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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 2
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................................... 4
3. ANÁLISE ........................................................................................................................................ 6
3.1. Negociação, ameaças a face e polidez ..................................................................................... 6
3.2. Assalto aos turnos conversacionais ................................................................................... 11

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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho traz para análise um texto conversacional – transcrito a
partir do projeto NURC/SP – entre as cantoras de funk Tati Quebra-Barraco e Madame
Funk, mediado pela apresentadora Luciana Gimenez; extraído do programa televisivo
SuperPop, da Rede TV!. Nesta análise, nos debruçamos sobre as dinâmicas de
interação verbal, tendo como ponto de vista os fenômenos de turno conversacional,
definido por Marcuschi como: “aquilo que um falante faz ou diz enquanto tem a
palavra, incluindo aí a possibilidade do silêncio” (1986, p.18), e ataque à face, esta,
que de acordo com Goffman (1970) é a autoimagem que se revela nos processos
interacionais face a face e funciona como uma imagem pública que os interlocutores
tentarão preservar. Portanto, não nos dedicamos à investigação do tema/conteúdo no
qual estão banhados os enunciados, ainda que o desenvolvimento do tópico
discursivo: “a sexualização do funk” se mostre relevante.

A comunicação se dá através de enunciados (orais ou escritos), e estes são


expressos via repertório de diferentes esferas sociais. Aqui, chegamos ao conceito de
gênero discursivo, no qual “o enunciado reflete as condições específicas de cada uma
dessas esferas [...]” (BAKHTIN, 1999, p. 279). Neste contexto, o corpus deste trabalho
é qualificado da seguinte maneira: a interação se dá num espaço socialmente não
convencional, ou seja, num canal de televisão, onde não é qualquer indivíduo que tem
espaço e voz. Sabe-se que veículos de grande visibilidade estão sujeitos a certos
mecanismos de restrições discursivas, e devemos estar atentos a instrumentalização
nos procedimentos interacionais – causado por interesses mercadológicos – os quais
podemos nomear: audiência e espetáculo midiático, que irão moldar as formas do
discurso em virtude de uma sociedade de consumo, relevando, desta forma, uma falta
de liberdade discursiva. Feita essa observação sobre algumas das peculiaridades
deste tipo de discurso, seguiremos com a caracterização da plateia, que compõe um
quarto elemento interacional. Isso se constata à medida que se cria uma dualidade
discursiva entre Tati Quebra-Barraco e Madame Funk, e a plateia toma partido – a
favor da Tati – por uma cumplicidade ideológica. Assim, a plateia se transforma de
sujeito passivo (que só observa e escuta) a sujeito ativo por meio das manifestações
verbais (clamor), que irá atingir diretamente à trajetória dialógica.

O objetivo dessa análise é identificar e expor os procedimentos de ataque a


face e assalto ao turno conversacional dentro de um contexto onde há um debate
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ideológico caracterizado por uma visão de valores tradicionais de moral e bons
costumes, em contraposição às manifestações artísticas que nascem de arranjos
sociais (político-economicamente) vulneráveis, observando a dinamização
interacional entre os interlocutores e como essas relações se figuram na prática oral.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este trabalho foi redigido com base na perspectiva textual interativa, que
entende o texto como resultado de uma produção interativa, e a linguagem como algo
indissociável das práticas sociais. Portanto, temos o texto como objeto de interesse.
Dentro dessa teoria, o texto é resultado de uma coprodução entre os interlocutores,
uma unidade de comunicação situada em um determinado contexto social, histórico e
geográfico em determinadas esferas e construído sob determinadas circunstâncias de
enunciação que arquitetam o texto é, ao mesmo tempo, produtor e produto de uma
interação. Tais características são percebidas com mais facilidade no texto falado,
preferido pela perspectiva textual interativa e também para a nossa análise.

O texto falado é a representação exemplar da interação, nele a construção se


dá no momento da interação e na copresença dos interlocutores, se produz sem um
planejamento prévio e é marcado por descontinuidades. A estrutura do texto falado é
organizada por elementos como o turno conversacional, tópico discursivo, articulação
tema-rema, relevo, referenciação e cortesia, este último é o foco de nossa análise.

Nosso objeto de estudo é uma entrevista das cantoras de funk Tati Quebra-
Barraco e Madame Funk no programa de televisão SuperPop, onde ambas as
entrevistadas se confrontam e é possível observar as relações de cortesia praticadas
quando duas opiniões contrárias estão vigentes na interação. Cabe também ressaltar
que “entrevista” é um gênero discursivo, ou seja, é um tipo relativamente estável de
enunciado, tem conteúdo temático, organização composicional e estilo e é adequado
à uma esfera da comunidade humana, nesse caso, a esfera televisiva. É claro que as
características gerais de um gênero discursivo não excluem a possibilidade do texto
apresentar elementos criativos e de individualidade, inclusive a relação de cortesia
fornece essa alternativa para o texto aqui estudado.

Embora o objeto de estudo se enquadre no gênero discursivo supracitado, é


também um exemplo da construção flutuante do texto, que aqui se destaca pela
impropriedade com a qual as falantes interagem, fugindo do gênero proposto. Os
enunciados aqui conduzem a interação de modo que esta se afasta do gênero da

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entrevista, adotando coloquialidade, perdendo polidez e cortesia, sofrendo constantes
tomadas e retomadas de turno.

Destaca-se a situação de Luciana Gimenez, apresentadora do programa de


onde se retirou o excerto, e que se encontra desprovida de sua autoridade como
mediadora da conversação; em pouco contribui para a rotação dos turnos
conversacionais, assim como para o andamento da conversação em si.

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3. ANÁLISE

3.1. Negociação, ameaças a face e polidez

O texto falado ou escrito, segundo a perspectiva textual interativa, é construído


em cooperação entre falante e ouvinte levando-se em conta expectativas, papeis
sociais e posicionamentos políticos por parte dos participantes da construção. Sendo
assim, a interação entre dois interlocutores pressupõe uma constante negociação que
é um elemento central para manter o tópico discursivo em pauta e alcançar o objetivo
da produção de sentido. Porém, em situações em que há uma forte convicção por
parte dos interlocutores acerca de temas como crenças e posições políticas, a
negociação pode tornar-se frágil ou até inviável.

Durante o processo de interação há tanto a constante de negociação, quanto a


constante de ameaça às faces. Sendo que esta é o valor social pelo qual o indivíduo
reclama ser reconhecido e respeitado e está sempre em situação de fragilidade. Essas
faces podem ser reconhecidas como positivas e negativas, sendo estas o território de
liberdade que o falante cobra não ser invadido e aquela a imagem pública a ser
preservada.

Para preservação das faces é importante que exista cortesia por parte dos
falantes, já que ela garante um equilíbrio durante a conversação. Lakoff chega a definir
a cortesia como mais importante que a clareza, sendo que o referido autor, em suas
máximas, na interação a prioridade é evitar os conflitos, não impondo, mas, pelo
contrário, dando opções e fazendo o ouvinte se sentir bem (1998, P. 267).

O funcionamento dos elementos acima citados em situação de debate pode ser


analisado no corpus do objeto de estudo.

Para as interlocutoras, o tópico discursivo em pauta – a sexualização do funk –


está diretamente ligado aos seus valores sociais e suas posições acerca do tema são
divergentes. Diante disso, a negociação é frágil já que há uma forte convicção por
parte das interlocutoras, o que poderia gerar a morte do tópico como forma de evitar
conflitos. Porém em um contexto de debate, como no que está em questão, o tópico
é mantido a fim de se argumentar e de se defender as posições e o conflito dessas
ideias é o que gera a construção do texto. Ao ser mantido o tópico discursivo, as faces
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das interlocutoras tornam-se extremamente expostas e é assumida uma posição
constante de ataque e defesa em relação as faces.

Segundo Marcuschi (1989, p. 284), uma das formas de ameaça à face positiva
do ouvinte é a acusação, que pode ser observada diversas vezes durante o debate:

Cláudia: porque na verdade você não sabe cantar você só grita

A face positiva da funkeira Tati Quebra-Barraco é atacada pois ela reclama


como valor social a posição de cantora que é rejeitada por Madame Funk. Esta, além
de atacar a face positiva da cantora, também ataca a sua face negativa pressionando
Tati a dar uma resposta, inquirindo-a:

Claudia: tati... nas suas músicas você fala que gosta de ser tratada como Objeto... se é que
eu posso chamar isso de música... porque na verdade você não sabe cantar você só grita...
eu queria desafiar você a cantar... se você é uma cantora você tem que cantar porque eu sei
cantar... você TOPA o desafio?

Essa ameaça à face desencadeia uma série de ataques durante toda a


entrevista; assim, da mesma forma age Tati Quebra-Barraco. Madame Funk que
reclama para si o valor de madame, em sua definição uma mulher de respeito, além
de pessoa cristã e evangélica também tem sua face positiva atacada:

Tati: agora você quer falar que é da igreja


[
Luciana: Pera aí pera aí
[
Tati: da igreja você é da igreja? cantando
funk de madame e você é da igreja?

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Ao ser atacada, Madame Funk defende sua face positiva afirmando que ser
madame no sentido etimológico da palavra é ser uma mulher de respeito, ou seja,
mesmo cantando funk ela pode ser religiosa. Tati Quebra-Barraco também defende
sua face: ao ser acusada de ter muitos bens e de que isso não seria ser uma madame,
Tati longe de usar sentidos etimológicos para se defender, afirma que tem bens
porque pode e porque é polêmica reforçando seus valores sociais que ela pretende
serem reconhecidos.

No caso tratado, a quebra do acordo tácito entre as interlocutoras e ato


discursivo de ameaça à face têm clara intenção de insultar a interlocutora que participa
ativamente do debate – a plateia e a entrevistadora não são o foco das ameaças já
que não participam, neste sentido, de forma direta no debate, mas fazem parte do
processo de interação.

Ambas as interlocutoras diferentemente do que propõe Lakoff, abrem mão da


cortesia se atacando abertamente sem nenhum tipo de polidez. É visível ainda formas
de cortesia usadas em sentido irônico, como por exemplo, ao referir-se uma a outra
como "linda" e "querida".

Ao contrário disso a entrevistadora, mesmo que sem êxito, usa da polidez para
tentar encontrar um equilíbrio no debate, chegando mesmo a roubar o turno das
entrevistadas afim de evitar o conflito:

Luciana: ok... é:: que são funks são funks... ((gritos da plateia)) na realidade... são funks
diferentes e a gente também tem que a/ acreditar na liberdade de expressão...[...]

Luciana, nesta atitude demostra querer ter seu papel de entrevistadora e mediadora
respeitado, assim se mantêm grande parte da entrevista distante da postura de
agressão verbal e ameaça explícita das faces das interlocutoras que participam
ativamente do debate, tentando ser imparcial e reforçando seu valor como
apresentadora do programa que apenas proporciona o debate e fica de fora
deste.Porém nem sempre essa posição é mantida. Durante o debate a apresentadora
adota uma das posições- a da funkeira Quebra-barraco e acaba atacando a face

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negativa da madame funk, contanto faz isso com polidez, como é demostrado no
exemplo abaixo:

Durante a conversação se presume que os falantes estejam dispostos a chegar


a um acordo comum, ou seja, durante a interação um falante pretende ter a atenção,
ser ouvido e compreendido pelo ouvinte. No debate entre as duas cantoras, essa
cooperação não ocorre sendo que em ameaça à face negativa de Madame Funk, Tati
Quebra-Barraco propõe que o debate acabe e implicitamente chega mesmo a
convocar a outra funkeira para vias de fato:

TQB: tem postura fala aí é mole tem postura manda ela entrar aqui

O debate é um contexto de conversação em que por tratar de assuntos de


cunho polêmico, no caso um tópico discursivo diretamente ligado as posições sociais
das interlocutoras, e colocar essas posições de maneira mais expostas e sujeitas à
crítica e oposição, faz com que os valore sociais, as faces, dos interlocutores fiquem
extremamente vulneráveis levando as cantoras a assumirem uma posição de ataque
e defesa maiores, e também faz com que os participantes cobrem ainda mais uma
aceitação de seus valores sociais, já que expondo suas posições e argumentando
acerca delas pretendem convencer o ouvinte e a plateia de sua razão. Além disso
dado os fatores pragmáticos da situação, as interlocutoras ao se sentirem ameaçadas
abandonam as cortesias e não usam da polidez afim de afirmar sua posição,
desequilibrando o desenvolvimento da conversação chegando mesmo a ser perdido
o propósito de se chegar a um entendimento. Além desses apontamentos é possível
fazer as seguintes indagações para reflexão:

⦁ Houve um propósito pressuposto em debates de se chegar a um entendimento ou a


um equilíbrio em que fosse necessário uma negociação?

⦁ O uso da polidez estaria diretamente ligado com o valor social cobrado pelas
cantoras?
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⦁ É possível manter um acordo tácito de preservação de faces em um contexto de
debate?

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3.2. Assalto aos turnos conversacionais

Na coprodução de um texto, os interlocutores atuam tanto nos papéis de falante


quanto nos papéis de ouvinte – essa troca de papéis é denominada turno
conversacional – que é, efetivamente, a participação do interlocutor na
conversação. O corpus da transcrição analisada é uma demonstração de uma
conversação simétrica, nela todos os interlocutores participam e
constroem ativamente o tópico discursivo – no caso a hiperssexualização no funk –,
mesmo que com posições antagônicas, ambas as cantoras (Tati Quebra Barraco e
Madame Funk) contribuem para o desenrolar do tema durante a conversação. Além
dessas duas participantes há parte na construção do texto da apresentadora do
programa e da plateia.

Há características próprias do contexto de um programa televisivo, tais


quais: O tópico discursivo, sobre o que se fala, é introduzido por uma narradora que
não participa ativamente do debate, ela apresenta as participantes e discorre sobre o
que seria a nova cena no cenário musical do funk. Sendo assim, é possível dizer que
a conversação é assimétrica quando analisada a participação da narradora em
relação às cantoras e à apresentadora. O mesmo ocorre com o entrevistado que
emite sua opinião no começo da transcrição acerca dos novos tipos de funk, e a
plateia que demostra reações positivas ou negativas de acordo com o que concordam
ou não: ambos fazem pequenas participações durante a entrevista se comparados
com as outras participantes, de modo que suas funções na conversação seriam
apenas de incentivar um debate entre as outras interlocutoras. A apresentadora,
assumindo uma postura diferente da que se costuma adotar de quem assume tal
posição, participa de maneira simétrica a das outras participantes, chegando mesmo
a assaltar o turno dessas ao longo do processo conversacional. Esse ato da
apresentadora, Luciana Gimenez, é tomado na tentativa de manter um equilíbrio no
debate e organizar a conversação, porém, transpassa o limite da ação convencional
de uma apresentadora, emitindo opinião e defendendo posições.

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O debate é centrado principalmente entre as duas cantoras, e entre as duas há
relação de simetria, visível pela equidade da quantidade de trocas de turno, mais
precisamente do assalto a turnos. As cantoras têm posições antagônicas acerca da
hiperssexualização do funk e é o debate, a argumentação, e a defesa dessas
posições que mantêm o tópico textual em pauta, mesmo com algumas digressões
ao longo de toda a conversação.

Por se tratar de um debate e levando em consideração os elementos


pragmáticos do momento da interação há uma grande quantidade de assalto de
turnos nucleares, e inversamente, pouca quantidade de turnos inseridos.
Os elementos pragmáticos referidos são o de exaltação de ânimos diante de uma
plateia a quem se tenta defender e o grande grau de relação das interlocutoras acerca
do tema, havendo grande convergência de ideias.
Enquanto há uma conversa mais pacífica ou quando a apresentadora consegue
controlar o debate, observa-se o acontecimento de turnos inseridos. No começo do
debate, quando a questão mal foi levantada é um dos momentos em que esse turno
se constitui na conversação:

madame funk: ai de repente meu amor a minha postura é contra a erotização de um estilo
porque a sociedade fica combatendo tanta coisa é a pedofilia são coisas horríveis que
acontecem as almas tristes das garotas que ficam dançando nesses bailes e que fingem que
são felizes mas no fundo tem tristeza no coração e a gente sabe disso...
[
Tati Quebra-Barraco: hã

Assim, Tati Quebra-Barraco, que no momento está cumprindo papel


de ouvinte apresenta sinais à falante (Madame Funk) de que compreende o que esta
está falando e de que ela pode dar continuidade no andamento do turno nuclear.
Com a progressão do andamento da conversação e o desdobramento do tópico
discursivo, é possível analisar os constantes assaltos ao turno como
forma de intervenção de uma fala que não agrada as participantes deste contexto, que
se vêm atacadas e procuram se defender ou contra-atacar o mais rápido possível,
quebrando uma convenção em que se determina que um falante deve tomar

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a palavra por vez, e muitas vezes nenhumas das falantes abre mão do turno havendo
uma confluência de vozes.

As estratégias de assalto ao turno durante o debate são muitas: há os assaltos


com deixa, e sem deixa, sendo estes em maior quantidade. Nesse tipo de assalto,
onde há uma entrada brusca da assaltante no turno que está em posse do falante,
uma das estratégias mais usadas pela cantora Tati Quebra-Barraco é o de aumentar
a voz, ocorrendo assim a inevitável sobreposição. Essa sobreposição geralmente é
rápida, já que convencionalmente um falante deve falar por vez, mas no caso
analisado, há uma constante sobreposição de vozes já que nenhuma das
interlocutoras abrem mão do turno, causa do estado de exasperação em que se
encontram os falantes que abandonam as regras que organizam a conversação em
geral. Já a apresentadora do programa, Luciana, assalta o turno na maioria das vezes
quando a falante faz uma pausa ou um alongamento, e quando o assalto por parte da
mediadora ocorre, não há sobreposição de vozes. Isso pode indicar tanto um
distanciamento maior da apresentadora em relação ao tema, o que não faz com que
ela se exalte mantendo a posição de mediadora, que deve menos falar do que
escutar, e que deve tratar com cortesia seus convidados, respeitando sua vez de falar,
demonstrando, assim, ouvi-los. Com a constância de assaltos ao turno, há também
uma grande quantidade de tentativas de conservação de turnos- o falante que no
momento está na posse do turno ao perceber que o, até então, ouvinte pretende
assaltar o turno, usa estratégias para impedi-lo. De tal modo age a cantora Madame.

A cantora usa a estratégia de repetição de palavras para impedir o assalto e


por vezes além dessa estratégia, utiliza o recurso de elevação de voz, entre outros.
Mas nem só de assaltos ao turno se faz um debate. Há também passagens de turnos
como a citada no trecho abaixo:

Claudia: é isso que eu acho... EU QUIS... EU QUIS

Tati: e quem é você (cê) não tá aqui pra achar nada minha filha, cê não tá aqui pra achar nada

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Aqui há uma passagem de turno requerida, realizada pela detentora do turno,
Luciana, ao fazer uma pergunta para Madame Funk.

Luciana: ô claudia mas vem cá e se ela tiver fazendo com maior de idade se ela tiver:: erotizando o
negócio do funk pra maior de idade...? ( )

Claudia: ah isso chega minha querida::... hoje... ( )... a internet é muito rápida ( )

Neste exemplo a pergunta direta é uma forma de colocar Madame Funk "contra a
parede", inquirindo-a, esperando uma resposta que seria o tópico conversacional do
turno, que é passado de maneira que a ouvinte entende que pode tomar o turno com
o consentimento da falante.
Em geral, no corpus do objeto de estudo aqui analisado é possível averiguar como os
turnos conversacionais são partes intrínsecas a serem analisadas para a
compreensão da construção de um texto falado. Nesta construção os turnos
constantemente roubados indicam a falta de conhecimento, ou simplesmente o não
cumprimento das normas do sistema de conversação, além desses assaltos outra
forma de indicar essas constatações seriam a sobreposição de vozes. Sendo assim,
a construção de um sentido na construção do texto torna-se precária já que, como
demostra a pequena quantidade de turnos inseridos, as debatedoras estão mais
dispostas a falarem e menos a ouvirem, resultando na dificuldade do andamento do
tópico textual em pauta. Intervendo de maneira por muitas vezes imparcial, a
apresentadora parece intervir para que isso não ocorra, utilizando assalto á turnos e
turnos inserido afim de organizar o organizar o texto e tornar o debate equilibrado.
Outra constatação a ser feita é que os turnos conversacionais explicitam a fluidez e
as condições pragmáticas que são características próprias da língua falada.
Concluindo assim que os turnos conversacionais analisados são resultado de um
contexto onde argumentar e convencer são as principais preoucupações em
detrimento de ouvir e construir um sentido e um entendimento.

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Conclusão

A situação interacional aqui analisada apresenta particularidades do texto


falado, trazendo ocorrências de uma aparente "fluidez" em relação ao gênero
discursivo entrevista, onde por definição prototípica, este excerto se encaixaria. A
despeito da convenção de alternância de turnos no gênero entrevista, aqui as
interlocutoras demonstram falta de familiaridade com os protocolos de polidez e
cortesia dentro do gênero, e através desta transgressão, criam a alternância incomum
e entretecida de turnos na interação. O assalto ao turno permeia a interação, sendo
aparentemente o fio condutor e característica principal que o trouxe para a análise. Ao
fazer uso do assalto as locutoras procuram dominar a conversação para validar seus
argumentos na discussão de caráter ideológico, sendo também uma forma pela qual
acontece o ataque à face uma da outra. As interlocutoras utilizam do ataque à face
uma da outra pois desaprovam o discurso alheio, e assim invadem o território de seus
respectivos interlocutores.
Concluímos que não há uma comunicação, entendida como intercâmbio de
ideias nos períodos de ápice do debate. As palavras aqui funcionam como disparos
de uma guerra ideológica, com progressão divisional entre os locutores sobre o
entendimento do funk no cenário musical brasileiro, e isso se materializa no espaço
em que as duas estão separadas – em sets distintos. É importante caracterizar a cena
na qual decorre a interação verbal analisada, pois ela se mostra parte essencial para
compreensão dos diálogos. Dessa forma, temos tal composição: há dois estúdios, o
primeiro com a Tati Quebra-Barraco, Luciana Gimenez e a plateia, o segundo somente
com a Madame Funk. Os elementos discursivos estão dispostos de tal forma, que se
figura, simbolicamente, o destino de cada discurso, formando um campo com dois
lados. Podemos, inclusive, numa análise mais vertical, apontar o aprofundamento dos
sentidos dos signos ideológicos, que se figuram como representação do embate
discursivo (no âmbito político-social) na sociedade brasileira, configurando uma
espécie de dualidade discursiva.

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Bibliografia

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