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Michel Foucault e a Modernidade: a Emergência do Estado Liberal e a

Instauração da Biopolítica
Fernando Danner1, Nythamar Fernandes de Oliveira2

Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Faculdade de Ciências Humanas, PUCRS.

Resumo

A constituição do Estado moderno, que é o Estado liberal, com a gênese e o


desenvolvimento das novas relações de produção capitalistas, leva à instauração da anátomo-
política disciplinar e da biopolítica normativa enquanto procedimentos institucionais de
modelagem do indivíduo e de gestão da coletividade; em suma, de formatação do indivíduo e
de administração da população. Nesse sentido, as sociedades modernas serão caracterizadas,
por Foucault, como sociedades essencialmente disciplinares e normativas, na medida em que
o desenvolvimento do indivíduo e da sociabilidade se dá a partir dos condicionamentos do
panóptico, entendido enquanto o modelo basilar a partir do qual se dá a gênese deste
indivíduo e desta população moderna.
A questão principal, segundo Foucault, está em que a instauração da biopolítica
moderna não pode ser dissociada da emergência do Estado liberal, que foi – e é – o grande
idealizador das novas relações de produção capitalistas que tiveram sua gênese e seu
desenvolvimento a partir da modernidade. Há, portanto, uma ligação intrínseca entre o Estado
liberal moderno, a gênese e o desenvolvimento das relações de produção capitalistas e a
instauração da biopolítica.

Introdução
O objetivo deste trabalho é demonstrar que o Estado moderno é um estado altamente
disciplinador e normativo, na medida em que tanto o desenvolvimento de cada indivíduo
como da sociedade são condicionados pelo dispositivo panóptico, que é o modelo basilar
dessa sociedade. Em Foucault, dizer que a sociedade moderna é altamente disciplinadora e
normativa significa que o indivíduo é capturado em uma rede de poder que o torna útil e dócil
aos interesses do sistema de produção capitalista. Foucault diagnostica que a anátomo-
política, agindo no corpo dos indivíduos, no homem-corpo, e a biopolítica, agindo no homem
1
Doutorando em Filosofia pela PUCRS (Bolsista).
2
Doutor em Filosofia (Orientador do Trabalho) e Professor do PPG de Filosofia da PUCRS.
enquanto ser vivo, no homem-espécie, forma, em última instância, dois mecanismos de poder
que serviram de suporte para o desenvolvimento e a manutenção da hegemonia capitalista.

Metodologia
A metodologia utilizada para a realização do trabalho (ainda em andamento) consiste
na leitura e no fichamento das obras de Michel Foucault e de uma bibliografia secundária
(comentadores) em relação ao tema investigado.

Resultados e Discussões
1. Em Foucault, o Estado moderno é entendido como um estado absolutamente
disciplinar e normalizador;
2. O panóptico, idealizado por Jeremy Bentham no século XIX, é um mecanismo de
poder que garante o funcionamento permanente e eficiente dessa tecnologia de
controle;
3. A anátomo-política e a biopolítica foram dois mecanismos de poder inventados pela
sociedade moderna para garantir o desenvolvimento e a manutenção das relações
capitalistas então em pleno desenvolvimento.

Conclusão
Portanto, a anátomo-política (disciplinas) e a biopolítica foram dois mecanismos de
poder colocados em funcionamento para garantir o controle da população e sua adequação ao
processo de produção capitalista então em pleno desenvolvimento.
Centrada no corpo dos indivíduos, as disciplinas realizam uma verdadeira política das
coerções, ou seja, um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos,
de seus gestos, de seus comportamentos, cujo principal objetivo é o adestramento completo
desse mesmo indivíduo, a ampliação de suas aptidões, a extorsão completa de suas forças, o
crescimento de sua docilidade e utilidade, etc. Os indivíduos são, assim, capturados em uma
maquinaria do poder que os esquadrinha, o desarticula e o recompõe.
As disciplinas são, portanto, “uma anatomia política do detalhe” (FOUCAULT, 1987,
p. 120); nada, em nós, escapa de sua ação; elas agem naquilo de mais íntimo e particular que
temos, isto é, sobre nossos corpos, buscando torná-los mais dóceis e submissos possível.

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”.


A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de
utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de
obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por
um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e
inverte por um lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz
dela uma relação de sujeição estrita (FOUCAULT, 1987, p. 119).

O panóptico, de Jeremy Bentham, caracteriza-se como a figura arquitetural dessa nova


tecnologia disciplinar. O panóptico, observa Foucault, é uma máquina de vigilância que
possibilita que alguns indivíduos consigam vigiar eficiente e permanentemente o
comportamento de muitos. Ele funciona como uma espécie de laboratório de poder, isto é,
uma maquinaria óptica graças à qual é possível fazer experiências e obter o controle e a
manipulação do comportamento dos indivíduos.
O panóptico é, em última instância, o princípio de uma nova “anatomia política” que
têm como finalidade não a instauração ou a manutenção de relações de soberania, mas as
relações de disciplina. É por isso que não se pode confundir a disciplina com uma instituição
ou com um aparelho; ela é um tipo de poder, uma modalidade para o seu exercício, que
comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de
aplicação, de alvos; ela é, para Foucault, uma ‘física’ ou uma ‘anatomia’ do poder, uma
tecnologia.
Ao contrário da anátomo-política, a biopolítica, instaurada a partir da segunda metade
do século XVIII, centrou-se no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser
vivo e como suporte dos processos biológicos, a saber: o controle dos nascimentos e da
mortalidade, a saúde da população, a duração da vida, a longevidade, etc.
Com efeito, foi em torno desses processos (a proporção dos nascimentos e dos óbitos,
a taxa de reprodução, a fecundidade de uma população, etc.), juntamente com uma grande
quantidade de problemas econômicos e políticos que se constituíram, na segunda metade do
século XVIII, os primeiros objetos de saber e os primeiros alvos de controle da biopolítica.
Foi neste momento que se colocou em prática uma política da natalidade, uma espécie
de intervenção nesses fenômenos que dizem respeito à natalidade. Mas, nesta biopolítica, não
se trata apenas do fenômeno da natalidade; trata-se, também, do problema da morbidade.
Morbidade não simplesmente no sentido de epidemias, mas de algo diferente, que apareceu no
fim do século XVIII: aquilo que se poderia denominar de endemias, ou seja, a forma, a
natureza, a extensão, a duração, a intensidade das doenças reinantes numa população. Trata-
se, em última instância, de doenças mais difíceis de serem curadas, que devem ser encaradas
como fatores permanentes de subtração das forças e, portanto, de diminuição do tempo
disponível de trabalho, baixa de energias, aumento dos custos econômicos, tanto por causa da
produção não realizada tanto dos tratamentos que podem custar.
Com efeito, o século XVIII prestou uma grande atenção em relação a esses fenômenos
e, foi a partir deles, que se introduziu uma medicina no seio da população. Medicina esta que
vai ter como função maior o controle da higiene pública, com o apoio de organismos de
coordenação dos tratamentos médicos, de centralização de informações, de normalização de
saber, e que adquire, também, um aspecto de campanha de aprendizado da higiene e de
medicalização da população.
Foucault detecta que esse biopoder foi um elemento indispensável ao desenvolvimento
das relações de produção capitalista, que só foi possível graças à inserção controlada dos
corpos no aparelho de produção e o ajustamento dos fenômenos de população aos processos
econômicos. Mas não é só isso. O capitalismo exigiu ainda o crescimento, a utilizabilidade e
a docilidade dos corpos; foram necessários, também, métodos de poder capazes de aumentar
as forças, as aptidões, em geral, métodos capazes de controlar a vida, sem com isso torná-las
mais difíceis de sujeição.
Bem, a anátomo-política e a biopolítica, inventados no decorrer dos séculos XVII e
XVIII, respectivamente, como técnicas de poder presentes em toda a organização social
(família, exército, escola, medicina individual ou a administração das coletividades, etc.)
agiram no nível dos processos econômicos, em todo o seu desenrolar, em todas as forças que
estão em ação em tais processos e os sustentam. Mas operaram, também, um processo de
distanciamento e de hierarquização das camadas sociais, garantindo, assim, relações de
dominação e efeitos de hegemonia de uns sobre os outros. Com efeito, foi graças ao exercício
do biopoder, com suas formas e procedimentos múltiplos, que foi possível o ajustamento dos
homens à acumulação do capital e a articulação do crescimento dos grupos humanos à
expansão das forças produtivas e a repartição diferencial dos lucros.

Bibliografia
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