent re 08/ 10/1944 e 05/11/1944, sobr e alguns desses problema s
que afet avam a indúst r ia de fumo s e char utos no Recô ncavo. O quint o art igo
ressalt a:

Um d os m a i or es i n i m i gos do fa br i ca n t e l ega l i zado é a c on cur r ên ci a


subt er r ân ea exer ci da por fa br i ca nt e que vi ve m e pr ol i fer a m à
m ar gem de t oda s a s exi gên ci a s l ega i s. E l es i m it a m a s m ar ca s, nã o
pa ga m i m post os, desr esp ei t a m o sa l ár i o m ín im o, ocul t a m -se da s
exi gên ci a s t ra ba l h i sta s e den tr o do pr ópr i o E st a do r ouba m um
m er ca do i m por t a n ti ssi m o a os fa br i ca n t es que sã o on er a dos c om
en or m es de spe sa s. ( ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO FÉLIX: Correio de São
Félix, 05/11/1944).
A fabr icação em do micílio, porém, vist a pela ót ica da realidade social e
econô mica da região, sabendo -se que o número de vagas o ferecido pelas
fábr icas era limit ado, significou uma alt ernat iva de t rabalho: o de "ganhar a
vida", no amplo sent ido das necess idades e socialização da população que se
encont rava na per ifer ia da legalidade fabr il ou das oport unidades de empr ego.
Na Vila de Cabeças, onde grande part e das mulheres fumageir as se
dedicava ao t rabalho em do mic ílio, funcio naram vár ios fabr icos, dent re os
quais, foram cit ados o fabr ico de Miluzinha de Pequeno, de Joana S ilva, de
Malaquias Ferreir a, de Licinha de Machado, de D. T idinha de Do mingos, de
Loura de Maur ílio, de D. Ziz i de Albert o e o de Iaiá de Maninho. (SILVA,
Benedit a, 2000). Não foram localizadas, além da fo nt e or al, out ras for mas de
regist ro desses est abeleciment os , apenas, na S ino pse do Censo I ndust r ial do
IBGE, na década de 1940, const a que:

(. . . ) nã o for a m r ecen sea da s a s a t i vi da des exer ci d a s i n di vi dua l m ent e,


em bor a com i n t ui t o l ucr at i vo, que n ã o t i nha m regi st r o c om o fi r m a
ou r a z ã o soci a l . Por êsse m ot i vo, n ã o se i n cl uem n os r esul t a dos d o
Cen so In dust r i al os da s a t i vi da de s ex er ci da s n essa s c on di ções p or
pess oa s i s ol a da s, ger a lm en t e de car á t er r egi on a l n o Pa í s, t ai s com o
a ca ça , a ext r a çã o d e a l gun s pr odut os d e p l a n t as út ei s en c on t ra da s
em est a do n a t i vo, a fa br i ca çã o, em dom i cí l i o, de doce s, r en da s e
bor da dos, r êdes e out r os a r t efa t os. ( BRASI L/ IBGE . Si n opse d o
Cen so In dust ri a l. RJ. : 1948, p. 8)

Inclu indo -se aí o benefic iament o de fumo s e a confecção de charut os n a


região em est udo. O Trabalho em do mic ílio, pr inc ipalment e, os fabr icos de
charut os funcio navam co mo uma espécie de mini- fábr ica, cuja mão de obra
218

era predo minant ement e for mada por mu lheres, respo nsável por uma razoável
produção de charut os, do t ipo popular, para at ender a demanda d o co mér cio
infor mal e, em alguns casos, t ambé m, pedidos das fábr icas que negociavam
co m est e produto.
O fabr ico de I aiá de Maninho fo i o mais cit ado ent re as charut eiras
ent revist adas, por t er sido o que funcio no u por mais t empo e pe lo número de
charut eiras que abarcou, chegando há 30 mulher es, denot ando um grau de
import ância mais elevado que os out ros, para as charut eiras da Vila. D. Iaiá
(Mar ia das Neves Fonseca P assos) era esposa do coronel da Guarda Nacio na l
na região, Jerô nimo Damasceno Passos (S. Maninho), e ir mã do coronel João
Alt ino da Fonseca, grande co merciant e e export ador de fumos na Vila de
Cabeças.
Diant e das influênc ias po lít icas e facilidades na aquisição e preços da
mat ér ia-pr ima, o fabr ico de D. Iaiá ocupava u ma posição pr ivilegiada e m
relação aos demais, po is, além da produção int er na, for necia mat ér ia -pr ima às
mulheres que quisessem fazer os charutos em suas casas e , em seguida,
co mprava- lhes, diret ament e a produção.
Não rest am dúvidas que D. Iaiá , co mo propriet ár ia de fabr ico e,
port ant o, pot encial “empregadora”, exercia grande poder diant e das mulheres
que lhes prest avam ser viço e, por consequência, influ ência na co munidade.
Cont udo, como evidencia a fot o abaixo, D. Iaiá demo nst ra t er sido uma pessoa
simple s e, apesar de ser esposa do coronel da Guarda Nacio nal, não recebera
qualquer invest idura que lhe desse status diferenciado, muit o menos co mo
mulher e/ou esposa, pois, no tocant e a relação social de gênero ela est ava
para seu esposo da mesma maneira que a t rabalhadora do fabr ico est ava para o
seu mar ido ou amásio.

FIGURA 32 – Fotografia de S. Maninho e D. Iaiá


219

FO NTE: E fra i m Fon seca Nun es, m em or ia l i st a. 2001.

O t rabalho em do mic ílio das fumageir as funcio nou, sempr e, de f or ma


ilegal, mas t ornou -se uma prát ica comum forçada pelas necessidades
econô micas e a falt a de alt er nat iva de empregos na região, t anto que, com o
fechament o das fábr icas, esse negócio, além de cont inuar at endendo ao
co mércio infor ma l, passou a ser a pr in c ipal at ividade daquelas mulheres que
ficaram desempregas. Assim co nfere o Jornal:

A Ci a . Br a si l eir a de Ch ar ut os Da nn em ann l an çada n a pi or si t ua çã o


que um a out r or a gran de fi r m a pode se depa r a r ao t em p o que t em os
t ra ba l ha dor es a t r a vessa n do fa z e a per t a da p el o des em pr ego em qu e
for a m lan ça dos va i se di vi di n do em fa br i c os n egóci os c or r el a t os à
fa br i ca çã o de ch a r ut os, ben efi ci a m en t o e ven da s de fum o.
(ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO FÉLIX: Correio de São Félix, 05/03/1955).

A modalidade de “fabr icos” sobr eviveu at é a década de 70, quando na


ant iga Vila de Cabeças ( ho je município de Gover nador Mangabeira), a fr eir a
Adélia S enn co nhecendo o pot encial da região, ainda t eve t empo de inic iar
uma pequena fabr icação de charut os na sacr ist ia da Igreja Mat r iz. E mbora
sabendo da oposição da Igreja Cat ólica em relação ao uso do fumo, 102 não viu
alt er nat iva no sent ido de organizar o grande número de mulher es ali exist ent e
cujo único ofíc io era o de fumageir a, incluindo um significat ivo número de
boas charut eiras e que, at é ent ão, não t inham seus direit os garant idos.
Assim, co m o objet ivo de legalizar o t rabalho e at ingir o maior número
de mulher es, ao lo ngo dest a década, a fr eir a fundou a Cooperat iva Art ezanal
Mixt a do Vale do Paraguaçu - COOVALE, localizada à Rua José Mart ins, na
cidade de Gover nador Mangabeira, ant iga Vila de Cabeças. Inicia lment e, a

102
Sobre a proibição da Igreja Católica ao uso do fumo ver: LE REVEREND, Julio. Historia Economica
de Cuba. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1985, pp. 42 -44.
220

Cooperat iva funcio nava em convênio com a Leit alves Agro Comercial e
Indust r ial de Fumos S/ A, sucessora da fábr ica de cigarr ilhas Leit e & Alves,
depo is em convênio co m C. P iment el, se ndo um empreendiment o que
significou, de fat o, uma alt er nat iva legal de fabr icação de charut os e de
emprego para as charut eiras daquela lo calidade. (MEMORI AL DA T ALVIS,
1972-1974; ME MORI AL DAS IRMÃS DA S. CRUZ, 1974).

FIGURA 33 – Co nfecção de charut os na – COOVALE

FO NTE: M em or i a l da s I r mã s da Sa n t a Cr uz, 1974. Ar qui vo da s Ir m ã s da Sa nt a Cr uz ,


Gover n a dor Man ga bei r a – BA.

Na fot ografia acima, est ão três mulheres sent adas em suas bancas de
t rabalho co nfeccio nando charut os. A imagem das ir mãs Eunice e Neuza
Cardoso e sua pr ima Nilzet e Rodr igues, t ambém, despert a a cur io sidade em
especular a int e nção da esco lha dest as t rabalhadoras e não de out ras para
pousar para a fot ografia. Segundo D. Benedit a, charut eira da Cooperat iva,
além dest as out ras charut eir as eram , dent re muit as, suas cont emporâneas
221

nest e t rabalho: Nicinha de Bast ião, Dio Viúva, Florz inha, Berenice ( Bereu),
Bela, T ide, filha de Manoel Gonçalves e Maur ina Araújo , t odas “mães de
família” e co m idades maior es que as t rês da foto, permit indo, pois, arr iscar a
afir mação de que a esco lha se deveu a serem est as charut eiras as ma is jo vens
e ainda so lt eiras, port ant o, com melhor aparência.
Cons iderando que o est ado civil t inha gr ande influência nest e aspect o,
porque geralment e as mulheres so lt eir as t rabalhavam para ajudar a família,
co mprar o enxoval do casa ment o e produt os de uso pessoal. As m u lheres
casadas, ao cont rár io, na ma ior ia absolut a t rabalhavam para sust ent ar a
família e, por isso, rest ava - lhe mu it o pouco para o cuidado com a aparência
fís ica. Cont udo, out ras sit uações poder iam t er influenciado est a esco lha, o
que não se admit e é que a esco lha das pessoas par a o regist ro ico nográfico ou
a esco lha do ângulo dest a fot ografia t enha sido um at o ingênuo e
despret ensio so por part e de quem a fez.
A Vila de Cabeças for mava um grande cenár io fabr il de charut os onde
as pessoas e os lugar es est ava m impregnados dos element os caract er íst icos
daquela at ividade, desde o cheiro at ivo do fumo que se espalhava ao vent o por
toda a Vila, à pr esença do fumo em "t rouxas", em "manocas", espalmados e
picot ados nas casas e espaços de co mercialização, e, os próp r ios charut os que
enfeit avam as janelas das casas, at é no chão das ruas e nos lixeiros podiam
encont rar rest os de fumo e pont as de char utos que eram varr idos port as a fora,
sendo rara a sua ausência.
Os ar mazéns de fumo e as fábr icas de charutos da região represent ara m
a oport unidade de emprego e a garant ia de um salár io para as mulheres
fumageiras. O t rabalho em do mic ílio do beneficia ment o dos fumo s e da
fabr icação de charut os, mesmo bur lando a lei e explorando em grau maior as
mulheres, t ambém, represent aram alt er nat ivas de t rabalho para aquelas que
não t iveram acesso às fábr icas legalment e regist radas e que faziam part e do
expurgo econô mico e social na região.
O fim do t rabalho em do mic ílio na região fumageira, na modalidade de
“t rouxa de enro la” e da co nfecção de char utos se inscreve no mes mo co nt ext o
da cr ise da indúst r ia t abaqueir a regio nal, acent uando -se, gradat ivament e, na
segunda met ade do século XX, quando co meçou um processo sucess ivo de
fechament o dos est abe leciment os e de decadência econô mica na região,
222

culminando nos anos 90, co m o desapareciment o das pr incipais empr esas


pio neiras no ramo, inicia lment e os ar mazéns de fumo s, e m seguida as fábr icas
de charut os, como a Dannemann, a C. P iment el e a Suerdieck. 103
A part ir de ent ão, out ras empresas se inst alaram na reg ião, int roduzindo
novas t ecno logias e inser idas no sist ema de precar ização do trabalho, a part ir
de cont ratos t emporár ios. O t rabalho em do micílio, gradat ivament e fo i se
ext inguindo, aco mpanhando o rit mo do desapareciment o do comércio dos
produtos der ivados do t abaco de fabr icação art esanal, co mo se, ao mesmo
t empo, t ambém fossem desaparecendo os próprios consumidores.
O t rabalho em do mic ílio realizado pelas mu lheres fumageir as do
Recô ncavo da Bahia, no per íodo em dest aque, deve ser co nside rado e
analisado co mo um mo do part icular de organização da produção, associada a
uma organização específica do t rabalho, pois se desenvo lveu pelo incent ivo à
subco nt rat ação ou a não cont rat ação, est a últ ima modalidade par eceu mais
co mum, co mo uma for ma par t icular de t rabalho. Assim, para a análise dest e
fenô meno, fez- se necessár io dist inguir o est at uto (i) legal das t rabalhadoras, a
sua posição econô mica, a part ir de um breve olhar sobr e o seu cont ext o .

5.2 O TEMPO, O ESPAÇO E O SEXO DO TRABALHO EM


DOMICÍLIO

Mesmo co nsiderando que o t rabalho em do micílio est á associado ao


desenvo lviment o capit alist a e m cert os set ores da indúst r ia, é de se reconhecer
que t ambém t em est reit as ligações co m a hist ória, co m as t radições e co m as
relações sociais locais e regio n ais, co nforme se obser va:

O t r a ba l h o a dom i cí l i o é or ga ni ca m en t e r el a ci ona do c om a fa m í l i a e
c om a s r el a ç õe s s oci a i s n el a c on t i da s, r el a ções de cl a sse, d e sex o,
de ger a ç õe s [. . . ] O t ra ba l h o a dom i cí l i o s e m pr e se a poi ou n o
t ra ba l h o dom é st i c o e n a di vi sã o s exua l d o t r a ba l h o t an t o n a esfer a
da pr oduçã o c om o n a da r epr oduçã o. ( ABREU E SORJ, 1993, p.22).

103
O montante das Fichas de Registros de Empregados das Fábricas Suerdieck e Pimentel, depositadas no
Centro de Documentação da Faculdade Maria Milza – FAMAM, em Cruz das Almas, e a documentação da
Dannemann no Arquivo Público de São Félix, permitem visualizar os momentos ascendentes e descendentes na
trajetória da indústria fumageira.
223

O trabalho em domicílio das mulheres fumageiras localizou-se na esfera da


estratégia de sobrevivência, criada e recriada no cotidiano feminino, delineando o
campo da conexão entre o trabalho assalariado e as atividades domésticas,
interpenetrando o público e o privado, tanto física quanto socialmente. A rua e a
casa eram separadas por uma linha tênue. “A casa é ponto de partida e ponto de
chegada”. (TEIXEIRA, 1983, p. 123). A casa era o espaço de trabalho, no âmbito
da produção, da negociação da mão de obra e da comercialização do produto, ali as
pessoas trabalhavam e transitavam na confusão das atividades laborativas, seja na
lida do tabaco, do charuto e/ou na lida das atividades domésticas. Neste caso, o
trabalho em domicílio é mediado por uma ampla rede de relações sociais que
extravasa a unidade familiar forçando estas relações e o espaço privado a se
tornarem públicos.
A discussão sobre as esferas privada/p ública, presente na historiografia,
geralmente considera o interior da casa, o espaço familiar, como a esfera privada,
relacionada diretamente à mulher; e todo o espaço exterior a este, principalmente o
mundo urbano, a rua, com suas instituições marcadas p ela presença masculina,
como a esfera pública, oferecendo pouca importância às classes a que essas esferas,
em dados momentos e contextos, pertencem.
Essas esferas assim concebidas, como estanques e eq uidistantes, valem mais
para a aristocracia e a burguesia situadas em períodos históricos determinados;
enquanto que para as classes subalternas essas esferas sempre estiveram muito
próximas e intercambiadas, num movimento circular de relações que quebra,
também, a fixidez das diversas hierarquias, inclusive as de gênero. Nesta trama,
tecida por questões em grande parte econômicas, onde transitavam as mulheres
fumageiras, revela a “articulação fina dos poderes e dos contrapoderes”, presente
na teia social. (FOUCALT apud SOIHET, p. 22). As mulheres das chamadas classes
populares visitavam muito mais a rua, abriam suas portas à vizinhança, trabalhavam
e negociavam dentro e fora de casa, (re)fundando um comportamento específico no
seu cotidiano.
As mulheres, diferentemente dos homens, executavam as atividades de
produção e reprodução no mesmo espaço e tempo, sem uma delimitação que
pudesse tornar compreensível concretamente os lugares do trabalho e das atividades
domésticas, bem como a dimensão, considerando o início e o fim de suas jornadas
diárias. Espaço e tempo eram diluídos entre as diversas atividades, não podendo se
224

perceber o tempo do trabalho e do não -trabalho, da atividade remunerada e não -


remunerada; também, não era perceptível o tempo do trabalho e do descanso.
Assim, não se pode considerar que essa s mulheres acumulavam uma dupla
jornada de trabalho, tendo como referência o parâmetro da jornada masculina de
trabalho, cujo tempo era dividido e delimitado com base em uma produção diária,
de uma única atividade laborativa restando, ainda, um tempo real para outras
atividades, seja de descanso ou para atividades que dizia respeito à vida particular.
Analisando a jornada de trabalho das mulheres costureiras das fábricas de costuras
de roupas no sudeste, Teixeira concluiu que se tratava da “dupla jornada si multânea
de trabalho, que singularmente se torna mais complexa e multiplicadora”.
(TEIXEIRA, 1983, p. 124).
Para as mulheres fumageiras que trabalhavam no próprio domicílio não se
tratava de duas jornadas de trabalho, mas de uma única e longa jornada, marc ada
pela multiplicidade de atividades diárias, cujo tempo de duração ancorava -se entre
o acordar e o dormir, sem que fosse permitido a essas mulheres um tempo próprio,
livre das amarras das obrigações com o trabalho – cuja tarefa apresentava-se, ora
determinada pelo contratante, ora determinada pelo próprio ritmo de suas
necessidades concretas – e com as atividades domésticas, de cuidar da casa, da
alimentação, de crianças e, às vezes, de idosos e doentes que habitavam o mesmo
espaço. O cotidiano das fumageiras quer no próprio domicílio, quer no domicílio de
outra mulher fumageira onde era organizado o fabrico, se constituía numa jornada
de trabalho bem maior que a média da jornada masculina, pela superposição e
complementaridade das atividades de produção e das atividades domésticas.
Trabalho e atividade domiciliar transcorriam no mesmo espaço e, ao mesmo
tempo, num processo contínuo de superposição de tarefas, estendendo -se além do
número de horas e dos dias determinados por lei para os trabalhadores em ger al.
Conforme Matos, (1993) “a problemática do tempo no trabalho domiciliar está
diretamente vinculada à do espaço”. (MATOS, 1993, p. 70).
O ritmo do trabalho e o uso do tempo pelas trabalhadoras em domicílio são
caracterizados na literatura como autônomos. Há de se considerar, entretanto, que
além da fatigante e rotineira jornada das atividades domésticas, havia a exigência
de uma produção diária a ser cumprida pelas trabalhadoras, seja ela imposta pelo
contratante, seja pelas necessidades materiais das pr óprias trabalhadoras, uma vez
225

que, para o último caso, já havia um acordo verbal selado entre elas e os
comerciantes do produto.
Em lugar da autonomia, quanto ao ritmo e ao uso do tempo, permite -se
entender que o que ocorria era uma certa flexibilidade qu anto à organização
cotidiana do tempo pelas trabalhadoras em domicílio, isto porque as mulheres não
estavam sob o controle direto da sirene e das estruturas hierárquicas da fábrica.
Todavia, o controle estava presente em um outro formato e, ao final, o tra balho das
tabaqueiras se estendia além do tempo determinado comum ao espaço fabril.
Hist oricament e, a t rajet ória da jor nada de t rabalho feminina, seja na
fábr ica ou no domicílio, t em se configurado difer ent ement e da jornada de
t rabalho masculina. E st a últ i ma era bem definida quant o ao espaço, t empo e a
própria at ividade. Quando os ho mens t rabalhadores deslocavam - se at é o
espaço de t rabalho, efet ivament e ocorr ia um cort e e/ou um dist anc iament o
ent re a casa e o t rabalho, a pr ime ira não est ava present e no segu ndo, ne m
vice- ver sa; o t empo no/do t rabalho só começava a cont ar no mo ment o em que
os ho mens co meçavam a produzir concret ament e, numa escala r ígida do uso
do t empo, at é porque o t empo da fábr ica é considerado um capit al, era o
t empo do relógio cont rolado p elo apit o; as t arefas a serem execut adas era m
bem definidas para cada t rabalhador.
O espaço domést ico não represent ava par a os ho mens uma cont inuidade
do espaço fabr il, nem mesmo um out ro espaço de t rabalho, apenas o de seus
aposent os. Ao cont rár io das mu lher es, os ho mens vivenciavam “a po lar ização
ent re t empo de trabalho e de não -t rabalho”. (MATOS, 1993, p.69). Se não
bast asse o t empo, o salár io dos ho mens trabalhadores dest a mesma indúst r ia
era, na ma ior ia das vezes, ma ior que o salár io das mulher es. P ara as mulheres
fumageiras em do mic ílio, a sit uação de infer ior ização era ainda ma ior, po is,
impunha- se sobre elas alé m do est igma do salár io menor e m relação aos
ho mens, o est igma do salár io menor em r elação às fumageiras que se
encont ravam inser idas no mer cado de trabalho for mal. 104
O salário menor para as mulheres fumageiras, trabalhadoras no domicílio,
naquele contexto, não obedece apenas a uma única lógica explicativa, mas a

104
Neste caso, o salário significa todo e qualquer ganho financeiro que as mulheres tinham com a realização do
seu trabalho, independente de ser pago pela fábrica, por uma tarefa realizada no domicílio, ou o recebimento do
valor da venda dos charutos produzidos e vendidos “por conta própria”.
226

diversos fatores intrínsecos, tanto ao capitalismo no que diz respeito à exploraç ão


da mão de obra canalizada para o lucro, a um contexto socioeconômico e político
favorável a atuação dessas empresas e às condições materiais das mulheres, quanto
à questões históricas e culturais.
Segundo Ramos (1993), “a pesar de la incorporación de las mujeres e
mercado laboral, éstas veían reducidas sus vidas, en el hogar, al simulacro, (...) el
trabajo femenino no era reconocido en los mismos términos que el de los hombres”.
(RAMOS, 1993, p. 82). As mulheres trabalhadoras não estão desvinculadas do
espaço doméstico, por isso o trabalho feminino não tem o mesmo reconhecimento
que o trabalho dos homens, sendo a valoração que, culturalmente, foi agregada aos
espaços privado (como espaço feminino) e público (como espaço masculino), o viés
preponderante das hierarquias do trabalho masculino e feminino.
As condições de trabalho nos domicílios eram ínfimas, tal qual o salário.
Costa Pinto ao descrever a pobreza da classe trabalhadora da zona fumageira,
afirma que “As habitações internamente são escuras, desc onfortáveis e equipadas
com menos do mínimo necessário para manter um nível de vida humanamente
razoável”. (PINTO, 1998, p. 128).
Na fala de D. Benedita, também se identifica que as casas da maioria das
fumageiras à domicilio, geralmente, eram pequenas e com poucos móveis, apenas o
essencial para acomodar os moradores. Algumas cadeiras e bancos de “tiras”, uma
mesa, cama(s) e um fogão à lenha ou fogareiro e os utensílios domésticos, dentre
estes era comum, em todas as casas, a existência de bacias para lav ar pratos, roupas
e tomar banho, além de potes, moringas ou “talhas” para água de beber. E, na sala,
às vezes única e principal, um nicho ou altar de imagens, quadros de santos,
castiçal, vela e outros objetos, todos pertencentes ao universo católico. Este
ambiente era invadido pelos fumos dos armazéns e das fábricas de charutos,
espalhando-se por quase toda a casa, seja em pequenas porções, conforme as etapas
de trabalho, seja em resíduos; o cheiro forte do tabaco exalava em todo o ambiente
atingindo até a parte externa da casa. Ali as pessoas trabalhavam e moravam,
convivendo diariamente com o fumo espalhado, o pó, o aroma e o cerol
impregnados por toda a casa, propiciando doenças alérgicas e a tuberculose.
À noite quando esse trabalho se estendia, a iluminação era feita por
candeeiros, conhecidos como “fifós”, a base de querosene, que dissipavam no
ambiente uma fumaça escura e o cheiro forte do combustível. Devido a sua precária
227

iluminação, eram colocados muito próximos das pessoas, prejudicando


105
sensivelmente a visão das trabalhadoras.
Geralmente, o tabaco específico para a confecção dos charutos eram folhas
de fumo já tratadas, beneficiadas e selecionadas. Diferentemente destes, o fumo das
“trouxas de enrola”, era de qualidade muito inferior, folhas muito pequenas, muito
amassado por ser proveniente de fardos imprensados, o aroma e a poeira eram
sufocantes, numa quantidade que variava entre 10 a 30 quilos cada trouxa. O
volume desse tipo de fumo, todo o processo de “destalação” e o cheiro que exalava,
transformava o ambiente domiciliar numa espécie de extensão do armazém,
misturando-se aos móveis, utensílios e pessoas, inclusive às crianças, formando um
cenário caótico revelador das condições socioeconômicas das famílias chefiadas
pelas mulheres fumageiras. D. Tereza Ramos, descreve a sua rotina:

T ra ba l ha va n o Ar m a z ém de di a , pa ssa va c om a t r ouxa de fum o n a


ca be ça , de dez a doz e qui l os, ch ega va em ca sa , joga va n o ch ã o, i a
fa z er a ba ga t el a dos fi l h os, da r ba nh o, os m ai or z inh os da va n os
pequen os, fa z i a o ca fé, da va a el e s e sen t a va . [ent enda-se que
era para t rabalhar co m a t rouxa de fumo]. T inh a dia s quan do
eu i a m e dei t ar, dei t a va a ssi m n os pés da ca m a , que a s m inh a s m ã os
a s vez es n ã o desci a pr a la va r, pr a t ira r uma m a dorn inha . Com
pou c o, c om e ça va a a m anh ec er o di a . E u l eva n t a va , o fum o t a va t od o
a í a in da. As vez es, qua n do da va t em po, eu a rr um a va a tr ouxa ,
a m arr a va pr a bot a r n a ca be ça de m anh ã . T inha vez que n ã o da va
t em po, eu d ei t a va m i nh a ca be ça , t i r a va um a m a dor n inha , quan do e u
m e a ssust a va er a ci n co h or a s, ia fa z er o ca fé pr a dar a os fi l h os .
T od o di a er a a ssi m. Na quel e t em po, n ã o t inh a l uz el ét r i ca a qui, er a
fi fó. D e m a nh ã , a s n ar ina s m inh a s a m anh eci a chei a de bor r ã o, sa b e
c om o é bor r ã o do ca n deei r o. E r a en t upi do c om o s e fos se um
ch ar ut o, de t om a r fum a ça de ca n deei r o a n oi t e t oda . Er a pr a in t eir ar
qua n do eu r ece bess e n o di a de sext a fei r a , o que eu r ec e bi a pr a
fa z er a fei r a . Se n ã o fi z es se t r ouxa , o di n h eir o n ã o da va . (RAMOS ,
2007).

Conforme afirmam Abreu e Sorj (1993), “para qualquer tipo de atividade a


domicílio existe uma superposição do espaço e do tempo dos trabalhos profissional
e doméstico, situação que favorece um acúmulo máximo das tarefas e que torna sua
imbricação invisível aos olhos do trabalhador”. (ABREU E SORJ, 1993, p.23). O
trabalho a/em domicílio sempre esteve, estritamente, interligado ao trabalho
doméstico, sob a estrutura da divisão sexual do trabalho, de um lado na esfera da
produção e de outro na esfera da reprodução. Como no início do processo de

105
Bendita R. da Silva - descrição do domicílio das fumageiras que realizavam o trabalho de escolha do fumo em
suas casas .
228

industrialização européia segundo Guimarães (1979), no contexto socioeconômico


da região fumageira e nesta modalidade de trabalho, as mulheres também foram
submetidas às piores condições de trabalho, à medida que foram mantidas todas as
tarefas domésticas. (GUIMARÃES, 1979, p. 16).
Porém, mes mo consider ando a sobrecarga de t rabalho sob as piores
condições, o t rabalho exercido pelas mulheres fumageiras, desde a fábr ica ao
domic ílio , acarret ou mudanças no co mport ament o e no modo de pensar, po is
ao ouvi- las per cebe- se no t om da voz a expressão de um fort e vínculo ent re
t rabalho e aut onomia, mesmo que est a est ivesse apenas relacio nada às
quest ões econô micas, não havendo grandes alt erações na est rut ura hierárquica
das relações sociais de gênero. Apesar de t rat ar -se de sit uações difer enciadas,
mas ana lisando at it udes de mulheres em relação ao t rabalho, Besse (1999),
t ambém afir ma que “suas carreir as lhes ofereciam mais do que dinhe iro:
independênc ia, prazer, consecução dos próprios o bjet ivos e um sent iment o de
valor pessoal e aut o -realização.” (BESSE, 1999, p.173).
Ao analisar o impact o que o t rabalho causa na vida das mulheres, ant es
dedicadas apenas aos afazeres do mést icos, percebe -se que as quest ões de
raça/et nia, classe, geração podem ser bast ant e díspares, mas a quest ão de
gênero, mesmo var iando os graus de subordinação e oscilando nos cont ext os
hist ór icos, t em perpassado a vida de t odas elas, co mo uma mar ca hist ór ica que
t em merecido a at enção daquelas – as feminist as – que, diut ur nament e, vêm
co mbat endo at ravés da reflexão, análise e dos mo vimen t os, numa lut a abert a
cont ra os poderes const it uídos ou não, a subordinação das mulheres.
Na historiografia é visível como o trabalho em domicílio, aquele que tem
imbricação direta com as atividades domésticas, tem sido imposto como uma
atividade específica de mulheres, sempre ligada a família, desde tempos remotos
quando esta representava o núcleo da produção de mercadorias destinadas ao
consumo dos seus membros e, em outros momentos, quando as mudanças na
organização da produção determinaram, também, mudanças nas atividades a serem
realizadas pelas mulheres. (GUIMARÃES, 1979, p. 7 -10).
A produção que, nos seus pr imórdios, surge no seio da família onde a
at uação das mu lheres era mais marcant e, com o advent o da Revo lução
Indust r ial e o processo de for maç ão da força de t rabalho deslocou -se para o
espaço fabr il, t razendo graves implicações para as mulher es no campo do
229

t rabalho e de sua aut onomia, po is passaram a at uar apenas no campo


domést ico, desenvo lvendo uma at ividade que “não se inclu i no circuit o
mo net ár io da produção social”. (GUIMARÃES, 1979, p. 11).
Seguindo est e percur so, o que a hist ória revela, de fat o, é que não há
profissões de nat ureza feminina ou masculina por excelência, elas se t orna m
femininas ou masculinas, caract er izando uma cult ura hist or icament e
const ruída e legit imada pela hierarquia de gênero, “no int er ior de um sist ema
de relações desiguais”. (SOIHET, 2001, p.15).
Sendo no bo jo do mesmo processo de indust r ialização que t ambé m
foram redefinidos os padrões sociais, fazendo emergir uma nova sociedade
que reordena um no vo papel para as mulheres. Por outro lado, a det er ioração
das condições de vida das c lasses t rabalhadoras, confor me afir mação de
Guimarães (1979), “é o mecanis mo mais percept ível para se explicar o modo
co mo as mulher es se inserem na formação da força de t rabalho ”.
(GUIMARÃES, 1979, p. 13).
Quant o ao cont ingent e das mulher es que t rabalhavam e m do mic ílio, na
preparação dos fumos ou na confecção de charut os, a document ação
consu lt ada, bem co mo os depo iment os , não oferece números, apenas pont uam
cat egoricament e para o envo lviment o de quase t oda a população feminina da
região. 106
Enfim, apesar de se t rat ar de uma região co m um quadro social
caract er íst ico de muit a pobreza, acent uando -se mais ainda quando se t rat ava
da população envo lvida co m a at ividade fumageira, mas a divisão sexual do
t rabalho mant inha- se so b os parâmet ros da sociedade pat r iarcal, onde as
funções e os lugares de cada um eram bem definidos na escala social. Os
ho mens, empregados ou não, exercia m sempre funções c aract er izadas pelo uso
da força valorada posit ivament e e/ou do poder que exercia m, co nfor me a
posição que ocupavam na hierarquia do t rabalho, porém, uma das
caract er íst icas fundament ais do t rabalho masculino, para aquela r egião
naquele mo ment o, era ser for a do domic ílio. O t rabalho do mic iliar
relacio nado ao t abaco - “t rouxa de enro la” ou de co nfecção de charut os - no
Recô ncavo Baiano, mesmo que est e represent asse a maior ou a única renda da

106
Vê PINTO, 1998; Jornal O Correio de São Félix; Atas da ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DA BAHIA; dentre
outros.
230

família, não se t em regist ro que t ambém fosse uma at ividade desempe nhada
por homens.
Dest a for ma, a co mpreensão do t rabalho em do micílio, realizado pelas
mulheres fumageir as da região do Recô ncavo Baiano, deve passar,
pr ior it ar iament e, pelo ent endiment o das relações de gênero t ecidas
hist or icament e no cot idiano de mulher e s e ho mens. Percebe- se que o gênero
dessas t rabalhadoras definiu as caract er íst icas do t rabalho em do micílio ,
enquant o isso, as fumageir as r ecorreram a o trabalho em do mic ílio co mo uma
est rat égia de sobrevivência, uma vez que se t rat ava de mulheres pobres d os
meios ur banos. Dest a for ma, faz-se necessár io co mpreender os processos
sociais e eco nô micos que agiram simult aneament e, int erca mbiando -se,
durant e o processo de const rução, t ant o discur siva co mo ideo lógica, d as
exper iências e da hist ór ia d as t rabalhador as fumageir as do Recôncavo Baiano ,
no cont ext o da sociedade cont emporânea.
231

CONSIDERAÇÕES FINAIS

T e m po Re i !
Oh T e m po Re i !
Oh T e m po Re i !
T ransform ai
As v e l has form as do v i ve r.
Gi l ber t o Gi l

O tempo é rei, e a vida é uma lição


E um dia a gente cresce
E conhece nossa essência e ganha experiência
E aprende o que é raiz então cria consciência.
Hei t or e Ch or ã o

Para fina lizar, por ora, est a reflexão, faz - se necessár io ret omar o iníc io
e repensar o fio condut or que per meou est a invest igação que, de modo geral,
fo i pensar as r elações sociais t ecidas pela s mulheres fumageiras no âmbit o do
232

t rabalho fabr il no Recô ncavo Baiano, quest ionando os lugares ocupados pela s
t rabalhadoras fumageiras no co njunt o d essas relações sociais, pr inc ipalment e,
no que se refer e aos ho mens/t rabalhadores e a est rut ura socioeconô mica que
lhes o fer eciam t ant o a indúst r ia co mo o cont ext o regional. Pensar co mo e
quant o as difer enças ent re os sexo/gênero foram negadas, ao mesmo t e mpo e m
que foram exploradas no/pelo t rabalho, com prejuízos para as mulheres.
Part indo do espaço social e eco nô mico que se for mou e refor mou ant es
e durant e a implant ação do “pó lo indust rial” fumageiro – o Recôncavo –,
visualizou- se o cont ext o socioeco nô mico e cult ural a que pert enciam as
fumageiras e onde at uaram co mo t rabalhadoras no per íodo supracit ado. Ent ão,
fazendo os recort es a part ir das at ividades econô micas ali desenvo lvidas fo i
possível det er minar ou definir, mesmo que provisor iament e, o Recôncav o
fumageiro, est e que além de se tornar, durant e a pr ime ira met ade do século
XX at ravés do capit al est rangeiro, o maior produtor de fumo s na Bahia, o
pr incipal cent ro de export ação desse produto, bem co mo, das manufat uras de
beneficia ment o de fumos e fabr icação de seus der ivados, t ornou -se o cenár io
de t rabalho das mu lheres pobres, est as que ora lembram - no co mo um espaço
de co nquist as e de vit ór ias, ora co mo um lugar de so fr iment o e humilhação,
porquant o ali se fundia m a oport unidade de t rabalho par a supr ir suas
necess idades mat er iais e a opressão/exploração, est as que agiam de for ma
int egrada e emblemát ica na vida das t rabalhadoras fumageiras.
Ao buscar conhecer alguns aspect os que cont r ibuíram para a for mação
so ciocult ural da população do Recôncavo, fo i p ossível delinear as pr inc ipais
caract er íst icas que cir cunscrevem o grupo de mulheres fumageiras,
co mpreendendo co mo um dado relat ivo, pois se t rat a de um result ado que não
fo i e não é est át ico, mas dinâmico a par t ir de um processo de reelaboração
cont ínua que ocorre no t ráfego das relações sociais.
Assim, para o per íodo em dest aque, a população da região apresent ava -
se densament e miscigenada result ando num t ipo ét nico deno minado por
Azevedo (1968) de "mulat o escuro" e, pelo Censo (1950), de pardo, revela ndo
caract er íst icas de uma população não branca, nem exclusiva ment e de cor
pret a. Quant o ao est ado civil, predo minavam ent re as fumageiras as uniõ es
livres na for ma do concubinat o, àquelas que C. P int o (1998) deno minou de
“uniões conjugais ext ralegais, de puro amasiado”, que se inst it ucio nalizaram
233

co mo uma pr át ica recorrent e nas áreas ur banas da zo na do fumo do


Recô ncavo. E m part icular, as mulher es fumageiras eram, na maior ia, chefes
de suas própr ias famílias, arcava m co m a manut enção da casa e t odas as
despesas financeir as da família, bem como, a responsabilidade mat er ial e
social, da educação dos filho s. Além do quadro econô mico que se delineou,
durant e mais de meio século, na região fumageir a, est as peculiar idades e
caract er íst icas de cunho socio cult ural que ali se desenvo lveram emprest ara m
uma fisio no mia própr ia à população ligada especificament e à at ividade
fumageira que a faz abr igar a mesma cr ença subjet iva em uma procedência
co mum.
Buscando uma aproximação maior, no sent ido de co mpr eender as
hist ór ias de vida engendradas no cenár io da labut a fumageira, co locou -se em
paut a diret ament e a hist ór ia de algumas fumageiras, mesmo que brevement e,
mas r epresent at ivas de um conjunt o social maior. Foram esco lhidas muit o
mais por or ient ação das fo nt es, do objet ivo e da nat ureza do t ext o do que da
própria vont ade, po is, se assim fo sse regist rar ia a hist ór ia de t odas as
fumageiras, uma vez que o sent iment o é o mesmo que Ecléa Bosi expressou
em sua no bre frase e que mer ece repet ir aqui, co m efeit o do dever de
“r egist rar a voz e, at ravés dela, a vida e o pensament o de seres que já
t rabalhara m por seus cont emporâneos e por nós”. (BOSI, 1994, P. 37). Dadas
a est as limit ações, just ifica-se o númer o de fumageiras cont e mpladas para
at ender à propost a.
Est as mulher es que ocu param diversos lugares no cont ext o do t rabalho
e da sociedade fumageira, decert o represent am aqui o cont ingent e de
t rabalhadoras dist r ibuído nas diversas t arefas/ funções exercidas t ant o no
âmbit o dos est abeleciment os fabr is quanto no domic ílio das t rabalha doras,
sendo que esse cont ingent e era co mposto por, aproximadament e, 70% de
mulheres. Mas, fo i a divisão sexual do t rabalho que per mit iu suscit ar quest ões
que int erpe lam as relações de gênero no t rabalho, assim co mo, co mpreender
que os mecanismos de do mina ção e de exploração adot ados pela organização
fabr il, implicavam, t ambém numa r espost a – a dinâmica das ações de
resist ência por part e das trabalhadoras.
Iniciou-se, port ant o, pela análise dos diver sos e dist int os locais de
t rabalho e, por conseguint e, a s ua organização fís ica e funcio nal que baseava -
234

se na divisão sexual do t rabalho, est a que se ser via e, ao mesmo t empo,


reforçava as relações sociais pat r iarcais ali (re) fundadas. A concepção que
perpassava a divisão sexual do t raba lho se fazia t ão perver sa que at ingia não
apenas as t rabalhadoras, co mo t ambém as mulheres das famílias propr iet ár ias,
pois não se ident ificou o envo lviment o delas na administ ração das empresas
que aqui se est abelecer am por muit os ano s, excet o quando da mort e de algum
sócio ma jor it ár io e por falt a de out ro dependent e. A chefia das empresas
fumageiras era, port ant o, exclusivament e masculina, sendo esse modelo
aplicado ent re as t rabalhadoras(es), em suas diver sas funções, reforçando os
est ereót ipos relac io nados aos ho mens e as mulher e s, no que diz respeit o à
det er minação cult ura l de seus lugar es nos espaços de t rabalho, o que
caract er izou est as empr esas co mo um empreendiment o sexist a ao lo ngo de sua
hist ór ia no Recôncavo Baiano.
Dest a for ma, ampliou -se a co mpr eensão sobre est e ce nár io e suas
relações sociais á medida em que não mais se focaliza o campo econô mico
co mo única possibilidade de explicação dos significados da subjet ividade e da
exper iência humanas, mas, co mo Zadig 107, usando o mét odo invest igat ivo de
examinar os vest ígio s, passou-se a enxergar os fenô menos além do concret o e,
perceber co m maior r elevância o campo das diferenças e das r elações de
poder que dividem por sexo os agent es sociais.
Assim, at ravés do olhar vo lt ado para a sexualização das t arefas, as
ocupações e as r elações hierárquicas no âmbit o da indúst r ia fumageira pode -
se co mpreender os mecanismos de desigualdade e de do minação de gênero
aplicados às mulher es fumageiras no curso de seu t rabalho e de suas vidas.
Co mo toda ação é passível de reação e co mo relaçõ es de gênero são
sempre relações de poder, as t rabalhadoras não est iver am inert es fr ent e ao
est ado de suje ição impost o a elas. E, embora, as font es não t enham regist rado
at os de resist ência organizada e co let iva das t rabalhadoras naquele per íodo,
sequer po de-se afir mar que havia de forma expl íc it a uma co nsciênc ia de
gênero e/ou de classe, mas ident ificou - se vár ias sit uações imple ment adas
pelas fumageiras nos ambient es de t rabalho que são caract er íst icas de lut a e

107
Per son a gem da Novel a e scr i t a pel o fi l ós ofo V ol t a ir e em 1747. CHALHOUB, Sidney. Visões
da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
235

resist ência à exploração e a dominação. De n at ureza sut il e, às vezes,


diss imulada, est as reações funcio naram e fizeram o enfrent ament o, t anto que,
se suscit ou, t ambém, a respost a da chefia das empresas e de seus auxiliares,
at ravés dos mecanis mo s de co nt role e de disciplina aplicados às
t rabalhadoras.
Para se co mpreender, de um lado, como se est rut urou a dominação dos
ho mens sobre as mulheres e, de out ro, como funcio nou a resist ência cont ra
essa do minação, associada à exploração, fez - se necessár io, inicia lment e,
buscar a concepção e at uação do pat r iarcado a part ir da visão das feminist as
(do pat riarcado), por ent ender que o conceit o de pat riarcado t em sido usado
para deno minar a subordinação das mulheres, uma vez que t odas as
sociedades cont emporâneas encont ram- se so bre o do mínio dos ho mens –
mesmo que seja em graus difer ent es –, pr incipalment e, no que se refere às
at ividades po lít icas e eco nô micas, po is se t rat a de um sist ema de do minação
classist a e não nat ural/ bio lógico.
Assim, a do minação masculina so bre as mulher es t em sido
hist or icament e reest rut urada, confor me os processos de t ransfor mações
polít icas, sociais, cult urais e econô micas, passando a fazer part e da est rut ura
da sociedade at ual. O que, necessar iament e, equiva le lembrar aos desavisados
que o pat riarcado não acabou e que t ent ar desco ns t ruir out ras abordagens que
o nat uraliza ou o t oma co mo ahist ór ico é uma posição po lít ica, de fat o,
porque t ant o uma posição quant o a outra são polít icas e não há posição que se
tome na const rução do conheciment o que não seja po lít ica. Co nt udo, a
preocupação que orient ou est a análise fo i ent ender co mo se caract er izavam e
se organizavam as r elações sociais pat riarcais no âmbit o da indúst r ia
fumageira e co mo as mulher es t rabalhadoras se mo via m nesse ambient e
minado pela opressão e pela exploração, à medida qu e lut avam pela
sobrevivência mat er ia l e social.
Mas, co mo fo i dit o, a hist ór ia t em t est emunhado muit o mais as lut as das
mulheres que a sua passividade diant e do seu opressor e, apesar da
fiscalização e da disciplina impost as às fumageiras, elas det inham o saber da
preparação dos fumo s e da confecção dos charut os o que as fazia m co nt rolar,
t ambém, a produção. É nest e sent ido que se concorda co m Foucault (1979),
quando ele afir ma que “o saber acarret a efeit os de poder”, po is o saber das
236

mulheres fumageir as re present ava, por out ro lado, um inst rument o de


enfrent ament o à do minação, possibilit ando a const it uição de novas r elações
no campo do poder no univer so fabr il regio nal, que passava ora por
negociações, ora por conflit os ent re as par t es.
Dest a for ma, per mit e- se repet ir o que já dissera ant es que a resist ência
for jada pelas fumageir as no ca mpo do t rabalho fabr il deve ser car act er izada
co mo uma das for mas de poder, como um poder “per ifér ico” e que não fo i
confiscado nem absor vido pela est rut ura dominant e, ao c ont rário, const it uía-
se co mo uma prát ica po lít ica aut ôno ma que perpassava as relações de t rabalho
e as relações de gênero, embora, deva -se ent ender que essa prát ica não
diminu ía o poder exerc ido pelas indúst rias sobr e as t rabalhadoras, mas
forçava uma reelaboração diár ia das est rat égias que nort eavam as relações
sociais ent re aqueles suje it os, considerando que o poder se disseminava por
toda a est rut ura social da indúst r ia fumageir a.
Enfim, é preciso obser var que, apesar da abordagem sobre a sit uação e
at uação das t raba lhadoras fumage ir as , dest aca-se co m maior ênfase as
hier arquias ent re elas e os ho mens , e ent re elas e o seu lugar no t rabalho, e
não t ant o a co mplement ar idade e int erdependência das relações, o que import a
sinalizar é que t ant o uma quant o as out ras est avam pr esent es, porém, e m
graus e níve is diferenciados.
O t rabalho das fumageiras não se rest r ingiu aos est abeleciment os fabr is,
avançou para o âmbit o ext er no, para o domic ílio das próprias t rabalhadoras e
de out ras mu lheres que não est avam inse r idas legalment e na produção das
empresas. O est udo desse labor que ora se deno minou de “t rabalho a
domic ílio ” encont rou apoio, pr incipalment e, nas abordagens de Alice Range l
Abr eu, Bila Sor j e Robert o Ruas (1993), dent re out ros.
O est udo per mit iu percebe r que o t rabalho em do micílio das
t rabalhadoras fumageiras iniciou parale lament e à imp lant ação da indúst r ia
fumageira na região, ora mot ivado pela sit uação econô mica das mu lheres, ora
pelas empr esas que via nessa possibilid ade, alé m da exploração diret a , a
for mação de um exér cit o de mão de obra disponíve l co mpost o,
exclusivament e, por mulheres, fat o que result ava da recr iação e manut enção
dos est ereót ipos de gênero, largament e ut ilizados pelo s empresár io s que se
t raduzia na feminização desse lugar : o das at ividades manuais e delicadas,
237

necessár ias para o trat ament o dos fumo s e confecção dos charut os e
cigarr ilhas.
No âmbit o da indúst r ia fumageira, o t rabalho em do mic ílio consist iu em
duas modalidades, aquela que ocorr ia na residência o nde t rabalhavam as
mulheres pert encent es à mesma família , e na modalidade de “fabr icos”, uma
casa onde se reunia m, t ambém, out ras mulheres, co m ou se m vínculo de
parent esco, ligadas apenas pelo int eresse no t rabalho de confeccio nar
charut os. Assim, fora do r it mo sist emát ico da fábr ica, sem a prot eção de uma
legislação t ant o no tocant e aos direit os t rabalhist as quant o à regulação de
preços dos produtos no mercado clandest ino, const it uír am -se num t rabalho
invis íve l.
Por out ro lado, obser vou -se, t ambém, o carát er de co mplement ar id ade
subordinada, impost a t ant o pela divis ão dos espaços – indust r iais e
domést icos –, quant o pela divisão de t arefas embut ida num sist ema de valor
hier árquico que se caract er iza co mo infer ior por ser realizada por mulher es no
espaço domést ico, acent uando a s desigualdades de dire it os e as cont radições
das relações de gênero, confir mando a vis ão de Sohiet (2001).
Assim, o t rabalho em do mic ílio, apesar de não possuir a est rut ura de
mo nt agem nem a organização da fábr ica propriament e dit a, era respo nsável
por uma produção de fumo s e der ivados que at endia em larga escala ao
co mércio infor mal, bem co mo, as enco mendas das fábr icas for mando uma rede
de mão de obra margina l.
Out ro aspect o obser vado é que não se pode cons iderar que essas
mulheres acumulavam uma dupla jor nada de t rabalho, t endo co mo referência o
parâmet ro da jornada masculina de t rabalho, cujo t empo era dividido e
delimit ado co m base em uma produção diár ia, de uma única at ividade
laborat iva. Para as mulheres fumageiras que t rabalhavam no próprio do mic íl io
não se t rat ava de duas jor nadas de t rabalho, mas de uma única e lo nga
jor nada, marcada pela mult iplic idade de at ividades diár ias, cujo t empo de
duração ancorava-se ent re o acordar e o dormir, sem que fo sse per mit ido a
essas mulheres um t empo próprio, li vre das amarras das obr igações co m o
t rabalho.
Dest a for ma, a co mpreensão do t rabalho em do micílio, realizado pelas
mulheres fumageir as da região do Recôncavo Baiano , passa, pr ior it ar iament e,
238

pelo ent endiment o das relações de gênero t ecidas hist or icament e no cot idiano
de mulheres e ho mens. P ercebe -se que o gênero dessas t rabalhadoras definiu
as caract er íst icas do t rabalho em do micílio, enquant o isso, as fumageiras
recorreram ao t rabalho em do micílio co mo uma est rat égia de so brevivência,
uma vez que se t rat ava de mulher es pobr es dos meios ur banos.
Mesmo co nsiderando que o t rabalho em do micílio est á associado ao
desenvo lviment o capit alist a e m cert os set ores da indúst r ia, é de se reconhecer
que t ambém t em est reit as ligações co m a hist ória, co m as t radições e c o m as
relações sociais car act er íst icas da região. Pois, apesar da opressão e da
exploração so fr idas pelas mu lheres fuma geir as no campo do t raba lho, elas,
t ambém, souberam se ut ilizar das br echas que a própr ia organização
econô mica e social lhes ofereceu na quele mo ment o, para alavancar suas vidas
da precar iedade co ncret a e da invis ibilidade social em que vivia m.
Mas, o fat o de as mulheres pobres do Recôncavo t erem enco nt rado na
indúst r ia fumageir a a oport unidade de t rabalhar e, conseq uent ement e,
melhorar eco nô mico e socialment e suas vidas, habilit a r econhecer que houve
um processo de empoderament o dessas mulher es? Co mpreende -se que depende
do sent ido que se possa d ar ao t er mo “empoderament o” e em que área da vida
das mulher es ele possa, de fat o, acont ecer e g erar algum t ipo de
t ransfor mação.
At ravés dos est udos realizados por Magdalena Léo n, o t ermo
empoderament o significa “dar poder y conceder a algu ien el ejercic io de l
poder”. (LÉON, 2000, p. 192). Ainda, segundo Léon, o uso dos t er mos
“empoderamient o e emp oderar” sina lizam ação e implica que o sujeit o se
convert e em agent e at ivo co mo result ado de ação que var ia de acordo com
cada sit uação concret a. Cont udo, a autora chama a at enção para o uso
generalizado do conceit o incorrendo em ambiva lências, cont radiçõe s e
paradoxos. E apo nt a que vár ias discip linas ap licam o t er mo em seus t rabalho s
e at ividades, nas ma is diversas acepções e mesmo os est udos de mulheres , e
de gênero t em ut ilizado o conceit o co mo um dos eixos do seu discur so sem
chegar a um consenso, pois há um vast o uso do conceit o indicando int egração,
part icipação, aut onomia, ident idade, desenvo lviment o, dent re out ros, mas nem
sempre se refere a sua or igem “emancipadora”. (LÉON, 2000, p. 194).
239

Léon recorre a aut oras que, ao discut ir o conceit o de empoder ament o


em relação às mulheres e às relações de gênero, afir mam que o conceit o só
t em significado “se for ut ilizado para a t ransfor mação social, segundo a
concepção feminist a do mundo”, o que significar ia uma alt er ação radical dos
processos e est rut uras que reproduzem a posição subordinada das mulheres
co mo gênero. Pois, segundo a aut ora, o t ermo empoderament o por part e do
feminis mo t em suas raízes na import ância adquir ida pela ideia de poder, cuja
discussão passa por Gramsci, Foucault e Paulo Fr eir e, cont ud o, ela chama a
at enção que est es aut ores, em suas discussões so bre o poder , não cont emp lam
explicit ament e as relações de gênero.
O est udo realizado por Léon apont a para dois posicio nament os que,
aparent ement e, são cont rár ios, mas que se acredit a depender d os cont ext os e
sit uações vividas por cada grupo de mulheres. Léon expõe, ent ão, as defesas
de que, de um lado, deve -se t ransfor mar a consc iência para emancipar e, de
out ro lado, diant e das urgências, deve -se empoderar as mulheres para se
chegar à t ransfor mação da co nsc iência. Diant e da problemát ica, a aut ora
sinaliza que a invest igação sobr e empoderament o ainda é muit o escassa e é
uma t arefa que est á ainda por fazer.
Cons iderando todas as especific idades que envo lvera m a vida e a
sit uação das t rabalhadoras fumageiras, e todas as especificidades que est a
análise pode alcançar, ent ende-se que: o fat o de as mulher es est arem
t rabalhando co m vínculo empregat ício o u não, apenas o bser vando a quest ão
econô mica em si, não oferece subsídios para se afir mar que houve o
rompiment o da sua sit uação de mulher, ou seja, não houve modificações e m
seu est at uto de gênero, t ant o no âmbit o do t rabalho quant o no âmbit o da
família e, por conseguint e, da sociedade. Port ant o, não houve o
empoderament o nos mo ldes propostos pelas anál ises de Léon (2000), da
t ransfor mação da consciência para ga lgar a emancipação. Mas não rest a
dúvida que o t rabalho para as mulher es fumageir as r epresent ou um lugar
import ant e na const rução de sua cidadania, da sua aut oest ima enquant o
indivíduos que foram ao lo ngo de sua hist ória expropr iados de sua liberdade e
da capacidade de aut orealização pela própr ia aut ono mia.
O ingr esso das mulher es nos espaços formais de t rabalho significa
apenas uma possibilidade real de empoderament o, mas, desde que, at ravés
240

dele, no grupo, possa-se t ransfor mar a consciência par a emancipar - se ou a


emancipação econô mica possa ser um vet or de t ransfor mação da consciência,
porém, que não deva ser apenas a consciência de classe, mas, sobr et udo a
consciência de gênero. Devendo, port anto, relat ivizar qua lquer reducio nismo
de causa e efe it o dir et o e imediat o, ent ende -se que a explicação da
“int ensificação de uma consciência de mulher” não ser ia “pelo ingresso
expressivo das mulher es no mercado de t rabalho”, mas, ao cont rár io, “a
int erdepe ndência dos element os de ordem eco nô mica, demográfica, social e
cult ural deve ser fort ement e sublinhada ant es de se inic iar qualquer análise do
t rabalho das mulher es”. ( KARTCHEVS KY-BULPORT, 1986, p. 15).
Enfim, chega- se aqui co m mais quest io nament os do q ue r eceit as
ideo lógicas, po is, o leque das inquiet ações que engendrou as pr imeiras ideias
sobre o t ema, t ornou -se maior e mais complexo que no início, sendo ist o a
maior cert eza no mo ment o. Mas, co mo é do dever acadêmico cabe encerrar
est a exposição co m algumas considerações.
A p erspect iva feminist a que fundament ou a análise hist ór ica da vida das
fumageiras possibilit ou agregar out ros pressupost os t eóricos que, embor a
t radicio nais, expressam posicio nament os polít icos convergent es co m a quebr a
dos velho s paradigmas const rutores e mant enedores de u ma hist ór ia classist a,
racist a e sexist a. As fo nt es – oral, escr it a e a imagem – vis it adas e
revis it adas, foram aqui cruzadas para melhor favorecer a recr iação dos fat os
que, cert ament e, povoaram as hist ór ias e as m emór ias das mulheres
fumageiras do Recô ncavo da Bahia. Porém, vale ressalt ar que, at é aqui, a
leit ura das font es significou, apenas, um o lhar lançado sobre uma imensa
plur alidade humana que co mpreende muit os aspect os, pr incipalment e, o
econô mico, social, ét nico, cult ural, de classe, de gênero e de geração , est ando
ainda por esgot ar .
Sem pret ender ser exaust iva, nem abarcar todas as possibilidades de
análise t eórica e met odológica dest a problemát ica, mas, ao ident ificar e
analisar as represent ações de gênero e de classe dos grupos que fora m
deixados fora da hist ór ia e, nest e caso das mulher es t rabalhadoras da indúst r ia
fumageira do Recôncavo, acredit a -se t er evidenciado a dimensão da
dominação sexual pr esent e na subordinação do processo de t rabalho, as
desigualdades hist or icament e const ruídas ent re aquelas mulheres e os ho mens
241

e ent re elas e a hierarquia da indúst ria fumageira e, conseqüent ement e, as


post uras e reações das própr ias t rabalhadoras frent e ao s mecanis mo s de poder
e às relações de gênero t ecidas no âmbit o do t rabalho, e é por isso que
considero t er escr it o part e de uma hist ória na per spect iva feminist a.

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Amaral). Bahia: Editôra Itapuã. Vol. I, 1969.

WEINSTEIN, Barbara. A Pesquisa sobre Identidade e Cidadania nos EUA: Nova


História Social à Nova História Cultural. In Revista Brasileira de História. São
Paulo, Vol. 18, n.º. 35, 1998, pp. 227-246.
249

ZWEIG, Stefan. Brasil, País do Futuro. Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores.
Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/paisdofuturo.html#27. Acesso em:
03/01/2011.

FONTES
I - FONTES ORAIS
N.º Dados dos Entrevistados
DALT RO, Ma r i a de L our des M or ei r a . 78 anos de i da de, ch a r ut eir a a posen t a da da
1.
Suer di eck de Ca ch oei r a . Resi d en t e na Rua da Mal va em Cr uz da s Alm a s. 2007.
FALE I RO, Ben edi t o. S er ven t e, m ar cen ei r o e m est r e de ch a r ut ar ia da Suer di eck em
2.
Ma r a gogi pe. 57 an os 1999.

FE RRE IRA, Luz i a Souz a . 53 an os de i da de, r a l oei r a n o a rm az ém de fum o e ch a r ut ei ra n a


3.
Suer di eck. Rua Va l t ér ci o F on se ca , 163, Ba i rr o Assem bl éi a . Cr uz da s Alm a s, 2009.

JE S US, Ca r m el i t a Ol i vei r a de. 64 a n os d e i da d e, ch a r ut eir a de fa br i c o, r esi den t e à Rua


4.
Césa r Mar t in s, Gover n a dor Man ga bei r a , 1999.

MELO, Laurentina Neves (D. Nenen). 80 anos de idade, charuteira aposentada pela C. Pimentel de Muritiba,
5.
residente à Rua César Martins Gov. Mangabeira, 1996.

NERIS, Celina de Jesus. 68 anos de idade, charuteira aposentada pela C. Pimentel de Muritiba, residente à Rua
6.
Domingos Pereira, Governador Mangabeira, 1996.

NOVAIS, Ma r i a de L our des C on cei çã o. Ch a r ut ei ra , fi l h a de ch ar ut eir a . Resi den t e à Rua


7.
Joã o Al t i n o. S/ N. Gover na dor Man ga bei r a . 2007.

PEREIRA, Maria Alves. 86 anos de idade, charuteira da Suerdieck e da Dannemann, residente em Salvador,
8.
2001.
RAM OS, T er ez a Ol i vei r a . 78 an os de i da de, t r aba l h a dor a de arm a z ém de fum o em Cr uz
9.
da s Al m a s. Resi d en t e à Rua Lui z Var ga s Lea l n º 97 – Cr uz da s Al ma s. 2007.
SANTOS, Dalva Damiana. 73 anos de idade, charuteira da Suerdieck e da Dannemann, residente à Rua dos
10.
Remédios, Cachoeira, 2000.

SANT OS, Isa ur a Lop es d os. 90 a n os d e i da de . Tr a ba lh a dor a de Ar ma z én s de Fum o.


11.
Ba i rr o Pa ssi nh o, Cr uz da s Al m a s. 2010.

12. SANTOS, Sebastião Pereira. 95 anos de idade, marido de charuteira e trabalhador da Costa & Penna, residente
250

à Rua Deocleciano Servilha, S/N, Governador Mangabeira, 1999.

SILVA, Benedita Rodrigues da. 86 anos de idade, charuteira aposentada pela Cia. de Charutos Dannemann em
13.
Cruz das Almas, residente à Rua Laurenço Moreira, Gov. Mangabeira, 1996/1999/2000/2009.

SCHINKE, Rose. 57 anos de idade, filha do Sr. Johann Schinke, técnico da Suerdieck e gerente da
14.
Dannemann. Cachoeira: 2000.

SOUZA, Raimunda. 73 anos,. Tra ba l ha dor a de Ar ma z én s de Fum o. Rua Va l t ér ci o Fon se ca ,


15.
163, Ba i rr o Assem bl éi a , Cr uz da s Al ma s. 2010.

II - FONTES IMPRESSAS
ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO FÉLIX
1. CAIXA ÚNICA DE DOCUMENTOS DA CIA DE CHARUTOS DANNEMANN - ANO 1920 - 1952
N.º Maço Documento Ano
01 1923 Carta de Comunicação Interna e outros 1923
*
02 1924 Carta de Comunicação Interna e outros 1924
*
03 1925 Carta de Comunicação Interna 1925
*
04 1949 Relatório Contábil e outros 1949
*
05 1950 Relatório de Operações Diárias 1950
*
06 1951 Relatório de Operações Diárias 1951
*
07 1952 Relatório de Operações Diárias 1952

2. SECÇÃO: JORNAIS
Maço
N.º Jornal n.º Publicação
p/ano
*
09/08/1942 Correio de São Félix (DANTAS, Pedro J. A família.). 67
*
04 1944 Correio de São Félix 0005 - 0051
*
32 1944 Correio de São Félix 0025
*
05 1945 Correio de São Félix 0525 - 0551
*
26/04/1952 Correio de São Félix 876
*
127 1955 Correio de São Félix 1024

10/ 1990 Jornal da Cidade ( São Félix e sua história)


251

*
29 2000 Correio da Bahia 06/08

***
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA
SECRETARIA DA AGRICULTURA INDÚSTRIA E COMÉRCIO
04 87 2378 149 Doc. 557-Fotografias (C. Fumageira) S/D
***
ARQUIVO MUNICIPAL DE CACHOEIRA
SECRETARIA DE GOVERNO MUNICIPAL: CORRESPONDÊNCIAS

N.º Estante Caixa Documento Período


02 06 170 Memorial da Leitalvis 05/02/1974 1972/74
***

ARQUIVO PARTICULAR
EFRAIM FONSECA NUNES. 76 anos de idade, memorialista, residente à Rua José Martins, 183, Gov. Mangabeira,
2001.
FOLHETIM DOS 125 ANOS DA DANNEMANN, 1998.
IRMÃS DA SANTA CRUZ. Fotografias de fumageiras. Governador Mangabeira - BA
LA URE NT INA NE VE S ME LO. Car te i r a Pr ofi ss i onal . n º 36341, Ser i e n º 5, 08/ 05/ 1946.
***
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA DA FAMAM (Cruz d as Almas)
Documentos da Empresa Suerdieck S. A.
Fichas de Registro de Empregado da Suerdieck. (1906 a 19 98).
Fichas de Registro de Empregado da Empresa C. Pimentel S.A. (1930 a 1988).

***
ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DA BAHIA
RELATÓRIOS DA JUNTA DIRECTORA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DA BAHIA - ACB
Re l atór i os d e 1932
***
SUERDIECK - MARAGOJIPE
Fichas de Registro de Empregado da Suerdieck. (1906 a 1998).

***
IMPRESSOS
SUERDIECK S/A CHARUTOS E CIGARRILHAS, 1905-1955. Salvador: Tipografia Manú Editora
Ltda. 1955. (Biblioteca do Mestrado em História – UFBA, n.º 4704)
SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: LTR Editora, 1972.
***

SINDICATO
SINDICAT O DOS T RA BAL HADO RE S NA IND ÚST RIA DO F UMO DA CI DADE DE C RUZ
252

DAS ALM AS. Li vr os de Re gi s tr o d os As s oc i ados. Cr uz da s Al m a s (Ba ), 1930 a 1969.


***
III - FONTES ELETRÔNICAS
Disponível em: http://www.historiaemaragogipe.com/2010/04/suerdieck -1892-1913.html. Acesso em
26/10/2010.

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