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DOSSIÊ

ISSN 2595-1041

ANO 1 | Nº 1 | ABR 2018

Café Filosófico Diálogos Contemporâneos 500 anos da Reforma Protestante

Átrio dos Gentios Ciclo de Conferências Ecologia Integral e Ecumenismo


EXPEDIENTE
EDITORIAL
Qual papel é reservado à PUCPR
diante do vasto e complexo
horizonte da ética? Um deles,
certamente, é o comprometimento
REITOR
No ano de 2017, três dimensões foram priorizadas no trabalho do Instituto com sua missão, notadamente no
Waldemiro Gremski Ciência e Fé (ICF) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). campo da educação superior e a
A primeira delas foi a definição de um Ciclo Temático Orientador, ou seja, um tema fidelidade aos valores do Evangelho
VICE-REITOR anual a ser desenvolvido em diferentes perspectivas a partir dos principais projetos
marcada pelo jeito Marista. E
do ICF. O tema escolhido foi Uma Ética para os novos tempos. Ao lançá-lo, lembramos a
Vidal Martins necessidade, em um viés crítico e criativo, de perguntar pela condição de possibilidade não atingiremos esse objetivo se
de novos modelos de coexistência no planeta, fundados no diálogo, na tolerância e não estiverem unidos reflexão e
PRÓ-REITOR DE MISSÃO, na convivência fraterna. Talvez seja cedo para avaliarmos os reais impactos do ciclo prática. Portanto, por um lado,
IDENTIDADE E EXTENSÃO temático do ponto de vista metodológico, já que nosso objetivo com essa decisão alinhar-se e auxiliar na promoção
é tornar os projetos que realizamos mais orgânicos, mas certamente as reflexões dos debates teóricos mais atuais, a
Ir. Rogério Renato Mateucci
trazidas pelos intelectuais que passaram pela PUCPR foram fundamentais para nos
fim de contribuir com o desabrochar

04 CAFÉ FILOSÓFICO
darmos conta da complexidade que significa avançar na reflexão sobre a ética e seus
DIRETOR DE IDENTIDADE desdobramentos na contemporaneidade. contínuo deste campo vital para
INSTITUCIONAL DA PUCPR A segunda dimensão diz respeito à regionalização e à internacionalização dos projetos a sociedade. E, por outro lado, A n a F l á vi a

Fabiano Incerti do ICF. Ainda que sejam movimentos iniciais, conseguimos levar uma edição do engajar-se na concretização dessas
Café Filosófico para o campus de Londrina da PUCPR e realizamos uma parte do reflexões em consonância com os
Átrio dos Gentios na Católica de Santa Catarina. Duas experiências riquíssimas, valores que garantam os direitos
GERENTE DE IDENTIDADE
que demonstram tanto nossa maturidade em chegar a novos territórios quanto
INSTITUCIONAL DA PUCPR
nossa capacidade de ampliar as experiências de percepção, escuta e diálogo, na humanos mais plenos, em última
instância a “vida em abundância”.

11
José André de Azevedo medida em que nos abrimos a outras formas de ver e entender a realidade. Sobre
a internacionalização, trouxemos a Curitiba, para o Ciclo de Conferências, dois Dessa forma, fazer permear a ÁTRIO DOS GENTIOS
ANALISTA DE PROJETOS DA ÁREA dos maiores intelectuais da atualidade: Michel Maffesoli e Gilles Lipovetsky. Com a práxis da ética no interior da A n a F l á vi a
DE IDENTIDADE INSTITUCIONAL presença e a provocação feita por eles, nos inserimos como Universidade no que há Universidade, ampliando seu raio
DA PUCPR de melhor do que se está debatendo e publicando acerca das teorias pós-modernas,
de extensão além dos seus muros,
que buscam entender a humanidade numa sociedade global e hiperconectada. Além
Douglas Borges Candido deles, recebemos também Enrico Simonato, codiretor do Museu do Sudário de Turim pela vivência de toda a comunidade
e um dos maiores especialistas no assunto, para a abertura da exposição internacional, da PUCPR.
ANALISTA DE PROJETOS DO INSTITUTO Quem é o Homem do Sudário?, um sucesso de público e crítica que recebeu a visita de mais

15 BATE PAPO JOVEM


CIÊNCIA E FÉ DA PUCPR E ESPECIALISTA de 10.000 pessoas na PUCPR.
DO OBSERVATÓRIO DAS JUVENTUDES Por fim, a última dimensão é a diferença significativa na forma como apresentamos IR. ROGÉRIO RENATO MATEUCCI Rod r i g o d e A n d rade
os resultados produzidos durante um ano de trabalho. E a concretização disso é Pró-reitor de Missão,
Rodrigo de Andrade
precisamente esse dossiê que você tem em mãos. Este material substitui o nosso Identidade e Extensão
balanço anual, mas com um ganho real: além de divulgar nossos principais números,
TRADUÇÃO ele traz uma síntese de conteúdos, nascidos e discutidos em nossos principais projetos.
Juliana Vermelho Martins São artigos, entrevistas, notícias e curiosidades acerca do ciclo temático que agora, com
alegria, democratizamos ao compartilhá-los com o grande público. Com versatilidade
e inspiração, esse dossiê complementa outras importantes publicações do ICF, como

20 CICLO DE CONFERÊNCIAS
REVISÃO E EDIÇÃO DOS TEXTOS
o Caderno Ciência e Fé, a coleção de livros e o site.
Fabiano Incerti Que com as páginas que se seguem você possa perceber que os novos tempos exigem A n a F l á vi a e D o ug l as
José André de Azevedo um debate amplo e sério sobre a ética e a sociedade que queremos para o futuro B org es C a n d i d o
Douglas Borges Candido próximo. Certamente, serão nossas experiências coletivas e nossas decisões pessoais
Jelson Roberto de Oliveira que, insistimos, devem se pautar em relações humanas e sociais as quais, além de não
Rodrigo de Andrade anularem as diferenças, marquem definitivamente nossa nova forma de ser e de agir
Camila Rosa no mundo.
Elen Denise Schmitz
Boa leitura! 500 ANOS DE
30 REFORMA LUTERANA
DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO

ÍNDICE
Doma Design Jef f er s on Z ef er i no

O Dossiê é uma publicação anual do


Instituto Ciência e Fé PUCPR FABIANO INCERTI
Rua Imaculada Conceição, 1155 Diretor do Instituto Ciência e Fê
Prado Velho-Curitiba-PR
cienciaefe@pucpr.br ECOLOGIA INTEGRAL
EDITORA PUCPRESS
Rua Imaculada Conceição, 1155 -
Prado Velho - Curitiba-PR
32 E ECUMENISMO
R a q u el d e Fá ti ma Col et

TIRAGEM: 1500 unidades


SOMOS TODOS CORRUPTOS?
Em meio a grandes escândalos formato do evento não enfatize dade como possível responsável você é muito ético, você tem pro-
de corrupção, desvios bilionários uma resposta específica para a por comportamentos não éticos blema. Você, na verdade, não é
de dinheiro público e uma crise questão proposta, logo no pri- ou até antiéticos. Isso pode ser confiável. Você é obsessivo”.
– econômica, política e moral –, meiro encontro, Renato Janine observado especialmente entre Dentre os pontos levantados pe-
pequenos gestos de “vantagem” Ribeiro foi enfático: “Não, não os brasileiros: “A cultura brasi- los convidados, a política não
do dia a dia podem parecer mi- somos tomos corruptos. Eu en- leira apresenta peculiaridades ficou de fora. Ribeiro conduziu
nimizados. Entrar na fila do cai- tendo simplesmente que não interculturais que a distinguem sua reflexão destacando que a
xa rápido com dois itens a mais somos todos corruptos se, quan- de outras culturas do Ociden- palavra corrupção é um termo
que o máximo permitido, não do afirmamos que somos todos, te. É uma cultura que resiste historicamente utilizado para se
devolver o troco dado acima do dessa forma, neutralizamos a aos esquemas dicotômicos que referir ao corpo, “um corpo que
valor correto, “dormir” no assen- responsabilidade dos efetivos subjazem a lógica das línguas se corrompe, se deteriora. Isso
to preferencial do ônibus quando corruptos”. Para Ribeiro, cada indo-europeias e das outras cul- ocorre sobretudo depois da mor-
entra alguém que tem direito ao indivíduo é responsável por seus turas do mundo ocidental. No te. O corpo político também é
lugar. Essas atitudes não seriam atos – sejam eles éticos ou não. caldeirão de grupos étnicos e no passível de morte, de corrupção.
também atos corruptos? E até “Se você faz uma coisa errada, pano de fundo das diversidades Ele se deteriora. Quando você
mesmo o mais ético dos seres você não pode dizer que você fez que constitui a cultura brasileira tem corrupção no corpo políti-
humanos não teria, em algum errado por causa da sua cultura, nada é precisamente definido e co é porque ele de alguma for-
momento da vida, desviado sua da sua religião, da sua cidade, da definitivo. Isso nos ajuda a com- ma está se enfraquecendo, está
conduta do padrão ético social? sua formação ou da sua família”, preender o propalar do jeitinho se debilitando, está parecendo
Mas qual é esse padrão? Existe destaca. brasileiro”. Nessa mesma linha uma perda da sua vitalidade”.
uma “cartilha da vida” que defi- Maria Lucia Santaella e Luiz de raciocínio, Pondé acredita Entender o que é a corrupção,
ne o que é certo e o que é errado? Felipe Pondé defendem que a que a cordialidade do povo bra- na visão de Ribeiro, é funda-
Ao longo de 2017, três gran- cultura e a natureza podem sim sileiro permeia comportamentos mental. Ele cita como exemplo o
des pensadores trouxeram esses influenciar comportamentos não que, por vezes, são antiéticos. Ele ato comum de chamar os autores
questionamentos aos cafés filo- éticos. Pondé exemplifica lem- faz um resgate histórico, desta- de escândalos de desvios de di-
sóficos realizados: Renato Jani- brando que “as professoras cos- cando que a matriz conceitual do nheiro público de “ladrões” – da
ne Ribeiro, Luiz Felipe Pondé e tumam ensinar para as crianças comportamento brasileiro está mesma forma como um batedor
Maria Lucia Santaella condu- na escola: ‘Dividam o brinquedo na cordialidade portuguesa, her- de carteira é chamado. “Qual a
ziram as reflexões nos meses de com seu coleguinha’. Elas não dada por aqui. Além disso, Pon- diferença entre eles? É a quanti-
abril, junho e setembro, respec- precisam dizer para as crianças dé reflete como comportamentos dade de dinheiro que foi levada.
tivamente. O objetivo principal ‘Não dividam seu brinquedo éticos causam, justamente, um E acabamos chamando todos de
nunca foi o de encontrar uma com o coleguinha’. Ou seja, o efeito contrário entre a popula- ladrões. Nós perdemos a especi-
resposta absoluta, mas acima de egoísmo ou o ‘não dividir’ são ção tupiniquim: “Eu acredito ficidade do que a corrupção es-
tudo colocar luz sobre as pergun- naturais”. que um dos problemas do deba- sencialmente é: a destruição da

CAFÉ FILOSÓFICO
tas e gerar provocações sobre o Santaella, por sua vez, propõe a te no Brasil está justamente aí: a República”.
modo como agimos. Embora o origem cultural de cada socie- gente tem uma desconfiança. Se

Ana Flávia

ACEITA UM CAFÉ?
Como nas mesas de cafés com Filosófico da Livraria Cultura de Inspirado neste legado, o Café Fi- fico da PUCPR levantou a ques-
amigos, em que surgem inúmeros São Paulo, fundado em agosto de losófico promovido pelo Instituto tão “Somos todos corruptos?”,
questionamentos despretensiosos, 1997 por Olgária Matos, professo- Ciência e Fé (ICF) da Pontifícia buscando favorecer o debate em
acredita-se que desde a Antigui- ra de Filosofia da Universidade de Universidade Católica do Para- torno da relação entre “ética e
dade o modelo de conversa que São Paulo (USP), e pela jornalista ná (PUCPR) tem se consolidado o ‘jeitinho’ brasileiro”. Além da
traz filosofia à mesa seja realida- Sônia Goldfeder. Assim como o como espaço de reflexão acerca honra de receber Renato Janine
de. Historicamente, o “Café Filo” aroma do café fresquinho se espa- do impacto ético-filosófico no co- Ribeiro, Luiz Felipe Pondé e Ma-
tem origem em 1992, com encon- lha ganhando admiradores, o for- tidiano. Iniciado em 2013, o pro- ria Lucia Santaella para aborda-
tros organizados por Marc Sautet mato também se espalhou, dando jeto do ICF já contou com a par- rem o tema, a edição desse ano
(1947-1998) no Café des Phares, origem a inúmeros encontros filo- ticipação de inúmeros intelectuais teve o prazer de realizar um de
em Paris, que tinham como obje- sóficos pelo país. Merece destaque da atualidade, como Oswaldo seus três encontros na cidade de
tivo popularizar a filosofia e pro- o projeto iniciado por Renato Ja- Giacóia, Scarlett Marton, Vladi- Londrina, sendo a primeira vez
mover a reflexão sobre questões nine Ribeiro, em 2003, promovi- mir Safatle e Leandro Karnal. que o ICF realizou um Café Fi-
existenciais. do pelo Instituto da Companhia Seguindo a tradição de eleger um losófico fora de Curitiba.
No Brasil, a iniciativa de Sautet Paulista de Força e Luz (CPFL) e assunto anual para conduzir as
motivou o surgimento do Café transmitido pela TV Cultura. reflexões, em 2017 o Café Filosó-

4 DOSSIÊ ICF 2017 DOSSIÊ ICF 2017 5


PERFIL DOS CONVIDADOS FUZZY: UMA CULTURA
LATINO-AMERICANA E A
RENATO LINGUAGEM DO INCERTO
Ja n i n e R i b ei ro

Explanando a cultura brasileira dentro da cultura latino-


-americana, Santaella trouxe ao debate uma comparação
Doutor em Filosofia pela Univer- PÚBLICO ATINGIDO - 200 com a “Lógica Fuzzy”, presente nos estudos de inteligência
sidade de São Paulo (USP), livre-
-docente em filosofia e professor Acadêmicos de 34 artificial. Diferentemente do que ocorre na lógica tradicio-
outras instituições nal, na qual uma proposição só pode ser completamente
titular de ética e filosofia política na
mesma universidade. Ex-ministro Alumni (egressos) 11 verdadeira ou completamente falsa, na Fuzzy uma premissa
de Estado da Educação e ex-dire- varia em grau de verdade, o que leva a ser parcialmente ver-
Colaborador Marista 5
tor de avaliação da Coordenação dadeira ou parcialmente falsa. “É uma lógica da imprecisão,
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Comunidade 23 da incerteza. Fica tudo um pouco indeterminado”, explica
Nível Superior (CAPES). Publicou Santaella. De acordo com a professora, “a nossa cultura é
O afeto autoritário: televisão, ética e de- Estudante PUCPR 109
de identidade imprecisa. Então, a metáfora de uma cultura
mocracia, A marca do Leviatã e Por uma Professor PUCPR 18 Fuzzy veste como uma luva as culturas latino-americanas e
nova política.
muito mais particularmente a brasileira”.
Na mesma direção, Pondé cita o caso de uma reunião em
uma empresa alemã, em que a postura de incerteza e in-
formalidade dos brasileiros chamou a atenção de um dos
participantes. “Ele dizia: ‘quando vocês [brasileiros] falam,
LUIZ a gente nunca sabe se vocês estão brincando, se vocês estão
falando sério. Até onde eu posso brincar dentro do que você
Fel i p e Po n d é brincou. Se isso que você está falando significa que amanhã
você não vai fazer o que você tem que fazer’”. O filósofo
destaca que nesse exemplo está imbricado o “jeitinho bra-
sileiro”, presente no modo como os brasileiros utilizam a
Doutor em Filosofia Moderna PÚBLICO ATINGIDO - 277 linguagem.
pela USP e pós-doutor em Epis-
Acadêmicos de 18
Não obstante, “tudo tem seu lado absolutamente negativo”, Você pode estudar a história da ética para defini-la nas suas mais variadas formas.
temologia pela Tel Aviv Univer- diz Santaella. As culturas Fuzzy “não são libertas do pre-
sity. Atualmente é professor da
outras instituições
conceito, da opressão, da dominação, da mentira e da ma-
Mas é uma ciência prática, o que significa: quanto mais medroso você for, mais
PUC-SP, professor titular da Fun-
dação Armando Álvares Penteado
Alumni (egressos) 10 landragem. Aliás, esse Fuzzy dá margem à criatividade, mas medroso você será. Quanto mais generoso você for, mais generoso você será. Quanto
Colaborador Marista 35 dá margem a isso que nós estamos observando no contexto
e professor convidado da Univer-
sité Catholique de Louvain. É co- Comunidade 36
brasileiro hoje: todas essas pragas também se fazem presen- mais disciplinado você for, mais você será. Quanto mais honesto... e por aí adiante.
lunista do jornal Folha de S.Paulo e tes em culturas híbridas que justo pelo fato de serem híbri-
comentarista do Jornal da Cultura. Estudante PUCPR 166 das, tornam as pragas mais disfarçadas e dissimuladas”. LUIZ FELIPE PONDÉ
Professor PUCPR 12

Você, no momento ético,


MARIA LUCIA está sendo confrontada
ou confrontado com a sua
Sa n ta el l a B r a g a própria escolha. Talvez seja A EDUCAÇÃO Renato Janine Ribeiro entende
que a educação para a coopera-
a cooperarem, a trabalharem em
conjunto e não obrigado. [...] Se
a coisa mais importante
da ética, é muito mais E A EMPATIA ção e a empatia podem ser um
antídoto contra a corrupção.
ensinamos esse tipo de solidarie-
dade ou, literalmente, de com-
importante do que tem na Segundo ele, o corrupto é ab- paixão, eu acho que faremos um
Doutora em Teoria Literária pela
PUC-SP e livre-docente em Ciên-
PÚBLICO ATINGIDO - 245
Acadêmicos de 63
lista do certo e do errado. NO COMBATE À solutamente indiferente ao so- grande avanço no combate à cor-
cias da Comunicação pela USP. frimento causado pela sua ação rupção”.
Professora titular dos programas
de pós-graduação em Comunica-
outras instituições
Alumni (egressos) 22 RENATO JANINE RIBEIRO
CORRUPÇÃO ilegal, indecente e desonesta. Por
isso, “a forma mais eficaz de você
Santaella também deposita es-
peranças em um potencial de
ção e Semiótica e em Tecnologias combater a corrupção é ensinar transformação que, segundo ela,
da Inteligência e Design Digital da Colaborador Marista 29
a pessoa a sentir como o outro”. necessita da juventude. “Novas
PUC-SP. Publicou 44 livros e orga- Comunidade 23 Ribeiro entende que é durante o resistências estéticas, culturais e
nizou outros 16, além de ter publi-
cados em torno de 400 artigos, en- Estudante PUCPR 77 período de construção da perso- políticas podem emergir e nós te-
tre eles nacionais e internacionais. nalidade que os valores devem ser mos que lutar. Vocês, jovens, têm
Professor PUCPR 31
Recebeu os prêmios Jabuti (2002, desenvolvidos: “Nós temos que que lutar para que essas forças
2009, 2011, 2014), Sergio Motta pensar que os primeiros anos de possam emergir. […] Acreditar
(2005) e Luiz Beltrão (2010). formação, os anos em que se for- nesse potencial: é essa a mensa-
mam as sinapses, devem ser anos gem que eu deixo para vocês”.
em que nós ensinamos as pessoas

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gem da teoria à ação moral, isto é, fundo significado quando relaciona PERFIL DOS CONVIDADOS
quando cessam as palavras e iniciam o sujeito comprometido com a vida.
os atos. É só pela vivência que o ine- “Foucault afirma que a espiritualida-
fável se faz ver. de compromete você com a vida. É
O grande desafio contemporâneo, esse conjunto de buscas e uma cons-
defende Bortolo, está em sairmos das trução interna, uma modificação da
belas teorias e colocar todos os seus existência que compromete, inclusi-
ensinamentos em prática. Ele afir- ve, o que você fala. É o que Foucault
ma: “Nós temos belíssimos discursos
sobre o amor, mas não conseguimos
vai chamar de Parresia. […] uma
fala que me compromete com a mi-
FABIANO
amar. Temos belíssimos discursos nha existência, inclusive sob o risco In certi
sobre justiça, mas não fazemos a de morrer”.
justiça. Temos belíssimos discursos A espiritualidade, insiste Fabiano,
sobre a verdade, mas não consegui- possui três características: 1) a noção
mos vivenciá-la”. Citando ainda Ato de que a verdade não é algo acessível
Filósofo brasileiro, é professor do Programa
dos Apóstolos, Bortolo destaca que de qualquer jeito; 2) a necessidade de
os cristãos eram reconhecidos pelo uma vida ascética; e 3) seguindo os
de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia
modo como se amavam, isto é, pela passos recomendados pelo mestre, a Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
ação, pela atitude, pela demonstra- verdade retornaria retorne ao sujei- Diretor do Instituto Ciência e Fé dessa mes-
ção, e não por um discurso. to. Na medida que me comprometo ma universidade, organiza a publicação dos
Encaminhando-se para o fim de sua com a verdade, o retorno dela me cadernos Ciência e Fé, de boletins sobre a ju-
fala, Bortolo assevera que é preciso torna um sujeito da verdade ou, nas ventude brasileira e dos estudos voltados para
encontrarmos um equilíbrio. Em um palavras de Foucault, “um sujeito de o Patrimônio Espiritual Marista. É pesquisa-
mundo onde o silêncio se faz pouco e veridicção”. Relacionando essa pos- dor do pensamento de Michel Foucault, com
onde a razão exige que todos tenham tura com o cenário político brasilei- ênfase em ética e política. É organizador de
uma teoria, “precisamos mostrar ro, Fabiano crê que tornar-se o sujei-
À escuta do infinito: estamos mais pertos de Deus? e
que ela (a razão) por si mesma não é to da verdade é algo que “os políticos
No dia 26 de setembro, o Instituto felizes”. Entretanto, Bortolo ainda Freud, Nietzsche e Sartre compu-
suficiente. Mais do que nunca, a nos- não conseguem fazer. É exatamente
Mística, sabedoria e autoridade no século XIX: estu-
CAFÉ FILOSÓFICO – EDIÇÃO ESPECIAL

Ciência e Fé da PUCPR e a FTD ressalta que todo esse conhecimento seram o quadro da autonomia, da sa sociedade é uma sociedade que o desafio de um político. O que eu dos sobre o Irmão Francisco, primeiro superior geral
Educação promoveram uma edição do mundo acaba por nos pregar uma autossuficiência da razão e, com isso, reconhece que, de alguma forma, falo me compromete com o risco de dos Irmãos Maristas.
especial do Café Filosófico em vir- peça, pois nos damos conta de que da morte de Deus. Por outro lado, há há mais aprendizado nas quietudes e morrer, com a minha moral, com a
tude da formação dos pastoralistas quanto mais pensávamos saber, me- uma corrente de pensadores desse no silêncio do que no palavrório que minha história. Isso é a verdade que
do Grupo Marista. Contando com nos sabemos, na verdade. Isso revela mesmo século que se empenharam tudo fala, mas nada comunica”. retorna ao sujeito”, e ao qual os polí-
a presença de pratas da casa para o primeiro paradoxo da história do em demonstrar que a razão não é Para Fabiano Incerti, inspirado no ticos demonstram-se pouco, ou qua-
o debate – Bortolo Valle e Fabiano pensamento humano, isto é, o con- autossuficiente, que ela não pode pensamento de Michel Foucault, a se nada, interessados.
Incerti, professores do Programa de flito entre a nossa ânsia de conheci- por si mesma dar conta de todas as separação feita entre razão e espi- Citando o caso dos padres do de-
Pós-Graduação em Filosofia da PU-
CPR –, o evento abordou o tema Fi-
mento e a impossibilidade de poder-
mos abarcar a totalidade do mundo.
questões. Representantes dessa se-
gunda forma de ver as coisas foram
ritualidade teria sido um momento
cartesiano, a saber, a separação do
serto, aqueles que abandonavam as
cidades para fazer uma experiência BORTOLO
losofia e Espiritualidade. Segundo o filósofo, “há um dispara- Ludwig Wittgenstein e Simone Weil, sujeito pensante, autossuficiente, da mais profunda da ascese e da es- Val l e
As provocações iniciais se deram em te entre aquilo que nós podemos e por exemplo. própria vida. Essa separação possi- piritualidade, Fabiano demonstra
torno da pergunta “O que é a filo- aquilo que nós conseguimos fazer”. Partindo de Wittgenstein, Borto- bilitou tamanha liberdade e auto- como eles levaram a filosofia de Sê-
sofia?”. É possível respondermos a O segundo ponto destacado por lo visa demonstrar a face limitada nomia à razão que formulamos dis- neca, Marco Aurélio, Epicteto, en-
essa questão? Diante de tantos pen- Bortolo é a existência de uma espé- da razão e dos discursos científicos cursos científicos para dar conta de tre outros, para a tradição cristã e
sadores que dedicaram suas vidas cie de mitologia do pensamento na que não podem dizer tudo sobre o questões que estão em outra esfera potencializaram esses saberes. “Eles Filósofo brasileiro, é professor do Programa
na busca por respondê-la, teríamos, qual afirma que somos governados mundo – ou melhor, que não dizem da vida humana e não descritas pe- potencializaram a experiência do de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia
enfim, encontrado uma resposta? por duas capacidades antagônicas. coisas realmente substanciais para a las ciências. exercício espiritual, a experiência da Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Todavia, conforme destaca Fabiano, verdade, a experiência da ascese, e Formado em Filosofia pela PUCPR, possui
Para Bortolo Valle, com seus quase De um lado, a que permite ao ser vida –, Bortolo cita um pensamento
houve momentos em que espirituali- transformaram isso em um caldo tão
30 anos de experiência como profes- humano conhecer, ou seja, a razão; do filósofo austríaco que tem por ob- mestrado e doutorado pela Pontifícia Univer-
dade e filosofia não eram coisas dis- interessante e tão consistente que é
sor de Filosofia, essa pergunta ainda de outro, o conhecimento das ver- jetivo demonstrar essa face limitada
tantes e distintas, “eram coisas que o que bebemos até hoje em muitas
sidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Com
lhe continua sem resposta, porque dades outras, capacidade que esta- da razão. Assim diz o pensamento: aconteciam no mesmo núcleo, no fontes da espiritualidade cristã”. Um enfoque em Wittgenstein e Simone Weil, os te-
“se alguém souber o que é filosofia, ria voltada ao campo da fé. Diante “Mesmo que a ciência resolva todos mesmo momento. Na medida que se detalhe interessante sobre os padres mas de seus estudos mais atuais estão voltados
a filosofia está morta, pois ela é jus- dessa divisão, indaga-se: “A razão é os problemas do mundo, o problema era filósofo, se era alguém espiritual. do deserto, ressalta, “é que eles não para a mística nesses pensadores. É autor de
tamente esse espaço de busca”. E, in- autossuficiente? Só ela nos dá o co- da vida ficará por ser resolvido”. A Fazer filosofia era fazer espiritualida- deixavam o mundo porque queriam Wittgenstein: a forma do silêncio e a forma da palavra.
fluenciado por Platão, afirma ainda nhecimento? Podemos conhecer de ciência, representada no Ocidente de. Estou me referindo propriamen- se afastar dele. Pelo contrário, eles
que a filosofia é “aquilo que sempre uma outra forma que não pela ra- pela razão, é a busca pelo “como” te ao período da Antiguidade grega, queriam compreendê-lo”. E a per-
buscamos, mas nunca, de fato, alcan- zão?”. Bortolo destaca ainda que “se das coisas, ao passo que a vida é a Antiguidade pagã”. Conceitos como gunta derradeira feita por Fabiano é:
çamos”. olharmos para a evolução da filoso- busca pelo “que’”. Esse “que” repre- mística, espiritualidade e exercícios espiri- “Agora, quem de nós, vivendo onde
Segundo Bortolo, a história do fia, do pensamento, da razão, vere- senta o mistério da vida, que oculta- tuais existiram antes mesmo do cris- a gente vive, compreende o que está
Ocidente é a história da vivência e mos o lento, porém, gradual proces- -se à razão e faz parte daquilo que tianismo. A maioria desses termos acontecendo?”. Essa nossa falta de PÚBLICO ATINGIDO - 100
da experiência de um limite que se so de distanciamento de Deus, pois não pode ser dito em teorias cientí- foram retomados pelo cristianismo compreensão do mundo seria carac-
traduz na ânsia da busca em com- à medida que vamos acrescentando ficas; é o inefável. É aí que faz todo e ressignificados em seus contextos. terizada por uma carência de asce- Acadêmicos de 8
Vê-se aí a nítida influência do pen- tismo e de cultivo da espiritualidade? outras instituições
preender cada vez mais o mundo conhecimento racional, vamos dei- sentido, afirma Bortolo, a última
que nos cerca. Igualmente, defende xando de lado aquilo que seria enig- proposição do Tractatus, de Wittgens- samento pagão nas práticas e dou- Fica a dúvida. Alumni (egressos) 10
Bortolo, somos seres marcados pelo mático, desconhecido”. Cada vez tein: “Daquilo que se pode falar, de- trinas do cristianismo primitivo. Mas Enfim, concordando com Bortolo
“o que podemos entender por espiri- sobre a questão do silêncio, Fabiano Colaborador Marista 17
medo. Medo do desconhecido, da- mais a razão tenta dar conta dos ele- ve-se falar claramente. Mas daquilo
quilo que nos foge a previsibilidade e mentos enigmáticos da vida. Quan- que não se pode falar, nós devemos tualidade no mundo grego?” Segun- defende que além de não sabermos Comunidade 15
ao controle, e que só cessa “quando do assim o faz com sucesso, distan- nos calar”. A ciência, esta área do do Fabiano, “a espiritualidade era silenciar, também há o problema
isso que me compromete com a vida; de não sabermos ouvir. “A filosofia, Estudante PUCPR 47
transformamos o desconhecido em cia-se das coisas que eram explicadas saber que tem por natureza falar cla-
era um modo de ser, um modo de a religião e acho que também a es- Professor PUCPR 3
algo conhecido. Quando consegui- pela abertura ao transcendente. ramente, não atinge o conhecimento
existir; era você adaptar o seu modo piritualidade, deixaram a escuta em
mos fazer esta transformação, nós No século XX, filósofos como do Ser. Ela não dá conta do inefável.
de ser a uma estética de ser”. A es- segundo plano. Somos muito da pa-
nos sentimos em casa, ficamos bem, Kierkegaard, Schopenhauer, Marx, É justamente aí que temos a passa- piritualidade alcança seu mais pro- lavra e pouco da escuta”.

DOSSIÊ ICF 2017 9

8 DOSSIÊ ICF 2017


ÁTRIO DOS GENTIOS
Ana Flávia

ÁTRIO DOS GENTIOS


O Átrio dos Gentios é um proje- Naquele local, os estrangeiros e grande relevância para a contem- Em 2017, entre os dias 11 e 12
to do Pontifício Conselho para a as pessoas que não confessavam poraneidade. de setembro, nas cidades de Join-
Cultura que reúne personalida- a fé judaica podiam se aproximar No Brasil, o Átrio dos Gentios acon- ville, em Santa Catarina, e Curi-
des das mais diversas áreas do co- do espaço sagrado e encontrar os teceu pela primeira vez em 2016 na tiba, no Paraná, respectivamente,
nhecimento e tem como objetivo mestres da lei, com os quais dialo- Pontifícia Universidade Católica do o Instituto Ciência e Fé da PU-
favorecer o diálogo transparen- gavam e debatiam sobre os mais Paraná (PUCPR). Foram três dias CPR promoveu a 2ª edição do
te e honesto entre crentes e não diversos temas. de encontros, debates e reflexões Átrio dos Gentios, que contou
crentes sobre temas fundamentais A primeira edição do Átrio acon- que contaram com a participação com a filósofa Viviane Mosé, o
da existência humana, e desta em teceu em 2011, em Paris. Desde do presidente do Pontifício Conse- rabino Nilton Bonder e o sacer-
relação à cultura, à ciência e à fé. então o projeto é realizado em di- lho para a Cultura do Vaticano, o dote Marcial Maçaneiro, para o
O nome Átrio dos Gentios remete ao ferentes cidades do mundo, reu- Cardeal Gianfranco Ravasi, e de debate principal.
pátio do antigo Templo de Jeru- nindo intelectuais das mais varia- estudiosos como o astrofísico Mar-
salém reservado aos não judeus. das áreas e abordando temas de celo Gleiser.

10 DOSSIÊ ICF 2017


DOSSIÊ ICF 2017 11
é a dívida. A grande virtude da PERFIL DOS CONVIDADOS
acolhida, da hospitalidade é ser
POR UMA CULTURA DA HOSPITALIDADE E DA COEXISTÊNCIA Só não é estrangeiro aquele
que não se move, aquele que
gratuito, é dar do seu o melhor.
Está no princípio da hospitalida-
não visita, aquele que não de judaica, está no princípio da
Frente aos desafios da contempora- A filósofa Viviane Mosé ressalta pio: se você bate em minha casa de hospitalidade, é um princípio é acessível. Se você não se hospitalidade grega. Precisamos
recuperar isso como não mérito.
MARCIAL
neidade, em especial os fundamen- que a humanidade vivencia uma e eu sou grega, eu abro a porta de circulação e de autoimplicação ver como um estrangeiro,
talismos, as rupturas aos direitos hu- crise civilizatória. Apesar disso, para você entrar. Eu não pergun- e que gera convivência, amiza-
como diferente na relação, Porque hoje toda a nossa vida é Maçan eiro
manos e ambientais e as reiteradas reforça a ideia de que conceitos to nada a você. Eu te levo água, de, estimula a convivência”. Isso contada por merecer, sendo que
violências físicas e simbólicas aos in- como hospitalidade e coexistência são você lava suas mãos, seus pés, provoca a reflexão: atualmente, você sempre vai acusar tudo o que nos faz gente foi dado;
divíduos e às coletividades, o Átrio características intrínsecas às re- eu ofereço a você um lugar para quantas pessoas acolhem e ofere- e condenar o outro como não tem preço”, diz Maçaneiro.
dos Gentios 2017 propôs a reflexão lações humanas. De acordo com você descansar, procuro saber se cem seus serviços antes de inter- diferente. Como é que você Nilton Bonder segue no mesmo Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade
em torno da hospitalidade e da co- a filósofa, esses conceitos encon- você tem fome, se você precisa rogar o desconhecido que bate à Gregoriana de Roma e mestre em Teologia pela
resolve esse princípio, essa caminho apresentado por Ma-
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo
existência, pressupostos necessários tram referência na Grécia Anti- dormir. Quando você está pron- sua porta? çaneiro. Destaca a identidade
para a edificação de novos parâme- ga, pois “segundo a mitologia, foi to, está satisfeito: O que te trouxe tensão entre estrangeiridade e Horizonte. Docente do Programa de Pós-Gradu-
amigável de Deus: um amigo
tros éticos. Zeus quem ordenou esse princí- aqui? O nome disso é princípio nacionalidade? Recuperando ação em Teologia da PUCPR e professor visitante
gratuito, que mesmo sendo Deus no Centro Bíblico, Teológico y Pastoral para Amé-
a humanidade como primeira se deixa aproximar. A metáfora rica Latina (CEBITEPAL), em Bogotá, Colômbia.
identidade. usada pelo rabino para se referir É membro do Núcleo Ecumênico e Inter-Religioso
ESTABELECER UMA BOA CONVIVÊNCIA às atitudes gratuitas de aproxi- (NEIR) da PUCPR e consultor teológico do Insti-
MARCIAL MAÇANEIRO mação, abertura e acolhimento tuto Ciência e Fé. Integra a Red Latinoamericana
é a de tirar os sapatos: “há mo- de Estudios Pentecostales (RELEP) e é teólogo da
A coexistência, apesar de se apre- percebem-se como células de um mentos em que você tem que ti- International Commission for Catholic-Pentecos-
lheu, mas, ao ouvir esse “estran- entre as pessoas. Tomando como estrangeiras em alguma situação tal Dialogue.
sentar como uma necessidade geiro” falar sobre outros deuses, exemplo os filmes de ficção cien- – se não na maioria delas. “Na organismo maior. Dessa forma, rar o sapato, porque o sapato é
humana, precisa ser exercitada e hesitou em oferecer alimento e tífica, o teólogo católico aponta hora que você se move, de um excluem-se, em alguns momen- o lugar onde você está confortá-
cultivada. Aristóteles já defendia hospedagem – ao que Deus re- que onde antes a realidade que se bar para o outro, de uma linha tos de nossa história evolutiva, os vel, é o lugar que você construiu,
a prática de bons costumes como primiu Abraão, visto que o de- projetava era de um futuro tecno- para outra, de um idioma para sentimentos de estrangeirismos onde os seus calos e o seu pé se
forma de incorporá-los. Como safio de amar ao outro como a lógico, atualmente se enfatiza a o outro, de um turismo, de uma e individualismos: “perceber-se amoldou”. Em outras palavras, é
um atleta necessita se exercitar
todos os dias para melhorar seu
si mesmo está, justamente, em
expressar o amor acima das opi-
ideia de destruição em massa, do
planeta, etc. É essa perspectiva de
rua, de um bairro, você é estran-
geiro”.
ninguém, perceber-se finito, frá-
gil e pequeno é a condição da éti-
como se o descalçar dos sapatos NILTON
recolocasse o ser humano em sua
desempenho, atitudes de boa con- niões divergentes, das diferenças destruição de um futuro próximo Nesse mesmo sentido, o pensa- ca. É aí que […] nasce o princí- situação de fragilidade, livre de B on der
vivência precisam estar presentes ideológicas etc. É justamente essa que, segundo Maçaneiro, insere mento de Mosé resgata a história pio de coexistência: sou pequeno, sua autossuficiência, em que so-
no dia a dia para se tornarem há- situação que a sutil pergunta de um sentimento de individualismo do desenvolvimento da humani- me fortaleço no grupo”, afirma mente a dádiva da gratuidade do
bito e auxiliarem na construção Bonder apresenta: “Ninguém na sociedade: “não há lugar para dade e identifica a importância Mosé. encontro com o outro poderá lhe
de uma cultura da hospitalidade conhece as minhas fraquezas, todo mundo, a gente tem que se da convivência em grupo desde Doutor, mestre e bacharel em Literatura Hebraica
Outro binômio apresentado por dar segurança.
e do respeito ao dissenso. Mosé ninguém conhece as minhas vul- isolar e destruir o outro porque o os primórdios. Desde a Antigui- pelo Jewish Theological Seminary de Nova York,
Maçaneiro fala sobre a percep- Em seu último binômio – dis-
concorda com a visão aristotélica nerabilidades, mais do que eu futuro é carente de recurso, não dade a vida em grupo não repre- nos Estados Unidos. Membro do Diálogo Judaico-
ao afirmar que o estabelecimento ção da gratuidade daquilo que córdia e concórdia –, Maçaneiro -Cristão e Organizador do Fórum das Religiões do
mesmo. Mas eu sei o suficiente vai ter espaço”. Para reverter essa senta apenas uma característica
de uma boa convivência gira em gera vida. De acordo com ele, levanta provocações sobre o pa- Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER).
e eu amo a mim mesmo, apesar lógica de pensamento, ele aponta essencial da vida humana – além
torno de ações práticas. Segundo quando o indivíduo esquece que pel das religiões, afirmando que É rabino da Congregação Judaica do Brasil e diri-
disso. Será que há um espaço a necessidade de reflexão a par- de contribuir na proteção do
a professora, a criação de boas para gostar do outro com todas tir de três binômios de constru- grupo –, mas a percepção que os também precisa ser acolhido, sempre haverá concórdias e dis- ge o Midrash Centro Cultural no Rio de Janeiro,
atitudes e bons comportamentos as suas fraquezas também?”. ção do futuro: estrangereidade e homens têm sobre si mesmos. No hospedado e cuidado, perde au- córdias entre os credos. Entretan- além de ser autor de livros internacionalmente re-
significa um modo modesto de tomaticamente a noção de dádi- to, as diferenças não podem levar conhecidos sobre diversos temas vistos sob a ótica
Para o sacerdote Marcial Ma- nacionalidade, dádiva e dívida e grupo, na tribo, no clã, os indi-
dizer que “somos fracos, somos va e passa a cobrar aquilo que faz a matar o outro, a segregá-lo ou judaica. Ganhador do prêmio Jabuti 2000.
çaneiro, o momento que vive- concórdia e discórdia. víduos enxergam-se como parte
pequenos, precisamos dos outros, mos fala sobre a perda de visão O primeiro binômio traz o prin- de um todo, sentem-se integra- ao outro. “A primeira coisa que prejudicá-lo de qualquer forma.
precisamos aceitar o outro, criar de futuro, o que afeta a relação cípio de que todas as pessoas são dos com o grupo e a natureza, exclui os outros da hospitalidade Para o representante católico, “aí
condutas”. Daí a dificuldade!
Pois a autossuficiência humana
representa um obstáculo ao re-
Nós só somos alguém a partir
conhecimento das fragilidades
existenciais. Contudo, “essas
da consciência de que somos ninguém.
Então, perceber-se ninguém, perceber-
VIVIANE
condutas nos levam a uma vida se finito, frágil e pequeno é a condição Mosé
ética, a uma vida mais comum, da ética. E aí que eu acho que nasce o
mais agradável, respeitosa”, con-
princípio de coexistência: sou pequeno,
clui Mosé.
Seguindo essa linha de racio- me fortaleço no grupo e é isso que vai Doutora e mestra em Filosofia pela Universidade
cínio, o rabino Nilton Bonder acontecer com a nossa espécie. Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Psicóloga e psi-
alerta para a importância da canalista formada pela Universidade Federal do
hospitalidade para com aqueles Espírito Santo (UFES). Professora convidada da
VIVIANE MOSÉ Fundação Dom Cabral. Atuou na formação de
que necessitam de acolhimento,
independentemente de “quem é professores da educação infantil e na reformulação
o estrangeiro”. Com base na his- curricular da rede pública de ensino do estado do
tória de Abraão, Bonder discorre Espírito Santo e do município de Cachoeiro de Ita-
sobre a identidade divina de um pemirim. Desenvolveu e apresentou o quadro “Ser
Deus amigo e próximo dos seres ou não ser” do Fantástico, na Rede Globo. É auto-
ra de diversos livros de poesia, filosofia e educação,
humanos. Lembra a história de
tendo sido indicada ao prêmio Jabuti em duas oca-
um peregrino que buscou refúgio
siões (2002 e 2013).
na tenda de Abraão. Este o aco-

12 DOSSIÊ ICF 2017

DOSSIÊ ICF 2017 13


entra o princípio da tradução: as religiões hoje estão

PUBLICAÇÕES
traduzindo as discórdias em concórdias?”.
Nesse sentido, Mosé afirma que a discórdia que per-
MARÇO
meia as relações sociais e pessoais é identificada como
um dos pontos da crise civilizatória: “se a gente qui- Lançamento do boletim Inspirados pelo propósito do projeto
ser sair dessa situação, é urgente resgatar essa noção “De olho nas juventudes” Átrio dos Gentios, bem como pelo tema
de partilhar, de coexistir, de hospedar”. Mergulhando pelo Observatório das da edição, o bate-papo ocorrido na
novamente na história da humanidade, a filósofa apon- Juventudes. A primeira
tarde do dia 12 de setembro de 2017,
ta duas formas de civilização: a piramidal, egípcia, que edição traz como tema a
“Mortalidade juvenil no no TUCA, propôs uma conversa entre
dá contornos retos, limites e ordem; e a do círculo, de
origem grega, que integra e permite a manutenção do Brasil”. as juventudes e pessoas que vivenciam e
movimento mesmo tendo limites. Para ela, a atual crise atuam em contextos de invisibilidades
civilizatória caracteriza-se justamente pelo limiar entre e vulnerabilidades. A proposta foi
a pirâmide e o círculo, ou seja, atualmente não há um MAIO proporcionar um momento de encontro
sistema definido, não se opera em nenhum dos dois sis- no qual os jovens puderam dialogar
temas: “estamos no meio, estamos exatamente na tran- Lançamento do livro Mística, a partir de diferentes experiências
sição de um modelo piramidal para um modelo circu- sabedoria e autoridade no século
lar, que me parece muito mais amplo, mas vivemos o de vida e vislumbrar possibilidades
XIX | Essa obra que traz
caos dessa transição e é urgente que a gente se posicione estudos sobre o primeiro
para a construção de uma cultura da
nesse processo”, diz Mosé. Superior Geral dos Irmãos hospitalidade em nossas cidades.
Em suma, o estabelecimento de parâmetros éticos que Maristas é resultado de
apontem para novos modelos sociais e culturais funda- dois anos de pesquisa do
dos no encontro, no diálogo e na cooperação é o cami- Laboratório de Estudos
nho que garantirá a continuação da humanidade. Não Irmão Francisco, realizado

BATE PAPO
existem respostas prontas para essa crise civilizatória, em parceria entre o Instituto ÁTRIO – BATE PAPO
apenas possibilidades que dependem da responsabilida- Ciência e Fé da PUCPR e o JOVEM
de dos indivíduos que pensem coletivamente. Ao mes- Memorial Marista do Grupo
mo tempo em que o individualismo tem influenciado PÚBLICO ATINGIDO - 89
Marista.

JOVEM
os problemas sociais anteriormente citados, é a ação Acadêmicos de 5
individualizada aliada ao senso de coletividade que outras instituições
será capaz de ajudar na desconstrução desses contex- Alumni (egressos) 1
tos de intolerância e preconceito com o diferente. Uma AGOSTO Colaborador Marista 13
nova ética que tenha por pressuposto tais características
emergirá não de modelos preconcebidos, mas do exer-
cício cotidiano de atitudes que visem à construção de
Lançamento do boletim
“De olho nas juventudes”
CRÔNICA DE PROTAGONISMO Comunidade 8
Estudante PUCPR 59
uma cultura da hospitalidade e da coexistência entre os (2ª edição) pelo Observatório
mais diferentes povos, culturas e religiões do planeta. Professor PUCPR 3
das Juventudes. Em sua Antes que qualquer palavra fosse pronunciada, aquele cenário se
segunda edição, traz como encarregou de dizer algo. Os jovens que ocupavam o palco, as duas mo-
tema “Um panorama do ças que vestiam o símbolo de sua causa e o senhor que calçava sandálias,
Hospitalidade não é aquela primeira ensino superior no Brasil”. antecipavam em cena a mensagem de coexistência que seria trazida pelos ELENCO
hospitalidade que adora receber alguém testemunhos de vida que lá seriam ditos. O lugar de protagonismo onde
todos viam e eram vistos, ouviam e eram ouvidos, formava um símbolo
em casa e mostrar nossa casa, mostrar nossa
comida, e mostrar nossa cultura; é um ato AGOSTO
vivo de denúncia contra as invisibilidades e de anúncio de uma outra “TIO” MAURÍCIO
forma possível de vivermos juntos.
de acolhimento, mas é um ato de acolhimento Quando a palavra se tornou audível, as histórias ali contadas falavam de (Maurício Alves Pereira)
de alguém que se amolda a esse lugar. vidas dedicadas a trazer luz àqueles que foram colocados sob as cortinas
Dossiê Átrio dos Gentios da indigência. As tragédias narradas nada tinham de ficção, relatavam as Membro da Pastoral do Menor há mais de 20 anos, tra-
O que fazer quando o desafio é realmente | Após a realização da 1ª dores de uma gente sem lugar, cuja esperança lhes foi tolhida. balha junto à população de rua de Belo Horizonte, em
do diferente, da diferença, das diferenças? edição do Átrio dos Gentios Minas Gerais, especialmente com crianças e jovens. É
“Tocar aqueles que ninguém toca faz nascer a justa indignação que mo-
na PUCPR, em abril de 2016, fundador da Associação Casa Madre Tereza de Calcutá,
NILTON BONDER o Instituto Ciência e Fé lança
tiva a atuação”, disse o sábio tio à jovem que passou a construir casas
quando viu a ganância retirar até as paredes de quem já nem possuía que atua com crianças, jovens e mulheres em situação de
um dossiê que compila as teto. A experiência de quem doou toda uma vida e a sede juvenil de vulnerabilidade. Também é autor do livro O beijo de Deus,
reflexões realizadas naquele transformação contracenavam numa linda dança de saberes, embalada um relato de experiência da sua vivência junto ao povo
momento e convida pelo mesmo sentimento que pulsava uníssono em seus corações: compai- de rua.
ÁTRIO – JOINVILLE ÁTRIO – CURITIBA à continuidade do debate. xão e empatia.
PÚBLICO ATINGIDO - 220 PÚBLICO ATINGIDO - 630 Como num solo magistral, o veterano fazia ecoar suas grandes questões:
Acadêmicos de 75 Acadêmicos de 53
Que sinal somos? O que estou fazendo no mundo? Olhar para quem PAULA GODOY E ANA CHEN
outras instituições outras instituições DEZEMBRO sofre e perguntar: O que podemos fazer juntos? Mais do que estatísticas,
é preciso celebrar vidas. voluntárias da ONG TETO
Alumni (egressos) 0 Alumni (egressos) 65 De repente, o prelúdio de um “gran finale” parece despontar em meio ao
Publicação do documento Há 10 anos no Brasil, a TETO é uma organização in-
Colaborador Marista 12 Colaborador Marista 82 trágico enredo. Um roteiro cujo desfecho se tornará ato por meio de ato-
referencial da Área ternacional presente na América Latina e no Caribe que
res dispostos a protagonizar fora dos palcos, enquanto contracenam com
Comunidade 88 Comunidade 99 Identitária intitulado Ação trabalha pela defesa dos direitos de pessoas que vivem nas
personagens que ganharão vida em sua companhia. Um script capaz de
267 Evangelizadora Marista na favelas mais precárias e invisíveis, diminuindo sua vulne-
Estudante PUCPR 41 Estudante PUCPR dar sentido a arte da vida real e que ao fechar das cortinas possibilitará
Educação Superior. rabilidade por meio do engajamento comunitário e da
Professor PUCPR 4 Professor PUCPR 64 repetir as palavras do senhor de sandálias: “nunca tirei ninguém da rua,
saímos juntos”. mobilização de jovens voluntários.

14 DOSSIÊ ICF 2017 DOSSIÊ ICF 2017 15


DEPOIMENTOS
O PÊNDULO DO “Adorei todos que participei. Contribuiu muito para pensar mais amplamente sobre
diversas questões, principalmente, neste ano, a Ética. Diversos pensadores me fizeram
INSTITUTO CIÊNCIA refletir sobre vários pontos. Além disso, os eventos foram sempre muito bem organizados.”

E FÉ EM 2017 RAFAEL MATTA CARNASCIALI colaborador Marista


Em 2017, o Instituto Ciên-
cia e Fé resolveu lançar seu
pêndulo com uma temática
norteadora para seus proje- “Projetos inteligentes que colocam em pauta assuntos pertinentes para o desenvolvimento
tos e ações. “Uma Ética para humano e social, dentro do contexto institucional. Avalio ser hoje a estrutura que representa
os novos tempos” foi a esfe-
o core do carisma e da missão, o que exige uma conscientização ampliada da sua função.”
ra do pêndulo que lançamos
dando movimento a uma sé-
rie de eventos e trabalhos do CARLOS DOMINGOS NIGRO arquiteto, urbanista e professor da PUCPR
Instituto. Agora, a esfera de
retorno desse pêndulo é aque-
la que nos traz as críticas e os
elogios. Acreditamos que tão
importante quanto a criativi- “Os projetos do Instituto Ciência e Fé proporcionam para a sociedade um debate e/ou
dade e a propositividade de uma busca para o conhecimento de assuntos que são pertinentes a qualquer indivíduo.
atividades é saber absorver as Estimula a pessoa a levar estes assuntos para fora, além da onde foi apresentado, para que
observações dos nossos parti-
mais pessoas obtenham conhecimento e se abram para novos pensamentos sobre a vida. É
cipantes e, com elas, repensar
nossas ações. É nesse sentido comum os temas falarem sobre coisas que acontecem no meio onde estamos e no momento
que o movimento do pêndulo que vivemos, e isto é ótimo para atualizar conceitos, aprender novos e refletir sobre o que
tende a nos servir como ponto pensamos para aperfeiçoarmos nosso entendimento.”
de equilíbrio entre nossos pro-
jetos e as expectativas da co-
munidade acadêmica e exter- KELVIN RUTHS LOURENÇO estudante de Teologia da PUCPR
na. A seguir, reunimos alguns
relatos dos participantes dos
nossos projetos e gostaríamos
de compartilha-los com vocês. “Participei do Café Filosófico e avalio o projeto de forma extremamente positiva. Antes da
PUCPR já havia estudado em outras duas instituições educacionais e o fato da PUCPR
ter esse tipo de iniciativa mostra a importância que a universidade dá à formação ampla
e humanista do estudante. O espaço físico da Arena Digital, apesar de um pouco pequeno,
é acolhedor e bem-estruturado. Os professores/pensadores que a PUCPR traz são pessoas
extremamente importantes no cenário acadêmico, que enriquecem de forma extraordinária o
histórico do Café Filosófico da instituição, dos alunos e do público em geral. Dar a chance
aos estudantes e à comunidade de participarem do projeto de forma gratuita demonstra que
a universidade tem uma vontade real de disponibilizar conteúdo e trocas de informações de
qualidade como forma de dever social. O café gratuito ofertado durante o evento coroa meu
encanto com o projeto. Nos detalhes é demonstrada a valorização do público.”

ARIANE MIAKE estudante de Direito da PUCPR.

16 DOSSIÊ ICF 2017


DOSSIÊ ICF 2017 17
“Todos os eventos que tive o prazer de participar foram bastante organizados
(on-line e off-line) e em ambiente agradável.”

NATALIA COLOMBO mestranda da UTP

“As atividades desenvolvidas foram bastante interessantes e alinhadas com os princípios


institucionais da PUCPR. As atividades agregaram conhecimento e valor às horas
dedicadas. Percebi também que as atividades nos motivaram para a reflexão sobre o papel
e a influência da espiritualidade em nossas vidas, em nossas ações e tomadas de decisão.”

RICARDO PADILHA VIANNA FILHO professor do curso de Química da PUCPR

“Fico à espera dos e-mails com a programação, pois há variedade temática e grande
qualidade dos profissionais que participam dos eventos.”

ELIANE ZAIONC professora, público externo

“Eu achei os temas abordados muito pertinentes ao momento que estamos vivendo, tanto
no âmbito político quanto filosófico. É uma maneira de sermos levados a refletir mais
profundamente sobre as mudanças de paradigmas da sociedade contemporânea, porém
com aportes e contribuições de estudiosos, pesquisadores em filosofia. É uma ótima
oportunidade para o diálogo da academia com o público universitário e leigo.”

ANGELA DEEKE SASSE professora do curso de Música da PUCPR

“Temas bem relevantes, entretanto, por ir como comunidade geral ainda sinto que as
abordagens científicas ficam bem acadêmicas. Se realmente a ideia é aproximar a
comunidade dos projetos precisa-se pensar um plano de aproximação efetiva e linguagem.
A apresentação sobre o Sudário conseguiu isto, as outras passaram mais longe.”

MURILO MARTINHAKI coach

“Os convites do ICF da PUC para participar de eventos sobre questões da atualidade
são momentos felizes. Encontramos amigos. Degustamos o café e a filosofia. Entramos
mergulhados numa atualidade opaca. Retornamos trazendo uma espécie de ‘cesta básica
espiritual e intelectual’ com a qual alimentamos nossas conversas domésticas.”

ANTONIO JOÃO E RUTH MARTINS MANFIO professores aposentados

18 DOSSIÊ ICF 2017


TRANSIÇÃO ENTRE A MODERNIDADE
E A PÓS-MODERNIDADE DEIXA VÁCUO NA SOCIEDADE

O sociólogo francês Michel Maffesoli acredita que é nesse espaço


de tempo que a transição entre moral e ética está acontecendo.

Considerado um dos maiores so- Trump, a própria insatisfação na aquilo que foi elaborado no sécu-
ENTREVISTA COM ciólogos da atualidade e especia- Itália contra o Matteo Renzi ou o lo 18. Já a ética pode ser definida
lista da pós-modernidade, Michel interesse pela Le Pen na França, como particular, tribal. Cada co-
MICHEL MAFFESOLI Maffesoli articulou sobre ética e todos estão ligados diretamente munidade tem a sua ética, pode-
novos tempos na PUCPR, no mês com a insatisfação de cada povo mos até exemplificar que a máfia
por Lais de abril. O francês, que faz parte em relação ao oficial. também tem ética, mas não tem
Capriotti do corpo docente da Universida- moral.
de Paris-Descartes, já escreveu Não podemos dizer que é neces-
mais de 90 livros sobre sociologia O senhor acredita que o Es- sariamente uma mudança no mo-
e é reconhecido pelo seu conceito tado Islâmico e seus segui- delo ético, mas sim que estamos
de neotribalismo. dores perpetuam essa mes- aprendendo o modelo ético. A so-
Em conversa sobre um novo mo- ma linha de pensamento? ciedade está aprendendo a passar
delo de ética na pós-modernida- Não, nós não podemos misturar de uma moral geral para a convi-
de, Maffesoli afirma acreditar a linha de pensamento do Estado vência com éticas que são parti-
que está acontecendo uma tran- Islâmico com os demais. É uma culares, comunitárias. E acredito
sição de Era, e consequentemen- forma de crença diferente nesse que esse seja o grande problema
te da maneira como a sociedade momento. atual, passar do geral para essa
está pensando. Durante três séculos a moderni- particularidade. Precisamos nos
dade descartou o Sagrado. Do adaptar a essas pequenas éticas, o
século 17 em diante aconteceu o que pode demorar cerca de cinco
Na década de 1980, o se- que chamamos de desencantamento décadas para ser concluído, mas
nhor passou a utilizar o ter- do mundo, ou seja, o descarte do só será possível com o tempo.
mo “neotribalismo” para Sagrado. Para o Estado Islâmi-
se referir às novas relações co esse desejo do Sagrado acaba
entre os indivíduos pós-mo- se expressando de uma maneira O que o senhor acha sobre
dernos. Olhando para o ce- perversa e que se tornou san- a PUCPR promover eventos

CICLO DE CONFERÊNCIAS
nário atual, onde pululam guinária, gerando as ações que sobre ética para a comu-
grupos fundamentalistas e vemos atualmente. Mas não po- nidade acadêmica? Qual a
ideias sectaristas, pode se demos afirmar que isso se dá ao importância desse assunto
dizer que Donald Trump e fato da insatisfação com o oficial na construção de um profis-
Marine Le Pen, por exem- daquele povo. sional?
plo, representam vetores Eu entendo a universidade como
Os provocantes debates sobre a nado pela transição entre a mo- ral que ampara a possibilidade de pos” e queremos compartilhar de agregação de um confu- um lugar onde se aprende a pen-
possibilidade de “Uma Ética para dernidade e a pós-modernidade. um “comunitarismo” na contem- com você, caro leitor, o que cada so descontentamento social Diante disso, os paradigmas sar. Acredito que para pensar
os novos tempos”, tema do Ciclo Tal transição caracteriza a passa- poraneidade. Em qualquer lugar um deles pensa sobre essa ques- com o projeto civilizacional éticos dos pensadores mo- corretamente é preciso justamen-
de Conferências de 2017, propôs gem da moral à ética. Enquanto que as pessoas estejam, sentem tão. Para esse debate, contamos moderno? dernos ainda se sustentam te pensar. É próprio da universi-
o desafio de rever a forma como a moral foi um projeto dos mo- indignação com problemas de or- também com a presença de dois Existem épocas de transições na ou seria necessário um novo dade, o objetivo principal desse
pensamos e agimos no mundo dernos e caracterizava-se pela sua dem econômica, política e social. renomados professores brasilei- nossa sociedade. Esses espaços modelo aplicado à pós-mo- ambiente. O ponto de partida
contemporâneo. Em um cenário universalidade, a ética é própria O que isso representa, defende ros. Debatendo o tema com Maf- duram em média cinco décadas, dernidade? é sempre cumprir a vocação da
global marcado por fundamen- da pós-modernidade, onde agora o filósofo, se não expressar que fesoli, tivemos Juremir Machado, e um desses espaços está entre Existe uma distinção entre moral universidade e só depois de pro-
talismos, crises políticas, sociais e os grupos ou, na típica expressão compartilhamos de um fundo coordenador da Pós-Graduação a modernidade e a pós-moder- e ética. Modernidade é a mo- vocar os alunos a pensarem sobre
econômicas, nos vemos impelidos de Maffesoli, as “tribos” decidem moral para determinadas ques- em Comunicação da PUCRS, e nidade. É então que avistamos ral, pós-modernidade é a ética. assuntos da sociedade é que po-
a questionar nosso papel como sobre o seu modo de agir. tões que não se restringem a local para o debate com Gilles Lipovet- os valores modernos chegando É muito importante que a gente demos discutir política, economia
agentes de transformação e de Já para o filósofo Gilles Lipovet- ou momento histórico? sky, o professor César Candiotto, ao fim enquanto os valores pós- não confunda essas duas coisas, e tudo que move o mundo. Então,
ressignificação da realidade. sky, teórico da hipermodernida- Esses dois grandes intelectuais um dos maiores especialistas do -modernos ainda não estão com- pois a maioria das pessoas toma acredito que eventos onde pro-
Para muitos intelectuais, em espe- de, apesar do individualismo que estiveram na PUCPR para de- pensamento de Michel Foucault pletamente aceitos na sociedade. um pelo outro. movem o pensamento e a troca
cial o sociólogo Michel Maffesoli, a sociedade contemporânea sus- bater sobre as possibilidades de no Brasil. A curadoria do projeto Essa lacuna de tempo existe, é um A moral é aquilo que é geral, de cultura são fundamentais para
enfrentamos o vácuo proporcio- tenta, há um plano de fundo mo- “Uma Ética para os novos tem- foi do professor Fabiano Incerti. vácuo. Nesses momentos existe aplicado em qualquer lugar, em a provocação do pensar e assim
uma espécie de oposição entre a qualquer época. Um bom exem- poder iniciar uma construção
sociedade oficial e a extraoficial. plo é o direito dos homens, tudo profissional.

20 DOSSIÊ ICF 2017 DOSSIÊ ICF 2017 21


PERFIL DOS CONVIDADOS PERFIL DOS CONVIDADOS
UMA ÉTICA PARA
A COMUNHÃO SOCIAL OS NOVOS TEMPOS
Ju r e m i r M a c h a d o
Excertos de um pensamento
GILLES
crítico e criativo Lipovetsky

Michel Maffesoli esteve na PUC do Paraná em 2017 onde expôs suas


ideias com o entusiasmo de sempre. Ele é um homem de erudição, Filósofo francês, leciona na Universi-
MICHEL o que aparece na sua predileção pelo retorno à origem das palavras, As citações que se seguem foram retiradas da palestra
proferida por Gilles Lipovetsky na noite de 10 de outubro
dade de Grenoble. Teórico da hiper-
mergulhando no latim e no grego para descobrir sentidos e fazer modernidade, analisa a sociedade pós-
M a f f es o l i emergir possibilidades. Afinal de contas, o que é a pós-modernidade que aconteceu na PUCPR. Os excertos aqui selecionados
-moderna, marcada, segundo ele, pelo
para ele e o que caracteriza nossa atualidade? A resposta não pode ser buscam manter os contornos e as expressões principais do
Sociólogo francês, considerado um dos desinvestimento público e pela perda
mais clara: o encontro do arcaico com a tecnologia de ponta. Rapi- pensamento do filósofo.
fundadores da sociologia do cotidiano e de sentido das grandes instituições mo-
conhecido por seus estudos sobre a pós- damente ele percebeu que o novo mundo da internet é um universo rais, sociais e políticas. Lançou diversos
-modernidade, o imaginário e a populari- infinito de trocas, de circulação de afetos e de tribalização da exis- livros tratando desses assuntos, entre
zação do conceito de tribo urbana e pelo tência. Onde outros veem isolamento, Maffesoli vê aproximação. A eles A felicidade paradoxal, O luxo eterno,
desenvolvimento de conceitos como socie- tecnologia desviada pelo arcaico: o passional, o afetivo, o religioso, o A era do vazio, O império do efêmero, Cul-
dade comunitária e tribal. Faz parte do corpo que existe desde sempre como vínculo.
docente da Universidade Paris-Descartes. “[…] Não se pode negar que, nas sociedades contemporâneas, as ideo- tura-mundo, A estetização do mundo e A tela
Maffesoli é um pensador da comunicação. O homem para ele se con- global. Doutor Honoris Causa pela Uni-
É secretário geral do Centre de recherche sur logias de sacrifício praticamente desapareceram. Ninguém mais fala de
l’imaginaire. Autor de livros como O confor- sagra na relação com o outro. Inúmeros são os termos do vocabulá- versidade de Aveiro e pela PUCRS.
mismo dos intelectuais, O conhecimento comum, O rio teórico de Maffesoli que remetem à comunicação e impregnam o sacrifício. O sacrifício tornou-se um termo do qual não se ouve mais
instante eterno. É doutor Honoris Causa pela nosso imaginário: tribalismo, estar junto, efervescência social, ideal falar. Ainda me lembro, relendo os livros de textos morais dos jovens, que
Universidade Autônoma do México, pelas comunitário, dionisíaco, conjunção social, comunhão, laço social, cul- se escrevia no quadro que um francês deve morrer pela França. Aprender
Universidades de Bucareste e de Braga e tura do sentimento, nomadismo, imaginário (que para ele é sempre
também pela PUCRS. social), jogo social, diversidade, estilo, vitalismo, ética do estético, sin-
a saber morrer! Haveria um processo se hoje alguém fizesse isso! Iriam
dizer que a escola estava fazendo uma doutrinação ideológica terrível!
CESAR
ceridades sucessivas, redes, pluralismo, cimento social, empatia, pre-
eminência do todo, nomadismo comunitário, fusão, atração, presen- Não existem mais ideologias de sacrifício. Até mesmo os humanitários, Can diotto
teísmo, divino social, identificação, comunhão virtual, compreensão, que são pessoas extraordinárias, não falam em sacrifício. Eles dizem: ‘A
“socialidade” e hibridismo. gente quer ajudar o próximo, mas a gente não quer se sacrificar”. A noção
Para Maffesoli, em ciência, explicar é essencial. Mas compreender
também. A compreensão é empática. Exige colocar-se no lugar do
de sacrifício foi prejudicada pelo surgimento de valores individualistas. E Filósofo brasileiro, leciona no Progra-
será que isso significa o desaparecimento da ética ou simplesmente uma ma de Pós-Graduação em Filosofia da
outro, tentar pensar e viver como ele. Mostrar pode ser tão importante
Pontifícia Universidade Católica do
quanto demonstrar. A pós-modernidade, segundo ele, é essa ascen- transformação? Aí está o centro da questão. Estamos testemunhando a
Paraná (PUCPR). Formado em Teolo-
são do homo aestheticus. Homem da comunicação. Homem de comu- erosão, o desaparecimento, não da moral, mas das ideologias de sacrifício gia pela Pontifícia Universidade Cató-
nhão, homem da relação, do estar junto, da vibração em comum, do
no sentido absoluto do termo […]. lica do Chile, tem formação em Filoso-
compartilhamento, das sensações e emoções. Situação de ligação que
fia e mestrado pela PUCPR. Realizou
favorece as “conexões”, as “correspondências”, as interfaces, os cruza-
JUREMIR mentos. Compreender essas relações complementares e antagônicas,
fronteiriças, de interface, pelas quais a comunicação se dá, embora
[…] Ao mesmo tempo em que desaparecem as ideologias de sacrifício
ou as éticas sacrificiais, estamos vendo surgir o que eu chamei de éticas
doutorado em Filosofia na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
M a ch a d o (PUC-SP). É autor e coautor de vários
sem, necessariamente, superar todos os obstáculos, tem sido o seu indolores. São éticas que não exigem grandes esforços. Por exemplo, existe livros, dentre eles Foucault e a crítica da
d a Si l va grande desafio intelectual.
na Europa um programa de televisão famoso chamado Telethon. Durante verdade e Foucault e o cristianismo.
É uma forma de evidenciar a diversidade cultural e de mostrar que a
Graduado em História e em Jornalismo construção dos imaginários sociais é sempre obra coletiva e com múl- uma noite inteira, o público é convidado a doar dinheiro, aliás, com resul-
pela PUCRS, onde também fez especiali- tiplas entradas e saídas. Todo o trabalho de Maffesoli parece indicar tados impressionantes, para causas sociais. As pessoas são cada vez mais
zação em Estilos Jornalísticos. Passou pela
Faculdade de Direito da Universidade
que tudo é comunicação e que toda comunicação é laço social, mas, generosas, elas enviam muito dinheiro, em grande quantidade. Mas, ao
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
ao mesmo tempo, que a comunicação não pode ser reduzida ao traba- mesmo tempo, a referência, a qualificação de moral assume um look, eu CICLO DE CONFERÊNCIAS
onde também chegou a cursar os créditos lho da mídia ou de um emissor hegemônico. Comunicar é comungar,
dividir, produzir calor humano, juntar, associar. Em outras palavras,
diria, de um novo tipo. Durante muito tempo, a moral vinha dos sermões PÚBLICO ATINGIDO - 398
do mestrado em Antropologia. Obteve
o diploma de Estudos Aprofundados e o a comunicação é sempre um ruído, um desvio, uma infinidade, para dos padres na Igreja. E agora temos um tratamento da ética que é, como
Acadêmicos de 99
doutorado em Sociologia na Universidade usar a terminologia de seu mestre Gilbert Durand, de “trajetos antro- dizem os americanos, fun. São as celebridades, o rock, os dançarinos, é outras instituições
Paris-Descartes, onde também fez pós- pológicos” desaguando em “bacias semânticas” abertas e formadas uma festa. A ética se combina de uma nova maneira, ela se mistura ao Alumni (egressos) 36
-doutorado. Como jornalista, foi corres- pela confluência de canais, rios, riachos, lagos, mares e oceanos exis-
pondente internacional de Zero Hora em hedonismo, ao prazer, aos famosos. E, ao mesmo tempo, as pessoas dão Colaborador Marista
tenciais inesgotáveis. 33
Paris, trabalhou na IstoÉ e colaborou com Maffesoli usa poucas vezes a palavra comunicação nos seus livros. coisas, mas isso não exige que elas entreguem a si mesmas. Elas enviam
a Folha de S.Paulo. Atua como colunista Comunidade 46
Mas dá uma pista para os jornalistas: “A sociedade da informação, um cheque, maior ou menor, mas, obviamente, isso não é muito difícil. E
do Correio do Povo desde o ano 2000. Tem Estudante PUCPR 109
inúmeros livros publicados no Brasil. Co-
portanto, pode até fazer crer que o mais importante são os seus jor- o que caracteriza o ato, nesse momento, é que são éticas, antes de mais
ordena o Programa de Pós-Graduação em nais, televisões e rádios, mas no fundo o que conta é a partilha cotidia- nada, estimuladas de fora, em função de catástrofes, por exemplo. Então Professor PUCPR 75
Comunicação da PUCRS. na e segmentada de emoções e de pequenos acontecimentos. Mesmo
as mídias fazem um apelo e as pessoas dão dinheiro. Mas tradicional-
na internet o aspecto interativo predomina sobre o utilitário”. Há,
como na poesia, valor no “inútil”. Ouvir Maffesoli é sempre uma for- mente a ética vem de um quadro de referência interior em função de uma
ma de pensar generosamente o cotidiano. visão de mundo […].

22 DOSSIÊ ICF 2017 DOSSIÊ ICF 2017 23


FILMES E LIVROS QUE ABORDAM […] Para mim um ponto essencial em nível teórico: primeiro, o individua-
TEMÁTICAS RELACIONADAS À ÉTICA lismo não é sinônimo de egoísmo. Esse é um ponto crucial. O egoísmo é uma
propensão do individualismo. Não é a única. Devemos parar de associar A FONTE DA DONZELA
individualismo e egoísmo. O princípio do individualismo é o princípio da au- Filme sueco, de 1959, diri-
FILMES tonomia. Reconhecimento do princípio da autonomia individual. Mas auto-
nomia não é egoísmo. O egoísmo é uma categoria moral. A autonomia é uma
gido por Ingmar Bergman,
relata a história de uma
[…] Observo que a indignação moral não desapareceu de forma família nobre, em plena
categoria mais metafísica, se posso dizer, do que moral. E, nessas condições,
alguma. Qualquer um pode fazer uma experiência muito sim- Idade Média, que é sur-
proponho distinguir duas categorias de individualismo: um individualismo
A COR DO PARAÍSO ples: ouvir as informações na televisão, ficar sabendo da morte
que eu chamo de irresponsável, isto é, um individualismo que leva em conta
preendida pelo desapare-
de uma velhinha que foi estrangulada por causa de um pouco cimento de sua única filha,
Produção iraniana apenas os interesses do indivíduo: Eu! Eu e dane-se o resto. Os outros não uma jovem bela e cheia de
de 1999, dirigido de dinheiro. Vocês não a conhecem, então, em termos puramente
têm direito, só me interesso por mim mesmo. Mas há outro, felizmente, que é o confiança em sua beleza. A
por Majid Maji- individuais, isso deveria deixá-los indiferentes. Não é o que acon- jovem fora estuprada e as-
di, narra a como- tece. As pessoas podem ficar sinceramente revoltadas por conta individualismo responsável: indivíduos que desejam ser livres, isto é, governar sassinada por pastores, que
vente história de suas próprias vidas e não ser governados, levando em conta a existência e o in-
de ações que consideram absolutamente ignóbeis. A sensação de depois tentarão vender suas roupas justamente na
Mohammad, um
menino cego que indignação moral não despareceu de jeito nenhum. E em múlti- teresse dos outros. Meus direitos, mas não apenas os meus direitos. Os direitos casa dos pais daquela que assassinaram. Ao tomar
mora numa escola plos fenômenos: a corrupção, os roubos, os estupros, os incestos, dos outros e o direito das gerações futuras. Isso não quer dizer que há pessoas ciência do acontecido e fazer justiça com as pró-
para deficientes vi- as novas formas de escravidão suscitam verdadeira indignação, que são responsáveis e outras que são irresponsáveis. Todos somos uma mistu- prias mãos, o senhor da casa vê-se arrependido.
suais e que, nas fé- Há, aqui, uma análise ética do arrependimento e
mesmo quando nada disso lhes diz respeito. E esse é um fenôme- ra disso tudo. Às vezes, temos comportamentos que significam individualismo
rias, volta para seu suas relações com a fé.
no muito interessante porque, se temos uma visão muito negati- responsável, às vezes, não […].
vilarejo, nas monta-
nhas, onde convive com as irmãs e sua ado- va do individualismo, não o entendemos. Uma visão puramente
rada avó. O pai, que é viúvo, se prepara para egocêntrica diz: ‘Bom, meus filhos OK, minha esposa OK, mas
casar-se novamente e encara a presença do o resto tanto faz’. Não é o que vemos. Vocês podem ficar sincera-
[…] Precisamos de ética, mas a ética por si só é impotente. Não são os
sermões que mudam as pessoas e que resolvem questões que ficam cada
BILLY ELLIOT
menino como um estorvo para a nova vida mente indignados, revoltados, escandalizados por coisas que não
que pretende levar. Aborda, além das ques- vez maiores. Vou dar alguns exemplos. Nós temos, como vocês sabem, Produção inglesa do ano
tões familiares, o dilema ético da exclusão e
lhes dizem respeito. E isso não desapareceu […].
enormes problemas: aquecimento global, poluição, problemas ecológicos, 2000, dirigida por Ste-
inclusão. phen Daldry, aborda as
[…] Existe uma série de comportamentos que mostram que o alimentar 10 bilhões de pessoas em 50 anos. 10 bilhões! Não é a moral
temáticas do preconcei-
coração do homem contemporâneo não é mais duro do que era que vai resolver esses problemas. O que deveria resolver? Temos de investir
to. Billy Elliot é um ga-
antes. Isso é um mito. Criamos um passado idealizado, ficamos no conhecimento. O conhecimento não dá conta de tudo, mas sem a tec- roto de 11 anos que vive
LADRÕES DE BICICLETA imaginando que antigamente as pessoas se ajudavam, eram co- nociência não resolveremos esses problemas. Sem investimentos em labo- numa pequena cidade
munitárias, todos amparavam uns aos outros. É óbvio que isso ratórios, universidades, pesquisas, não estaremos à altura dos problemas da Inglaterra, onde o
Ladrões de bicicle- é uma mentira. Os antropólogos demonstraram que nas aldeias da humanidade. Devemos lutar, e não é no Brasil que eu vou ensinar isso, principal meio de susten-
ta, de Vittorio De to são as minas de car-
Sica (1948), tem
havia ódio, ciúmes terríveis. Terríveis! O homem não ficou pior. temos que lutar contra a corrupção, que é uma ferida considerável. Como
vão. Obrigado pelo pai a
uma trama nar- Pode não ter ficado melhor, mas não está pior do que era antes. E vocês sabem, sermões éticos não são suficientes […]. treinar boxe, Billy fica fascinado com a magia do
rativa singela: um quando acontecem desastres, agora mundiais e que infelizmente e balé, com o qual tem contato através de aulas de
desempregado, certamente vão se multiplicar no futuro por causa do aquecimen-
Antonio Ricci, con-
[…] Na minha opinião, a ética do futuro exige, antes de mais nada, lite- dança clássica que são realizadas na mesma acade-
to global, vemos movimentos de solidariedade. No Haiti, vizinho ralmente, uma difusão da reflexão ética no ensino, especialmente no ensino mia onde pratica a luta. Incentivado pela professo-
segue uma vaga de
de vocês, quando houve a devastação, as pessoas doaram. Mas ra de balé, que vê em Billy um talento nato para
emprego como co- superior. Não como um ensino dogmático, mas como conscientização para a dança, enfrenta a contrariedade de seu irmão e
lador de cartazes, eu não conheço os haitianos. Só que eu os ajudo. A ideia de que a
as questões éticas que hoje são de importância fundamental. Acredito nis- seu pai à sua nova atividade.
com a condição de tecnociência e o individualismo endurecem o coração dos homens
que tivesse seu próprio meio de transporte, não é confirmada pelos fatos […].
so. Acredito na necessidade de formação ética, repito, não dogmática, mas
ou seja, a bicicleta. Ricci a possui, mas ela para mostrar que nossas decisões têm cada vez mais impacto, têm uma
está empenhada. Maria, sua mulher, decide
empenhar os lençóis da cama em troca da […] A ideia de que não há mais valores, de que não há mais do ressonância ética. E, portanto, é necessário, especialmente nas escolas de OS ÚLTIMOS PASSOS DE UM HOMEM
bicicleta e Antonio Ricci consegue o em- que o indivíduo sozinho, com seu interesse, acho que é falsa. Ain- negócios, junto com o ensino sobre a contabilidade, sobre o marketing, uma
reflexão de tipo ética […]. Produção do Reino Uni-
prego. Enquanto colava cartazes, Ricci tem da temos muitos valores nos quais acreditamos: ajuda mútua,
a sua bicicleta roubada. Desesperado, tenta do e Estados Unidos, de
solidariedade. Com certeza não estão suficientemente desenvol- 1996, dirigido por Tim
encontrá-la com a ajuda do filho Bruno. Ele
busca apoio da polícia e dos amigos, mas é
vidos, não discuto esse fato, mas os valores permanecem. Nunca […] A ética do futuro é o respeito pelos homens. E respeito pelos homens Robbins, que tem como
procurando por conta própria, ao lado de falamos tanto, aliás esse é um dos assuntos do nosso encontro, é, antes de tudo, a formação dos homens, o investimento na escola. Acredi- cenário Louisiana; retrata
Bruno, que Antonio Ricci se encontrará sobre o respeito pelas diferenças, sobre a tolerância. Na verdade, to que a primeira forma de respeito pelos homens é melhorar sua educação o esforço da freira católi-
imerso numa experiência de dor e angústia há muito mais do que antes. Lembrem-se de que, no período ca Helen Prejean em seu
por meio da escola. Temos de desenvolver a inteligência, a inteligência
com a perda do meio de trabalho. Além da entre guerras, a democracia foi varrida. Isso não acontece agora. acompanhamento espiri-
explanação das condições do proletariado no coletiva dos homens, por meio da formação escolar. E precisamos para tual ao condenado à pena
Pelo contrário, a democracia ganha espaço em nossas sociedades.
pós-guerra, o filme aborda os dilemas éticos isso de instituições democráticas que considerem que o investimento na de morte, Matthew Pon-
da honestidade. Há muito mais tolerância no mundo de hoje do que no mundo
escola, seja em pequenas salas de aulas, com grupos menores que reduzam celet. Ela luta pela vida
pré-guerra […]. do homem, que espera ser executado a qualquer
o fracasso escolar ou, no nível superior, com o investimento em pesquisa,
momento pelo assassinato de dois adolescentes.
em laboratórios, nas universidades, como a única condição para a solução Quando a data se aproxima, os verdadeiros even-
dos problemas do futuro […]”. tos do crime são revelados e Matthew luta com as
suas emoções.

24 DOSSIÊ ICF 2017

DOSSIÊ ICF 2017 25


FILMES E LIVROS QUE ABORDAM DIÁLOGOS
TEMÁTICAS RELACIONADAS A ÉTICA
CONTEMPORÂNEOS
LIVROS A v e r d a d e i r a m e n s a g e m d o S u d á r i o d e Tu r i m

DA LEVEZA: RUMO A UMA O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE: O projeto Diálogos


CIVILIZAÇÃO SEM PESO ENSAIO DE UMA ÉTICA PARA A Contemporâneos, promovido
pelo Instituto Ciência e Fé da
Gilles Lipovetsky
CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA PUCPR, recebeu o codiretor
do Museu do Sudário de
Nessa obra, o autor iden- Han s Jon as
Turim, Enrico Simonato,
tifica a crise dos ideais
e o padre Antonio Catelan,
comuns e aponta o nas- Nesse livro, o autor apresen-
cimento das utopias light ta os desafios éticos ligados membro da Comissão
na sociedade hipermoder- à crise ambiental a partir de Teológica Internacional, para
na. A busca por um corpo um diagnóstico sobre o avan- um debate sobre os elementos
magro e as mudanças na ço do poder da tecnologia, científicos e teológicos que
arquitetura, na arte, nas apontando para a responsa- envolvem o pano sepulcral.
tecnologias, nas relações bilidade como princípio éti-
pessoais e conjugais, etc. co urgente nos nossos dias.
A seguir, reproduzimos
Em suma, tudo reflete a busca pela leveza da vida a entrevista que Márcio
humana, mas, como expressa o filósofo, a ironia Antonio Campos, responsável
hipermoderna se revela quando a busca de levar pelo Tudo de Ensaio, fez
uma vida leve exige esforços extenuantes daqueles com o pesquisador Enrico
que a buscam.
Simonato às vésperas da sua
conferência na PUCPR.
DEPOIS DA VIRTUDE SOBRE ÉTICA E ECONOMIA “Coletiva para o anúncio dos resultados do teste de carbono-14 no Sudário, em 1988: resultados muito contestados. (Imagem: Reprodução)”

A mar tya Sen


Alasdair Macin tyre O químico Enrico Simonato, se- bilidade de que se trate daquele desviar a atenção da mensagem
Certamente um dos livros cretário do Centro Internacional homem historicamente conheci- do Sudário. Ele é, acima de tudo,
Um texto marcante para
mais interessantes para se de Sindonologia, em Turim, e do por Jesus de Nazaré. Conside- uma imagem referente a algo es-
quem quer pensar a ur-
pensar a questão econô- codiretor-adjunto do Museu do rando tudo que sabemos, a possi- pecífico que só ocorreu uma vez
gência de refundar os va-
mica a partir do desafio do Sudário, veio a Curitiba para a bilidade de o Homem do Sudário na história. Quando se expõe o
lores éticos na sociedade
desenvolvimento humano abertura teológico-científica da ser outra pessoa é ínfima. Até aí Sudário, as pessoas que o veem
contemporânea sem dei-
integral, da justiça e da de- exposição “Quem é o Homem estamos em terreno científico. não ficam ali pensando nos aspec-
xar de lado as referências
mocratização do acesso às do Sudário”, na noite de 31 de Mas uma coisa que a ciência não tos científicos da imagem, se é tri-
do passado, mas atuali-
riquezas. março. pode fazer é atestar que o Sudá- dimensional, se funciona melhor
zando-as para que a filo-
rio é evidência da ressurreição de no negativo, se a trama do linho
sofia moral seja útil para
Cristo, até porque a ressurreição é em espinha de peixe; elas veem
a orientação dos compor-
Quais são os elementos que é um evento que não segue as a mensagem sobre o homem cuja
tamentos.
apontam mais fortemente leis da natureza. Você não pode figura está ali. Vamos pesquisar o
para a autenticidade do Su- repeti-la, e a repetição é parte Sudário cientificamente? Vamos,

MODERNIDADE LÍQUIDA A ERA DOS DIREITOS dário? essencial do método científico.


Essa seria uma outra acepção de
mas não percamos de vista que o
mais importante é a mensagem.
Eu teria muito cuidado com essa “autenticidade”. Podemos aceitá-
N or b er to B obb io palavra, “autenticidade”, porque -la usando as regras da religião?
Zygmunt Baum an
ela tem significados diferentes. Podemos. Mas não pelas regras Mas não faltam tentativas
Nessa obra, o pensador Embora esse não seja, estri- O que sabemos de certo é que o da ciência. Ambas são aplicáveis de provar que o Sudário é
polonês apresenta uma tamente falando, um livro Sudário é uma peça antiga, feita a aspectos diferentes do Sudário, falso…
das questões centrais da de ética, ele toca de maneira de linho, que envolveu o corpo o que não podemos é misturá-las.
sociedade contemporâ- decisiva em um dos desafios de um homem que foi flagelado Do ponto de vista científico, sa- Claro. O curioso disso é que, se
nea: a fluidez das rela- éticos mais atuais no mundo e crucificado, ferido no lado com bemos, por exemplo, que a ima- formos jogar o jogo do “falso ou
ções e das instituições contemporâneo: o respeito à uma lança e na cabeça com vários gem não é uma pintura e que há verdadeiro”, quem alega que o
que, tradicionalmente, dignidade do ser humano e pequenos instrumentos pontiagu- manchas de sangue humano tipo Sudário é falso está em uma po-
orientaram a sociedade. a construção dos direitos hu- dos. Isso é científico, um tipo de AB. Mas não sabemos a idade sição bem mais complicada. Se
Isso tem um grande im- manos. “autenticidade”. Podemos avan- do pano, nem a maneira como a o Sudário for falso, nem por isso
pacto no campo da ética çar e perguntar quem era esse imagem foi formada. um cristão vai mudar de religião.
porque estaríamos ago- homem. Aí entram a história, a De qualquer modo, vejo que Pensará que é um belo ícone, que
ra sem um fundamento arqueologia, que nos dão uma existe hoje uma obsessão pela au- sua história daria um bom filme,
para pensar os valores. enorme, quase irrefutável possi- tenticidade, que corre o risco de mas isso não vai destruir sua fé.

26 DOSSIÊ ICF 2017 DOSSIÊ ICF 2017 27


Agora, para um ateu ou agnós- te de carbono-14, que deu como Deveria haver uma nova ten- dylion, são o mesmo objeto;
tico, se o Sudário se mostrar ver- resultado para o “ano de fabri- tativa de datação do Sudá- outros, como Andrea Nico-
dadeiro, seu mundo desaba. Ele cação” do Sudário um intervalo rio? lotti, negam essa associação.
será forçado a rever tudo em que entre 1260 e 1390. Não, mas não digo isso porque A maioria dos historiadores está
acreditava. sou avesso à análise científica do em uma posição intermediária en-
Fato é que as polêmicas existem Sudário, e sim porque mesmo tre essas duas: não é possível afir-
desde o século 14, quando o bis- Na sua opinião, o que houve hoje a datação por carbono-14 mar com certeza, mas há indícios.
po Pierre d’Arcis escreveu a fa- naquele teste? Fraude, erro ainda não é confiável o suficiente Eu digo que a história do Sudário
mosa carta alegando que o Su- não intencional, contamina- para avaliar tecidos. Basta ver o é um enorme quebra-cabeças: de
dário era uma pintura e que um ção da amostra? que acabamos de dizer: mesmo sua aparição na França em dian-
seu antecessor teria até mesmo empresas renomadas se recusam te, nós já montamos tudo. O pro-
conhecido o autor. Mais recen- A acusação de fraude é muito a fazer esses testes e mostram que blema é o que vem antes. Ali nós
temente, tivemos a alegação de grave e me parece fantasiosa. o risco de resultados errôneos é ainda estamos separando as peças
Walter McCrone sobre o uso de Não há provas de que algo assim grande. pela cor, juntando os marrons, os
pigmentos conhecidos na era me- tenha ocorrido. Eram três labo- verdes, os azuis. Não estamos to-
dieval, mas os trabalhos de John ratórios renomados, com pesqui- talmente no escuro porque temos
Heller e Alan Adler, além do sadores que não arriscariam sua Há aspectos do Sudário que as peças, mas não conseguimos
exame do Sudário sob ultravio- reputação dessa forma. não foram analisados em encaixá-las ainda. Existem algu-
leta e fluorescência, mostraram Já a possibilidade de contamina- testes anteriores e que vale- mas pistas, como a mudança ra-
que a quantidade de pigmento ção é muito grande. Qualquer ria a pena pesquisar com a dical na iconografia a partir da
encontrada era inexpressiva e in- acréscimo de carbono à amostra, tecnologia atual? descoberta da Imagem de Edessa:
suficiente para formar a imagem. por causas naturais ou artificiais, Jesus passa a ser representado com
Temos também as tentativas de já modifica o resultado, e isso é Algo que não foi estudado ainda traços que são semelhantes aos da
criar réplicas do Sudário. Mes- muito fácil de ocorrer com teci- é a concentração de lignina e va- imagem do Sudário, barba e tudo
mo as que a olho nu parecem dos. Tanto que uma das empre- nilina no pano, e que poderia dar o mais. Não é evidência definitiva,
bastante fiéis se mostram falhas sas mais confiáveis em datação uma pista sobre a idade do Sudá- pelo menos não de um ponto de
no exame microscópico. As de por carbono-14, a Beta Analytic, rio. Mas esse indicador também vista científico, mas é um indica-
Luigi Garlaschelli, por exemplo, não faz datação de tecidos a não é sujeito a mudanças devido a dor.
afetam o tecido de forma muito ser como parte de uma pesquisa contaminação; a lignina é afetada
mais profunda que a imagem do multidisciplinar e tomando uma pelo calor, e temos de lembrar do
Sudário real, que é bem super- série de precauções. Agora, veja: incêndio de Chambery, em 1532. Se o Sudário e o Mandylion
ficial. Quem chegou mais perto se eles têm essa atitude com qual- Assim, não creio que um eventual não forem o mesmo objeto,
de reproduzir a superficialidade quer tecido, imagine no caso do teste seria tão mais confiável que voltaríamos à estaca zero so-
da imagem foi Paolo Di Lazzaro. Sudário, que foi manipulado vá- a datação por carbono-14. Além bre esse período da história
Ele não estava tentando provar rias vezes durante suas exibições disso, cada novo exame afeta o Su- do Sudário…
que o Sudário é falso, só queria públicas, passou por incêndios e dário do ponto de vista físico-quí- Sem dúvida, mas isso é realmente
entender como se formou a ima- foi molhado (a área usada para mico, então há as questões ligadas um problema tão grande? O fato
gem. Ele usou um pedaço pe- a amostragem do carbono-14 aos procedimentos e ao cuidado de não haver registro histórico do
queno de pano submetido a laser tinha água usada para apagar o que se deve ter para preservar o Sudário nesse intervalo de 13, 14
ultravioleta e concluiu que, para incêndio de 1532). pano. séculos não significa que o Sudá-
se formar uma imagem com o ta- E o Sudário não é o único caso rio não existisse. Por acaso, antes
manho do Sudário, não haveria de divergência entre a datação de 1922 alguém duvidava da exis-
ultravioleta suficiente nas fontes por carbono-14 e as evidências Qual é o status atual da dis- tência do faraó Tutancâmon só
conhecidas. Nem preciso dizer apresentadas por outras pesqui- cussão sobre a história do porque sua tumba ainda não tinha
que é algo que não está nem à sas. Isso já ocorreu com outros Sudário anterior ao século sido encontrada? Se a hipótese do
nossa disposição, quanto mais de objetos. O carbono-14 é um 14? Há quem defenda, como Mandylion não se confirmar, os his-
um falsário medieval. bom método, mas que tem seus Ian Wilson, que o Sudário e a toriadores e arqueólogos só terão
E, obviamente, há o famoso tes- limites. Imagem de Edessa, ou Man- um desafio a mais.

DIÁLOGOS CONTEMP. – SUDÁRIO


PÚBLICO ATINGIDO - 700
Acadêmicos de 61
outras instituições
Alumni (egressos) 27
Colaborador Marista 26
Comunidade 273
Estudante PUCPR 297
Professor PUCPR 16

DOSSIÊ ICF 2017 29


28 DOSSIÊ ICF 2017
sadas para o contexto do debate ambas tradições, mas algumas herança de uma memória ferida, sões e feridas, polarizações políti-
acadêmico. Contudo, elas extra- práticas de um lado e do outro passa-se ao reencontro, aproxi- cas, desigualdades, intolerâncias,
polam o âmbito da universidade em alguns momentos os distan- mação, reconhecimento do outro renúncia das diversidades, etc., a
e em pouco tempo, graças a re- ciaram desse fundamento de fé. e, inclusive, uma comemoração tradição protestante ajuda a pen-
cente invenção da imprensa, atin- Seja o contexto que leva Lutero conjunta dos 500 anos da Re- sar uma ética não autocentrada,
gem vários locais da Europa. Em a uma forte crítica à Igreja, ou forma, que já pode ser recebida mas que motiva o reconhecimen-
alguns anos, seus escritos foram mesmo a posição de Lutero dian- pela tradição católica como um to do outro como igual, diante do
tomados como justificativa para te de uma revolta de camponeses dom, na medida em que auxiliou qual as lógicas de retribuição e
sua expulsão da Igreja Católica, na qual permaneceu do lado das a pensar a teologia e a fé desde o mérito podem ser superadas por
porém, com apoio político con- forças políticas que assassinaram século XVI. meio de uma postura marcada
seguiu escapar da morte, além de muitos revoltosos, a ideia da gra- Esta reaproximação foi marcada pela gratuidade como força dina-
auxiliar num processo de inde- ça foi encoberta. de forma prática na proposta de mizadora das relações, possibili-
pendência em que regiões da Ale- Em 2015, católicos e luteranos testemunho conjunto, pela parce- tando gestos de reconciliação que
manha conquistaram autonomia lançaram o documento Do conflito ria entre a Caritas Internationalis assumem um caráter de liberta-
em relação à Sé Romana. à comunhão: comemoração conjunta ca- e a Lutheran World Federation ção prática, local, experimentada
500 anos depois, uma reaproxi- tólico-luterana da Reforma em 2017. World Service no cuidado a re- na vida cotidiana e, ao mesmo
mação entre católicos e luteranos Trata-se, portanto, de um docu- fugiados. Nesse sentido, a ética tempo, aponta para a esperança
merece destaque. O elemento da mento que, em última análise, social torna-se espaço de conver- de uma sociedade mais justa e so-
graça serve de base para esta re- aponta para uma reconciliação. gência em favor daqueles que so- lidária.
conciliação. Com efeito, esse ele- Isto é, de um momento inicial frem.
mento sempre esteve presente em de tensão e divisão e, com isso, a Diante de um contexto de divi-

Em 15 de fevereiro de 2015, uma empresa de brinquedos alemã, a Playmobil,


lançava, por conta da comemoração aos 500 anos da Reforma Luterana, o

500 ANOS DA REFORMA bonequinho de Martinho Lutero. Em suas mãos, traz dois símbolos emblemáticos de
seu tempo: a pena que representa a razão e a Bíblia que representa a fé.
A empresa admite que o pequeno Playmobil de Lutero tem como intuito as celebrações

LUTERANA do 500º aniversário das “95 teses sobre o poder e a eficácia da indulgência”, mas
pelo que tudo demonstra, ele acabou se tornando um ícone. Em menos de 72 horas
do seu lançamento o brinquedo já havia esgotado.

Je f f e r s o n Z e f e r i n o *

500 ANOS DA REFORMA LUTERANA:


GRAÇA E RECONCILIAÇÃO COMO PRESSUPOSTOS ÉTICOS
O ano de 2017 marca diver- O biblista Lutero, professor de boa notícia de salvação, o que Exemplifica isso a frase atribuída
sas comemorações ao redor do Teologia, por anos dedicou-se o fez entender um Deus por nós a Johann Tetzel, um vendedor de
mundo com especial atenção à ao estudo e ensino da bíblia no e não contra nós, levando-o a rea- indulgências: “Tão logo a moeda
Alemanha. Afinal, trata-se do contexto da igreja de sua época. valiar todo seu pensamento por tilinta no fundo do gazofilácio a
quinto centenário da Reforma Além disso, o tentão monge era meio dessa chave de leitura – a alma salta do purgatório para o
Protestante que teve como figura alguém muito dedicado em sua qual o levou também a repensar céu”. Além disso, outras práticas
marcante o monge agostiniano espiritualidade, estando bastante a prática da própria igreja, uma de mercantilização religiosa te-
Martinho Lutero, que a partir da preocupado com a questão da vez que percebia um contexto em riam levado Lutero, à luz da ideia
pequena cidade de Wittenberg salvação. que as pessoas temiam por seu de graça de Deus, a desenvolver
fez estremecer as estruturas de Em suas leituras redescobriu o destino eterno o que era veicula- suas 95 teses no ano de 1517.
todo continente europeu. aspecto da graça de Deus como do em uma espécie de mercado. As 95 teses de Lutero eram pen- * Mestre e doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), bacharel em Teologia pela Faculdade
Luterana de Teologia de São Bento do Sul. Membro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e bolsista da CAPES.

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ECOLOGIA INTEGRAL Nos tempos recentes, ecologia tem
ocupado um lugar cativo na agen-
O elemento central do conceito de
ecologia integral reside na verificação
Tais esforços encontram na sensibili-
dade ecológica uma via fecunda para

EM DIÁLOGO: da das tradições religiosas. Dada a


complexidade e urgência da questão,
da interdependência e inter-relação
entre os seres e as estruturas da vida.
despertar e potencializar a consciên-
cia da unidade já existentes entre a
trata-se de um imperativo ético que, Do ponto de vista biofísico isso pa- humanidade e o planeta, cujos laços
INTERFACES PARA ao mesmo tempo em que provoca
uma práxis diferenciada das pessoas
rece não conter nenhuma novidade.
Contudo, tais processos não se resu-
existentes constituem uma espécie
de “família universal” (LS, 89). Esse
PENSAR FÉ E VIDA e comunidades no que tange à rela-
ção e ao uso dos recursos da Terra,
mem ao dado ambiental e natural,
mas transversalisam as dimensões e
sentido de pertença e de correspon-
sabilidade pela Casa Comum é, em
interpela as religiões a uma revisita relações entre pessoas, planeta e so- igual tempo, um convite à revisão
propositiva aos fundamentos de suas ciedade. Em decorrência disso, infe- reconciliadora das divergências e
cosmovisões. Trata-se, assim, de uma re-se que a solução para a atual crise das divisões que ainda atritam as re-
reciprocidade hermenêutica que, ecológica não provém de um modo lações entre crentes, comunidades e
além do salutar e sempre oportuno único de interpretar e transformar a estruturas religiosas, o que, no cris-
diálogo entre credos, move ao diálo- realidade (LS, 63), mas da disposição tianismo, se apresenta como contra-
go franco e colaborativo com as cul- de colocar em relação e cooperação dição à sua experiência originária
turas e sociedades contemporâneas. os diferentes saberes e valores das e ao desejo do próprio Deus. Nesse
Com o objetivo de instigar essa in- culturas e dos povos, entre os quais processo, não se tem a intenção de
terlocução entre religiões, culturas e apresenta-se de maneira singular as nivelar ou relativizar as diferenças,
sociedades em perspectiva ecológi- religiosidades e espiritualidades. No mas lê-las sob a ótica da comunhão
ca, o projeto Painéis Temáticos sobre arcabouço dessa reflexão é igual- e da mútua dependência, da qual a
Ecologia Integral colocou em diálogo mente importante considerar o que natureza é mestra exemplar.
o meio acadêmico e as comunida- a encíclica chama de raiz humana da Assim, a ecologia integral sustenta-se
des eclesiais. A proposta, que parte crise ecológica, diretamente relacio- na percepção de uma cidadania glo-
de uma perspectiva cristã, recolhe nada com o paradigma tecnocrático bal cujo contributo religioso reside
as intuições teológicas apontadas na e o lugar que este confere ao ser e à em dilatar a compreensão de conver-
encíclica social Laudato Si’ (LS, 2015), ação humana (LS, 101). são – termo tão caro às religiões – no
do Papa Francisco, especialmente no Sustentado por esta interpelação horizonte de uma revisão do estilo
que tange à concepção de ecologia contextual, propôs-se um itinerá- de vida, de produção e consumo, de
integral, ao mesmo tempo se colo- rio de sete encontros voltados para uso e preservação dos bens não só
ca em sintonia com a Campanha interfaces específicas: ecumenismo, naturais, mas também culturais, hu-
da Fraternidade Ecumênica (2016). antropologia, cultura e sociedade, manos, espirituais. Conforme a LS,
Financiado com recursos do Fundo meio ambiente, economia e política, isto implica um caminho pedagógico
Diocesano de Solidariedade (FDS), educação. Temas como espirituali- sustentando por uma tríplice cons-
o projeto foi uma iniciativa conjunta dade, cidadania, educação e, parti- ciência de origem comum, recípro-
do Movimento Ecumênico de Curi- cularmente, a questão ecumênica, ca pertença e futuro compartilhado
tiba (MOVEC), do Grupo de Pesqui- se situaram na transversalidade das (LS, 202). Essa articulação propositi-
sa Teologia, Ecumenismo e Diálogo reflexões. Mais do que uma aborda- va entre o ontem, o hoje e o amanhã
Inter-Religioso e do Núcleo Ecu- gem estritamente teórica, buscou-se baliza novas convicções, atitudes e
mênico e Inter-Religioso (NEIR), aterrissar no cotidiano prático das estilos de vida, e os reveste de uma
ligado ao Instituto Ciência e Fé, da igrejas, das comunidades e do meio mística celebrativa, laudatória, de

ECOLOGIA INTEGRAL
PUCPR. O projeto buscou envolver acadêmico, averiguando as contri- alteridade e cuidado, na qual o hu-
lideranças das igrejas ligadas à cami- buições originais a serem dadas pelos mano e o planeta são, antes de um
nhada ecumênica local, organismos indivíduos inseridos nesses âmbitos, problema a resolver, a obra divina a
e entidades afins, contando com a bem como conhecendo e potenciali- ser contemplada na esperança ativa,

E ECUMENISMO
colaboração altamente qualificada zando as iniciativas já existentes. dialógica e comunial.
de docentes da PUCPR e de insti- A pluralidade religiosa e cultural
tuições acadêmicas vinculadas aos constitui-se na ambiência onde se
organizadores. tece o empenho ecumênico atual.

* Integra a Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo e coordena a ação pastoral das instituições
I r. R a q u e l d e F á t i m a C o l e t * educacionais vicentinas da Província de Curitiba. Bacharel, mestre e doutoranda em Teologia pela PUCPR.

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OUTROS PROJETOS QUE TAMBÉM INTEGRARAM A AGENDA DO ICF EM 2017
QUEM É O HOMEM DO SUDÁRIO?
Em 2017 a programação de Páscoa da PUCPR contou com a exposição internacional “Quem é o
Homem do Sudário?”, sediada na Universidade entre os meses de março e junho. Por meio de painéis,
réplicas e objetos do primeiro século da era cristã, a mostra promoveu a reflexão e o conhecimento em
torno de um dos objetos mais estudados do mundo, o Sudário.
Três bate-papos teológicos também fizeram parte da programação pascal da PUCPR. Em cada encon-
tro a paixão de Cristo foi abordada a partir de uma perspectiva: dos Evangelhos, da arte e da literatura,
mediadas pelos estudiosos João Luís Fedel, Marcial Maçaneiro e Alex Villas Boas, respectivamente.

CAFÉ FILOSÓFICO VIRTUAL


Com o tema voltado à Ética, os pensadores Fabiano Incerti e Jelson Roberto de Oliveira debateram
sobre os desafios da convivência no mundo contemporâneo.

LANÇAMENTO DA OBRA BÍBLIA E NATUREZA: OS DOIS LIVROS DE DEUS


Os autores Marcio Campos e Luan Galani estiveram na FTD Educação Digital Arena para fazer o
lançamento oficial da obra. O evento promovido pelo Instituto Ciência e Fé contou com a participação
de professores, estudantes e personalidades da comunidade externa.

SEMINÁRIO “OBRIGADO POR ESTAR VIVO!”


Como forma de refletir e debater sobre a valorização da vida e os crescentes casos de ansiedade, depres-
são e suicídio entre os jovens, o Observatório das Juventudes e o Diretório Central dos Estudantes (DCE)
promoveram o seminário que contou com a participação do humorista Fagner Zadra; do representante
do Centro de Valorização da Vida (CVV) Rael Dill de Mello; das integrantes do Centro de Atenção Psi-
cossocial (CAPS) Daniele Basegio e Juliana Czarnobay; da socióloga Pâmela Espíndola; e do jornalista
Murilo Basso.

SIMPÓSIO MARIOLÓGICO ECUMÊNICO


Com o tema “Maria em Lutero”, o evento reuniu participantes de diversas regiões do país e contou com
a participação de importantes nomes do movimento ecumênico brasileiro. O evento foi organizado pela
Comissão de Diálogo Bilateral Católico-Luterano e pela Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenis-
mo e Diálogo Inter-Religioso da CNBB e contou com o apoio do Núcleo Ecumênico e Inter-Religioso
(NEIR) vinculado ao Instituto Ciência e Fé da PUCPR.

NUNCA ME SONHARAM: PUCPR DEBATE O ENSINO MÉDIO BRASILEIRO


O evento, promovido pelo Observatório das Juventudes da PUCPR, contou com a presença da atriz
Mel Duarte e do diretor Cacau Rhoden que atuaram no documentário Nunca me sonharam.

DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS: TEOLOGIA E SOLIDARIEDADE


O projeto Diálogos Contemporâneos recebeu o peruano Jorge Oroza para debater a relação entre teo-
logia e solidariedade. O evento foi realizado em parceria com a Rede Marista de Solidariedade.

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