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SALVADOR – BAHIA
2011
ELIZABETE RODRIGUES DA SILVA
SALVADOR – BAHIA
2011
Silva, Elizab et e R odr igu es da
S586 As mu lher es no tr abalho e o tr abalho das mu lher es : u m estu do s obr e
as mu lher es fu ma geir as do R ecônca vo baia no / Elizab et e Rodr igu es da
Silva . – Salvador , 2011.
251 f.: il.
Or ienta dor a: Pr ofª. Dr ª. Lina Mar ia Brandão de Ar as
T es e ( dout or a do) – Univer sida de F eder a l da Bahia, Faculdade de
Filos of ia e Ciências Hu ma nas, Núcleo de Est udos I nt er dis cip linar es s obr e
Mulher es, G êner o e F eminis mo 2011.
CDD – 305.4
TERMO DE APROVAÇÃO
Aprovada por:
_____________________________________________
Profª. Dr.ª Lina Mari a Brandão de Aras (Orientadora)
Doutora em Hist ór ia pela Universidade de São Paulo, 1995
Professora do Depart ament o de Hist ória e do PPGNEIM/FFCH/ UFBA
___________________________________________
Profª. Dr.ª Ana Ali ce Al cântara Costa
Doutora em Socio logia Po lít ica pela Universidade Nacional Autônoma de
México – 1996
Professora do Depart ament o de Ciência P olít ica e do PPGNEIM/FFCH/UFBA
_____________________________________________
Profª. Dr.ªIn aiá Maria Morei ra de Carval ho
Doutora em Socio logia pela Universidade de São Paul o – 1986
Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciê ncias Sociais da UFBA
____________________________________________
Profº. Dr.º Raim undo Nonato Pereira Morei ra
Doutor em Hist ória pela Uni versi dade de Estadual de Campinas – 2007
Professor Adjunt o da Universidade do Estado da Bahia - UNEB
____________________________________________
Profº. Dr.º Vitor de Athayde Couto
Doutor em Est udos Rurais I nt egrados pela Universidade de Toulouse - França
Professor de Econo mia da Univers idade Federal da Bahia - UFBA
A t rajet ória de uma pesquisa acadêmica é co mpost a por fases que nos
per mit em percorrer vár ios caminhos e envo lver diversas pessoas que, dir et a
ou indir et ament e, cont ribuem co m a sua feit ura, co mpart ilhando conosco
t rabalho, ideias e sent iment os. Ao fina l, faz -se necessár io regist rar os no mes
de a lgumas dessas pessoas, inclu indo também as inst it uições, co mo uma
for ma de agradeciment o. Cont udo, a essência dos meus agradeciment os não
cabe e não est á expressa, apenas, em u m conjunt o de palavr as que se segue,
mas se revela int ensament e na co mplexa subj et ividade do meu ser,
t raduzindo -se numa imensurável grat idão por cada pessoa e inst it uição que
fez e faz part e dessa minha exper iência hist órica.
Agr adeço, co m imenso apreço, à minha orient adora, Profª. Dr.ª Lina
Mar ia Brandão de Aras, pelo respeit o co m q ue t ratou o processo de
orient ação, principalment e, co mpreendendo os limit es que separam nossas
concepções, desde as quest ões t eórico - met odológicas à co nst rução do objet o
de pesquisa. Agradeço - lhe, pela co mpreensão num dos mo ment os mais
difíceis de minha v ida em que não pude corresponder às exigências da
orient ação e que, mesmo assim, na grandeza de sua humanidade, me ajudou a
reco meçar co mo se ajuda a alguém dá os pr imeiros passos. Uma mulher que,
ao viver as dores do part o, dar à luz sob a mão de uma boa part eir a, jamais a
esquecer á, ass im é co mo eu me sint o diant e dest a orient adora.
Agr adeço ao Programa de Pós -Graduação em Estudos
Interdi scip linares sob re Mulheres Gênero e Femini smo , pelo aco lhiment o e
pela dignidade do t rat ament o que t em me dispensado em t odos esses anos de
convivência acadêmica. Agradeço, em especial, às pro fessoras Cecí li a
Sard enberg, que na sua mat ur idade t eórica me for neceu as bases das t eor ias
feminist as; Iracema B randão, que a part ir das discussões sobr e gênero e
t rabalho me despert ou para important es leit uras que levaram ao
aprofundament o do t ema; Si lvia Lúcia Ferrei ra, sempr e dispo nível, gent il e
responsável co m as so licit ações das alunas e os encaminha ment os do
Programa, quando est eve na coordenação do mesmo ; e, Ana Alice Alcânt ara
Costa, na sua not áve l respo nsabilidade no desempenho de suas funções
acadêmicas, me co nduziu co m co mpet ência didát ica à reflexão do gênero e m
relação à hist ór ia e do gênero em relação ao poder, bem co mo de for ma
inversa; na Coordenação do Programa, es t a professora, tratou da minha “vida
acadêmica” co m t ot al isenção, porém, com a humanidade que lhe é peculiar.
Obr igada!
Agr adeço, mais uma vez, à Facu ld ade de Fi losofia e Ciên cias
Humanas – FFCH da Universid ade Fed eral da Bahia – UFBA, por t er me
aco lhido e por fazer part e do seu corpo discent e.
Agr adeço à Secretari a da Educação do Estado da Bahia , pela
concessão do meu afast ament o para realização do curso e ao Colégi o
Estadual Professor Edgard Santos , o nde faço part e do corpo docent e, pelo
apo io e compr eensão nesses dias, t ão difíceis, dedicados à finalização do
t ext o.
Agr adeço a Facu ld ade Maria Mi lza – FAMAM, pelo apo io
inco ndic io nal, possibilit ando flexibilizar a minha dispo nibilidade no t rabalho
e, sobret udo, invest indo na organização do acervo documen t al das empr esas
fumageiras, bem co mo, per mit indo de forma irrest r it a o acesso à est e acer vo,
que muit o cont ribuiu para est a pesquisa.
Agr adeço às mu lheres fu magei ras que ofereceram suas hist órias para
co mpor est e t ext o e, assim, cont r ibuir par a a análise e r eflexão da sit uação de
out ras mulher es, t ant o nos espaços de t rabalho co mo na vida pr ivada. At ravés
de suas hist órias, t ambém, pude escrever e ent ender a hist ória de minha mãe
e, por consequência, me faço present e nest a(s) hist ór ia( s). Um dos encont ros
mais import ant es da minha vida.
Agr adeço às amigas e amigos que me apo iaram, incent ivaram,
for neceram mat er iais e acred it aram em minha proposição. Obr igada a t odas e
todos!
Andréa Jaquei ra, co mpanheira da mesma causa e lut a – nossas t eses.
Ana Maria Carvalho, pro fessora e amiga sempre dispo nível para a lut a.
Divani se Vi eira, da reflexão filo só fica às lições de vida – uma amiga.
Fabrício Amorim, pelas let radas co nt r ibuições.
Hamilton Rodrigues, amigo de “fé”, ir mão camarada.
Iole Vani n, sempre preocupada e dispost a a ajudar: “a t ese, co mo vai?”.
Ligia Santana, sua amizade é um grande present e nest e mo ment o.
Luzia Ferrei ra, em busca da mesma hist ória, co mpart ilh a precio sidades.
Maria de Fátima, brava co mpanheira! Sut ilment e fez grandes co isas.
Mariana Brandão, seu abr aço é abr aço de mãe, dá apo io e segurança.
Marlene Vasconcelos me o fert ou as pérolas da caminhada acadêmica.
Nádia Santana, co mpanheira de t rabalho sempre at encio sa.
Silmári a Brandão, mulher guerreir a, leal, sempre dispost a a me apo iar.
Valdecira Aragão, amiga de out ras hist órias, mas sempre present e.
Valdicinéa Aragão , nossas conversas quebram a minha mo notonia.
The present research, Women at work and work of women: a study on tobacco
women producers f rom R ecôncavo Bai ano , had t he proposal t o st udy, in t he
hist or ical field, t he presence o f wo men workers in t he indust rial co nt ext o f
tobacco in Recôncavo Baiano, in t he fir st half o f t he 20t h Cent ur y, per io d
which invo lves t he inst allat io n, t he economic culminat ion and t he beginning
of t he cr is is aggravat io n of t he t obacco in t he regio n. This is not simply a
numer ic presence, because it br ings lived exper iences, as well as ot her s
subject s and pract ices which wer e developed social and cult urally in t he ir
proper t ime. T his presence is expr essed in t h e relat ions fr amed in t he work
ambit . It also denounces a nat ure o f t his work, which was organized o n t he
basis o n t he sexual divis io n o f t he labor, as much in t he heavy indust r y as in
t he do mic iliar y work, under t he social basis o f pat r iarchal relat io ns, which is
co mprehended here t hrough a feminist point o f view, based o n t he hist or ical
and po lit ical approach by Palmero, Dahlerup and Cost a. Therefore, it was a n
exercise t hat requires t he consider at ion of t he subject t hrough t he wo men i n
t heir proper persp ect ive, when t hey revis it ed t heir me mor ies. Based o n t he Le
Goff and Halbwachs conception of memory, it is possible to understand that the history
lived and remembered by people must be comprehended as something socially alive, which
has a meaning. To enter this field, it was necessary to use oral data, as well as printed
documents, through a female perspective based on Standpoint epist emo log y,
elaborat ed by Nancy Harst ock and Sandra Harding. Consider ing t he co mmo n
working wo men exper iences, Tho mpson provid ed t he co mprehensio n
according to which t hey should be recognized as a pheno menon hist or ica ll y
built in t he group. However, when t he exper iences ar e hist orically built , it is
necessar y t o seek t he not ion o f gender in Scott as a basis t o reject t he
bio logic al det er minis m and t o reinforce t he relat io nal charact er of t he fema le -
masculine definit io n, beyo nd t o comprehend t he meaning and t he nat ure of
working wo men oppress io n. To read t he working wo men resist ance against
t he oppressio n and explo it at ion, t his r es earch relies on t he power concept ion
by Foucault , when he proposes t hat people do not ever represent an inert and
passive t arget of power, but cent er of t ransmissio n, providing t he
co mprehensio n o f working wo men act io ns. Fro m t he wr it t en dat a, t he
fo llo wing document s highlight : regist rat ion card o f emplo yees fro m Suerdieck
and C. P iment el cigar fact ories and an amo unt of images and sundr y
document s available at FAMAM, APEB, São Félix Public Archive and in
pr ivat e and perso nal invent ory, such as Annual Me mor ials o f t he S ant a Cruz
S ist ers and Work Cards and phot ographs given, mo st o f t he t ime, by t heir
relat ives. T he most u nachievable and subject ive pat hs were t aken in t his
resear ch t o restore t he hist orical sit uat ion and lives o f tobacco wo me n
producers fro m Recô ncavo Baiano , ident ifying t heir sur viving and resist ance
st rat egies t o overco me mat er ial necessit ies, t he explo it at ion in/o f t he labor,
t he sexual d iscr iminat ion operat ed by oppressio n, as well t he socia l
invis ibilit y and t r y t o be free fro m t he infer ior it y enclo sure which t hey were
submit t ed because of t heir fema le condit ion in t hat regio n.
K ey words: wo men; gender relat io ns; labor relat io ns; memor y; Bahia.
LISTA DE FIGURAS
FIG URA 1 Baia de Todos os Sant os (Bahia - Brasil) 43
FIG URA 2 Baía de Todos os Sant os (Bahia - Brasil) 44
FIG URA 3 Recô ncavo da Bahia 45
FIG URA 4 Recô ncavo da Bahia 46
FIG URA 5 Fo lha de Fumo Seca 55
FIGURA 6 Os Campos de Fumo de Cachoeir a 58
FIGURA 7 Pr imeira Fábr ica de Charut os em Marago jipe - 1905 81
FIG URA 8 Ficha de Regist ro de Empregado da Suerdieck - Marago jipe 84
FIG URA 9 Ficha de Regist ro de Empregado da Suerdieck - Marago jipe 85
FIG URA 10 Fábr ica de Charut os Suerdieck em Maragojipe - 1921 87
FIG URA 11 Fábr ica de Charut os Suerdieck em Maragojipe - 1921 87
FIG URA 12 Fábr ica de Char ut os Suerdieck em Cruz das Almas - 1935 89
FIG URA 1 3 Fábr ica de Charut os Suerdieck em Cachoeira - 1936 89
FIG URA 1 4 Fotografia de D. Alzira 107
FIG URA 1 5 Fotografia de D. Benedit a 109
FIG URA 1 6 Fotografia de D. Joana 111
FIG URA 1 7 Fotografia de D. Cel ina 112
FIG URA 1 8 Fotografia de D. Dalva 113
FIG URA 1 9 Fotografia de D. Isaura 115
FIG URA 20 Fotografia de D. Laurent ina 116
FIG URA 21 Fotografia de D. Raimunda 118
FIG URA 22 Fotografia de D. Rode Schinke 119
FIG URA 23 Fotografia de S. Sebast ião 120
FIG URA 24 Mulher es esco lhendo fumo no Ar mazém Alt ino da Fo nseca 136
FIG URA 25 Fardos de Manocas de Fumo 138
FIG URA 26 Mulher es selecio nando Fo lhas de Fumo no Ar mazém 139
FIG URA 27 Mulher es confeccio nando charut os na Cooperat iva 141
FIG URA 28 Mulher pa ssando charut os na Fábr ica Dannemann 142
FIG URA 29 Seção de charutaria de uma fábrica de charutos do Recôncavo 173
FIG URA 30 Seção de Caixa de uma fábrica de charutos do Recôncavo 173
FIG URA 31 Ficha de Regist ro de Empregado da Fábr ic a C. P iment el 215
FIG URA 32 Fotografia de S. Maninho e D. Iaiá 218
FIG URA 33 Confecção de Charutos na COOVALE 220
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
Q UAD RO 1 E mpresas Fu mageir as e Agr egad as 75
Q UAD RO 2 Acio nist as da Suerdieck S./ A. 92
Q UAD RO 3 Acio nist as da Suerdieck S./ A. 92
Q UAD RO 4 Est rangeiros ligados ao Grupo Suerdieck 122
Q UAD RO 5 Funções Exercidas por Mulheres 133
Q UAD RO 6 Funções Exercidas por Homens 133
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
1 REDESENHANDO O CENÁRIO DO TRABALHO E DAS TRABALHADORAS
42
FUMAGEIRAS
1.1 POR ONDE ANDOU O FUMO 52
1.2 A PEQUENA “LAVOURA DOS POBRES” 66
1.3 A GRANDE MANUFATURA DOS RICOS 73
INTRODUÇÃO
1
A expr essã o “m ul h er es fum a gei r a s” a qui uti l iz a da ba sei a -se n a i den ti da de de gên er o,
que, por sua vez , é c om p ost a e a o m esm o t em po di fer en ci a da por i dent i da des soci a i s e
pol í t i ca s. (SCOT T , 1997). Ma s , sobr et udo, per pa ssa da por um a con str uçã o h i st ór i ca da s
di fer en ça s e um con t ext o h i st ór i co esp ecí fi c o, r evel a dor da exper i ên ci a dessa s m ul h er es.
14
exper iências 2 vividas no t rabalho, bem co mo, out ros cont eúdos e prát icas
engendr adas social e cult uralment e em seu t empo. Est a presença que se
expressa nas relações t ecidas no âmbit o do t rabalho, denuncia a/uma nat ureza
desse t rabalho que, por sua vez, se organizou a part ir da divisão sexual do
t rabalho. Trat a-se, port ant o, de um exercício que exige pensar o t rabalho das
mulheres fumageiras a part ir da per spect iva das mulheres.
Ao discut ir sobr e as mulheres no t rabalho e o t rabalho das mu lheres, no
caso das fumageiras do Recô ncavo, nã o é considerável pensar que se t rat a de
um “t rabalho feminino”, 3 mas pensar a relação e a dist ância –
hier arquicament e post as – que há ent re as t rabalhadoras e os t rabalhadores.
Pensar, t ambém, que as diferenças ent re os sexos, no ca mpo do t rabalho, ao
mesmo t empo em que são negadas são exploradas, aliás, a pr imeira sit uação é
que sust ent a a segunda. ( KARTCHEVS KY, Andrée, 1986, p. 10).
Ser mulher e ser ho mem não é a mesma co isa, t ant o no meio familiar,
quant o na sociedade e, em co nseqüência, a difer ença se faz ainda mais visível
e r igorosa no int er ior de uma fábr ica. Saffiot i, ao analisar o conceit o de
gênero em Scott , obser va que “uma vez que as exper iências adquir em u m
co lor ido de gênero, como aliás ocorre com a c lasse e a et nia t ambém, a vida
não é vivid a da mesma for ma por ho mens e mulher es”. (S AFFI OTI, 1992, p.
199).
E m ambo s os casos, é preciso co mpreender as det er minações cult urais e
sociais e co mo est as influencia m nas represent ações sociais que ho mens e
mulheres co nst roem de si e do out ro. Bruschin i (2007) afir ma que “o lugar
que a mu lher ocupa na sociedade, t ambém, est á det er minado por seu papel na
família”, mas deve- se consider ar que, em out ros t empos, as diferenças ent re
ser um e out ro, cert ament e, eram muit o mais vis íve is e ext remas, assim,
ent ende-se que essa posição é det er minada hist or icament e. Seguindo essa
análise, é possível salient ar que a divisão sexual do t rabalho, em específico
na indúst r ia fumageir a est ava apo iada na subordinação da mulher no espaço
pr ivado e nas assimet r ias ent re os s exos const ruídas socialment e.
2
O termo “experiência” baseia-se na concepção de E. P. Thompson (1987), entendido como o conteúdo de
classe, já que se trata da experiência histórica do trabalhador, aquela que o autor afirma ser “determinada, em
grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente”. (E.
P. THOMPSON, 1987, p.10).
3
A expressão “trabalho feminino” transmite a ideia estereotipada de que há trabalho de homem e trabalho de
mulher, determinado de forma natural.
15
Nos espaços de t raba lho essas det er minações foram e, de cert a for ma,
ainda são t ão visíveis que os espaços fís icos, as funções e as concepções de
t rabalho e de va lor do t rabalho, desde a concepção à execução do t rabalho ,
foram e podem ser organizados pelo cr it ér io da d ivisão sexual do t rabalho 4 o
que per mit e co ncordar com out rem que “o t rabalho t ambém t em sexo”.
Ser fumageira é diferent e de ser fu mageir o, aliás, sequer encont ra -se na
document ação examinada o t ermo fumageiro. To da a t rajet ória de t rabalho e
de vida das t rabalhadoras fu mageir as se fez diferent ement e das t rajet órias dos
t rabalhadores dest e mesmo set or. Da organização dos espaços, de todo o
processo de beneficiament o dos fumo s à confecç ão de charut os simples, be m
co mo os de pr ime ir a linha, considerados nobr es, t udo era planejado e
organizado a part ir da o fert a da mão de obra masculina e feminina. Não se
t rat a, apenas, do vo lume quant it at ivo dessa ofert a, mas de suas caract er íst icas
no que diz respeit o ao gênero, pois eram adot adas t arefas masculinas e
femininas, co m graus de import ância diferenciados, a serem ocupadas pelo
cont ingent e daquela mão de obra.
Publicada em 1991, a co let ânea de escr itos de E lizabet h Souza -Lobo
cent rada na socio logia do t rabalho, enfat iza a divisão sexual do t rabalho a
part ir de um percur so t eórico - met odológico que cont empla a t emát ica das
relações de gênero como prát icas sociais, s imbó licas e po lít icas que são
influenciadas por sit uações e cont ext os dist int os e het erogêneos. Nest a
perspect iva, ao fazer a cr ít ica à socio logia quant o às relações de gênero na
esfera do t rabalho, est a aut ora t raz à baila a quest ão da rest r ição do modelo
conceit ual de t rabalho à imagem masculina e problemat iza as assimet r ias de
gênero nos mecanismo s de co nt role e de submissão na esfera do t rabalho.
Out ro conjunt o de t ext os – “O sexo do t rabalho ”, organizado por André
Kart chevsky- Bulport em 1986 – r esult ado de pesquisas feit as na It ália e no
Brasil, ass im sociedades e cult ur as diferent es, alé m de art icular espaços e
t empos das t rajet órias fe mininas, obser vo u co mo est a art iculação impr ime no
t rabalho o sexo feminino em oposição ao masculino. Dest a for ma, o conjunt o
de t ext os visa most rar de que for ma a abo rdagem da divisão social do t rabalho
4
A discussão sobre a divisão sexual do trabalho, esta que foi a primeira forma de divisão do trabalho, encontra
seus fundamentos históricos na teoria de F. Engels, não cabendo, portanto, aqui deslindar agora sobre sua
gênese.
16
5
É nesta perspectiva que este trabalho avança em relação à dissertação de mestrado, esta que discutiu a atividade
de fazer charutos no Recôncavo Baiano como uma ocupação eminentemente feminina, descrevendo o cotidiano
das mulheres dentro e fora das fábricas de charutos. (SILVA, Elizabete R. da. Fazer charutos: uma atividade
feminina. (Dissertação de Mestrado). FFCH/UFBA. Salvador: 2001).
17
de fazer hist ór ia, que implicar ia em abando nar a busca pelas or igens dos
fenô menos; reco nhecer a co mplexidade dos processos hist óricos a part ir da
int errelação dos element os e não do iso ladament e; discut ir co mo se sucederam
os fenô menos, descobr indo os seus porquês; ver ificar as ligações ent re o
sujeit o e a organização social na busca dos significados; e co mpreender que o
poder não se enco nt ra cent ralizado , apenas, no seio das organizações po lít icas
e sociais. A aut ora sugere a busca const ant e pela hist or icização e
desco nst rução dos t ermos que proc uram deno minar a diferença sexual.
Soctt resume a definição de gênero como um element o const it ut ivo das
relações sociais baseadas nas difer enças que dist inguem os sexos sendo,
pr incipalment e, u ma for ma pr imár ia de relações significant es de poder
present e e m t odas as dimensões da vida social. Por fim, e la chama a at enção
para a hist or icidade das int erpret ações, mesmo as elaboradas pela ciência,
pois est a é, apenas, uma for ma de explicar os fenô menos, não é, pois, a única
maneira de apreensão e co mpreensão do mundo. (SCOTT, 1991).
O modo de pensar e co nst ruir o co nheciment o vai alé m das esco lhas
polit izadas, exige t ambém posições t eórico -met odológicas que per mit am u m
ângulo de visão correspondent e co m a pr opost a. É aí que res ide o desafio das
feminist as. O que é prudent e e seguro, na alt ura das discussões, so bre a for ma
co mo o conheciment o deve se const it uir é não adot ar um mo delo t eórico
t radicio nal, baseado na razão iluminist a que se respalda na neut ralidade e na
objet ividade co mo pressupost os r ígidos na cons t rução do saber, além de
eleger o ho me m co mo represent ant e de uma humanidade, pret endendo -se
universal.
E m t er mos epist êmicos nos pergunt amos: o que se aplica às mulheres e
às r elações de gênero? Considerando que “o conheciment o não é apenas u m
conjunt o de argument os, mas t ambém um reflexo de int er esses” ( FARGANIS,
p. 227), fo i possível fazer esco lhas dos inst rument os t eórico - met odológicos
que pudessem mo ver nosso campo de visão e nos posicio nar mo s
epist emo logicament e na const rução do objet o.
Uma das asser t ivas epist e mo lógicas fe minist as que o ferece maior
flexibilidade, t ant o para mover o campo de visão na esco lha do objet o como
para ampliar o leque dos inst rument os met odológicos, é a Epist emo logia
Feminist a Perspect ivist a ou do Standpoint, uma est rat égia epist emo lóg ica
18
feminist a elaborada, dent re out ras, por Nancy Harst ock e Sandra Harding, que
defendem um saber fundament ado no pont o de vist a das mulheres. É o
“conheciment o sit uado, ist o é, o conheciment o reflet e a perspect iva ou a
‘posicio nalidade’ dos sujeit os cognoscent es, sendo gênero um dos fat ores
det er minant es na sua const it uição”. (SARDENBERG, 2002, p 98 -102).
O conheciment o sit uado, port ant o hist órico, podendo -se det er minar
t empo e espaço de sua ocorrência e o cont ext o sociocult ural de sua
const it uição. Também é gendrado, como t em most rado a cr ít ica feminist a
sobre o androcent r ismo na ciência. 6 Assim, o conheciment o é parcial e
corpor ificado, o que nos per mit iu mo ver , epist emo logicament e, o ângu lo de
visão para est udar aquelas/aqueles que est ão na ba se, que não t êm ou não
t iveram voz e que so freram ou ainda so frem algu m t ipo de opressão.
Reflet ir, nessa perspect iva, sobr e as exper iências e a vida das
t rabalhadoras fumageiras do Recô ncavo é fazer uma opção a part ir de uma
visão que se quer feminist a, posicio nando -se polít ica e epist emo logicament e,
para, não apenas, ident ificar as fo nt es de sua opressão/exploração, mas,
pr incipalment e, buscar desnat uralizar as desigualdades de gênero e de classe
que as co locavam, hierarquicament e e perversa ment e, em des vant agens aos
ho mens de sua época.
Nest e caminho, embor a quest ionando algumas abordagens que ho je
ent endemos co mo cont radit ór ias ou que não mais import ant es às quest ões
fundament ais do feminis mo, não podemo s perder de vist a os aspect os
posit ivos que alguma s delas ainda podem sust ent ar as nossas discussões.
Aspect os díspar es, por sua nat ureza t eór ico -met odológica, mas que podem ser
obser vados no que t ange à vida das t rabalhadoras fumage ir as. Olhares co mo o
das fe minist as liber ais, que explica m a subordinação feminina pe la via da
discr iminação sexual seguida da “socialização diferenciada” ; o das feminist as
socialist as, que afir mam que a pr imaz ia do problema se assent a na est rut ura
capit alist a de reprodução; e o das feminist as radicais, que t eoriza m
enfat izando que a det er minância maior encont ra -se na est rut ura pat riarcal de
reprodução.
6
Ver, dentre outras, HARDING, Sandra. 1996; SCHIENBINGER, Londa, 2001; BORDO, Susan, 2000.
19
exper iência t al co mo ela é”. (2006, p. 01 -02). A per spect iva feno meno lógica
concent ra a sua at enção no significado qu e os agent es sociais at r ibuem às
suas própr ias exper iências, as represent ações das falas são as per spect ivas dos
sujeit os e, nest e caso, as perspect ivas das mulheres, a visão da quela s
mulheres. Nest e sent ido, o que int eressa é a percepção e as hist órias da s
próprias mulheres enquant o t rabalhadoras da indúst r ia fumageira do
Recô ncavo. A Hist ória Oral, ent ão, fo i o recurso pot encial ou o veículo pelo s
quais as mulher es fumageiras o ferecer am fragment os de memór ias
represent at ivos de seus so nhos, de seus medos, de suas vit ór ias e de suas
derrot as, enfim, de suas vidas co mo mulheres t rabalhadoras numa det er minada
época.
O neo - mar xismo, t ambém, o ferece sua cont r ibuição at ravés de seu
int er locut or E. P. Thompson, ao enfat izar a exper iência dos sujeit os nu m
processo caract er izado pela ação -reflexão, um fenô meno que se faz
hist or icament e. Para est e aut or, a exper iência é det er minada, em grande
medida, pelas relações de produção (THOMPSON, 1987, p.10). Mas quando
afir ma que “a classe é definida pelo s homens enquant o vi ve m sua própr ia
hist ór ia e, ao final, est a é sua única definição” (THOMPS ON, 1987, p. 12),
ele abre espaço para se ent ender, t ambém que a “classe” sendo definida pela
hist ór ia é, port ant o, produto dela, result ado das exper iências (objet ivas e
subjet ivas). Ainda na obr a “A misér ia da t eoria ou um planet ár io de erros”,
Tho mpson apud Saffiot i (1992), afir ma que:
Ao part ilhar exper iências co muns, as pessoas const roem e art icula m
uma ident idade de int eresses, posicio nando -se opost ament e àqueles cujos
int eresses diferem dos seus. Tant o no nível ma is geral, quant o no âmbit o do
grupo social a que pert enceram e/ou pert ence m, as mulheres fu mageir as
acumular am exper iências dist int as e co muns ao mesmo t empo: ser mu lher e
ser t rabalhadora, nest a últ ima de uma mes ma at ividade produt iva.
22
Ora, ser fumageir a significava, ent ão, ser mu lher e ser t rabalhadora 7, o
que revela uma sit uação social e cult ur alment e co nst ruída no t empo e no
espaço, não se t rat a, port ant o, de uma condição, um est ado nat ural das co isas.
Por out ro lado, ser mulher revela os var iados significados de uma cult ura
masculinizadora, de uma sociedade mar cada pela d ivisão hier arquizada de
poderes ent re os sexos, co mo t ambém revela uma hist ór ia de lut as, seja m
est as abert as, declaradas ou fechadas e disfar çadas, pela conquist a de sua
aut onomia no campo das relações socia is, que incluem as re lações de gênero e
de t rabalho, para a co nst rução de sua cidadania.
O fat o de ser t rabalhadora, naquela r ealidade vigent e, represent ava o
desafio de vencer os obst áculo s das co njunt uras po lít ica, econô mica e social,
est as que não o ferecia m nenhum inst rument o ou possibilidade de reconhecer
as mulheres co mo sujeit os econo micament e at ivos, ao cont rár io, mant inham -
nas, ora exc luídas do processo produt ivo, reduzindo sua co nt r ibuição socia l
apenas ao papel de mant enedoras do equilíbr io do mést ico, ora explorando a
sua força de t rabalho co mo reser va de mão de obra, à so mbr a do “ho me m
t rabalhador”, além das péssimas condições de t rabalho, não havendo uma
subst ant iva valor ização so cial e eco nô mica da mulher no campo do t rabalho.
O status de fumageira, port ant o, implicava em acumular os significados
das duas esfer as – mu lher e t rabalhadora -, est as que co nfor mava m as bases
para uma singular expressão polít ica daquele grupo frent e ao cont ext o da
cult ura fumageir a, onde art icularam as est rat égias para a sobrevivência
econô mica e socia l, o que co mpreendo como a expressão do seu “fazer -se”,
enquant o mulher t rabalhadora inser ida no seu grupo de t rabalho, ao mesmo
t empo carregando as marca s do mundo familiar e do mést ico. (THOMPSON,
1987, p. 09-14).
Nest e sent ido, a discussão dessas cat egor ias, a part ir da t emát ica das
fumageiras co mo mulheres e t rabalhadoras, expr ime uma oposição à chamada
hist ór ia t radicio nal 8 por se ocupar, em gr ande par t e, da hist ór ia das pessoas
co muns, da fala das pessoas opr imidas e explor adas e, e m part icular, das
7
Não se trata de categorias estruturalmente opostas, mas duas faces de uma mesma prática social, o que ocorre é
a dificuldade coletiva para estruturar o pensamento sobre a realidade fora das categorias dominantes
convencionais. (KERGOAT, 1986, p. 90).
8
Para a História Tradicional, Burke apresenta os pontos mais significativos das diferentes abordagens
historiográficas: BURKE, 1992, p. 10-16.
23
Todavia, a memória não é oprimida porque lhe foram roubados suportes materiais,
nem só porque o velho foi reduzido à monotonia da repetição, mas também porque
uma outra ação, mais daninha e sinistra, sufoca a lembrança: a história oficial
celebrativa cujo triunfalismo é a vitória do vencedor a pisotear a tradição dos
vencidos. (CHAUÍ in BOSI, 1994, p. 19).
Uma out ra perspect iva t eór ico - met odológica que or ient a est e t raba lho é
a Nova Hist ór ia, a ssociada à chamada École des Annal es, que apesar de não
est ar preocupada co m a proble mát ica das mulheres ou das r elações de gênero,
oferece a possibilidade de se amp liar e/ou inaugurar no vos campos do saber,
bem co mo, ampliar o leque de fo nt es e de inst rument os met odológicos para a
análise hist órica. Tem ent re seus represent ant es, Jacques Le Go ff que edit ou
uma co leção de ensaio s acerca de “no vos problemas”, “no vas abordagens” e
“no vos objet os”. (BURKE, 1992, p. 9 -10).
24
per meavam a vida social do Recôncavo Baiano no per íodo em quest ão. Uma
vez que, hist or icament e, a divisão sexua l t em sido a base da organização das
sociedades at é ent ão conhecidas, per meada por relações de poder que
det er minam lugare s socialment e hier arquizados, produzindo uma desigualdade
de gênero que se est ende além da opressão das mulher es.
É nest a visão que as fe minist as, dent re elas dest acam -se as radicais, ao
lo ngo do t empo vêm denunciando a sit uação de subalt er nidade das mulh eres
em r elação aos ho mens e reivindicando, for malment e, at ravés dos vár io s
inst rument os legais, o reconheciment o das mulheres enquant o indivíduos
aut ônomos. 9
É, port ant o, a part ir desses o lhares, que analiso a vida das t rabalhadoras
fumageiras do Recôncavo Baiano. Os caminhos percorr idos part iram dos mais
int angíve is e subjet ivo s, desde a fo nt e oral aos “achados” – document os
escr it os e iconográficos –, que per mit ir am r econst ruir a sit uação hist órica
dessas mulheres, a part ir de suas est rat égias de sobr evi vência e de r esist ência
que, ao lut ar par a vencer as necessidades mat er iais, a explor ação no/do
t rabalho, a discr iminação sexual r egada de opressão, assim co mo a
invis ibilidade social, ro mpia m co m a clausura da infer ior idade a que era m
submet idas na sit uaç ão de mulher es po bres, donas de casa, mães e esposas ou
amásias. (SILVA, 2001).
As quest ões específicas das mulheres enquant o t rabalhadoras
fumageiras do Recô ncavo da Bahia não foram cont empladas pelo s clássicos,
nem mesmo pelos t rabalhos ma is recent es da hist or iografia eco nô mica e
social do Brasil. Os est udos relat ivo s à hist ória da produção, indust r ialização
e co mercialização do t abaco na Bahia receber am, dos clássicos da
hist or iografia, um t rat ament o a part ir da ót ica dos cic lo s dos “grandes
produtos”, e os t extos mais no vos rondam o assunt o de for ma subordinada aos
grandes t emas, co mo sist ema co lonia l, campesinat o e out ros.
A produção hist or iográfica sobre o t rabalho e o cot idiano das mulher es
fumageiras no Recôncavo nas univer sidades baianas se resume, at é ent ão, a
poucos t rabalho s. Margar et h Nunes Sant os Go mes (2010) discut e as prát icas
9
A di vi sã o sexua l do t r a ba l h o, desde a fa m í li a a os espa ç os da pr oduçã o m a t er i a l, é
c on for m a da n o con t ext o da s r el a ções s oci a i s p a tr i ar ca i s que a qui sã o c om pr een di da s a
pa rt ir de um ol h ar fem i n i st a fun da m en t a do na abor da gem h i st ór i ca e pol í t i ca de Pa l m er o
(2004) e Da h l er up (1987), r espect i va m en t e.
26
– desmo nt ar as ideo logias, ler nas ent relinhas e vasculhar a me mór ia para
t razer à tona a po lít ica do cot idiano, a part ir da visão de seus at ores. (LE
GOFF, 1990, pp. 28-29).
As ocorrências do cot idiano são, ao mesmo t empo, int egrant es e
result ant es de um cont ext o mais amplo, carregadas de conot ações sociais,
polít icas, econô micas e cult urais , que mer ecem ser invest igadas, uma vez que
a vida humana se co ncebe hist or icame nt e numa co nst rução sucessiva de
pequenos at os no dia a dia dos grupos sociais. Segundo Fer nand Br audel, a
"hist ória é a so ma de todas as hist ór ias possíve is: uma co leção de ofício s e de
pont os de vist as de ont em, de ho je e de amanhã”. (BRAUDE L, 1992. p.53 ).
Nest a visão, nenhuma hist ória se co nst rói apenas de grandes causas
polít icas, pensadas e planejadas nos palácio s dos gover nos, é pr eciso
co mpreendê- la, t ambém na sua diver sidade e int ensidade cot id iana, seja no
lar, nos grupos de t rabalho, na organizaç ão das fest as ou nas mú lt iplas e
cot idianas relações que envo lve m as pessoas e os grupos.
O cot idiano é o lugar onde t udo se est abelece e, ao mesmo t empo, se
t ransfor ma, o nde t udo se mo viment a o t empo t odo. É onde a oposição ent re os
det ent ores e os excluídos do poder é assimilada na int r incada lut a ent re a
imposição e a oposição ; é, ainda, o lugar onde se dá a reint erpr et ação e
reelaboração das regras do poder, seja no campo po lít ico, eco nô mico ou
cult ural. Port ant o, é no cot idiano onde se const roem, t ambé m, as relações de
gênero. (SILVA, 2001). No conjunt o das diversas relações que perpassam os
grupos sociais, inscr evem- se for mas de vis ibilidade e de expressão próprias
onde emergem cada indivíduo co mo sujeit o da hist ória, co mo aut ores de
mudança ou de cont inuidade. Trat a-se, t ambé m, da nat ureza dos espaços que
cada grupo social ocupou ou ainda ocupa e os usos e represent ações que
fizeram e ainda fazem desses espaços.
As ações po lít icas t ravadas no cot idiano, co mo for ma de const rução da
base social e, t rat ando -se de mu lheres como sujeit os das relações que lut a m
ou lut aram por t ransfor mações na esfera da hierarquia familiar e social, t êm
sido alvo de grandes preocupações no âmbit o da hist or iografia. Porém,
t rat ando -se do o lhar fe minist a sobre os mesmo s objet o s, as lacunas são outras
e mais profundas, po is o lhar a realidade sem perceber a sua dinâmica a part ir
29
da divisão sexual e das const ruções em t orno dessa divisão é não perceber a
est rut ura da organização social nos seus cont ext os hist óricos específicos.
Segundo Mar y Del Pr iore (1998) "a hist ória da mulher não se faz
sozinha, se faz ancorada no social", co nt udo, sugere -se que seja um social que
abarque a noção de cult ura numa per spect iva mais ampla e co mplexa,
ident ificando os comport ament os, as relações soc iais e os valores do grupo
social co mo const ruídos na proble mát ica do cot idiano e a part ir de suas
peculiar idades. É o social e o cult ural que desvelam o infor ma l e o cot idiano
popular exig indo, port anto, que a invest igação hist órica t race caminho s
alt er nat ivos.
Dest a for ma, fo i a part ir das le mbranças individuais, marcadas pelas
múlt ip las exper iências de seu grupo social, que as t rabalhadoras fumageiras
foram e são inscr it as na hist ór ia. Est as mulheres est ão inser idas na cult ura e
na t radição da oralidade não por inexist ência do recurso da escr it a, mas pelo
fat o das inst it uições e os document os escr it os pr ivilegiarem muit o mais o
t rabalho legalizado, as empresas e as relações co m o mer cado e com o Est ado
e não as suas ações cot idianas. (SILVA, 2001).
Para e nt ender a relação das fa las das t rabalhadoras(es) co m a memór ia
fo i (e ainda co nt inua sendo) preciso recorrer a autores que cent raram suas
reflexões na memór ia, co mo Halbwachs , est e que est udou os cont ext os sociais
da memór ia, fazendo a “not ável dist inção ent re a memór ia hist órica co mo
reconst rução dos fat os fornecidos pelo present e da vida social e pro jet ada
sobre o passado reinvent ado e a memór ia co let iva” 10; Le Go ff t raz a hist ória
da memór ia co m ênfase na memór ia co let iva no campo cient ífico e Ecléa Bos i
que, ao colher memór ia de velho s, faz art iculação ent re a memór ia e a
realidade social vivida pelo s seus “guardadores da memór ia”.
10
Embora, considere-se a crítica e o uso de Halbwachs feito por Elizabeth Jelin, quando esta afirma que: “En
verdad, la propia noción de «memoria colectiva» tiene serios problemas, en la medida en que se la entienda
como algo con entidad propia, como entidad reificada que existe por encima y separada de los individuos. Esta
concepción surge de una interpretación durkheimiana extrema (tomar a los hechos sociales como cosa). Sin
embargo, se la puede interpretar también en el sentido de memorias compartidas, superpuestas, producto de
interacciones múltiples, encuadradas en marcos sociales y en relaciones de poder. Lo colectivo de las memorias
es el entretejido de tradiciones y memorias individuales, en diálogo con otros, en estado de flujo constante, con
alguna organización social -algunas voces son más potentes que otras porque cuentan con mayor acceso a
recursos y escenarios- y con alguna estructura, dada por códigos culturales compartidos”. (JELIN, 2001, p. 4).
30
(. . . ) n a m em ór i a da com un i da de a in da se m a n t ém ba st a n t e vi va s a s
i m a gen s do quot i di a n o da vi da n a fá br i ca e n o espa ç o d o ba i rr o
qua n do est e a i n da era um a vi l a oper ár ia . T a i s i ma gen s sã o
c om um en t e e voca da s n ã o a pen a s qua n do os t r a ba lh a dor es e a n t i gos
m or a dor es se r e fer em a o pa ssa d o m a s, n o pa rt i cul ar , quan do
c on fr on t a m -n o com a si t ua çã o pr esen t e. Ma i s im por t an t e, el a s sã o
c om pa r ti lh a da s t a m bém por gen t e do ba i r r o que ja m a i s t est em unh ou
ess e pa ssa d o, o que n ã o se dá por a ca so. (. . . ). Ne ssa l uta, a
me mór i a s oc i al d o anti g o ope r ar i ad o, ao e s tabe l e c er a pont e
e ntr e passad o e pr e se nte , tor na o pas sad o pa r te da hi stór i a d e
11
Qua n t o a o u s o d os t er m os “r e vi ver ” e “r efa z er ” , E cl éa Bosi a fi r m a que “p ost o o l i m i t e
fa t a l que o t em po i m põe a o h i st or i a dor, n ã o l h e r est a sen ã o ‘r econ st r uir ’, n o que l h e for
pos sí vel , a fi si on om i a dos a c on t eci m en t os” . (BO SI, 1994, p. 59).
31
As memór ias das mulheres fumageir as, represent at ivas de seu grupo no
cont ext o do t rabalho e das relações sociais, bem co mo de sua época,
significaram um dos caminhos que per mit iu a leit ura e a co mpreensão das
vár ias est rat égias de so brevivência e de re sist ência diant e das for mas
específicas de exploração e do minação; est rat égias que represent aram o
campo de lut as onde as t raba lhadoras fumageiras pro jet aram -se co mo suje it os
de sua própr ia hist ór ia, seja por lut ar pela sobr evivência mat er ial e social,
seja pelas for mas de resist ência que empreendeu cont ra o seu opressor no
campo do t rabalho e at é da família.
A fo nt e oral possibilit ou, port ant o, “o aviva ment o das me mór ias e
hist ór ias passadas, filt radas pelo present e”, po is, obser vou -se nas fa las das
t raba lhadoras fumageiras, quando fazia m a reconst it uição de suas vidas, a
seleção daquilo que acredit a m ser mais import ant e para ser lembrado e
ext ernado a part ir da repet ição de alguns fat os que, cert ament e, represent am o
sent ido do present e. Dest a for ma, ent e nde-se que a post ura do pesqu isador
que t rabalha co m est e t ipo de font e deve ser aquela adot ada por Bosi:
A Hist ória Oral t ambém per mit iu perceber que a me mór ia é gendr ada,
pois a oralidade das mulher es fumageiras t rouxe à t ona uma me mór ia marcada
por event os e ações próprias de um mundo cult uralment e feminilizado. A fala
das mu lheres expressa o mundo do mést ico, a sensibilidade e a emoção e,
pr incipalment e, o lugar de subalt er nidade que ocupava nas r elações sociais de
gênero, desde a família às relações de t rabalho e à sociedade de modo geral.
33
Assim, pode-se afir mar que a evidência oral correspo nde ao feit o da
exper iência humana produzida num t empo e espaço específicos, considerando,
t ambém, os lugares de r aça, classe e as relações sociais de gênero const ruídas
por seus agent es em suas respect ivas cult uras. Nest e sent ido, a H ist ória Oral,
at ravés das reminiscências ind ividuais, é para a Hist ór ia Social –
pr incipalment e, ao considerar a perspect iva feminist a – um inst rument o de
poder, t endo em vist a a sua adequação aos objet ivos e a possibilidade de
reconst ruir de for ma mais co nsist ent e a dimensão subjet iva dos processos
hist ór icos e inst it uir agent es hist ór icos reais. (GARCI A, 1997, p. 334).
Afina l, a fo nt e oral não corresponde, apena s ou necessar iament e, ao que o
povo ou um grupo t enha feit o no seu passado, mas “o que quer ia fazer, o que
acredit ava est ar fazendo e o que agora pensa que fez.” ( PORTELLI, 1997,
p.31).
As fo nt es – oral, escr it a e visual – foram analisadas e, muit as vezes,
cruzadas, no sent ido de const ruir um diálogo mais pró ximo da realidade
vivida pelas mulher es fumageir as. O uso da fo nt e oral, por sua vez, não
significou as t radicio nais ent revist as est rut uradas, mas optou -se por longas
conver sas infor mais que se organiz ou nat uralment e, confor me as condições
apresent adas por cada uma das “depoent es”. Algumas vezes sozinhas, apenas
a pesquisadora e a ent revist ada ; out ras com a presença de uma ve lha amiga,
t ambém, fumageira; e, outras, ainda co m a presença e a cont r ibuição de seus
familiares. Nest es encont ros, a conversa – infor mal – iniciava, sempr e, co m a
seguint e pergunt a: “co mo era sua vida de fumageira?”, mas no decorrer da
conver sa, ent re as pergunt as que, nat uralment e, iam surgindo, vo lt ava -se a
quest io nar sobr e a sua sit uação como trabalhadora e como mulher naquele
cont ext o. A seleção do que dever ia ser lembr ado e falado, o t empo hist ór ico
t ransit ado pela(s) fumageira(s) respo ndent e(s) e out ros aspect os inerent es
àquela co nver sa, ficaram a cargo de cada uma, po is, a i nt enção era
proporcionar uma relação co m maior grau de aproximação ent re pesquisadora
e a pesquisada e, assim, alcançar maior confiança e, conseq uent ement e, maio r
abert ura no níve l da co municação.
Nas pr imeiras co nver sas, fo i possível perceber que as pess oas recorr iam
aos t empos, hist ór icos e cro no lógicos, t ransit avam ent re passado e present e
sem se dar cont a da presença alhe ia da pesquisadora. Falavam de suas vidas,
34
Cont udo, o uso da font e oral não deve excluir out ras possibilidades de
invest igação, ao cont rár io, a preferência é que se possa cruzar as diversas
fo nt es. O cruzament o dest as fo nt es, no ent ant o, não deve ser t rat ado como um
apa nhado de provas e/ou a evidência de maior número de infor mações sobre o
objet o, mas de aco lher vár io s o lhares e o lhar por vár ios ângulo s, co mpreender
o objet o a part ir de vár ias per spect ivas, embora seja a per spect iva das
mulheres àquela que mais deve prev alecer, po is é preciso considerar que os
document os oficia is carregam o carát er androcênt r ico e, por isso, exigem um
olhar desconfiado e uma análise cuidadosa par a per ceber as suas int enções no
tocant e, pr incipalment e, às relações de cla sse e de gênero.
As fo nt es escr it as, examinadas para est a pesquisa, est ão relacio nadas ao
mundo econô mico e social das cidades de Marago jipe, Cachoeira, São Félix,
Mur it iba e Cruz das Almas, sit uadas no Recôncavo Baiano e infor mam,
especifica ment e, sobr e a dinâmica da manufa t ura fumageir a, nas diversas
unidades fabr is, o ferecendo pist as e possibilidades de leit ura das relações
t rabalhist as, das r elações sociais de gênero e da import ância da at ividade
fumageira para a região naquele mo ment o. A leit ura e a análise das fo nt es
escr it as per mit iram, ainda, sit uar o Recôncavo Fumageiro e as t rabalhadoras
em suas dist int as áreas de t rabalho e percebendo a sua singular idade na
dinâmica sociocult ur al do seu t empo e no cont ext o socioeco nô mico regio nal.
Nesse conjunt o de fo nt es escr it as, dest acam- se as “Fichas de Regist ro
de E mpr egados” das fábr icas de charut os Suerdieck e C. P iment el, que se
const it uír am em um acer vo import ant e para a pesquisa. Nas ruínas do prédio
da Suerdieck em Marago jipe, no ano de 2000, foram encont radas e
cat alogada s 4.621 fichas de regist ro de t rabalhadoras(es), empregadas(os)
naquele munic ípio. E m 2007, dest a vez em Cruz das Almas, nas ru ínas do
prédio, t ambé m da Suerdieck, foram encont radas e cat alogadas 6.233 fichas
de regist ro de t rabalhadoras(es) daquela e de o ut ras empresas, todas ligadas a
36
at ividade fumageira no per íodo que t ranscorre de 1906 a 1998 12. Est as fichas
est ão assim dist r ibuídas : Suerdieck de Marago jipe – 1.188; Suerdieck de
Cachoeira – 31; Suerdieck de Cruz das Almas – 2.428; e C. P iment el de
Mur it iba – 2.586. Est e acer vo forneceu as infor mações pessoais das/dos
t rabalhadoras( es), infor mações t écnico -administ rat ivas e socio econô micas,
bem co mo, possibilit ou perceber a divisão sexual do t rabalho e sua
organização hierarquizada a part ir da dist r ibuição das funções de t rabalho.
Alé m de fichas de reg ist ro de t rabalhadoras(es) da região, t ambém encont ram -
se regist ros de est rangeiros que ocupavam os cargos mais import ant es nas
refer idas empr esas.
Uma document ação avu lsa, co mpost a por Cont ratos de Trabalho, Cart as
de operár ias(os) aos gerent es e sócio s das unidades fabr is, Pedidos de
Demissão, Advert ências às operár ias, Processos Trabalhist as e Relat ór ios de
At ividades, t ambém, fo i localizada nas dependências do prédio da Suerd ieck,
em Cruz das Almas, que gua rdam infor mações e hist ór ias além do que se p ôde
examinar.
Correspondências diversas – dir igidas ou recebidas, co mo os Decret os,
Cir culares, Memor ia is da Secret ar ia de Governo e demais document os da
Secret ar ia da Agr icult ur a I ndúst r ia e Co mércio do Est ado da Bahia,
lo calizados no Arquivo Público do Est ado da Bahia - APEB, nos per mit iram um
percurso pela lavoura fumageira, co nhecendo o grau de sua import ância
econô mica na Bahia, o t rat ament o dispensado pelo Gover no a est a área de
produção e indust r ialização do fumo e o lugar das mulher es e ho mens no trato
do t abaco.
Na Associação Comercial da Bahia fo ram ident ificados e list ados
document os, como, Livros de Regist ros das E mpr esas, Relat ór ios e Bo let ins.
No Arquivo Municipal de São Félix foram ident ificados o Me mor ial da Leit e
& Alves, Correspondências de co municação int er na da Dannemann e
exemplar es do “Correio de São Félix”, jo rnal de grande c ir culação na região,
fo nt es que for neceram as mais diver sas compr eensões do cont ext o polít ico e
econô mico e das r elações sociais per meadas pelas ideo logias de classe e,
sobret udo, de gênero.
12
Este acervo, denominado de massa falida da Suerdieck, pertence atualmente a Faculdade Maria Milza –
FAMAM, em Cruz das Almas - BA.
37
inst ant e. Para Le Go ff “é a fot ografia, que revo lucio na a memór ia : mult iplica-
a e de mo crat iza-a, dá- lhe uma pr ecisão e uma verdade visuais nunca ant es
at ingidas, per mit indo assim guardar a memór ia do t empo e da evo lução
crono lógica”. (LE GOFF, 1996, p. 466).
Uma sér ie de correspondências ent re a mat r iz e as filiais da Cia de
Charut os Dannemann, que se encont ra no Arquivo Munic ipal de São Félix, fo i
de fundament al import ância para aco mpanhar o moviment o int er no da fábr ica,
seja na produção como nas relações de t rabalho, co mo as referências so bre o
grande número de t rabalhadoras, casos de ad missão, demissão, legalidade ou
omissão perant e a lei, dist r ibuição de funções, modos de remuneração,
punições e a reação das t rabalhadoras nos refer idos casos. Alé m de out ras
sit uações, co mo afast ament o por doença e/ou gravidez, uma vez que, sendo
mulhere s de muit os filhos, fr eq uent ement e precisavam afast ar -se do t rabalho
(PINTO, 1998, p. 128 -129).
São font es, port ant o, que per mit ir am sit uar as mulher es fumageir as no
seu cont ext o hist ór ico, social e cult ural, visualizando e recort ando um largo
per íodo que vai desde a fundação da fábr ica de charut os Suerdieck , em
Marago jipe, em 1906, at é a década de 1950, embora co m os prejuízos
irreparáveis de algumas lacunas, que são, de fat o, os problemas que enfrent a m
o pesquisador e que o fazem t rabalhar com as fo nt es q ue enco nt ra e não co m
as que deseja t rabalhar. (REIS, 1989, p. 15). Dest a for ma, é preciso levar e m
consideração o problema das font es e valorizar t odos os achados, seja m eles
oficia is ou ofic io sos, que possam r evelar as ações das mulher es, no sent ido de
sua aut oafir mação co mo suje it os e agent es de sua própr ia hist ór ia, bem co mo,
os problemas hist ór ico -cult urais responsáveis por sua discr iminação, opressão
e sujeição.
A ext ensa exposição int rodutória se just ifica por ser uma propost a que
visa esclar ecer as esco lhas e o t raçado dos caminho s t eórico - met odológicos
percorr idos, no sent ido de at ender t ant o ao objet ivo pr incipal da pesquisa
quant o às necessidades que a t emát ica impôs ao longo de sua invest igação.
No pr imeiro capít ulo int it ulado “Redesen hando o cen ário do trabalho e
das t rabalhadoras fum ageiras ”, dá-se iníc io a uma br eve descr ição do
Recô ncavo a part ir dos aspect os fis iogr áficos e geográficos, reconhecendo
vár ias est rut uras produt ivas, co m o objet ivo de dest acar suas caract er íst icas
39
O t erceiro capít ulo, “ A resi st ência inven tiva das m ulheres fum agei ras
do Recôncavo Baiano”, t raz o embat e das relações de poder no âmbit o do
t rabalho ent re a chefia e as t rabalhadoras. Discut e as ações de exp loração e de
dominação sofr idas pelas t rabalhadoras nos espaços de t rabalho, t endo suas
raízes na const rução hist ór ica e cult ural da s re lações sociais pat r iarcais, uma
sit uação que ult rapassa a quest ão de classe e perpassa, necessar iament e, pela
quest ão de gênero. Dest a for ma, fez - se necessár io ent ender, mesmo que
brevement e, co mo se const it uíram, hist órico e cult uralment e, as relações de
gênero no mundo ocident al, a part ir das abordagens feminist as de Dahlerup,
1987; Cost a, 1998; Saffiot i 1992 e Palmer o, 2004.
E m segu ida, apresent a a leit ura da organização dos espaços de t rabalho
visando dest acar a divisão sexual do t rabalho e o cont r ole sobr e a mão de
obra. Descreve, ainda, as ações que co nfiguraram inst rument os de resist ência
sut il das t rabalhadoras, co mo uma respost a à exploração e a do minação no
espaço do trabalho, a part ir da co ncepção de poder em Michel Foucau lt , est e
que discut e a nat ureza do poder co mo não sendo apenas r epressivo, mas
disciplinar e co mo produto de um saber, podendo, dest a for ma, ser per ifér ico
e circular ent re os ind ivíduos, confor me a máxima dest e aut or “onde há poder
e saber há resist ência”.
No quarto capít ulo “T rabalho invi sível : o trabalho dom iciliar das
m ulheres fum ageiras”, a propost a se resumiu em discut ir o t rabalho
fumageiro fora dos espaços indust r iais , no do micílio das t rabalhadoras,
considerado como uma cat egor ia ou modalidade de at ividade produt iva,
embora, margina l. Para co mpreender a hist ória e a dinâmica do t rabalho em
domic ílio das fumageiras do Recôncavo, recorreu -se às análises de Alice
Rangel de Abreu, Bila Sor j e Robert o Ruas, embora, t rat ando -se de cont ext os
difer ent es, mas a discussão perpa ssa pelas quest ões que envo lvem as
condições e a divisão sexual do t rabalho.
A discussão do t rabalho e m do mic ílio, sob a for ma de subcont rat ação,
encont rou em Braver man (1987), a perspect iva hist ór ica de ser um fenô meno
que per sist e desde as pr ime ir as fas es do capit alis mo indust r ial. E m seguida,
são apresent adas as especific idades regionais do t rabalho em do micílio e a
sit uação da mão de obra fe minina em relação ao cont ext o indust rial
fumageiro, bem co mo a descr ição e análise dos espaços e at ividades fabr i s; a
41
Est a prime ira descr ição geográfica e fis iográfica da região , possibilit a
co mpreendê- la, inic ialment e, a part ir de um cenár io nat ural em for ma cô ncava
43
A sua de limit ação geopolít ica var ia conforme as diver sas concepções.
Numa perspect iva t radic io nal, faz sent ido est abelecer os limit es do Recô ncavo
em t orno da Baía de Todos os Sant os ou ao fundo do golfo. Out ra
classificação para det er minar a delimit ação do Recôncavo é a divisão po lít ica,
cujo número de munic ípio s so fre uma rela t iva var iação de 23 a 33 munic ípio s .
Cons idera- se, t ambém, uma refer ência import ant e no recort e regional a
classificação de so los, at ividades econô micas e suas relações de produção. Os
mapas a seguir reflet em delimit ações específicas em mo ment os diferent es –
1970 e 1952, respect ivament e.
45
No c on jun t o, o Re c ôn ca vo d o m ea do de st e sé c ul o c om pr een di a os
t er m os da s fr egu esi a s da ci da de d o Sa l va dor e da s a n t i ga s vi l a s d e
Abr a n t es, Sã o Fr a n ci sco da Ba r ra do S er gí do Con de, Sa n t o Am a r o,
a s t er ra s da Vi l a de Ca ch oei r a a n or dest e do Pa ra gua çu e d o Ri a ch o
Fun do, e os t er m os da s Vi l a s d e Ma r a gogi pe e d e Ja gua r i pe.
(BRAN DÃO, 1998, pp. 42).
Numa análise, t ambém, socio lógica dat ada da década de 1950, C. P int o
co mpreendeu o Recôncavo co mo uma sínt ese regio nal dividida em out ras seis
sub-regiõ es, sendo elas: Zona da pesca e do savei ro – na or la mar ít ima e nas
ilhas; zon a do açúcar – nas t erras do massapé; zona do fu mo – mais recuada
do lit oral; zona da agri cu ltu ra de sub si stência – área desco nt ínua, co njunt o
de manchas, roças de mandioca, milho, feijão, hort aliças, frut as, associada ao
48
pequeno cr iat ór io, que se espalham por todo o Recôncavo, co mplet am out ras
cult uras pr incipais (pr inc ipalment e a do fumo), concent rando -se mais na
direção das front eiras do Sul e do Sudoest e; zona do pet róleo – ainda
crescent e, definindo agora os seus limit es geográficos pelo processo
eco lógico de invasão de out ras zonas, or iginada e co ncent rada, ent ret ant o, nas
mesmas t erras do massapé açucareiro, nas ilhas e na orla mar ít ima; zon a
urban a de Salvador – de caract er íst ic as met ropolit anas, ou quase, cuja
exist ência, cresciment o e função – co mo cent ro de consumo, de co mércio, de
redist r ibuição, de ser viços, de influência polít ica, de cont role administ rat ivo,
de vida int elect ual, de cont act os com o mundo – represent a um dos pr incipais
fat ores, simu lt aneament e, de unidade e de divers idade do conjunt o (...).
(PINTO, 1998, pp. 108 – 109).
Obser vando que as quat ro prime iras sub-regiões represent avam, at é
ent ão, modelos t radicio nais de relações econô micas e sociais e onde se
prat icavam, dent re out ras at ividades, a pr odução de fumo, est a que favoreceu
a inst alação da indúst r ia fumageir a e, conseq uent ement e, as possíve is
modificações nas relações de t rabalho e nas relações sociais.
O Recô ncavo recort ado em subáreas baseia - se em diferent es at ividades
econô micas, est as, por sua vez, correspo ndem a diferent es g rupos sociais que
at uaram em limit es e dimensões t emporais dist int os, marcando suas épocas
enquant o produziam e reproduziam seus modos de vida t ant o no âmbit o rura l
co mo urbano. São “suas vár ias porções com vocações e at ividades difer ent es”
(SANTOS, 1998, p.62-63), que lhes conferem, ao lo ngo do t empo, um carát er
dist int o de out ras regiões da Bahia, a exemplo do sert ão. Ana Mar ia Olive ira
(2000) descr eve a dist inção ent re as duas regiões:
13
Nã o c om por t a a qui tra t ar de t odos os el em en t os qu e , cer t a m en t e, com põem a
si n gul ari da de e a di ver si da de de ss e un i ver so, a exem pl o d a riqueza e da complexidade dos
aspectos culturais a l i, h i st or i cam en t e, desen vol vi d os .
50
Dest a for ma, considera - se que, apesar das paisagens e fenô menos
nat urais que dão fisio no mia própr ia e dis t int a a uma região, ela é um fat o e
um fat o que “não est á dado desde sempre”, co mo t al, a sua co nst rução
cot idiana é fe it a pelo s agent es que dela se apropriam hist órico e socialment e
e, por isso, concorda-se co m Albuquerque Jr. (1999), quando ele afir ma que
“as regiões são fat os humanos, são pedaços de hist ória”. ( ALBUQUERQUE
JR, (1999, p.66).
É a part ir dessas concepções que busca -se ent ender uma unidade do
Recô ncavo baiano que se ergueu a part ir de uma sociedade ligada à produção
e manufat ura do fumo, uma vez que, ant es de ser apenas um espaço
geográfico ela é o result ado de um processo hist ór ico, cuja definição result a
da dinâmica social e eco nô mica dos seus agent es em seus própr ios t empos.
Trat a-se do Recôncavo Fumage iro e, dent ro dest e, circunscrever a área
de at uação e das vivências das mulheres fumag eiras. Est a é uma área socia l
mais rest r it a dent ro da zona ur bana do Recôncavo Fumageiro que, a part ir da
int ensa at ividade de beneficia ment o dos fumos e fabr icação de charut os,
engendrou novos t ipos de relações sociais, de inst it uições e de valores e m
conso nânc ia co m a produção e reprodução sociocult ural, t raduzindo u m
“est ilo de vida e psico logia social de sua gent e". (C. PINTO, 1998, p. 108).
Ao t rat ar de um Recô ncavo Fumageiro, explic it ament e, se r evela a
exist ência de out ros Recôncavos que, confor me a at ividade econô mica
desenvo lvida, alguns est udiosos lhes dão vida e ident idade própr ia. Segundo
Milt on Sant os, é possível se dest acar um Recôncavo açucareiro, um
51
14
Palavra que deriva do Tupi, Maragojipe, é o nome do município onde foi instalada a fábrica Suerdieck. Porém,
foi utilizada, algumas vezes no texto, a palavra grafada como "Maragogipe", por assim constar em todos os
documentos consultados.
15
Desde os tempos coloniais aos republicanos, o Recôncavo sempre viveu dois status: àquele de produtor de
riquezas, sendo o celeiro da Capital pela produção de provisões, além de ser o entreposto entre o sertão e a
capital na distribuição de produtos diversos; outro que revelava um quadro social de muita pobreza de sua gente;
e àquele do latifúndio da cana-de-açúcar, concomitantemente, com as pequenas propriedades de plantação de
fumo e de roças de subsistência. Mas, para a década de 1950, Brandão afirma que é a partir da segunda metade
do século XX que a expansão da rede rodoviária nacional e a integração do mercado interno, dentre outros
fatores de ordem histórica e política, que terminaram por marginalizar os velhos centros de produção regional,
deprimindo a imponente rede que envolve a Baía de Todos os Santos. (BRANDÃO, 1998, pp. 29-42).
52
por isso pode ser que alguns mo ment os de suas falas est ejam relacio nados a
per íodos outros que não est e que aqui fora det erminado.
Assim, considerando a especificidade de as fumageiras estarem diretamente
ligadas à manipulação do tabaco, lança -se um breve olhar sobre este produto e suas
relações com a região e a população que ali viveu no auge da produção e
industrialização do fumo, elementos importantes na formação das redes de relações
sociais e culturais que envolveram parte das mulheres desta porção do Recôncavo
Baiano. Contudo, pretende-se evitar a discussão concernente ao trabalho no campo,
o quadro que se segue tem o caráter, apenas, contextual servindo de base para a
discussão das relações sociais de gênero no âmbito do trabalho fabril fumageiro na
região do Recôncavo, ora denominada de Recôncavo Fumageiro.
part ir de uma organização po lít ica, econô mica, social e cult ural
difer enciada. 17
A fumicult ura baiana é considerada pela maior ia dos aut ores que t rat am
o t ema co mo uma lavoura de pe quenos agr icult ores e quant o as relações de
produção e a est rut ura fundiár ia, a cult ura do fumo se organizava de for ma
dist int a da cult ura canavieir a, po is, enquant o est a últ ima t inha co mo base o
lat ifúndio e a mão de o bra escrava, o fumo ut ilizava as pequ enas propr iedades
e a mão de obra de ho mens livres, pr incipalment e, a mão de obra fa miliar.
O t abaco era produzido em pequena escala e seu benefic iament o, além
de não exigir alt o níve l de especia lização, era menos dispendioso que o
açúcar, condições que at raíam pequenos agr icult ores para aquela at ividade.
(CASTRO, 1941, p. 107).
Inicia lment e, a maior part e da plant ação de t abaco concent rada nas
t erras de Cachoeir a era dest inada à produção do chamado fumo de corda ou
fumo de ro lo. 18 Est e fumo, mesmo sendo de qualidade infer ior represent ou,
por muit o t empo, uma import ant e at ividade econô mica, embora secundár ia, no
co mércio co lo nial do t ráfico de negros com a Áfr ica. (BORBA, 1975, vo l. 2,
p. 12). Ao passar dos anos, não se obser vou modificações significat ivas n as
t écnicas de plant io e beneficia ment o do fumo, apenas passou a ser produzido
t ambém em for ma de rapé e em fo lhas selecio nadas par a a fabr icação de
charut os.
A produção de fumo e m fo lha co meça por volt a de 1750 e, nest e
per íodo, represent a apenas 1% das exportações dest inadas à Í ndia Port uguesa,
sendo a ma ior part e da produção fumageira co lonia l co mpost a quase
exclusivament e de fumo de corda. (NARDI, 2004, p. 34). Mas, segundo
Alme ida, P. H., (1983, p. 15), a part ir de 1840, o Recô ncavo t em o seu eixo
de produção vo lt ado para o fumo em fo lha, sust ent ando o cresciment o
econô mico da região fumageira at é meados do século XX. Co m o
desenvo lviment o da indúst r ia de charut os na região, cresceu a import ação de
fo lhas de fumo para ser vir de capa, cont udo, considera ndo que a região
17
Segundo Marisa Corrêa, o fumo da Bahia, além de ter sido produzido simultaneamente ao açúcar, rendeu mais
que o ouro das Gerais aos cofres portugueses. (CORRÊA, 1982, p. 19).
18
O fumo de corda é um produto exclusivamente do período colonial brasileiro. “É o fumo que os índios
fabricavam aqui e cuja técnica os colonos portugueses aperfeiçoaram, criando máquinas e apetrechos para
preparar a corda, as bolas e os rolos”. (NARDI, 2004, p. 33).
55
oferecia condições nat urais favoráveis ao plant io , bem co mo, o alt o cust o da
import ação, as empresas passaram a invest ir em t écnicas de plant io ma is
so fist icadas visando a produção do fumo em fo lhas, que era um dos t ipos ma is
import ant es para a produção de charut os e, por isso, mais caros.
O fumo era uma cult ur a que se mant inha dent ro dos mo ldes t radicio nais
de produção, embora t ivesse assumindo uma posição de dest aque e
est abilidade dent ro da paut a de produt os export áveis para out ras part es do
mundo, assim co mo, t ambém aument ou o consumo int er no possibilit ando a
emergência de um mercado consumidor local que passou a favorecer o
cresc iment o da econo mia e a for mação de um quadro social caract er íst ico da
região fumage ir a.
Anfiló fio de Cast ro infor ma que "fo mo s nós que já em 1559, envia mo s
sement es de fumo a Port ugal". Co m relat iva diferen ça t emporal, Nardi (2004)
afir ma que a cult ura co mercia l do fumo no Brasil co meço u por volt a de 1570
nas r egiões cost eiras da Bahia e de Per nambuco. Mas, fo i a part ir da segunda
met ade do século XVII que a cu lt ura do fumo passou a ser uma das pr incipais
lavouras t ípicas do Recôncavo Sul da Bahia ( MATTOSO, 1992. p. 463), sendo
est imulada pe lo crescent e int eresse de Port ugal que já ut ilizava o fumo co mo
mo eda de t roca no comércio de escravos co m a Áfr ica e de especiar ias no
Or ient e, quando promo via o abrandament o das medidas rest r it ivas à lavoura,
em favor da po lít ica prot ecionist a que lh e favorecia nos negócio s.
56
Creio que não ignoras ser a erva do taba co de qualidades diferentes, a que
se tem igualmente dado diversidades de nomes, e que tôdas elas
produzem maravilhosamente por todo o Brasil, mas que nos campos da
vila da Cachoeira distante 14 léguas a Oeste da cidade de Salvador, é que
nos domínios portugueses do Brasil, se descobriu a terra mais própria, e
melhor para a plantação desta lucrativa erva, cujo Real Contrato anda
hoje pela soma que não ignoras. (VILHENA, 1969, p. 197).
Jean Bapt ist e Nardi, especialist a na hist ória e econo mia do fumo no
Brasil, em part icular na região Nordest e, reafir mou a região de Cachoeir a
co mo o cent ro da produção fumageir a da Bahia. Par a o últ imo quart o do
sécu lo XVIII, a document ação examinada por est e autor dest aca “os campos
da Cachoeira” co mo os pr incipais espaços p rodut ores de t abaco naquela
região, a part ir dos seguint es limit es:
Segundo Vilhena, no século XVIII, “há nest a Cap it ania difer ent es
paragens, onde se lavra t abaco; os sít io s porém onde há mais fazendas dê le
são co m prefer ência a t odos do Brasil, os campos da Cachoeir a". (VI LHENA ,
1969, p. 199). No início do século XIX, 1802, ainda escrevia Vilhena, “A
Vila de Cachoeir a se fa z r eco mendável e opulent a por ser caixa de t odo o
57
Tabaco que se fabr ica no cont inent e”. Para Kát ia Mat t oso (1992, p. 463), no
final do século XVIII, só no dist r it o de Cachoeira havia o it o mil plant adores
de fumo e na maior ia rendeiros, cr iando, a part ir de ent ão, uma espécie de
t radição em t orno dessa at ividade e um t ecido social t err it orialment e
difer enciado.
Assim, a expressão “Os campos da Cachoeira”, no que diz respeit o à
produção de fumos do Recô ncavo, vai além dos at uais limit es po lít icos e
geográficos dest e município . Segundo Nardi (1996), t rat a-se da class ificação
das fazendas de fumo por freguesias. Vale ressalt ar, que est e recort e at ende à
época da plant ação do t abaco visando a produção de fumo de ro lo e, port ant o,
ainda de propr iedade dos grandes fazendeiros ut ilizando mão de obra escrava.
A figura abaixo per mit e visualizar a abrangência dos Campos de Fumo da
Cachoeira.
58
fumageira na Bahia, seja pela qualidade do fumo, seja pelo s produtos ali
produzidos. Out eiro Redondo, dist r it o de São Félix, chegou a receber
incr ement os do governo pela “produção de safras apr eciáveis na ba lança do
Est ado”. 19 O fu mo de São Félix era, de fat o, para o ext er io r, a melhor espécie
export ada pelo Brasil, por corresponder às exigências do mercado na
produção de charut os finos.
Cachoeira, que desde sempr e ligava o Sert ão à Salvador funcio nando
co mo cidade-ent repost o, no mo ment o do auge da econo mia fumageira, ent ão,
ligava- se à t odas as localidades da zona do fumo, co mo t ambém a Feira de
Sant ana e Sa lvador, sendo, dest a for ma, pr ivilegiada por sua posição port uária
e depo is ferroviár ia, reforçando sua posição de cent ro polít ico -administ rat ivo
e por dir igir as relaçõe s econô micas na região.
As cidades vizinhas foram est rat egicament e afast adas ou anexadas à
rot a promissora da econo mia fumageira. Sant o Amaro, que era reco nhecida
t ambém co mo porto fumageiro no iníc io do século, perdeu suas funções
depo is que a ferrovia l igando Cachoeira à Feira de Sant ana passou a servir à
zona e as loca lidades fumageiras. (S ANT OS, 1998, p. 76 -77). Já S ão Félix e
Mur it iba, cidades muit o próximas à Cachoeira, co mplement avam o conjunt o
hier árquico do “co mplexo baiano do fumo ”, além de ser vi re m de pont o de
pouso para os t ransport adores de mercador ias . 20
Junt as, Cachoeira, S ão Félix e Mur it iba, represent avam o cent ro
co mercia l do Recô ncavo Fu mageiro, pois t inham a função de sediar o
escoament o da produção e int er mediar a capit al e o int er ior ma is dist ant e - o
sert ão, ao recambiar uma sér ie de produtos export áveis, fat o que reproduziu o
cenár io de t ropeiros, vaqueiros e co merciant es a t ransit ar pelas ruas daquela s
cidades em direção ao porto.
Essa rede de co municação que se enco nt rava so lid ifica da em fins do
sécu lo XIX, so freu sér ias modificações e uma nova organização no início do
sécu lo XX, co m a abert ura de est radas de rodagem e a conseqüent e ut ilização
19
ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO FÉLIX. DIAS, L. Gonzaga. O Congresso nacional do Fumo: histórias e
problemas vistos em conjunto. Correio de São Félix. São Félix: Publicação aos sábados, n.º 887, 12/07/1952.
20
Adota-se o conceito “complexo baiano do fumo” de Paulo H. de Almeida (1983) e não o de “complexo
econômico regional” ou “complexo nordestino”, uma vez que estes tem como eixo a produção de açúcar que se
manteve à frente da economia regional de maneira preponderante até início do século XX. Também, em
contraposição ao conceito de “sistema agroindustrial”, que o autor afirma não poder ser aplicado, em nenhum
momento, para a atividade fumageira da Bahia. (ALMEIDA, 1983, p. III).
60
de veículos aut omotorizados, embora t enha sido est e um dos fat ores
import ant es para a progr essiva t ransfer ência da import ância eco nô mica e
polít ica dessa região para out ras áreas, isolando -a do resto do país. (CENSO,
1970, pp. 17-18).
Nest e co nt ext o, dest aca -se a co nsiderável import ância do Porto da
Cachoeira, sit uado nos t erraços fluviais da m argem esquerda do Paraguaçu,
pois desde os pr ime iros t empos da co lo nização at é meados do século XX,
grande part e da produção do planalt o fumageiro, incluindo a produção das
manufat uras de charut os, era escoada por via flúvio - mar ít ima, fazendo do
porto um e le ment o muit o import ant e na est rut uração econô mica e social da
região. (CENSO, 1970, pp. 17 -18).
E m 24 de junho de 1949, já co m a ext ensão da malha viár ia na região, o
prefe it o de Cachoeir a, Ar ist ides Milt o m, so licit ou ao minist ér io da Viação a
cifra de Cr$ 200.000,00 para a const rução do cais da Vila do Iguape,
afir mando que "Quase t odo t ransport e é feit o por via fluvial e d'ai a
necess idade ext rema e urgent e do cais de que t rat a a emenda". (A. M.
CACHOEIRA/ CORRESPONDÊNCI AS OFICIAIS. ESt . 6, CX. 169, 1949 ).
É, de fat o, um cenár io que revela um int enso mo viment o de ent rada e
saída de mercador ias na região, caract er izando o t empo de uma econo mia
promissora, embora cont rast asse co m um quadro social de mu it a pobreza que
ali margeava e para lá se dir igia em bus ca de t rabalho, inclusive nas fábr icas
que for mavam o parque manufat ureiro da região. (PINTO, 1998, pp. 123 -133).
No fina l do século XIX, o fumo, já pr ocessado pela indúst r ia lo cal,
imperava co mo import ant e art igo de expo rt ação. Ao adent rar o século XX, as
rendas aufer idas pela export ação do fumo cont inuaram co nt r ibuindo co m o
desenvo lviment o da econo mia da Bahia, sendo o Recô ncavo o maior
for necedor de fumo e der ivados de t odo o Est ado. Fo i assim at é mesmo
quando já não ocupava lugar de dest aque por ocasiã o das sucessivas cr ises e
dificuldades que a lavoura enfr ent ava. (BORBA, 1975, p. 10; ALMEIDA,
RÔMULO, 06/ 1951, n.2. pp. 8 -9).
A produção de fumo procedent e do Recôncavo per mit iu à Bahia, at ravés
do comércio de export ação e import ação, mant er fort es r elaç ões co merciais
co m as cidades de Bremen e Hamburgo na Alemanha, dent re out ras,
favorecendo a abert ura do consulado alemão na cidade de Salvador já e m
61
Ao mesmo t empo, vale lembr ar que a Bahia co nst it uía -se, t ambém, num
grande import ador de fumo de vár ias part es, at ravés de Br emen de onde
adquir ia os charut os alemães. As relações co mercia is ent re a Bahia e a
Ale manha evidenciam o r eflexo do cont role do mercado do fumo baiano pela
Ale manha, po is, do Recôncavo era exportado o fumo brut o, que naquele país
21
Segundo P. H. Almeida, “O produto de exportação da província que concentrava os interesses do capital
alemão era o fumo em folha. (...). Nas últimas décadas do século passado, os negociantes nacionais limitavam-
se, na maioria dos casos, à compra das folhas diretamente dos fumicultores, ao enfardamento em armazéns no
Recôncavo e a revenda do produto para grandes empresas alemãs” estas que controlavam, praticamente, toda
exportação do fumo baiano. (ALMEIDA, P.H., 1983, p.16).
62
era beneficiado e reexport ado como fumo de alta qualidade para ser utilizado,
inclusive, nas manufaturas do próprio Recôncavo a preços altos. 22
Mas, t odo est e est ado pro missor do Recôncavo fumage iro que envo lveu
desde a produção, beneficia ment o e co mercialização dos fumo s e der ivados,
const ruiu um t rajet o dinâmico pelas cidades det er minado pelos r equis it os do
desenvo lviment o eco nô mico do set or, int erfer indo na paisagem ge o fís ica e
socioeconô mica da região.
Assim, num processo de sucessão hist órica e eco lógica, o pólo
fumageiro foi, gradativamente, sendo transferido para Cruz das Almas e
adjacências, conforme se verifica nos números da produção do ano de 1926, em que
os municípios de Cachoeira, São Félix e Muritiba juntos produziram 1.140.000
quilos de fumo e Cruz das Almas sozinho produziu 1.660.000. (IBF, 1936, Cx.
2378. M. 149, p. 07 ). No resumo dos trabalhos do ano de 1936, do Instituto
Bahiano de Fumo, consta que Cruz das Almas tinha cadastrado 1.521 lavradores e
rendeiros produtores e Muritiba o número de 1.466, enquanto que Cachoeira e São
Félix não aparecem mais como grandes produtores de fumo. (IBF, 1936. Cx. 2378.
M. 149, p. 07).
Em meados do século XX, a expansão da rede rodoviária nacional, a
integração do mercado interno e o advento do caminhão na região, contribuíram
diretamente para as transformações espaciais da indústria fumageira n o Recôncavo.
Neste momento, Cruz das Almas já representava o maior produtor d e fumo entre
aqueles municípios e os velhos centros da produção regional foram, então,
marginalizados. (SANTOS, 1998, p. 79; BRANDÃO, 1998, p. 40). Essa mudança
de direção no quadro da importância econômica dos antigos municípios produtores
e beneficiadores de fumo, causou um certo mal-estar. Pois, em 1941, ainda sem
perceber as mudanças conjunturais oferecidas pelo momento, Anfilófio de Castro
escrevia:
(...) e, de culpa nossa, nos tomou [Cruz das Almas] a vanguarda,
desaparecendo assim o nosso nome que, m uito acreditado e conceituado,
brilhava nos mercados estrangeiros, onde as grandes "marcas" atuais,
feitas de fumo nosso, em nossos armazéns, levam chapas dizendo -se de
outras procedências, como se possível noutras partes genero igual, e
operários aptos e escrupulosos como o muritibano. (CASTRO, 1941, p.
104).
22
Durante o século XIX e a primeira metade do século XX, observa-se uma presença marcante do capital alemão
na economia fumageira baiana. (ALMEIDA, 1983, pp. 15-16).
63
Os fumos de Matta e São Gonçalo são os mais usados nas nossas fábricas
de charutos e gozam de preço elevado, como os de Cruz das Al mas que
são também superiores, e das zonas próximas conhecidas como "Matta
Perto", por alguns negociantes. (...) Em São Gonçalo e Cruz das Almas,
fumos cultivados com cuidados especiaes, por alguns agricultores, e
cortados folha por folha, cuidadosamente b eneficiados alcançam preços
de 80$000 e mesmo... 100$000 a arroba. Estes fumos especiaes são quasi
todos comprados pelas nossas fabricas de charutos. ( APE B. Seçã o
Repu bl i ca n a . Sec. Da Agr i cul t ura . Corr espon dên ci a an exa a o
Regul a m en t o do IBF, cx. 2378. M. 1 49pp. 3 -4).
23
A utilização do termo “produtores” deve-se à documentação que assim se refere aos plantadores de fumo na
Bahia. Porém, P. H. ALMEIDA trabalha com o termo fumicultores, pois segundo este autor o primeiro está
ligado diretamente às relações de produção no campo, ou seja, à questão camponesa. (ALMEIDA, P.H., 1983).
66
Na área fumageira, "da lavoura de pobre" além dos escravos e homens livres,
lavradores, que predominaram na época colonial e imperial, é possível destacar já no
período republicano, os trapicheiros, pessoas que compravam o fumo dos lavradores
para revender às firmas exportadoras. (OLIVEIRA A. M., 2000, pp. 46-47).
24
O processo agrícola da atividade fumageira incluía desde o plantio, a limpa da roça, o período de desolhar
(tirar o olho da planta para que esta enchesse de folhas), o corte e a secagem do fumo, processos realizados com
o fumo ainda inatura. Na casa do agricultor, outra etapa se iniciava: o barrufo (molhar o fumo com a boca cheia
d’água), a fermentação em “camas de fumo” e o processo de seleção das folhas que, ao chegar aos armazéns, a
produção já estava semi-processada, mas que dava-se início a um outro processo de limpeza e seleção dos fumos
conforme as necessidades, seja de exportação ou venda direta às fábricas de charutos.
67
Est as propr iedades eram administ radas inic ialment e por ho mens livres de
parcos recursos econô micos e que mesmo não sendo um lat ifundiár io co mo
era o senhor de engenho, possuía m pequenas ext ensões de t erras ou era m
meeiros.
Nest e caso, nem sempr e o meeiro era aquele que t inha a posse da
met ade da t erra. O meeiro no Recôncavo era aquele que, at ravés de u m
cont rato verba l, arrendava um pedaço de terra para t rabalhar e met ade de t udo
o que produzia levava co mo pagament o para o dono da t erra. Já o rendeiro,
aqui, não era aquele que arrendava a t erra, mas o t rabalhador que não a
possuía e, por isso, t rabalhava nas t erras de out ra pessoa, recebendo e m
dinheiro pelos dias t raba lhados; ou morava nas t erras de out ra pessoa onde
fazia roça de subsist ência para sobr eviver, inclusive co m a família, e pagava
“a renda” co m t rabalho na roça do propriet ár io alguns dias da semana.
(SILVA, B enedit a. 2009 ; MATTOSO, 1992, p. 463; BORBA, 1975, p. 13 -
14). 25
Cost a Pint o descreve e classifica as formas de parcer ias co mo “renda
t rabalho”, em que o propriet ár io cede as t erras em t roca de alguns dias de
t rabalho na se mana em sua lavoura ; “r enda-produt o”, o lavrador paga ao
propriet ár io das t erras uma part e do que produz, chamada de t erça ou meia; e
“r enda-dinheiro”, quando o aluguel da t erra é pago em dinheiro. (PINTO,
1998, p. 124-125). Esse r egime de parcer ia local enquadrava -se nas for mas
t radicio nais e arcaicas d as relações sociais de produção no mundo agrár io.
Enquant o na indúst r ia fumageira, desde o embr io nár io processo de inst ala ção
e adapt ação , a mão de obra enquadrou-se so b o modelo cap it alist a de
assalar ia ment o.
E m fins do século XIX e no século XX, co m a ut ilização do fumo , em
larga escala na fabr icação de charut os e cigarr ilhas e, por conseguint e, maio r
exigência do mercad o int er no e ext erno, passou a predo minar um número
maior dos chamados pequenos e médio s propriet ár ios de lavouras de t abaco
no Recô ncavo Baiano .
25
Somente após 1959 as categorias de rendeiros, parceiros e meeiros sofreram uma redução acentuada, conforme
SECRETARIA DA AGRICULTURA – IBF/CEPA, SEC. DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO. Fumo na Bahia:
Diagnóstico Preliminar. Salvador: 1980, p. 20.
68
26
Sobre o uso do termo “malhada”, Joaquim de Amorim Castro (Juiz de Fora e lavrador da vila de Cachoeira –
1788) já utilizou em suas Memórias como “lugar estrumado”. (CASTRO apud LAPA, 1973). Completando Lapa
diz “que hoje pode também significar uma plantação de fumo”, (LAPA, 1973, P. 164).
27
Os armazéns de fumo, como eram conhecidos na região, eram estabelecimentos comerciais de compra e venda
de tabaco, que acumulavam várias atividades, dentre elas, a compra do fumo diretamente do produtor, muitas das
vezes financiando a produção; o beneficiamento do fumo através do processo de escolha, destalação e separação
dos fumos; enfardamento; pesagem; exportação e importação; e distribuição dos fumos para as empresas que
ficavam na ponta da produção – as fábricas de charutos, de dentro e fora do estado.
28
Para um estudo minucioso sobre a semeadura e todas as fases de produção do tabaco, a obra que apresenta
maior número de informações detalhadas é a de Antonil, que dedica 12 capítulos, versando sobre o assunto.
Antonil avalia, ainda, ser o trabalho de lidar com o tabaco tão penoso que excede em muito o de fazer o açúcar.
(ANTONIL, 1982, pp. 149-160 e 199).
29
O adubo químico, resultado do bagaço de caroço da mamona passou a ser utilizado já no século XX. O
estrume do gado destinado à fertilização da terra para o plantio de tabaco está intimamente relacionado à
conexão desta cultura com a pecuária, na mesma região. (LAPA, 1973, 162).
69
30
Ainda no final do século XVIII, Nardi identifica sete mulheres lavradoras de fumo, sendo três brancas viúvas,
duas brancas solteiras e duas pardas viúvas. (NARDI, 1996, p. 133). Para o período estudado, a documentação
não foi suficiente para quantificar as mulheres lavradoras de fumo, apenas, as entrevistadas afirmaram haver
muitas mulheres viúvas assumindo a roça de fumo dos seus falecidos maridos.
70
A pobr eza daquela gent e revelava um modo de vida car act er íst ico da
região do fu mo, que est endia - se do campo aos cent ros urbanos e suas
71
per ifer ias, aco mpanhando o t rajet o do fumo aos ar mazéns, fábr icas de
charut os e às residências onde, t ambém , a manipulação indust r ial do fu mo er a
rot ina. Nest e cenár io, o fumo represent ava a grande cont radição. Por um lado,
ele er a co nsiderado a gr ande r iqueza econô mica do Recô ncavo Sul, po is a
produção fina l de t oda a região mo via grandes so mas de capit ais, t ant o dos
co merciant es co mo do Est ado. Por outro, obser va-se a composição dest a
mesma região co mo um mo saico de pequenas plant ações e raras propr iedades
de maior ext ensão, onde o pequeno agr icult or trabalhava co m sua família ,
vivendo a mercê da po lít ica de pr eços adot ada pelo s co mpradores , além de
não receber nenhum incr ement o do Est ado para a ampliação de sua lavoura .
Est a sit uação gerava uma relação de dependência dos lavr adores co m os
co mpradores de suas safras, ao ficarem “nas mão s” dos t rapicheiros e out ros
co merciant es, conhecidos co mo “at ravessadores”, po is eram os represent ant es
dos vár ios ar mazéns de fumo e das export adoras, empresas que usavam u m
sist ema de financia ment o ant ecipado, ou se ja, co mpravam as safras ant es
mesmo de plant ar o fumo a preços presumidos, o que significava p reço s
baixo s, logra ndo t odas as possibilidades de ganho do lavr ador, além dos juros
ext orsivos pr at icados nest e co mércio . Par a o agr icult or que se est abelecia na
cat egoria de “meeiro” ou aquele que t rabalha co mo “r endeiro”, o problema
era ainda maior, po is, alé m de não receber nenhu ma ajuda ou prot eção por
part e do Est ado, ainda ficava sujeito às condições impost as pelo s
propriet ár ios das t erras. (BORBA, 1975, pp. 15 -16; CENTRO DE
PLANE JAMENTO DA BAHI A, 1978, pp. 144-145; ALMEIDA, P.H., 1983,
pp. 23-24; PINTO, 1998, P 125).
O cult ivo do fumo er a um t rabalho co let ivo no tocant e à força d a mão
de obra dispensada p ela família do agr icult or e seus agregados. Para est es
t rabalhadores, o dia de t rabalho co meçava ao raiar do so l e só t er minava ao
ent ardecer ; além de t odo o t rabalho que envo lvia a lavoura de subsist ência ,
est a que gar ant ia, de fat o, a so brevivência real do agr icult or . Muitas das vezes,
fazia-se necessário recorrer às práticas de ajuda mútua e o adjutório, comum
naquela região. Segundo Borba (1975, p p. 16-19), o fumo muit o pouco deixava
de lucro para o agricult or e sua fa mília, uma vez que era dest inado apenas
para a co mpra de roupas e calçados para a família.
72
em fo lhas para export ação, mot ivando a abert ura de empresas para o t rabalho
de beneficiament o e enfar dament o dos fumo s, cuja mão de o bra passou a ser
assalar iada e co nst it uiu -se de ho mens e mulheres pobr es. Ao cont rár io da
lavoura do t abaco, a indust r ialização e export ação do fumo no R ecô ncavo,
desde o início, est iveram em mãos de grandes empresár io s sendo, na ma ior ia,
est rangeiros. Trat ava-se de um mo ment o – a últ ima década do século XIX e
pr imeir a do século XX – que segundo Inaiá Car valho , a conjugação de
diversos fat ores que envo lvera m uma cr ise no co mércio ext er ior e na
capacidade de import ar , reproduziu um cont ext o que propic iou as condições
para o surgiment o da indúst r ia nacional no Brasil, nos mo ldes do
aproveit a ment o dos mercados regio nais. ( CARVALHO, 1971, p. 22 e 32).
O exame das fo nt es escr it as possibilit ou o levant ament o de grande part e
das empr esas que at uaram no Recô ncavo, no período em est udo. O quadro
abaixo apresent a uma relação das empr esas fumageiras e de ser viços – est as
últ imas ligadas à co mercialização e export ação dos produtos der ivados do
fumo – inst aladas na região. Cont udo, aparecem alguns no mes de pessoas que
t ant o podiam ser pessoas jur ídicas, quant o fís icas, po is segundo Luz ia S.
Ferreir a (2009), muit as(os) t rabalhadoras( es) ao fazer a ficha de filiação ao
sindicat o ident ificavam a empr esa em que t rabalhavam pelo no me de fant asia,
mas t ant as out ras ident ificavam pelo nome de seu gerent e – aquele que
represent ava a empr esa – e não por sua razão social, podendo haver a í
duplicidade de empr esas ou mesmo ausência d e algumas delas.
Outra questão a ser observada é que todas estas empresas nem sempre
existiram ao mesmo tempo, o tempo todo, pois com muita freq uência se fundiam
quando as pequenas eram absorvidas pelas grandes e/ou mudavam de razão social.
No entanto, a lista obedece ao que consta na documentação, uma vez que a verdade
do historiador é aquela que se apresenta nas fontes e, neste caso, a maioria dessas
empresas está registrada nos livros de associados do Sindicato dos Trabalhadores
na Indúst r ia do Fumo de Cruz das Almas, no per íodo de 1930 a 1969.
75
Para at ender à propost a dest e t rabalho , faz -se necessár io , dest acar
dent re as diversas empresas fumage ir as que se inst alaram no Recôncavo, do is
t ipos dist int os dent re elas, que são os ar mazéns de benefic iament o e
76
31
Mui t os d os a r m a z én s de fum o t a m bém expl or a va m a a t i vi da de de exp or t a çã o d e fum os,
c on t udo, est a er a um a a t i vi da de m a i s si st em á t i ca e t od o o pr oce ss o d e n eg oci a çã o e ven da
er a r est r it o a o c or po a dm in i str a ti vo da s em pr esa s. A ext en sã o dessa s fi r m a s n a s a t i vi da des
de a r m az en am en t o, com pr a e ven da de fum o que fo r m a va m a s or gan i z a ções d e exp or t a çã o
e i m por t a çã o n ã o fa z part e dos obj et i vos de ss e t ra ba l h o.
32
Apen a s fa z en do um r á pi do pa ra l el o, a expa n sã o i n dustr ia l do t a ba c o em Cu ba oc or r e n o
i ní ci o d o s é cul o XIX, qua n do a a r i st ocr a ci a passa a c on sum i r os ch a r ut os e ci ga r ri lh a s,
di fer en t em en t e do Re c ôn ca vo. ( LE RE VE RE ND, 1985, pp. 51 -55).
77
33
Sobre a crise e decadência da economia fumageira ver RAMOS, José Alberto Bandeira. Crise da Economia
Fumageira do Recôncavo da Bahia. (Dissertação de Mestrado em Ciências Humanas – UFBA). Salvador (Ba):
1990, pp. 40-50.
80
P ri m e i ra Fábri c a - 1905
E mbora est eja se t rat ando de uma organização inic ial, mas percebe -se
que est e quadro já é indicat ivo da posição que as mulher es passar ia m a ocupar
na divisão social do t rabalho na indúst r ia fumageira, po is, desde ent ão, elas
realment e passaram a ocupar as funções relacio nadas ao t rato do fumo e a
confecção dos charut os, sendo que o único ho mem do quadro ocupava a
função de mest re, uma das funções import ant es na hierarquia do poder da
indúst r ia fumageira.
Dent re os regist ros das trabalhadoras dos primeiros t empos da
Suerdieck, encont ra-se uma “Ficha de Regist ro de Empr egados” de Mar ia
Marce llina Conceição, moradora de Maragojipe e admit ida no ano de 1908 na
função de charut eir a da fábr ica. Obser va -se que a ficha fo i fe it a no ano de
1939, per íodo em que co meçaram as exigências devido à implement ação da
Conso lidação das Leis Trabalhist as (CLT ), mas grande part e das infor mações
refer e-se ao per íodo de sua admissão. Mar ia Marcellina nasceu em ju lho de
1892 e co meçou a t rabalhar em maio de 1908, co m 16 anos inco mplet os,
embora, na ficha co nst e no it em “Idade” 46 anos, po is, quem fez o cálculo
considerou do ano de nasciment o à sua demissão , em 1938. 34 At é aí foram
t rint a anos de t rabalho, mas, no verso da ficha const am regist ros de fér ias de
1937 at é o ano de 1949, que somar iam 41 anos de t rabalho. Cont udo, para a
34
As questões relacionadas às idades serão discutidas mais à frente, pois em cada tempo predominou uma faixa
etária das trabalhadoras.
84
Em 1914, houve a junção das firmas, mudando a razão social para Suerdieck
& Cia. e admitindo, como novo sócio, Ferdinand Suerdieck que veio a falecer nove
anos mais tarde sendo, assim, substituído por Gerhard Meyer Suerdieck. Já em
1921, sob a influência da crescente demanda internacional de charutos provocada
pelo fim da Primeira Guerra Mundial, a empresa construiu um novo prédio que
fazia comunicação ao já existente por uma ponte de cimento armado. O
consentimento dado pelo prefeito para a realização desta obra causou impacto à
população, conforme segue:
35
Auxiliar vindo da Europa e que integrou o quadro de dirigente em 1913.
87
charut os. Cruz das Almas que, at é ent ão, mant inha apenas ar mazéns de
esco lha e enfar dament o de fumos par a export ação, começou t ambém o
t rabalho de fabr icaçã o de charut os finos empregando, inic ialment e, 50
operár ias(os) e, em 1955, já co nt ava com 300 t rabalhadoras(es). A gerência
dest a filial ficou so b os cuidados de Johann Schinke, que já er a t écnico da
fábr ica de Marago jipe, em seguida por Joseph Muelbert , H erbert St ern e
out ros que foram sucedendo.
FIGURA 12 – Fábr ica de Char utos Su er dieck em Cr uz das Almas (193 5).
36
A Vila de Cabeças pertencia ao município de Muritiba até o ano de 1962, quando foi emancipada e passou a se
chamar Governador Mangabeira.
37
SANTOS, Sebastião Pereira dos. Prenseiro da Costa & Penna e trabalhador de "armazém de beneficiamento
de fumo em Cabeças. 96 anos, 1999; NOVAIS, Maria de Lourdes Conceição. Filha de charuteira e charuteira de
vários fabricos na Vila de Cabeças, 65 anos, 2000; "O Correio de São Félix" informa que o eclipse ocorreu em
20/05/1947. N.º 623, 17/05/1947 e n.º 624, 24/05/1947.
91
Corbiniano Rocha, funcio nár io desde 1917, para ger ent e da filia l de
Marago jipe.
Nos anos de 1944 e 1945, a Suerdieck amplio u seus negócio s para São
Gonçalo dos Campos e Salvador. No pr imeiro adquir iu um grande ar mazém de
fumo que pert encia a Art ur Magalhães e no segundo co mprou a fir ma
Trapiche 1.º P ilar, passando a exp lor ar o ramo da ar mazenagem do fumo
capeiro em fr igor íficos.
E m 1946, a Suerdieck fo i t ransfor mada em Sociedade Anô nima e a
razão social passou à Suerdieck S/ A, co m a admissão dos sócios Alfred Will y
Paul Haendel, Ant onio E lo y da S ilva, Raul Ayres de Lacer da, Epamino ndas da
S ilva Bandeira, Nico lau Me yer Suer dieck, Albrecht Wo lfgang Meyer
Suerdieck, Fer nando Meyer Suerdieck, Corbiniano Rocha e E lisabet h Cabús
de Amor im. E m fever eiro do ano seguint e, o Diár io Ofic ial publicou a no va
diret oria da empr esa co mpo st a por quat ro sócios, sendo eles Ger hard Meyer
Suerdieck – Diret or-president e, Geraldo Meyer Suerdieck – Vice-president e,
Alfred Willy Paul Haende l – Dir et or-gerent e e Ant onio E lo y da S ilva –
Diret or-gerent e. (SUERDIECK S/ A, 1955) .
Co m a mort e de Ger hard Meyer Suer dieck, em 1950, sua esposa,
T ibúrcia Meyer Suerdieck, t oma posse no cargo de Dir et ora -president a, at é o
t érmino do mandat o. Cont udo, o autor do escr it o sobre a Suerdieck afir ma
que, a posse da viúva no cargo do esposo, t rat ava - se de uma “ho menage m
expressiva à memór ia de Ger hard Meyer Suerdieck”. (SUERDIECK S/ A,
1955). Fat o que configura a realidade dos est ereót ipos que dão significados
ao masculino e ao feminino, t ambém, naquele cont ext o, onde o exercíc io do
poder é exclusivo dos ho mens, cabendo às mulheres, alé m do “papel
t radicio nal”, um lugar à so mbra de seus mar idos, pais, ir mãos ou out ros
parent es, apenas no mo ment o em que se fazia necessár io garant ir a posse e
cont inuidade do pat rimô nio da família.
Ainda, é possível o bser var a ausência das mulheres nos espaços de
poder da empr esa – Suerdieck – at ravés dos Quadros de Acio nist as, abaixo,
publicados na década de 1950 , onde, no pr imeiro, apenas uma e no segundo
duas “mu lheres-esposas” figuram co mo acio nist as da empr esa.
92
38
Vale ressaltar que esse número de empregados da Suerdieck no ano de 1950, refere-se, apenas, ao que consta
na documentação examinada, nas Fichas de Registro de Empregados depositadas nos arquivos.
94
39
Método radiológico do diagnóstico de doenças pulmonares geralmente associadas ao trabalho, destacando-se
em maior número a tuberculose. A abreugrafia permitia a realização de um grande número de exames em um
curto espaço de tempo
40
As crises e a decadência da indústria fumageira na Bahia constitui-se uma matéria a ser detidamente estudada
à parte deste trabalho, considerando a sua complexidade no que diz respeito aos vários e divergentes pontos de
vista sobre o assunto, os contextos políticos e econômicos porque passou o país e o mercado dos fumos e
derivados e, especificamente, a indústria fumageira, além das questões relacionadas aos interesses dos grupos
95
out ras for mas de t rabalho, enquant o as mulheres, pelo fat o de est arem mais
ligadas à casa e a família, circunscr it as socialment e ao espaço domést ico e
suas t arefas diár ias, não puderam fazer o mesmo e, assim, sent iram muit o
mais a falt a do t rabalho , est e que t inha papel import ant e na const rução de sua
aut onomia econô mica e social.
Dest a for ma, vale ressalt ar que a s t rajet órias da Dannemann e Suerdieck
– as duas maiores empresas que at uaram simult aneament e no t rabalho de
beneficia ment o de fumo s, fabr icação de charut os e no co mérc io de import ação
e export ação de fumo s e seus respect ivo s produto s – são amplas e se
confundem co m a própr ia hist ór ia do t abaco e seus der ivados na Bahia. Seus
negócios alcançaram uma dimensão muit o maior e mais co mplexa,
co mparando -se ao que fo i aqui apresent ado porquant o o objet ivo dest e esfor ço
é apenas ident ificar e rast rear o percurso de algumas manufat uras de fumo,
co m vist as a co mpreender a est rut ura social da indúst r ia fu mageir a do
Recô ncavo a part ir da sua organização administ rat iva, cujo quadro de
dir igent es e funcio nár ios da burocracia empresar ia l era for mado, na maior ia,
por est rangeiros europeus e, essencialment e, por homens. Já o quadro de
t rabalhadoras( es) em geral, assunt o que vamo s nos det er doravant e,
const it uía-se de ho mens e mulher es, com vant age m numér ica para est as
últ imas.
O desenro lar dest a exposição se fez de propósit o, no sent ido de
evidenciar a const rução de uma hist ór ia a part ir de do is aspect os . Primeiro,
em no me do desenvo lviment o, a cult ura fu mage ir a dant es pert encent es aos
habit ant es do Recô ncavo, é “t omada de assalt o” pelo cap it al est rangeiro aqu i
represent ado por algumas famílias européias que, além de explorare m
int ensament e uma at ividade econô mica, mant iveram - se, t odo o t empo, no t opo
da hierarquia do poder no tocant e à organização da indúst r ia fu mageir a local.
dirigentes das empresas de manufatura, importação e exportação de fumos. A decadência da indústria fumageira
no Recôncavo, conforme os autores supracitados, deveu-se, inicialmente à Segunda Guerra Mundial, uma vez
que o capital empregado era de origem alemã, bem como, a maioria dos sócios-proprietários, estes foram presos
e/ou expulsos do país e suas empresas nacionalizadas. Por outro lado, fortalece-se o truste americano que coloca
em evidência a indústria de cigarro com embalagem pequena, sofisticada e um produto mais barato, mais
acessível à população, além da propaganda maciça que atraía a juventude. Nesta cadeia de agravantes, ainda,
considera-se relevante o processo de reestruturação da economia, tomando como lema os cortes com os gastos e
o reordenamento da força de trabalho, levando levas de trabalhadoras e trabalhadores à demissões e instalando a
precarização das relações de trabalho.
96
Segundo, que a produção fumageira se est rut urou sobre a base de uma divisão
sexual e social do t rabalho , at ingindo não apenas os/as operár io s(as), co mo
t ambém os propr iet ár ios, uma vez q ue não se ident ificou as mulher es de suas
famílias ou out ras envo lvidas na administ ração das empresas que aqui se
est abeleceram por muit os anos, excet o quando da mort e de algum sócio
major it ár io e por falt a de out ro dependent e. A chefia, port ant o, era masc ulina
e ass im, esse mo delo se dist r ibuía nas demais at ividades ent re os/as
t rabalhadores( as), reforçando cada vez mais os est ereót ipos relacio nados aos
ho mens e as mu lheres, no que diz respeit o à det er minação cult ural de seus
lugares nos espaços de t rabalho que t ambém eram espaços de poder.
97
41
Anajé que significa gavião na língua nativa é um topônimo que os conquistadores deturparam para Najé.
98
nat urais do Rio das Caboclas sit uado ent re Najé e Mar ago jipe, o aut or afir ma
que est e últ imo “produziu a maior safr a de mame lucos”. (SÁ, 1981, p. 31 -33).
Ainda cont a est e aut or que “t r ibos va lent es, aparent adas aos Aimorés”,
invadiram Capanema, um dos sít io s das t erras marago jipanas, no século
XVIII, embora muit o ant es Mem de Sá já houvesse “dest roçado aimorés da
Serra da Copioba, afugent o -os do lit oral”. (SÁ, 1981, p. 73).
Mais à frent e, em d ireção a Mur it iba, a r egião era t ot alment e povoada
pelos índio s Tupinambás que, no per íodo dos t rês go ver nos gerais, so mara m
47 aldeias. So ment e São Félix, const it uiu -se numa aldeia de índios co m 20
palhoças habit adas por cerca de 200 índ io s. Porém, logo q ue o colonizador
chegou à região est a população fo i gradat ivament e sendo dizimada. Segundo
S ilva (2001):
No ent ant o, é sabido que os aut óctones r esist iram co nt undent ement e à
exploração, à dominação e a quaisquer out ras for mas de dest ruiç ão de sua
espécie impost as pelo co lo nizador port uguês. Fo i nest e processo de lut a e
resist ência à escravidão e ao poder sobre o seu t err it ório que os índio s,
mesmo so frendo grandes baixas em seu efet ivo, sobreviveram favorecendo ao
processo de miscigenação do Recôncavo. 42
A presença da população negr a no Recôncavo est á relacio nada à
escravidão afr icana que, desde a co lo nização at é o fina l do século XIX,
apresent ava a ma ior concent ração do Est ado da Bahia. Ao examinar os
invent ár io s post-mort em da população dest a região, do período de 1750 a
1800, Parés (2005), ident ificou dent re os 1.400 cat ivos afr icanos uma ma ior ia
cujos et nô nimo s refer ia m- se a mina, jeje, nagô e ango la dent re out ros, t er mos
que designavam uma pluralidade de gr upos het erogêneos, mas guarda vam
cert as afinidades ling u íst icas e cult urais . Ressalt a, ainda, que est e t ipo de
42
Para a questão vê: AMSF: Jornal da Cidade. Edição Especial, 10/1990; AZEVÊDO, UFBA/Salvador, 1968,
pp. 3-14; CASTRO, 1941, p. 34; MATTOSO, 1992, pp. 69-81; SCHWARCZ, 1998, vol. 4, cap. 3, p.193;
SILVA, 2001, pp. 39 - 43.
99
document ação expressa o uso dessas cat egorias feit as co mument e pelo s
senhores e t raficant es. (PARÉS, 2005, pp. 96 -97).
E liane Azevedo (1968), afir ma que a demanda dos afr ican os no
Recô ncavo da Bahia vinculou -se ao cr esciment o da indúst r ia do açúcar e as
plant ações de fumo, sendo est as últ imas para sust ent ar o t ráfico de escravos
no "co mér cio t riangular". ( AZEVEDO, 1968, p. 7).
Quant o à evo lução demográfica dest a população na região, nos século s
seguint es, fez-se necessár io cruzar as infor mações for necidas pela S inopse
Preliminar do Censo Demográfico (1980) e os nú meros suger idos por Roger
Bast ide (1980), para obt er as seguint es infor mações: no fina l do século XIX,
exat ament e e m 1890, a população da Bahia era de 1.919.802 habit ant es e,
dest es 75,97% eram de negros, relat ivament e proporcio nal a est es números
t ambém t odo o Recôncavo, considerando que as cidades de Cachoeira e São
Félix er am os pr incipais cent ros de irradiação negr a do Est ado, pois fo i nessa
micro rregião que se concent rou o maior número de engenhos de açúcar da
Bahia. (IBGE, 1980, pp. 14 -15; BASTIDE, 1980, p. 68 -70; AZEVEDO, 1968,
p. 4).
Mas, “as t erras em vo lt a d’água” est abelecia co municação ent re o sert ão
e a Baía de Todos os Sant os que, co m o passar do t empo, cont ribuiu par a
disso lver a d ist ância ent re as diferent es mat r izes e processou significat ivas
mudanças no quadro ét nico e cult ur al do Recôncavo. Inicia lment e a
co municação se deu at ravés dos r ios que ali des embo cam e, mais t arde,
at ravés das rodovias, cont ribuindo para a dist r ibuição t anto de produtos e
mer cador ias diversas co mo da população que t ransit ava em direção à capit a l
ou ao sert ão, dest acando -se nesse t rajet o o porto de Cachoeir a co mo pr inc ipal
pont o de encont ro das pessoas e ent relaçament o de cult uras. ( AZEVEDO,
1968, p. 4-7). Ao lo ngo do t empo, est e trânsit o de co isas, cost umes e pessoas
promo veu um processo de redefinição ét nico -cult ural e social,
part icular ment e, para a zona do fumo que aqui é den o minada de Recôncavo
Fumageiro.
Assim, Lilia Schwarcz (1998) afir ma que “era a cult ura mest iça que,
nos anos 30 [do século XX] despont ava como represent ação ofic ial da nação”.
(SCHWARCZ, 1998. p.193). Ainda, na pr imeir a met ade do sécu lo XX, e m
viagem pela Bahia, o escr it or aust r íaco, resident e no Rio de Janeiro, vis it ou
100
O Recô ncavo dos canaviais, dos engenhos, aquele chamado de “cele iro
da capit al”, dent re out ros que for mavam o conjunt o das áreas produt ivas e,
port ant o ricas da Bahia, enfr ent ou a part ir da segunda met ade do século XIX,
pr incipalment e após a abo lição do r egime escr avocrat a e conseq u ent ement e o
“quebrament o das forças produt ivas”, uma progressiva decadência que levou a
região a perder a sua ant iga import ância econô mica, po lít ica e social,
iso lando -a dos processos que desde ent ão mar caram a vida nacio nal.
Difer ent ement e da Cidade da Bahia, ao nde t udo ia florescendo, “o Recôncavo
açucareiro se ret rai e suas ár eas per ifér icas se margina lizam”, co nfor me
afir ma Mar ia de A. Br andão (1998, p. 40), dent re out ros. Nesse co nt ext o, C.
P int o descreve a pauper ização da p opulação da região e a int ensa ut ilização
da mão de o bra feminina, pr incipalment e, na indúst r ia fumageir a e afir ma
que:
E não resta dúvida que é aqui, entre as subáreas do Recôncavo, que atraso
e pobreza são mais visíveis e mais chocantes (...) visitar o s bairros
proletários de Cachoeira, São Félix, Muritiba, Maragojipe, Cruz das
Almas é ver de perto a pobreza amarela da classe trabalhadora urbana
dedicada à manipulação industrial do tabaco. (PINTO, 1998, p. 122 e
128).
população dos quat ro munic ípio s – Mur it iba, Cachoeir a, São Félix e
Marago jipe – na faixa et ár ia de 15 anos e mais, so mava um t ot al de 105.047,
dest es 76,88% (80.762) era m de pessoas so lt eir as. (IBGE. Censo, 1940. XX
vo l. 1958, pp. 95-105).
Para as décadas de 1930, 1940 e 1950 43, uma amo st ra das Fichas de
Regist ro de Empreg ados das E mpresas C. P iment el em Mur it iba, Suerdieck em
Marago jipe e Cruz das Almas, t razem as seguint es infor mações quant o ao
est ado civil das/dos t rabalhadoras(es):
FONTE: Fichas de Registro de Empregados das Fábricas Suerdieck (Maragojipe/Cruz das Almas),
Pimentel (Muritiba).
43
Foram selecionadas estas décadas por apresentarem informações mais uniformes, uma vez que as Fichas de
Registro de Empregados das fábricas de charutos foram preenchidas e regularizadas a partir do ano de 1938.
Para as décadas de 1910/20, as Fichas apresentam várias lacunas quanto as informações mais específicas das/dos
trabalhadoras(es).
105
O casamento civil não era tão comum entre as mulheres das camadas mais
baixas daquela população, por ser distante de sua realidade econômica e social,
considerado um ato e um valor da elite motivado por interesses econômicos e
sociais. Enquanto que, ser uma mulher solteira não significava apenas aquela que
não fosse casada, mas a mulher livre, se m marido 44 e passível de envolvimento em
relações amorosas clandestinas, situação em que muitas mulheres se encontravam,
embora quisessem fugir, pois era um comportamento, radicalmente, rejeitado pelos
valores morais daquela sociedade.
Assim, é que o casamento na igreja era entendido e vivido por essas
mulheres como uma válvula de escape, uma opção para se aproximarem do ideal
comum – a convivência conjugal reconhecida – à todas as mulheres daquela época e
contexto e de não serem enquadradas na categoria de "solteiras", além do
casamento religioso ser mais acessível em termos de custos que o casamento civil.
44
Entenda-se aí sem aquele que lhe daria o nome de mulher casada, portanto, sem aquele que lhe faria uma
pessoa respeitada. O marido na vida de uma mulher casada era a presença oficial daquele que iria impor-lhe o
respeito, a proteção diante de outros homens para que a mesma não caísse em “tentação”, além do
reconhecimento da sociedade.
106
Benedit a Rodr igues da S ilva, t ambém nasceu na ant iga Vila de Cabeças,
no ano de 1923, era filha de pais agr icult ores. Aprendeu a fazer charut os ,
ainda, muit o jo vem por influência de um mo ment o em que gr ande part e das
mulheres da região est ava envo lvida nest a at ividade. Mulher de mascat e e
co merciant e da V ila, D. Benedit a era mãe de o it o filho s e dedicou -se à
confecção de charut os em do micílio por um per íodo de 40 anos seguidos.
Para adquir ir os fumos que ut ilizava em sua pequena produção, D.
Benedit a se des locava a pé at é os ar mazéns de fumo localizados nas cidades
de Cachoeira e Mur it iba – nessa época o t ransport e automot orizado ainda era
muit o escasso na r egião – o nde, t ambém, vendia part e de sua produção , a
out ra met ade vendia aos co mpradores deno mina dos pelo s empresár io s de
at ravessadores ou int er mediár ios que ma nt inham uma fr eguesia se manal co m
as charut eiras que produziam em suas própr ias casas .
Na década de 1970, par alelament e ao trabalho que execut ava no próprio
domic ílio, D. Benedit a t ambém t r abalho u por um per íodo de cinco anos na
Cooperat iva Art ezanal Mixt a do Va le do Paraguaçu – COOVALE, co mo o
no me já ident ifica, era uma cooperat iva de fabr icação de charut os inst alada na
cidade de Gover nador Mangabe ir a (ant iga Vila de Cabeças), que vendia s ua
produção para a Leit alvis. Co m o fecha ment o da Leit alvis e,
consequent ement e, da Cooperat iva, as charut eiras foram convidadas pela
freira Ir. Adélia Senn para t rabalhar na fábr ica de charut os Dannemann e m
Cruz das Almas e, D. Benedit a, enfrent ando a opo sição de seu mar ido, deu
iníc io à sua lo nga jor nada de t rabalho em Cruz das Almas, a 15 km de
dist ância, po is acordava muit o cedo para realizar as at ividades do mést icas e
às seis horas da manhã já est ava na est rada, vo lt ando so ment e doze horas
depo is.
Apesar de t ant os anos de t rabalho co mo charut eira, so ment e em 10 de
set embro de 1977 D. Benedit a t eve, pela pr ime ira vez, sua Cart eir a
Profissio nal assinada co mo charut eira , e, em 20 de março de 1981, fo i
assinada a sua dispensa em função da cr is e que enfr ent ava a Cia. Brasileir a de
Charut os Dannemann, levando, conseq uent ement e, à redução do quadro de
operár ias(os).
A vivência de D. Benedit a em relação à fabr icação de charut os perpassa
desde a modalidade da produção em domic ílio at é à produção realizada no
109
int er ior da fábr ica; da co mpra da mat ér ia -pr ima nos ar mazéns de fumo à
venda dos charut os aos negociant es dest e produto. Assim, ent ende-se que fo i
conduzindo est e conjunt o de sit uações e mo vendo -se em meio às diver sas
relações sociais que t ecia no mundo do tr abalho, bem co mo, a represent ação
que est e t rabalho t inha para a sua vida, que D. Benedit a se fez uma exímia
charut eira.
D. Joana, tornando -se “filhas de cr iação”, cha rut eir as de seu fabr ico de
charut os e herdeiras de seus bens, após sua mort e.
Car melit a, Tereza e Sônia repr esent am duas gerações e uma par cela das
fumageiras que não t ivera m a oport unidade de t rabalhar numa fábr ica, mas
que, da mesma for ma que as t rabalhadoras das fábr icas, apesar do ano nimat o,
buscaram seu espaço e, por conseguint e, romper am t ambém co m as
impressões do mest icadas de que as mulheres não dever ia m t rabalhar fora de
casa. Dent ro das condições econô micas e sociais desse grupo, ser charut eira,
dent ro ou fora das fábr icas, represent ava, t ambém, um papel import ant e no
seu grupo socia l a que pert enciam.
Joana S ilva ou Joana Pret a, co mo era conhecida, nasceu em 1915 na
Vila de Cabeças e, desde muit o jovem começou a t rabalhar na at ividade
fumageira fazendo charut os em casa para vender aos at ravessadores. D. Joana
t irou a sua pr imeira Cart eira Profiss io nal em 1935, como charut eir a. E m julho
1942, regist rou-se como charut eira da Companhia de Charut os Dannemann,
onde t rabalhou at é dezembro de 1944. A par t ir de ent ão, há uma lacuna de
t empo sem regist ro de t rabalho em sua Cart eira qu e, segundo Car melit a, fo i a
época em que D. Joana abr iu um fabr ico de charut os que funcio nava dent ro de
sua própr ia casa.
O fabr ico de Joana Pret a era famo so pelo número de mu lheres que
t rabalhava m e pela quant idade de charut os que produzia m t oda semana par a
at ender a u ma client ela que envo lvia via jant es que t ransit avam ent re o sert ão
e o Recôncavo, principalment e, o Port o de Cachoeir a, pr incipal acesso à
capit al do Est ado; os co mpradores avulsos de charut os que vendiam no
mer cado clandest ino ; além de vender para a Fábr ica de Charut os C. P iment el.
Os pedidos de charut os da fábr ica crescer am t ant o que, em dezembro de 1967,
D. Joana passou a ser funcio nár ia da fábr ica, t endo em sua Cart eira
Profissio nal o regist ro de "charut eira em domic ílio " at é julho de 1968.
111
Joana Silva
fora dele. Nas fest as do padroeiro, por exemp lo, quando cada fábr ica era
represent ada num det er minado dia, D. Dalva, na liderança de seu grupo,
organizava e part icipava dir et ament e dos fest ejos, oport unidade que mot ivou
est a charut eira a cr iar o Samba de Roda da Suerdieck que se t ornou uma
inst it uição, ho je, reconhecida pela Bahiat ursa, pelo Minist ér io da Cult ura,
vis it ada por t urist as do mundo int eiro e aplaudida na reg ião. 45
A fala de Dalva Damiana expressa uma vida de muit o t rabalho, pobreza
e explor ação, ao mesmo t empo em que a amizade, o respeit o, a so lidar iedade
e o espír it o fest ivo , vividos e sent idos por ela e seu grupo, t êm o significado
de ir a lém do árduo viver da mãe, mulher e t rabalhadora da indúst r ia
fumageira de seu t empo.
Dalva Damiana de
Freitas
FO NTE : h t t p: / / www. g oogl e. c om . br / i m a ges?h l = pt -
br & bi w= 1280& bi h = 617&q= da l va %20da mi an a &um = 1&i e= UT F
-8&s our ce= og &sa = N&t a b= wi
45
Sa m ba d e Roda Su er di eck foi criado em Cachoeira – BA, no ano de 1961, por iniciativa Dalva Damiana
de Freitas, operária da fábrica de charutos Suerdieck, de onde adveio o nome do grupo. At ua l m en t e, é
c om post o p or 17 i d os os, s en do qu e, a o l on go do p er í od o de sua exi st ên ci a , 77 pess oa s
dessa fa i xa et á r i a est i ver a m jun ta s na con duçã o d o gr upo, a br i ga n do a t é a í qua tr o
ger a ções. A principal característica deste grupo é a performance das baianas, vestidas com indumentárias
típicas, elas tocam tabuinhas e executam a coreografia do chamado “samba no pé”. Disponível em:
http://www.cultura.gov.br/site/wp -content/uploads/2009/12/projeto-idoso_5_versao.pdf. Acesso:
05/12/2010.
114
Isaura Lopes dos S ant os nasceu em Cruz das Almas no ano de 19 19,
mãe de t rês filhos e t rabalhou nos est abeleciment os fumageiros – ar mazéns –
nas vár ias funções ligadas ao beneficia ment o de fumo. E la cont a que seu
pr imeiro t rabalho fo i enfrent ar um fardo de fumo, sent ada no chão, para
desmanchar as cabeças das manocas separando e classificando todo o fumo,
sendo remunerada por quilo de fumo selecio nado. Depois, co mo acont ecia
co m out ras mulher es, D. Isaura passou a t rabalhar na raloa onde t irava t oda a
t erra do fumo, “pocava” as cabeças, esco lhendo e separando os vár ios t ipos de
fumo, t rabalho que era feit o em pé durant e todo o dia. E m seguida, passou a
t rabalhar co mo esco lhede ir a e sua remun eração já era feit a por dia de
t rabalho, função que ocupou at é a sua aposent ador ia , embora, em sua Cart eir a
Profissio nal const e apenas a função de ser vent e .
D. Isaura descreve a r elação dos mest res co m as t rabalhadoras nos
ar mazéns de fumo e acent ua o medo, a rigidez da disciplina e a humilhação
porque passavam essas mu lheres para se mant erem no t rabalho, bem co mo, o
esforço físico e repet it ivo que fazia por lo ngas horas diár ias, co m int er valo
apenas para o almoço, sent adas no chão ou em pé, uma sit uação que, segundo
D. Isaura, co mpara va-se so ment e ao “cat iveiro”.
Dest a for ma, D. Isaura ilumina part e da hist ór ia das fumageiras , das
t rabalhadoras de ar mazéns de fumo que, na lut a pela sobr evivência,
exper iment aram o mundo do t rabalho de uma for ma muit o part icular, não
apenas co mo t rabalhadoras fumageiras, mas, sobr et udo como mulheres
t rabalhadoras, po is as quest ões relacio nadas ao gênero est ão mais evident es
que as quest ões que envo lvem as relações de t rabalho propr ia ment e.
115
est ende para além das necessidades mat er iais e at inge o campo da
subjet ividade, po is, acrescent a aí out ros element os que não, apenas, o salár io,
as condições de t rabalho e as t écnicas que desenvo lvia para fabr icar os
charut os, ma s seus sent iment os de r evo lt a co m a po breza e muit o t rabalho, de
grat idão co m as pessoas, de saudades das co legas e do próprio cot idiano do
t rabalho e das co nquist as que est e lhe proporcionou, pois, ao narrar sua
hist ór ia veio à t ona t oda uma represent ação e significação dest e t rabalho para
sua vida.
aceit avam as condições impost as pelos empresár ios, so b a just ificat iva da
cr ise na indúst r ia fumageira.
Raimunda Souza
Envo lvida nest a co mplexa r elação ent re est rangeiro e brasileiro, chefe e
operár ias fumageiras, Rose Schinke represent a um pont o de vist a
emblemát ico, apesar de t er vivido co mo filha de pat rão. Sua proximidade co m
as t rabalhadoras se deve ao fat o de t er sido filha de charut eira, mas,
sobret udo, por t er vivido, por muit o t empo, na co mpanhia de D. Marcelina,
uma charut eira que depo is do fechament o das fábr icas passou a morar co m a
família Schinke. Por out ro lado, a senhora Rose Schinke ainda mant ém uma
pequena fabr icação de charut os, com fo lhas int eiras, na cidade de Cachoeira.
E la, port ant o, represent a uma voz que anima os valores de uma convivência
ent re “mundos” difer ent es, ou seja, o branco est r angeiro e pat rão e as
t rabalhadoras.
46
A maioria desses estrangeiros também era acionista da empresa.
122
Dar voz a det er minados agent es hist ór icos para fa lar de suas vidas,
cont ar suas hist ór ias e vivências, expressar os sent iment os que guardam de
uma época é fazer fluir suas memór ias individuais, mas que são reflexos das
memór ias de um t empo e lugar peculiar es ao conjunt o da sociedade.
(HALBWACHS, 1990). As hist ór ias e memór ias das mulher es fu mageir as
expressam seu t empo, aquele que não é crono lógico e linear co mo o t empo da
fábr ica, mas o t empo hist ór ico const ruído a part ir de seus sent iment os,
aspirações e necessidades concret as; expressam, t ambém, os referenciais
sociocult urais que per meavam aquele cont ext o social que demar cavam os
“lugares” de raça, classe e, sobret udo, de gênero, est e que é o int eresse ma ior
dest e est udo.
Port ant o, most rar os sent idos que emer gem das falas, dos gest os e
sent iment os no present e sobre o passado, est e que é a subst ância de suas
123
vidas, fo i um dos percur sos met odológicos dest e t rabalho t ent ando uma
aproximação das exper iências vividas pelas mulher es fumageiras do
Recô ncavo e, assim, poder fazer a leit ura de “seus luga r es” naquela/daquela
sociedade, po is, co mo escr eveu Bosi, o regist ro alcança uma memór ia pessoa l
que é t ambém uma me mór ia social, familiar e grupal. (BOSI, 1994, p. 37).
124
47
Segundo Combes e Haicault “existe apenas uma mesma e única divisão sexual do trabalho operando na
produção e na reprodução, materializando sempre, em ambos os aspectos, a subordinação de um sexo ao outro”.
(COMBES E HAICAULT, 1986, p. 26).
48
Fontes impressas: 6.233 Fichas de Registro de Empregados das empresas Suerdieck e C. Pimentel, no período
de 1906 a 1998. Para o recorte temporal que abarca o período de 1906 a 1959, foram analisadas 1.884 destas
125
Havia mais mulheres, é porque pra fazer o charuto as mulheres têm mais
delicadeza e é um trabalho mais para mulher, fazer o charuto. Porque o
Fichas. Contudo, é preciso assinalar que no período entre 1906 e 1930, a documentação apresenta uma lacuna no
que diz respeito ao registro das trabalhadoras, embora o mesmo não tenha acontecido com os trabalhadores.
126
homem não tem, talvez, aquela paciência de ficar ali sentado manuseando
aquilo, é um trabalho mais leve, os homens ficaram na parte, justamente
de força, era imprensar fardo, virar pilha de fumo (...). (SCHINKE, 2000).
49
Era uma concepção já cristalizada no pensamento coletivo da região e, também, incorporada ao
conjunto de valores da sociedade brasileira, devido à su a formação patriarcal. (PINTO, 1998, p.
128).
127
50
Não se trata de atribuir às mulheres uma identidade monologa, não relacional.
128
quase meio século est eve envo lvido na labut a diár ia do t rabalho fumageiro,
seja nos ar mazéns, nas fábr icas, nos fabr icos ou nas própr ias casas.
Suerdieck C. das Almas 1936 – 1998 494 20.35% 1.934 79.65% 2.428
Assim, doravant e o dest aque será, em espec ial, para as mu lheres que
t rabalhara m nessa at ividade do ano de 1906 at é o fina l da década de 1950,
co m represent ação numér ica, sempre, super io r aos ho mens. E m vis it a a uma
fábr ica de charut os em Cachoeira o escr it or Zweig (1941), repet indo a
epígrafe, escreve que “cent enas de mo ças morenas acham- se sent adas nas
salas da fábr ica u ma ao lado da out ra e cada grupo delas exerce uma at ividade
difer ent e”. (ZUEIG, 1942, p. 116). No conjunto das empresas e seus respectivos
espaços de atuação, considerando o período acima citado, o percentual de mulheres
registradas é de 70.22% e dos homens 29.78%, confor me det alha ment o da Tabela
n.º 10.
Suerdieck C. das Almas 1936 – 1959 168 16.80% 832 83.20% 1.000
51
DOCUMENTOS DA FÁBRICA SUERDIECK: Fichas de Registro de Empregados. Maragojipe - Bahia.
130
Segundo E lizabet h Lo bo, não bast a afir mar que “a classe operár ia t em
dois sexos”, é preciso t ambém reconhecer que ela é masculina. O conceit o de
operár io e de t rabalho co m represent ação masculina fo i, ao lo ngo do t empo,
sendo const ruído de maneir a a ser absorvido co mo nat ural e pret endendo -se
co mo univer sal. Est a sit uação gera uma co mpreensão que impossibilit a
perceber as assimet r ias de gênero nos gr upos e na sociedade, bem co mo, nas
análises dos mecanismos de cont ro le, d a submissão e reclusão das mulher es
nos lares e, pr inc ipalment e, das t rabalhadoras nos espaços de t rabalho.
(SOUZA- LOBO, 1991, p. 195).
O mo viment o feminist a, desde o seu surgiment o e quando da
reivindicação dos dir eit os de part icipação e represent ação po lít ica, já
produzia vár io s dis cur sos em t orno dos lugares at r ibuídos às mulher es em
relação aos ho mens, mo st rando que “a dist r ibuição de t arefas e at ividades de
t rabalho seguir ia uma classificação hierárquica, expr essão hist ór ica de
det er minadas relações sociais onde se ent relaçam sexo e classes sociais ”.
(BLASS, 1995, pp. 140 -141). A aut ora analisa que as ideias de opressão e
superexploração não só sust ent am as oposições ent re as habilidades dit as
nat urais para as mulheres e as qualidades dit as pro fissio nais para os ho mens,
mas t ambém just ificam os baixos salár io s, o cont role e as nor mas
disciplinares ma is r ígidas em r elação às mulheres. Sendo assim, co nclui que
52
A discussão das formas de salários e das ideias implícitas nas expressões “Conta Própria” e “Tarefeira” já fora
realizada na dissertação de mestrado. (SILVA, 2001).
131
fumageiras 53, nos ar mazéns de fumo e nas fábr icas de charut os havia u m
sist ema de organização baseado na sexual ização das t arefas, das ocupações e
das relações hierárquicas de t rabalho.
Inicia lment e, ao examinar o regis t ro das funções das/dos
t rabalhadoras( es) das fábr icas de charut os e cigarr ilhas, o bser vou -se que o
mesmo apresent ava, clarament e, as det er minações de seu t empo hist órico,
baseado no cont ext o em que se deu o desenvo lviment o da indúst r ia fumageira
no Recôncavo. E m seguida, ver ificou -se at ravés das imagens e das falas
das/dos ent revist adas(os) que as funções correspondiam sempr e aos lugares
que cada grupo ocupava na cadeia das relações sociais de gênero, sendo,
port ant o, dist int as ent re os sexos. Assim, o processo de produção dos fumo s e
der ivados, o cont role das t rabalhadoras e os dema is aspect os do cot idiano
fabr il, eram mar cados pela d ivisão sexual do t rabalho, co mo se obser va nos
quadros 5 e 6 abaixo.
53
As mulheres juntamente com todos os membros de sua família, incluindo os filhos ainda adolescentes. Mas, ao
chegarem à idade adulta, como os seus pais, os filhos não mais executavam tarefas que incluíssem escolha e
seleção de fumos, muito menos a confecção de charutos.
133
54
Raloeira, Destaladeira, Banqueira (Banca de Capa), Empapeladeira, Passadeira, Torcida, Trouxeira,
Enroladeira, Manocadeira, Tarefeira, Cigarreira, Charuteira, Operária, Charuteira a Domicilio.
135
Também, é vis íve l a nat ureza das funções reser vadas aos ho mens. A
maior ia das funções ocupadas p elo s ho mens era de carát er t écnico,
organizacio nal e administ rat ivo, t rat ava -se da engrenagem que mo nt ava e
fazia funcio nar a est rut ura geral da fábr ica, sendo poucas as at ividades ou
funções exercidas pelo s ho mens que envo lviam dir et ament e o preparo dos
fumo s e a confecção dos charut os. Mas, a evident e peculiar idade das quest ões
que envo lvem a ocupação das/dos t rabalha doras(es) na indúst r ia fumageira é a
exclusividade que os ho mens t inham em exer cer as funções de poder.
Excluindo -se os propr iet ár ios e sócios das empr esas, out ros ho mens ocupara m
os pr incipais cargos/ funções co mo os/as de g erente, administrador de secção de
fumo, administrador de capotaria e mestre de secção . Estes espaços de poder foram
assim distribuídos(das) desde o início da industrializa ção do fumo, enquanto as
mulheres trabalhadoras permaneceram nas funções subordinadas e, somente, no
último quartel do século XX é que aparece na documentação algumas mulheres
assumindo cargos de gerente de produção que equivale a mestra e gerente de
fábrica, dentre outras funções de posição relativamente superior na hierarquia das
empresas.
Outra questão que os registros denunciam é a ausência da freq uência de
flutuação das posições ocupadas pelas trabalhadoras(es) ao longo de seu tempo de
serviço em cada estabelecimento fabril. Os mestres, por exemplo, não desciam nem
subiam de posição, bem como, as(os) trabalhadoras(es) de outras funções. O que se
observa é que o tempo que elas(es) permaneciam na empresa, também,
permaneciam na função.
As funções exer cidas pelas(os) t rabalhadoras(es) na indúst r ia fumageir a
foram se definindo a part ir das pr imeiras organizações do t rabalho, confor me
as et apas de produção desde o beneficiament o dos fumo s à confecção dos
charut os. Assim, ao passar dos anos, as funções e a t ividades foram se
est abelecendo t ornando -se ocupações ou mesmo pro fissões desempenhadas
pelas mulheres nos est abeleciment os fabr is, sendo, da mes ma for ma, seguidas
pelas mulheres que t rabalhavam co m o fumo no própr io domicílio ou nos
136
fabr icos de charut os. A relação de funções, abaixo, e suas respect ivas
at ividades, bem co mo, as figuras das mulheres t rabalhando nos ar mazéns e
nas fábr icas de charut os favorecem a uma rápida co mpr eensão dos dois
universos – ar mazéns de fu mo e fábr icas de charut os.
Nos ar mazé ns de fumo, as t rabalhadoras desenvo lviam as at ividades
agrupadas nas funções que se seguem. Escolhedei ra – sent adas ao chão co m
uma pilha de fu mo à sua fr ent e, as t rabalhadoras sacud ia m ou bat ia m o fumo
vindo da roça para t irar o excesso de terra, na sequência, separa vam por
t amanho e por cor. As fo lhas maiores eram separadas em pequenos mo nt ant es
e dest inadas ao processo de passagem, junt ando a out ras fo lhas. As fo lhas
pequenas eram selecio nadas co mo bucha e seguiam para o set or de
enfardament o, confor me imagem abaixo.
FO NTE: An uá r i o Br a si l ei r o do Fum o,
2007
E, por fim, a t rou xei ra – ret ir ava a t rouxa de fumo do ar mazém para
realizar a esco lha no domic ílio e, no dia seguint e, devo lver ao ar mazém, onde
era pesado, novament e, e anot ado numa ficha ou cader net a at é o dia de sábado
quando era feit o o pagament o . (SOUZA, Raimunda. 2010; FERREIRA, Luzia
Souza. 2010; S ANTOS, Isaura Lopes dos. 2010; SINDI CATO DOS
TRABALHADORES NA INDÚSTRI A DO FUMO DA CIDADE DE CRUZ
DAS ALMAS, 1930 a 1959).
E mbora vale ressalt ar que, nos ar mazéns de fumo, difer ent ement e das
fábr icas de charut os, era ma is freq uent e ho mens exer cerem algumas funções,
geralment e at r ibuídas às mu lheres, como é o caso do passador e/ou
classificador de fumos. Mas, a função de raloeir a era predo minant ement e
ocupada por mulher es, po is, nem na document ação escr it a nem nos
depo iment os orais fo i encont rado qualquer regist ro da ocupação dest a função
por homens. Assim co mo, não se enco nt rou mulher es ocupando a função de
mest re nos ar mazéns de fu mo. (STIFCA, 1930 a 1959). D. Tereza Ramo s
(2007), ent re as demais t rabalhadoras consult adas, afir ma veement ement e que
“não t inha chefe mulher, os chefes eram homens ”.
139
55
Z wei g (1941) de scr e ve m i n uci osa m en t e a s et a pa s de c on fe cçã o d o ch a r ut o n um a fá br i ca
em Ca ch oei r a : “Per c or r en do essa s sa l a s, p odem os a ssi st i r à evol uçã o i n t ei r a dum ch ar ut o.
(. . . ). Após a pr i m eir a esc ol h a , fei t a p or m ulh er es, sen t a da s en tr e m on t õe s d e fol h a s de
fum o, sã o r et i r a dos os t a l os. S ó d ep oi s, c om eça o en r ol a m en t o da s fol h a s pa ra for m a r em
os ch a r ut os. Out r o gr upo de oper á r ia s c or t a com fa ca s os ch a r ut os d e a c or do c om um a
m edi da . Ma s por en quant o os ch a r ut os est ã o n us, fa l t a -lh es a i n da a ca pa, que l h es va i da r
for m a e sa bor . Re vest i d o a fi n a l o ch a r ut o da ca pa , out r a oper ár ia t em que fa z er a pon t a,
out r os ded os m or en os c ol oca m -l h e a cin t a e a in da out r os c ol a m o sel o. S ó en t ã o sã o os
ch ar ut os en vol vi d os em c el ofa n e e c ol oca d os n a s ca i xa s, que r ec e bem um a m a r ca fei t a a
fog o. (ZWE IG, 1941, p. 116).
141
conser var o aro ma e prot eger cont ra fungos; encai xadei ra – co locava o s
charut os em suas respect ivas caixas, confor me t ipo, quant idade e mar ca.
(Fichas de Regi st ro d e E mp regados das empr esas Suerdieck e C. P iment el;
Correspondências int er nas da Dannemann, 1920 – 1952; SI LVA, Benedit a
Rodr igues da. 2008).
A aparência fís ica das t rabalhadoras reflet e uma sit uação concret a mais
favorável desde a post ura do corpo às vest iment as e acessór ios co mo br inco s,
pulseir as ou relógios de pulso que t razem co nsigo. Cont udo, essa imagem
muit o pouco t raz de difer ent e da ant er ior se se considerar que as t arefas
realizadas por est as t rabalhadoras, t ambém, reflet em, não apenas, a divisão
sexual do t rabalho co mo as relações assimét r icas co nt idas nessa divisão e no
níve l da hierarquia.
Na hierarquia das funções numa fábr ica de charut os, a passadeira est ava
acima da charut eira. Era uma charut eira ma is exper ient e e que sabia fazer
vár ios t ipos de charut os, adquir indo a confiança de seus mest res e gerent es
que lhe passavam a função de passadeir a co mo um cargo de confiança. Mas, a
chefia das fumageiras, de modo geral, era mes mo masculina. Na cadeia da
divisão sexual do t rabalho, passar ch arutos era uma at ividade feminina,
reproduzindo, port ant o, as represent ações de gênero.
143
Nos ar mazéns de fumo co mo nas fábr icas de charut os, após a década de
1950, pr incipalment e a part ir de 1970, obser va -se, ent re as vár ias
modificações ocorridas nas r e lações de t rabalho em função de uma conjunt ura
econô mica que pro mo veu a precar ização do t rabalho at ravés do sist ema de
reest rut uração produt iva, a sut ileza da mudança da no menclat ura de algumas
funções. Surge, port ant o, a função de “S er viço Geral”, a de “ Operár ia do
fumo ” e de “Fumageir a”, abr indo a possibilidade de abarcar vár ias at ividades
na mesma função, facilit ando, port ant o, o remaneja ment o das t rabalhadoras, a
qualquer mo ment o, de uma at ividade para out ra, excet o as charut eiras.
Diante do cenário que as fontes permitiram delinear, não se pode afirmar que
o controle social da indústria fumageira era, prioritariamente, feito a partir da
divisão sexual do trabalho, mas, frente ao interesse em adotar e manter esse tipo de
organização e de concepção social, não há como duvidar de que esse também era
um dos principais mecanismos ideológicos de controle, exploração e dominação,
utilizados pelo sistema fabril. Pois, se a fragmentação do trabalho em tarefas
tivesse como finalidade, apenas, a produtividade, como explicar essa lógica pela via
da divisão sexual? O que tem o sexo ou o gênero a ver? Se a explicação está na
manutenção do estereótipo da força física de um lado e da sensibilidade e
delicadeza 56 de outro, como entender as mudanças e as inversões de tarefas e
“papéis” que, historicamente, vem se registrando, a exemplo, de casos reais citados
por Souza-Lobo (1991, p.58-59), em São Paulo na década de 1970? Esta autora
pontua que “trata-se novamente de uma divisão que reproduz representações do
masculino e feminino não imprescindíveis à produção, mas que obedecem à
tradições, a hierarquias que fazem parte da cultura do trabalho”. (SOUZA-LOBO,
1991, pp. 57-58).
Outro aspecto que desmonta as explicações estereotipadas em relação à
divisão sexual do trabalho é a questão da qualificação e não-qualificação dos
operários. Se nas empresas pesquisadas por Souza - Lobo em São Paulo na década
de 70, o discurso era que os homens tinham maior possibilidade de qualificação,
enquanto as mulheres apresentavam uma trajetória de vida e profissional matizada
pela maternidade e pelas “obrigações domésticas”, já na indústria fumageira, a
qualificação não era uma necessidade e/ou uma exigência para o trabalho com o
56
“Sempre que a indústria precisa aparecer como espaço masculino, o discurso da fragilidade aparece”.
(SOUZA-LOBO, 1991, p. 59).
144
Ao analisar a est rut ura social da indúst ria fumageira do Recô ncavo
baiano, obser vou-se que era no “andar de baixo” que a dinâ mica do cot idiano
57
Nã o havia cursos preparatórios para charuteiras, pelo menos até a década de 1940, quando foi
criado o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem), mesmo assim para uma parcela mínima de
mulheres já engajada no trabalho fumageiro. Geralmente, as menina s e mulheres aprendiam o
ofício fazendo em casa com suas mães e avós; outras nos fabricos, enquanto trabalhavam no
preparo do fumo; e, ainda, outras se interessavam por buscar ajuda junto a alguma charuteira que
pudessem lhes ensinar.
145
Se tinha mestre? Óia! Tinha mestre sim. Tinha mestre que a gente não
comia uma banana porque eles não deixava, não tinha recreio não, a gente
não podia bater a boca. Não podia conversar que mudava de lugar, dava
carão, carão da gente chorar e dizia ‘olhe se eu lhe encontrar outra vez
conversando você vai se embora, a porta da rua taí’, era um cativeiro,
podia dizer que era um cativeiro. Os mestres era tudo daqui. O finado
Armando, era meu irmão, e fazia as piores perversidades e dizia logo
‘deixa eu fazer com você que a justiça começa de casa’. Eu saí do
armazém dele, que ele era mestre e eu não agüentei. O cunhado, finado
Modesto, finado Miliano, o melhor que eu achei foi Benedito de Garrido,
ele tinha umas venetas, mas sempre..., mas, os outros! Um Eg ídio êeta!
Vinha assim nos peitos d’agente e levava até a mão assim, pra querer
bater, o quê?! Nós sofreu que só Jesus, nós tá viva porque Deus olhou pra
gente e disse vocês sofreram tanto (...). Miliano ele fazia uma pia de
fumo da altura disso aí (olhando para o telhado), as mulheres jogava o
fumo pra baixo e ele deixando (catava pra ganhar a quilo, era 2 tostões, 1
cruzado, quinhentos réis), que quando tava aquela pia de fumo, tava em
cima, ele chamava a passadeira, nós foi passadeira de tudo, cata tudo isso
aí leva já pra os prenseiros enfardar que é pra levar lá pra Alemanha,
ôôô! (SANTOS, Isaura Lopes dos. 2010).
Foi nesse caso mesmo! Hoje onde é a receita federal, o armazém dele era
ali [Miliano], ele tomava conta de 40 mulheres, tudo sentada no chã o
58
Patente era maior folha ou manoca de fumo entre todas. Como disse D. Isaura “feito uma folha de bananeira”.
59
As depoentes falam do comportamento e da demonstração de poder da maioria dos mestres, mas, em alguns
momentos pontuam um ou outro mestre que não era tão carrasco quanto os demais. Desta forma, entende-se que
não se tratava de uma regra geral, ou que, além de explorar e oprimir, desrespeitar as mulheres, deliberadamente,
fosse condição sine qua non para ser mestre.
147
passando o fumo. Quando foi um dia tinha uma ruma de fumo assim bem
na frente da porta, aí vem ele de lá, eu tava assim abaixada, quando ele
disse assim ‘ó esse fumo não tá bem passado não, eu não vou lhe pagar
pra você passar fumo sentada não, é pra você ficar é assim’, de quatro pé,
aí eu voltei pra ele e com licença da palavra eu disse eu: não passar fumo
de quatro pé que eu não sou nenhuma (...) [Risos]. Aí ele disse ‘o quê’?
Eu disse: isso mesmo que você está ouvindo, não vou passar fumo de
quatro pé na frente dessas mulheres tudo não que não sou nenhuma (...),
entrei e peguei minha sacola, botei no ombro e já vou. (SOUZA,
Raimunda, 2010).
Era boa, a profissão, era boa n ão era ruim não. Era boa porque deu muito
conforto mesmo aqui em Cabeças ao povo, se não tinha nada a tratar a
não ser essas coisas, era charuto e... pronto! Não tinha mais nada. O
homem era armazém de fumo e as mulheres, as mocinhas, procurava m era
fabrico e fábrica para trabalhar. (SANTOS, Sebastião Pereira dos. 2007).
Bem, aí quando eu fui trabalhar com d. Matilde, que é morta, ela era
mestra da cigarrilha, os bancos era emendado pra poder a gente chegar na
altura da banca, ia ensinando a gente ali (...)depois d. Matilde deu a gente
por pronta na cigarrilha, a gente passou pra trabalhar com seu
Francisquinho, passei a fazer um charutinho de ‘bojo’, n.º 5 e 7 e aí fui
continuando trabalhando até quando eu formei mesmo os meus 18 anos
completo. (SANT OS, Da l va Da m ian a R. ).
Ainda, neste contexto, observa-se que havia uma certa resistência até dos
companheiros – cônjuges – para aceitar que as companheiras trabalhassem nos
armazéns de fumo. Seria a desvalorização, do ponto de vista social, sofrida por
essas trabalhadoras? Decerto, que este seria um fator de influência, mas u ma das
proposições que remete a esta questão de maneira mais direta é o fato das mulheres
fumageiras dos armazéns de fumo trabalhar no mesmo salão que os homens,
enquanto que nas fábricas de charutos a divisão sexual do trabalho também se
estendia até a organização do espaço e da produção manufatureira. D. Isaura afirma
que nos armazéns de fumo “tinha homem escolhedor, botava muito homem para
passador, o patente todo era escolhido por homens e era tudo no mesmo salão,
agora as mulheres de um lado e os homens do outro”. (SANTOS, Isaura Lopes dos.
2010).
Ora, sendo grande parte da população masculina, também, trabalhadora de
armazém e sabendo que as mulheres eram constantemente assediadas, tanto pelos
colegas de trabalho, como pelos mestres, naturalmente, que esses homens
sentissem-se ameaçados quando suas mulheres trabalhavam nos armazéns de fumo.
Mesmo nas fábricas de charutos, onde as mulheres trabalhavam em espaços
separados aos dos homens, ocorriam com freq uência casos de relacionamentos entre
trabalhadoras e trabalhadores, geralmente, entre os mestres e as trabalhadoras. No
trabalho de passagem dos charutos para detectar possíveis peças com defeitos há
relatos de casos de proteção a algumas charuteiras por parte do mestre ou do
contramestre quando passavam a produção no final do dia, pois se tratava de um
trabalho onde a relação entre as pessoas destas funções era de muita proximidade,
152
como relações de gênero são relações de poder , faz-se necessário entender, mesmo
que brevemente, como se constituíram, histórico e culturalment e, as relações de
gênero no mundo ocidental influenciando àquela sociedade e, por conseguinte, a
vida e a história das mulheres fumageiras do Recôncavo Baiano , pois em relação ao
elemento dominação-exploração exercida pelos homens sobre as mulheres, Saffio ti
afirma que a “intensidade varia de sociedade para sociedade e de época para
época”. (SAFFIOTI, 1992, p. 183).
Sendo o conceit o de pat riarcado muit o cr it icado e rejeit ado por ser
ent endido co mo ahist ór ico e Weber t er t rat ado como um esquema pur ament e
de do minação e não de do minação -exploração, além de cent rar apenas na
família, t oma-se aqui as abordagens de Dahlerup, 1987; Cost a, 1998; Saffiot i
1992 e Palmero, 2004, por se configurar em co mo po lít icas e fazerem a sua
leit ura mais pró xima da realidade e do cont ext o a que se ocupa est a pesquisa.
Para Saffiot i “o pat riarcado, enquant o esquema de do minação, inscreve -
se na esfera po lít ica, embora sua or igem r esida na aut oridade de um domi nus,
exercida no seio de uma co munidad e domést ica”. (S AFFIOTI, 1992, p. 193).
Est a autora sugere redefinir o significado de pat riarcado pensando -o a part ir
de um esquema de do minação -exploração , reconhecendo que est es são
co mponent es de u ma simbio se (de lógica cont radit ór ia) c o mpost a, t ambém,
pelo modo de produção e pelo racis mo . Nest a per spect iva, a aut ora rejeit a as
post uras dualist as de Weber (1964) e de G. Rubin (1975).
Pensando as mulheres no cont ext o do t rabalho t orna -se impossíve l não
perceber que elas est iveram ou são alvos, t ant o da opressão quant o da
exploração, uma vez que “gênero e classe são const ruídos simult aneament e ao
lo ngo da hist ór ia” e, por isso, Saffiot i sugere que, se pat r iarcado e
capit alis mo não são sist emas aut ôno mos, devam ser examinados junt os.
Assim, fazer a leit ur a da opressão e da explor ação das mulher es
fumageiras e, pr incipalment e, de suas r eações a part ir de uma per spect iva
feminist a é uma posição considerada po lit icament e corret a. Porém, não é t ão
156
simples, faz- se necessár io pergunt ar : qual per spect iva fe minist a? O o lhar
feminist a, o ponto de vist a feminist a e a int erpret ação feminist a dos fat os não
são posições iso ladas, fechadas em uma disciplina ou que obedecem a u m
cânone. São múlt iplas as per spect ivas feminist as que se ut ilizam das vár ia s
áreas do conhec ime nt o para fazer a cr ít ica feminist a, ao mesmo t empo em
que, as diver sas áreas do conheciment o incorporam em suas análises a
perspect iva feminist a de gênero, incluindo, na mesma med ida, a cr ít ica
feminist a ao conheciment o.
A Hist ória, por sua vez, t em sido uma das c iências que me lhor t em
empreendido essa t arefa apesar de não apresent ar, ainda, uma preocupação
mais direcio nada para a quest ão das mulheres. Mas, ao lado de ciências co mo
a Ant ropologia, a Hist ór ia t em se aproximado de out ros campos do saber e, a
exemplo do que fez os est udos feminist as, t ambém, t em produzido uma cr ít ica
cont undent e ao conheciment o e seus t radicio nais mét odos, assim co mo, t em se
lançado por caminho s “est ranhos”, ousado no vos mét odos quase que
arqueo lógicos para encont rar o que fo i apagado, novos objet os, novas fo nt es,
novos o lhares sobre ant igos objet os 60, quest ionando e invalidando as t eorias
supost ament e neut ras.
A Hist ór ia das Mulher es, apesar das cr ít icas que t em so fr ido, 61 fo i um
dos pr incipais pont os de part ida par a ro mper as barreiras da invis ibilidade das
mulheres na hist ór ia, bem co mo, sua negação enquant o sujeit os do
conheciment o. Segundo Soihet et all (2001):
É, port anto, os camp os da hist ória que ofer ecem as condições par a
analisar a const it uição da opressão das mulheres fumageiras no cont ext o das
60
A E sc ol a d os A nnal e s (1929) a pa r t ir de seus r ep r esen t a n t es Luci en F e bvr e, Ma r c Bl oc,
den tr e out r os da s dua s pr in ci pai s ger a çõe s de h i st or i a dor es, for a m os r esp on sá vei s p or est a
m udan ça n a escr i t a da h i st ór ia , derr uba n do o pa ra di gma posi t i vi st a , defen sor dos
pr in cí pi os da Ci ên ci a Moder n a.
61
Os/ a s cr í t i cos(a s) da Hi st ór i a da s Mul h er es a cusa m a s el a bor a çõe s em t or n o do t em a , de
sexi st a s, r est r it a s e par ci a i s e que par t em dos m e sm os pr essup ost os a n dr ocên t r i cos .
157
62
A o r e jei t a r a c on cep çã o cr i st a l i z a da de est r ut ur a soci a l , Ker goa t fa z um r a ci ocí n i o em
t er m os d e r el a ções s oci a i s (c om seu c or ol á r i o: a s pr á ti ca s soci a i s): “r el a çã o si gn i fi ca
c on tr a di çã o, a nt a gon i sm o, l ut a pel o p oder , r ecus a a c on si der ar que os si st em a s d om i n an t es
(ca pi t a l i sm o, pa tr i ar ca do) sã o t ot a l m en t e det er m in an t es e qu e a s pr á t i ca s s oci a i s a pen a s
r efl et em essa s d et er m in a çõe s. E m r esum o, o qu e é i m por t a nt e na n oçã o d e r el a çã o s oci a l
(. . . ) é a di n âm i ca que el a r ei n tr oduz , vi st o qu e i ss o i m pl i ca i n tr oduz i r a con tr a di çã o, o
a nt a gon i sm o en tr e gr upos soci a i s n o cen t r o da aná l i se” . (KE RGOAT , 1986, p. 8 2).
63
A fa m í l i a com o expr essã o de d om i n a çã o ca pi t a l ist a e pa tr i ar ca l é ci t a da vár i a s vez es, em
di á l ogo c om di ver sa s a ut or a s, por Cost a (1998, p, 19 -90). E st a a ut ora a fi r ma que a fa m í l ia
é a “i n st i t ui çã o que i n st r um en ta l i za e m an t ém a opr essã o da m ul h er em t oda a h i st ór i a
dessa s oci eda d e, já que a fa m í l i a evol ui u e s e a da pt ou de for m a m a i s efi ci en t e que a s
out r a s i n st it ui çõe s a os i n t er esse s da cl a s se d om i n ant e” . (COST A, 1998, p. 21). Nã o se t r a t a
a qui de exa m i n ar o m od el o d e fa m í l i a exi st en t e n o Re c ôn ca vo ca n a vi ei r o ou a qu el e da
Ca sa Gran de di scut i do p or Gi l ber t o Fr ei r e, ta m pouc o, a s r el a ções s oci a i s pa tr i ar ca i s
r epr oduz i da s n a quel e c on t ext o, em bor a c on si der an do que a sua i n fl uên ci a ul t ra pa ssou
t em pos, e spa ç os e cl a ss es s oci a i s.
158
64
Produção e reprodução são indissociáveis, mas não cabe apurar sobre as condições do surgimento dessa
relação. No entanto, Combes e Haicault afirmam que “ela corresponde, em grande parte, à instauração do
sistema patriarcal, ele próprio articulado com o desenvolvimento de sociedades de classes e com a produção
organizada de excedentes”. (COMBES E HAICAULT, 1986, p. 25).
159
relacio nada co m a sua sit uação de mulher , a part ir de suas funções na família
ou a part ir de um modelo de família, bem co mo, nos mo ldes das desigualdades
de gênero em que a sociedade est ava , e pode-se dizer que ainda est á,
est rut urada. 65 E, compreendendo que o fenô meno do pat riarcado ou a
exper iência das relações sociais pat r iarcais, faz em part e da sociedade
ocident al, concorda-se e reafir ma- se, ent ão, o que alguém já disser a que
gênero é a lent e co m que o lhamo s est a sociedade.
Nas concepções clássicas e aquelas que busca m s ua or igem, o conceit o
de pat r iar cado era ut ilizado para denominar uma sociedade regida por
ho mens, a exemp lo da sociedade feudal, em que o pai era o cabeça da família,
co m poderes so bre sua mulher, filho s, t rabalhadores e ser vent es.
(DAHLE RUP, 1987, p. 112). Desde ent ão, o conceit o de pat r iarcado t em sido
usado par a deno minar a subordinação das mu lheres, uma vez que t odas as
sociedades cont emporâneas enco nt ram-se sobre o do mínio dos ho mens 66,
pr incipalment e, no que se refer e às at ividades po lít icas e eco nô micas, po is
t rat a-se de um sist ema de do minação classist a e não - nat ural/ bio lógico. Pena
(1980) ut ilizou o t ermo pat riar calis mo definindo -o como:
Mas, para Palmero , o pat riarcado “es um sist ema social de do minació n
que consagra la do minació n de lo s indivíduos del sexo mascu lino so bre los de
sexo feminino ”. (PALMERO, 2004, p. 34) . Est a aut ora faz uma anális e
65 Conforme Dahlerup (1987, p.124), o conceito marxista de exploração de classe se define pelas relações da
classe trabalhadora com os meios de produção, enquanto a opressão das mulheres não deriva de um único jogo
de relações sociais, mas de um complexo sistema de estruturas e relações inter-relacionadas. Para Combes e
Haicault (1986, p.25), produção e reprodução são indissociáveis, uma é condição da outra, porém, se o modo de
produção transforma o próprio ser humano numa mercadoria apenas confirma a subordinação da reprodução à
produção e essa subordinação se apóia numa outra subordinação ou submissão – a das mulheres aos homens, que
repousa na divisão sexual do trabalho. E ainda acrescenta que essa relação corresponde à instauração do sistema
patriarcal, articulado com o desenvolvimento de sociedades de classes.
66
Saffioti vai mais além quando afirma que “Todas as sociedades realmente conhecidas revelam dominância
masculina, ainda que esta dominância varie de grau”. (SAFFIOTI, 1993, p. 183-184).
160
hist ór ica e cult ura l das or igens do pat r iarcado e seu aparat o de legit imação
aliment ado pela mit o logia que at r ibui a masculinidade e a pat er nidade a um
Deus, modelo consagrado aos ho mens, enquant o às mulher es, que em nada se
ident ifica co m esse mo delo, coube - lhes, apenas, o papel de ser vir a Deus e a
seus represent ant es na t erra - os ho mens.
Assim, o “mit o da cr iação” faz de E va a co mpanheira e depo is a
pecadora, que precisa redimir a sua culpa com as dores do parto, mas sempr e
ocupando o papel, ora de maldit a, ora de infer ior. E m segu ida, vem Mar ia
para t ransfor mar E va em mãe, cujo sofr iment o lhe redime do “pecado
origina l”, ao mesmo t empo em que alt er a a i mage m da mulher lascívia pela
imagem da madona que per mit e que a sua sexualidade e reprodução seja m
cont roladas pelo ho mem. Pr escr it os aí, ent ão, os funda ment os do pat riarcado
e co m ele a gênese da opressão das mu lheres. (PALME RO, 2004, pp.34 -42).
O que est á dit o é que os ho mens det êm nat uralment e o poder e que as
mulheres, por sua fraqueza, incapacidade ou rebeldia o perderam e,
nat uralment e, não apresent am as condições necessár ias para ocupar post os de
gover no ou cargos que exija m o manejo do poder. Ora, Eva não conseguiu
cont rolar a sua sexualidade, os seus impulso s diant e do frut o proibido,
port ant o, demo nst rou fraqueza e, por isso, a sua descendência precisa ser
cont rolada e vigiada sempr e, não podendo, sequer, ficar a sós co m out ro
ho mem que não seja a quele que a prot eja de sua própr ia fr agilidade, o seu
guardião. 67
Por out ro lado, esse ho mem ho nrado e fort e que, segundo Deus,
precisava de uma co mpanheira, elevou Eva à condição de Mar ia e est a
aco lheu co m obediência o cargo nobre e et erno, o de mãe. O g over no do lar é
seu, enquant o o gover no do mundo ext er no e de suas inst it uições é do ho mem,
est e que sempre fo i fort e diant e das adversidades. Inst it uiu- se o modelo de
família que det er minou que “E l ho mbre es cabeza de familia, la mujer e l
cuerpo: se repro duce así el esquema de dominació n ancest ral.” (P ALMERO,
2004, 49).
67
Segun do Pa l m er o (2004, p37), a r epr essã o da s exua l i da de n a s m ulh er es e seu c on t r ol e é
o ver da dei r o ca va l o d e ba t a l ha do pa t ri ar ca do. Ma s, sobr e e st a quest ã o en t en de -se qu e s e
h á um “ca va l o d e ba t a l ha ” h á, por t an t o, um a ba ta lh a e, um a ba t a lha , n ã o se t r a va s oz i nh o
a l ém de h a ver sem pr e, pa ra a m bos os l a dos, em i nen t em en t e o r i sco de per der a ba t alh a .
161
O pat r iar cado, ent ão, passou a funcio nar co mo um jogo de relações
sociais ent re os ho mens e inst it uiu nor mas gerais de valoração dos gêneros,
co m preju ízos, hist or icament e, “irreparáveis ” par a as mu lheres. O pai, o
ir mão, o mar ido e o filho, enco nt ram- se ainda em posições super iores à
mulher. E m um lo ngo per íodo de t empo, assinaram pelas mulher es, falara m
por elas, ainda davam- lhe o no me.
Diant e das mulheres, sent aram-se nos melhores lugar es, co meram o que
havia de melhor, t inham liber dade de ir e vir a qualquer hora e em qualquer
lugar; puder am amar mais de uma mulher sem medo e sem vergonha ; em vida,
eram sozinho s os do nos da r iqueza, mesmo que est a t ivesse sido produzida
por toda a famíl ia, est a que so ment e vinha a t er a posse quando o “cabeça”
falecia; a t ransmissão das r iquezas e do poder at ravés do sist ema de
heredit ar iedade lhes favoreceu co m pr ior idade abso lut a ; a palavr a de decisão
na família fo i um de seus maiores pat r imô nio s. E nfi m, os ho mens exercer am o
poder em det r iment o das mulheres.
O jogo das relações sociais pat r iarca is sempre pro ibiu as mulheres de
exercer o poder e det er o conheciment o e, se em dados mo ment os, alguma
delas se at reveu a desafiá - lo fo i rot ulada co mo maldit a ou r idícula, a exemp lo
de Eva, Pandora e outras. (PALMERO, 2004, p. 37). Qualquer definição ou
descr ição sobre o pat riarcado traz em si algo comum que é o foco no poder
dos ho mens e a do minação dest es sobre as mulher es, var iando a sua for ma de
ação hist or icament e, confor me os cont ext os polít ico, econô mico, social e
cult ural. E mbora deva se obser var que est e sempre fo i e é o objet ivo do
pat riarcado, mas que as mulheres nunca est iveram inert es sob as suas ações.
Segundo Saffiot i, “em t odas as sociedades conh ecidas, as mulheres det êm
parcelas de poder, que lhes per mit em met er cunhas na supremacia masculina
e, assim, cavar -ger ar espaços nos int erst ício s da falo cracia”. (S AFFIOTI,
1993, p. 184).
Cont udo, é preciso est ar at ent a/at ent o para não perder de vist a qu e est e
poder/dominação , regado de exploração, não é o result ado de uma
det er minação bio lógica que se baseia na diferença sexual, mas que se t rat a de
uma do minação classist a e que se perpet ua at ravés da família e da divisão
sexual do t rabalho. Assim, de t od os os pares opost os inst it uídos pela cult ur a
ocident al, no sent ido de est abelecer uma ordem objet iva de co mpreensão do
162
mundo, o masculino/ feminino, a cult ura/ nat ureza e o “um/out ro”, oferecera m
as bases para a ordem hierarquizada e simbó lica do pat riarcado , dificult ando
o seu quest ionament o ou mesmo out ra possibilidade de no meação,
conceit uação e organização do mundo e de suas inst it uições, inclusive a da
divisão sexual do t rabalho que, at ravés da figur a do caçador, inst it uiu
cult uralment e a valor ização da masculinidade e das t arefas realizadas pelo
ho mem.
A hist ór ia das mu lheres t rabalhadoras, em qualquer t empo e lugar, t em
revelado quão exploradas e suje it adas t êm sido as mulher es, co mo, t ambém,
t em sido grande a sua lut a para r esist ir e ro mper co m est e sist ema
so ciopo lít ico injust o, uma vez que suas vit ór ias t êm provado que essa
sit uação é result ado de uma co nst rução cult ural e social ; que a sujeição é uma
sit uação impost a às mulher es e não uma condição da nat ureza feminina que
faz co m que e las devam se resignar e aceit ar, fac ilit ando, port ant o, a
exploração.
A hist ór ia t em t est emunhado muit o mais as lut as das mulheres que a sua
passividade, a sua capacidade de mina r as forças opost as, de organizar
est rat égias sut is ou abert as de enfr ent ament o e de resis t ência à exploração e a
dominação, at é de romper co m os padrões sociais e morais inst it ucio nalizados
que reforçam a do minação e a opressão como lei nat ural. 68
A lut a ainda é ma is co mplexa porque os inimigo s não são declarado s e
não se sit ua m fora, à part e, ou à dist ância de sua presa . Pat r iar cado e
capit alis mo são int rojet ados pelas pessoas de qualquer sexo, idade, credo,
raça ou classe, sem se configurar em ou se aut odeclarar em abert ament e co mo
sist ema s de opressão e exploração int egrados, que ser ve m aos ho mens em
det riment o das mulher es. Ao cont rár io, no caso da ideo logia pat r iarcal,
encont ra-se impr essa e expressa nas rela ções e nas prát icas sociais, ela est á
incorporada às maneiras co mo as pessoas se co mport am e age m
cot idianament e, co mo se est ivesse na na t ureza humana e das co isas em ger al.
(SHOTTER, J. e LOGAN, J., 1993, p. 91 -92). Ser ia um erro pensar que esse
fenô meno ocorre separadament e e que at inge uns e out ros não, mas t rat a -se de
68
Mui t o em bor a , a o l ut a r con t ra os i n st r um en t os pa t r iar ca i s que g er a m a sua
opr essã o/ expl or a çã o, a s m ul h er es t en h am que a pl i ca r m ét odos pa t r ia r ca i s, um a vez que s e
en con t r am in ser i da s n um si st em a de r el a çõe s pa t r iar ca i s e fa z em pa r t e del e. (S HOT T E R, J.
e LOG AN, J. 1993 , p. 100).
163
prát icas sociais aut o -reproduzidas, co m o carát er de uma “lei nat ural ” que
ordena o mundo, inclusive os espaços.
O processo hist órico e ideo lógico da sujeição das mulher es aos ho mens
e de sua reclusão no espaço do mést ico , sendo excluída, pr incipalment e, da
acumulação de r iquezas, fo i engendrado desde os pr imórdio s da humani dade e
vem se aper feiçoando com mét odos rigorosament e so fist icados que t orna m
cada vez mais per ver sas as suas ações, porém escamot eadas pelo elevado grau
de sua sut ileza. Nest e sent ido, Combes e Haicault (1986) infor ma m que:
69
Ne st e m om en t o, Rouss ea u si st em a t i z a e c odi fi ca a s ba se s d o pa t r i ar ca do m oder n o, a
pa rt ir do seu pr oj et o de edu ca çã o di st i n t o pa r a h om en s e m ulh er es que, de um l a do
r epr esen t a do por E m í l i o – est e qu e s e ocupa de t a r efa s qu e l h e dá a ut on om i a e a ut o -
r ea l iz a çã o – e d e out r o p or Sofi a – qu e r epr es en t a o m od el o da m ul h er bur guesa , pur a ,
dedi ca da a o l a r e subm i ssa .
164
Essa divisão dos lugares e das funções ent re as duas met ades d a
humanidade inst it uiu sever ament e o discurso da rupt ura , não soment e ent re os
sexos, mas ent re público e pr ivado, supervalor izando as at ividades r elat ivas
ao espaço público, port ant o masculinas e desvalor izando as at ividades
70
Al ém da m i t ol ogi a que t r a z a s just i fi ca t i va s da subm i s sã o da s m ul h er es em r el a çã o a os
h om en s, o m a tr i m ôni o, h i st or i ca m en t e, r epr esen t a um pa ct o de suj ei çã o d e ca da m ulh er a
seu m a r i do, sel a do publ i ca m en t e desde o di r ei t o r om an o e sem m odi fi ca çã o a t é o i n í ci o do
sé cul o XIX, qua n do “n o puede c on t r a tar ni obl i ga r se com t er cer os si n a ut ori z a ci ón de su
m ar i do; a un que est e em r egi m e d e s epa r a ci ón de bi en e s, e s l ega l m en t e i n ca pa z de da r ,
en a jen ar , h i pot eca r o a dqui r i r” . (PE T IT T , 1994, p. 54). Obs er va -se a í o “r egi m e d e
sepa r a çã o d e ben s” pr esen t e n a r el a çã o d o m a tr i m ôni o, c on fi gur an do, n ã o a pen a s,
si m pl esm en t e a dom i n a çã o d o h om em s obr e a m ul h er , m a s a r egul a m en t a çã o da poss e d os
ben s na for m a l iz a çã o da r el a çã o c on juga l .
165
mesmo t empo em que, mo ldada pela emo ção est a nova mu lher co nt inuava
sat isfazendo plenament e às relações sociais pat r iarcais por ser ela afet iva,
passiva e dependent e. Est ereót ipos mant idos pelo pat r iarcado para
caract er izar uma per sonalidade feminina. (COST A, 1998, p.49).
E mbora, outras sociedades, a exemplo da sociedade feudal, já t ivessem
reconhecido o domínio público co mo masculino e o do mínio pr ivad o co mo
feminino, mas é na sociedade burguesa que a separação ent re as esferas va i
organizar o pensament o, as inst it uições e as relações sociais. As bases da
sociedade moder na assent aram- se so bre o novo modelo de feminino e de
masculino que separava e carac t er izava os espaços onde o privado/domést ico
é feminino e o público ou o não -domést ico é masculino. 73 Ao mesmo t empo
em que est es espaços passa ram a funcio nar co mo inst it uições socializadoras e
for madoras dos gêneros, reforçando a const rução da separação e
hier arquização dos sexos, de modo que a sociedade se r eest rut ura pelo
parâmet ro da divisão sexual, det er minando uma ordem moral e dualist a
baseada no poder social ent re o masculino /hegemô nico e o feminino/ passivo.
É um paradoxo, mas é possíve l afir mar qu e é o pat r iarcado subsist indo
na sociedade for malment e igualit ár ia. O que represent a dizer que mesmo no
bo jo das lut as das feminist as pela aut ono mia individual das mulheres e
considerando os ganhos reais por elas obt idos nos per íodos revo lucio nár io s da
hist ór ia do ocident e, mas o pat r iarcado vem se recr iando a part ir das
condições econô micas e po lít icas vigent es em cada co nt ext o, cuja ação
fort alece a organização social necessár ia à manut enção do sist ema. É u m
processo de ret roaliment ação ent re a ideologia pat r iarca l e as inst âncias de
poder que compõem e mant êm o sist ema polít ico, econô mico e social.
Seja qual for a definição ou o conceit o ut ilizado para co mpreender o
pat riarcado, seja qual for a for ma e o cont ext o em que ele at uou ou at ua,
sejam as maneira s pe las qua is se reest rut urou para aco mpanhar o
desenvo lviment o dos sist emas po lít ico, econô mico e social, o pat r iarcado t em
a ver, diret ament e, co m o poder, a autoridade e o cont ro le dos ho mens so bre
73
Da hl er up (1987) a fir m a que a esfer a públ i ca es t a va r egi da por h om en s e que est e s n ã o
est a va m a usen t es da e s fer a da fa m í l i a, ma s a t uava m n a s dua s esfer a s, en quant o a m ulh er
só t er i a um a esfer a de a t ua çã o. E st a a ut or a ta m bém fa z um a di scussã o d o qu e ser i a
pr i va do, dos vá r i os si gn i fi ca dos qu e r eún e est e t er m o e da i m pr eci sã o d os l i m i t es en t r e a s
dua s es fer a s.
167
Co m base nest a análise da const it uição das relações sociais pat r iarcais,
Palmero (2004) sugere que a t arefa é r efazer a hist ór ia e desacredit ar no
74
Dr ud Da h l er up i den t i fi ca um pa tr i ar ca do pe ss oa l e um pa t r i ar ca do est r ut ur al ; t am bém
i den t i fi ca na s soci eda de s oci d en t a i s vá r i os t i pos de opr es sã o: p ess oa l e i m pe ss oa l , vi sí vel
e i n vi sí vel , fí si ca / m a t er ia l e psi col ógi ca , l egí t i ma e i l egí t im a . (198 7, pp. 122 -123).
168
relat o pat riarcal que t em dificult ado a incorporação das mulheres ao espaço
público e, co nseqüent ement e, a ausência de mo delo s fe minino s co mo
prot agonist as nesse espaço, excet o os casos que f ogem à regr a. Mas, a
desco nst rução do pat riarcado passa pela desconst rução cult ural dos
est ereót ipos de gênero – a sua análise a part ir do pont o de vist a feminist a
const it ui uma denúncia e uma reflexão da sit uação at ual das mulher es, co m o
objet ivo de conduzi- las, cada vez ma is, à quebra do “co nt rato sexual” e de sua
sujeição, est a que t em dado suport e à sua dupla explor ação.
É preciso (re) vis it ar o passado, vasculhar as memór ias e co nfro nt ar -se
co m as sit uações concr et as em que viviam as mulheres para ent e nder a lóg ica
da opressão em cada cont ext o e em cada sit uação especificament e. Da mesma
for ma que, par a ent ender a exploração, bem co mo, as lut as e resist ências das
fumageiras no cenár io fabr il da indúst r ia do fumo, faz -se necessár io conhecer
as suas hist ó rias, suas exper iências co mo trabalhadoras e a est rut ura
organizacio nal em que est avam inser idas, para ent ão, compreender a dimensão
de cada at o, de cada gest o, de cada comport ament o naquele campo de forças.
75
Nest e ca s o, a “fá br i ca ” r epr esen t a t odos os est a bel e ci m en t os fa br i s (a rm a z én s de fum o e
fá br i ca s de ch ar ut os e ci ga rr i lh a s) da in dú st ri a fum a gei ra do Re c ôn ca vo ba i a n o.
76
Apesa r de t er pr edom i n a do n a l i t era t ur a e n o i m a gin ári o s oci a l d o Re c ôn ca vo Ba i a n o o
m odel o d e fa m í l i a n ucl ear , ma s, n a prá t i ca ess e m od el o r esum i u -se, a pen a s, à pequen a
el i t e e c on ôm i ca . Nos m ei os p opul a r es , a fa m í l i a con st i t uí a -se de m a n eir a m a i s
c on t in gen t e, con t udo, os va l or es s oci a i s e m or a i s t a m bém a fet a va m ess e gr upo. E m r el a çã o
à n oçã o d o e spa ç o da ca sa c om o pr i va do, n ã o se t r a t a de uma n oçã o de l uga r fe ch a do,
i na cessí vel e sem r el a çã o c om o m un do ext er i or, a o c on t rá ri o, t ra t a va -se, t a m bém , de um
espa ç o d e pr oduçã o, on de a l inha que o sepa r a va da r ua er a m uit o t ên ue.
169
77
Segundo Engels (1987), a primeira opressão de classe coincide com a primeira opressão do sexo
feminino pelo masculino. (E NGE LS, 1987 , p. 70). Segun do a l gum a s a n á l i ses a fa m í l i a
c on t in ua sen do a m a tr i z expl i ca t i va do c om p or t am en t o da s oper á r ia s n o t r a ba lh o, ou s eja ,
a subor di n a çã o da s m ulh er es n a fa m í li a cor r espon der i a sua subor di na çã o n os espa ç os
for m a i s de tr a ba lh o. E m bor a , se con c or de em pa r t e com essa m á xi m a , ma s, por out r o l a do,
é pr eci s o en t en der que a s pr át i ca s soci a i s n ã o e st ã o cr i st a l i z a da s n o t em po, s en do a pen a s
r epet i da s m eca n i ca m ent e, vi st o qu e a s r el a ç õe s s oci a i s sã o r e ve st i da s de a n t a gon i sm o e de
l ut a pel o poder , sen do, por t an t o, dinâ m i ca s. Qua nt o à s r el a ções s oci a i s, Ker goa t a fi rm a
que “t r a t a -se, efet i va m en t e, de um a c on tr a di çã o vi va , per pet ua m en t e em vi a s de
m odi fi ca çã o, de r ecr i a çã o” . (KE RGOAT , 1986, p. 82).
78
A an ál i se do t r a ba lh o da s fum a gei r a s n o pr ópr i o dom i cí l i o en c on tr a -se m a i s à fr ent e.
79
Nã o se t r a t a a qui de um a dom i na çã o n o s en t i do ger a l ou gl oba l , m a s, de um a dom i n a çã o
esp ecí fi ca da s r el a ções d e t r a ba lh o n o c on t ext o da i n dúst ri a fum a gei ra do Re c ôn ca vo,
c on si der an do a s que st õe s d e cl a sse, m a s, s obr et udo a s que st õe s d e g ên er o ; c om o t a m bém ,
n ã o se t r a t a de um a dom i n a çã o r í gi da de um gr upo s obr e o out r o, um a vez qu e, c on si der a -
se a dom i n a çã o em quest ã o c om o um a da s m últ i pl a s for m a s de dom i n a çã o exer ci da s n a
soci eda d e, poi s, s egun do F ouca ul t (1979), el a nã o oc or r e, a pen a s, de ci m a p ara ba i xo n a
es ca l a soci a l , ma s na s “m úl t i pla s sujei ç õe s que exi st em e fun ci on a m n o in t eri or do c or po
soci a l ” . (FOUCA ULT , p. 181).
170
80
Não se trata aqui de desenvolver um pensamento estruturado sobre a articulação das relações entre patriarcado
e capitalismo.
171
mulheres na hierarquia social 81. Outro aspecto e, talvez, o mais importante é que o
modelo patriarcal servia, fielmente, ao sistema econômico vigente. A forma como
os estabelecimentos fabris estava organizada, revelava um propósito. A distribuição
dos/das trabalhadores(as) nos espaços e nas funções era, ideologicamente, projetada
no sentido de manter o controle dos grupos, poder adotar diferentes instrumentos de
disciplina e, principalmente, evitar qualquer possibilidade de articulação e de
mobilização de ações políticas pelos/pelas trabalhadores(as).
As fábr icas de charut os e cigarr ilhas eram co mpost as por diver sas
repart ições, var iando muit o pouco de uma para out ra fábr ica quando se t rat ava
do mesmo port e empresar ia l. As gr andes fábr icas co mpunham-se de recepção,
escr it ór ios, co fre (est e últ imo era u ma pequena salet a co m paredes e port a
adequadas), almo xar ifados, elevador de carga co nfor me o port e da fábr ica e
est rut ura do prédio, ambulat ório, sanit ár ios, refeit ór io, oficina mecânica,
depósit os, caldeiras, câmaras de fumo e de charut os, carpint ar ia, salões de
beneficia ment o de fumo onde se concent rava grande part e do pessoal nas
vár ias et apas do preparo do fumo, salão de anela ment o, salão de
encaixa ment o, bancas de ca pas e a charut ar ia. (FALEIRO, B. ;
CORRESPONDÊNCI AS INTERNAS DA DANNEMANN, 1920 – 1952).
Salvo as áreas e repart ições co muns, as demais eram divididas ent re os
dois sexos, ou seja, havia repart ições masculinas e repart ições femininas. Os
ho mens ocupavam as áreas administ rat ivas, a ár ea de ser viço s pesados e
ser viços ger ais. As mulheres ocupavam, apenas, as repart ições de t rabalho
ligadas diret ament e ao benefic iament o dos fumo s, confecção e embalagem dos
charut os e cigarrulhas. Todas as áreas e repart ições e r am, est rat egicament e,
projet adas para at ender, além das necessidades da cadeia de produção, a
lo calização dos indivíduos confor me o gênero e a posição na escala do
poder. 82 Assim, as mu lheres fumageiras fo ram dist r ibuídas, em suas diversas
funções, no cent ro da fábr ica – o nde se lo calizava m os salõ es de
81
Contudo, em nível de análise não se teve a intenção de hierarquizar as categorias de gênero, classe e raça, nem
mesmo isolar como estruturas separadas, já que elas se fazem no processo histórico, apenas, são separadas,
didaticamente, para organizar a discussão.
82
A divisão dos espaços na fábrica obedece ao método de racionalização da produção, para garantir a
produtividade em menos tempo possível, evitando gastos e comportamentos supérfluos, conforme os princípios
taylorista de organização do trabalho. Contudo, a subordinação de gênero manifestada na divisão sexual do
trabalho, foi uma base aliada à exploração das mulheres e, neste caso, expressamente às fumageiras.
172
beneficia ment o dos fumo s, de encaixa mento e anela ment o dos charut os – e na
part e da fr ent e, onde se localizava a charut aria. (SILVA, 2001).
A seção de charut ar ia, um espaço predominant ement e co mpost o por
mulheres, ficava sempr e no salão da frent e onde eram d ist r ibuídas as bancas
em file ir as duplas, dispondo as mulheres sent adas em t amboret es, uma ao lado
da out ra em cada fileira de bancas. As bancas eram divididas, em média, e m
dez lugares cada uma, separadas por t ábuas lat erais que o fereciam a cada
charut eira um espaço individualizado, onde arrumavam seus inst rument os e
mat er iais de t rabalho. Co mo se obser va na pr ime ira fot ografia a seguir, a
dist r ibuição das bancas da charut ar ia não favorecia co m facilidade a
co municação e a art iculação hor izont ais, ou seja, da charut eir a co m a sua
viz inha da frent e, po is, ou as bancas se lo calizavam dist ant e uma da out ra ou,
quando junt as, separavam- se por uma co luna mais alt a que o last ro da banca,
uma espécie de cabeceira. MELO, 1996; CORRESPONDÊNCI AS INTERNAS
DA DANNE MANN, 1920 – 1952).
Ora, se as charut eir as sent assem- se uma frent e à out ra sem qua lquer
obst áculo, possibilit ar ia não apenas a conversa ent re elas, mas a possibilidade
de parar o t rabalho enquant o se o lhassem para est abelecer uma co municação
mais dir et a, o que era mais difícil ocorrer co m as co legas de suas lat erais. A
conver sa e “o lho no o lho” enquant o t rabalhavam, poder ia ser int erpr et ado
pelos pat rões, at ravés dos mest res, co mo um “co mport ament o supér fluo” que
tomar ia t empo e prejudicar ia a produção, bem co mo, uma senda para as
est rat égias de resist ências sut is.
As fot ografias, a seguir, revelam que os assent os eram desconfort áveis
e sem recost o; a dist ância ent re as t rabalhadoras er a mínima, dificult ando a
lo co moção e at é o mo viment o dos braços enquant o cort avam a fo lha de fumo
e enro lava m os charut os. A arrumação da charut ar ia ia alé m da eco no mia de
espaços, favorecia, t ambém, aos mecanis mo s de discip lina e cont role usados
pelos mest res de seção, dent re out ras peculiar idades da organização fabr il.
173
83
A análise do processo de disciplinamento das trabalhadoras fumageiras no espaço fabri l ou do
esquadrinhamento e organização do espaço como mecanismo de disciplinamento, não tem como
objetivo caracterizar o trabalho das fábricas de charutos como um “trabalho disciplinar”, mas em
identificar a disciplina como um dos principais instrumentos d e controle das trabalhadoras no
processo do “trabalho produtivo”, com vistas a garantir, ao máximo, a extração de sua capacidade
laboral, o melhor uso do tempo e atingir o nível mais elevado de produção, uma vez que, segundo
Foucault (1979), “as técnicas d e poder foram inventadas para responder às exigências da
produção. Falo da produção em sentido amplo”. Ainda, ao destacar a função tripla do trabalho:
produtiva, simbólica ou de adestramento ou disciplinar, este autor afirma que “o mais freqüente é
que os três componentes coabitem” nas categorias que se ocupa. (FOUCAULT, 1979, p. 223 -
224).
175
uma peça de arte das mãos da artista, pois, enquanto confeccionavam os charutos e
cigarrilhas, as mãos das charuteiras sobre a matéria -prima formavam uma simbiose
a galgar a perfeição estética e o bom paladar deste produto que alimentava o gosto
e a preferência dos seus adeptos. A qualidade do fumo e da mão de obra
determinava o resultado final da produção, ou seja, a qualidade e a quantidade da
produção. Preparar os fumos e confeccionar os charutos constituía m o campo de
saber das fumageiras que, ao estabelecer relações com outros campos de saber
existentes no espaço fabril, determinava m uma prática social de poder específica.
Apesar da fiscalização e disciplina impostas pelos fabricantes resultando,
diretamente, no controle dos corpos das fumageiras, elas detinham todo o saber da
preparação dos fumos e da confecção dos charutos, acumulando, portanto, uma
gama de poder e de controle, também, sobre a produção. Embora a indústria
fumageira, naquele momento, já tenha introduzido a separação entre trabalho
manual e trabalho intelectual no processo de industrialização do fumo, mas grande
parte do saber sobre as tarefas específicas de tratamento dos fumos e fabricação de
charutos e cigarrilhas, ainda, eram dominadas pelos(as) trabalhadores(as). É neste
sentido que se concorda com Foucault (1979), quando ele afirma que “o saber
acarreta efeitos de poder”, pois o saber das mulheres fumageiras represen tava uma
força poderosa temida pelos empresários, o que permitia a constituição de novas
relações no campo do poder no universo fabril regional.
As relações de trabalho são uma forma particular das relações sociais e, por
isso, não se constituem apenas das questões de classe dissociadas das demais, ao
contrário, é, exatamente, aí que residem as questões de raça, gênero e geração e,
portanto, são relações perpassadas e cingidas de poder e pelo poder. As intrincadas
relações tecidas pelos sujeitos no âmbito do trabalho, independente do tipo de
atividade exercida ou da posição que cada um ocupa na hierarquia do poder, são, na
maioria das vezes, tensas, conflituosas e carregadas de desconfiança. O fato de que
nem sempre são vistas e interpretadas desta forma, d eve-se à maneira como são
constituídas, conforme o contexto e as situações em que cada indivíduo ou grupo
encontra-se inserido, onde as disputas, as lutas e a negociação entre o superior e o
subalterno, bem como entre os subalternos, podem ocorrer tanto de forma aberta e
direta, como fechada e sutil, amistosa ou não.
O campo de forças se estabelece a partir de uma rede de relações e, não
apenas a partir de dois pólos isolados, sendo um positivo e outro negativo, um ativo
177
homens. A tentativa das respostas seguirá o curso da leitura das ações e reações das
mulheres fumageiras em relação às situações impostas no/durante o trabalho.
Nesta análise, consideram-se ações todo tipo de imposição, norma e
disciplinamento praticado pelas empresas fumageiras em relação às mulheres
trabalhadoras, e ainda, toda forma de controle, seja nos espaços, seja no uso do
tempo ou de seus corpos, com o objetivo de extrair o máximo de sua força laboral,
em favor da produção diária determinada para cada uma das trabalhadoras. Mas, é
possível perceber que estas ações extrapolavam os objetivos da exploração da força
de trabalho, elas também se inscreviam no campo das relações de gênero, pois, não
bastava o cumprimento dos horários e da produção determinada, que faziam parte
do padrão de normas de qualquer trabalhador/trabalhadora industrial, era preciso
manter as mulheres trabalhadoras sob um rigoroso controle interno – não circular
nos demais espaço da fábrica a qualquer momento e sem autorização, não falar
muito, não conversar umas com as outras, não se levantar das banc as de trabalho,
exceto nos momentos predeterminados, e outras situações que as colocavam sob um
rígido controle de seus corpos, pois eram consideradas frívolas e arredias.
Por outro lado, o descumprimento ou desobediência, sutil ou aberta, a esse
conjunto de imposições; as estratégias que essas mulheres adotavam para burlar o
rigor do controle, assim como as sabotagens, a sedução, o “corpo mole” ou “cera” 84,
a ajuda mútua e, até mesmo, o enfrentamento direto configuravam o conjunto das
reações por parte das trabalhadoras. Ao analisar o “Soldado do Trabalho”, Rago e
Moreira (2003), escreveram que “mais do que nunca, absenteísmo, sabotagem,
“cera’, rebaixamento da qualidade do produto são métodos de resistência utilizados
pelos trabalhadores [...]”. (RAGO; MORE IRA, 2003, p. 38).
Percebeu-se nas falas das fumageiras e nos documentos consultados, que não
havia um poder central, macro agindo sozinho de cima para baixo, como uma
espécie de “instituição” de propriedade unicamente da empresa e que as
trabalhadoras est ivessem destituídas de qualquer poder. Ao contrário, ao analisar as
ações e reações no âmbito da indústria fumageira do Recôncavo Baiano percebe -se
que havia ali o exercício do poder por todos os indivíduos envolvidos no processo
de beneficiamento e fabricação de charutos e cigarrilhas e no conjunto das relações
84
O a t o d o c or po m ol e p od e s er c om pr een di do a pa rt ir da con cep çã o t a yl or i st a , sen do
a qui l o que qua l i fi ca c om o “i n dol ên ci a si st em á t i c a ” do t r a ba l h a dor, que, pr op osi t a da m en t e,
pr oduz m en os do qu e pod er i a . (RAGO ; MO RE I RA, 2003, p. 16).
179
Não pode mais ser transcrito nos termos da soberania, é uma das grandes
invenções da sociedade burguesa. Ele foi um instrumento fundamental
para a constituição do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que
lhe é correspondente; este poder não soberano, alheio à forma da
soberania, é o poder disciplinar. (FOUCAULT, 1979, p. 188).
Todos os mestres eram homens, agora Maria Matilde que era mestra da
cigarrilha, agora João Lobo, João Dantas, seu Francisquinho... tinha
mais, agora os outros eu não me lembro. Tinha o mestre da banca de
capa, tinha o mestre que tomava conta dos fumos, das torcidas que
botava pra secar (...). (SANT OS, Da l va Da m ian a dos).
O trabalho do mestre era ali, era quando a gente chegava ele ficava ali
sempre olhando o que a gente tava fazendo e dizendo. Botava ali as
fôrmas de charutos que a gente tinha que fazer e de hora em hora ele
vinha assim nas bancas olhando o charuto, pegava assim pra v er se tava
certo, se tava bom, se não tivesse bom ele reclamava e dizia: "esse daqui
não tá selvindo" e, aí botava lá pro canto, era assim. Havia uma mestra
pra passar o charuto de novo, quer dizer que muitas perdia, era rifugo
aquele charuto que elas tirava, era rifugo, muitas perdia, agora eu,
Graças a Deus foi difice perder. (MELO, Laurentina Neves ).
85
Textos publicados no Jornal Correio de São Félix por Pedro J. Dantas com títulos: Social, n.º 39, 25/01/1942;
A Família, n.º 67, 09/08/1942; A Desobediência, n.º 94, 14/02/1943. Em 23 de abril de 1944, em edição de n.º51,
este Jornal publicou os 10 mais importantes pontos de disciplina, exigidos pela Justiça do Trabalho.
185
Mas a gente tinha um respeito a ele igual um filho tem respeito pelo pai,
bastou dizer assim: evém seu Valdo! Ele era difícil dá um carão, mas só
no olhar dele de lá pra cá a gente já tava se tremendo, quer dizer que não
batia em ninguém, mas o respeito é tudo né? (SANT OS, Da l va
Da m i an a ).
Assim, D. Laurentina nos apresenta uma relação sem conf litos abertos ou
possíveis perseguições, mas deve ter se utilizado de táticas para conquistar a
confiança de seus mestres e viver com maior tranqüilidade o longo tempo que
trabalhou na fábrica C. Pimentel:
Quando afirma que "o povo tinha ódio dela [mestra] né? Mas eu gostava
dela, principalmente...", observa-se que muitas não gostavam da mestra, revelando
que havia um relacionamento tenso entre a mesma e as trabalhadoras, enquanto ela,
D. Laurentina, fez-se mostrar como uma exceção em meio às demais, aquela bem
vista por todos, que faz tudo certo e não desagrada seus superiores e, por
conseguinte, também é bem tratada, o que, de fato, em vez de caracteriz ar a
submissão propriamente dita, ao contrário, estava implícito em sua fala que o que
havia, na verdade, era uma maneira específica de conduzir o relacionamento para
sobreviver melhor à exploração e submissão sem maiores atritos e poder tirar
melhor proveito da situação, o que significa muito mais uma artimanha que uma
submissão passiva e inconsciente.
É preciso ressaltar que na hier arquia fabril a mestra, esta que anteriormente
ocupava, apenas, a função de charuteira, exercia o poder igualmente ao mestre ,
embora, a expressão desse poder tivesse a marca do gênero. Sua ação, no entanto,
ora se impunha com as características da autoridade masculina, ora se expressava a
partir da solidariedade e da compreensão, permitindo uma maior aproximação entre
as trabalhadoras e a mestra.
188
No caso das charuteiras, o fato de fazer os charutos com muita rapidez para
tentar elevar a tarefa diária além do mínimo exigido, com o objetivo de aumentar o
salário, também nos leva a entender que se tratava de um dos modos que algum as
trabalhadoras encontravam para tentar burlar as regras da fábrica no sentido de se
beneficiar, mesmo sabendo que tinham que enfrentar as reclamações dos mestres.
Desta forma, para D. Laurentina a passagem dos charutos não significava grandes
problemas, pois "muitas perdia, agora eu, graças a Deus foi difice perder"; em
relação a algumas de suas companheiras de trabalho ela também afirma que, "(...)
porque perdia muitos charutos aí os mestres reclamava muito, elas se aborrecia ou
não gostava dos mestres, era assim, só ficava xingando, falando que não ia mais lá
trabalhar (...)".
Ainda, Dalva Damiana quando faz questão de afirmar que "eu mesma era
vagarosa, mas eu queria aquilo bem boliado, bem aperfeiçoado então eu não dava
produção", dá a entender que quem fosse mais rápida não trabalhava com a mesma
perfeição e/ou que se tivesse mais preocupada com a produção que com a qualidade
poderia, realmente, fazer charutos defeituosos. Tanto uma posição quanto a outra,
significavam ações conscientes por parte das charuteiras, justificando a repressão
por parte dos mestres.
Nesse repert ório de ações e reações no cont ext o do t rabalho fabr il
fumageiro, é preciso obser var as int enções subliminares, po is são est as que
revelam o jogo das relações sociais , incluindo as r elações de gênero . Ao
ent rar em fér ia s – mesmo se t rat ando de um per íodo post erior, 17/06/83, mas
vale a penas dest acar – o Sr. Engelbert Jungwirt h, do setor de “Produção de
Marago jipe”, escreve uma list a co m dezenove reco mendações endereçadas ao
Sr. Reina ldo P infildi, onde faz referência à Banca de Capas e às charut eir as,
chamando a at enção para a pr át ica do desperdíc io. Obser vando -se ai que não
há reco mendações da mesma nat ureza par a os set ores masculino s dir et ament e.
Quando ele tava pra dá um sermão ele chegava e "olhe o dono da fábrica
vai chegar tal dia, tal hora", mandava o rapaz que trabalhava na limpeza
limpar tudo, assear tudo, aí todo mundo já tava preparado, suas bancas
tudo limpinha, cuidando em seus trabalhos e, quando eles chegava não
gostava de vê ninguém olhando pra eles não, todo mundo de cabeça
baixa (...) Eles respeitava a gente e a gente respeitava eles , a gente não
respondia quando eles chamavam a gente pra conversar qualquer coisa,
eles chamavam aí eles conversava com a gente ocurtamente que ninguém
percebia o que era que estava falando, não tinha problema de ôooo não,
era ocurto que ninguém sabia. ( SANT OS, Da l va Dam i an a ).
Não queria ninguém mastigando nada, todo mundo na sua. Mas, também
ninguém é besta. Aí pronto, eles ficavam lá, depois desciam pegavam
assim o charuto, olhavam, acabava se tivesse algum com defeito ele
amostrava, aí o mestre vinha tirava botava na carteira dele. (...) agora eu
sempre com essa cabeça que eu tinha de viver sempre alegre na banca,
comendo fome ali, roendo zinco e naquela minha eu não dava o braço
a torcer. Eu às vezes levava até um pedaço de pão debaixo do sovaco,
quando a gente tirava pra comer debaixo de suor fedendo a bode, é dose!
Às vezes a gente fazia uma farofa e botava aqui ó [apontando p ara a
barriga] vestia a calça e ia. ( SANT OS, Da l va Dam ia na ). (grifo nosso)
Ainda D. Tereza Ramos afirma:
Os operár io s que se sent ira m prejud icado s e, ent re eles, as charut eiras,
ameaçaram uma greve, po is ent enderam que, dest a for ma, ocorre ria u m
desco nt o real em sua semana de t rabalho. Const it uíram, ent ão, o advogado
Albert o Rabello , para represent á- los/ las junt o à empr esa, o que fez r ealizando
assemblé ias co m os/as t rabalhadores/t rabalhadoras e lo ngas horas de
ent endiment o com o Sr. Ernest o Tobller , represent ant e da Dannemann, que
result ou em deixar t udo como ant es. ( AMS F. CORRESPONDÊNCI AS
INTERNAS DA DANNE MANN, 1920 - 1952. MAÇO 1924, 04/09/1924).
Apro veit ando est e largo int er valo de t empo que as fo nt es pro moveram,
lembr a-se que é a part ir da década de 1940 que a legislação t rabalhist a figur a
co mo fazendo part e de um “pro jet o de const it uição da sociedade ur bano -
indust r ial capit alist a no Brasil” e que, segundo Carvalho (1971), ela ve m
at ender, além de medidas no sent ido de est abelecer limit e s às condições de
exploração do operariado, “o cont role de sua at uação enquant o classe”.
(CARVALHO, 1971, p. 28). Represent ando ainda um mo ment o muit o t ímido
de at uação do operariado brasile iro e, por conseqüência, a possibilidade de
alavancar at it udes ma is radicais ou conscient es por part e dos t rabalhadores da
indúst r ia de fumo no Recô ncavo, pr incipalment e por se t rat ar de um set or
t radicio nal e a inda mu it o ligado ao modelo agrár io. M esmo assim, co nt inua-se
regist rando as ações e reações, às vezes dent ro das for ma lidades, ás vezes de
maneira infor mal e sut il.
E m julho de 1946, um diss ídio co let ivo de grande reper cussão envo lveu
t rabalhadores/t rabalhadoras das fábr icas Dannemann, Cost a & Penna e
Suerdieck, os/as quais reivind icar am aument o de salár io que fo i co ncedido e
aceit o após vár ias negociações, obedecendo aos valores correspondent es a
cada cat egoria, ou seja, mensalist as, diar ist as e t arefeir as, est a últ ima onde se
inc luíam as charut eiras. (AMSF. CORREIO DE SÃO FÉLIX. n.º 579,
20/07/1946).
E m março de 1950, já no cont ext o das dificuldades financeiras que
enfrent avam a Dannemann e a Cost a & Penna, no vo dissídio fo i suscit ado
pelo sind icat o dos fumageiros que exigia o pagament o das fér ias dos/das
t rabalhadores/t rabalhadoras e que so ment e em junho do mesm o ano a
Dannemann veio a so lucio nar. ( AMS F. CORREIO DE S ÃO FÉ LIX . n.º 769 de
18/03, n.º 772 de 08/04, n.º 774 de 22/04, n.º 780 de 03/06/1950).
194
Vár ias suspensões e obser vações sobre o co mport ament o das mulheres
fumageiras da fábr ica Suerdieck de Marago jipe, co nst am ou est ão anexas às
fichas demo nst rando o rigor da disciplina da fábr ica e a resist ência delas e m
obedecer as nor mas cont idas no regulament o da empresa, est e já cit ado
ant er ior ment e. Ações diversas mot ivavam os dir igent es da fábr ica a advert ir,
suspender e at é demit ir as t rabalhadoras, co mo se obser va nest e document o:
Maria Maia Batista Silva foi advertida verbalmente, assim consta em sua
ficha, por não ter aceitado fazer trabalho determinado pelo superior hierárquico.
Jairdes Borges da Silva foi suspensa de suas atividades por dois dias, porque estava
discutindo no setor de trabalho. Roquemilda Antonia de Souza foi, também,
suspensa de suas atividades por três dias por faltas de dois dias não justificadas aos
superiores, esta não aceitou a suspensão e recusou-se a assinar. (SUERDIECK:
FICHAS DE REGISTRO DE E MP REGADOS. MARAGO JIPE – BA). Nesses
casos e em tantos outros registrados nas referidas fichas, a partir de 1940, aparecem
a ameaça da possibilidade de aplicar o artigo 482 da CLT, este que trata sobre a
195
rescisão de contrato por justa causa pelo empregador. (SAAD, 1972, p. 186).
Sebastião dos Santos também afirma que:
inser idas, bem co mo, na função que ocupavam dent ro dos est abeleciment os
fabr is, gerando quando não um sut il enfr ent ament o às forças de do minação,
uma barreir a que, por certo, int imidava os dir igent es a aplicar ações mais
r igorosas que as cost umeiras. Fazendo uma leit ura so bre o t aylor is mo, Rago e
Moreira (2003) afir mam que:
Apesar de não haver registro de lutas coletivas organizadas por parte das
fumageiras, no sentido de enfrentar as ações de exploração e de dominação
advindas do sistema de organização da indústria fumageira ou diretamente de seus
superiores hierárquicos, mas o sentimento de união e solidariedade que as
identificavam como trabalhadoras no estabelecimento fabril, e que não era apenas
uma necessidade natural de sociabilidade, significou uma forma de resistência, na
medida em que buscavam umas nas outras, ou dentro dos grupos, o apoio para a
resolução de problemas, tanto referentes ao próprio trabalho como os de ordem
econômica e doméstica, como se pode observar em alguns fragmentos de suas
exposições:
Muito bom, tudo era colega, tudo boa não tinha ninguém lá pra fazer
fuxico de nós e outros nem nada, era um lugar muito alegre que a gente
trabalhava tudo reunido. (SILVA, Benedita).
Era uma amizade! Naquele tempo era muita amizade que não tinha nada
contra os trabalhadores, tudo era um pelo outro. Tinha uma [charuteiras]
que tinha umas colegas ficava na casa delas, lá elas dava panela para
esquentar comida, quem tinha camaradagem, quem não tinha... esse
negócio de amizade. (...) agora nem todas, Litinha minha filha trabalhou
em Muritiba ela tinha muita amizade por lá. (SANTOS, Sebastião
Pereira).
Maria Alves diz que "Cada uma tinha que fazer sua produção, agora quem
acabava primeiro ajudava". Laurentina Neves Melo parece completar:
A gente era tudo amiga, tudo camarada, as que sentava junto assim,
porque num corredor assim sentava sete/oito pessoa, ali quem sentava
197
A união da fábrica era tão boa que uma levasse um caroç o de milho
todas participava daquele caroço; se uma tivesse um aperto de não ter
um dinheiro dia de Sábado e você ter dez mil réis você dividia dava
cinco a uma; se uma caísse doente quando era dia de Sexta -feira a gente
saía com a latinha: 'fulano bota aq ui', cada uma botava um trocado pra
recuperar aquele...pra comprar o leite pra'quela colega que tava doente,
aí a gente chegava lá e dava a ela, ficava contente, quer dizer que há
união; se a senhora desse uma roupa pra vender lá na fábrica vendia, a
gente olhava, gostava vou comprar pra fulano, comprava, quando no dia
não tinha o dinheiro direito pra dar dava a metade aquela pessoa tinha
aquele consenso a dona aceitava. (SANTOS, Dalva Damiana).
86
Gr an de par t e dess es est ud os e st á vol t a da , em par t i cul ar, par a a pr esen ça da s m ul h er es na
i n dústr ia t êxt i l, com o, p or exem pl o, os t r a ba l h os de E va Bl a y, 1978; Ma r ia Va l éri a Pena ,
1980; Bá r ba ra Wei n st ei n, 1995, den tr e out r a s. Já par a a déca da de 1990, h á um cr esc en t e
n úm er o de t r a ba l h os que t or n a vi sí vel a pr esen ç a da s m ulh er es em di st i n t os s egm en t os d o
m er ca do de t r a ba lh o. Vê Dos si ê de G ên er o i n Cad. Pa gu n o. 17 -18, 2002.
201
quest ões relacio nadas ao lugar que, cult uralment e, ho mens e mulher es
ocupavam e ainda ocupam nas relações de t rabalho, co mo espaço gendrado.
São t rabalhos que cont r ibuír am significat ivament e para uma no va
concepção de hist ória, a part ir da int rodução de no vos t emas, de um no vo
olhar sobre velhos t emas e de novas possibilidades met odológicas.
Amparados, de um lado pelas t eorias feminist as, result ant es da
het erogeneidade dos seus mo viment os, e, de out ro pela hist ória social,
alargaram o universo do hist or iador, abr indo as possibilidades para perceber a
dist inção das exper iências dos suje it os em seu cot idiano.
Por outro lado, é pr eciso ressalt ar que o campo da Socio logia t ambém
t rouxe import ant es o lhares sobre as diversas for mas de subco nt rat ação do
t rabalho das mulher es e das mulheres no t rabalho, inc lusive o t rabalho a /em
domic ílio, no decorrer desse per íodo.
Seguindo essa t rajet ória, port ant o, que os est udo s sobre t rabalho a/em
domic ílio no Brasil t omaram fô lego, sempre aco mpanhando a evo lução do
processo de reest rut uração da econo mia seguido da imediat a precar ização do
t rabalho, e adent raram a década de 1990 co m ma ior int ensidade, percebendo
as var iações da s relações que envo lvem t ant o a subco nt rat ação quant o o
t rabalho em do micílio realizado por mulheres. A part ir de ent ão, muit os
t rabalho s foram publicados e com eles foram surgindo no vas concepções
sobre o t rabalho em do micílio, aco mpanhando as t ransfor maç ões que ia m
ocorrendo no campo das re lações econô micas e, conseqüent e, das relações de
t rabalho, sempr e guiadas pelas modalidades que o capit al, em escala glo bal,
vinha e vem or ient ando.
Os maiores esforços da maior ia dest es est udos est avam direcio nados em
analisar set ores indust r iais co mo confecção e calçados. Ent re eles dest acam -
se aut ores como a dupla Abreu e Bila Sorj e Robert o Ruas, pr incipalment e,
em seus t rabalhos inclusos na co let ânea “O Trabalho invisível: est udos sobr e
t rabalhadores a do micílio no Brasil”, de 1993.
Abr eu e Sor j (1993) est udaram as cost ureir as a do micílio na indúst ria
de confecção no Rio de Janeiro, inic ialment e descrevendo uma cadeia de
funções e relações dist int as, cujo últ imo elo era a t rabalhadora a do mic ílio,
est a que t rabalhava na sua própr ia casa para as empr esas de co nfecção. Era
um cont ext o de crescent e flexibilização do processo produt ivo e de u m
202
mer cado que flut uava co m as alt as e baixas, t ant o da demanda dos produtos
co mo das cr ises financeiras, sendo o t rabalho a do mi c ílio ut ilizado pelas
empresas para at ender as necessidades dessa flut uação – rest r ing ir cust os,
mant er os exíguos prazos de ent rega ou, ao cont rário, reduzir a produção e m
mo ment os de fort e queda da demanda. Est as aut oras most raram a
vulnerabilidade das cost ureiras t rabalhando a do micílio, que, para garant ir a
cont inuidade do t rabalho e uma remuner ação sat isfat ória, se submet iam a um
int enso r it mo de t rabalho, po is, do cont rár io, não podiam mant er o níve l de
produt ividade e a pont ualidade da ent rega, exigi dos pelas empresas
cont rat ant es.
Segundo Abreu e Sorj, a co mposição da força de trabalho por gênero no
ramo da confecção era , major it ar ia ment e , for mada por mulheres e invis ível
diant e dos órgãos e das est at íst icas oficiais. 87 Est as autoras dest acam que a
d ivisão por sexo ent re os gêneros na esfera familiar desempenhou pape l
fundament al na gest ão do t rabalho a domic ílio, no cont ext o da indúst r ia da
confecção no Rio de Janeiro. (ABREU e S ORJ. 1993).
Robert o Ruas (1993), por sua vez, realizou um est udo sobre t r abalho a
domic ílio na indúst r ia de calçados na região Sul. Ruas percebe a difer ença
ent re o t rabalho a do mic ílio no Brasil, na indúst r ia calçadist a, e o modelo
japonês, cuja relação ent re a empresa que cont rat a e a cont rat ada se
est abelece de for ma est ável, sendo que, a prime ira o ferece maior grau de
segurança à segunda. O aut or, t ambé m, segue fazendo comparações ent re a
produção est rangeir a de calçados ( it aliana e espanho la) e a brasileir a,
avaliando as co ndições do emprego da mão de o bra nos diversos esp aços,
chegando à conclusão que no Brasil as relações de subcont rat ação aparecem,
em geral, em est ágio s menos desenvo lvidos. As empresas calçadist as, segundo
Ruas, recorrem: à exploração do trabalho diret o, mediant e o emprego
int ensivo de mão de obra pouco qualificada e de baixo cust o; ao recurso da
subco nt rat ação do t rabalho , dent re out ros element os que favorecem maior
87
Da mesma forma, Araújo e Amorim (2002) continuam abordando a questão: “A exploração das costureiras
domiciliares se concretiza sob o respaldo da invisibilidade: elas não constam dos registros oficiais das empresas,
nem das estatísticas industriais ou governamentais. Na medida em que exercem suas atividades produtivas no
espaço não-fabril e em que se estabelece um "distanciamento" entre a empresa contratante e o processo de
produção, estas se eximem - e julgam que o fazem de forma legítima - da responsabilidade sobre o que possa
ocorrer neste espaço produtivo e às trabalhadoras envolvidas. (ARAÚJO e AMORIM, 2002, p.12).
203
88
Contudo, no âmbito desta exposição é certo que prevalece alguns elementos em detrimento de outros.
89
O termo fábrica aqui se refere ao estabelecimento fabril pertencente ao conglomerado industrial fumageiro do
Recôncavo Baiano.
205
90
Não se trata da naturalização da mão de obra, mas de uma mão de obra feminilizada.
91
As “Bonecas” ou “manocas” eram molhos pequenos de folhas fumos (entre 8 a 10), selecionadas por tamanho
e enroladas na cabeceira por outra folha de fumo, cuja ponta passava no meio do molho para assegurar que não
se soltaria como se fosse um nó; com a cabeça das folhas de fumo juntas e presas e o corpo das folhas solto
formava-se a boneca ou manoca de fumo.
206
processos de cr ises e r eest rut uração da econo mia 92, ocasionando o surgiment o
ou o aument o significat ivo das at ividades não assalar iadas, circunscr it as na
cat egoria “por cont a própr ia”, 93 a exemplo de out ras regiões da Amér ica
Lat ina, co mo o México. (OLIVEIRA E ARIZA, 1997, p. 183) .
A produção em do micílio const it uiu - se numa cat egor ia ou modalidade
de at ividade produt iva que, at é ent ão, fugia aos modelos convencio nais de
organização do t rabalho nas sociedades moder nas. No Recôncavo fumageiro,
t ratou-se de uma at ividade produt iva re alizada, t ant o “por cont a própr ia” das
fumageiras, quant o nos mo ldes da subcont rat ação mediant e enco menda e
remuneração pelas empresas inst aladas na r egião. Ambos os casos sem
vínculo empregat íc io. Também, obser va -se o carát er de complement ar idade
subordinada, impost a t ant o pela divis ão dos espaços – indust r iais e
domést icos –, quant o pela divisão de t arefas embut ida num sist ema de valor
hier árquico que se caract er iza co mo infer ior por ser realizada por mulher es no
espaço domést ico, acent uando as desigualda des de dire it os e as cont radições
das relações de gênero. (SOHIET, 2001, p. 12).
É preciso ressa lt ar, no ent ant o, que a subcont rat ação sob a for ma de
t rabalho do mic iliar, não é um fenô meno recent e ou específico da região do
Recô ncavo Ba iano, apenas. Brave r man (1987), afir ma que est e sist ema surgiu
nas pr imeiras fases do capit alismo indust rial:
92
Para a discussão do trabalho a domicilio realizado pelas fumageiras no Recôncavo Baiano, não se faz
necessário adentrar na análise do contexto econômico brasileiro que regulamentou o trabalho nas décadas
posteriores. A aceleração do processo de reestruturação produtiva típica do contexto de crise e globalização da
economia da década de 1990, por exemplo, também vem intensificando o uso de distintas formas de
subcontratação bem como de trabalho a domicílio, porém, trata-se de outro cenário e de outra complexidade
distintos do espaço, conjuntura e sujeitos em análise.
93
Para entender a expressão “por conta própria”, toma-se o texto de Oliveira e Ariza (1997, p. 189) que afirmam
que, las actividade por cuenta própria son vistas em general como uma forma de trabajo más precário que le
trabajo asalariado. Debido a la própria naturaleza de su actividade, el trabajador por cuenta própria no tiene
contrato laboral, carece de prestaciones laborales e no recibe sueldo fijo.
207
econo mia do mést ica, quando vida familiar e t rabalho est avam int ima ment e
int er ligados”. ( ABREU E SORJ, 1993, p.11). Com o advent o da Revo lução
Indust r ial, o t rabalho em/a do mic ílio, seja ele por cont a própria ou pel as vias
da subcont rat ação, t oma for ma e carát er específicos em cada país e nas
respect ivas regiões, confor me os cont ext os sociais, econô micos e cu lt urais.
No Brasil, pe lo menos desde o Censo de 1872, as mulher es já
const it uíam a ma ior ia abso lut a da mão em pregada, mas ao lo ngo das décadas
seguint es esse número vai se reduzindo, conduzindo as mulheres ao cuidado
co m a pro le e co m o mundo do mést ico. (PENA, 1980). Ent ret ant o, ao analisar
as infor mações do Censo de 1940, est a autora afir ma que:
As m ul h er es da cl a ss e t r a ba l h a dor a, m esm o em ca sa (. . . )
c on st i t uí am a pr in ci pa l for ça de t r a ba l h o ut i li z a da na in dúst ri a
dom i ci l i a r. E sse par eci a ser o ca m i nh o a tr a vés do qua l t an t o a
fa m í l i a , quant o o em pr esa r ia do e o E st a do e sper a va m ver c on ci l i a da
a dupl a con di çã o fem i n in a de tra ba l ha dor a e dona de ca sa : n enh uma
ga ran t ia tr a ba lh i st a, dupl a jor n a da de t ra ba l h o, a m ba s sem l i m i t es
di st i nt os (. . . ). E m pr ega da s n a in dústri a dom ést i ca , a s m ulh er es nã o
a pen a s est a va m i n t egr a da s à pr oduçã o n a con di çã o de ex ér ci t o
i n dustr ia l de r eser va c om o a i n da er am , ver gon h osa m en t e
expl or a da s. (PE NA, 1980, p. 134).
Fora do cenár io indust r ial, Teixeira (1983) percorre um lo ngo per íodo
hist ór ico, desde o século XIX, a procur a de fo nt es sobre as “t rabalhadoras
ext ernas”, do ramo de confecção e, so ment e, encont ra regist ros a part ir de
1917, no Rio de Janeiro, pois, segundo est a aut ora:
A fa l t a de r egi st r o h i st ór i co da s ext er n a s de ve - se a s eu t ot a l
i sol a m en t o, qua n do n em er am a bs or vi da s de for m a si st em á t i ca pel a s
i n dústr ia s, n em t am pouc o r e fer i da s c om o pa rt i ci pan t es dos
m ovi m en t os p ol í t i cos d o pa s sa do: o t r a ba l h ã o fa br i l a dom i cí l i o
m an t inha -se ext er n o e a l h ei o à d ocum en t a çã o em pr esa r i a l, e a
op er ár i a ext erna da fá br i ca , m ar gina l i za da da or gani z a çã o pol í t i ca
si n di ca l. (TE IXE IRA, 1983, p. 118).
94
A pr i m eir a fá br i ca de ch a r ut os d o Rec ôn ca vo foi fun da da em 1905, pel a em pr esa
Suer di eck, em Ma r a goji pe e, é em 1908, c om a cr esc en t e dem a n da da pr oduçã o d e
ch ar ut os, c om e ça a di st r i bui çã o d os fum os n os dom i cí l i os p a r a r ea l i za çã o d o t r a ba l h o de
208
ben efi ci a r (ou pr epar ar os fum os) e c on fe cci on a r os ch a r ut os m a i s si m pl es. SUE RDIE CK
S/ A – CHA RUT OS E CIGA RRL HAS, 1955.
209
1960 1970
FUNÇÃO QUANT FUNÇÃO QUANT
Abr i r Fum os 18 Abr i r Fum os (Ca pa ) 04
An el a dei ra 06 An el a dei ra 09
Aux. E scr i t ór i o 01 Aux. E scr i t óri o 02
Ca t a deir a Fum os 03 E n ca i xa dor a 11
Char ute i r a 96 Char ute i r a 69
Ch. a Domi c í l i o 121 Ch. a Domi c í l i o 95
Dest a l a dei r a 35 E nr ol dei ra 20
E nr ol a deir a 05 Fr i sa dor a 05
Fr i sa dor a 03 Ma n oca dei r a 187
Ma n oca dei r a 399 Pa ssa dei r a 02
Ser ven t e 04 - -
FNI 13 FNI 02
TO TAL 704 TO TAL 406
Nest e percur so, obser va - se que no Bras il, a part ir da década de 1920 at é
os dias at uais, o t rabalho a /em do micílio vem se mo ldando, confor me as
polít icas econô micas e int eresses de alguns set ores específico s da indúst r ia,
210
Por out ro lado, o cont ext o socioeconô mico da região fumageir a marcava
acent uadament e aquelas t raba lhadoras, pois, segundo Guimar ães (1979), “não
são apenas as necess idades do mercado que conduzem as mulheres ao
t rabalho, mas, pr incipalment e, é a det er ioração das condições de vida, que as
conduz, ou melhor, t orna -as disponíve is”. (GUIMARÃES, 1979, p.19).
A população, envo lvida co m a lida diár ia do fumo , apresent ava uma
pobreza bast ant e acent uada, que "não rest a dúvida que é aqui, ent re as
subáreas do Recôncavo, que o at raso e a pobreza são mais vis íveis e ma is
chocant es", 95 revelando um modo de vida caract er íst ico da região do fumo,
que se est endia do ca mpo aos cent ros urbanos e suas per ifer ias,
aco mpanhando o t rajet o do fumo aos ar mazéns, fábr icas de charut os e às
residências onde o t rabalho de manipulação do fumo era rot ina.
É nest e cenár io que se desenro lou o quadro de mão de o bra em
domic ílio, seja benefic iando os diversos t ipos de fumo, seja fazendo charut os
por cont a própria para co mer cializar no mercado clandest ino. Assim, a
indúst r ia de charut os do Recôncavo não se rest ringia apenas às fábr icas,
ocupava t ambém diver sos espaços e invadia a ma ior ia das r esidências da
população de baixa renda, co mplet ando o quadro do complexo indust rial do
charut o. Em 1931, por época da Refor ma Tr ibut ár ia do Est ado, represent ant es
dest a indúst r ia, ao reivind icar dir eit os de export ação iguais aos dados a
out ros produto s, chegaram a afir mar que:
95 Segun do CAST RO, os "l a vr a dor es "d e fum o e r am "ger a l m en t e a na l fa bet os e p obr es".
CAST RO, 1941, p. 104.
96
O termo “destalação” refere-se ao trabalho realizado com o fumo específico da “trouxa de enrola”: era o
trabalho de tirar os talos do fumo, pois este iria se transformar em “torcida” – miolo de charutos. ASEVEDO,
1975, 1975, p. 10-12.
212
est e t rabalho deno minado “t rouxa de enrola”, por ser o fumo t ransport ado dos
ar mazéns para as residências em t rouxas de panos de aniagem ( jut a) na cabeça
de mulher es e cr ianças que, junt ament e com as charut eiras no seu t rajet o de
vai e vem, ia m for mando o cenár io ur bano e social da zo na fumageira. 97
Dispost os nos bares, nas mer cear ias, como t ambém nas janelas das
casas, o charut o era part e da paisagem de cada cidade, vila ou lugarejo. O s
charut os fe it os nas res idências das charut eiras eram conhecidos co mo
"charut os de ba laio " ou "charut os de regalia", pela qualidade infer ior dos
fumo s ut ilizados e pela fa lt a de apr imo rament o no seu acabament o, o que
co mpro met ia a qualidade do produto e e st abelecia difer enças em relação aos
charut os das fábr icas.
Mesmo assim, a produção em do micílio de charut os era vo lumo sa e
co mercia lizada nas própr ias residências, já co nt ando co m co mpradores fixos e
via jant es que, sem pagar impost os ou outras despesas fi scais, mo viment ava m
grandes so mas, co mercializando esses charut os no sul do est ado e do país. A
produção de charut os em do mic ílio chegou a represent ar 5% da produção
nacio nal. (CÉSAR, 2000, p. 06). Regist rando -se, t ambé m, casos em que a
produção em do mic ílio pert encia a uma fábr ica, que sem nenhu m
co mpro misso t rabalhist a, for necia o fumo para a charut eira, pagando - lhe
apenas pe la mão de obra da confecção dos charut os, o que caract er izava o
sist ema de subcont rat ação que, confor me Braver man (1987), “o capit al ist a
dist r ibuía os mat er iais na base da empreit ada aos t raba lhadores, para
manufat ura em suas casas, por meio de subco nt rat adores e agent es e m
co missão”. ( BRAVERMAN, 1987, p. 63). Ret ornando para as fábr icas, est a
produção somava- se à produção das marcas p opulares t ambém ali
confeccio nadas.
A produção de charut os em do micílio não fo i unifor me, se desencadeou
t ambém na modalidade de “fabr icos”. A modalidade convencio nal acont ecia
na residência o nde t rabalhavam as mulheres pert encent es à mesma família.
Porém, o “fabr ico”, apesar de ser inst alado numa residência, onde as mu lheres
da mesma fa mília t ambém t raba lhavam, reuniam - se ali out ras mulheres, co m
97
Descrição sobre o cenário das trouxas de fumos retiradas dos armazéns (Benedita Rodrigues da Silva, 85 anos,
2008).
213
ou sem vínculo de parent esco, ligadas apenas pelo int eresse no t rabalho de
confeccio nar charut os. Est as mulhere s eram organizadas sob o comando de
uma out ra mulher, 98 geralment e a do na da casa, responsável pelo invest iment o
e pela produção, não havendo laços empr egat ícios ou qualquer poss ibilidade
de cumpr iment o com a legis lação t rabalhist a da época. Confor me Sr.
Sebast ião:
Fa br i co er a um a ca sa de fa z er ch a r ut os, m a s n ã o er a fá br i ca , er a um
fa br i co c om o o d e Ia i á de Ma n i nh o, uma ca sa a on de 12 ou 1 5
pess oa s i a m con for m e qui ses se, m a s nã o er a fá br i ca . 99
A produção de charut os em do mic ílio, seja em cada unidade fa miliar,
seja na modalidade de fabr ico, apesar de não possuir a est rut ura de mont age m
nem a organização da fábr ica propr iament e dit a, era responsável por uma
quant idade de charut os que at endia em lar ga escala ao co mércio infor ma l e às
enco mendas das fábr icas, aque las que se int eressavam por est a produção,
ocupando mulher es e mo cinhas que for mavam uma rede de mão de obr a
marginal.
Ao se sent irem ameaçadas co m a concorrência do co mércio
“clandest ino”, a Suerdieck e a C. P iment el foram algumas das empr esas que
passara m a adquir ir os charut os "de ba laio" diret ament e da fo nt e, cort ando a
ação cont rabandist a na região. (IBGE, 1958, Vol. XX, pp. 95 -105; CÉS AR,
2000). Est as empresas não selar am nenhum co mpro misso de cunho legal co m
as charut eiras em do micílio – seja m aquela s que fazia m em suas própr ias
casas ou as donas de fabr icos – ou co m os repassadores dos charut os quando o
negócio era realizado at ravés dest es.
Ao cont rár io, est as empresas repassavam para as t rabalhadoras os
cust os e os riscos da produção, ainda adquir i am os charut os a preços baixo s,
inc lusive, er am as própr ias empr esas que det er minavam os preços, alé m do
baixo cust o operacional da produção, uma vez que a mão de obra er a realizada
no própr io do micílio e avaliada por produção 100 e sem vínculos empr egat ícios
co m as empresas. A aproximação das empresas co m os espaços do miciliares
98
Uma espécie de subcontratadora, semelhante à situação descrita por BRAVERMAN, 1987, p. 63.
99
SANTOS, Sebastião, 105 anos, ao ser entrevistado pôs-se a rememorar sua trajetória de vida destacando
aspectos ligados ao trabalho e as relações sociais que tecia ao circular na região; fala de sua esposa, D. Rosa,
charuteira de fábricas, bem como, a domicílio e de sua experiência enquanto trabalhador da fábrica Costa &
Penna.
100
Não havia qualquer instrumento de fiscalização e controle da produção estipulada pelas empresas às
trabalhadoras, pois, em não sendo registradas legalmente nas empresas, também, não eram nos sindicatos ou em
nenhuma outra associação de classe ou mesmo por parte do Estado não havia qualquer controle.
214
101
A tarefa era o volume do trabalho exigido pelos estabelecimentos industriais dentro de um prazo determinado.
Quando se tratava do beneficiamento do fumo, como no caso da trouxa de enrola, a tarefa era estipulada entre 15
a 30 kg por pessoa num período de 24h, no caso da confecção de charutos, a tarefa variava entre 100 a 300/dia,
conforme os tipos/marcas de charutos e as fábricas.
215
capit al do Est ado ; compradores avu lsos de charut os, deno minados pelo s
fabr icant es e jor nalist as de “at ravessadores”, que ven diam seus produt os no
mer cado infor mal, geralment e, no Mercado Modelo e Porto de Salvador ; e,
por últ imo, passou a vender par a a Fábr ica de Charut os C. P iment el, co mo
mencio nado acima. Os pedidos de charut os dest a fábr ica cr esceram t ant o que,
no dia 02 dezembro de 1967, D. Joana já co m 52 anos de idade, passou a ser
func io nár ia da fábr ica, t endo em sua Cart eira Pro fiss io nal o regist ro de
"charut eira em do mic ílio" at é julho de 1968. Confor me Figura abaixo.
Apesar de D. Joana S ilva ser subordinada à fábr ica a que se encont rava
regist rada, mas em seu fabr ico figurava co mo chefa, est abelecendo uma
relação de poder co m as mulheres que “empregava” , além de ocupar u ma
posição econô mica mais elevada que, pr opriament e, alguns ho mens da Vila.
Na produção em do micílio, no caso dos fabr icos, D. Joana era uma das
represent a nt es da t eia do poder que se mo via nas relações socioeco nô micas do
cont ext o fumageiro do Recôncavo.
Assim, o t rabalho em do micílio for mava uma rede marginal de produção
de charut os que mant inha o co mércio informal, est e que represent ava o grave
problema da co ncorrência para as fábr icas, desfalque aos co fres públicos e a
espo liação das charut eiras, po is a prát ica de fazer charut os e co mercia lizar de
for ma “clandest ina” era de amplo alcance e co mum na região.
217
era predo minant ement e for mada por mu lheres, respo nsável por uma razoável
produção de charut os, do t ipo popular, para at ender a demanda d o co mér cio
infor mal e, em alguns casos, t ambé m, pedidos das fábr icas que negociavam
co m est e produto.
O fabr ico de I aiá de Maninho fo i o mais cit ado ent re as charut eiras
ent revist adas, por t er sido o que funcio no u por mais t empo e pe lo número de
charut eiras que abarcou, chegando há 30 mulher es, denot ando um grau de
import ância mais elevado que os out ros, para as charut eiras da Vila. D. Iaiá
(Mar ia das Neves Fonseca P assos) era esposa do coronel da Guarda Nacio na l
na região, Jerô nimo Damasceno Passos (S. Maninho), e ir mã do coronel João
Alt ino da Fonseca, grande co merciant e e export ador de fumos na Vila de
Cabeças.
Diant e das influênc ias po lít icas e facilidades na aquisição e preços da
mat ér ia-pr ima, o fabr ico de D. Iaiá ocupava u ma posição pr ivilegiada e m
relação aos demais, po is, além da produção int er na, for necia mat ér ia -pr ima às
mulheres que quisessem fazer os charutos em suas casas e , em seguida,
co mprava- lhes, diret ament e a produção.
Não rest am dúvidas que D. Iaiá , co mo propriet ár ia de fabr ico e,
port ant o, pot encial “empregadora”, exercia grande poder diant e das mulheres
que lhes prest avam ser viço e, por consequência, influ ência na co munidade.
Cont udo, como evidencia a fot o abaixo, D. Iaiá demo nst ra t er sido uma pessoa
simple s e, apesar de ser esposa do coronel da Guarda Nacio nal, não recebera
qualquer invest idura que lhe desse status diferenciado, muit o menos co mo
mulher e/ou esposa, pois, no tocant e a relação social de gênero ela est ava
para seu esposo da mesma maneira que a t rabalhadora do fabr ico est ava para o
seu mar ido ou amásio.
102
Sobre a proibição da Igreja Católica ao uso do fumo ver: LE REVEREND, Julio. Historia Economica
de Cuba. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1985, pp. 42 -44.
220
Cooperat iva funcio nava em convênio com a Leit alves Agro Comercial e
Indust r ial de Fumos S/ A, sucessora da fábr ica de cigarr ilhas Leit e & Alves,
depo is em convênio co m C. P iment el, se ndo um empreendiment o que
significou, de fat o, uma alt er nat iva legal de fabr icação de charut os e de
emprego para as charut eiras daquela lo calidade. (MEMORI AL DA T ALVIS,
1972-1974; ME MORI AL DAS IRMÃS DA S. CRUZ, 1974).
Na fot ografia acima, est ão três mulheres sent adas em suas bancas de
t rabalho co nfeccio nando charut os. A imagem das ir mãs Eunice e Neuza
Cardoso e sua pr ima Nilzet e Rodr igues, t ambém, despert a a cur io sidade em
especular a int e nção da esco lha dest as t rabalhadoras e não de out ras para
pousar para a fot ografia. Segundo D. Benedit a, charut eira da Cooperat iva,
além dest as out ras charut eir as eram , dent re muit as, suas cont emporâneas
221
nest e t rabalho: Nicinha de Bast ião, Dio Viúva, Florz inha, Berenice ( Bereu),
Bela, T ide, filha de Manoel Gonçalves e Maur ina Araújo , t odas “mães de
família” e co m idades maior es que as t rês da foto, permit indo, pois, arr iscar a
afir mação de que a esco lha se deveu a serem est as charut eiras as ma is jo vens
e ainda so lt eiras, port ant o, com melhor aparência.
Cons iderando que o est ado civil t inha gr ande influência nest e aspect o,
porque geralment e as mulheres so lt eir as t rabalhavam para ajudar a família,
co mprar o enxoval do casa ment o e produt os de uso pessoal. As m u lheres
casadas, ao cont rár io, na ma ior ia absolut a t rabalhavam para sust ent ar a
família e, por isso, rest ava - lhe mu it o pouco para o cuidado com a aparência
fís ica. Cont udo, out ras sit uações poder iam t er influenciado est a esco lha, o
que não se admit e é que a esco lha das pessoas par a o regist ro ico nográfico ou
a esco lha do ângulo dest a fot ografia t enha sido um at o ingênuo e
despret ensio so por part e de quem a fez.
A Vila de Cabeças for mava um grande cenár io fabr il de charut os onde
as pessoas e os lugar es est ava m impregnados dos element os caract er íst icos
daquela at ividade, desde o cheiro at ivo do fumo que se espalhava ao vent o por
toda a Vila, à pr esença do fumo em "t rouxas", em "manocas", espalmados e
picot ados nas casas e espaços de co mercialização, e, os próp r ios charut os que
enfeit avam as janelas das casas, at é no chão das ruas e nos lixeiros podiam
encont rar rest os de fumo e pont as de char utos que eram varr idos port as a fora,
sendo rara a sua ausência.
Os ar mazéns de fumo e as fábr icas de charutos da região represent ara m
a oport unidade de emprego e a garant ia de um salár io para as mulheres
fumageiras. O t rabalho em do mic ílio do beneficia ment o dos fumo s e da
fabr icação de charut os, mesmo bur lando a lei e explorando em grau maior as
mulheres, t ambém, represent aram alt er nat ivas de t rabalho para aquelas que
não t iveram acesso às fábr icas legalment e regist radas e que faziam part e do
expurgo econô mico e social na região.
O fim do t rabalho em do mic ílio na região fumageira, na modalidade de
“t rouxa de enro la” e da co nfecção de char utos se inscreve no mes mo co nt ext o
da cr ise da indúst r ia t abaqueir a regio nal, acent uando -se, gradat ivament e, na
segunda met ade do século XX, quando co meçou um processo sucess ivo de
fechament o dos est abe leciment os e de decadência econô mica na região,
222
O t r a ba l h o a dom i cí l i o é or ga ni ca m en t e r el a ci ona do c om a fa m í l i a e
c om a s r el a ç õe s s oci a i s n el a c on t i da s, r el a ções de cl a sse, d e sex o,
de ger a ç õe s [. . . ] O t ra ba l h o a dom i cí l i o s e m pr e se a poi ou n o
t ra ba l h o dom é st i c o e n a di vi sã o s exua l d o t r a ba l h o t an t o n a esfer a
da pr oduçã o c om o n a da r epr oduçã o. ( ABREU E SORJ, 1993, p.22).
103
O montante das Fichas de Registros de Empregados das Fábricas Suerdieck e Pimentel, depositadas no
Centro de Documentação da Faculdade Maria Milza – FAMAM, em Cruz das Almas, e a documentação da
Dannemann no Arquivo Público de São Félix, permitem visualizar os momentos ascendentes e descendentes na
trajetória da indústria fumageira.
223
que, para o último caso, já havia um acordo verbal selado entre elas e os
comerciantes do produto.
Em lugar da autonomia, quanto ao ritmo e ao uso do tempo, permite -se
entender que o que ocorria era uma certa flexibilidade qu anto à organização
cotidiana do tempo pelas trabalhadoras em domicílio, isto porque as mulheres não
estavam sob o controle direto da sirene e das estruturas hierárquicas da fábrica.
Todavia, o controle estava presente em um outro formato e, ao final, o tra balho das
tabaqueiras se estendia além do tempo determinado comum ao espaço fabril.
Hist oricament e, a t rajet ória da jor nada de t rabalho feminina, seja na
fábr ica ou no domicílio, t em se configurado difer ent ement e da jornada de
t rabalho masculina. E st a últ i ma era bem definida quant o ao espaço, t empo e a
própria at ividade. Quando os ho mens t rabalhadores deslocavam - se at é o
espaço de t rabalho, efet ivament e ocorr ia um cort e e/ou um dist anc iament o
ent re a casa e o t rabalho, a pr ime ira não est ava present e no segu ndo, ne m
vice- ver sa; o t empo no/do t rabalho só começava a cont ar no mo ment o em que
os ho mens co meçavam a produzir concret ament e, numa escala r ígida do uso
do t empo, at é porque o t empo da fábr ica é considerado um capit al, era o
t empo do relógio cont rolado p elo apit o; as t arefas a serem execut adas era m
bem definidas para cada t rabalhador.
O espaço domést ico não represent ava par a os ho mens uma cont inuidade
do espaço fabr il, nem mesmo um out ro espaço de t rabalho, apenas o de seus
aposent os. Ao cont rár io das mu lher es, os ho mens vivenciavam “a po lar ização
ent re t empo de trabalho e de não -t rabalho”. (MATOS, 1993, p.69). Se não
bast asse o t empo, o salár io dos ho mens trabalhadores dest a mesma indúst r ia
era, na ma ior ia das vezes, ma ior que o salár io das mulher es. P ara as mulheres
fumageiras em do mic ílio, a sit uação de infer ior ização era ainda ma ior, po is,
impunha- se sobre elas alé m do est igma do salár io menor e m relação aos
ho mens, o est igma do salár io menor em r elação às fumageiras que se
encont ravam inser idas no mer cado de trabalho for mal. 104
O salário menor para as mulheres fumageiras, trabalhadoras no domicílio,
naquele contexto, não obedece apenas a uma única lógica explicativa, mas a
104
Neste caso, o salário significa todo e qualquer ganho financeiro que as mulheres tinham com a realização do
seu trabalho, independente de ser pago pela fábrica, por uma tarefa realizada no domicílio, ou o recebimento do
valor da venda dos charutos produzidos e vendidos “por conta própria”.
226
105
Bendita R. da Silva - descrição do domicílio das fumageiras que realizavam o trabalho de escolha do fumo em
suas casas .
228
106
Vê PINTO, 1998; Jornal O Correio de São Félix; Atas da ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DA BAHIA; dentre
outros.
230
família, não se t em regist ro que t ambém fosse uma at ividade desempe nhada
por homens.
Dest a for ma, a co mpreensão do t rabalho em do micílio, realizado pelas
mulheres fumageir as da região do Recô ncavo Baiano, deve passar,
pr ior it ar iament e, pelo ent endiment o das relações de gênero t ecidas
hist or icament e no cot idiano de mulher e s e ho mens. Percebe- se que o gênero
dessas t rabalhadoras definiu as caract er íst icas do t rabalho em do micílio ,
enquant o isso, as fumageir as r ecorreram a o trabalho em do mic ílio co mo uma
est rat égia de sobrevivência, uma vez que se t rat ava de mulheres pobres d os
meios ur banos. Dest a for ma, faz-se necessár io co mpreender os processos
sociais e eco nô micos que agiram simult aneament e, int erca mbiando -se,
durant e o processo de const rução, t ant o discur siva co mo ideo lógica, d as
exper iências e da hist ór ia d as t rabalhador as fumageir as do Recôncavo Baiano ,
no cont ext o da sociedade cont emporânea.
231
CONSIDERAÇÕES FINAIS
T e m po Re i !
Oh T e m po Re i !
Oh T e m po Re i !
T ransform ai
As v e l has form as do v i ve r.
Gi l ber t o Gi l
Para fina lizar, por ora, est a reflexão, faz - se necessár io ret omar o iníc io
e repensar o fio condut or que per meou est a invest igação que, de modo geral,
fo i pensar as r elações sociais t ecidas pela s mulheres fumageiras no âmbit o do
232
t rabalho fabr il no Recô ncavo Baiano, quest ionando os lugares ocupados pela s
t rabalhadoras fumageiras no co njunt o d essas relações sociais, pr inc ipalment e,
no que se refer e aos ho mens/t rabalhadores e a est rut ura socioeconô mica que
lhes o fer eciam t ant o a indúst r ia co mo o cont ext o regional. Pensar co mo e
quant o as difer enças ent re os sexo/gênero foram negadas, ao mesmo t e mpo e m
que foram exploradas no/pelo t rabalho, com prejuízos para as mulheres.
Part indo do espaço social e eco nô mico que se for mou e refor mou ant es
e durant e a implant ação do “pó lo indust rial” fumageiro – o Recôncavo –,
visualizou- se o cont ext o socioeco nô mico e cult ural a que pert enciam as
fumageiras e onde at uaram co mo t rabalhadoras no per íodo supracit ado. Ent ão,
fazendo os recort es a part ir das at ividades econô micas ali desenvo lvidas fo i
possível det er minar ou definir, mesmo que provisor iament e, o Recôncav o
fumageiro, est e que além de se tornar, durant e a pr ime ira met ade do século
XX at ravés do capit al est rangeiro, o maior produtor de fumo s na Bahia, o
pr incipal cent ro de export ação desse produto, bem co mo, das manufat uras de
beneficia ment o de fumos e fabr icação de seus der ivados, t ornou -se o cenár io
de t rabalho das mu lheres pobres, est as que ora lembram - no co mo um espaço
de co nquist as e de vit ór ias, ora co mo um lugar de so fr iment o e humilhação,
porquant o ali se fundia m a oport unidade de t rabalho par a supr ir suas
necess idades mat er iais e a opressão/exploração, est as que agiam de for ma
int egrada e emblemát ica na vida das t rabalhadoras fumageiras.
Ao buscar conhecer alguns aspect os que cont r ibuíram para a for mação
so ciocult ural da população do Recôncavo, fo i p ossível delinear as pr inc ipais
caract er íst icas que cir cunscrevem o grupo de mulheres fumageiras,
co mpreendendo co mo um dado relat ivo, pois se t rat a de um result ado que não
fo i e não é est át ico, mas dinâmico a par t ir de um processo de reelaboração
cont ínua que ocorre no t ráfego das relações sociais.
Assim, para o per íodo em dest aque, a população da região apresent ava -
se densament e miscigenada result ando num t ipo ét nico deno minado por
Azevedo (1968) de "mulat o escuro" e, pelo Censo (1950), de pardo, revela ndo
caract er íst icas de uma população não branca, nem exclusiva ment e de cor
pret a. Quant o ao est ado civil, predo minavam ent re as fumageiras as uniõ es
livres na for ma do concubinat o, àquelas que C. P int o (1998) deno minou de
“uniões conjugais ext ralegais, de puro amasiado”, que se inst it ucio nalizaram
233
107
Per son a gem da Novel a e scr i t a pel o fi l ós ofo V ol t a ir e em 1747. CHALHOUB, Sidney. Visões
da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
235
necessár ias para o trat ament o dos fumo s e confecção dos charut os e
cigarr ilhas.
No âmbit o da indúst r ia fumageira, o t rabalho em do mic ílio consist iu em
duas modalidades, aquela que ocorr ia na residência o nde t rabalhavam as
mulheres pert encent es à mesma família , e na modalidade de “fabr icos”, uma
casa onde se reunia m, t ambém, out ras mulheres, co m ou se m vínculo de
parent esco, ligadas apenas pelo int eresse no t rabalho de confeccio nar
charut os. Assim, fora do r it mo sist emát ico da fábr ica, sem a prot eção de uma
legislação t ant o no tocant e aos direit os t rabalhist as quant o à regulação de
preços dos produtos no mercado clandest ino, const it uír am -se num t rabalho
invis íve l.
Por out ro lado, obser vou -se, t ambém, o carát er de co mplement ar id ade
subordinada, impost a t ant o pela divis ão dos espaços – indust r iais e
domést icos –, quant o pela divisão de t arefas embut ida num sist ema de valor
hier árquico que se caract er iza co mo infer ior por ser realizada por mulher es no
espaço domést ico, acent uando a s desigualdades de dire it os e as cont radições
das relações de gênero, confir mando a vis ão de Sohiet (2001).
Assim, o t rabalho em do mic ílio, apesar de não possuir a est rut ura de
mo nt agem nem a organização da fábr ica propriament e dit a, era respo nsável
por uma produção de fumo s e der ivados que at endia em larga escala ao
co mércio infor mal, bem co mo, as enco mendas das fábr icas for mando uma rede
de mão de obra margina l.
Out ro aspect o obser vado é que não se pode cons iderar que essas
mulheres acumulavam uma dupla jor nada de t rabalho, t endo co mo referência o
parâmet ro da jornada masculina de t rabalho, cujo t empo era dividido e
delimit ado co m base em uma produção diár ia, de uma única at ividade
laborat iva. Para as mulheres fumageiras que t rabalhavam no próprio do mic íl io
não se t rat ava de duas jor nadas de t rabalho, mas de uma única e lo nga
jor nada, marcada pela mult iplic idade de at ividades diár ias, cujo t empo de
duração ancorava-se ent re o acordar e o dormir, sem que fo sse per mit ido a
essas mulheres um t empo próprio, li vre das amarras das obr igações co m o
t rabalho.
Dest a for ma, a co mpreensão do t rabalho em do micílio, realizado pelas
mulheres fumageir as da região do Recôncavo Baiano , passa, pr ior it ar iament e,
238
pelo ent endiment o das relações de gênero t ecidas hist or icament e no cot idiano
de mulheres e ho mens. P ercebe -se que o gênero dessas t rabalhadoras definiu
as caract er íst icas do t rabalho em do micílio, enquant o isso, as fumageiras
recorreram ao t rabalho em do micílio co mo uma est rat égia de so brevivência,
uma vez que se t rat ava de mulher es pobr es dos meios ur banos.
Mesmo co nsiderando que o t rabalho em do micílio est á associado ao
desenvo lviment o capit alist a e m cert os set ores da indúst r ia, é de se reconhecer
que t ambém t em est reit as ligações co m a hist ória, co m as t radições e c o m as
relações sociais car act er íst icas da região. Pois, apesar da opressão e da
exploração so fr idas pelas mu lheres fuma geir as no campo do t raba lho, elas,
t ambém, souberam se ut ilizar das br echas que a própr ia organização
econô mica e social lhes ofereceu na quele mo ment o, para alavancar suas vidas
da precar iedade co ncret a e da invis ibilidade social em que vivia m.
Mas, o fat o de as mulheres pobres do Recôncavo t erem enco nt rado na
indúst r ia fumageir a a oport unidade de t rabalhar e, conseq uent ement e,
melhorar eco nô mico e socialment e suas vidas, habilit a r econhecer que houve
um processo de empoderament o dessas mulher es? Co mpreende -se que depende
do sent ido que se possa d ar ao t er mo “empoderament o” e em que área da vida
das mulher es ele possa, de fat o, acont ecer e g erar algum t ipo de
t ransfor mação.
At ravés dos est udos realizados por Magdalena Léo n, o t ermo
empoderament o significa “dar poder y conceder a algu ien el ejercic io de l
poder”. (LÉON, 2000, p. 192). Ainda, segundo Léon, o uso dos t er mos
“empoderamient o e emp oderar” sina lizam ação e implica que o sujeit o se
convert e em agent e at ivo co mo result ado de ação que var ia de acordo com
cada sit uação concret a. Cont udo, a autora chama a at enção para o uso
generalizado do conceit o incorrendo em ambiva lências, cont radiçõe s e
paradoxos. E apo nt a que vár ias discip linas ap licam o t er mo em seus t rabalho s
e at ividades, nas ma is diversas acepções e mesmo os est udos de mulheres , e
de gênero t em ut ilizado o conceit o co mo um dos eixos do seu discur so sem
chegar a um consenso, pois há um vast o uso do conceit o indicando int egração,
part icipação, aut onomia, ident idade, desenvo lviment o, dent re out ros, mas nem
sempre se refere a sua or igem “emancipadora”. (LÉON, 2000, p. 194).
239
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FONTES
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MELO, Laurentina Neves (D. Nenen). 80 anos de idade, charuteira aposentada pela C. Pimentel de Muritiba,
5.
residente à Rua César Martins Gov. Mangabeira, 1996.
NERIS, Celina de Jesus. 68 anos de idade, charuteira aposentada pela C. Pimentel de Muritiba, residente à Rua
6.
Domingos Pereira, Governador Mangabeira, 1996.
PEREIRA, Maria Alves. 86 anos de idade, charuteira da Suerdieck e da Dannemann, residente em Salvador,
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2001.
RAM OS, T er ez a Ol i vei r a . 78 an os de i da de, t r aba l h a dor a de arm a z ém de fum o em Cr uz
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da s Al m a s. Resi d en t e à Rua Lui z Var ga s Lea l n º 97 – Cr uz da s Al ma s. 2007.
SANTOS, Dalva Damiana. 73 anos de idade, charuteira da Suerdieck e da Dannemann, residente à Rua dos
10.
Remédios, Cachoeira, 2000.
12. SANTOS, Sebastião Pereira. 95 anos de idade, marido de charuteira e trabalhador da Costa & Penna, residente
250
SILVA, Benedita Rodrigues da. 86 anos de idade, charuteira aposentada pela Cia. de Charutos Dannemann em
13.
Cruz das Almas, residente à Rua Laurenço Moreira, Gov. Mangabeira, 1996/1999/2000/2009.
SCHINKE, Rose. 57 anos de idade, filha do Sr. Johann Schinke, técnico da Suerdieck e gerente da
14.
Dannemann. Cachoeira: 2000.
II - FONTES IMPRESSAS
ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO FÉLIX
1. CAIXA ÚNICA DE DOCUMENTOS DA CIA DE CHARUTOS DANNEMANN - ANO 1920 - 1952
N.º Maço Documento Ano
01 1923 Carta de Comunicação Interna e outros 1923
*
02 1924 Carta de Comunicação Interna e outros 1924
*
03 1925 Carta de Comunicação Interna 1925
*
04 1949 Relatório Contábil e outros 1949
*
05 1950 Relatório de Operações Diárias 1950
*
06 1951 Relatório de Operações Diárias 1951
*
07 1952 Relatório de Operações Diárias 1952
2. SECÇÃO: JORNAIS
Maço
N.º Jornal n.º Publicação
p/ano
*
09/08/1942 Correio de São Félix (DANTAS, Pedro J. A família.). 67
*
04 1944 Correio de São Félix 0005 - 0051
*
32 1944 Correio de São Félix 0025
*
05 1945 Correio de São Félix 0525 - 0551
*
26/04/1952 Correio de São Félix 876
*
127 1955 Correio de São Félix 1024
*
29 2000 Correio da Bahia 06/08
***
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA
SECRETARIA DA AGRICULTURA INDÚSTRIA E COMÉRCIO
04 87 2378 149 Doc. 557-Fotografias (C. Fumageira) S/D
***
ARQUIVO MUNICIPAL DE CACHOEIRA
SECRETARIA DE GOVERNO MUNICIPAL: CORRESPONDÊNCIAS
ARQUIVO PARTICULAR
EFRAIM FONSECA NUNES. 76 anos de idade, memorialista, residente à Rua José Martins, 183, Gov. Mangabeira,
2001.
FOLHETIM DOS 125 ANOS DA DANNEMANN, 1998.
IRMÃS DA SANTA CRUZ. Fotografias de fumageiras. Governador Mangabeira - BA
LA URE NT INA NE VE S ME LO. Car te i r a Pr ofi ss i onal . n º 36341, Ser i e n º 5, 08/ 05/ 1946.
***
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA DA FAMAM (Cruz d as Almas)
Documentos da Empresa Suerdieck S. A.
Fichas de Registro de Empregado da Suerdieck. (1906 a 19 98).
Fichas de Registro de Empregado da Empresa C. Pimentel S.A. (1930 a 1988).
***
ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DA BAHIA
RELATÓRIOS DA JUNTA DIRECTORA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DA BAHIA - ACB
Re l atór i os d e 1932
***
SUERDIECK - MARAGOJIPE
Fichas de Registro de Empregado da Suerdieck. (1906 a 1998).
***
IMPRESSOS
SUERDIECK S/A CHARUTOS E CIGARRILHAS, 1905-1955. Salvador: Tipografia Manú Editora
Ltda. 1955. (Biblioteca do Mestrado em História – UFBA, n.º 4704)
SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: LTR Editora, 1972.
***
SINDICATO
SINDICAT O DOS T RA BAL HADO RE S NA IND ÚST RIA DO F UMO DA CI DADE DE C RUZ
252