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Como é estudar num colégio

interno
(Reportagem publicada na Revista Única / Expresso,
edição de 24 de Outubro 2009)

28.10.2009 às 9h34m

Colégio Nossa Senhora da Bonança Internato dos Carvalhos


(CIC)No caso de Teresinha e Isabel viviam ambas em Vila Real,
onde frequentavam o Colégio Moderno de S. José, pertencente à
congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da
Imaculada Conceição (a mesma do CNSB), mas sem regime de
internato. Quando Isabel teve de deixar o ensino privado para
ingressar numa escola pública, na Trofa, as coisas não correram
bem. "Nunca se adaptou. Dizia que os colegas não eram amigos,
não sabiam comportar-se dentro da sala de aula, faltavam ao
respeito aos professores e que não conseguia concentrar-se. Só
me pedia para voltar a um privado", explica a mãe, Leopoldina
Lousada, de 46 anos.
FAMÍLIAS SEM TEMPO
Isabel teve de insistir e esperar que Teresinha finalizasse o 7º
ano até que os pais aceitassem a ida de ambas para Gaia, uma
vez que em Vila Real não havia nenhuma outra opção como a
queriam para prosseguir os estudos. "Custou-nos mais a nós do
que a elas. Ainda hoje o pai chora quando as vai pôr ao colégio,
no domingo à noite. O primeiro ano foi horrível. Estávamos
sempre à espera que o telefone tocasse com uma delas a pedir
para voltar... mas não. Elas adaptaram-se bem", confirma
orgulhosa a mãe.

A cedência ao pedido da filha mais velha deveu-se em primeiro


lugar ao facto de terem condições económicas para o fazer, mas
também ao "hábito de satisfazer todos os seu pedidos" e à
vontade de lhes proporcionar uma "boa educação e formação".
Por outro lado, tanto Leopoldina como o marido têm profissões
que não permitem uma vida em família com horários normais.
"Sou enfermeira. Trabalho por turnos. O meu marido é
empresário, sai de manhã e chega à noite. Os nossos horários
não se adaptam aos do ensino público. E depois era mais as
actividades, o inglês, as aulas de informática e de piano...".
Leopoldina ainda ponderou trocar de hospital, para poder
acompanhar as filhas e evitar o internato mas... "Quem faz uma
transferência sem perder o quadro definitivo? Eu não podia ir
para a situação de contratada ao fim destes anos todos. Depois,
o meu marido tem a família toda em Vila Real. Considero que
estão melhor assim, tanto a nível escolar como de formação
moral e de valores", conclui.

As irmãs frequentam há um ano o CNSB e garantem não


estarem arrependidas pela escolha, embora Teresinha
reconheça, com pena, que as travessuras das personagens de "O
Colégio das Quatro Torres" nunca puderam ser copiadas. "O
livro é ficção. Lá elas faziam partidas umas às outras e não eram
apanhadas. Aqui...", deixa no ar, mirando pelo canto do olho a
madre Elisa Cortês, responsável pelo colégio, que se mantém no
corredor numa tentativa de deixar as alunas mais à vontade.

Bruna, de 14 anos, ri-se da expressão da sua "mana branca",


como carinhosamente trata Teresinha. Natural de Moçambique,
veio para Gaia o ano passado "para melhorar notas e não
esquecer o português". Diz que já está habituada ao internato,
pois desde o 7º ano que andava num colégio, na África do Sul.

Será só por causa do ensino que os colégios internos parecem a


melhor opção para os pais? Bruna não esconde que os seus
"estão separados, andam sempre de um lado para o outro" e que
"começaram a ficar sem tempo por causa do trabalho". Com um
pai empresário e a mãe representante das Nações Unidas no
Botswana - "entretanto vai mudar para a Mongólia" -, garante
que não lhe custou adaptar-se, apesar de ter deixado para trás
sete irmãos. "É só meter na cabeça que agora é isto e pronto.
Aqui também é uma família", reforça, enquanto se encaminha
com as colegas para a sala de jogos.
FUGIR ÀS DISTRACÇÕES
Os saltos altos de Alexandra Chino, 16 anos e a mais velha do
grupo (está a concluir o 12º ano), fazem-se ouvir no corredor
frio com chão e paredes de azulejo. Quem a visse na rua, não
imaginaria que frequenta um colégio interno, até porque aqui o
uso de farda só é obrigatório até ao 9º ano. Morena, de olhos
sublinhados a preto, a condizer com o resto da roupa, é com à-
vontade que assume estar ali porque quer. "Estudava numa
pública em Alfândega da Fé, mas não estava a conseguir o que
queria". E o que queria? "Melhorar notas", diz, espantada com a
pergunta. "Por isso pedi para vir para cá o ano passado. A
relação com os professores é muito melhor. Dão-nos mais
atenção, temos mais acompanhamento, aulas extra. No público
não há essa preocupação. Aqui tenho objectivos bem definidos e
tento fugir às distracções".

Mas que distracções poderão ter as 16 internas que passam o


dia e a noite metidas no mesmo espaço, com pouca ou quase
nenhuma permissão para sair à rua - "só com autorização dos
pais é que podem ir a algum lado ou sair com alguém", confirma
Madre Elisa -, com horários de estudo rígidos e restrições no
uso do telemóvel, do computador, etc? Nos poucos tempos
livres que têm durante a semana elas vêem televisão, consultam
a Internet - mas não podem levar o portátil e o telemóvel para o
quarto -, ouvem música, jogam matraquilhos e snooker, entre
outras actividades permitidas na sala de jogos, na sala
multimédia ou na sala de estudo.

ROTINAS RÍGIDAS
Tudo isto passa dentro de uma rotina instalada. Acordam às 7h
e fazem uma oração conjunta com as 19 irmãs que também
vivem no colégio. O pequeno-almoço é servido às 7h45, e às
8h20 começam as aulas, que se prolongam até às 16h30, com
almoço pelo meio. Depois do lanche e a partir das 17h é tempo
de estudo numa sala de aula até às 19h45, hora do jantar.
Segue-se um período de convívio até às 21h, altura em que as
alunas são obrigadas a novo estudo até as 22h30. Às 23h
apagam-se as luzes. É assim quatro dias por semana. Pelo
menos para aquelas que vão a casa à sexta-feira e regressam
domingo à noite. Mas há quem só veja a família de 15 em 15 dias
ou nas férias. Para estas, há permissão para acordar mais tarde
durante o fim-de-semana e algumas têm autorização para "dar
uma voltinha até ao El Corte Inglés ou ir a uma papelaria se
precisarem", assegura a Madre Elisa. O resto do tempo é
passado a ver filmes, a jogar, a conversar, a navegar na Internet,
mas também a estudar.

A poucos quilómetros dali, a rotina dos 52 alunos internos do


Colégio Internato dos Carvalhos é praticamente a mesma. A
diferença maior é o facto de não terem nenhuma oração
agendada, apesar do carácter religioso do colégio (todos os
alunos, quer externos quer internos têm obrigatoriamente aulas
de religião e moral), e a hora de estudo depois do jantar ser feita
na secretária do quarto, individualmente e em silêncio, em vez
de na sala de estudo. Pelo menos uma vez por semana uma
dessas horas é substituída pela actividade extracurricular como
ténis, musculação, taekwondo, râguebi, ginástica artística,
andebol, piano, bateria, viola baixo, entre outras, que
escolheram.

A maioria dos internos também pertence à classe média,


média/alta e são filhos de pais que procuram uma melhor
educação e formação para os seus filhos. Alguns já mesmo em
desespero, com receio de desvios de comportamento. Francisco
Faria, 16 anos, é um desses casos. Frequentava uma escola
pública, chumbou dois anos e os pais decidiram agir. "Vim para
o 7º ano. Agora estou no 9º. Foi tipo castigo para ver se
aprendia a portar-me melhor", explica, para confessar logo a
seguir: "Foi uma lição de vida. Percebi que não ia a lado
nenhum por refilar. Aqui há uma afectividade muito grande dos
professores com os alunos o que me causou boa impressão e
ajudou a perceber que isto não é uma prisão, nem um terror. Ao
contrário de uma escola pública onde as pessoas passam mais
tempo a agredir-se, aqui aprendi a conviver, a ajudar os colegas
e até a estudar". E sem se deter, sublinha: "Ao princípio

SAUDADES DE CASA
A saudade, curiosamente, é palavra que as raparigas do CNSB
evitam ou encaram de forma mais crua do que os rapazes. Estes
usam-na muitas mais vezes no seu discurso, nomeadamente os
mais novos que estão pela primeira vez no CIC. Como José
Almeida, de 11 anos, aluno do 5º ano, que acabou de chegar de
Estarreja. "As saudades foi o que custou mais. Estar aqui
sozinho... Ter de estudar muitas vezes", diz de olhos baixos.
"Ainda lhe custa", observa António Cunha, 54 anos, o prefeito
que também dorme todos os dias no colégio com os internos.
"Quantas vezes passo pelo corredor e ouço-os a chorar dentro
do quarto. Alguns até vêm ter comigo a meio da noite porque
não conseguem dormir. Coitados. Tenho pena deles...", resume.

Isidro Pinheiro, professor de moral e religião é responsável pelo


internato e acompanha diariamente os alunos até quase às 23h.
Reconhece que, "tanto pais como alunos sabem à partida que
vêm para uma escola diferente" e que isso em termos
psicológicos "ajuda para uma maior aceitação da disciplina e do
rigor". Insiste que a maior parte dos alunos "já vêm com valores
e educação, falta-lhes é regras, porque muitas vezes estão
sozinhos", ressalvando no entanto: "Podemos fazer um esforço
enorme, mas não há nada que substitua o afecto dos pais e da
família".

Quanto a castigos, ter mais horas suplementares de estudo e


ficar sem o telemóvel, são os mais comuns. E nos dias que
correm a restrição no uso do telemóvel é das regras mais
contestadas pelos alunos, sobretudo os do básico que só
recebem o telemóvel às 17h30, tendo de entregá-lo à hora do
último estudo. Já os do secundário têm autorização de ficar com
o telemóvel no bolso, mas ai dele que toque numa sala de aula.

NAMORAR SIM MAS SEM MOSTRAR


"A medida no telemóvel foi tomada há três anos, com o apoio
dos pais", sublinha o padre Joaquim Cavadas, director
pedagógico e administrador do CIC, orientado pela
Congregação dos Missionários Claretianos.

Para comportamentos mais graves o CIC recorre à suspensão. E


se definitivamente o aluno não se adaptar então os pais são
chamados para uma conversa onde, segundo Isidro Pinheiro,
"em consenso" chegam à conclusão de que o melhor é o aluno ir
para outro estabelecimento de ensino. "Não queremos cá
ninguém obrigado e os pais percebem. Também não estão para
gastar dinheiro em vão", justifica.

Tanto no CIC como no CNSB, há outras regras que não são do


agrado de muitos jovens, embora estes acabem por aceitá-las
(mesmo os que estudam lá em regime externo). Vejamos alguns
exemplos: fumar, calças rotas, decotes exagerados e calções de
praia estão proibidos no CNSB. No CIC, a juntar a estas regras,
é proibido o uso de brincos pelos rapazes do básico e os
namoros, sendo permitidos, não podem implicar
"manifestações públicas de sentimentos". Apesar de ter dado
uma volta de 180º graus no comportamento e estar "rendido ao
internato" Francisco Faria não consegue deixar de comentar:
"Aceito isto pelo colégio que é, mas não concordo porque os
sentimentos foram feitos para se exteriorizarem".

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