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Avaliação de políticas sociais e o funcionamento do Estado (na

teoria e na prática) 1

Eduardo Cesar Marques

Os estudos sobre avaliação de políticas públicas no Brasil já apresentam uma trajetória


relativamente longa e já no início dos anos 1970 trabalhos de profundidade com esse
recorte se faziam presentes. Apesar disso, esse campo temático apresenta baixa
densidade analítica, uma grande proliferação de monografias pontuais e pequena
sistematização.
Acredito que esse estado de coisas se deve a um conjunto de elementos que pode ser
classificado em torno de três elementos, me atendo em especial no que se refere às
políticas sociais.
Em primeiro lugar, há problemas da área de avaliação que são comuns ao campo das
políticas públicas no país em termos mais gerais. Esses elementos já foram destacados
por autores como Melo (1999), Arretche (2000a) e Souza (2003a), e estão associados à
baixa capacidade de generalização, à disseminação excessiva de estudos de caso
pontuais e ao baixo diálogo com as teorias existentes, para nos atermos aos problemas
mais gerais. A esses problemas se soma uma forte tendência à fragmentação disciplinar,
características das áreas temáticas que se situam entre campos e perspectivas. Mais
precisamente, como as políticas públicas cobrem setores específicos de ação do Estado –
emprego, habitação, saúde etc – o campo temático dos estudos sobre políticas públicas é
o lugar para o qual convergem estudos produzidos fora da tradição disciplinar das
ciências sociais, ou dialogando com ela apenas de forma tópica e pouco aprofundada e
partindo de tradições disciplinares e mesmo profissionais completamente distintas.
Um segundo conjunto de problemas decorre da grande proximidade entre a área de
avaliação e a dinâmica política (politics). Decorrem desse problema pelo menos duas
dimensões negativas. Em primeiro lugar, os estudos de avaliação tendem a gerar
consequências políticas, o que por vezes inibe a produção de certos estudos, ou mesmo
a divulgação de determinados resultados, pelas conseqüências políticas que tais
resultados podem causar para grupos e projetos políticos. Graças a isso, a área tende a

1 Apresentação na Mesa Redonda “Avaliação das políticas sociais no governo e na academia: usos, métodos e
institucionalização” realizada no XXVIII Encontro da Anpocs em Caxambu em 2004.

1
sofrer pressões a partir do Estado, o que inibe a sua institucionalização o interior de
órgãos públicos ligados diretamente às políticas avaliadas ou envolvidos com
planejamento. Além disso, os estudos de avaliação interagem de formas diversas com as
organizações estatais e deles dependem de maneira mais ou menos intensa, seja no que
diz respeito ao financiamento, seja no que se refere à simples obtenção de informações e
dados sobre as políticas. Dadas as condições institucionais que cercam as políticas no
caso brasileiro – marcadas por ambientes pouco técnicos e frágeis em termos de
capacidades operacionais e de gestão – os estudos de políticas públicas em geral, e de
avaliação em particular, tendem a enfrentar muitos obstáculos.
Por fim, mas não de menor importância, é relevante destacar o baixo conhecimento
acadêmico e fraco acúmulo de nossa literatura sobre o funcionamento do Estado. A partir
da década de 1960, a literatura de ciências sociais no Brasil começou a acumular um
significativo conhecimento sobre o papel do Estado brasileiro em nossos processos de
industrialização, desenvolvimento e modernização, assim como a sua importância na
própria formação histórica da sociedade brasileira a partir das primeiras décadas do
século XX, seja pelo lado da formação das classes ou grupos sociais, seja pela
constituição de uma sociedade civil ligada e até mesmo dependente em inúmeros
aspectos de nossa sociedade política. Desde então, desenvolvemos um considerável
conhecimento sobre as condições e elementos macrosociológicos ligados ao Estado
brasileiro, tradição que continua em desenvolvimento com excelentes trabalhos recente
como Salum (2003), por exemplo. Entretanto, avançamos muito pouco no que diz respeito
à compreensão de inúmeros processos concretos relativos ao Estado. Com relação ao
Estado brasileiro, uma tarefa ainda pendente diz respeito à especificação de inúmeros
processos que ocorrem no seu interior, assim como entre ele e o seu entorno político
imediato, e que influenciam sobremaneira as políticas públicas.
No que diz respeito à análise e à avaliação de políticas, também avançamos nas últimas
décadas através do desenvolvimento de estudos amplos e abrangentes. Dois conjuntos
de trabalhos merecem destaque, o primeiro desenvolvido nos anos 1980 no bojo da
construção de um diagnóstico crítico das políticas do regime militar,2 e o outro através de
um conjunto de interpretações mais teóricas que investigaram as características e
elementos constitutivos de nosso sistema de políticas sociais.3 Entretanto, assim como no
que se refere ao Estado em sentido mais amplo, pouco sabemos sobre os processos

2 Essa crítica foi construída a partir de vários pontos de partida disciplinares, mas alcançou o patamar de diagnóstico
geral nos trabalhos do Nepp/Unicamp. Ver, por exemplo Nepp (1987), entre outros.
3 Refiro-me a trabalhos como Santos (1979) e Draibe (1989).

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específicos e de detalhe do funcionamento das políticas públicas, assim como sobre a
sua interação com os problemas sociais concretos presentes na sociedade brasileira.
Vou me ater aos dois últimos problemas ligado ao Estado (na teoria e na prática, por
assim dizer), tentando analisar os elementos que os compõem e apontando alguns
caminhos que me parecem contribuir para a sua solução.
O ambiente institucional e organizacional que cerca nossas políticas sociais é usualmente
muito frágil. Os órgãos encarregados das políticas usualmente carecem de capacidades
técnicas e não dispõe de setores especializados para desenvolver ou mesmo para
acompanhar a realização de estudos e projetos sobre políticas, assim como a sua
avaliação. Esse problema é derivado principalmente das fragilidades dos setores de
planejamento e dos sistemas de informação dos órgãos públicos brasileiros. Como essas
atividades consomem intensamente recursos humanos, demoram para produzir
resultados e dependem fundamentalmente de continuidade administrativa (e de um
trabalho lento e contínuo de construção de capacidades), a esmagadora maioria dos
governos não lhes confere nenhuma prioridade, ou mesmo boicota as suas atividades. Os
Sistemas de Informação existentes, em particular, tendem a ser imprecisos,
desatualizados e de pior qualidade justamente no que se refere à população alvo típica
das políticas sociais. No caso dos mais pobres, os endereços usualmente são mais
imprecisos, o preenchimento de cadastros e formulários tende a ser mais incompleto, as
fontes alternativas de informação tendem a ser mais raras, e a capacidade de locomoção
dos usuários para acessar as políticas (e fornecer informações) tende a ser
substancialmente menor (Torres, 2002). Como consequência, a maior parte das políticas
apresenta informações administrativas fragmentadas, pouco consistentes e descontínuas
no tempo, dificultando a realização de estudos sobre políticas públicas em geral e sobre
avaliação em particular.
Para solucionar esse problema, seria necessário desenvolver capacidades técnicas e
administrativas nas organizações estatais que pudessem registrar e analisar os processos
que cercam as políticas, contribuindo não apenas para a tomada de decisão, mas
também para a constituição de inteligência institucional no interior da administração
pública. De maneira mais específica, seria necessário organizar, sistematizar e
desenvolver sistemas de informação sobre as políticas em vigor (e sobre os seus
usuários) de muito melhor qualidade, em especial para os mais pobres. Isso contribuiria
não apenas para o melhor desenvolvimento das políticas, mas também para a
constituição de conjuntos de informações administrativas de maior confiabilidade, séries

3
históricas mais longas e dados mais precisos. Chamo a atenção ainda de forma rápida
para a importância que o território pode e deve ocupar nesses sistemas para permitir uma
melhor implementação das políticas e um cruzamento de informações mais fácil e
eficiente (Torres, 2004).

Observemos agora o terceiro problema, ligado ao nosso baixo conhecimento sobre o


funcionamento do Estado e sobre o impacto das políticas sobre os problemas que
pretendem solucionar. O que seria necessário fazer para adensar o campo de
conhecimento que cerca as políticas públicas? Dois elementos estão presentes. Em
primeiro lugar, é necessário entender o Estado brasileiro melhor ou de forma mais
complexa. Além disso, uma segunda dimensão diz respeito ao fato de que sabemos
menos do que gostamos de admitir sobre os processos sociais ligados às situações de
pobreza e às conseqüências das políticas públicas sobre elas. Observemos essas duas
dimensões separadamente.
Com relação ao nosso conhecimento sobre o funcionamento do Estado, um elemento que
já foi visitado criticamente por diversos autores, mas deve ser destacado aqui como ponto
de partida, diz respeito à crítica à forma como o ciclo de políticas é tradicionalmente
encarado. A idéia de avaliação como um ítem isolado e separado, localizado no final do
ciclo de políticas, é tributário de uma compreensão simplista do processo de intervenção
do Estado. Segundo essa, o ciclo das políticas incluiria planejamento/formulação/
implementação/avaliação. De acordo com a visão mais tradicional, essas fases
corresponderiam a etapas separadas e ordenadas de forma sucessiva em uma repetição
diluída dos modelos abstratos de David Easton para a explicação da política. O ciclo de
políticas é importante e deve ser considerado, pois ele nos apresentar um mapa das
várias atividades envolvidas em uma dada ação estatal. Entretanto, esse não deve ser
entendido de maneira formalizada, pois no desenrolar concreto das políticas públicas a
trajetória das várias fases ocorre de maneira muito mais flúida e interpenetrada, em
especial pelas razões que descrevo a seguir.
Exceto por ações estatais muito específicas, o início do processo de produção de uma
política está localizado em um campo denso de ações e intervenções em vários estágios
e que produzem conseqüências em várias direções distintas e por vezes contraditórias. O
processo de planejamento e formulação de políticas não acontece, portanto, em um
vácuo de ações e intervenções estatais, mas ao contrário pode estar associado a
processos de aprendizagem, à produção de ajustes incrementais nas políticas, ou mesmo

4
à mobilização de mecanismos do tipo “lata do lixo” em que, dado o reconhecimento de um
problema, uma solução é “pescada” de um conjunto de possibilidades preexistentes e já
mobilizáveis a partir das capacidades administrativas e técnicas disponíveis no poder
público4. Nesse sentido, a produção de políticas não ocorre em um espaço externo ao
Estado e subtraído da política, mas ao contrário, acontece completamente imersa no
funcionamento da administração pública.
Além disso, e esse é talvez o elemento mais importante, a implementação sempre
transforma a política de maneira completa, não representando uma etapa “neutra”
(Arretche, 2000a e Barros e Melo, 2002) na qual o que foi previamente estabelecido é
aplicado, não apenas porque nem tudo é estabelecido de antemão, como também porque
o desenvolvimento das políticas implica em um conjunto tão grande de detalhes
organizacionais, institucionais e políticos que, mesmo políticas muito bem desenhadas,
são “transformadas” durante a implementação. Porque acontece essa transformação?
Em primeiro lugar ela ocorre pois o efeito das instituições sempre se faz presente, e às
vezes o faz de formas nem sempre completamente previsíveis a priori, ao menos para a
nossa compreensão desses processos. Como já consagrado na literatura
neoinstitucionalista histórica (Skocpol, 1987; Steinmo, Thelen e Longstreth, 1992) ou da
escolha racional (Limongi, 1994), os resultados da política, e as estratégias, alianças e
mesmo preferências dos atores são profundamente influenciados pelos formatos
institucionais. Trabalhos nacionais recentes no campo mais amplo da ciência política têm
mostrado como os formatos institucionais que cercam os processos de decisão
(Figueiredo e Limongi, 1999, Melo, 2002 e Arretche, 2002) ou as estruturas de incentivos
(Arretche, 2000b; Tomio, 2002) influenciam fortemente os resultados da política. Apesar
disso, até recentemente esses elementos nem mesmo eram considerados como
importantes pela literatura mais técnicas de políticas públicas.
Um segundo fator de imprevisibilidade na implementação das políticas diz respeito ao fato
do conjunto de atores envolvidos ser muito grande, heterogêneo e difícil de tratar a partir
dos modelos teóricos existentes (Marques, 1997). Por um lado, as cadeias de produção
das políticas são influenciadas por atores societários tais como grupos de interesse
envolvidos com a produção das políticas, como contratistas, fabricantes de equipamentos
e insumos (Marques, 2003), e outros grupos de interesse associados aos beneficiários
finais das políticas, como movimentos sociais e associações de usuários. Por outro lado,
também estão envolvidos na implementação das políticas atores como os políticos

4 Para a descrição dos principais modelos de análise de políticas em português ver Souza (2003b) e Pasquino (2002).

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ocupantes de cargos institucionais, além é claro de burocracias de vários níveis e
formatos. Essas últimas, em particular, se situam necessariamente na cadeia de produção
de qualquer política, mas constituem um conjunto também heterogêneo, incluindo desde
as mais poderosas e insuladas burocracias até as mais concretas “street level
bureacracies” (Lipskin, 1993). Mesmo quando esses são considerados do desenho das
políticas, a sua influência pode ocorrer de muitas formas, assim como suas estratégias
podem ser inúmeras e diferentes, apresentando grande potencial de influir de forma
imprevistas nas políticas.
Um terceiro elemento que torna a influência dos atores ainda mais complexa diz respeito
ao fato de que não apenas os atores e seus interesses importam (em um sentido próximo
do individualismo metodológico), mas os padrões de vínculo dentre os atores também
produzem destacada influência sobre os resultados da política. Trata-se de relação de
vários tipos em constante transformação, compondo uma importantíssima estrutura de
médio alcance presente em grande parte dos campos da ação humana (Emirbayer,
1997). As redes sociais resultantes podem alterar estratégias e mesmo preferências de
atores, além evidentemente dos resultados, não apenas pelo acesso diferenciado dos
atores a recursos materiais e imateriais (tais como informações), como pelo efeito geral
que a estrutura das redes imprime à política (Marques, 2004).
Por fim, mas nem por isso menos importante, estão as inúmeras contingências
financeiras, operacionais e políticas presentes no desenrolar das ações do Estado
(Arretche, 2000a). Quando os formuladores de uma dada política planejam as ações, não
podem prever as diversas intercorrências de várias ordens que sempre aparecem. Em
uma visão tradicional e formalista do ciclo de políticas, esses elementos aparecem como
“ruídos” ou “atritos”, mas qualquer pessoa que acompanhe o desenrolar de políticas
concretas ou esteja envolvido com a sua implementação sabe que tal tipo intercorrência é
inerente ao funcionamento normal do Estado. O maior desafio (intelectual) está em como
enquadrá-las analiticamente, ou pelo menos como não excluir analiticamente a priori a
sua eventual ocorrência.
Por todas essas razões, associadas ao funcionamento concreto do Estado, os processos
de implementação alteram e transformam as políticas. Assim, para que não continuemos
a desenhar políticas e a fazer avaliações de forma ingênua, como nos lembrou Arretche
(2000a), temos que compreender de forma muito mais precisa o que ocorre no interior do
Estado. Em termos acadêmicos, portanto, a maior parte das tarefas a desenvolver não se
associa à criação de instrumentos ou métodos de avaliação de políticas mais eficazes,

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mas de compreender melhor o que se passa no interior do nosso objeto. Um caminho
promissor para isso está na promoção de uma maior aproximação entre as áreas de
política e de políticas públicas. Isso porque uma parte importante desses temas têm sido
analisada pela ciência política em um sentido mais amplo (não de forma definitiva, mas
com avanços significativos). Por outro lado, não se trata apenas de incorporar a análise
política ao estudo das políticas, como nos sugeriram Figueiredo e Figueiredo (1987),
embora essa tarefa seja fundamental. O elemento adicional para o qual estou chamando
a atenção aqui diz respeito à necessidade de conhecermos melhor, e com maior grau de
detalhes, o funcionamento do Estado brasileiro.
Além disso, entretanto, acredito que haja um segundo elemento imprescindível para
avaliarmos nossas políticas e a respeito do qual não conhecemos o suficiente. Refiro-me
aos processos envolvidos com os ciclos de produção e reprodução da pobreza e das
desigualdades sociais, assim como os mecanismos através dos quais as nossas políticas
agem sobre esses problemas. A existência de um sólido conhecimento sobre esses dois
temas é fundamental, pois toda política pública pressupõe a consideração, mesmo que
implícita, de dois processos causais (Majchrzak, 1984). O primeiro está associado ao
problema sobre o qual a política pretende intervir, e considera que o dado problema (A) é
produzido pelos elementos (B) e (C). A partir daí a política tenta intervir sobre (B) e (C), de
forma a atingir o problema (A). Se o vínculo causal estiver equivocado, a política pode até
melhorar certas dimensões associadas às causas presumidas, mas possivelmente não
terá qualquer influência sobre o processo que pretendia influenciar. Tomemos como
exemplo a relação entre desemprego e nível educacional. Uma certa literatura constata a
existência de uma relação empírica entre os dois fenômenos e constrói analiticamente
uma relação causal entre eles: são os baixos níveis educacionais que levam às situações
de desemprego de forma agregada. Dito isso, essa literatura prescreve um conjunto de
ações orientado para melhorar o nível médio de escolaridade. Caso a relação causal
presumida não estiver correta (apesar da evidência empírica da associação entre os
fenômenos), os níveis educacionais podem se elevar de forma consistente sem que haja
qualquer efeito sistemático sobre as taxas de desemprego.
Uma segunda relação causal está implícita nas próprias políticas públicas e liga a
intervenção proposta ao problema (ou ao conjunto das suas causas). Novamente temos a
consideração, nem sempre explícita (e quase nunca comprovada) de que as estratégias
ou ações de política que se pretende aplicar produzem impactos significativos sobre os
elementos associados à primeira relação causal apresentada acima. Voltando ao nosso

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exemplo, a estratégia da política pode ser a criação de um programa de bolsas (ou
transferência de renda atrelada à matrícula escolar) para reduzir a evasão escolar e
elevar as taxas médias de escolaridade no médio prazo. Se as principais motivações para
a evasão estiverem ligadas à necessidade de entrada precoce no mercado de trabalho,
essa estratégia pode ser bem sucedida em elevar a escolaridade, embora os seus efeitos
sobre o mercado de trabalho ainda sejam uma incógnita. Nesse caso o programa seria
bem sucedido em influenciar (B) e (C), embora talvez não consiga produzir impacto
significativo sobre (A) a não ser que a causalidade do parágrafo anterior esteja correta.
Entretanto, se as razões da evasão estiverem relacionados com o funcionamento do
sistema escolar ou com outras dinâmicas, o programa pode falhar também em influenciar
a escolaridade. O mesmo problema se coloca novamente quando da realização de uma
avaliação da política, pois teremos mais uma vez que mobilizar mecanismos causais mais
ou menos explícitos e comprovados.
Resumindo o meu ponto, gostaria de sustentar que os nossos modelos cognitivos podem
simplesmente errar ao tratar tais causalidades, tanto no desenho, quanto na
implementação e na avaliação das políticas.
No que diz respeito especificamente às políticas sociais, acredito que conhecemos pouco
os mecanismos (multi)causais através dos quais são produzidas as situações de pobreza
e a desigualdade social, assim como o impacto que as políticas que vimos prescrevendo
nas últimas décadas podem exercer sobre elas. O curioso é que esse baixo acúmulo
analítico não é causado pela ausência de literaturas embasadas teoricamente e
fortemente engajadas em pesquisa empírica sofisticada, mas pela quase completa
ausência de debate entre esses dois conjuntos de trabalhos. Precisamos desenvolver um
maior diálogo entre os estudos sobre pobreza e sobre políticas públicas e certas áreas da
sociologia e da antropologia, que podem contribuir de forma significativa para uma melhor
compreensão dos processos discutidos acima. Para que o problema seja superado, é
imperativo que aprofundemos o nosso conhecimento sobre a dinâmica social das regiões
sob intervenção das políticas5, sob pena de que sejam subentendidas relações de
causalidade no efeito da política no momento do seu desenho, ou mesmo da avaliação
dos seus impactos. De forma similar, temos que desenvolver um conhecimento muito
mais significativo do que o que temos hoje para compreender o efeito das políticas sobre
os problemas que pretendem solucionar.

5Tenho participado de um esforço coletivo nesse sentido no que diz respeito à pobre urbana (Cf. Marques e Torres,
2004), embora a agenda seja grande e complexa, e apenas um engajamento de uma parte significativa da comunidade
poderá nos levar a bom termo.

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