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MANUAL PARA VALORAÇÃO

ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS


RONALDO SEROA DA MOTTA

IPEA/MMA/PNUD/CNPq
Rio de Janeiro, setembro de 1997
MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE
RECURSOS AMBIENTAIS

Elaborado por Ronaldo Seroa da Motta, Coordenador da Coordenação de


Estudos do Meio Ambiente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e
Professor da Graduação de Economia e do Mestrado de Economia do Meio
Ambiente da Universidade Santa Úrsula do Rio de Janeiro.
(email: seroa@ipea.gov.br)

Os Estudos de Caso da Parte II contaram com a colaboração de:


José Ricardo Brun Fausto, economista, bolsista do CNPq e assistente de
pesquisa da CEMA/IPEA.
Carolina Burle Schmidt Dubeux, mestranda em planejamento ambiental na
COPPE/UFRJ.
Gustavo Marcio Gontijo Albergaria, economista e bolsista do CNPq.
Andrea Countinho Pontual, economista e bolsista do CNPq.

Publicação conjunta da Coordenação de Estudos do Meio Ambiente do Instituto


de Pesquisa Econômica Aplicada (CEMA/IPEA) e da Coordenação Geral de
Diversidade Biológica do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos
e da Amazônia Legal (COBIO/MMA) com co-financiamento dos projetos
CNPq 520649/96 e PNUD-BRA 95/012.
MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE
RECURSOS AMBIENTAIS
Ronaldo Seroa da Motta

Sumário
PREFÁCIO (OU COMO USAR ESTE MANUAL)

AGRADECIMENTOS

INTRODUÇÃO......................................................................................................................................... 1

POR QUE VALORAR?.......................................................................................................................... 1


A VALORAÇÃO ECONÔMICA NA GESTÃO AMBIENTAL.............................................................. 3
A DETERMINAÇÃO DE PRIORIDADES, AÇÕES E PROCEDIMENTOS PARA A GESTÃO
AMBIENTAL ........................................................................................................................................ 3
Determinando Prioridades com o Critério Econômico ....................................................................... 4
Medindo os Custos de Oportunidade da Proteção Ambiental ............................................................. 8
PARTE I MÉTODOS DE VALORAÇÃO AMBIENTAL......................................................................11

O VALOR ECONÔMICO DOS RECURSOS AMBIENTAIS................................................................11


MÉTODOS DE FUNÇÃO DE PRODUÇÃO .........................................................................................15
MÉTODO DA PRODUTIVIDADE MARGINAL ................................................................................16
MÉTODOS DE MERCADO DE BENS SUBSTITUTOS ....................................................................17
Fundamentação Teórica ...................................................................................................................17
Viéses Estimativos dos Métodos de Função de Produção ..................................................................20
Resumo e Recomendações.................................................................................................................20
MÉTODOS DE FUNÇÃO DE DEMANDA ..........................................................................................22
MÉTODOS DE MERCADOS DE BENS COMPLEMENTARES..........................................................22
Fundamentação Teórica ...................................................................................................................22
MÉTODO DE PREÇOS HEDÔNICOS .................................................................................................23
Fundamentação Teórica ...................................................................................................................23
Viéses Estimativos do Método de Preços Hedônicos .........................................................................25
Resumo e Recomendações.................................................................................................................27
MÉTODO DO CUSTO DE VIAGEM (MCV) .......................................................................................27
Fundamentação Teórica ...................................................................................................................27
Viéses Estimativos do Método do Custo de Viagem ...........................................................................29
Resumo e Recomendações.................................................................................................................30
MÉTODO DA VALORAÇÃO CONTINGENTE (MVC) ......................................................................31
Fundamentação Teórica ...................................................................................................................31
Procedimentos Estimativos ...............................................................................................................32
Formalização do Método Referendo .................................................................................................36
Viéses Estimativos ............................................................................................................................37
Resumo e Recomendações.................................................................................................................42
ROTEIRO PARA ESCOLHA DO MÉTODO MAIS APROPRIADO PARA VALORAÇÃO DE
RECURSOS AMBIENTAIS ..................................................................................................................44
CONTEÚDO DETALHADO DO ROTEIRO ......................................................................................44
ALGORITMOS DE DECISÃO METODOLÓGICA..............................................................................47
APÊNDICE TÉCNICO .........................................................................................................................51
O MÉTODO DA VALORAÇÃO CONTINGENTE E A TEORIA ECONÔMICA .................................51
PARTE II ESTUDOS DE CASO.............................................................................................................53

Estudo de Caso 1 ...................................................................................................................................55


Conservação da Biodiversidade no Quênia ...........................................................................................56
Estudo de Caso 2 ...................................................................................................................................65
Projeto do Reservatório de Nam Pong na Tailândia..............................................................................66
Estudo de Caso 3 ...................................................................................................................................71
O Caso do Lagarto Anolis nas Antilhas.................................................................................................72
Estudo de Caso 4 ...................................................................................................................................79
Manguezais em Bintuni Bay na Indonésia .............................................................................................80
Estudo de Caso 5 ...................................................................................................................................87
Recursos Florestais na Amazônia Peruana............................................................................................88
Estudo de Caso 6 ...................................................................................................................................99
Projetos Florestais na Grã-Bretanha................................................................................................... 100
Estudo de Caso 7................................................................................................................................. 105
Parque Público de Lumpinee em Bangkok, Tailândia.......................................................................... 106
Estudo de Caso 8 ................................................................................................................................. 115
Parque Nacional de Khao Yai na Tailândia ........................................................................................ 116
Estudo de Caso 9 ................................................................................................................................. 125
Estuário de Mersey na Grã-Bretanha..................................................................................................126
Estudo de Caso 10 ...............................................................................................................................133
Mudanças Ambientais no Pantanal, Brasil ..........................................................................................134
Estudo de Caso 11 ...............................................................................................................................139
Zona de Conservação de Kakadu na Austrália ....................................................................................140
Estudo de Caso 12 ...............................................................................................................................149
Florestas Tropicais de Madagascar .................................................................................................... 150
Estudo de Caso 13 ...............................................................................................................................179
Programa de Despoluição da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro, Brasil....................................... 179

PARTE III PRINCÍPIOS MICROECONÔMICOS BÁSICOS E A TEORIA DO BEM ESTAR...... 197

UTILIDADE, CONSUMO E DEMANDA ..........................................................................................198


Efeito-renda e efeito-substituição ................................................................................................... 202
Elasticidade.................................................................................................................................... 203
PRODUÇÃO E OFERTA....................................................................................................................206
Maximização de lucro e produtividade marginal ............................................................................ 210
EQUILÍBRIO DE MERCADO ............................................................................................................ 212
EQUILÍBRIO GERAL E BEM-ESTAR ECONÔMICO....................................................................... 214
ALOCAÇÃO INTERTEMPORAL...................................................................................................... 219
BENS PÚBLICOS E EXTERNALIDADES ........................................................................................ 222
Bens Públicos ................................................................................................................................. 222
Externalidades................................................................................................................................223
VALORANDO VARIAÇÕES DE BEM-ESTAR.................................................................................227
VARIAÇÕES MARGINAIS ..............................................................................................................227
VARIAÇÕES NÃO MARGINAIS .....................................................................................................228
O Excedente do Consumidor Marshaliano ......................................................................................229
Excedente do Consumidor Hicksiano ..............................................................................................230
A CURVA DE VALOR TOTAL ........................................................................................................233
BIBLIOGRAFIA EXTENSIVA ............................................................................................................235

Índice de Gráficos
PARTE I MÉTODOS DE VALORAÇÃO AMBIENTAL......................................................................11

GRÁFICO 1 Curvas de preço e de demanda por preços hedônicos .........................................................26


GRÁFICO 2 Curva de demanda derivada da função de custo de viagem ................................................28

PARTE II ESTUDOS DE CASO .............................................................................................................53

PARTE III PRINCÍPIOS MICROECONÔMICOS BÁSICOS E A TEORIA DO BEM ESTAR ......197

GRÁFICO 1 Maximização da utilidade do consumo ............................................................................199


GRÁFICO 2 Maximização de utilidade e curva de demanda................................................................201
GRÁFICO 3 Combinações eficientes de insumos para vários níveis de produção .................................207
GRAFICO 4 Curvas de custo de produção no curto prazo ....................................................................209
GRÁFICO 5 Curvas de custo de produção de longo prazo....................................................................210
GRÁFICO 6 Equilíbrio de mercado no ponto e....................................................................................213
GRAFICO 7 Deslocamentos das curvas de demanda e oferta e alterações nos pontos de equilíbrio.......214
GRÁFICO 8 Caixa de Edgworth..........................................................................................................215
GRÁFICO 9 Fronteira ótima de possibilidade de produção e curva de contrato do consumo.................216
GRÁFICO 10 Curva das possibilidades de utilidades fronteira da utilidade..........................................217
GRÁFICO 11 Taxa de desconto social.................................................................................................220
GRÁFICO 12 Alocação intertemporal .................................................................................................221
GRÁFICO 13 O excedente do consumidor e do produtor marshalliano ................................................230
GRÁFICO 14 Curva de demanda compensadas e excedente doconsumidor hicksiano ..........................232
GRÁFICO 15 Curva do valor total.......................................................................................................234

Índice de Quadros
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................... 1

Quadro 1 Indicadores de Viabilidade ..................................................................................................... 5


Quadro 2 Análise de Custo-Benefício e Objetivos de Política .................................................................. 7

PARTE I MÉTODOS DE VALORAÇÃO AMBIENTAL......................................................................11

Quadro 1 Taxonomia Geral do Valor Econômico do Recurso Ambiental ...............................................12


Quadro 2 Exemplos de Valores Econômicos dos Recursos da Biodiversidade ........................................14
Quadro 3 Corrigindo Preços de Mercado ...............................................................................................21
Quadro 4 Valorando o Custo da Erosão do Solo ....................................................................................24
Quadro 5 Contas Ambientais.................................................................................................................33

PARTE III PRINCÍPIOS MICROECONÔMICOS BÁSICOS E A TEORIA DO BEM ESTAR...... 197

Quadro 1 Axiomas Básicos das Preferências e Principais Características das Curvas de Indiferenças..200
Quadro 2 UtilidadesTtotal e Marginal ................................................................................................. 203
Quadro 3 Função Utilidade Indireta e Função Dispêndio .....................................................................204
Quadro 5 Estruturas de Mercado ......................................................................................................... 211
PREFÁCIO (OU COMO USAR ESTE MANUAL)

O objetivo deste Manual é bastante modesto e apenas encerra uma tentativa de apresentar a
base teórica e metodológica dos métodos de valoração econômica dos recursos ambientais.
Com isto, pretende-se contribuir para que a valoração econômica ambiental possa ser melhor
compreendida e adequadamente utilizada na tomada de decisão, na pesquisa e na gestão
ambiental.
Cada vez mais gestores ambientais, estudantes de mestrado e doutorado e outros profissionais
da área ambiental, encontram-se em situações nas quais a valoração econômica ambiental é
requerida ou desejada.
Esta crescente preocupação com a valoração econômica ambiental tem impulsionado de forma
significativa esta área de estudo que hoje pode ser considerada uma área de fronteira da
Ciência Econômica.
A novidade e a complexidade do tema, entretanto, têm induzido o profissional ou o estudante
não-economista a duas situações extremas. A uma de ceticismo que rejeita qualquer
abordagem dita econômica devido a uma percepção quase sempre insuficiente da teoria
econômica que fundamenta estas abordagens. E a outra na qual se adotam inadequadamente
técnicas de valoração com base em procedimentos estimativos intuitivos que, quando não
apropriados, aumentam ainda mais o ceticismo e a rejeição aos métodos adotados.
Infelizmente, o profissional e o estudante de economia também se enquadram normalmente nas
situações generalizadas acima. A Economia do Meio Ambiente, sendo um disciplina eletiva nos
currículos das escolas de economia, nem sempre é oferecida. Portanto, é comum encontrar
economistas que também encontram dificuldades em utilizar os métodos de valoração
econômica.
Conseqüentemente, a produção de pesquisa nesta área é muito baixa no país e existe um
grande vazio em termos de livros-textos e outras publicações em língua portuguesa.
Este Manual não pretende eliminar, de forma alguma, esta lacuna bibliográfica. Sua
apresentação restringe-se apenas a apresentar os principais fundamentos teóricos e
metodológicos de forma a orientar o analista a entender e utilizar, com mais propriedade, os
resultados de um estudo de valoração.
É bom ressaltar que este Manual não oferece “receitas de bolo”. A adoção de um método
é específica a cada caso em estudo. Entretanto, conhecendo alguns princípios econômicos e a
fundamentação teórica dos métodos, o analista estará em melhor posição para selecionar
procedimentos estimativos e, se necessário, aprofundar seus conhecimentos na literatura mais
sofisticada.
Na Introdução do Manual discutem-se a questão econômica na gestão ambiental e a
importância da análise econômica na decisão de investimentos ambientais no contexto da
valoração monetária dos recursos ambientais. A Parte I apresenta os métodos de valoração
ambiental, enquanto na Parte II são analisados estudos de casos com a aplicação destes
métodos. A seleção dos estudos de casos foi orientada no sentido de oferecer uma cobertura
maior possível de métodos, benefícios e situações que pudesse ser transposta à realidade
brasileira ou de países com grau próximo de desenvolvimento.
A Parte III do Manual apresenta alguns princípios básicos da teoria microeconômica que são
os fundamentos dos métodos analisados. Ao leitor com dificuldades iniciais para
compreender alguns postulados e conceitos econômicos, sugerimos uma leitura
cuidadosa e paciente da Parte III antes de iniciar a utilização deste Manual.
Embora a valoração econômica ambiental esteja inserida no contexto maior da análise de
custo-benefício, é importante ressaltar que este Manual está concentrado na questão da
mensuração dos custos ou benefícios ambientais. Aspectos de valoração econômica na
avaliação de projetos relativos a outros recursos privados e fatores da economia (preços
monopolistas, mão-de-obra, taxa de desconto, etc.) não serão discutidos em detalhes. Dessa
forma, a valoração de outros bens e serviços não-ambientais, relativas a uma decisão de
investimento, deve ser também cuidadosa e observar os mesmos preceitos econômicos visto
que pode afetar igualmente os resultados de uma análise ambiental de custo-benefício. Para
uma incursão segura nesta área, sugerimos ao leitor consultar a Parte III e a bibliografia anexa
relativa a manuais de análise de custo-benefício.
Em todo transcorrer do Manual, nas três partes, não se procurou também detalhar os
procedimentos econométricos estatísticos, ou econométricos, que a aplicação dos métodos
exige. Isto porque, além de constituírem questões ainda mais específicas para cada caso, seria
também necessário incluir um parte teórica e metodológica adicional neste Manual para tratá-
los adequadamente. Uma outra publicação em desenvolvimento por este autor tratará
especificamente deste tema.
Se questões mais complexas foram evitadas, isto não quer dizer que os princípios básicos de
cálculo e estatística estão ausentes do texto. Sem estes, o aspecto intuitivo da valoração
econômica não seria evitado e fugiríamos ao propósito central deste Manual. No entanto,
procurou-se apresentar, sempre que possível, além da formalização matemática, as questões
teóricas e metodológicas com base em raciocínios intuitivos e exemplificados com ajuda de
gráficos.
Portanto, este Manual tem dois grupos distintos de usuários:
§ o economista, que certamente se sentirá mais à vontade na leitura e compreensão do texto
e estudos de casos e, algumas vezes, molestado pela sua simplicidade ou simplificação; e

§ o não-economista, que deseja familiarizar- se com o tema e para o qual algumas partes do
Manual podem ser de difícil e lento entendimento. Para estes o autor recomenda insistência
na leitura e, quando necessário, consulta à literatura adicional que seja básica em
matemática e economia.

Aqui, é de vital importância salientar novamente que este Manual não pretende tornar seu
usuário um especialista em valoração econômica ambiental. Enfatizamos que o principal
objetivo desta publicação é o de esclarecer a fundamentação teórica dos métodos de
valoração, no sentido de instrumentalizar o analista a avaliar quando e como tais métodos
podem ajudar no processo de valoração. Ou seja, orientar o analista a fazer o uso adequado
das mensurações monetárias dos recursos ambientais.
Vale assim lembrar que, exceto em alguns casos de pouca complexidade, qualquer tentativa de
valoração econômica deve contar com o concurso de economistas. Da mesma forma, o
economista não poderá deixar de contar com a orientação de cientistas ambientais e de outros
cientistas sociais para realizar adequadamente um estudo de valoração econômica de recursos
ambientais.
A questão ambiental, talvez mais que qualquer outra, exige tal formato múltiplo e
interdisciplinar. A transição, em alguns casos tardiamente, de um regime de abundância para
um regime de escassez de recursos ambientais nos impõe uma tarefa inadiável de realizar
ajustes estruturais no padrão de uso dos recursos ambientais. Para atender a este objetivo, via
ações de intervenção governamental ou privada, os aspectos econômicos não podem e não
conseguem ser negligenciados.
Se por um lado, a valoração econômica ambiental pode ser de extrema utilidade na tomada de
decisão, por outro, realizá-la requer admitir e definir limites de incerteza científica que
extrapolam a Ciência Econômica.
Tendo estas limitações em mente, o usuário deste Manual poderá se sentir mais confortável
para extrair dele alguma contribuição que amplie seu horizonte de entendimento do processo
de valoração econômica dos recursos ambientais.
AGRADECIMENTOS

A elaboração deste Manual foi possível pela iniciativa conjunta da Coordenação de Estudos do
Meio Ambiente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (CEMA/IPEA) e da
Coordenação Geral de Diversidade Biológica do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos
Hídricos e da Amazônia Legal (COBIO/MMA).
O autor agradece imensamente o constante apoio recebido de Braulio Ferreira de Souza Dias,
Luzdalma Maria Goulart Machado e Warton Monteiro da COBIO/MMA durante a elaboração
desta publicação. A José Ricardo Brun Fausto, Carolina Burle Schmidt Dubeux, Gustavo M.
Gontijo Albergaria e Andrea Coutinho Pontual pela motivação com que se dedicaram na
elaboração dos estudos de caso. Às estagiárias Luciana Müller Sobral e Christiane Carvalho
pelo trabalho de apoio. O autor também gostaria de reconhecer a cuidadosa revisão técnica
realizada por José Ricardo B. Fausto, Carolina B. S. Dubeux e Sérgio Waddington na versão
final do Manual e pelos comentários oferecidos por Carlos Young na versão preliminar. Igual
agradecimento é dedicado a Maria das Graças Azevedo Semeraro Rito que cuidou da revisão
editorial.
Para a elaboração do conteúdo deste Manual utilizei, além da experiência pessoal de pesquisa
na área de Economia Ambiental, minhas anotações de aulas na Graduação e no Mestrado de
Economia Ambiental da Universidade Santa Úrsula e do Mestrado de Planejamento Ambiental
da COPPE/UFRJ. Aos meus estudantes, economistas e não-economistas, agradeço as
observações e indagações que me dirigiram ao longo destes cursos, com as quais me orientei
para a realização do trabalho aqui apresentado.
Ronaldo Seroa da Motta - 1

INTRODUÇÃO

POR QUE VALORAR?

Determinar o valor econômico de um recurso ambiental é estimar o valor monetário deste em


relação aos outros bens e serviços disponíveis na economia.
Qualquer que seja a forma de gestão a ser desenvolvida por governos, organizações não-
governamentais, empresas ou mesmo famílias, o gestor terá que equacionar o problema de
alocar um orçamento financeiro limitado frente a inúmeras opções de gastos que visam
diferentes opções de investimentos ou de consumo.
Este problema de ordenar opções excludentes, frente a um orçamento limitado, é percebido até
mesmo no cotidiano das famílias quando os indivíduos estão a decidir como gastar sua renda
pessoal.
Se a soma dos gastos de todas as opções não exceder o total de orçamento financeiro
disponível, então todas as opções poderão ser implementadas.
Entretanto, na realidade, observa-se geralmente o caso inverso: no qual o total de gastos
previstos é maior que o orçamento disponível. Desta forma, o gestor será obrigado a escolher
um conjunto de opções em detrimento de outro. Ou seja, haverá a necessidade de ordenar as
opções que devem ser preferíveis a outras.
Uma análise de custo-benefício será sempre o expediente mais óbvio a ser adotado em
situações como esta. Assim, o gestor procurará comparar, em cada opção, o custo de realizá-la
versus o resultante benefício e decidir por aquela que acredita ter a relação custo-benefício
menor.
A estimação destes custos e benefícios nem sempre é trivial, pois requer primeiro, a capacidade
de identificá-los e, segundo, a definição, a priori, de critérios que tornem as estimativas destes
comparáveis entre si e no tempo.
Se estes custos e benefícios refletem os gastos a preços de mercado dos bens e serviços
comprados ou vendidos, o processo de identificação e estimação é mais simples e objetivo.
Custo e benefício serão, respectivamente, o somatório dos valores monetários dos gastos e
receitas. De forma simplificada, este é o processo que norteia a tomada de decisão das
empresas que procuram maximizar o seu lucro para continuarem a expandir seus negócios.
Abstraindo, a princípio, as condições de pobreza absoluta, no caso das famílias (isto é, dos
consumidores) os gastos expressos em valores monetários estão associados aos benefícios
esperados deste consumo, dado o nível de renda disponível. A satisfação dos consumidores,
entretanto, deriva-se de todas as formas de consumo. Isto é, o bem-estar das pessoas é medido
tanto pelo consumo de bens e serviços, como pelo consumo de amenidades de origem
recreacional, política, cultural e ambiental.
Esta interação, entre a disposição a pagar dos consumidores pelos benefícios do consumo e a
disposição a ofertar das empresas, é que define os preços e as quantidades transacionados no
mercado.
Tendo em vista que o objetivo principal dos investimentos públicos é a provisão de bens e
serviços que aumentem o bem-estar das pessoas, as decisões governamentais, de alocação de
2 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

um orçamento limitado e insuficiente para atender esta provisão, podem ser auxiliadas por uma
análise social de custo-benefício.
A análise social de custo-benefício visa atribuir um valor social a todos os efeitos de um
determinado projeto, investimento ou política. Os efeitos negativos são encarados como custos
e os positivos são tratados como benefícios. Como se pretende comparar custos e benefícios,
surge a necessidade de expressá-los em uma medida comum, ou seja, em um mesmo numerário
ou unidade de conta. Por isso, estes custos e benefícios são expressos em termos monetários.
Todavia, existem algumas dificuldades neste processo de agregação de todos os efeitos em um
único indicador.
Deve-se destacar que alguns bens e serviços públicos não são transacionados em mercado e,
portanto, não têm preços definidos. Muitos dos recursos ambientais, que serão de nosso
interesse imediato neste Manual, são exemplos clássicos.
Mesmo aqueles custos (benefícios) que podem ser expressos com base em gastos na compra
(venda) de bens e serviços nos seus respectivos mercados podem exigir ajustes nos seus
respectivos preços de mercado. Isto porque tais gastos podem resultar em variações de
consumo das famílias e do lucro das empresas devido a alterações de preço ou quantidades
resultantes destes gastos.
Além disto, o consumo de gerações futuras também deve ser considerado e, assim, há que se
incorporar questões distributivas intertemporais.
É importante evidenciar que as variações de bem-estar das famílias, quando o consumo destas
é afetado por decisões dos investimentos públicos, devem ser parte da análise social de custo-
benefício. Neste sentido, a determinação dos custos e benefícios sociais, pela sua contribuição
ao bem-estar das pessoas, é a base da teoria microeconômica do bem-estar e dela derivam os
métodos de valoração monetária dos recursos ambientais. Estes métodos propõem justamente
essa forma de análise de custo-benefício, em que os valores sociais dos bens e serviços são
considerados de forma a refletir variações de bem-estar e não somente seus respectivos valores
de mercado.
Embora estes métodos derivem do mesmo arcabouço teórico, no caso deste Manual estaremos
concentrados nos métodos de análise social de custo-benefício que permitem a valoração
econômica dos recursos ambientais, com maior ênfase naqueles associados à diversidade
biológica.
Entretanto, conforme será visto nos capítulos seguintes, existem limitações teóricas e barreiras
metodológicas quando da adoção de tais métodos. Reconhecer estas restrições é aumentar a
contribuição destes para a tomada de decisão dos gastos e investimentos públicos. Portanto,
cabe aqui uma mensagem de alerta: a análise de custo-benefício é apenas um indicador
adicional para a tomada de decisão.
O gestor público não deve e não é capaz de atuar indiferentemente nas preferências políticas.
Quando bem aplicada, a análise social de custo-benefício oferece indicadores que ajudem a
condução do processo político a fim de que as decisões sejam tomadas com mais objetividade.
Em alguns níveis de decisão, geralmente os que envolvem questões socialmente complexas e
indefinidas, a análise torna-se tão custosa e/ou imprecisa que deveria, assim, ser evitada. Em
outras instâncias, entretanto, quando o próprio processo político impõe uma avaliação
econômica para sustentar sua capacidade de ordenação de prioridades, os indicadores
econômicos tornam-se de grande valia.
Ronaldo Seroa da Motta - 3

A identificação destas instâncias e a capacidade de elaborar avaliações econômicas mais


precisas e objetivas resultarão certamente no aperfeiçoamento da gestão pública. Poder
contribuir para que os gestores ambientais desenvolvam esta capacitação na área ambiental é o
principal objetivo deste Manual.

A VALORAÇÃO ECONÔMICA NA GESTÃO AMBIENTAL

Conforme tem sido amplamente debatido, a proteção do meio ambiente é basicamente uma
questão de eqüidade inter e intra-temporal. Quando os custos da degradação ecológica não são
pagos por aqueles que a geram, estes custos são externalidades para o sistema econômico. Ou
seja, custos que afetam terceiros sem a devida compensação. Atividades econômicas são, desse
modo, planejadas sem levar em conta essas externalidades ambientais e, conseqüentemente, os
padrões de consumo das pessoas são forjados sem nenhuma internalização dos custos
ambientais. O resultado é um padrão de apropriação do capital natural onde os benefícios são
providos para alguns usuários de recursos ambientais sem que estes compensem os custos
incorridos por usuários excluídos. Além disso, as gerações futuras serão deixadas com um
estoque de capital natural resultante das decisões das gerações atuais, arcando os custos que
estas decisões podem implicar.
Embora o uso de recursos ambientais não tenha seu preço reconhecido no mercado, seu valor
econômico existe na medida que seu uso altera o nível de produção e consumo (bem-estar) da
sociedade.
Diante da presença destas externalidades ambientais, nós temos uma situação oportuna para a
intervenção governamental. Essa intervenção pode incluir instrumentos distintos, tais como: a
determinação dos direitos de propriedade, o uso de normas ou padrões, os instrumentos
econômicos, as compensações monetárias por danos e outros.
Apesar da intervenção governamental ser legítima, ela não é trivial. No caso da conservação da
diversidade biológica, a intervenção é ainda mais complexa visto que nosso conhecimento
teórico e gerenciais ainda são insuficientes.
Existe um consenso quanto às dificuldades da gestão ambiental. Os atuais problemas podem,
contudo, ser classificados em três categorias principais: (i) baixas provisões orçamentárias face
aos altos custos de gerenciamento; (ii) políticas econômicas indutoras de perdas ambientais; e
(iii) questões de eqüidade que dificultam o cumprimento da lei. Assim, é possível afirmar que
nós temos uma clara situação que requer a introdução do critério econômico na gestão
ambiental.
Esta noção do papel do critério econômico está longe de ser inovadora e está cada vez mais
difundida em outros países.

A DETERMINAÇÃO DE PRIORIDADES, AÇÕES E PROCEDIMENTOS PARA A


GESTÃO AMBIENTAL

As restrições orçamentárias impõem à sociedade a necessidade de responder duas perguntas


fundamentais relativas à proteção ambiental:
(i) quais os recursos ambientais em que devemos centralizar esforços?
(ii) quais métodos devemos utilizar para atingir os objetivos desejados?
Resumindo, há que se definir prioridades quanto ao que queremos conservar e onde. Até
agora, a abordagem predominante tem se baseado no critério ambiental, biológico ou
4 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

geográfico. Tendo em mente o propósito deste trabalho, é importante enfatizar que,


independente da adoção de um determinado critério, podemos aumentar a eficiência da gestão
ambiental (i.e., capacidade de atingir os objetivos desejados) com a utilização complementar de
um critério econômico. Ou seja, reforçando a dimensão humana da gestão ambiental.
Deve ser também enfatizado que o critério econômico está fundamentado, em grande medida,
nas abordagens ecológicas de modo que se torne útil. Portanto, o conhecimento e
entendimento de nossa biodiversidade será um pré-requisito para a aplicação do critério
econômico.
A literatura sobre o critério econômico no gerenciamento dos recursos naturais tem sido muito
fértil nos últimos dez anos1. As principais proposições estão aqui sumarizadas em três tópicos:
(i) Análise Custo-Benefício (ACB)
(ii) Análise Custo-Utilidade (ACU)
(iii) Análise Custo-Eficiência (ACE)
Como será discutido nas subseções seguintes, ACB e ACU são métodos determinantes de
prioridades, enquanto ACE é mais proveitoso para a definição de ações quando prioridades já
estão definidas2.

DETERMINANDO PRIORIDADES COM O CRITÉRIO ECONÔMICO

a) Análise Custo-Benefício (ACB)


A ACB é a técnica econômica mais utilizada para a determinação de prioridades na avaliação
de políticas. Seu objetivo é comparar custos e benefícios associados aos impactos das
estratégias alternativas de políticas em termos de seus valores monetários.
Note que benefícios são aqueles bens e serviços ecológicos, cuja conservação acarretará na
recuperação ou manutenção destes para a sociedade, impactando positivamente o bem-estar
das pessoas. Por outro lado, os custos representam o bem-estar que se deixou de ter em
função do desvio dos recursos da economia para políticas ambientais em detrimento de outras
atividades econômicas. Os benefícios, assim como os custos, devem ser também definidos
segundo quem se apropria ou sofre as consequências destes, isto é, identificar beneficiários e
perdedores para apontar as questões eqüitativas resultantes.
A estimação dos valores monetários, que é o tema central deste Manual, reflete valores
econômicos baseados nas preferências dos consumidores. Conforme veremos com detalhes a
seguir, utilizando mercados de bens privados complementares e substitutos para serviços
ambientais, ou mesmo mercados hipotéticos para esses serviços, é possível capturar a
disposição a pagar das pessoas por mudanças na provisão ambiental.
Com os procedimentos da ACB é possível, então, identificar as estratégias cujas prioridades
aproveitam, da melhor maneira possível, os recursos. Isto é, estratégias cujos benefícios

1
Ver bibliografia anexa no final do Manual.
2
Estes três métodos operam na oferta dos serviços ambientais quando de investimentos que geram custos ou
benefícios ambientais. Para atuar na demanda por estes serviços, podemos utilizar os instrumentos ou
incentivos econômicos no sentido de alterar os preços relativos destes para aumentar a eficiência de uso, elevar
os recursos orçamentários e tratar de questões de eqüidade. Ver seção Bens Públicos e Externalidades da Parte
III e Serôa da Motta, Ruitenbeek e Hurber (1996).
Ronaldo Seroa da Motta - 5

excedem os custos. Desta maneira, os tomadores de decisão estão maximizando os recursos


disponíveis da sociedade e, conseqüentemente, otimizando o bem-estar social.
Dentro da ACB as estratégias são ordenadas de acordo com o valor presente dos benefícios
líquidos de cada uma destas (benefícios menos custos descontados no tempo)3. Essa ordenação
permite que os tomadores de decisão definam prioridades, adotando primeiro as estratégias
cujos benefícios líquidos são mais elevados (ver Quadro 1)

QUADRO 1
INDICADORES DE VIABILIDADE

Uma análise de custo-benefício (ACB) é a comparação dos custos de investimento e operação (ct), incorridos a
cada momento do tempo t para realizar uma ação, versus os respectivos benefícios (bt) gerados ao longo do
tempo. Tal comparação permite analisar a viabilidade da ação. Com base nos indicadores da ACB é possível
ordenar as diversas alternaticas de ação. Existem três opções de indicadores para ACB. Embora todos os três
permitam indicar a viabilidade de uma ação de forma inequívoca, o ordenamento de ações resultante pode
variar por tipo de indicador. Um resumo destes indicadores é abaixo apresentado:
Valor presente líquido (VPL):

VPL = Σ bt - ct /(1+d)t

Calcula-se a diferença do valor descontado dos benefícios sobre o valor descontado dos custos. VPL ≥ 0 indica
viabilidade e as ações podem ser ordenadas de acordo com as magnitudes do VPL. Note, entretanto, que o
ordenamento resultante deste indicador depende basicamente da taxa de desconto (d) e da magnitude das
necessidades de investimento que determinam o nível de VPL.
Relação benefício-custo (B/C):

B/C =
∑b t / (1 + d ) t
∑c t / (1 + d ) t

Viabilidade será indicada com B/C ≥ 1 e ações podem ser indicadas de acordo com as magnitudes de B/C.
Como custo é um benefício negativo e vice-versa, note que a relação B/C pode ser computada diferentemente de
acordo com o entendimento do sinal dos custos e benefícios e, assim, gerar ordenações diferentes.
Taxa interna de retorno (TIR):

Σ bt - ct /(1+TIR)t = 0

Viabilidade será dada quando TIR ≥ d, mas, o ordenamento com base em valores de TIR poderá ser realizado
sem considerar d e, sim, apenas por seus valores. Entretanto, dependendo da distribuição dos custos e benefícios
(por exemplo, bruscas variações em períodos distintos) ao longo do tempo, TIR pode não ser única. Dessa
forma, a escolha de um indicador dependerá das informações desejadas pelo analista e das características das
ações em análise.

A mensuração dos valores monetários associados a benefícios ambientais pode ser, contudo,
muito difícil e, em se tratando de benefícios da biodiversidade, a mensuração é ainda mais

3
Outra maneira de ordenação, normalmente mais apropriada, baseia-se na taxa interna de retorno das
estratégias (taxa em que os benefícios e os custos têm o mesmo valor presente, ou seja, taxa onde valor presente
líquido é igual a zero).
6 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

problemática. Independentemente de nosso reduzido conhecimento quanto aos elos ecológicos


associados às atividades econômicas, que também enfraquece as abordagens puramente
ecológicas, existem limitações metodológicas nas avaliações econômicas. Tais limitações estão
relacionadas às taxas de desconto no tempo, à agregação dos valores individuais, à
internalização de incertezas e à amplitude das mudanças de equilíbrio geral. Estas questões
tendem a enviesar as medidas dos benefícios ambientais e, dessa maneira, desviam a sociedade
de opções sustentáveis.
Entretanto, a questão principal está relacionada com a limitada capacidade destes métodos de
capturar os valores das funções ecossistêmicas. Eles são instrumentos poderosos para apontar
valores de certos serviços ambientais quando percebidos de uma maneira isolada. O
conhecimento e a percepção das pessoas sobre as funções ecossistêmicas é bastante limitado e,
assim, as preferências individuais podem subvalorizar os serviços biológicos.
Apesar destes problemas, que sempre aparecerão na mensuração de benefícios, o processo de
atribuir valores econômicos aos recursos ambientais trará à tona questões sócio-econômicas
que o critério ecológico ou ambiental isoladamente não é capaz. Ao mesmo tempo, uma
análise custo-benefício de uma política, programa ou projeto ecológico não é o único indicador
para a tomada de decisão como uma maneira de ordenar opções.
Mesmo assim, a ACB é um importante método para orientar decisões de investimentos. Antes
de discutir como poderemos integrar a ACB ao critério ecológico, é válido mencionar que a
valoração de alguns benefícios de um dado investimento em biodiversidade pode ser suficiente
para demonstrar que estes benefícios, mesmo subvalorizados, já estão excedendo os custos.
Apesar disto não ser suficiente para assegurar que a sociedade está adotando a melhor
alternativa de uso de seus recursos econômicos, os tomadores de decisão podem, pelo menos,
garantir que a eficiência econômica não decrescerá em função desse investimento ambiental.
Identificando de que forma os custos e os benefícios são distribuídos no interior da sociedade
(i.e., quem está arcando com os custos e recebendo os benefícios), os tomadores de decisão
podem encontrar também maneiras de conciliar outras alternativas e construir consensos que
facilitem a implementação política. Esta característica da ACB, muitas vezes colocada de lado
nos exercícios de valoração, é vital nos países em desenvolvimento, onde as questões
eqüitativas freqüentemente restringem a implementação política em função dos baixos níveis de
renda e da sua distribuição desigual. O uso da ACB nestas bases é um movimento precursor
muito importante para que a sociedade possa implementar um critério de abordagem
ecológico-econômica mais sofisticado.
A ACB pode também ser empreendida passo a passo, agregando benefícios e custos, de
acordo com os níveis de decisão e os agentes econômicos em questão, conforme apresentado
no Quadro 2.

b) Análise Custo-Utilidade (e viabilidade institucional) (ACU)


Têm-se observado consideráveis esforços de pesquisa para calcular um indicador de benefícios
capaz de integrar os critérios econômico e ecológico4. Ao invés de usar uma única medida do
valor monetário de um determinado benefício, os indicadores são calculados para valores
econômicos e também para o critério ecológico, como, por exemplo: insubstitutibilidade,
vulnerabilidade, grau de ameaça, representatividade e criticabilidade.

4
Ver, por exemplo, texto seminais em economia feitos por Solow et al. (1993) e Weitzman (1992).
Ronaldo Seroa da Motta - 7

QUADRO 2
ANÁLISE DE CUSTO-BENEFÍCIO E OBJETIVOS DE POLÍTICA

O uso da ACB pode ser mais útil quando apresentada em distintas perspectivas, no sentido de relevar todos os
perdedores e beneficiários e as preferências dos tomadores de decisão. Esta desagregação não demanda esforços
adicionais de análise, mas, apenas formatos distintos de apresentação dos parâmetros requeridos para uma ACB
completa. São descritas aqui algumas sugestões.
ANÁLISE PRIVADA (PERSPECTIVA DO USUÁRIO)
Maximiza receita, minimiza custos - ACB utilizando preços de mercado sem considerar externalidades.
ANÁLISE FISCAL (PERSPECTIVA DO TESOURO)
Maximiza receita fiscal, minimiza custos de administração - ACB mensurando apenas os ganhos e perdas de
receita fiscal e seus respectivos custos de administração.
ANÁLISE ECONÔMICA (PERSPECTIVA DA EFICIÊNCIA)
Maximiza o bem-estar total, minimiza os custos de oportunidade - ACB utilizando preços de mercado sem
subsídios e outras distorções de mercado.
ANÁLISE SOCIAL (PERSPECTIVA DISTRIBUTIVA)
Maximiza o bem-estar total, minimiza custos de oportunidade e distributivos - ACB utilizando preços de
mercado sem subsídios e outras distorções de mercado, ajustando estes com pesos distributivos para incorporar
questões de equidade (excluindo a valoração monetária de externalidades ambientais).
ANÁLISE DE SUSTENTABILIDADE (PERSPECTIVA ECOLÓGICA)
Maximiza o bem-estar total, minimiza custos de oportunidade, distributivos e ambientais - ACB utilizando
preços de mercado sem subsídios e outras distorções de mercado, ajustando estes com pesos distributivos e
incluindo a valoração monetária de externalidades ambientais

Cada indicador tem um peso absoluto e os benefícios das opções (de política, programas ou
projetos) são avaliados com poderações para cada indicador. Os resultados finais são, então,
calculados para cada opção que representará alguma média ponderada para todos estes
critérios.
O principal problema metodológico aqui é exatamente a determinação de escalas coerentes e
aceitáveis para a definição da importância relativa dos diferentes critérios, isto é, as
ponderações destes. Cada escala definirá uma ordenação específica. Portanto, a participação
dos atores sociais relevantes, a integração governamental e o debate político são o único
caminho para minimizar estas restrições.
Independente disto, sempre existirão dificuldades para quantificar o resultado absoluto dos
benefícios correspondentes a cada critério para cada opção. Conseqüentemente, o
desenvolvimento de uma base de dados sobre biodiversidade é um pré-requisito para a
utilização desta abordagem
Levando-se em consideração todos estes procedimentos metodológicos, pode-se dizer que
ACU é uma abordagem muito custosa e, assim, estaria acima da capacidade institucional, do
compromisso político e da aceitação social nos países em desenvolvimento. Baseado neste
juízo de valor, existem algumas sugestões na análise de custo-viabilidade onde a capacidade
8 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

institucional, o compromisso político e a aceitação social são critérios adicionais para se avaliar
projetos que englobam benefícios ecológicos e econômicos5

c) Análise Custo-Eficiência (ACE)


Caso a estimação de benefícios ou utilidade se mostrar muito difícil ou com custos acima da
capacidade institucional, prioridades serão ordenadas somente com base somente no critério
ecológico. Neste caso, o que os tomadores de decisão podem fazer é empreender uma análise
custo-eficiência. A ACE considera as várias opções disponíveis para se alcançar uma
prioridade política pré-definida e compara os custos relativos destas em atingir seus objetivos.
Desta maneira, é possível identificar a opção que assegura a obtenção do resultado desejado
aos menores custos.
Note que a ACE não ordena opções para definir prioridades. A ACE deve ser encarada como
um instrumental para definição de ações, tendo em vista que a prioridade já foi devidamente
definida. Haverá também situações de decisão nas quais os custos institucionais da avaliação
do projeto excedem aos ganhos de eficiência com uso de ACB ou ACU e, portanto, a ACE
terá assim um papel importante na orientação de ações de gestão.

MEDINDO OS CUSTOS DE OPORTUNIDADE DA PROTEÇÃO AMBIENTAL


Os custos de oportunidade são mensurados levando-se em conta o consumo de bens e serviços
que foi abdicado, i.e. custos dos recursos alocados para investimentos e gastos ambientais.
Por exemplo, restrições ao uso da terra em unidades de conservação impõem perdas de
geração de receita, visto que atividades econômicas são restritas in-situ. A renda líquida
abdicada pela restrição destas atividades é uma boa medida do custo de oportunidade
associado com a criação desta unidade de conservação. O uso de renda líquida decorre do fato
de que a renda bruta destas atividades sacrificadas tem que ser deduzida dos seus custos de
produção, que também restringem recursos para a economia. De fato, a renda líquida significa
a receita líquida provida pelas atividades sacrificadas e representaria, assim, o custo de
oportunidade da conservação.
Os custos associados aos investimentos, manutenção e operação das ações para a proteção
ambiental (gastos de proteção) também devem ser somados aos custos de oportunidade, visto
que demandam recursos que poderiam estar sendo utilizados em outras atividades.6
É também relevante discriminar os custos de oportunidade e os gastos de proteção por agentes
envolvidos. Para tal, a seguir estão sugeridas algumas formas:
(i) custos de oportunidade sustentado por classes de renda ou setores econômicos;
(ii) custos de oportunidade associados à receita fiscal perdida pelos governos local e central;
(iii) gastos de conservação incorridos pelos governos central e local; e
(iv) gastos de conservação incorridos pelas agências ambientais e proprietários privados da
área do sítio natural.
Note que os custos discriminados não são mutuamente exclusivos e seus valores não devem
ser somados. Discriminações (i) e (ii) assim como (iii) e (iv) podem ser parte integrante uma da

5
Ver McNeeley et al. (1991) and McNeeley (1997).
6
Note que assuminos aqui que os recursos são plenamente utilizados. Quando os recursos estão com níveis de
excedende, é necessário computar tal fato.
Ronaldo Seroa da Motta - 9

outra, apesar de serem medidas distintas. O objetivo principal aqui é representar os custos
incorridos pelos diferentes agentes envolvidos com a proteção ambiental para auxiliar no
processo político de definição de prioridades, como foi mencionado na subseção anterior
relativa a ACB.
Ronaldo Seroa da Motta - 11

PARTE I
MÉTODOS DE VALORAÇÃO AMBIENTAL

Esta parte do Manual apresenta os métodos de valoração ambiental. Para cada método são
analisados: a sua fundamentação teórica, os viéses estimativos e as orientações para seu uso.
Ao fim desta parte, um roteiro indicativo é também apresentado para a escolha do método
mais apropriado de acordo com o objetivo da mensuração7.
A compreensão das seções seguintes requer um leitura atenta e paciente. Se mesmo assim, o
leitor ainda tiver dificuldades no entendimento dos fundamentos teóricos aqui apresentados,
aconselhamos a leitura da Parte III onde os princípios da teoria microeconômica são
discutidos.

O VALOR ECONÔMICO DOS RECURSOS AMBIENTAIS


Conforme discutido anteriormente, o valor econômico dos recursos ambientais geralmente não
é observável no mercado através de preços que reflitam seu custo de oportunidade. Então,
como identificar este valor econômico?

Primeiro devemos perceber que o valor econômico dos recursos ambientais é derivado de
todos os seus atributos e, segundo, que estes atributos podem estar ou não associados a um
uso. Ou seja, o consumo de um recurso ambiental se realiza via uso e não-uso. Vamos explorar
com mais detalhes estas considerações.

Um bem é homogêneo quando os seus atributos ou características que geram satisfação de


consumo não se alteram. Outros bens são, na verdade, parte de classes de bens ou serviços
compostos. Nestes casos, cada membro da classe apresenta atributos diferenciados, como, por
exemplo, automóveis, casas, viagens de lazer e também recursos ambientais. Logo, o preço de
uma unidade j do bem Xi, Pxij, pode ser definido por um vetor de atributos ou características,
aij, tal que:

Pxij = Pxi (aij1,aij2,..., aijn) (1)

No caso de um recurso ambiental, os fluxos de bens e serviços ambientais, que são derivados
do seu consumo, definem seus atributos.
Entretanto, existem também atributos de consumo associados à própria existência do recurso
ambiental, independentemente do fluxo atual e futuro de bens e serviços apropriados na forma
do seu uso.
Assim, é comum na literatura desagregar o valor econômico do recurso ambiental (VERA) em
valor de uso (VU) e valor de não-uso (VNU).
Valores de uso podem ser, por sua vez, desagregados em:
Valor de Uso Direto (VUD) - quando o indivíduo se utiliza atualmente de um recurso, por
exemplo, na forma de extração, visitação ou outra atividade de produção ou consumo direto;

7
A revisão técnica desta parte coube a Carolina Burle Schmidt Dubeux e José Ricardo Brun Fausto.
12 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Valor de Uso Indireto (VUI) - quando o benefício atual do recurso deriva-se das funções
ecossistêmicas, como, por exemplo, a proteção do solo e a estabilidade climática decorrente da
preservação das florestas;
Valor de Opção (VO) - quando o indivíduo atribui valor em usos direto e indireto que poderão
ser optados em futuro próximo e cuja preservação pode ser ameaçada. Por exemplo, o
benefício advindo de fármacos desenvolvidos com base em propriedades medicinais ainda não
descobertas de plantas em florestas tropicais.
O valor de não-uso (ou valor passivo) representa o valor de existência (VE) que está
dissociado do uso (embora represente consumo ambiental) e deriva-se de uma posição moral,
cultural, ética ou altruística em relação aos direitos de existência de espécies não-humanas ou
preservação de outras riquezas naturais, mesmo que estas não representem uso atual ou futuro
para o indivíduo8. Uma expressão simples deste valor é a grande atração da opinião pública
para salvamento de baleias ou sua preservação em regiões remotas do planeta, onde a maioria
das pessoas nunca visitarão ou terão qualquer benefício de uso.
Há também uma controvérsia na literatura a respeito do valor de existência representar o
desejo do indivíduo de manter certos recursos ambientais para que seus herdeiros, isto é,
gerações futuras, usufruam de usos diretos e indiretos (“bequest value”). É uma questão
conceitual considerar até que ponto um valor assim definido está mais associado ao valor de
opção ou de existência. O que importa para o desafio da valoração, é admitir que indivíduos
podem assinalar valores independentemente do uso que eles fazem hoje ou pretendem fazer
amanhã.
Assim, uma expressão para VERA seria a seguinte:

VERA = (VUD + VUI + VO) + VE (2)

Quadro 1 abaixo apresenta esta taxonomia geral e o Quadro 2 identifica casos específicos dos
recursos da biodiversidade.

QUADRO 1
TAXONOMIA GERAL DO VALOR ECONÔMICO DO RECURSO AMBIENTAL

Valor Econômico do Recurso Ambiental


Valor de Uso Valor de Não-Uso
Valor de Uso Direto Valor de Uso Indireto Valor de Opção Valor de Existência
bens e serviços bens e serviços bens e serviços valor não associado ao
ambientais apropriados ambientais que são ambientais de usos diretos uso atual ou futuro e que
diretamente da gerados de funções e indiretos a serem reflete questões morais,
exploração do recurso e ecossistêmicas e apropriados e consumidos culturais, éticas ou
consumidos hoje apropriados e consumidos no futuro altruísticas
indiretamente hoje

Note, entretanto, que um tipo de uso pode excluir outro tipo de uso do recurso ambiental. Por
exemplo, o uso de uma área para agricultura exclui seu uso para conservação da floresta que

8
Bens privados também podem apresentar este atributos, que se expressa no que as pessoas chamam de valor de
estimação.
Ronaldo Seroa da Motta - 13

cobria este solo. Assim, o primeiro passo na determinação do VERA será identificar estes
conflitos de uso. O segundo passo será a determinação destes valores.
O leitor poderá agora avaliar, com mais clareza, o grau de dificuldade para encontrar preços de
mercado (adequados ou não) que reflitam os valores atribuídos aos recursos ambientais. Esta
dificuldade é maior à medida que passamos dos valores de uso para os valores de não-uso. Nos
valores de uso, os usos indiretos e de opção apresentam, por sua vez, maior dificuldade que os
usos diretos.
Conforme procuramos demonstrar até agora, a tarefa de valorar economicamente um recurso
ambiental consiste em determinar quanto melhor ou pior estará o bem-estar das pessoas devido
a mudanças na quantidade de bens e serviços ambientais, seja na apropriação por uso ou não.
Dessa forma, os métodos de valoração ambiental corresponderão a este objetivo à medida que
forem capazes de captar estas distintas parcelas de valor econômico do recurso ambiental.
Todavia, conforme será discutido a seguir, cada método apresentará limitações nesta cobertura
de valores, a qual estará quase sempre associada ao grau de sofisticação (metodológica e de
base de dados) exigido, às hipóteses sobre comportamento do indivíduo consumidor e aos
efeitos do consumo ambiental em outros setores da economia.
Tendo em vista que tal balanço será quase sempre pragmático e decidido de forma restrita,
cabe ao analista que valora explicitar, com exatidão, os limites dos valores estimados e o grau
de validade de suas mensurações para o fim desejado. Conforme será discutido a seguir, a
adoção de cada método dependerá do objetivo da valoração, das hipóteses assumidas, da
disponibilidade de dados e conhecimento da dinâmica ecológica do objeto que está sendo
valorado.
Os métodos de valoração aqui analisados são assim classificados: métodos da função de
produção e métodos da função de demanda.
Métodos da função de produção: métodos da produtividade marginal e de mercados de bens
substitutos (reposição, gastos defensivos ou custos evitados e custos de controle).
Se o recurso ambiental é um insumo ou um substituto de um bem ou serviço privado, estes
métodos utilizam-se de preços de mercado deste bem ou serviço privado para estimar o valor
econômico do recurso ambiental. Assim, os benefícios ou custos ambientais das variações de
disponibilidade destes recursos ambientais para a sociedade podem ser estimados. Com base
nos preços destes recursos privados, geralmente admitindo que não se alteram frente a estas
variações, estimam-se indiretamente os valores econômicos (preços-sombra) dos recursos
ambientais cuja variação de disponibilidade está sendo analisada. O benefício (ou custo) da
variação da disponibilidade do recurso ambiental é dado pelo produto da quantidade variada
do recurso vezes o seu valor econômico estimado. Por exemplo, a perda de nutrientes do solo
causada por desmatamento pode afetar a produtividade agrícola. Ou a redução do nível de
sedimentação numa bacia, por conta de um projeto de revegetação, pode aumentar a vida útil
de uma hidrolétrica e sua produtividade.
14 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

QUADRO 2
EXEMPLOS DE VALORES ECONÔMICOS DOS RECURSOS DA BIODIVERSIDADE

Valor de Uso Valor Passivo ou


de Não-uso

Valor Direto Valor Indireto Valor de Opção Valor de Existência

Provisão de recursos Fornecimentos de Preservação de valores


básicos: alimentos, suportes para as de uso direto e indireto
medicamentos e não- atividades econômicas e
madeireiros, bem-estar humano: p.ex.,
nutrientes, turismo proteção dos corpos
d’água, estocagem e
reciclagem de lixo.
Manutenção da
diversidade genética e
controle de erosão.
Provisão de recursos
básicos: p.ex., oxigênio,
água e recursos genéticos

Uso não-consumptivo: Florestas como


recreação, marketing objetos de valor
intrínseco, como uma
doação, um presente
para outros, como
uma responsabilidade.
Inclui valores
culturais, religiosos e
históricos

Recursos genéticos de Provisão de benefícios


plantas associados à informação,
como conhecimento
científico

Fonte: SBSTTA (1996)

Métodos da função de demanda: métodos de mercado de bens complementares (preços


hedônicos e do custo de viagem) e método da valoração contingente.
Estes métodos assumem que a variação da disponibilidade do recurso ambiental altera a
disposição a pagar ou aceitar dos agentes econômicos em relação aquele recurso ou seu bem
privado complementar. Assim, estes métodos estimam diretamente os valores econômicos
(preços-sombra) com base em funções de demanda para estes recursos derivadas de (i)
mercados de bens ou serviços privados complementares ao recurso ambiental ou (ii) mercados
hipotéticos construídos especificamente para o recurso ambiental em análise. Utilizando-se de
Ronaldo Seroa da Motta - 15

funções de demanda, estes métodos permitem captar as medidas de disposição a pagar (ou
aceitar) dos indivíduos relativas às variações de disponibilidade do recurso ambiental. Com
base nestas medidas, estimam-se as variações do nível de bem-estar pelo excesso de satisfação
que o consumidor obtém quando paga um preço (ou nada paga) pelo recurso abaixo do que
estaria disposto a pagar. Estas variações são chamadas de variações do excedente do
consumidor frente às variações de disponibilidade do recurso ambiental. O excedente do
consumidor é, então, medido pela área abaixo da curva de demanda e acima da linha de preço.
Assim, o benefício (ou custo) da variação de disponibilidade do recurso ambiental será dado
pela variação do excedente do consumidor medida pela função de demanda estimada para este
recurso. Por exemplo, os custos de viagem que as pessoas incorrem para visitar um parque
nacional podem determinar uma aproximação da disposição a pagar destes em relação
aosbenefícios recreacionais do parque. Estas medidas de disposição a pagar podem também ser
identificadas em uma pesquisa que questiona, junto a uma amostra da população, valores de
pagamento de um imposto para investimentos ambientais na proteção de da biodiversidade.
Identificando estas medidas de disposição a pagar podemos construir as respectivas funções de
demanda.
Note que estes dois métodos gerais podem, de acordo com suas hipóteses, estimar valores
ambientais derivados de funções de produção ou de demanda com base na realidade econômica
atual. Na medida em que estes valores (custos ou benefícios) possam ocorrer ao longo de um
período, então, será necessário identificar estes valores no tempo. Ou seja, identificar valores
resultantes não somente das condições atuais, mas também das condições futuras. A
prospecção das condições futuras poderá ser feita com cenários alternativos para minimizar o
seu alto grau de incerteza. De qualquer forma, os valores futuros terão que ser descontados no
tempo, isto é, calculados seus valores presentes e, para tanto, há que se utilizar uma taxa de
desconto social (ver novamente Quadro 1 da Introdução). Esta taxa difere daquela observada
no mercado devido as imperfeições no mercado de capitais e sua determinação não é trivial,
embora possa afetar significativamente os resultados de uma análise de custo-benefício.
No contexto ambiental a complexidade é ainda maior. Por exemplo, devido a sua possibilidade
de esgotamento, o valor dos recursos ambientais tende a crescer no tempo se admitimos que
seu uso aumenta com o crescimento econômico. Como estimar esta escassez futura e traduzi-
la em valor monetário é uma questão complexa que exige um certo exercício de futurologia.
Assim sendo, alguns especialistas sugerem o uso de taxas de desconto menores para os
projetos onde se verificam benefícios ou custos ambientais significativos ou adicionar os
investimentos necessários para eliminar o risco ambiental. Na análise metodológica a ser
desenvolvida nesta Parte I considera-se que os custos e benefícios ambientais serão
adequadamente valorados e que cenários com valores distintos para a taxa de desconto devem
ser utilizados para avaliar sua inderteminação. Aos leitores interessados nesta questão de
desconto de valores no tempo, sugerimos a leitura da seção Alocação Intertemporal da Parte
III e o Estudo de Caso 4.

MÉTODOS DE FUNÇÃO DE PRODUÇÃO


Uma das técnicas de valoração mais simples e, portanto, largamente utilizada, é o método da
função de produção. Neste método, observa-se o valor do recurso ambiental E pela sua
16 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

contribuição como insumo ou fator na produção de um outro produto Z, isto é, o impacto do


uso de E em uma atividade econômica9.

Assim, estima-se a variação de produto de Z decorrente da variação da quantidade de bens e


serviços ambientais do recurso ambiental E utilizado na produção de Z. Este método é
empregado sempre que é possível obterem-se preços de mercado para a variação do produto Z
ou de seus substitutos. Duas variantes gerais podem ser reconhecidas: método da
produtividade marginal e método dos bens substitutos.
A seguir discutiremos em separado a parte teórica destas variantes, embora a parte de
avaliação de viéses e orientações seja apresentada em conjunto.
Para entender melhor as premissas dos métodos com base em função de produção, vamos
elaborar em mais detalhes sua construção analítica. Suponha uma função de produção de Z,
tal que o nível de produção de Z é dado pela seguinte expressão:

Z = F(X,E) (3)

Onde X é um conjunto de insumos formado por bens e serviços privados e E representa um


bem ou serviço ambiental gerado por um recurso ambiental que é utilizado gratuitamente, ou
seja, seu preço de mercado pE é zero. Note que E representa, assim, um valor de uso para na
produção de Z.
Sendo pZ e pX os preços de Z e X, a função do lucro (π) na produção de Z seria:

π = pZ Z - pX X - pE E = pZ F(X,E) - pX.X (4)

O produtor ajusta assim a utilização do seu insumo de forma a maximizar o seu lucro.
Assumindo que a variação de Z é marginal e, portanto, não altera seu preço, a variação de
lucro seria:

∂ π /∂
∂ X = pZ ∂ F/∂
∂ X - pX = 0 (5)

∂ π /∂
∂ E = pZ ∂ F/∂
∂E (6)

Ou seja, a variação de lucro do usuário de E é igual ao preço de Z multiplicado pela variação


de Z quando varia E.10

MÉTODO DA PRODUTIVIDADE MARGINAL

Fundamentação Teórica
O método da produtividade marginal assume que pZ é conhecido e o valor econômico de E
(VEE) seria:

VEE = pZ ∂ F / ∂ E (7)

9
Uma função de produção representa, assim, uma combinação teconológica de insumos e fatores para a
produção de um bem. Ver seção Produção e Oferta da Parte III.
10
Esta é a expressão (18) da Parte III.
Ronaldo Seroa da Motta - 17

Observe que VEE, nestes casos, representam apenas valores de uso diretos ou indiretos
relativos a bens e serviços ambientais utilizados na produção. Vale ressaltar que a estimação
das funções de produção F não é trivial quando as relações tecnológicas são complexas.
Além do mais, as especificações de E em F são difíceis de serem captadas diretamente na
medida em que E coresponde geralmente a fluxos de bens ou serviços gerados por um recurso
ambiental que dependem do seu nível de estoque ou de qualidade. Logo, se faz necessário
conhecer a correlação de E em F ou, se possível mais especificamente, as funções de dano
ambiental ou as funções dose-resposta (DR) onde:

E = DR (x1,x2,...,Q) (8)

onde xi são as variáveis que, junto com o nível de estoque ou qualidade Q do recurso, afetam o
nível de E. Assim,

∂ E = ∂ DR / ∂ Q (9)

Estas funções DRs procuram relacionar a variação do nível de estoque ou qualidade


(respectivamente, taxas de extração ou poluição) com o nível de danos físicos ambientais e, em
seguida, identificar o efeito do dano físico (decréscimo de E) em certo nível de produção
específico.
Um exemplo de DR são as que relacionam o nível de poluição da água (Q) que afetam a
qualidade da água (E) que, por sua vez, afeta a produção pesqueira (Z). Outro exemplo, é o
nível de uso do solo (Q) que afeta a qualidade do solo (E) e, assim, afeta a produção agrícola
(Z)11 . Determinada a DR, é possível, então, estimar a variação do dano em termos de variação
no bem ou serviço ambiental que afeta a produção de um bem.
Funções de danos podem, contudo, apresentar mais dificuldades que as funções tecnológicas
de produção, na medida em que as relações causais em ecologia são ainda pouco conhecidas e
de estimação bastante complexa. As relações ecológicas requerem estudos de campo mais
sofisticados e a consideração de um número maior de variáveis. Questões como resiliência e
capacidade assimilativa não permitem a determinação de formas funcionais simples para as
DRs e suas respectivas funções de produção.
Dessa forma, antes de avaliar os viéses estimativos do método da produtividade marginal,
examinemos os métodos que recorrem a mercado de bens substitutos com procedimentos
semelhantes ao da produtividade marginal.
Ver Estudos de Caso 1, 2, 3, 4, 5, 9, 12 e 13.

MÉTODOS DE MERCADO DE BENS SUBSTITUTOS

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Outros métodos que utilizam preços de mercado, e na hipótese de variações marginais de
quantidade de Z devido a variação de E, podem ser adotados com base nos mercados de bens
substitutos para Z e E. Estes métodos são importantes para os casos onde a variação de Z,
embora afetada por E, não oferece preços observáveis de mercado ou são de difícil
mensuração. Casos típicos seriam aqueles em que Z é também um bem ou serviço ambiental

11
Ver Quadro 4
18 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

consumido gratuitamente, ou as funções de produção e/ou dose-resposta não estão


disponíveis, ou ainda encerram um esforço de pesquisa incomensurável.
Por exemplo, um decréscimo do nível de qualidade da água Q das praias resulta em um
decréscimo de uma amenidade E que é um serviço ambiental de recreação cuja cobrança pelo
seu uso não existe ou é limitada.
Embora a provisão de E seja gratuita, a perda da sua qualidade ou escassez pode induzir ao
uso de outros bens para realizar substituições de E. Ou seja, aumenta a demanda por
substitutos perfeitos (S)12 de E. Substitutos perfeitos são aqueles em que o decréscimo de
consumo de uma unidade pode ser compensado pelo uso de outro recurso por uma magnitude
constante. Logo:

Z = F(X,E+S) (10)

Assim, para manter o produto de Z constante, uma unidade a menos de E será compensada por
uma unidade a mais de S. Logo a variação de E será valorada pelo preço de S (PS) observável
no mercado.
Esta substituição fará com que os usuários incorram em um custo privado no consumo do bem
substituto cS = PS.∆E.
Pensando numa firma como a usuária de E, existirá na função de lucro um custo cs que será
igual ao valor da produtividade marginal de E . Dessa maneira, o custo cs refletiria o valor de
uso para firma derivado do recurso E.
Da mesma forma, os indivíduos nas suas funções de utilidade podem encontrar substitutos
perfeitos para o produto Z que consomem quando sua disponibilidade se altera devido a
variação de E. Logo:

U(Z+S,Y1,...,Yn) (11)

onde U(Z+S,Y1,...,Yn) é denominada como uma função de produção familiar e Y os bens da


cesta de consumo familiar. No caso, U pode ser também expressa por uma função de gastos
(ou dispêndios) familiar. Assim, reduzindo uma unidade de Z devido a ∆E, o valor de uma
unidade de Z será PS. Neste caso:

VEE = pS ∂ U / ∂ E (12)

Portanto, existirá um cs positivo na função de gastos dos indivíduos equivalente a pS∆Z. Note
que estes métodos também admitem que variações de E ou Z não alteram preços dos seus
substitutos e, portanto, não induzem a variações do excedente do consumidor e produtor (ver
Estudo de Caso 12).
Dessa forma, com base em mercados de bens substitutos podemos generalizar três métodos
que são normalmente de fácil aplicação, como segue:
• Custo de reposição: é quando o custo cs representa os gastos incorridos pelos usuários em
bens substitutos para garantir o nível desejado de Z ou E. Por exemplo: custos de
reflorestamento em áreas desmatadas para garantir o nível de produção madeireira; custos
de reposição de fertilizantes em solos degradados para garantir o nível de produtividade

12
Isto é, com elasticidade de substituição infinita.
Ronaldo Seroa da Motta - 19

agrícola; ou custos de construção de piscinas públicas para garantir as atividades de


recreação balneária quando as praias estão poluídas. (ver Estudo de Caso 9)
• Gastos defensivos ou custos evitados: quando cs representa os gastos que seriam
incorridos pelos usuários em bens substitutos para não alterar o produto de Z que depende
de E. Por exemplo: os gastos com tratamento de água (ou compra de água tratada) que
são necessários no caso de poluição de mananciais; os gastos com medicamentos para
remediar efeitos na saúde causados pela poluição; ou gastos de reconstrução de áreas
urbanas devido a cheias de rios causadas por excesso de sedimentação em virtude da
erosão do solo. (ver Estudo de Caso 13)
• Custos de controle: danos ambientais poderiam ser também valorados pelos custos de
controle que seriam incorridos pelos usuários para evitar a variação de E. Por exemplo,
quanto as empresas ou famílias deveriam gastar em controle de esgotos para evitar a
degradação dos recursos hídricos. Estes custos poderiam ser considerados como
investimentos necessários para evitar a redução do nível de estoque do capital natural. Este
método é mais empregado em contas ambientais associadas às contas nacionais de forma a
representar investimentos necessários para compensar o consumo de capital natural (ver
Quadro 5).
Note que a hipótese de substitutibilidade assume a existência de substitutos perfeitos que
encerram a mesma função do recurso ambiental. Esta possibilidade, entretanto, é difícil de
ocorrer no mundo real e bens e serviços privados serão substitutos apenas de algumas
características dos bens e serviços ambientais. No caso das praias poluídas, por exemplo, os
valores estimados por estes métodos poderiam ser investimentos em piscinas públicas, ou
gastos defensivos para evitar doenças de veiculação hídrica, ou mesmo investimentos em
atividades de controle da poluição. Em todos os casos acima, a hipótese de substituição
perfeita não se aplicaria.
Mesmo que isto seja possível, se E somente captura alguns bens e serviços ambientais que
representam algumas parcelas do valor do meio ambiente, então S também refletirá estas
parcelas. Ou seja, é muito difícil identificar um substituto perfeito de recursos ambientais,
mesmo por investimentos em reposição. Conseqüentemente, o uso de mercados de bens
substitutos pode induzir a subestimações do valor econômico do recurso ambiental.
Uma outra variante do método de bens e serviços privados substitutos é o método do custo de
oportunidade. Este método mensura as perdas de renda nas restrições da produção e consumo
de bens e serviços privados devido às ações para conservar ou preservar os recursos
ambientais. Observe que este método simplesmente indica o custo econômico de oportunidade
para manter o fluxo de E, isto é, a renda sacrificada pelos usuários para manter E no seu nível
atual. Por conseguinte, este método é amplamente utilizado para estimar a renda sacrificada em
termos de atividades econômicas restringidas pelas atividades de proteção ambiental e, assim,
permitir uma comparação destes custos de oportunidade com os benefícios ambientais numa
análise de custo-benefício.
Observe que o método do custo de oportunidade não valora diretamente o recurso ambiental,
mas, sim, o custo de oportunidade de mantê-lo. Por exemplo, não inundar uma área de floresta
para geração de energia hidrolétrica significa sacrificar a produção desta energia, ou criar uma
reserva biológica significa sacrificar a renda que poderia ser gerada por usos agrícolas nesta
área. (ver Estudos de Caso 1, 8 e 12).
20 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

VIÉSES ESTIMATIVOS DOS MÉTODOS DE FUNÇÃO DE PRODUÇÃO

Cobertura do valor econômico


O valor de E quando é identificado como insumo, dado pela expressão (7), consegue apenas
refletir as variações de produção de Z quando E varia. Ou seja, apenas capta os valores de uso
direto e indireto que E oferece para a geração do fluxo de produção de Z. Assim, valores de
opção e existência não podem ser capturados com este método. Dessa forma, o método de
produtividade subestima o valor correto de E nos casos onde valores de opção e existência são
positivos.
Quando mercados de bens substitutos são utilizados, a possibilidade de perfeita substituição
determinará a cobertura das parcelas do valor de opção, embora o valor de existência não seja
também captado uma vez que se admite substituição.

Mensuração das variações de bem-estar


Se a variação de E altera os preços pZ e pX, então ocorrerão ajustes em outros setores que
resultarão em variações no excedente do consumidor de Z, e seus bens substitutos ou
complementares, e também no excedente do produtor de quem utiliza X e seus bens
substitutos ou complementares. Tais ajustes, em outros mercados, somente seriam possíveis de
identificação em modelos de equilíbrio geral que requerem uma alta sofisticação estatística e de
base de dados. Assim, existindo evidências de alterações significativas de preço, o método de
produtividade determinará valores incorretos de E, em termos de variação de bem-estar, que
poderão estar tanto subestimados como superestimados, dependendo da magnitude e sinal das
variações de excedente.

Qualidade das estimativas


O preço de mercado de Z ou X pode não ser uma boa medida do custo de oportunidade de Z
ou X, ou seja, o respectivo preço de eficiência. Portanto, o valor da produtividade marginal de
E pode estar incorreto mesmo para captar valores de uso. Neste caso, o viés estimativo
dependerá do nível de distorção existente na formação do preço de Z e X. A correção deste
viés não elimina os viéses acima, mas permite uma estimativa mais correta do valor de uso (ver
Quadro 3).

RESUMO E RECOMENDAÇÕES
Os métodos de preço de mercado de variações marginais analisados nesta seção aplicam-se, na
maioria das vezes, de maneira muito simples. A utilização de preços de mercado garante uma
medida mais objetiva do valor econômico do recurso ambiental para o público em geral, uma
vez que representam valores reconhecidos no mercado. Talvez seja este o motivo da maior
utilização destes métodos e também da sua predileção em meios profissionais que lidam com
valoração ambiental. No entanto, as estimativas que estes métodos oferecem não estão livres
de restrições.
A limitação mais importante seria a não cobertura de valores de opção e existência. Todavia,
vale ressaltar que, em vários casos, a simples identificação de valores de uso permite ao
analista descartar ou ajustar decisões de investimento que gerem um uso mais eficiente do
recurso ambiental em análise. Para isso, entretanto, há que se conhecer com precisão as
relações entre atividades econômicas e meio ambiente.
Ronaldo Seroa da Motta - 21

Mesmo quando as funções de produção e dose-respostas são bem estimadas, identificam-se


viéses estimativos importantes que apontam para a necessidade de se considerarem ajustes de
mercado - alteração de preços e quantidades consumidas. Embora variações de preço e
quantidade possam e devam ser melhor captadas com modelos de equilíbrio geral, que avaliam
os efeitos intra-setorias na economia devido à alteração de pontos de equilíbrio em um
determinado mercado, as estimativas das variações de bem-estar dependerão da introdução de
medidas de excedente do consumidor com base na disposição a pagar e a aceitar. Esta será a
questão central dos métodos apresentada a seguir.

QUADRO 3
CORRIGINDO PREÇOS DE MERCADO

Vamos analisar casos comuns de distorções de preços de mercado que podem ser facilmente corrigidos.
Suponha que a distorção no mercado de Z seja devida a impostos e subsídios que não representam custos
econômicos, mas, sim, transferências de renda. Logo, uma aproximação do preço eficiência de PZ (PZ*) será
dado por:

PZ* = PZ / [(1-s)(1+t)]

Onde t é taxa de imposto (de importação, de consumo, etc) e s a taxa de subsídio (a exportação, de crédito, etc).
Por exemplo, considerando t como a taxa efetiva de importação (que inclui tarifas e outras despesas de
importação não-tarifárias), a expressão acima refletirá uma aproximação do preço de importação. Isto é, o preço
internacional de Z praticado pelo país (preço de fronteira CIF) que refletirá com mais precisão o custo de
oportunidade de Z.
Outra possibilidade será que o produtor de Z seja monopolista e ajuste preços de acordo com a receita marginal
a cada nível de produção. Nesse caso a expressão do valor econômico de E seria:

VEE = Rmg ∂ F/∂


∂E

A receita marginal pode ser expressa em função da elasticidade preço da demanda (η):

η)
Rmg = PZ (1-1/η

Note que mesmo adotando Rmg, ao invés do preço de mercado PZ, há que se medir às variações do excedente do
consumidor realtivos às variações de preço.

Assim, os métodos de função de produção são ideais, principalmente para valorações de


recursos ambientais, cuja disponibilidade, por serem importantes insumos da produção, afeta o
nível do produto da economia.
Embora o método da produtividade marginal ofereça indicadores monetários bastante
objetivos e com base em preços observáveis de mercado, o analista deve ter cuidado para que
as mensurações, aparentemente triviais, não se tornem enviesadas e vazias de conteúdo
econômico. Para evitar tais situações, recomenda-se:
1.Analisar se o preço de mercado do bem ou serviço privado, o qual está sendo utilizado
para a valoração, reflete o seu custo de oportunidade (preço-sombra). Caso não reflita,
realizar os ajustes de forma a corrigir estes preços.
22 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

2. Determinar o impacto em termos de produção, devido à variação da disponibilidade do


recurso ambiental, para avaliar a hipótese de preços inalterados. Caso existam evidências
sobre significantes alterações de produto que afetariam o nível de preço, o analista deve
procurar avaliar possíveis variações do excedente do consumidor;

3. Avaliar criteriosamente a confiabilidade das funções de produção e de dano e da base de


dados que serão utilizadas. Evitar utilizar em um local as funções estimadas para um
outro local, dado que as condições ambientais ou de oferta de recursos ambientais são
quase sempre distintas. Note que cada função reflete a tecnologia local e sua base de
recursos ambientais.

4. Oferecer uma dimensão clara e específica da parcialidade das estimativas dos valores de
uso estimados em relação a outros valores de uso e não-uso que fazem parte do valor
econômico total, mas que não foram estimados.

5. Realizar, sempre que possível, análises de sensibilidade com parâmetros que afetam os
resultados.

MÉTODOS DE FUNÇÃO DE DEMANDA


Os métodos de função de produção analisam casos onde o recurso ambiental está associado a
produção de um recurso privado e geralmente assumem que as variações na oferta do recurso
ambiental não alteram os preços de mercado. Os métodos de função de demanda, por outro
lado, admitem que a variação da disponibilidade do recurso E altera o nível de bem-estar das
pessoas e, portanto, é possível identificar as medidas de disposição a pagar (ou aceitar) das
pessoas em relação a estas variações. Identificada a função de demanda D para E , o valor
econômico de uma variação de E seria dada pela variação do excedente do consumidor (∆EC),
tal que:

∆EC = ∫ Ddp
P2
(13)
P1

onde p1 e p2 são as medidas de disposição a pagar (ou aceitar) relativas a variação da


disponibilidade de E.
Duas variantes deste método podem ser generalizadas: métodos dos bens complementares
(preços hedônicos e custo de viagem) e método da valoração contingente.

MÉTODOS DE MERCADOS DE BENS COMPLEMENTARES

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Da mesma forma que mercados de bens e serviços privados substitutos a bens e serviços
ambientais podem oferecer medidas de valor de uso dos recursos ambientais quando estes
representam a produção de um bem de demanda final que não tem preço observável, também
mercados de bens e serviços privados complementares a bens e serviços ambientais podem ser
utilizados para mensuração do valor de uso de um recurso ambiental.
Bens perfeitamente complementares são aqueles consumidos em proporções constantes entre
si. Dessa forma, uma análise que recorra aos mercados destes bens ou serviços privados
complementares pode gerar informações sobre a demanda do bem ou serviço ambiental
relacionado com estes. Se um bem é um complementar perfeito a outro bem, seu valor será
Ronaldo Seroa da Motta - 23

zero se a demanda pelo outro bem for zero. Ou seja, existe uma função utilidade onde X é um
vetor de quantidades de bens privados e Q é o bem ou serviço natural não valorado no
mercado complementar a X, na seguinte forma:

U = U(Q,X) (14)

Maximizando U sujeito a restrição orçamentária Y=PX, permite que diversos pontos da


demanda individual de Xi em X sejam identificados, tal que:

Xi = Xi (P,Q,Y) (15)

Como Q influencia a demanda ordinária de Xi, então, estimando a demanda de Xi para vários
níveis de Q, é possível estimar indiretamente a demanda de Q. Daí medidas de variação do
excedente do consumidor marshalianas de variações de Q’ para Q’’ podem ser estimadas como
a área entre as curvas de demandas Xi(P,Q’,Y) e Xi(P,Q”,Y).
Entretanto, conforme veremos estas transformações não são triviais e, portanto, vamos discutir
dois métodos com base neste fundamentos teóricos.

MÉTODO DE PREÇOS HEDÔNICOS13

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A base deste método é a identificação de atributos ou características de um bem composto
privado cujos atributos sejam complementares a bens ou serviços ambientais. Identificando
esta complementaridade, é possível mensurar o preço implícito do atributo ambiental no preço
de mercado quando outros atributos são isolados.
O exemplo mais associado à valoração ambiental é relativo aos preços de propriedade.
Diferentes unidades de propriedade terão diferentes níveis de atributos ambientais (qualidade
do ar, proximidade a um sítio natural, etc) e, portanto, se estes atributos são valorados pelos
indivíduos, as diferenças de preços das propriedades devido à diferença de nível dos atributos
ambientais devem refletir a disposição a pagar por variações destes atributos.
Generalizando, suponha que um bem composto privado X tenha uma oferta perfeitamente
inelástica, de forma que a oferta não varia quando o preço varia. Se a demanda por E, um bem
ou serviço ambiental complementar a X, aumenta então aumentará também a demanda por X.
Conseqüentemente, como a oferta é perfeitamente inelástica, todo aumento de oferta será
capitalizado no preço de X. Isto é, alterações de E alteram preços e não quantidades.
Este método permite avaliar o preço implícito de um atributo ambiental na formação de um
preço observável de um bem composto. Seja P o preço de uma propriedade, que pode ser
assim expresso:

Pi = f (ai1,ai2,...,Ei) (16)

Onde ai representa os vários atributos da propriedade i e Ei representa o nível do bem ou


serviço ambiental E associado a esta propriedade i.

13
Ou também, o método do preço implícito.
24 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

QUADRO 4
VALORANDO O CUSTO DA EROSÃO DO SOLO

As perdas de produtividade e impactos externos negativos resultantes da erosão do solo fazem parte do custo social da
produção agropecuária. Entretanto, estes custos são muitas vezes negligenciados pelos produtores e pelo poder público. Isto
ocorre, em parte, pelo fato das consequências da degradação do solo serem, em muitos aspectos, desconhecidas, às vezes
indiretas ou difusas, e perceptíveis somente em longos períodos de tempo. Uma das causas mais importantes é o fato desses
custos não serem totalmente refletidos nos preços de mercado dos insumos e produtos agrícolas, sendo assim facilmente
negligenciados na tomada de decisão tanto privada como pública. A mensuração dos custos da erosão do solo aparece, neste
contexto, como um importante instrumento para a conscientização quanto a necessidade de investimentos voltados a
conservação do solo. De modo geral, os estudos de valoração dos custos de erosão utilizam as seguintes abordagem:
1 - Custo de reposição: Enfoca a perda de nutrientes do solo decorrente do processo erosivo. Esta abordagem se baseia no
custo de repor os nutrientes (geralmente, os estudos enfocam nitrogenio, fósforo e potássio) perdidos no solo através do uso
de fertilizantes. Existem muitas críticas quanto a capacidade dos fertilizantes em restabelecer a produtividade original do
solo. Além disto, o custo de reposição focaliza apenas um dos impactos da erosão nas propriedades do solo e não provê
necessariamente um indicador do valor econômico do solo como um recurso. 2 - Análise da produtividade marginal: Esta
abordagem trata de medir o efeito da erosão na produtividade agrícola. O custo da erosão é medido pela quantidade de
produto agrícola que deixou de ser produzido em função da ação da erosão. É importante frisar que a valoração do impacto
da erosão no rendimento das lavouras não é trivial visto que diversos fatores influenciam a produtividade agrícola,
dificultando assim o isolamento do efeito da erosão. 3 - Preços hedônicos: Trata-se de uma abordagem alternativa que
utiliza os preços das propriedades para estimar o valor econômico da erosão do solo. Analisa, através de métodos
estatísticos, o diferencial de preço ou aluguel de propriedades que apresentam taxas de erosão distintas. Este tipo de
abordagem, conforme será detalhado no texto adiante, exige dados sobre os preços das propriedades e um mercado para
propriedades rurais bem desenvolvidos, restringindo assim a sua aplicabilidade em países em desenvolvimento. Além dos
possíveis métodos de valoração a serem adotados para a mensuração dos custos da erosão, Bojö (1996) destaca a
multiplicidade de conceitos plausíveis para se avaliar a magnitude dos custos da degradação do solo . Neste contexto,
apresenta três conceitos básicos para definir as dimensões dos custos e também a forma de sumarizar os resultados:
(a) Perda Bruta Anual Imediata (PBAI): refere-se a perda de produção bruta nas lavouras ou outra medida do valor
econômica da degradação do solo, observada num determinado ano, em função da degradação da terra no ano anterior.

PBAI = P dQ

onde P = preço econômico por tonelada de produzida e dQ = produção corrente em toneladas perdida em função da
degradação da terra no ano anterior.
(b) Perda Bruta Futura Descontada (PBFD): dado que perda do solo é irreversível, a perda de capital natural em
qualquer ano específico terá um impacto na produção em todos os anos futuros quando comparado com a vida
econômica do solo. Para um horizonte temporal de ‘n’ anos e uma taxa de desconto r, assumindo uma perda anual
contante, a expressão formal seria:

(1 + r ) n − 1
PBFD = PBAI
r (1 + r ) n

Entretanto, se for utilizado um horizonte temporal infinito, a expressão pode ser simplificada para:

PBAI
PBFD =
r

(c) Perda Bruta Acumulada Descontada (PADB): este conceito ilustra o fato de que a degradação do solo pode ser um
processo cumulativo, onde a degradação da terra observada em cada ano é acompanhada por outra. Esta medida é
particularmente útil para análise de investimentos em conservação, visto que constitui um benefício de um investimento
que interrompe o processo cumulativo e poder ser assim formalizada:
T

∑ (1 + r )
PdQt
PBAD = t
t =1
Ronaldo Seroa da Motta - 25

A função f, estimada com base em observações de Pi, é denominada de função hedônica de


preço e o preço implícito de E, pE, será dado por ∂F/∂E. Assim, pE será uma medida de
disposição a pagar por uma variação de E.
Ver Estudo de Caso 6.

VIÉSES ESTIMATIVOS DO MÉTODO DE PREÇOS HEDÔNICOS

Cobertura do valor econômico


Este método apenas capta os valores de uso direto e indireto e de opção. O próprio fato de
admitir fraca complementaridade, isto é, a demanda pelo atributo ambiental é zero quando a
demanda por propriedades com este atributo é zero, elimina a possibilidade de captar valores
de não-uso.
Mensuração das variações de bem-estar
A medida estimada de disposição a pagar, pE, valora apenas a disposição a pagar de variações
marginais do atributo ambiental em um ponto observável de E. Para valorar variações não
marginais, é preciso transformar f em uma curva de demanda f ’ que identifique a variação de
pE quando ocorrem variações não marginais de E. Esta curva f ’ será formada pelas derivadas
de f para cada nível de E, conforme mostra o Gráfico 2.
Esta seria uma curva de demanda inversa do mercado com base em observações de preços de
equilíbrio, onde os indivíduos, nas suas aquisições de propriedades, igualam a diferença do
preço da propriedade que os vendedores estão a aceitar com sua disposição a pagar pela
diferença do atributo ambiental. Isto é, pE são preços de equilíbrio do mercado, nos quais as
transações se efetuam, e não funções de demanda onde os valores da disposição a pagar dos
compradores são identificados. Observe que, se os indivíduos têm rendas e funções de
utilidade idênticas, esta curva f ’ mediria com precisão as variações de bem-estar de cada
indivíduo.
Entretanto, estas são suposições muito fortes. Para transformar, então, esta curva f ’(E) em um
função generalizada da curva de disposição a pagar14, como as curvas D do Gráfico 1, utiliza-
se geralmente um outro estágio de regressão estatística.
Se a oferta de propriedades é perfeitamente inelástica, os indivíduos estarão restritos a uma
quantidade fixa de propriedades que apresentam distintos conjuntos de atributos. Uma
transformação possível de f ’será dada pela regressão entre valores estimados de pE com o
respectivo nível do atributo ambiental e outras variáveis sócio-econômicas do indivíduo (renda,
idade, escolaridade, etc). Considerando-se estas variáveis, define-se uma função de demanda
que pode ser aplicada para estimar a disposição a pagar para cada grupo de indivíduos de
acordo com as variáveis sócio-econômicas. A partir da identificação destes grupos, estimam-se
os valores do excedente do consumidor referente a uma variação discreta de E para cada
grupo. O excedente total é dado pela agregação destes excedentes parciais.
Note, entretanto, que qualquer outra suposição sobre a estrutura do mercado de propriedades
levará a uma especificação menos trivial e mais controversa da função de demanda que não
vamos aqui analisar15.

14
Ou a verdadeira função de demanda indireta.
15
Ver literatura na bibliografia anexa.
26 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

GRÁFICO 1
CURVAS DE PREÇO E DE DEMANDA POR PREÇOS HEDÔNICOS

Qualidade das Estimativas


Observe que a necessidade de levantamento de dados para este método é significativa. Requer,
além dos indicadores ambientais, informações dos vários atributos que influenciam o preço da
propriedade, como as próprias características da propriedade (tamanho, grau de conservação,
benfeitorias, etc), as facilidades de serviços (comerciais, transporte, educação), a qualidade do
local (vizinhança, taxa de criminalidade, etc) e também informações sócio-econômicas dos
proprietários sobre uma amostra representativa das propriedades de uma região.
Para que seja possível isolar o atributo ambiental, este deve ser definido com certo cuidado de
forma a especificar com precisão o bem ou serviço ambiental em análise. Por exemplo,
indivíduos podem optar por um certa propriedade devido a sua qualidade do ar ou
proximidade a uma praia, mas, certamente, não o farão com base em medidas de poluentes
isolados e, sim, por uma percepção conjunta da qualidade ambiental gerada por um certo nível
de inúmeros serviços ambientais. A transformação desta percepção de qualidade em níveis de
concentração de poluentes pode não ser trivial.
Outro problema refere-se às dificuldades econométricas com as estimações de funções
hedônicas, principalmente com respeito a multicolinearidade de atributos (inclusive os
ambientais) e a identificação da forma funcional.
Também é possível que preços de propriedade sejam subestimados por razões fiscais, como,
por exemplo, reduzir o valor do imposto de transmissão da propriedade ou para reduzir
variações patrimoniais. Outro viés seria a internalização de futuras melhorias (ou pioras)
ambientais nos preços atuais, de forma que a atual condição ambiental representada no atributo
observado não fosse a mais apropriada. Uma alternativa para contornar estes viéses seria,
então, utilizar valores de aluguel ao invés de preços de transferência de propriedade.
Ronaldo Seroa da Motta - 27

Entretanto, vale ressaltar que, mesmo adotando-se valores de aluguel, há que se admitir a
existência de informação precisa para os indivíduos no mercado de propriedades e que estes
indivíduos estão constantemente reavaliando suas decisões locacionais.

RESUMO E RECOMENDAÇÕES
O método do preço de propriedade pode ser uma forma bastante útil para captar medidas de
disposição a pagar por valores de uso do meio ambiente. Todavia, estas medidas serão mais
acuradas quando mensurarem variações marginais na disponibilidade destes bens. Para estimar
variações de bem-estar para variações não marginais, algumas hipóteses sobre o
funcionamento do mercado de propriedades terão que ser assumidas.
Adicionalmente, a demanda por informações é bastante significativa e a qualidade dos dados
afetará sensivelmente a qualidade das estimativas. Dessa forma, as estimativas de uma
pesquisa realizada para um local não devem ser transferidas para outro local.
A necessidade de admitir hipóteses irrealísticas sobre o mercado de propriedades e a exigência
de um levantamento sofisticado de informações têm contribuído para que este método do
preço de propriedade seja utilizado com bastante precaução. Poucos são os estudos de caso
que dele se valeram para valorações de benefícios da biodiversidade.
Assim, o método dos preços de propriedade é recomendável somente nos casos:
1. Onde existe alta correlação entre a variável ambiental e o preço da propriedade.

2. Em que é possível avaliar se todos os atributos que influenciam o preço de equilíbrio no


mercado de propriedades, em análise, podem ser captados. Caso contrário, procure
considerar a adoção de outros métodos.

3. Em que as hipóteses adotadas para cálculo do excedente do consumidor, com base nas
medidas estimadas do preço marginal do atributo ambiental, podem ser realistas. Caso
contrário, procure apresentar estimativas alternativas para cada hipótese.

MÉTODO DO CUSTO DE VIAGEM (MCV)

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este método estima uma demanda por E com base na demanda de atividades recreacionais,
associadas complementarmente ao uso de E que pode ser, p.ex., um sítio natural. A curva de
demanda destas atividades pode ser construída com base nos custos de viagem ao sítio natural
onde E é oferecido. Basicamente, o custo de viagem representará, assim, o custo de visitação
do sítio natural.
Quanto mais longe do sítio natural os visitantes deste sítio vivem, menos uso deste (menor
número de visitas) é esperado que ocorra porque aumenta o custo de viagem para visitação.
Aqueles que vivem mais próximos ao sítio tenderão a usá-lo mais (maior número de visitas), na
medida em que o preço implícito de utilizá-lo, o custo de viagem, será menor.
Zonas residenciais são, assim, definidas por distâncias ao sítio natural e, neste sentido, deve
ser conhecida a população e outras variáveis sócio-econômicas zonais (renda per capita,
distribuição etária, perfil de escolaridade, etc).
Através de uma pesquisa de questionários realizada no próprio sítio natural, é possível levantar
estas mesmas informações em uma amostra de visitantes. Assim, cada entrevistado informa seu
28 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

número de visitas ao local, o custo de viagem, a zona residencial onde mora e outras
informações sócio-econômicas (renda, idade, educação, etc).
Com base neste levantamento de campo estima-se a taxa de visitação de cada zona i (Vi) da
amostra (por exemplo, visitas por cada mil habitantes) que pode ser correlacionada
estatisticamente com os dados amostrais do custo médio de viagem da zona (CV) e outras
variáveis sócio-econômicas zonais (Xi) na seguinte expressão:

Vi = f(CV,X1,..., Xn) (17)

Note que a inclusão de variáveis sócio-econômicas servirá para reduzir o efeito de outros
fatores que explicam a visita a um sítio natural. O escopo deste conjunto de informações
dependerá, entretanto, da significância dos resultados econométricos.
Esta função f permite, então, determinar o impacto do custo de viagem na taxa de visitação.
Assim, a partir da função f é possível inferir a taxa de visitação esperada de cada zona com
base nas informações zonais. Com esta taxa de visitação zonal estimada, podemos ao
multiplicá-la pela população zonal conhecer o número esperado de visitantes por zona.
Aumentando o custo de viagem de ∆CV a partir da zona onde CV é zero, i.e., derivando f em
relação a CV para cada zona, podemos agora medir a redução do número de visitantes quando

GRÁFICO 2
CURVA DE DEMANDA DERIVADA DA FUNÇÃO DE CUSTO DE VIAGEM

aumenta o custo de viagem e, portanto, estimar uma curva de demanda f ’ pelas atividades
recreacionais do local. Esta curva de demanda f ’, por sua vez, revela a disposição a pagar por
visitas, conforme mostra Gráfico 2. A área abaixo da curva f ’ mede, então, o excedente do
Ronaldo Seroa da Motta - 29

consumidor16 em relação a E. Esta é a suposição da complementaridade entre a visita ao sítio


natural e o consumo de E: se o número de visitas é zero, a demanda por E será também17.
Observe que f ’ representa uma curva de demanda (D) pelo sítio natural. Portanto, é possível
estimar, a partir dela, a variação no número de visitantes quando se altera a taxa de admissão
cobrada pela entrada no parque. Assim, o MCV pode ser igualmente utilizado para estimativas
de receitas relativas a visitação do parque e uso das suas instalações comerciais.
O benefício gerado pelo sítio aos seus visitantes, representado pela variação do excedente do
consumidor (∆EC), seria então:

∆EC = ∫
cv
f ' dCV (18)
p

onde p é o valor da taxa de admissão de entrada ao parque (p=0 se a entrada é gratuita).


Ver Estudos de Caso 7, 8, 12 e 13.

VIÉSES ESTIMATIVOS DO MÉTODO DO CUSTO DE VIAGEM

Cobertura do valor econômico


O método do custo de viagem, pela suposição de complementaridade, não contempla custos de
opção e de existência dado que somente capta os valores de uso direto e indiretos associados à
visita ao sítio natural. Note que indivíduos que não visitam o sítio, mas apresentam valor de
opção ou existência, não são considerados.

Mensuração das variações de bem-estar


Dado o nível atual de serviços ambientais oferecidos num sítio natural específico, o método do
custo de viagem busca estimar o excedente do consumidor associado ao usufruto destes
serviços. Neste contexto, o valor do excedente do consumidor depende da condição de que a
oferta de serviços ambientais no sítio e nos outros sítios substitutos não se altere.
Caso esta condição não possa ser garantida, a variação da oferta destes serviços E teria que ser
calculada com base numa função f ’ para diversos sítios naturais com distintos serviços
ambientais.
Obviamente, esta é uma tarefa que exigiria um imenso esforço de pesquisa e transformações
econométricas com significativos problemas de especificação. Qualquer que seja a abordagem,
é importante que os recursos ambientais analisados em cada local sejam bem especificados e
possam refletir um específico serviço ambiental.
Outro problema é que a curva de demanda estimada através de f ’ assume que indivíduos de
todas as zonas residenciais têm a mesma função de renda e utilidade. Uma solução seria
derivar, então, curvas de demanda por classes de renda e depois agregar os diferentes
excedentes do consumidor.

16
Quando a visita é cobrada, a cobrança é geralmente nominal e fixa independentemente do custo de viagem e,
portanto, não influencia a relação custo de viagem e visitação.
17
Uma outra possibilidade é considerar os custos de viagem variando por indivíduos em relação ao sítio, sem
agrupá-los por zona, que é denominado de método do custo de viagem individual. Ver Estudo de Caso12.
30 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Qualidade das estimativas


A maior crítica ao método do custo de viagem diz respeito à própria mensuração deste custo.
Dada uma determinada distância, custos para certos meios de transporte são mais baixos do
que para outros, mas, podem requerer tempos de viagem maiores. Da mesma forma, o tempo
da visita no local também mantém uma relação direta com distância. Assim, é comum na
literatura o uso de medidas de custo do tempo somadas aos custos de transporte e outros
gastos que reflitam o consumo dos serviços ambientais.18
A valoração do tempo, por outro lado, não é trivial. A taxa de salário representa um bom
indicador para o custo de oportunidade do lazer. Entretanto, distorções no mercado de
trabalho sugerem que taxas de salários podem superavaliar o custo do lazer. Dessa forma, a
determinação do custo de viagem com base no tempo poderá afetar sensivelmente as
estimativas deste método.
Outra restrição à mensuração do custo de viagem refere-se à possibilidade do visitante
aproveitar a viagem para visitar outros sítios com finalidades distintas. Detectar tal
comportamento na pesquisa de campo é importante e pode permitir ajustes nas estimativas.

RESUMO E RECOMENDAÇÕES
O método do custo de viagem, embora teoricamente consistente, apresenta algumas restrições
nos seus resultados, conforme apontadas adiante.
(i) Deve ser observado que as estimativas derivadas do MCV são específicas para o valor de
uso direto e indireto de um certo local. Portanto, a transferência de estimativas de uma
pesquisa de um certo local para outro não é recomendável.
(ii) As hipóteses assumidas para determinar os custos de viagem, que devem incluir tempo e
excluir o consumo de outros serviços não associados ao local, certamente afetam as
magnitudes das medidas de variação de bem-estar.
Para contornar ou minimizar estes problemas o analista deve:
1. Realizar um levantamento de dados bastante abrangente e dispor de instrumental
econométrico sofisticado.

2. Utilizar o método do custo de viagem somente para a estimação de valores de uso de


sítios naturais, embora quase sempre restrito ao objetivo de avaliar os benefícios
recreacionais.

3. Observar que, embora esta seja uma cobertura bastante restrita das estimativas do valor
econômico, o MCV é um instrumento valioso para definir e justificar ações de
investimentos em sítios naturais, inclusive para orientar formas de contribuição, tais como,
taxas de admissão, serviços de alimentação e outros.

4. Avaliar, antes de aplicar o MCV, se as informações disponíveis permitem captar todos os


fatores que estão influenciando as visitas ao parque.

5. Cuidar para que a apresentação dos resultados explicite as hipóteses de valoração do


custo/tempo de viagem e também as hipóteses utilizadas para mensurar o excedente do

18
Ou seja, gastos que não ocorreriam caso o indivíduo ficasse em casa.
Ronaldo Seroa da Motta - 31

consumidor. Mais uma vez, estimativas alternativas sob outras hipóteses devem, sempre
que possível, ser apresentadas.

MÉTODO DA VALORAÇÃO CONTINGENTE (MVC)

Até então, estivemos discutindo métodos de valoração de recursos ambientais que se baseiam
em preços de mercado de bens privados cuja produção é afetada pela disponibilidade de bens e
serviços ambientais, ou que são substitutos ou complementares a estes bens ou serviços
ambientais. Ou seja, utilizam-se de mercados de recorrência que transacionam bens e serviços
privados para derivar preferências associadas ao uso de recursos ambientais.
Assim sendo, observou-se que estes métodos captam alguns valores de uso direto e indireto na
medida em que estes são associados aos consumo dos bens privados. Mesmo que para alguns
casos a mensuração de valores de opção possa ser considerada, a estimação do valor de
existência com estes métodos é impossível por definição. Isto porque o valor de existência não
se revela por complementaridade ou substituição a um bem privado, uma vez que o valor de
existência não está associado ao uso do recurso e, sim, a valores com base unicamente na
satisfação altruísta de garantir a existência do recurso.
Mesmo restritos a valores de uso, os métodos acima analisados exigem hipóteses sobre as
complexas relações técnicas de produção ou de dano entre o uso do recurso ambiental e o
nível do produto econômico. O conhecimento destas é determinante das magnitudes esperadas
de variações de bem-estar, que definem, por sua vez, a trivialidade do método adotado.
Igualmente restritivas são as transformações das funções de demanda dos mercados de
recorrência em funções de demanda do recurso ambiental que requerem algumas hipóteses
rígidas sobre estes mercados para evitar esforços significativos de modelagem e de
levantamento de dados, quase sempre com ajustes insatisfatórios de viéses estimativos.
Mais ainda limitantes podem ser as aproximações imprecisas destas funções de demanda
ordinárias em curvas compensadas que reflitam valores de disposição a pagar relativos a níveis
constantes de utilidade mais apropriadas para medidas de bem-estar. O esforço econométrico
nem sempre é trivial ou satisfatório quando se trata de captar a verdadeira medida de bem-
estar (ver seção Valorando Variações de Bem-Estar na Parte III).
Conforme procuramos indicar, a escolha do método apropriado tem que ser decidida na base
da especificidade de cada caso em termos de que parcela do valor econômico que está se
querendo medir vis a vis às informações disponíveis.
Nesta seção vamos analisar o método de valoração contingente em que os procedimentos para
mensuração do valor de um recurso ambiental podem, a princípio, superar as limitações
assinaladas acima. Entretanto, outros viéses surgirão e, mais uma vez, sua escolha dependerá
do caso em análise.
Ver Estudos de Caso 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Considere as medidas de disposição a pagar (DAP) e aceitar (DAA), relativas a alterações da
disponibilidade de um recurso ambiental (Q), que mantém o nível de utilidade inicial do
consumidor. Note que:

U(Q0,Y0) = U(Q-,Y+) = U(Q+,Y-) = U(Q-,Y+DAA) = U(Q+,Y-DAP) (19)


32 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

A expressão acima apresenta diferentes pontos, com distintas combinações de renda e de


provisão de recursos ambientais, que se encontram na mesma curva de indiferença relativa a
um determinado nível de utilidade. Como a função de utilidade U não é observável
diretamente, o método de valoração contingente estima os valores de DAA e DAP com base
em mercados hipotéticos. A simulação destes mercados hipotéticos é realizada em pesquisas de
campo, com questionários que indagam ao entrevistado sua valoração contingente (DAA ou
DAP) face a alterações na disponibilidade de recursos ambientais (Q).
Neste sentido, busca-se simular cenários, cujas características estejam o mais próximo possível
das existentes no mundo real, de modo que as preferências reveladas nas pesquisas reflitam
decisões que os agentes tomariam de fato caso existisse um mercado para o bem ambiental
descrito no cenário hipotético. As preferências, do ponto de vista da teoria econômica, devem
ser expressas em valores monetários. Estes valores são obtidos através das informações
adquiridas nas respostas sobre quanto os indivíduos estariam dispostos a pagar para garantir a
melhoria de bem estar, ou quanto estariam dispostos a aceitar em compensação para suportar
uma perda de bem-estar.
A grande vantagem do MVC, em relação a qualquer outro método de valoração, é que ele
pode ser aplicado em um espectro de bens ambientais mais amplo19. A grande crítica,
entretanto, ao MCV é a sua limitação em captar valores ambientais que indivíduos não
entendem, ou mesmo desconhecem. Enquanto algumas partes do ecossistema podem não ser
percebidas como geradoras de valor, elas podem, entretanto, ser condições necessárias para a
existência de outras funções que geram usos percebidos pelo indivíduo20 . Nestes casos, o uso
de funções de produção e de danos poderia ser mais apropriado, embora com as limitações já
assinaladas.
Se as pessoas são capazes de entender claramente a variação ambiental que está sendo
apresentada na pesquisa e são induzidas a revelar suas “verdadeiras” DAP ou DAA, então este
método pode ser considerado ideal. Existem vários fatores, entretanto, que podem levar à
discrepância entre as preferências reveladas nas pesquisas e as verdadeiras preferências. Este
tipo de problema será descrito com maior precisão na análise das questões metodológicas.
O interesse pelo método da valoração contingente tem crescido bastante ao longo da última
década. Entre outros motivos, destaca-se o próprio aperfeiçoamento das pesquisas de opinião
e, principalmente, o fato de ser a única técnica com potencial de captar o valor de existência.
Por outro lado, a aplicação do MVC não é trivial e também envolve custos elevados de
pesquisa.
Quanto a uma demonstração da adequação do MVC aos princípios da teoria econômica e sua
relação com outros métodos, ver o Apêndice Técnico.

PROCEDIMENTOS ESTIMATIVOS
Tendo em vista a originalidade e importância do esforço de pesquisa de campo na aplicação do
MVC, apresentamos a seguir uma sequência de procedimentos requeridos para aplicação deste
método.

19
Estimando diretamente as medidas de DAA e DAP, o MVC obtém diretamente medidas hicksianas do
excedente do consumidor. Ver Parte III para uma discussão desta distinção nas medidas de DAA e DAP.
20
Valores instrumentais e não-instrumentais ou valores primários e secundários.Ver Ehrlich e Ehrlich (1992) e
Bateman e Turner (1993).
Ronaldo Seroa da Motta - 33

1o Estágio: Definindo a Pesquisa e o Questionário


(a) Objeto de Valoração - determinar qual o recurso ambiental a ser valorado e que parcela do
valor econômico está se medindo. É importante especificar com clareza o bem ou serviço

QUADRO 5
CONTAS AMBIENTAIS

Este Manual não abordará diretamente as questões de valoração na elaboração de contas ambientais no sistema
de contas nacionais. Os motivos para esta exclusão são apresentados a seguir neste quadro. Uma vasta literatura
neste tópico é, entretanto, disponível. Ver, por exemplo, Seroa da Motta (1995) para uma orientação neste
sentido.
Um sistema de contas ambientais (SCA) tem sido proposto para inserir a variável ambiental no atual sistema de
contas nacionais (SCN). O desempenho das atividades econômicas é refletido no SCN com medidas de
agregados macroeconômicos como, por exemplo, o produto interno bruto (PIB), os investimentos e a
depreciação de capital. Quanto maior o estoque de capital de uma economia, maior será sua capacidade de
gerar renda. O PIB é a renda gerada na economia. Os investimentos representam o quanto a economia “criou”
de capital na geração deste PIB e, portanto, é parte do PIB. A depreciação representa o quanto a economia
“consumiu” de capital para gerar o PIB e, portanto, não está incluído no PIB. O produto interno líquido (PIL)
de uma economia é, assim, o PIB menos o consumo de capital.
Estas medidas do SCN são estimadas com base nas informações coletadas juntos as unidades produtivas por
meio de pesquisa de questionários (p.ex., censos). Conforme já discutido, o uso de capital natural gera custos
que os agentes econômicos não internalizam na suas atividades. Portanto, o SCN não foi concebido
inicialmente para captar os custos ambientais associados à depreciação do capital natural. Esforços têm sido
feitos, principalmente pelo Escritório Estatístico das Nações Unidas, para uniformizar uma metodologia que
permita que a estimação deste consumo de capital natural seja integrada ao SCN na forma de um sistema de
contas ambientais.
Observe que a estimação do consumo de capital natural gera um indicador de quanto a sociedade está abrindo
mão de seus ativos naturais para gerar renda, i.e., trocando sustentabilidade por consumo presente. Este
indicador pode oferecer uma boa orientação para os esforços de investimentos ambientais necessários para
manter um nível sustentável de capital natural. A determinação deste nível adequado de sustentabilidade tem
sido, entretanto, um dos principais problemas da valoração do consumo de capital natural.
A valoração deste consumo de capital, de qualquer forma, não deve ser realizado com base em variações de
bem-estar. As medidas do SCN não guardam qualquer relação com níveis de bem-estar. Estas medidas
pretendem apenas acompanhar o desempenho da economia e, portanto, tratam de transações correntes que
afetam a demanda agregada da economia. Dessa forma, o método mais indicado para o SCA deve ser baseado
em funções de produção em que apenas perdas produtivas são mensuradas.
Os estudos até então realizados indicam também que a utilidade do SCA para a gestão ambiental está
fortemente associada ao grau de desagregação dos indicadores em termos setoriais, locais e temporais. A níveis
desagregados, o SCA aproxima-se, ainda mais, de uma análise de custo-benefício, onde o PIB reflete uma
medida do benefício e o consumo de capital natural representa o custo.

Ambiental para que o entrevistado entenda, com maior precisão possível, qual é a alteração de
disponibilidade (qualidade ou quantidade) do recurso que está sendo questionada. Para tal, é
preciso também determinar quem utiliza o recurso e quem deve pagar ou ser compensado.
(b) A Medida de Valoração - decidir qual será a forma de valoração entre as duas variações
básicas: disposição a pagar (DAP) - como um pagamento para medir uma variação positiva de
disponibilidade, ou disposição a receber (DAA) - como uma compensação por uma variação
negativa.
34 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

A escolha entre DAA e DAP deve ser criteriosa, pois cada estimativa pode resultar em valores
bastantes diferentes. A divergência entre DAA e DAP não se deve somente à utilidade marginal
decrescente da renda das curvas de demanda DAA. DAA pode ser muitas vezes superior a
DAP quando o indivíduo, frente a uma possível redução da disponibilidade do recurso
ambiental, percebe que são reduzidas as possibilidades de substituição entre o recurso
ambiental altamente valorado e outros bens e serviços a sua disposição (ver Apêndice
Técnico). Dessa forma, com possibilidades reduzidas de substituição do recurso, os indivíduos
tenderão a exigir compensações mais elevadas.Neste sentido, na literatura tem-se preferido
DAP como uma mensuração conservadora, embora nada justifique o abandono de DAA
quando compensações forem realmente pretendidas.
(c) A Forma de Eliciação - definir a forma de eliciação do valor. As principais opções são:
Lances livres ou forma aberta (“open-ended”) - onde o questionário apresenta a seguinte
questão: “quanto você está disposto a pagar?”. Esta forma de pergunta produz uma variável
contínua de lances (“bids”) e o valor esperado da DAA ou DAP pode ser estimado pela sua
média. Para verificação dos resultados em relação a variáveis explicativas que influenciam a
resposta dos indivíduos, utilizam-se geralmente técnicas econométricas de regressão. Esta foi a
forma pioneira do MVC, mas, que tem sido abandonada em favor de outras formas abertas de
eliciação que incluem mecanismos como os cartões de pagamento21 ou os jogos de leilão22
(“bidding games”) onde valores iniciais são sugeridos e, dependendo da resposta, estes valores
são alterados até serem aceitos pelo entrevistado.
Referendo (escolha dicotômica) - onde o questionário apresenta a seguinte questão: “você
está disposto a pagar R$ X”? A quantia X é sistematicamente modificada ao longo da amostra
para avaliar a frequência das respostas dadas frente a diferentes níveis de lances. Esta forma de
eliciação é a mais usada atualmente e é considerada preferível em relação à eliciação aberta
porque (i) permite menor ocorrência de lances estratégicos dos entrevistados que procuram
defender seus interesses ou beneficiarem-se da provisão gratuita do bem (“o problema do
carona”) e (ii) aproxima-se da verdadeira experiência de mercado que geralmente define suas
ações de consumo frente a um preço previamente definido. Entretanto, esta aproximação
produz um indicador discreto de lances e o valor esperado da medida monetária (DAA ou
DAP) tem que ser estimado de forma bastante mais complexa com base em uma função de
distribuição das respostas “sim” e sua correlação com uma função de utilidade indireta,
geralmente assumida como logística, conforme será analisado mais adiante.
Referendo com acompanhamento (mais de um valor) - recentemente, observa-se a utilização
de uma outra forma mais sofisticada de escolha dicotômica. Conforme a resposta dada à
pergunta inicial, é acrescida uma segunda pergunta iterativa. Por exemplo, se o entrevistado
responde que está disposto a pagar R$ X será perguntado em seguida se pagaria R$ 2X (ou
R$ 0,5X se respondeu “não” na pergunta inicial).23 Entretanto, argumenta-se que este processo
iterativo apresenta uma tendência a induzir respostas na medida em que o entrevistado pode se

21
Cartões com diferentes valores, ou representando bens de consumo de valor equivalente, são apresentados e o
entrevistado escolhe o valor que reflete a sua DAP. Esta forma é mais recomendável quandose trata de
populações com baixo grau de monetização.
22
Este mecanismo se baseia em sucessivas perguntas que vão sendo feitas conforme a resposta dada. Se o
entrevistado aceita uma quantia inicial, o valor perguntado vai aumentando. Caso o entrevistado rejeite a
quantia inicial, os valores vão diminuindo.
23
Outros valores subseqüentes podem ser ainda incluídos.
Ronaldo Seroa da Motta - 35

sentir obrigado aceitar os valores subseqüentes (viés de obediência) ou negá-los por admitir
que o primeiro valor é o “correto” (viés do ponto de partida).
(d) O Instrumento (ou veículo) de Pagamento - definir o instrumento (ou veículo) de
pagamento ou compensação com que a medida de DAP ou DAA será realizada , por exemplo:
DAP: novos impostos, tarifas ou taxas, ou maiores alíquotas nos existentes; cobrança direta
pelo uso; ou doação para um fundo de caridade ou uma organização-não governamental.
DAA: novos subsídios ou aumento no nível dos existentes; compensações financeiras diretas;
ou aumento de patrimônio via obras ou reposição.
Cada caso deve ser estudado criteriosamente para identificar qual é o instrumento mais neutro,
i.e., que tenha maior credibilidade de ocorrer e ser respeitado.
(e) A Forma de Entrevista - definir como será a aplicação do questionário. Recomenda-se que
as entrevistas sejam pessoais e que permitam um controle amostral das entrevistas, além de
uma fiel compreensão do questionário e suas respostas. Dessa forma, pesquisas domiciliares
são mais recomendáveis, embora geralmente mais custosas, que o uso de telefone ou correio.
Em alguns casos, certos locais (por exemplo, porta de entrada de parques, orla de praias, etc)
oferecem pontos de entrevistas específicos para certos tipos de usuários.
(f) O Nível de Informação - determinar qual o conteúdo das informações que devem ser
prestadas no questionário de forma a transferir, realisticamente, a magnitude das alterações de
disponibilidade do recurso ambiental em valoração. Neste caso, há que se definir formas de
apresentação que podem ser desde um texto lido pelo entrevistador até ao uso de fotos e
desenhos ilustrativos das alterações.
(g) Os Lances Iniciais - no caso do método referendo, ou mesmo para os outros de cartão de
pagamentos e leilão, é preciso determinar um intervalo de valores monetários que variem do
máximo ao mínimo da DAA ou DAP. Por exemplo, a DAP na qual 100% dos entrevistados
rejeitariam e a DAP que 100% dos entrevistados aceitariam. Estes pontos seriam os dois
extremos da curva de demanda e um conjunto de valores intermédios entre eles seria utilizado
na pesquisa. Especificamente para o método referendo divide-se a amostra em torno de dez a
doze grupos, onde cada um é questionado com um valor entre (e inclusive) estes dois
extremos.
(h) As Pesquisas Focais - o modo mais prático e eficiente para estabelecer estes pontos
extremos de máximo e mínimo da demanda é a adoção de pequenas pesquisas de eliciação
abertas, realizadas em alguns grupos focais que representem uma parcela do universo a ser
questionado. Estas pesquisas focais são também uma oportunidade para testar ou avaliar todos
os itens anteriores acima. Dessa forma, o analista poderá verificar o grau de conhecimento do
recurso ambiental, a rejeição ou aceitação de certos instrumentos de pagamentos, a percepção
dos indivíduos entre pagar ou ser compensado e outras questões que poderão ajudar no melhor
julgamento quanto ao desenho do questionário.
(i) O Desenho da Amostra - a definição de uma amostra deve obedecer a certos procedimentos
estatísticos padrões que garantam sua representatividade. Todavia, é aconselhável tomar
cuidado com a atualidade e acuidade das informações da qual a amostra é definida.

o
2 Estágio: Cálculo e Estimação
(j) Pesquisa-Piloto e Pesquisa Final - sempre que possível, deve-se proceder a uma pesquisa-
piloto antes da pesquisa final para testar o questionário desenvolvido. Sugere-se, que nesta
pesquisa sejam testadas algumas alternativas que dependem, significativamente, da percepção
36 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

dos entrevistados (por exemplo: conteúdo e apresentação de informação, instrumento de


pagamento, etc) e outras questões que afetam a logística da pesquisa (por exemplo: a
dificuldade de acesso aos entrevistados, a confiabilidade dos dados amostrais,etc).
Na pesquisa final, todo cuidado deve ser tomado no treinamento dos entrevistadores, com
vistas à obtenção de um procedimento comum e uniforme de entrevistas. Conferência de
questionários e controle de amostra são obviamente essenciais.
(l) Cálculo da Medida Monetária - no caso de um experimento baseado na escolha
dicotômica, a média é obtida pelo cálculo do valor esperado da variável dependente (DAP ou
DAA). Para questionários com eliciação aberta, o valor médio é obtido diretamente com a
aplicação direta de técnicas econométricas de regressão para validar o resultado.
Uma curva de lances livres pode ser estimada para investigar os determinantes das respostas de
DAP. Normalmente, a curva de lances correlacionará os lances (DAPi) como uma função das
visitas (Qij), da renda (Yi), de fatores sociais como educação (Si) e outras variáveis explicativas
(Xi). Um parâmetro da qualidade ambiental do lugar (Ej) também pode ser incluído.

DAPi = f(Qij,Yi,Si,Xi,Ej) (20)

Não existe uma forma teórica correta para esta função. Em muitos casos a curva de lances nos
permite estimar mudanças na média DAPi originárias de variações em Ej. Se outras variáveis
são suficientemente estáveis, então podemos usar esta curva para valorar o efeito de outras
mudanças ambientais como, por exemplo, impactos na qualidade da água ou mudanças sobre a
qualidade do solo.
Conforme será adiante formalizado, se perguntas com escolhas dicotômicas no método
referendo foram usadas (variáveis discretas), então um modelo logístico pode ser adotado,
relacionando a probabilidade de uma resposta “sim” para cada quantia sugerida com as
variáveis explicativas listadas acima e utilizando seus coeficientes numa função logística que
reflita uma forma de função de utilidade.
(m) A Agregação dos Resultados - a partir da média (ou mediana) da DAP ou DAA, o valor
econômico total é estimado multiplicando esta média pela população afetada pela alteração de
disponibilidade. Isto requer decisões como, por exemplo, optar entre dados por família ou
individuais e distinguir a população relevante para o valor total do recurso.

FORMALIZAÇÃO DO MÉTODO REFERENDO24


No método referendo aos entrevistados é oferecida uma melhoria (ou perda) ambiental em
troca de um pagamento (ou compensação) no valor de S. Se a proposta é aceita, então:

∆ U = u (y - S, z1) - u ( y, z0) + η > 0 (21)

onde ∆U é a variação de utilidade, z1 e z0 representam, respectivamente, a qualidade ambiental


final e inicial, y a renda do indvíduo e η um variável aleatória cujo valor esperado é igual a
zero.

24
Esta formalização está baseada em Johansson (1993, Cap.4).
Ronaldo Seroa da Motta - 37

A hipótese desta formulação é que os indivíduos conhecem sua função de utilidade, mas para o
investigador esta função contém alguns elementos não-observáveis. Ou seja, na média, o
investigador está correto ao assumir U = u (y,z) dado que η= 0.
Todavia, no caso individual está incorreto porque existem elementos não-observáveis e
estocásticos que podem representar, por exemplo, variações nas estruturas de preferências.
Suponha que os indivíduos com diferentes valorações de S são normalizados em um. A curva
de demanda agregada (D) para a variação ambiental poderia ser dada por:

D(S) = 1 - F(S) (22)

onde F(S) é uma função de distribuição tal que F(S) = prob (DAP ≤ S). A medida do
excedente do consumidor será dada integrando D(S) entre os valores mínimo e máximo
admitidos na investigação.
A função F(S) é geralmente definida na forma logística como:

F(S) = 1/ (1 + e-∆∆U) (23)

De tal forma que F(- ∞) = 1 e F(∞) = 0. Quando ∆U = O, o valor de F(S) será de 0,5, i.e.,
existe 50% de probabilidade que os respondentes aceitem S. Se ∆U é de aproximação linear,
então, valores médio e mediano coincidem. No caso de aproximações não-lineares, o uso de
médias tem mais sentido econômico.
Esta função F(S) será então o exercício econométrico do método referendo, onde as variáveis
sócio-econômicas serão utilizadas para definir a estrutura estocástica do modelo. Aproveite
para observar que o exercício econométrico para o método de lances livres ou aberto não é
para estimar a DAP ou DAA média como no método referendo e sim, somente para avaliar a
confiabilidade dos valores identificados na pesquisa em relação à variáveis sócio-econômicas.

VIÉSES ESTIMATIVOS DO MÉTODO DE VALORAÇÃO CONTINGENTE

Confiabilidade, Validade e Viéses


A avaliação de aceitabilidade das estimativas de DAP ou DAA estará concentrada nas questões
teóricas e metodológicas do MVC. Estas questões podem ser divididas nas categorias
Confiabilidade, Validade e Viéses.
A Validade refere-se ao grau em que os resultados obtidos no MVC indicam o “verdadeiro”
valor do bem que está sendo investigado, enquanto a confiabilidade analisa a consistência das
estimativas. É importante ter em mente que validade e confiabilidade não são sinônimos.
Existem casos em que o MVC alcança estimativas consistentes, mas sujeitas a presença de
viéses. Nesta hipótese, os resultados são julgados não válidos. Considerando um modelo
linear geral, validade e confiabilidade poderiam ser expressos da seguinte forma25:

y = ax + b + η (24)

onde:

25
Ver Bateman e Turner (1993).
38 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

y = valor observado da variável


x = valor verdadeiro da variável
a e b = constantes
η = erro residual
Enquanto a e b refletem a validade do método, e determina a confiabilidade. Valores de a=1,
b=0 e e sendo aleatório indicam absoluta validade. Quando e não se revela aleatório, então
indica a existência de viéses.

Confiabilidade
A confiabilidade, conforme já assinalado, está associada ao grau em que a variância das
respostas DAP pode ser atribuída ao erro aleatório. Assim, quanto menos aleatória for a
amostra, menor será o grau de confiabilidade.
A variância depende basicamente de três elementos: (i) da verdadeira natureza do erro
aleatório; (ii) do próprio processo de amostragem; e (iii) da forma como foram elaborados os
questionários. O erro aleatório é inerente a qualquer pesquisa estatística e pode ser minimizado
através da utilização de uma amostra estatisticamente grande.
Uma outra questão importante que afeta a variância é o grau de realismo dos cenários
construídos no MVC e a familiaridade dos entrevistados com estes cenários. Assim, para
assegurar a confiabilidade utiliza-se um teste de confiança baseado na repetição do mesmo
experimento com diferentes amostras, o que permite observar se existe uma correlação entre as
variáveis coletadas.
Entretanto, devido aos elevados custos envolvidos na elaboração desse tipo de teste, poucas
aplicações foram feitas até hoje (ver Estudo de Caso 12).
Podem ser identificados, pelo menos, dez importantes tipos de viéses26 que afetam a
confiabilidade e que devem ser minimizados com o desenho do questionário e da amostra,
conforme descritos a seguir.
(i) Viés Estratégico - este é certamente um dos problema que mais preocupa os economistas.
O viés estratégico está relacionado fundamentalmente à percepção dos entrevistados acerca da
obrigação de pagamento e às suas perspectivas quanto à provisão do bem em questão. Se o
indivíduo tiver a sensação de que realmente pagará o valor por ele citado na pesquisa, tenderá
a responder valores abaixo de suas verdadeiras preferências. Isto decorre do fato de que o
usufruto dos bens ambientais, em muitos casos, não está vinculado ao pagamento, ou seja, a
partir do momento que alguém pagou pelo bem ambiental pode ser extremamente difícil, ou
impossível, a exclusão do consumo de outras pessoas. Frente a esta situação, o indivíduo,
partindo do pressuposto que outros estarão dispostos a pagar o suficiente para garantir a
provisão do bem, tende a ter um comportamento de carona, estipulando, assim, sua DAP
abaixo do valor real.
Uma outra forma de viés estratégico ocorre quando o indivíduo sente que, ao invés do preço
estar vinculado a sua “verdadeira” DAP, a sua resposta poderá influenciar a decisão sobre
provisão do bem, mas não sofrerá os custos associados a ela. Neste caso, poderá revelar
valores elevados quanto a sua DAP e, assim, garantir o aumento no bem estar conseqüente da
provisão daquele bem ambiental.

26
Embora amplamemte discutida na literatura, a descrição aqui utilizada baseou-se em Willis (1995) e
Bateman e Turner (1993).
Ronaldo Seroa da Motta - 39

Com vistas a minimizar a ocorrência do comportamento estratégico, recomenda-se atenção


com a estrutura das perguntas para que estas não sejam indutoras desse tipo de
comportamento. Uma maneira usada para diminuir o viés estratégico é fazer as perguntas
utilizando três cenários distintos: somente os n entrevistados que apresentarem os maiores
lances terão acesso ao bem; todos têm acesso ao bem se a DAP for acima de um determinado
nível; e todos com uma DAP positiva terão acesso. O primeiro cenário parece revelar a
“verdadeira” DAP, o segundo, um fraco comportamento estratégico e o último um forte.
Evidências empíricas sugerem que, nos resultados obtidos nas perguntas com formato
dicotômico, observa-se uma incidência do comportamento caronista menor que nas perguntas
do tipo aberto (contínua). Em se tratando de bens públicos ambientais, o valor de existência e
o sentimento de altruísmo atuam como um desincentivo para o carona. Na realidade, o viés
estratégico não tem se mostrado um problema significativo nas aplicações do MVC.
(ii) Viés Hipotético - o fato do MVC estar baseado em mercados hipotéticos pode levar a
valores que não refletem as verdadeiras preferências. Como não se trata de um mercado real,
os indivíduos vêem que não sofrerão custos porque são simulações, diferentemente de quando
o indivíduo erra o valor dado a um bem num mercado real onde terá de arcar com este erro.
Alguns pesquisadores colocam que o viés hipotético induz a um aumento da variância e,
conseqüentemente, a uma baixa confiabilidade do modelo.
As pesquisas elaboradas sobre o viés hipotético demostram que este tipo de problema é
bastante significativo em estudos baseados na DAA e que pode se tornar insignificante nos
estudos baseados na DAP. Normalmente, o teste é realizado através da comparação entre os
lances hipotéticos e os lances obtidos em simulações de mercados onde se utiliza transações
reais de dinheiro. A divergência entre a “verdadeira” DAP e DAP hipotética é muito menor
que na referente a DAA. Uma razão para este fenômeno deve-se ao fato de que os
entrevistados estão muito mais familiarizados na vida real com o ato de fazer pagamentos do
que o de receber compensações. Para minimizar o viés hipotético, a credibilidade dos cenários
e proximidade destes com a realidade é fundamental. Além disto, deve-se utilizar perguntas do
tipo DAP.
(iii) Problema da Parte-Todo (“embedding/mental account”) - as questões ambientais são
capazes de sensibilizar, profundamente, às pessoas cuja visão adquirida sobre a natureza está
associada a crenças morais, filosóficas e religiosas. Esta característica faz com que surja o
chamado problema da Parte-Todo, onde o entrevistado tende a interpretar a oferta hipotética
de um bem específico ou serviço ambiental, apresentada na pesquisa, como algo mais
abrangente. Trata-se da dificuldade de distinguir o bem específico (“parte”) de um conjunto
mais amplo de bens (“todo”). Neste sentido, o problema se manifesta quando a agregação dos
valores referentes a DAP de um indivíduo, obtida em várias aplicações do MVC para distintos
bens, expressa um valor maior que o total da renda deste disponível para melhoria dos bens e
serviços ambientais em geral.
(iv) Viés da Informação - certamente a qualidade da informação dada nos cenários dos
mercados hipotéticos afeta a resposta recebida. O fato é que a informação atinge praticamente
todos os bens, não apenas a DAP por bens ambientais, sejam eles transacionados ou não no
mercado. Portanto, a questão passa a ser a de garantir a veracidade da informação, verificando
se esta foi elaborada para induzir um determinado resultado e também se a informação se
modifica ao longo da amostra. Os cenários hipotéticos apresentados no MVC incluem não
apenas o bem ambiental (melhoria na qualidade da água, criação de áreas florestais, etc.), mas
também o contexto institucional em que poderia ser provido e a forma que seria financiado.
40 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

(v) Viés do Entrevistador e do Entrevistado - a forma como o entrevistador se comporta, ou


aparenta ser, pode influenciar as respostas. Por exemplo, se o entrevistador descreve o bem
ambiental como algo moralmente desejado, ou se o entrevistador é extremamente bem
educado (ou atraente), então a pessoa que está sendo entrevistada pode se sentir inibida a
declarar um lance de baixo valor. Uma forma de minimizar este tipo de problema é usar
pesquisas por telefone ou pelo correio, ao invés de entrevistas cara-a-cara. Mas este
procedimento tende a causar uma perda na qualidade da informação e, talvez, a um aumento
do viés hipotético. Outro fator negativo é que pesquisas pelo correio apresentam taxas médias
de respostas menores. Uma solução possível é a utilização de entrevistadores profissionais que
transmitam a informação exatamente como está apresentada nos questionários, bem como
adotar respostas já preparadas a serem escohidas pelos entrevistados (escolha dicotômica).
(vi) Viés do Instrumento (ou Veículo) de Pagamento - os indivíduos não são totalmente
indiferentes quanto ao veículo de pagamento associado à DAP. Dependendo do método de
pagamento a DAP pode variar. Um aumento de R$1 no imposto de renda pode ser visto como
mais custoso do que R$1 pago numa taxa de entrada associada ao uso. Se a média dos lances
não difere quando são usados veículos distintos, então este tipo de viés é considerado
irrelevante.
(vii) Viés do Ponto Inicial (ou “ancoramento”) - a sugestão de um ponto inicial nos
questionários do tipo jogos de leilão (bidding games) pode influenciar significativamente o
lance final. Observa-se que os questionários com um baixo (alto) ponto inicial levam a uma
baixa (alta) média da DAP. Apesar da utilização de pontos iniciais reduzir o número de
perguntas sem resposta e a variância nos questionários tipo aberto, existe um consenso de que
o ponto inicial acaba por desestimular o entrevistado a pensar seriamente sobre sua
“verdadeira” DAP.
Uma alternativa para fugir deste problema é a utilização de cartões de pagamento, onde o
entrevistado escolhe um lance, entre vários apresentados, numa escala de valores. Infelizmente,
este caminho cria um “ancoramento” (vinculação a priori) dos lances à escala sugerida no
cartão de pagamento, fazendo com que a maioria dos entrevistados acredite que aquela escala
contém o valor “correto”. Este problema também se manifesta no método referendo com
acompanhamento, onde tentam-se valores subseqüentes a um valor inicial que o entrevistado
acaba julgando o correto, tendendo a rejeitar outros. Não existe uma solução para este
problema, a não ser o cuidado de observar tal viés e tentar reduzí-lo por meio de estimações
mais precisas sobre os pontos máximos e mínimos da DAP ou DAA.
(viii) Viés da Obediência ou Caridade (“warm glow”) - este viés se manifesta pelo
constrangimento das pessoas em manifestar uma posição negativa para uma ação considerada
socialmente correta, embora não o fizessem se a situação fosse real. No método referendo com
acompanhamento, por exemplo, o entrevistado tende a aceitar todos os valores subseqüentes
para manter uma disposição anteriormente manifestada. Uma solução é criar mecanismos que
forjem um comprometimento real do entrevistado como, por exemplo, um termo de
compromisso assinado.
(ix) Viés da Subaditividade - este viés tem sido apontado pelo fato de algumas pesquisas com
MVC terem estimados valores de DAP para serviços ambientais que, quando estimados em
conjunto, apresentam um valor total inferior à soma de suas valorações em separado por
serviço. Este viés, entretanto, é decorrente das possibilidades de substituição entre estes
serviços e não de qualquer procedimento inadequado de pesquisa. Sua observância está de
acordo com o contexto econômico da mensuração e, portanto, sua minimização dependerá da
capacidade da pesquisa em identificar estas possibilidades de substituição. Com base nesta
Ronaldo Seroa da Motta - 41

percepção, o analista deve decidir se as alterações de disponibilidade serão por variação de


conjunto ou em separado, explicitando-as nas informações do questionário (ver Apêndice
Técnico).
(x) Viés da Seqüencia de Agregação - este é outro viés inerente ao contexto econômico da
mensuração, quando a medida de DAP ou DAA de um certo bem ou serviço ambiental varia se
mensurada antes ou depois de outras medidas de outros bens ou serviços que podem ser seus
substitutos (ver Apêndice Técnico). Para contornar este problema, o analista deve julgar um
critério que defina a seqüencia de mensuração, de acordo com sua possibilidade de ocorrência,
ou especificar no questionário, com clareza, que outros recursos ambientais substitutos
continuarão em disponibilidade.

Validade
Existem três categorias, em estudos do MVC, de teste de validade: do conteúdo, do critério e
do construto, a seguir.
(i) Validade do Conteúdo - analisa se a medida da DAP estimada na aplicação do MVC
corresponde precisamente ao objeto que está sendo investigado (o construto). As
especificidades que envolvem grande parte dos bens ambientais tornam a avaliação da validade
do conteúdo bastante subjetiva. Não existe uma regra pré-determinada para a verificação se,
num particular questionário MCV, as perguntas certas foram formuladas da maneira
apropriada e, se a medida da DAP expressa realmente o quanto o entrevistado pagaria pelo
bem ambiental, caso existisse em mercado para ele.
O teste da validade do conteúdo mostra-se fundamental em muitos aspectos, mas sua
formalização, no estágio em que se encontram os estudos sobre o MVC ainda não foi
alcançada, constituindo, assim, uma importante meta a ser perseguida.
(ii) Validade do Critério - neste caso, as estimativas obtidas no MVC são comparadas com o
“verdadeiro” valor (o critério) do bem em questão. Experimentos comparando a DAP
hipotética e a “verdadeira” DAP — obtida pela simulação de mercados com a utilização de
pagamentos reais em dinheiro — mostram que a DAP hipotética é válida como estimativa da
“verdadeira” DAP. Além disso, a razão para a aplicação do MVC é justamente quando esta
comparação não é possível.
(iii) Validade do Construto - uma forma de testar a validade consiste em examinar se o valor
encontrado na valoração contingente está intimamente correlacionado com os valores obtidos
para o mesmo bem usando outras técnicas de valoração. Existem dois tipos básicos de validade
do construto: a validade teórica e a validade de convergência.
O teste da validade teórica concentra-se na análise da funções da curva de lances para verificar
se atendem às expectativas teóricas, observando, por exemplo, como se manifesta o sinal e a
significância estatística das variáveis explicativas nas funções de distribuição ou de regressão
da DAP ou DAA (Ver Estudo de Caso 12).
Já a validade de convergência, compara as medidas do MVC com outras técnicas de
preferência revelada, como custo de viagem e preço hedônico. Um problema relevante para
esta abordagem é que os métodos de valoração em comparação normalmente mensuram coisas
(construtos) diferentes. Enquanto o MVC é capaz, do ponto de vista teórico, de mensurar
valores de uso e não-uso. Os outros métodos captam apenas os valores de uso.
Além disto, o MVC produz medidas ex-ante da DAP, expressando assim graus de
desejabilidade, enquanto a análise dos preços hedônicos e do custo de viagem apresentam
42 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

estimativas referentes a um contexto ex-post, portanto a uma situação já verificada. Tais


fatores tornam questionável a utilidade de se comparar os resultados obtidos com diferentes
métodos, na medida em que se comparam noções de “desejabilidade” com o que foi “realmente
realizado” e que pode não estar estritamente relacionado com o que se desejava.
Ver Estudos de Caso 7, 12 e 13.

RESUMO E RECOMENDAÇÕES
Embora capaz de medir valor de existência, a aplicação do MVC não é trivial e pode gerar
resultados bastante enviesados caso certos procedimentos não sejam corretamente obedecidos.
Portanto, o método da valoração contingente requer um esforço de pesquisa de campo e
tratamento econométrico equivalente aos métodos de preços hedônicos e de custo de viagem.
Dessa forma, recomenda-se seu uso quando: (i) a determinação dos valores de uso por outros
métodos não é satisfatória, ou a determinação do valor de existência faz-se necessária e (ii) é
possível definir com clareza os bens e serviços ambientais a serem hipoteticamente valorados,
o que inclui o conhecimento sobre a relação entre o uso destes e os impactos na economia,
bem como nas funções ecossistêmicas.
Como conclusão desta parte referente ao MVC apresentamos as principais recomendações do
Painel do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), órgão americano
designado para definir critérios e procedimentos para mensuração dos danos ambientais
causados por derramamento de óleo. Este Painel foi uma consequência imediata da
necessidade de se definir judicialmente a compensação dos danos causados no Alaska pelo
derramamento do petroleiro Exxon Valdez em 198927.
O Painel reconheceu a validade do método da valoração contingente como o único método
capaz de captar valores de existência, mas incluiu diversas recomendações para sua
elaboração. As mais importantes estão abaixo relacionadas28:
1. Amostra probabilística é essencial.

2. Evitar respostas nulas.

3. Usar entrevistas pessoais.

4. Treinar o entrevistador para ser neutro.

5. Os resultados devem ser apresentados por completo com desenho da amostra,


questionário, método estimativo e base de dados disponível.

6. Realizar pesquisas-piloto para testar questionário.

7. Ser conservador adotando opções que subestimem a medida monetária a ser estimada.

8. Devido a recomendação anterior, usar DAP ao invés de DAA.

9. Usar método referendo.

27
Este painel foi liderado por dois Prêmios Nobel de Economia, Robert Solow and Keneth Arrow. Ver Arrow et
al. (1993).
28
De acordo com Willis (1995) e Arrow et al. (1993).
Ronaldo Seroa da Motta - 43

10. Oferecer informação adequada sobre o que está se medindo.

11. Testar o impacto de fotografias para avaliar se não estão gerando impactos emocionais que
possam enviesar respostas.

12. Identificar os possíveis recursos ambientais substitutos que permanecem inalterados.

13. Identificar com clareza a alteração de disponibilidade do recurso.

14. Administrar tempo de pesquisa para evitar perda de acuidade das respostas.

15. Incluir qualificações para respostas sim ou não.

16. Incluir outras variáveis explicativas relacionadas com o uso do recurso.

17. Checar se as informações do questionário são aceitas como verdadeiras pelos


entrevistados.

18. Entrevistados devem ser lembrados da sua restrição orçamentária, i.e., que sua DAP
resulta em menor consumo de outros bens.

19. O veículo de pagamento deve ser realista e apropriado as condições culturais e


econômicas.

20. Questões específicas devem ser incluídas para minimizar o problema da Parte-Todo.

21. Evitar o uso do ponto inicial em jogos de leilão e no cartão de pagamento.

22. Nos questionários com formato do tipo escolha dicotômica, o lance mais alto deve alcançar
100% de rejeição e o lance mais baixo deve ser aceito por todos (100% de aceitação).

23. Ter cuidado no processo de agregação para considerar população relevante.

Conforme podemos observar, estas recomendações requerem um esforço de pesquisa


significativo. Entretanto, advoga-se também que uma pesquisa realizada adequadamente para
um certo benefício em uma certa região pode ser transferida para outra região, caso o
benefício a ser medido seja idêntico. Dado que no MVC utilizam-se funções com variáveis
sócio-econômicas, então é possível captar as particularidades regionais ao introduzirem-se
estas variáveis relativas a outra região. Com isso, estima-se a DAP ou DAA média da região
com base na função transferida. Vale enfatizar que tal procedimento somente é válido quando
o benefício a ser medido reflete exatamente aquele que já foi medido, na função que se está
transportando (Ver Estudo de Caso 13). No caso de valores de existência, tal equivalência é
quase teoricamente impossível, daí a transferência de funções ser mais apropriada para valores
de uso.
44 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

ROTEIRO PARA ESCOLHA DO MÉTODO MAIS APROPRIADO PARA


VALORAÇÃO DE RECURSOS AMBIENTAIS
Este roteiro apresenta um resumo dos doze principais procedimentos estimativos que o analista
poderá utilizar para orientar um estudo de valoração econômica de um recurso ambiental.
Consiste, portanto, num instrumento para ajudar o analista a selecionar o método teoricamente
mais apropriado para o processo de valoração desejado. As questões relativas aos viéses
estimativos na elaboração das estimativas não foram sumariadas aqui, pois já foram
devidamente abordadas no texto principal.
O roteiro está apresentado em texto corrido, com conteúdo detalhado, e por algoritmos que
apresentam as sequências de procedimentos.
A organização do roteiro é da seguinte forma:
(i) etapas que distinguem um segmento exclusivo de valoração;
(ii) hipóteses que definem a correlação entre a variação da disponibilidade do recurso
ambiental e o resto da economia;
(iii) situações que definem a disponibilidade de informações que restringem o uso de cada
método;
(iv) procedimentos que indicam os métodos apropriados para cada situação.
Três etapas foram definidas.
Etapa 1: identificação dos valores econômicos do recurso ambiental.
Esta etapa é básica para o processo de valoração e requer dois procedimentos admitindo que
variações na disponibilidade do recurso ambiental afeta o bem-estar dos indivíduos.
Etapa 2: estimação dos valores de uso.
Esta etapa indica hipóteses do funcionamento do mercado apresentando seis situações de
possibilidade e os oito procedimentos resultantes.
Etapa 3: estimação dos valores de existência.
Esta etapa restringe-se ao procedimento de uso do método de valoração contingente, que é
teoricamente o único que poderá captar o valor de existência na situação onde um mercado
hipotético pode ser construído.
A seguir são apresentados o roteiro com seu contúdo detalhado e os rspectivos algoritmos
para cada etapa.

CONTEÚDO DETALHADO DO ROTEIRO


OBJETO DE VALORAÇÃO: VARIAÇÃO NA QUANTIDADE (OU QUALIDADE) DE
UM RECURSO AMBIENTAL E (∆QE)

ETAPA 1: IDENTIFICAÇÃO DE VALORES ECONÔMICOS DE E


HIPÓTESE 1: ∆QE afeta o bem-estar dos indivíduos
PROCEDIMENTO 1: identificar as parcelas de valor econômico geradas por E :
Ronaldo Seroa da Motta - 45

• valor de uso direto (VUD): benefícios atuais gerados por E pelo seu uso como insumo de
produção de um bem ou serviço privado e/ou como objeto de consumo final pelos
indivíduos;
• valor de uso indireto (VUI): benefícios atuais derivados das funções ecossistêmicas, como,
por exemplo, a proteção do solo e a estabilidade climática decorrente da preservação das
florestas;
• valor de Opção (VO): quando o indivíduo atribui valor em usos direto e indireto que
poderão ser optados em futuro próximo e cuja preservação pode ser ameaçada;
• valor de existência (VE): benefícios gerados por E dissociado do uso (embora represente
consumo ambiental) e relativos a uma posição moral, cultural, ética ou altruística em
relação aos direitos de existência de espécies não-humanas ou preservação de outras
riquezas naturais, mesmo que estas não representem uso atual ou futuro para o indivíduo.
PROCEDIMENTO 2: identificar as alterações esperadas em VU e VE decorrentes de ∆QE.

ETAPA 2: ESTIMAÇÃO DOS VALORES DE USO


HIPÓTESE 2: variações na provisão do recurso E (∆QE) afetam mercados de bens e serviços
privados.
PROCEDIMENTO 3: selecionar quais os bens e serviços privados afetados por ∆QE que serão
analisados.
PROCEDIMENTO 4: estimar correlação entre ∆QE e ∆VU e, se possível, construir função
dose-resposta (DR).
HIPÓTESE 3: preços de equilíbrio dos bens e serviços afetados por ∆QE não variam.
SITUAÇÃO 1: função dose-resposta(DR) e função de produção do bem ou serviço X (Fx),
afetado por ∆QE , podem ser estimadas.
PROCEDIMENTO 5: calcular ∆VU utilizando o método da produtividade marginal
estimando: (dFx/dE . px ).
SITUAÇÃO 2: função dose-resposta pode ser estimada, mas função de produção não pode ser
estimada.
PROCEDIMENTO 6: calcular ∆VU utilizando o mercado de bens substitutos quando:
1. gastos em outros bens e serviços privados (S) para compensar ∆QE podem ser estimados:
utilizar método dos gastos defensivos estimando (qs . ps) que corresponde a ∆QE.

2. gastos em outros bens e serviços privados (S) para repor ∆QE podem ser estimados :
utilizar método de custo de reposição estimando (qs . ps) que corresponde a ∆QE.

3. gastos em outros bens e serviços privados (S) que seriam evitados se ∆QE não ocorresse
podem ser estimados: utilizar método dos gastos defensivos estimando (qs . ps) que
corresponde a ∆QE.

4. gastos em outros bens e serviços privados (S) em atividades de controle que evitem ∆QE
podem ser estimados: utilizar método de custos de controle estimando (qs . ps) que
corresponde a ∆QE.
46 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

5. produção de outros bens e serviços privados (S) seria sacrificada, caso ∆QE não fosse
evitado, pode ser estimada: utilizar método do custo de oportunidade estimando (qs . ps)
que corresponde a ∆QE.

HIPÓTESE 4: preços e quantidades de equilíbrio dos bens e serviços afetados por ∆QE variam
significativamente, MAS afetam somente estes bens e serviços.
SITUAÇÃO 3: E é complementar aos bens e serviços afetados por ∆QE.
PROCEDIMENTO 7: calcular a variação do excedente do consumidor utilizando mercado de
bens complementares quando:
1. preços de propriedades ou outro bem composto variam por causa de ∆QE e o
funcionamento do mercado é conhecido: utilizar método do preço hedônico.

2. quando ∆QE afeta a visitação a um sítio natural e a mensuração do custo de viagem a este
sítio pode ser realizada consistentemente: utilizar método do custo de viagem.

SITUAÇÃO 4: mercado de bens complementares não existe ou é de difícil determinação.


PROCEDIMENTO 8: calcular a variação do excedente do consumidor utilizando método de
valoração contingente.
HIPÓTESE 5: preços e quantidades de equilíbrio dos bens e serviços afetados por ∆QE variam
significativamente e afetam toda a economia.
SITUAÇÃO 5: modelo de equilíbrio geral pode ser estimado com pleno conhecimento das
funções de produção e dose-resposta relativas a E.
PROCEDIMENTO 9: calcular variações do excedente do consumidor utilizando modelos de
equilíbrio geral para determinar novos preços e quantidades de equilíbrio.
SITUAÇÃO 6: estimação do modelo de equilíbrio geral não é possível ou torna-se bastante
complexo.
PROCEDIMENTO 10: avalie se uma valoração parcial com os procedimentos 5 a 8 seriam
suficientes para ajudar no processo de decisão.

ETAPA 3: ESTIMAÇÃO DOS VALORES DE EXISTÊNCIA


HIPÓTESE 6: variações na provisão de E (∆QE), independentemente de qualquer forma de
uso atual ou futuro, afetam o bem estar dos indivíduos.
SITUAÇÃO 7: mercado hipotético pode ser construído para captar ∆VE decorrente da ∆QE.
PROCEDIMENTO 11: calcular variação do excedente do consumidor utilizando método de
valoração contingente.
SITUAÇÃO 8: mercado hipotético não pode ser construído devido a problemas: de
informação, incerteza de impactos, desenho de amostra ou escassez de recursos humanos e
financeiros.
PROCEDIMENTO 12: avaliar a importância relativa de VE no total do valor econômico de E
e analisar se estimativas isoladas de VU para ∆QE podem ajudar o processo de decisão.
ALGORITMOS DE DECISÃO METODOLÓGICA

ETAPA 1
IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES
ECONÔMICOS
DO RECURSO AMBIENTAL E

HIPÓTESE 1
VARIAÇÃO DE E AFETA
BEM-ESTAR

PROCEDIMENTO 1 PROCEDIMENTO 2
IDENTIFICAR AS PARCELAS IDENTIFICAR ALTERAÇÕES
DE VALOR ECONÔMICO EM VU e VE DECORRENTES
(VU e VE)
DE VARIAÇÕES EM E
GERADAS POR E
ETAPA 2
ESTIMAÇÃO DOS VALORES DE USO

HIPÓTESE 2
VARIAÇÕES DE E AFETAM MERCADOS
DE BENS E SERVIÇOS PRIVADOS

PROCEDIMENTO 3 PROCEDIMENTO 4
SELECIONAR OS BENS E SERVIÇOS ESTIMAR CORRELAÇÃO ENTRE ∆QE e ∆VU
QUE SERÃO ANALISADOS SE POSSÍVEL ESTIMAR FUNÇÃO DR

HIPÓTESE 3 HIPÓTESE 4 HIPÓTESE 5


PREÇOS DE BENS E SERVIÇOS PREÇOS DE BENS E SERVIÇOS PREÇOS DE BENS E SERVIÇOS
NÃO VARIAM COM ∆ E VARIAM COM ∆ E E AFETAM VARIAM COM ∆ E
SOMENTE ESTES MERCADOS E AFETAM TODA A ECONOMIA
HIPÓTESE 4 HIPÓTESE 5
HIPÓTESE 3
PREÇOS DE BENS E SERVIÇOS PREÇOS DE BENS E SERVIÇOS
PREÇOS DE BENS E SERVIÇOS
VARIAM COM ∆ E E AFETAM VARIAM COM ∆ E
NÃO VARIAM COM ∆ E
SOMENTE ESTES MERCADOS E AFETAM TODA A ECONOMIA

SITUAÇÃO 1 SITUAÇÃO 2 SITUAÇÃO 5 SITUAÇÃO 6


SITUAÇÃO 3 SITUAÇÃO 4
FUNÇÃO DOSE-RESPOSTA FUNÇÃO DOSE-RESPOSTA PODE SE ESTIMAR ESTIMAÇÃO DO MODELO
RECURSO AMBIENTAL E MERCADO DE BENS
E FUNÇÃO DE PRODUÇÃO PODE SER ESTIMADA MODELO DE EQUILÍBRIO DE EQUILÍBRIO GERAL
É COMPLEMENTAR A COMPLEMENTARES
DO BEM OU SERVIÇO FUNÇÃO DE PRODUÇÃO GERAL COM AS FUNÇÕES NÃO É POSSÍVELOU
BENS E SERVIÇOS NÃO EXISTE OU É DE
AFETADO PODEM SER NÃO PODE SER DOSE-RESPOSTA E DE TORNA-SE BASTANTE
PRIVADOS DIFÍCIL DETERMINAÇÃO
ESTIMADAS ESTIMADA PRODUÇÃO COMPLEXA

PROCEDIMENTO 10
PROCEDIMENTO 5 PROCEDIMENTO 6 PROCEDIMENTO 7 PROCEDIMENTO 8 PROCEDIMENTO 9
AVALIAR SE UMA
CALCULAR CALCULAR CALCULAR EXCEDENTE CALCULAR EXCEDENTE CALCULAR VARIAÇÕES
VALORAÇÃO PARCIAL
VALOR DE USO (VU) VALOR DE USO (VU) DO CONSUMIDOR DO CONSUMIDOR DO EXCEDENTE DO
COM PR0CEDIMENTOS
UTILIZANDO MÉTODO UTILIZANDO MÉTODO UTILIZANDO MÉTODO UTILIZANDO MÉTODO CONSUMIDOR
DE 5 A 8 É SUFICIENTE
DA PRODUTIVIDADE DO MERCADO DO CUSTO DE VIAGEM OU DA VALORAÇÃO UTILIZANDO MODELO DE
PARA AJUDAR NO
MARGINAL SUBSTITUTO PREÇOS HEDÔNICOS CONTINGENTE EQUILÍBRIO GERAL
PROCESSO DE DECISÃO
ETAPA3
ESTIMAÇÃO DOS VALORES DE EXISTÊNCIA

HIPÓTESE 6
VARIAÇÕES DE E , INDEPENDENTE DO USO,
AFETAM BEM-ESTAR

SITUAÇÃO 7 SITUAÇÃO 8
MERCADO HIPOTÉTICO MERCADO HIPOTÉTICO
PODE SER CONSTRUÍDO NÃO PODE SER CONSTRUÍDO

PROCEDIMENTO 12
PROCEDIMENTO 11
AVALIAR IMPORTÂNCIA DE VE NO VALOR
CALCULAR VARIAÇÃO DO EXCEDENTE
TOTAL DO RECURSO AMBIENTAL ESE
DO CONSUMIDOR UTILIZANDO
ESTIMATIVAS ISOLADAS DE VU AJUDAM
MÉTODO DA VALORAÇÃO CONTINGENTE
TOMADA DE DECISÃO
Ronaldo Seroa da Motta - 51

APÊNDICE TÉCNICO

O MÉTODO DA VALORAÇÃO CONTINGENTE E A TEORIA ECONÔMICA


Este apêndice baseia-se em Hanemann (1995) e, devido a sua sofisticação teórica, é dirigido a
economistas com formação em microeconomia.
Suponha um vetor x de bens e serviços privados e um outro vetor q que são outros bens e
serviços que o consumidor percebe como exógenos e não pode variar livremente seu consumo.
Os elementos de q podem ser atributos a bens e serviços, bens públicos ou amenidades.
Então temos uma função de utilidade u(x,q) que gera um função ordinária de demanda para x
na forma h(p,q,y) e a função de utilidade indireta v(p,q,y) ≡ u[h(p,q,y),q] onde p são os
preços de x’s e y a renda do consumidor. Por dualidade temos a função de demanda
compensada g(p,q,u) e a função de dispêndio m(p,q,y).
Suponha agora que q aumenta de q0 para q1 enquanto p e y são mantidos constantes. A
variação compensatória C que corresponde à disposição a pagar do indivíduo pela variação de
q (q1- q0) é dada pela expressão:
v(p, q1, y-C) = v(p, q0, y) (1)
A questão que se coloca é como esta variação C é medida. Utilizando a hipótese de fraca
complementaridade, existem bens privados que quando não são consumidos a utilidade
marginal de q é zero ou du/dq = 0.
Com base nesta hipótese, C está relacionado com a área abaixo da curva de demanda
compensada do bem complementar quando avaliado de acordo com a variação de q, tal que:
C = ∫pp11* [g1(p,q1,u0) - g1(p,q0,u0)] dp1 (2)

onde p 1* é o preço no qual g(p 1* , p2,pN,qt,u0) = 0 quando t = 0,1.


Na prática não é possível determinar diretamente a função de demanda compensada g e sim a
função de demanda ordinária h que pode gerar valores enviesados do excedente do
consumidor. Este é, por exemplo, o procedimento para o Método do Custo de Viagem.29
Aplicando as equações de integrabilidade teríamos:
dm(p,q,u)/dpi = hi[p,q,m(p,q,u)] i = 1,...,N (3)

para a função dispêndio m da qual funções de demanda compensada poderiam ser recuperadas
e, assim, C poderia ser calculado diretamente de (1) sem ser necessário admitir fraca
sustentabilidade.
Agora suponha uma função de utilidade separável com a seguinte forma:
u(x,q) = T[u*(x,q),q] (4)
onde T[.] é crecente em ambos argumentos e u* (.) é não-decrescente em ambos argumentos e
estritatamente quase-côncava em x. A taxa marginal de substituição entre x’s é independente

29
Note que no caso do método de preços hedônicos é a função de demanda inversa que está sendo medida.
52 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

de T[.] e depende de q na medida que q entra em u* , mas, não porque q entra em T[.]. Seja,
então, v*(p,q,y) a função de utilidade indireta associada a u*(x,q).
A variação compensatória C de (1) agora pode com base em (4) ser expressa como
C = C* + CT (5)
onde C* satisfaz v*(p,q1, y - C*) = v*(p,q0,y) e CT satisfaz T[v*(p,q1,y - C* - CT), q1)] =
T[v*(p,q1,y - C* ), q0)]. C* é a disposição a pagar individual por uma variação de q com base
em U*[.] enquanto CT é a diferença de C quando T[.] é considerada.
C* reflete, assim, valores de uso que são valorados em conjunto com os bens privados x’s.
CT representa, então, um valor de não-uso (valor de existência ou uso passivo) e sua
preferência está separada dos x’s.
Note que u(x,q) e u*(x,q) levam a mesma função de demanda ordinária, mas, não a uma
mesma função de demanda compensada. Por integrabilidade é possível recuperar v*(p,q,y),
mas, não T[.]. Daí, métodos de preferência revelada, com base em mercados de bens
complementares ou substitutos, não serem capazes de estimar valores de não-uso.
Mais ainda, qualquer quantidade dada como fixa de q pode gerar valor de não-uso de acordo
com a estrutura das preferências e não com o tipo de variação de q.
Suponha que somente um dos q’s varie, por exemplo, q1. Um aumento de q1 reduzirá o valor
de C se outros q’s são substitutos e aumentará se forem complementares. Da mesma forma, C
dependerá de y e sua elasticidade-renda está relacionada com a elasticidade de demanda dos
outros q’s e com o mesmo sinal, embora não necessariamente com magnitudes iguais. Note
que a elasticidade-renda de C depende também da elasticidade de substituição entre os q’s e os
x’s. Assim, é bastante plausível esperar que ocorram divergências significativas entre as
magnitudes de disposição a pagar (DAP) e disposição a aceitar (DAA) quando estas
elasticidades de substituição forem pouco expressivas.
Aceitando as possibilidades de substituição entre q’s e destes com x’s, explicam-se (i) o
problema de subaditividade de C onde a DAP para uma variação de vários q’s é menor que a
soma da DAP da variação de cada q medida separadamente e (ii) o problema da sequência de
agregação (“embedding”) onde a DAP por um q é mais baixa (ou DAA é maior) quando este é
valorado ao fim de uma sequência do que no começo.
Concluindo, não há nenhuma inconsistência teórica no caso onde o valor de um bem varia
quando a quantidade de outro se altera e, portanto, a mensuração de DAP ou DAA dependerá,
principalmente, do contexto econômico na qual está sendo determinada.
Ronaldo Seroa da Motta - 53

PARTE II
ESTUDOS DE CASO

Os estudos de caso aqui analisados procuram oferecer uma diversidade de hipóteses, situações
e métodos que permita ao leitor entender melhor os aspectos teóricos desenvolvidos
anteriormente na Parte I. Como referências para exercícios práticos, o leitor deve atentar para
as especificidades de cada caso que determinaram os procedimentos metodológicos adotados,
pois estes nem sempre podem ser integralmente transportados para outros casos similares30 .
A seleção de casos foi a seguinte:

Estudo de Caso 1 - Conservação de Biodiversidade no Quênia

Estudo de Caso 2 - Reservatório de Nam Pong na Tailândia

Estudo de Caso 3 - O Caso do Lagarto Anolis nas Antilhas

Estudo de Caso 4 - Manguezais de Bintuni Bay na Indonésia

Estudo de Caso 5 - Recursos Florestais na Amazônia Peruana

Estudo de Caso 6 - Projetos Florestais na Grã-Bretanha

Estudo de Caso 7 - Parque Público de Lumpinee em Bangkok, Tailândia

Estudo de Caso 8 - Parque Nacional de Khao Yai na Tailândia

Estudo de Caso 9 - Estuário de Mersey na Grã-Bretanha.

Estudo de Caso 10 - Mudanças Ambientais no Pantanal, Brasil

Estudo de Caso 11 - Zona de Conservação de Kakadu na Austrália

Estudo de Caso 12 - Florestas Tropicais de Madagascar

Estudo de Caso 13 - Programa de Despoluição da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro,Brasil

30
A revisão técnica desta parte coube a José Ricardo Brun Fausto..
Ronaldo Seroa da Motta - 55

ESTUDO DE CASO 1

CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE NO QUÊNIA

In: Norton-Griffiths, Michael e Southey, Clive, The opportunity costs of biodiversity


conservation in Kenya. Ecological Economics, vol. 12, pp. 125-139, 1995.
Analisado por: José Ricardo Brun Fausto
Recurso ambiental: biodiversidade do Quênia
Objetivo: análise de custo-benefício
Metodologia:
Valores estimados Métodos utilizados
valor de uso do turismo e das atividades florestais produtividade marginal
renda sacrificada com a conservação custo de oportunidade

Interesse empírico:
• compara os benefícios da conservação da biodiversidade com os custos desta conservação
(custo de oportunidade) para todo o Quênia.

• utiliza resultados para indicadores de política.


56 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE NO QUÊNIA


In: Norton-Griffiths, Michael e Southey, Clive, The opportunity costs of biodiversity
conservation in Kenya. Ecological Economics, vol. 12 (2), pp. 125-139, 1995.

OBJETIVO
Este estudo analisa, numa ótica econômica, as implicações da conservação de grandes áreas no
território Queniano. Neste sentido, os autores buscam estimar os custos de oportunidade
associados à conservação da biodiversidade nestas áreas e, a partir destas estimativas, fazer
uma comparação com o benefícios líquidos gerados pelas atividades compatíveis com a
conservação.
Em contraste com o extenso material existente a cerca dos benefícios da conservação da
biodiversidade, seu custo de oportunidade tem recebido relativamente menor atenção apesar
do conhecimento de sua importância (Dixon and Sherman, 1990; Pearce et al., 1993; e
Panayotou, 1994).
Comparando os custos de oportunidade com os benefícios da preservação é possível mensurar
a magnitude do “subsídio”31 do governo do Quênia para a manutenção da conservação no país.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
Os benefícios da conservação da biodiversidade em parques nacionais, reservas e áreas
florestais podem ser divididos segundo a abrangência que possuem. Certos benefícios limitam-
se ao âmbito local, outros apresentam impactos em nível nacional e existem os benefícios
globais que extrapolam as fronteiras nacionais.
Mais de 10% do território queniano encontra-se preservado de alguma forma , seja como
parque nacional, reserva ou floresta demarcada. Dada a existência de benefícios globais como a
proteção da biodiversidade ou o seqüestro do carbono pelas florestas, os autores colocam que
é inapropriada a forma como os custos de conservação vêm sendo repartidos, frente ao esforço
de preservação do Quênia.

RESULTADOS OBTIDOS
Segundo os resultados encontrados ao longo da pesquisa, o benefício líquido associado aos
usos diretos equivale a US$ 42 milhões, sendo US$ 27 milhões originários do turismo e os
outros US$ 15 milhões da silvicultura.
Por outro lado, calcula-se que o custo de oportunidade da conservação, que equivaleria ao
benefício líquido correspondente ao desenvolvimento potencial das áreas que se encontram
hoje preservadas, seria de US$ 203 milhões.
A conclusão extraída destes resultados, pelos autores, é de que o governo do Quênia está
subsidiando, anualmente a conservação em US$ 161 milhões. Sendo assim, enfatizam a
necessidade de transferências de renda do resto do mundo para o Quênia, de forma a garantir a
manutenção destas áreas conservadas e os benefícios globais gerados por elas.

31
No contexto, subsídio está se referindo aos benefícios financeiros que poderiam ser apropriados pelo Quênia,
caso as áreas florestais atualmente preservadas fossem convertidas.
Ronaldo Seroa da Motta - 57

METODOLOGIA
De modo geral, pode-se dizer que a conservação da biodiversidade é uma opção que se
contrapõe ao desenvolvimento econômico de uma determinada região. Uma característica
essencial das terras estatais demarcadas como parques, reservas ou florestas (terras PRF) para
a conservação da biodiversidade é a manutenção de sítios naturais com baixa intensidade de
atividades produtivas. Sendo assim, a opção de conservação trás consigo um custo de
oportunidade, decorrente das atividades econômicas que poderiam ser desenvolvidas na região.
No Quênia, as terras demarcadas como parques ou reservas são usadas predominantemente
para o turismo e as áreas de florestas são utilizadas basicamente para a silvicultura e a coleta
de produtos florestais não-madeireiros. Por outro lado, as terras não demarcadas como parque,
reserva ou floresta (terras não-PRF) são usadas para assentamento, agricultura e pecuária.
Do ponto de vista formal, o benefício líquido (BL) da conservação dos parques, reservas e
florestas no Quênia pode ser definido da seguinte maneira:

BLconservação = BLUso Direto + BLUso Indireto + BLNão-Uso - COConservação

onde os usos diretos se concentram basicamente no turismo e na silvicultura; os usos indiretos


poderiam ser, por exemplo, a proteção do solo e dos corpos d’água; os benefícios de não-uso
estão associados ao valor de existência; e COConservação representa o custo de oportunidade da
demarcação de terras para a conservação.
Devido às restrições colocadas pela base de dados disponível, foram feitas estimativas quanto
aos benefícios líquidos dos usos diretos e dos custos de oportunidade apenas para o ano base
de 1989.
Os autores assumem a hipótese de que, os benefícios líquidos do turismo e da silvicultura são
equivalentes aos seus respectivos retornos líquidos (RL), que podem ser estimados através das
diferenças entre as, respectivas, receitas brutas (RB) e os custos (C).

BLTurismo = RLturismo = RBTurismo - CTurismo

BLSilvicultura = RLSilvicultura = RBSilvicultura - CSilvicultura

Os custos de oportunidade da conservação de biodiversidade (OPConservação) são, por sua vez,


equivalentes aos benefícios líquidos decorrentes da produção potencial agrícola e pecuária
(“desenvolvimento potencial”) que não foram implantadas nas terras PRF do Quênia.

COConservação= BLDesenvolvimento Potencial


BLDesenvolvimento Potencial= RLDesenvolvimento Potencial
RBDesenvolvimento Potencial - CDesenvolvimento Potencial

Sendo assim, torna-se necessário para o cálculo do custo de oportunidade da conservação da


biodiversidade, a elaboração de estimativas quanto ao retorno líquido decorrente do
“desenvolvimento potencial”.
Particularmente, no caso do Quênia, este retorno líquido do “desenvolvimento potencial” está
associado à produção agrícola e à criação de animais. Entretanto, não se pode dizer que a
rentabilidade destas atividades seja a mesma ao longo do território queniano. Na realidade, a
produtividade está intimamente relacionada com as especificidades de cada solo. Por exemplo,
58 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

uma área com solo de boa qualidade e com intensidade de chuva satisfatória irá apresentar
maior produtividade que uma área de solo pobre e muito seca.
Tendo em vista o diferencial de produtividade das terras, Short e Gitu (1990) dividiram o
Quênia em seis zonas, segundo a elevação, a intensidade de chuva e a temperatura. Estes
parâmetros afetam diretamente a produtividade tanto da agricultura como da pecuária e a
divisão proposta cobre os gradientes climáticos dominantes no Quênia, do super-úmido ao
árido.
A Tabela 1 apresenta as características ambientais das zonas. Percebe-se que a elevação e a
intensidade de chuva vai decrescendo da zona super úmida para a zona árida, enquanto a
temperatura ambiente vai aumentando.
TABELA 1
CARACTERÍSTICAS AMBIENTAIS DAS ZONAS

Zona Elevação Chuva Temperatura Inclinação


(m) (mm) (o C) (%)
1:Super-úmida 2500 >2000 <15 9
2:Úmida 1700 1600 15-21 5
3:Sub-úmida 1400 1400 21-24 3
4:Transicional 1100 700 21-24 2
5:Semi-árido 700 600 24-31 2
6:Árido <700 400 >31 1

Short e Gitu (1990) também analisaram a distribuição das áreas ocupadas com parques e
reservas, com florestas demarcadas e com terras disponíveis para uso e cultivo nas diferentes
zonas. Dos 576 070 Km2 que compõem o Quênia, observa-se na Tabela 2 que 515 450 Km2
apresentam terras potencialmente disponíveis para a ocupação humana, agricultura e pecuária.
TABELA 2
ÁREA (KM2) E OCUPAÇÃO DAS ZONAS NO QUÊNIA

Zona Área total Parques e Florestas Disponível


reservas demarcadas para uso e
cultivo
Zona 1 2 240 350 1 210 680
Zona 2 22 290 1 030 2 050 19 210
Zona 3 70 440 1 980 6 170 62 290
Zona 4 94 860 9 500 1 630 83 730
Zona 5 163 050 23 590 6 520 132 940
Zona 6 223 190 4 970 1 620 216 600
Total 576 070 41 420 19 200 515 450
Ronaldo Seroa da Motta - 59

Os resultados encontrados para o retorno líquido da produção agrícola e da pecuária em cada


zona derivam-se das informações acerca: (i) da área de lavouras individuais e da densidade na
pecuária e (ii) dos custos e receitas observados nestas atividades produtivas.
Estas informações foram adquiridas a partir da matriz desagregada (PAM - “policy analysis
matrix”) de receitas, custos e retornos da atividade agricultura e pecuária, elaborada por
Monke e Pearson (1989). Os dados sobre o nível da receita das unidades rurais, apesar de
cobrirem os insumos fixos e intermediários - incluindo todos os custos diretos e indiretos -
além dos custos de oportunidade do capital variável, não fornecem informações completas
sobre os lucros líquidos porque os custos do solo são deixados de lado.
Os autores chegam aos valores da receita bruta e do retorno líquido de todas as lavouras e da
pecuária, para cada zona específica, multiplicando a área ocupada com lavouras e a densidade
da pecuária pelas receitas relevantes encontradas na matriz.
T ABELA 3
RECEITA BRUTA E RETORNO LÍQUIDO DA AGRICULTURA E
PECUÁRIA DENTRO DAS ÁREAS DISPONÍVEIS EM CADA ZONA

Zona Receita Bruta Retorno Líquido


($ /ha/ano) ($ /ha/ano)
Zona 1:Super-úmida 118,4 38,3
Zona 2: potencial alto 411,7 150,7
Zona 3:potencial médio 232,0 90,7
Zona 4:arável 149,4 54,2
Zona 5:pecuária extensiva 21,2 5,3
Zona 6:pastoreio 1,6 0,6

Ano base:1989 ; valores convertidos para 1989 US$ (US$ 1 = Ksh20,6)

Os valores encontrados para a zona 1 na Tabela 3 são relativamente baixos. Isto se justifica
pelo fato desta zona ser marcada por áreas de altas elevações com baixa temperatura
restringindo, assim, o uso da terra em grande parte às atividades florestais, com poucas áreas
de cultivo.
Na zona 2, encontram-se as áreas de maior potencial, abrigando grande parte das fazendas e
das pequenas propriedades de chá e café e a maior densidade de população rural e pecuária. A
metade das lavouras são orientadas para o mercado (“cash crops”). Uma grande densidade de
pequenos proprietários e de lavouras orientadas para o mercado também é observável na zona
3. Na realidade, estas duas zonas são as principais áreas cultivadas e potencialmente cultiváveis
do Quênia.
Na zona 4 encontram-se áreas relativamente marginais para o cultivo com poucas cash crops e
com receitas e retornos mais modestos. Já a zona 5 é, de modo geral, insustentável para a
atividade agrícola, mas sustentável para a pecuária extensiva. A última zona representa uma
vasta região árida sustentável apenas para o pastoreio.
Os autores chamam atenção para três pontos deficientes na Tabela 3. Em primeiro lugar, não
está incluída a produção de animais de pequeno porte, cuja importância para as pequenos
proprietários é relevante, todavia não havia dados confiáveis disponíveis. Além disto, não
foram incluídos os retornos líquidos associados aos recursos madeireiros. Sendo assim, pode-
60 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

se dizer que os valores agregados da receita bruta e do retorno líquido para cada zona estão,
sem dúvida, subestimados.

Custo de Oportunidade dos Parques, Reservas e Florestas (OCConservação)


Anteriormente, o custo de oportunidade dos parques, reservas e florestas foi definido como
sendo o benefício líquido que deveria ser gerado, caso as terras PRF fossem utilizadas para
produção agrícola e a pecuária, como as demais áreas do Quênia.
Este benefício líquido equivaleria ao retorno líquido, que pode ser deduzido através das
informações disponíveis na Tabela 2 e na Tabela 3. Bastando, apenas, multiplicar o total de
terras PRF em cada zona pelo retorno líquido médio estimado também para cada zona.
Além disto, as demais informações relativas as diferentes zonas permitem a realização de
estimativas quanto à receita bruta, à população, os hectares cultivados e à população bovina,
que poderia ser desenvolvida nas áreas onde se encontram as terras PRF.
Potencialmente, os parques, reservas e florestas do Quênia poderiam suportar 4,2 milhões de
Quenianos, 5,8 milhões de cabeças-de-gado e 0,8 milhões de hectares cultivados, gerando uma
receita bruta de US$ 565 milhões e um retorno líquido de US$ 203 milhões.
As estimativas apresentadas acima sintetizam o que se deixa de produzir potencialmente em
função da conservação destas áreas. Em termos mais precisos, o retorno líquido de US$
203 milhões representa o custo de oportunidade do Quênia de manter um conjunto de terras
PRF para a preservação da biodiversidade.
É importante perceber que as estimativas da receita bruta e do retorno líquido, que poderia ser
potencialmente gerado, foram elaboradas segundo a hipótese de que a conversão das terras
PRF e o conseqüente aumento da provisão de terras não afetariam negativamente as rendas.
Os autores justificam a adoção desta hipótese argumentando que o processo de conversão
seria gradual, ao invés de automático e também porque espera-se que a população rural
continue crescendo a uma taxa de 2,5% ao ano. As implicações destas hipóteses serão
trabalhadas na avaliação crítica.

Benefícios Líquidos da Conservação


A escala e a natureza dos benefícios da conservação são bastante diversificadas. Sendo assim,
torna-se apropriado um tratamento desagregado dos benefícios.
Neste contexto, os autores apresentam, como benefícios líquidos do usos diretos, o ecoturismo
e a silvicultura. No caso dos usos indiretos, analisaram resumidamente a magnitude do valor
potencial dos benefícios líquidos provenientes deles como, por exemplo, o seqüestro do
carbono e proteção dos corpos d’água e da erosão. Todavia, quantificar a magnitude dos
benefícios ecossistêmicos no Quênia esbarra no problema da insuficiência dos dados
disponíveis. Diante desta dificuldade e da subjetividade dos valores de não-uso, optaram por
mencionar os benefícios dos usos indiretos e do não-uso sem apresentar estimativas concretas.

ECOTURISMO
A partir de outros estudos, os autores colocam que o turismo gerou, aproximadamente,
US$ 419 milhões em 1989 e o típico visitante estrangeiro dispende no Quênia, em média, 14
Ronaldo Seroa da Motta - 61

dias: 6,1 noites em algum hotel costeiro, 1,9 noites num hotel de Nairobi, 1,1 noites num
parque-de-caça32 e 4,9 noites em outras localidades.
Genericamente, o turismo no Quênia é um bem composto, tornando-se assim necessário isolar
os componentes do ecoturismo para se estimar os benefícios líquidos do turismo derivado das
terras PRF.
Sinclair (1990) sugere que 26% do turismo está diretamente relacionado a vida selvagem e
outros 27% estão correlacionados indiretamente. Os autores optam por adotar a hipótese de
que 50% das receitas do turismo podem ser atribuídas diretamente aos parques e reservas de
vida selvagem.
Devido a escassez de dados mais recentes, as informações relativas à lucratividade do turismo
foram coletadas das pesquisas realizadas pela “Economist Intelligence Unit” (EIU) de 1970.
Os autores afirmam que as receitas e os custos seriam, de modo geral, da mesma ordem de
magnitude do ano deste estudo, após o ajuste, a inflação e as mudanças na taxa de câmbio.
O estudo da EIU encontrou uma taxa de retenção de moeda estrangeira de 82,4%, sugerindo
um retorno no capital de 12-13%. Entretanto, frente a persistente sobre-valorização da moeda
queniana, conseqüência da escassez de divisas, o estudo da EIU argumentou a favor da
utilização de uma taxa prêmio sobre os gastos líquidos de moeda estrangeira (TPME) de 20%.
O cálculo dos retornos gerados pelo turismo devem levar em consideração o fato de que o
capital poderia ser investido em uma outra atividade qualquer, ou seja, existe um custo de
oportunidade associado ao uso do capital. Os autores argumentam que estimativas realizadas
no início dos anos 80 apontam para um retorno real bruto do capital no setor formal da
economia queniana de 15%. Entretanto, optaram por utilizar neste estudo um custo de
oportunidade de 12,5%, como uma medida conservadora.
T ABELA 4
RECEITA BRUTA E RETORNO LÍQUIDO DO ECOTURISMO (US$ )

custo de oportunidade do capital (12,5% a.a) (a) $58,2 m


receita bruta do turismo-1989 (b) $419,0 m
parcela atribuída ao ecoturismo - 50% (b) x 0,50 = (c) $209,5 m
retenção de moeda estrangeira - 82,4% (c) x 0,824 = (d) $173,0 m
excedente operacional - 30% da moeda estrangeira retida (d) x 0,30 = (e) $51,9 m
retorno líquido do ecoturismo - sem TPME (e) - (a) = (f) (-$6,3 m)
taxa prêmio sobre moeda estrangeira (TPME) - 20% (d) x 0,20 = (d) $34,6 m
retorno líquido do ecoturismo - com TPME (f) + (d) = (h) $27,2 m
SILVICULTURA
Apesar da dificuldade encontrada na coleta de dados sobre os custos e benefícios provenientes
das florestas, calcula-se que, em 1989, o valor total da contribuição da silvicultura para o PIB
foi de US$ 148 milhões (GOK, 1992).
Deste total, estima-se que o setor não-monetário tenha sido responsável por US$ 57,5 milhões.
Este setor capta basicamente a lenha coletada pela população e o seu valor reflete o custo de
oportunidade do trabalho despendido. O setor monetário, por sua vez, engloba o valor gerado
pela silvicultura (incluindo os custos com trabalho e com as maquinarias para a derrubada das

32
Denominado de “Gamepark” em língua inglesa.
62 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

árvores) e os “royalties” do Depatamento Florestal do Quênia (DFQ). Somando as receitas do


setor monetário, chega-se a US$ 90,57 milhões.
Os autores destacam a ineficiência econômica observada no “Departamento Florestal do
Quênia” (DFQ) e colocam a sua dificuldade em coletar os “royalties” que deveriam ser
recolhidos. No final da década de 80 os “royalties” de extração da madeira no Quênia eram,
aproximadamente, 12% dos dos verdadeiros custos de reposição. Sendo assim, não causa
surpresa o fato do departamento de floresta ter incorrido numa perda líquida de
US$ 15 milhões.
Supondo que fosse manejada de forma eficiente, espera-se que a silvicultura gerasse um
excedente após compensação de todos os custos. Segundo os autores, por exemplo, se o DFQ
alcançasse a lucratividade equivalente ao do setor privado, entre 42 e 52%, apenas nas
operações de beneficiamento e simplesmente cobrisse os custos nas outras operações, seu
lucro anual poderia alcançar US$ 4 milhões.
TABELA 5
RECEITA BRUTA E RETORNOS LÍQUIDOS DA SILVICULTURA
(ANO BASE - 1989)

Receita monetária bruta US$ 90,7m


Receita não-monetária bruta US$ 57,5m
Receita total US$ 148,2m
Lucros estimados (máximos) 10%
Retornos líquidos da Silvicultura US$ 14,8m

Os autores deduzem que a silvicultura provavelmente não gera um excedente líquido e existe
uma grande probabilidade de que haja uma perda líquida. Entretanto, apontam o valor de
US$ 15 milhões (ver Tabela 5), como uma estimativa plausível dos retornos das terras
silvícolas no Quênia.

RESULTADOS
A partir das análises realizadas para o turismo e para a silvicultura, os autores consideram que
o benefício líquido associado aos usos diretos pode ser representado na seguinte expressão:

BLUso Direto = BLTurismo + BLSilvicultura

= $ 27 m + $ 15 m = US$ 42 milhões

Por outro lado, calcula-se que o custo de oportunidade da conservação das terras PRF seria:

Coconservação = Bldesenvolvimento Potencial = US$ 203 milhões

Dado que os autores consideraram, na época do estudo, inviável a elaboração de estimativas


realistas dos benefícios líquidos dos valores de uso indireto ou do valor de existência, calcula-
se que o benefício líquido da conservação seria:

BLConservação = $ 42 m + [BLUso Indireto + BLNão Uso] - $ 203 m

= - US$ 161 milhões


Ronaldo Seroa da Motta - 63

Isto mostra que os benefícios correntes de US$ 42 milhões provenientes do ecoturismo e da


silvicultura são nitidamente insuficientes para compensar o custo de oportunidade de privar
estas terras do desenvolvimento. Os autores reforçam que o Quênia pode estar perdendo cerca
de US$ 161 milhões a cada ano, que seria gerado com o desenvolvimento, isto equivale a
2,2% do PIB (US$ 7 234 milhões em 1989).
Em suma, o governo do Quênia está subsidiando as atividades de conservação em
US$ 161 milhões todos os anos (preços de 1989). Tendo em vista que os benefícios globais do
esforço de conservação do Quênia certamente compensam os custos, torna-se necessária uma
revisão da distribuição destes custos.
Segundo os autores, caso não haja uma transferência de recursos para o Quênia, no sentido de
amenizar seus custos de conservação, é possível que haja, no futuro, uma forte pressão
econômica para a conversão das terras PRF. Se os países desenvolvidos esperam que um país
como o Quênia mantenha grandes áreas preservadas, devem estar dispostos a contribuir para
isto. Na realidade, esta contribuição se justifica como uma compensação pelos benefícios do
resto do mundo pela continuação da existência da fauna, da flora e de habitats ainda não
perturbados naquele país.

AVALIAÇÃO CRITICA
Este estudo é bastante didático em sua apresentação das parcelas revelantes para a realização
de uma análise custo-benefício da conservação e na demostração de que cada parcela exige um
esforço específico de valoração. Alguns pontos mencionados no estudo devem ser destacados.
Em primeiro lugar, os benefícios ambientais possuem abrangências distintas, sendo alguns mais
difusos que outros. Nesse sentido, deve-se identificar quais são os benefícios e quem se
apropria destes. Além disto, supondo que a conservação é desejável do ponto de vista social, é
importante ter em mente que esta opção implica em custos que devem ser mensurados e ainda
se concentrar na busca de formas para repartir estes custos entre os diferentes atores que
usufruem dos benefícios da conservação.
Quantos aos aspectos metodológicos na elaboração das estimativas do custo de oportunidade,
os autores assumem que o processo de conversão seria gradual e que a população rural
continuaria crescendo a uma taxa de 2,5% ao ano. Percebe-se que os autores negligenciam
estas hipóteses quando estimam o custo de oportunidade dos parques, reservas e florestas
simplesmente multiplicando o total de terras PRF pelo retorno líquido médio de cada zona.
Tendo em vista as hipóteses adotadas, seria necessária a realização de uma projeção do ritmo
de conversão e a utilização de uma taxa de desconto sobre os possíveis retornos futuros
associados ao desenvolvimento potencial.
Outro aspecto importante a ser destacado refere-se ao procedimento adotado no cálculo do
benefício líquido da conservação cujo valor encontrado é negativo e considerado como um
subsídio incorrido pelo governo queniano. O benefício líquido, tanto do não-uso como dos
usos indiretos, não foi incorporado ao cálculo, apesar de mencionado como relevante. Este
fato, justificado pela escassez de dados, leva inevitavelmente a uma subestimação do benefício
líquido da conservação.
Ronaldo Seroa da Motta - 65

ESTUDO DE CASO 2

PROJETO DO RESERVATÓRIO DE NAM PONG NA TAILÂNDIA

In: Srivardhana, R. The Nam Pong water resources project in Thailand. In: Dixon, J.A. e
Hufschmidt, M.M. Economic Valuation Techniques for the Environment, A Case Study
Workbook.The John Hopkins University Press, Washington, 1986.
Analisado por: Gustavo Marcio Gontijo Albergaria
Recurso ambiental: corpos d’água a montante do Reservatório de Nam Pong.
Objetivo: análise de custo-benefício
Metodologia:
Valor estimado Método utilizado
valor de uso relativo aos ganhos produtividade marginal
associados ao gerenciamento dos corpos
d’água

Interesse empírico:
• estimativa de perdas físicas e econômicas da erosão do solo.
• dificuldades na especificação da função dose-resposta.
66 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

PROJETO DO RESERVATÓRIO DE NAM PONG NA TAILÂNDIA


In: Srivardhana, R. The Nam Pong water resources project in Thailand. In: Dixon, J.A. e
Hufschmidt, M.M. Economic Valuation Techniques for the Environment, A Case Study
Workbook.The John Hopkins University Press,Washington, 1986.

Objetivo
O projeto do reservatório de Nam Pong, localizado no nordeste da Tailândia, foi implantado
com três propósitos: geração de energia elétrica, fornecimento de água para irrigação e
redução das fortes enchentes a montante da represa de Ubolratana. Uma conseqüência
secundária da construção do reservatório foi a implantação de uma indústria pesqueira.
Em 1966, com a construção da represa Ubolratana, somente pequenas enchentes ocorreram
nas regiões de terras baixas. Mas a partir de 1978, severas enchentes afetaram estas regiões a
jusante, invadindo terrenos e expulsando moradores para áreas vizinhas. Como conseqüência
de tais fatos, a redução dos riscos de novas cheias e enchentes tornou-se uma das
preocupações principais dos administradores locais.
O cumprimento dos propósitos originais do projeto gerou interações físicas, biológicas e
sócio-econômicas não-previstas e levaram a vários problemas de gerenciamento. Porém, neste
estudo de caso, a problemática em foco é de ordem ambiental: a grande erosão nas áreas a
montante do reservatório , ponto onde nos deteremos.
Neste sentido, o objetivo especifíco deste estudo de caso é analisar os aspectos econômicos da
implementação de um plano de gerenciamento para controle da erosão a montante do
reservatório principal do Projeto de Nam Pong. Este plano baseia-se na preservação das
florestas remanescentes, no reflorestamento de áreas de alto potencial erosivo e introdução de
medidas para conservação do solo em áreas agrícolas. A questão em análise é saber se os
benefícios do gerenciamento do uso do solo na área do projeto compensariam os custos
incorridos com o mesmo.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
A Bacia do Rio Nam Pong cobre uma área de 15 mil km2, na região nordeste da Tailândia.
Trata-se de uma das muitas sub-bacias da Bacia Mekong. O arroz é cultivado em grande parte
das terras baixas e há alta ocorrência de enchentes na época da chuva.
As áreas vizinhas ao corpo d’água ficaram sujeitas a um intenso crescimento populacional
devido ao início do funcionamento da represa. Tal crescimento acelerado gerou uma demanda
excessiva sobre os recursos da área, principalmente sobre as florestas e o solo. O rápido
deflorestamento resultou em uma erosão acentuada, levando à sedimentação no reservatório,
com conseqüentes efeitos negativos sobre a geração de energia, irrigação, controle das
enchentes e produção pesqueira.
A qualidade da água que flui no reservatório é também bastante afetada pela ocupação e
desmatamento destas áreas próximas ao corpo d’água. Primeiramente, pela prática da
queimada, que torna a água altamente alcalina. Segundo pelas novas tecnologias agrícolas
demandantes de fertilizantes químicos e pesticidas que têm seus resíduos carregados
inadvertidamente para o reservatório onde se misturaram à água que será reutilizada para
irrigação e outros propósitos.
Ronaldo Seroa da Motta - 67

RESULTADOS OBTIDOS
Este estudo utiliza a técnica de valoração da produtividade marginal. Neste sentido, foram
construídos dois cenários. No Cenário 1 não há interferência no processo de erosão corrente,
enquanto que no Cenário 2 existe um processo de gerenciamento dos corpos d’água com a
intenção de atenuar a erosão dos solos vizinhos.
A conclusão que se chega ao final da análise dos dois cenários é que, embora o Cenário 2
supere em muito o Cenário 1, em termos de benefícios brutos (US$ 614 milhões contra
US$ 518 milhões, em valores de 1982), quando deduzidos os custos com os planos de
gerenciamento, o Cenário 1 torna-se mais favorável (US$ 518 milhões contra US$ 478 milhões
do Cenário 2).

METODOLOGIA
Este estudo atém-se apenas aos efeitos da erosão no corpo d’água a montante do reservatório.
A atividade humana na região do reservatório, aliada aos processos naturais como a chuva,
gera a erosão do solo. O solo erodido é transportado até o reservatório e, com o aumento de
sedimentação, vem a redução da capacidade de estocagem do reservatório.
Esta queda na capacidade de estocagem do reservatório implica numa redução dos benefícios
econômicos por ele gerados. Neste trabalho, os autores enfocam apenas a variação nos
benefícios considerados na elaboração do projeto: a geração de energia; a provisão de água
para irrigação; o controle de enchentes; e também a produção pesqueira.
Como a erosão afeta a produtividade das atividades apontadas acima, os autores adotaram a
técnica de análise da produtividade marginal, enfocando o impacto da erosão na magnitude dos
benefícios destas atividades.
O primeiro passo adotado no processo de valoração, pela análise da produtividade marginal,
foi a elaboração de uma função dose-resposta capaz de correlacionar a erosão do solo com um
grande número de variáveis representativas do tipo e uso do solo. Neste caso, utilizou-se para
o cálculo das taxas anuais de erosão a Equação Universal de Perda de Solo, que é bastante
difundida na literatura. Neste contexto, a perda anual de solo por unidade de área é função de
fatores, como por exemplo: densidade pluviométrica, erosão do solo, ângulo de inclinação do
solo, gerenciamento das colheitas e controle das erosões. A perda anual total do solo é
estimada pela multiplicação da unidade de área de perda de solo (por cada tipo de uso de terra)
pela área total.
A quantidade de material erodido que é depositado no reservatório, por sua vez, é função da
perda de solo anual carreada da região a montante (E), da erosão dos canais (C), da ocupação
do leito (B) e da taxa de despejo de sedimentos (R). Ou seja, a magnitude da sedimentação
anual do reservatório (S) pode ser representada como:

S = (E + C + B) R

As perdas econômicas anuais resultantes da sedimentação do reservatório, por sua vez, serão
estimadas a partir da redução do nível do reservatório que afeta a capacidade de geração de
energia elétrica, controle de enchentes, produção pesqueira e o volume de água para irrigação.
Por razões técnicas, os autores extrapolaram as taxas de erosão, de maneira realista, mas
sintética, através do cálculo de uma média de várias áreas da região de Nam Pong. E ainda
para simplificar o problema, foi omitida a Equação Universal de Perda do Solo, utilizando-se
taxas compostas de erosão para a região como um todo.
68 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Os resultados obtidos podem ser vistos na Tabela 1. Na falta de um gerenciamento de corpos


d'água, as taxas de erosão tenderiam a aumentar (de 40 /ha/ano para 80 /ha/ano) pelos
próximos 50 anos (período utilizado na análise por ser suficiente longo para capturar todos os
benefícios e custos). Com um plano de gerenciamento adequado, a taxa de erosão tenderia a
decrescer de 40 /ha/ano para 30 /ha/ano, mantendo-se constante, neste patamar, pelos
próximos 50 anos.
Depois de calculadas as taxas de erosão, através da função dose-resposta, o passo seguinte é a
determinação do impacto da sedimentação no reservatório. A mensuração deste baseia-se no
seguinte procedimento: a taxa de erosão anual é multiplicada pela área do corpo d'água
(1.250.000). O produto desta operação é multiplicado pelo fator de erosão dos canais (1,56) e
pela taxa de despejo do sedimento (0,2). O resultado, em toneladas, é convertido em m3
(multiplicando-o por 0,67). Assumindo que a capacidade efetiva de armazenamento
(1,650 milhões de m3) é afetada em apenas 75% do volume de sedimentos, o produto final
encontrado acima deve ser multiplicado por 0,75, tendo-se assim a redução efetiva na
capacidade de armazenamento do reservatório em função da erosão a jusante.
Portanto, dada a capacidade efetiva de armazenamento inicial (1983) de 1650 milhões de m3 e
mensurando as reduções na capacidade para um período de 50 anos, através dos parâmetros
apresentados acima, chega-se a capacidade efetiva remanescente do reservatório.
Adotando a hipótese de que o benefícios anuais brutos são uma função linear da capacidade
efetiva de armazenamento, especificada de acordo com a expressão abaixo, podem ser feitas
estimativas de como os benefícios brutos variam ao longo do tempo para cada um dos cenários
(ver Tabela 1).
B = 300 - d (c - y) ou
B = 300 - (0,2)*(redução acumulada na capacidade efetiva)
Onde:
B são os benefícios anuais brutos; d é a taxa de despejo do sedimento; c é a capacidade efetiva
ótima do reservatório; e y é a capacidade remanescente de armazenamento. Logo (c - y) =
(redução acumulada na capacidade efetiva)

Observa-se, na expressão acima, que o reservatório gera benefícios brutos anuais de 300
milhões de baht quanto a capacidade de armazenamento efetiva ótima não é alterada pela
sedimentação. Quando aumenta a sedimentação, a capacidade de armazenamento é prejudicada
e, então, ocorrem perdas na produtividade das atividades relacionadas com o reservatório.
Estas perdas ficam evidentes nos valores encontrados na Tabela 1.
Ronaldo Seroa da Motta - 69

T ABELA 1
TAXA DE EROSÃO ANUAL, REDUÇÕES NA CAPACIDADE ÓTIMA E
BENEFÍCIOS ANUAIS BRUTOS NO RESERVATÓRIO DE NAM PONG

Cenário 1 (Sem Gerenciamento) Cenário 2 (Com Gerenciamento)


Item/Ano 0 1 5 10 50 0 1 5 10 50
Taxa de erosão 40 44 60 80 80 40 39 35 30 30
anual (tons/ha)
Redução anual na 0 8,6 11,8 15,7 15,7 0 7,6 6,9 5,9 5,9
capacidade ótima a
Redução 0 8,6 51,0 121,2 748,4 0 7,6 36,3 67,6 302,8
acumulada na
capacidade ótima a
Benefícios anuais 300,0 298,3 289,9 275,8 150,3 300,0 298,5 292,8 286,5 239,4
brutosb
a
Em 106 m3 .
b
Em milhões de baht.

RESULTADOS
Partindo das estimativas do benefício bruto apresentadas na Tabela 1, tratou-se de calcular o
valor presente destes benefícios para uma taxa de desconto de 0, 6 e 10%. Usando as três
taxas de desconto, o valor presente total (no período de 50 anos) dos benefícios brutos é
11.398 x 106 baht para uma taxa de desconto de 0%, 4.095 x 106 baht para 6% e 2.701 x 106
baht para 10% (Tabela 2).
Em posse do valor presente dos benefícios brutos, torna-se necessário apenas deduzir os
custos de gerenciamento para a obtenção dos benefícios líquidos. Não existirão custos para o
Cenário 1, que não utiliza nenhum tipo de gerenciamento, enquanto que os custos para o
Cenário 2 são estimados, como mostra a Tabela 2 abaixo, em 100 milhões de baht
(US$ 4,54 milhões em 1982) para os primeiros dez anos e 50 milhões de baht
(US$ 2,27 milhões em 1982) para os próximos quarenta.
Os benefícios anuais brutos dos custos de gerenciamento foram assim estimados em: 13.517 x
106 baht para 0%, 4.431 x 106 baht para 6% e 2.837 x 106 baht para uma taxa de 10%. Os
benefícios líquidos, deduzidos os custos de gerenciamento dos corpos d'água dos benefícios
brutos, são (em 106 baht) de: 10,517 para a taxa de desconto de 0%, 3,275 para uma taxa de
6% e 2,034 para a taxa de 10%.
Comparando os dois cenários, observa-se que o Cenário 2 tem maiores benefícios brutos que o
Cenário 1, mas quando subtraídos os custos de gerenciamento, o Cenário 1 apresenta maiores
benefícios líquidos em todas as três taxas de desconto.
70 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 2
6
V ALOR P RESENTE DOS BENEFÍCIOS PARA O RESERVATÓRIO DE NAM PONG (10 BAHT)

Cenário 1 Cenário 2
(Sem Gerenciamento) (Com Gerenciamento)
tx. De desconto 0% 6% 10% 0% 6% 10%
ano 1 298,28 281,40 271,17 298,47 281,58 271,34
ano 5 289,81 216,58 179,94 292,75 218,77 181,77
ano 10 275,77 153,99 106,31 286,48 159,97 110,44
ano 50 150,33 8,16 1,28 239,43 13,00 2,04
Benefício Bruto Total 11.397,99 4.094,78 2.701,23 13.516,96 4.430,55 2.837,34
Custos de Gerencia-mento 0 0 0 3.000,00 1.156,00 803,00
Benefícios Líquidos 11.397,99 4.094,78 2.701,23 10.516,96 3.274,55 2.034,34

Em resumo, os resultados destes estudos indicam que os benefícios líquidos do Cenário 1


superam os do Cenário 2, caso mantenham-se os custos originais propostos para o projeto.
Desse modo, o plano de gerenciamento do Cenário 2 somente seria viável se seus gastos
fossem reduzidos.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Em primeiro lugar, este estudo tem como unidade de análise uma bacia hidrográfica e busca
correlacionar os efeitos do padrão de uso do solo realizado a montante com a produtividade de
atividades localizadas a jusante. Neste sentido, o plano de gerenciamento de uso do solo é
viável se a diminuição das perdas compensam os custos do gerenciamento. Trata-se de um
exemplo típico de uma das formas que a valoração econômica pode ser utilizada na alocação
de investimentos para a preservação de determinadas regiões.
Entretanto, a análise realizada no estudo não pode ser considerada conclusiva. Muitos
benefícios decorrentes do plano de gerenciamento do solo não foram incluídos neste estudo,
tais como: produção agrícola, prolongamento da vida do reservatório e as mudanças na
qualidade da água. Desta forma, os benefícios relacionados ao gerenciamento de corpos d'água
podem ser tomados como valores mínimos e, portanto, os resultados de viabilidade do Cenário
2 estão certamente subestimados.
Deve-se ter cuidado com a extrapolação de dados das taxas de erosão, com base em pesquisas
de solo de algumas áreas, para a região total do estudo. Nesse caso, se a função dose-resposta
não for extremamente bem estipulada e apurada, o viés na análise pode ser significativo.
Ronaldo Seroa da Motta - 71

ESTUDO DE CASO 3

O CASO DO LAGARTO ANOLIS NAS ANTILHAS

In: Narain, Urvashi e Fisher, Anthony. Modelling the value of biodiversity using a production
function approach: the case of the Anolis lizard in the Lesser and Greater Antilles. In: Perrings
C.A. et al. (eds.). Biodiversity Conservation, pp 115-125, Kluwer Academic Publishers,
Dordrecht, 1995.
Analisado por: José Ricardo Brun Fausto
Recurso ambiental: serviço ambiental provido pelo lagarto Anolis
Objetivo: estimativa de benefício ambiental
Metodologia:
Valor estimado Métodos utilizado
valor de uso do controle de pragas na produtividade marginal
agricultura devido a presença do lagarto
Anolis

Interesse empírico:
• abordagem de um valor de uso da biodiversidade.

• evidência das etapas e dificuldades associadas à construção de funções de produção e dose-


resposta.
72 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

O CASO DO LAGARTO ANOLIS NAS ANTILHAS


In: Narain, Urvashi e Fisher, Anthony. Modelling the value of biodiversity using a production
function approach: the case of the Anolis lizard in the Lesser and Greater Antilles. In: Perrings
C.A. et al. (es.). Biodiversity Conservation, p. 115-125, Kluwer Academic Publishers,
Dordrecht, 1995.

OBJETIVO
Este estudo apresenta, através de um exemplo, um caso de como a biodiversidade participa do
sistema produtivo. Especificamente, analisa o papel que um determinado serviço ambiental,
provido pela biodiversidade, desempenha nas funções de produção agrícolas nas Antilhas. Na
realidade, trata-se de estimar qual seria o valor econômico deste serviço ambiental, ou seja,
busca-se mensurar e atribuir um valor de uso à biodiversidade.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
Na região das Antilhas, observa-se a presença dos lagarto Anolis. A preservação destes répteis
é de extrema importância para as culturas agrícolas praticadas nas Antilhas como a cana-de-
açúcar, a banana e o cacau. Esta importância decorre do papel desempenhado pelo lagarto
Anolis na cadeia alimentar, onde atuam como predador natural de pestes que prejudicam a
agricultura exportadora. Sendo assim, os lagartos contribuem para o controle de pragas e,
conseqüentemente, reduzem os custos de cultivo através da redução da demanda por
pesticidas. Este controle de pragas representa um serviço ambiental que, em última instância, é
provido pela biodiversidade existente nos ecossistemas das Antilhas.

RESULTADOS OBTIDOS
Foram construídas funções de produção para a banana, cacau e açúcar (principais produtos
produzidas na região) e, então, tratou-se de selecionar aquelas que apresentavam o “melhor
ajuste” do ponto de vista estatístico. Selecionadas as funções de produção, os autores
apresentam algumas hipóteses sobre o comportamento da função dose-resposta,
correlacionando a população do lagarto com o intercepto da função de produção.
Para uma queda de 1% na população do lagarto Anolis, supõe-se que haja um deslocamento
de 1000% no intercepto da função de produção de acúcar em Trinidad & Tobago. Tal
variação levaria a uma redução de 2420 toneladas (T) na produção, significando uma perda de
US$ 670 mil, dado o preço internacional do açúcar de US$ 277/T praticado em 1990 na bolsa
de Nova Iorque.

METODOLOGIA
Num primeiro momento, este estudo de caso tinha como objetivo enfocar apenas as Pequenas
Antilhas. Todavia, diante da limitada disponibilidade de dados para as Pequenas Antilhas, os
autores optaram em estender o escopo do estudo, incluindo todas as ilhas das Grandes
Antilhas. Isto foi possível devido às similaridades - ecológicas e de práticas agrícolas -
observadas nas ilhas do Caribe.
Os países incluídos neste estudo - Barbados, Cuba, República Dominicana, Haiti, Jamaica e
Trinidad & Tobago - apresentam configurações econômicas onde observa-se uma grande
importância do setor exportador de produtos primários como cana-de-açúcar, banana e cacau.
Ronaldo Seroa da Motta - 73

O lagarto Anolis, atuando como predador de pestes que afetam negativamente a produtividade
destes produtos agrícolas, exerce um serviço econômico passível de valoração. Este serviço
pode ser interpretado como uma melhoria na qualidade do solo e, conseqüentemente, como
uma variação positiva na produtividade.
Como foi mencionado anteriormente, os autores classificam o serviço ambiental desempenhado
pelo lagarto Anolis como sendo um valor de uso da biodiversidade, cujo reflexo no sistema
produtivo seria a redução da demanda por pesticidas. Para tal, mostrou-se apropriada a
aplicação do método da produtividade marginal cuja característica básica é justamente
mensurar o impacto no sistema produtivo de uma variação marginal na provisão de um bem
ambiental.
O primeiro passo para a aplicação do método consistiu na construção das funções de produção
para as culturas agrícolas. Este processo baseia-se fundamentalmente na utilização de
instrumentos econométricos.
As funções de produção foram estimadas ignorando o papel desempenhado pelos lagartos.
Diante das restrições impostas pela disponibilidade de dados, a quantidade de produto foi
estimada como sendo uma função do trabalho, do capital e dos fertilizantes, apenas.
Partindo das funções de produção encontradas, buscou-se mensurar o possível impacto que
seria causado por uma mudança na provisão do serviço ambiental desempenhado pelos
lagartos Anolis. Esta mudança na provisão foi especificada como uma redução hipotética na
população dos lagartos Anolis e, então, tratou-se de estimar as variações esperadas na função
de produção.
No caso específico deste estudo, o impacto da redução na população foi modelado como uma
variação no intercepto da função de produção, refletindo, assim, um declínio na qualidade
original do solo33.
De posse das funções de produção e sabendo como uma variação marginal na população dos
lagartos afeta o intercepto da função, o processo de valoração é extremamente simples. Basta
multiplicar a variação observada na produção da mercadoria agrícola pelo preço unitário do
produto e, então, o resultado obtido representa o valor da perda na produção.
Após esta breve explicação sobre os procedimentos adotados no estudo de caso, torna-se
oportuna uma análise mais detalhada de cada etapa do processo de valoração.
A primeira etapa foi marcada pela elaboração de modelos econômicos baseados nos
instrumentos analíticos da teoria da produção, tendo com objetivo a construção de uma função
de produção capaz de captar a relação entre a quantidade de mercadorias produzidas e os
insumos utilizados. Os autores definem a função de produção agrícola da seguinte forma:

Y = f(L, K, F)

onde:
Y = produto agrícola
L = trabalho
K = capital
F = fertilizantes

33
O intercepto, constante de uma função, pode ser gráficamente visualizado como a interseção de umacurva no
eixo das ordenadas.
74 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Diante da falta de informações sobre a forma funcional apropriada da função de produção,


foram analisadas três formas funcionais diferentes - linear, Cobb-Douglas e quadrática. Cada
uma destas três formas funcionais apresentam hipóteses distintas sobre o comportamento da
função de produção.
(1) Linear
(a) Y = B1 + B2L + B3K + B4F + E1
[cana-de-açúcar]
(b) Y = D1 + D2L + D3F + E2
[cacau/banana]
(2) Quadrática
(a) Y = B1 + B2L + B3K + B4F + B5L2 + B6K2 + B7F2 + B8LK + B9LF + B10FK + E3
[cana-de-açúcar]
(b) Y = D1 + D2L + D3F + B4L2 + D5F2 + D6LF + E4
[cacau/banana]
(3) Cobb Douglas (na forma log normal)
(a) lnY = lnB1 + lnB2L + lnB3K + lnB4F + lnE5
[cana-de-açúcar]
(b) lnY = lnD1 + lnD2L + lnD3 F + lnE6
[cacau/banana]
As variáveis Y, L, K e F foram previamente definidas. O termo Ei , por sua vez, representa o
erro aleatório existente em qualquer função estatística.
Até este momento nada pode ser dito sobre a forma funcional apropriada para cada uma das
culturas abordadas. Neste sentido, as equações - quadrática, Cobb -Douglas e linear - foram
regredidas para os três produtos - açúcar, cacau e banana - em cada um dos países. Isto
significa que foram feitas regressões para cada uma das bases de dados dos produtos agrícolas
em todos os países.
De posse destes resultados, buscou-se avaliar quais eram as equações que apresentavam os
resultados estatísticos mais expressivos. A decisão sobre a forma funcional apropriada da
função de produção, ou seja, aquela que apresenta o “melhor ajuste” em relação a base de
dados, foi tomada a partir da análise dos resultados econométricos encontrados (ver Tabela 1).
A principal fonte de dados para este trabalho foram os documentos anuais publicados pela
“Food and Agricultural Organization of the United Nations” (FAO/UN) sobre a produção
mundial. Como suplemento a estes dados, foram analisadas as publicações anuais da
“Economics Commission for Latin America and the Caribbean” (ECLA).
A partir destas fontes, foi possível a coleta de dados para cada uma das seis ilhas abrangendo:
a área total cultivada; área cultivada com cana-de-açúcar, banana e cacau; mão-de-obra total
empregada na agricultura; número total de tratores utilizados na agricultura; quantidade total
de fertilizante utilizada também na agricultura e o total da produção agrícola. Estas
informações permitiram a construção de séries temporais, relativas as observações anuais de
1969 até 1988 para as variáveis relevantes das seis ilhas.
Segundo os autores, a natureza genérica das informações disponíveis para este trabalho
diminuiu sua significância prática, mas não seu valor metodológico. Um problema imediato da
base de dados foi a separação das funções de produção específicas de cada produto agrícola
Ronaldo Seroa da Motta - 75

das informações disponíveis, em nível agregado, para toda a agricultura. O problema foi
tratado recorrendo a duas hipóteses:
(i) a produção de cacau e banana não requerem o uso de tratores, e, conseqüentemente, o fator
capital não entra como uma variável explicativa nas respectivas funções de produção;
(ii) a quantidade de insumos - trabalho (L), fertilizantes (F) e trator (K) - por unidade de solo é
idêntico para cada cultura.
A segunda hipótese é apontada pelos autores como sendo especialmente restritiva e, com isto,
reduz consideravelmente as implicações políticas que poderiam derivar deste trabalho. A
quantidade utilizada de insumos - trabalho, fertilizante e trator - no processo produtivo de uma
determinada cultura foi obtida através da ponderação da quantidade total demandada de cada
insumo pela proporção da área total ocupada pela cultura enfocada.
As regressões foram computadas por cultura e por país para cada uma das três possíveis
formas funcionais. Em seguida, adotando o critério do “melhor ajuste”, foram selecionadas as
“melhores” estimativas para a função de produção. Este processo baseou-se na análise das
possíveis formas funcionais e dos dados de cada ilha, de forma que fosse selecionada uma
função de produção para cada uma das três culturas - cana-de-açúcar, banana e cacau.
As funções de produção selecionadas foram, então, utilizadas para imputar o valor econômico
do lagarto Anolis. Esta valoração buscou associar, em termos probabilísticos, uma queda de X
por cento na população do réptil com um deslocamento de Y por cento no intercepto das
funções de produção estimadas. Partindo da estimativa do deslocamento no intercepto, chega-
se ao valor da perda na produção total que, multiplicado pelo preço da “commodity” no
mercado internacional, reflete o valor econômico do lagarto Anolis.
Neste cálculo está sendo adotada, implicitamente, a hipótese de que a variação na produção
não afeta os preços. No caso específico das Antilhas, trata-se de uma hipótese plausível, visto
que a contribuição da produção individual - de cana-de-açúcar, banana e cacau - das ilhas é
relativamente pequena diante da produção mundial.

RESULTADOS
Seguindo os critérios apresentados na parte metodológica, observa-se que a equação, com
forma funcional quadrática para os dados de Trinidad & Tobago, apresenta o “melhor ajuste”
associado a função de produção do açúcar (Tabela 1 ). No caso do cacau, o “melhor ajuste”
foi obtido na função quadrática com os dados relativos à Cuba. Para a banana, o “melhor
ajuste” também foi encontrado em Cuba, entretanto, neste caso com a forma funcional linear.
76 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 1
RESULTADO ESTATÍSTICO DOS MODELOS

Função Quadrática Cobb-Douglas Linear


2 2 2 2 2
País Cultura R R ajust DW R R ajust DW R R2ajust DW
Barbados Açúcar 0,79 0,62 0,90 0,36 0,16 1,80 - - -
Cuba Açúcar 0,93 0,84 1,25 0,63 0,53 2,00 - - -
Cacau 0,72 0,58 2,07 0,23 0,08 1,80 0,11 -0,67 1,90
Banana 0,79 0,69 1,40 0,12 -0,06 1,50 0,75 0,70 1,50
República Açúcar 0,74 0,42 1,95 0,43 0,26 1,50 0,38 0,20 1,50
Dominicana Cacau 0,62 0,44 2,20 0,47 0,37 1,90 0,47 0,36 1,90
Banana 0,04 -0,43 1,70 0,02 -0,18 1,90 0,01 -0,19 1,90
Haiti Açúcar 0,92 0,85 2,80 0,03 -0,25 1,80 0,03 -0,25 1,80
Cacau 0,45 0,18 1,80 0,37 0,24 1,90 0,25 0,10 1,90
Banana 0,49 0,25 1,00 0,15 -0,02 1,70 0,15 -0,02 1,70
Jamaica Açúcar 0,79 0,52 1,50 0,25 0,05 1,60 - - -
Cacau 0,68 0,52 2,00 0,32 0,19 1,80 0,26 0,12 1,70
Banana 0,08 -0,38 1,50 0,04 -0,15 1,40 0,04 -0,15 1,40
Trinidad & Açúcar 0,96 0,92 2,10 0,09 -0,16 1,70 - - -
Tobago Cacau 0,24 -0,13 2,10 0,36 0,23 2,20 0,12 -0,06 2,40
Banana 0,14 -0,28 1,80 0,02 -0,18 1,50 0,03 -0,17 1,60
Nota: Os resultados em negrito correspondem às regressões selecionadas (“melhor ajuste”).

A equação quadrática para os dados da produção de banana em Cuba apresentou um R2


relativamente alto (0,79), mas na análise da regressão percebe-se que nenhum dos coeficientes
das variáveis explicativas se mostraram significantes. Tendo em vista que isto indica a presença
de multicolinearidade, optou-se pela equação linear para a banana.
Após a identificação dos modelos que apresentam o “melhor ajuste”, a função de produção
para o açúcar pode ser descrita assim:

Y = +242,07 + 686,74L - 2,28K - 1,7F + 61,78L2 + 0,02K2 + 0,001F2 - 0,21LF - 3,4LK + 0,005FK

As variáveis L, L2 e LK apresentam coeficientes significantes ao nível de 5%. Observa-se, nas


estimativas encontradas para os coeficientes, que a produtividade marginal do trabalho é
positiva e crescente. Por outro lado, constata-se que o trabalho e o capital interagem
negativamente, ou seja, um crescimento no emprego de capital reduz o produto marginal do
trabalho. Sendo assim, os autores inferem que a cultura do açúcar é intensiva em capital e este
fato poderia explicar a alta produtividade do trabalho.
Da mesma forma como se obteve um modelo para o açúcar, a função de produção do cacau
pode ser descrita da seguinte maneira:

Y = 0,61 - 5,27L + 0,01F + 10,2L2 + 0,000003F2 - 0,017LF

As variáveis com coeficientes significantes, ao nível de 5%, são F, L2 e LF. Os coeficientes


indicam que a produtividade marginal dos fertilizantes é positiva e que a produtividade do
Ronaldo Seroa da Motta - 77

trabalho varia a taxas crescentes. Além disto, existe uma interação negativa entre o trabalho e
os fertilizantes.
Finalmente, a função de produção da banana pode ser descrita como:

Y = 47,58 - 24,27L + 0,17F

A única variável explicativa que apresentou um coeficiente significante, ao nível de 5%, foi a F,
indicando uma produtividade marginal positiva dos fertilizantes.
Os autores, no intuito de ilustrar a valoração do serviço ambiental desempenhado pelo lagarto,
fizeram algumas suposições sobre a função dose-resposta, ou seja, trataram de avaliar o
impacto causado por uma variação na população dos lagartos na função de produção.
Supondo que para uma queda de 1% na população do lagarto Anolis, o intercepto da função
de produção de açúcar desloca-se em 1000%, a produção total de açúcar teria uma redução de
10 vezes 242,07 ou, aproximadamente, 2420 T (toneladas). Apesar da queda na produção
parecer elevada (2420 T), isto representa algo próximo a um décimo de 1% da produção
média anual de açúcar de Trinidad & Tobago (1645 milhões T). Dado o preço internacional do
açúcar em 1990 (bolsa de Nova Iorque) de $ 277/T e partindo da hipótese de que Trinidad &
Tobago é responsável por uma quantidade pequena da produção mundial (tomador de preço) ,
o valor da perda na produção associada a queda de 1% da população do lagarto seria de 2420
vezes $ 277 ou, aproximadamente, $ 670 mil.
Alternativamente, os autores adotam a hipótese de um declínio mais acentuado na população
dos lagartos, algo em torno de 50%, que teria um impacto negativo no intercepto da função de
produção de 242 000. Neste caso, o impacto no intercepto é 100 vezes maior do que aquele
causado no cenário anterior quando observou-se um declínio de 1% na população. O valor da
perda na produção também sofre um salto passando para $ 67 milhões (242 000 vezes $ 277).
Dada a produção anual de açúcar em Trinidad & Tobago (1645 milhões MT), o máximo valor
possível para a perda na produção seria, aproximadamente, $ 455 milhões
(1645 milhões x $ 277). Segundo os autores, esta situação poderia representar uma situação
em que uma redução catastrófica na população de lagartos Anolis acarretaria na perda de toda
a produção. Entretanto, nada pode ser dito a respeito da veracidade deste cenário.
É importante destacar que estes cálculos são puramente ilustrativos. Na realidade, este estudo
de caso mostra como uma valoração com o método da produtividade marginal depende da
construção de uma função dose-resposta, que seja capaz de relacionar uma declínio hipotético
na população dos lagartos com a função de produção.
Na conclusão do estudo, foi destacada a importância de um melhoramento na qualidade dos
dados. Para estudos futuros, foi sugerida a construção de uma função de produção onde a
densidade de lagartos figurasse como uma variável explicativa adicional.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Em primeiro lugar, deve ser destacada a importância deste trabalho no sentido de relacionar
um serviço provido diretamente pela biodiversidade para o sistema produtivo. De um modo
geral, a valoração da biodiversidade concentra-se nos valores de não-uso e no valor de opção
associado a usos potenciais de recursos naturais. Este estudo de caso, por sua vez, aborda um
valor de uso direto, demostrando a multiplicidade de distintas parcelas do valor econômico dos
recursos naturais que podem ser atribuídas à biodiversidade.
78 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

No caso da construção das funções de produção, este estudo apresentou uma grande
dificuldade devido às limitações da base de dados disponível. É importante perceber que as
dificuldades não são de origem estatística e, sim, da qualidade das informações adquiridas.
A inexistência de uma função dose-resposta específica para ser utilizada neste estudo pode ser
considerada a principal lacuna encontrada no trabalho. Todavia, a elaboração de funções
capazes de articular variações num determinado bem ambiental com alterações na quantidade
de um determinado insumo produtivo é , sem dúvida, o maior obstáculo para a aplicação do
método da produtividade marginal. Na realidade, as funções dose-resposta dependem de um
profundo conhecimento das interações ecossistêmicas e, portanto, dependem de dados
confiáveis. Sendo assim, a exposição deste estudo no Manual desempenha o papel de alertar os
leitores para um dos aspectos centrais da aplicação do método de produtividade marginal: a
disponibilidade, ou não, de informações suficientes para a construção das funções dose-
resposta.
Ronaldo Seroa da Motta - 79

ESTUDO DE CASO 4

MANGUEZAIS DE BINTUNI BAY NA INDONÉSIA

In: Ruitenbeek, H.J. Modelling economy-ecology linkages in mangroves: economic evidence


for promoting conservation in Bintuni Bay, Indonesia. Ecological Economics, vol.10 (3), pp.
233-248, 1994.
Analisado por: Gustavo Marcio Gontijo Albergaria e José Ricardo Brun Fausto
Recurso ambiental: manguezais na Baía de Bintuni, Indonésia.
Objetivo: elaboração de um projeto de gerenciamento ambiental
Metodologia:
Valor estimado Método utilizado
valor de uso dos manguezais produtividade marginal

Interesse empírico:
• variedade metodológica na aplicação do método de produtividade marginal.

• interações ecológicas e econômicas entre os componentes de um ecossistema.


80 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

MANGUEZAIS EM BINTUNI BAY NA INDONÉSIA


In: Ruitenbeek, H.J. Modelling economy-ecology linkages in mangroves: Economic evidence
for promoting conservation in Bintuni Bay, Indonesia. Ecological Economics, vol.10 (3), pp.
233-248, 1994.

OBJETIVO
Nos últimos anos, observa-se um crescente reconhecimento da importância econômica e
ecológica dos manguezais na Indonésia. Neste contexto, a gestão ambiental tem dado grande
ênfase à busca de soluções técnicas para implantação de usos sustentáveis dos recursos
existentes nos manguezais. As razões do interesse por estes ecossistemas na Indonésia são
inúmeras, mas duas se destacam entre as demais. A primeira é a significância econômica de
alguns componente dos manguezais, ou seja, o valor econômico de certos recursos
encontrados nestes ecossistemas, que muitas vezes não são facilmente percebidos. Além disto,
as interações ecológicas entre diversos componentes dos manguezais são também de grande
importância, apesar das incertezas acerca destas interações.
Estes dois itens levaram o Ministério do Estado para Meio-Ambiente da Indonésia (MENLH)
a conduzir um Projeto - “Enviromental Management Development in Indonesia” (EMDI) - que
originou o estudo de caso em questão. Neste contexto, a utilização de uma análise econômica
capaz de incorporar as interações ecológicas representa um esforço no sentido de aperfeiçoar
as informações sobre as diversas alternativas de uso dos recursos ambientais.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
Os manguezais da Indonésia são relevantes pela extensão e pela importância destes para a
produção econômica. Ocupam 4 milhões de hectares dos 144 milhões de floresta da Indonésia,
sendo os mais importantes: Irian Jaya, Sumatra e Kalimantan. Os dois últimos, apesar de terem
sido extensos no passado, hoje encontram-se bastante reduzidos.
De modo geral, os manguezais são ecossistemas provedores de uma série de bens e serviços
ambientais sendo que, muitos destes, não apresentam preços de mercado, apesar de possuírem
valor econômico pela influência que exercem sobre os sistemas de produção ou consumo.
Neste sentido, uma importante conclusão encontrada neste estudo de caso refere-se a forte
correlação existente entre a produtividade pesqueira em alto mar e a área preservada dos
manguezais. Com a destruição dos manguezais, são eliminadas importantes áreas de
procriação, tanto de peixes como de camarões e também uma série de outros serviços
ecossistêmicos. Este processo acarreta em significativas perdas na pesca costeira e de alto mar.

RESULTADOS OBTIDOS
Através de uma análise baseada no método da produtividade marginal, o autor chegou aos
seguintes resultados: (i) a necessidade de colocação de uma parte do território de manguezais
em uma área de conservação, estabelecendo o limite máximo para corte em 25% da área
reservada ao cultivo; e (ii) a importância do aperfeiçoamento do conhecimento sobre as
interações entre os elementos constitutivos do ecossistema.
No intuito de incorporar as interações ecológicas na análise econômica, foram construídos
alguns cenários baseados em diferentes hipóteses sobre as ligações existentes entre a área
conservada dos manguezais e a produtividade observada na atividade pesqueira. Partindo
destes cenários, que variam da hipótese de ligações muito fortes até a não existência de
Ronaldo Seroa da Motta - 81

ligações, busca-se identificar qual deve ser a alternativa de uso dos manguezais mais
apropriada para cada um dos cenários, de acordo com o maior valor presente líquido (VPL).
Assim, conclui-se que com ligações muito fortes, a estratégia apropriada seria o banimento do
corte, em função de um VPL de 2.230 bilhões de rúpias (US$ 1.115 bilhões). Supondo a
existência de ligações mais fracas, observa-se uma tendência à adoção de estratégias mais
voltadas para o extrativismo. No cenário onde não existem ligações, o corte total é a prática
que apresenta o maior VPL, com o valor de 2.820 bilhões de rúpias (US$ 1.410 bilhões).

METODOLOGIA
O trabalho empírico tem como foco, os 300.000 hectares de manguezais na Baía de Bintuni,
em Irian Jaya, no leste da Indonésia. A baía possui uma importante indústria de exportação de
camarões, com 3.000 residências na área costeira, além de uma economia agrícola e de usos
tradicionais de manguezais. Pode-se dizer que a grande ameaça à preservação dos manguezais
se concentra na indústria de exportação de madeira que atua na região explorando os
manguezais.
A elaboração do estudo de caso trilhou os seguintes passos: (i) condução de uma pesquisa de
campo nas residências da região, que serviu de base para a quantificação do valores dos usos
tradicionais dos manguezais na área da Baía de Bintuni; (ii) elaboração de estudos de
correlação para a descrição das ligações econômicas entre o setor formal da economia e as
atividades tradicionais praticadas na região; e (iii) elaboração de análise de custo-benefício para
valorar as diferentes opções de gerenciamento dos recursos providos pelos manguezais.
A maioria das abordagens referentes ao gerenciamento de manguezais concentra-se
inteiramente nos usos mercantis de madeira extraída dos mesmos. Todavia, os manguezais
suportam também outras atividades produtivas como a pesca ou outras atividades tradicionais,
além de desempenhar funções ecossistêmicas importantes como a prevenção da erosão ou a
manutenção da biodiversidade.
A partir da identificação dos bens e serviços providos pelos manguezais, deve-se pesquisar as
ligações existentes entre os vários componentes destes ecossistemas. Neste sentido, as ligações
foram divididas em biogeofísicas e sócio-econômicas. A primeira refere-se aos impactos
biológicos (ex.: produtividade pesqueira) ou geofísicos (ex.: erosão). A segunda, de
entendimento imediato, é potencialmente mais importante, pois as respostas a estes impactos
são relativamente mais rápidas.
Os impactos, por sua vez, foram divididos em parciais, diretos e catastróficos. Os diretos
caracterizam-se pelo reflexo imediato de uma mudança de um componente dos manguezais em
outro. Quando as ligações mostram-se fracas ou envolvem um atraso na resposta, está
caracterizado o impacto parcial. O catastrófico seria representado pelo completo colapso de
um componente do ecossistema resultante de uma pequena mudança em outro qualquer. É
necessário ressaltar, que estas três distinções são simplificações das interações complexas
existentes entre os vários elementos constitutivos do ecossistema. Ciente das simplificações
adotadas, o autor destaca que uma série de estudos realizados na Indonésia sugerem a
existência de um impacto direto entre os manguezais e a produção pesqueira.
Quanto aos aspectos sócio-econômicos, é feita uma distinção entre dois tipos de impactos. Um
deles envolve interações entre usos tradicionais dos manguezais e um setor formal externo da
economia. O outro envolve a substituição de atividades entre diferentes componentes da
economia. Importantes ligações podem também ser encontradas externamente ao sistema.
Políticas fiscais, monetárias e outras políticas macro-econômicas podem ter efeitos nos
manguezais, como por exemplo, um incentivo à exportação da madeira que pode levar ao
82 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

aumento da extração dos manguezais e afetar outros componentes devido às complexas


interações ecológicas existentes no interior dos ecossistemas.
As primeiras ligações a serem investigadas são as ligações sócio-econômicas entre os salários
do setor externo e a produção local proveniente da agricultura e dos usos tradicionais dos
manguezais. Foram coletados dados atualizados dos departamentos de florestas, pesca,
comércio, indústria, estatística e das autoridades governamentais locais. Quantidades
significativas de informações estavam disponíveis para bens comercializáveis, enquanto que
poucos dados estavam disponíveis para o valor dos usos locais. Para compensar tal fato, foi
elaborada em 1991 uma pesquisa de campo baseada numa amostra de 101 residências em 6
vilas. Esta amostra foi fundamental pela provisão de dados primários para a estimação da
escala e do valor dos usos tradicionais de manguezais na área da Baía de Bintuni.
Os dados da pesquisa de campo foram analisados junto com as demais informações referentes
a bens comercializáveis e, então, tratou-se de estimar o valor dos bens e serviços
comercializáveis e não-comercializáveis associados com os manguezais da Baía de Bintuni.
Estudos de correlação também foram empregados para identificar algumas das ligações
existentes. Na verdade, com este procedimento, procura-se verificar se as atividades
tradicionais nos manguezais - pesca, coleta e caça - vêm sendo afetadas com o crescente
desenvolvimento observado na região. Tais pesquisas permitem a constituição de uma base de
informações para um aperfeiçoamento da análise custo-benefício relativa as diferentes opções
de gerenciamento florestal apresentadas na Tabela1.
TABELA 1
OPÇÕES DE APROVEITAMENTO DOS MANGUEZAIS

Opção Descrição
Corte total em um período de 20 anos Área de colheita total é cortada, apenas uma vez, num período de
20 anos.
Corte total em um período de 30 anos Área de colheita total é cortada, apenas uma vez, num período de
30 anos.
Rotação de 30 anos, corte seletivo de 80% 80% da área de colheita é cortada, numa rotação de 30 anos.
Rotação de 30 anos, corte seletivo de 40% 40% da área de colheita é cortada, numa rotação de 30 anos
Rotação de 30 anos, corte seletivo de 25% 25% da área de colheita é cortada, numa rotação de 30 anos.
Banimento do corte Todo o manguezal é mantido em estado natural.

As opções apresentam geralmente rotações de 30 anos por ser o ciclo tecnicamente mais
aconselhável. Considera-se também que o corte ocorre apenas uma vez e que nenhum estoque
se encontra disponível após o término destes cortes.
Dadas as informações coletadas, considera-se que os preços de exportação das lascas de
madeira estão constantes a Rp 80.000/m3 (US$ 40/m3) e o do sargo está a Rp 300/kg
(US$ 0,15/kg). Os custos de produção florestal foram estimados com base nos custos de
investimento das companhias, enquanto que os custos de operação baseiam-se nas operações
típicas de outras localidades. Em relação a produção comercial de camarões, dados históricos
revelam que os atuais níveis de produção estão próximos do máximo sustentável. Os custos
pesqueiros foram calculados do mesmo modo dos florestais. Os preços de exportação dos
camarões encontram-se constantes em Rp 12.500/kg (US$ 6,25/kg).
A valoração dos usos locais dos manguezais foi estimada através das informações adquiridas
na pesquisa de campo. Outro benefício imputado é o referente ao controle de erosão, estimado
Ronaldo Seroa da Motta - 83

pela pesquisa em US$ 950 por residência. Quanto ao valor associado aos benefícios da
conservação biodiversidade, estima-se que seja de US$ 1500 por km2 de manguezal. Assume-
se que não haverão aumentos ou decréscimos, em termos reais, nos custos ou preços de
qualquer elemento e que todos os custos e benefícios futuros foram descontados a uma taxa
real de 7,5% (taxa decidida a partir de discussões com autoridades locais).
Como foi mencionado anteriormente, os cenários de ligações foram desenvolvidos segundo
diferentes hipóteses acerca das interações ecológicas existentes na região. Os elementos
básicos na especificação destas ligações são os parâmetros de intensidade do impacto e de
demora do impacto. O parâmetro de demora é utilizado com o intuito de demonstrar como
impactos atrasados podem afetar a escolha ótima de gerenciamento. Ou seja, havendo o
impacto, em quantos anos ele se refletiria nos maguezais. É necessário lembrar que a
intensidade dos impactos resultantes das ligações também deve ser considerada. Neste sentido,
se o parâmetro α for igual a 1, isto significa que uma redução de 50% na área de manguezais
causaria, por exemplo, uma redução de 50% na produção pesqueira. A fórmula abaixo
demonstra como foi especificada a função dose-resposta. Para a produtividade de qualquer
atividade centrada no ano t , a ligação com o processo de corte do manguezal é definida como:

 PRODUTIVIDADE t   MANGUEZAL t − τ α
 = 
 PRODUTIVIDADE t = 0   MANGUEZAL t = 0 

onde MANGUEZAL é a área de manguezal não degradada e α e τ representam os parâmetros


de intensidade e demora, respectivamente. A adoção de diferentes hipóteses sobre o
comportamento dos parâmetros α e τ acarreta em diferentes funções dose-resposta que dão
origem aos cenários de ligações apresentados na Tabela 2.

RESULTADOS OBTIDOS
Visando a determinação da estratégia ótima de gerenciamento dos manguezais, a Tabela 2
apresenta a rentabilidade econômica de diversas opções de uso dos manguezais medida pelo
valor presente líquido.
Um possível ponto de partida é a análise do cenário, onde cada componente funciona
independentemente, ou seja, não há nenhuma ligação ecológica. Neste caso, a opção escolhida
pelas companhias florestais seria o ‘corte acelerado’ (período de 20 anos). Nesta opção, a
indústria pesqueira e a de produtos florestais apresentam um retorno de US$ 400 milhões
enquanto os usos locais estariam valorados em US$ 200 milhões.
O exemplo do ‘corte total’ (período de 30 anos) fornece os maiores benefícios líquidos, se
forem ignoradas as ligações ecológicas. Isto é comum para recursos biológicos, quando a taxa
de crescimento do estoque de recursos é menor que a taxa de desconto. A estratégia
econômica ótima de curto prazo seria exaurir os recursos, o que maximizaria o valor presente
líquido, mas não proveria renda sustentável a longo prazo. Logo, uma opção preferível de
gerenciamento seria a exploração dos recursos numa intensidade próxima ao limite máximo de
produção sustentável, no sentido de garantir a manutenção do estoque de recursos no longo
prazo. Neste sentido, a opção pelo “corte seletivo de 80%” apresenta um VPL menor que o
‘corte total’ - caso não existissem ligações ecológicas - entretanto, a escolha desta opção de
gerenciamento implica que os tomadores de decisão estão imputando alguns outros valores a
sustentabilidade dos recursos que não aparecem, de forma óbvia, nos cálculos do VPL.
84 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 2
DETERMINAÇÃO DA ESTRATÉGIA ÓTIMA DE GERENCIAMENTO DOS MANGUEZAIS

Cenários de Ligação
Muito Forte Moderado Fraco Sem
Forte Ligações
Parâmetros de Ligação
Parâmetros de Impacto α 1 1 0,5 0,5 0
Parâmetro de Demora τ (anos) 0 5 5 10 -
1
Valor Presente Líquido
Banimento do Corte 2230 2230 2230 2230 2230
Corte Seletivo de 25% 2190 2240 2320 2350 2400
Corte Seletivo de 40% 2160 2240 2370 2420 2500
Corte Seletivo de 80% 2070 2240 2480 2590 2770
Corte Total (30 anos) 1960 2170 2440 2590 2820
Corte Acelerado (20 anos)2 1920 2180 2490 2690 2990
3
Estratégia Ótima Banimento 25% 80% 80% Total
Notas:
1. Valor Presente Líquido ( em bilhões de Rúpias) com uma taxa de desconto de 7,5%. Taxa de câmbio de 2000Rp = 1US$ .
2. O corte acelerado é considerado insustentável e não utilizado como política governamental, sendo aqui apresentado apenas para maior
completabilidade da tabela.
3. A estratégia ótima é escolhida de acordo com o maior valor presente líquido existente.

Se forem levadas em conta as interações ecossistêmicas, os resultados encontrados para cada


alternativa de gerenciamento são significativamente distintos. Num cenário de ligações muito
fortes (impactos imediatos), a opção de ‘corte total’ em 30 anos seria a pior estratégia,
enquanto o ‘banimento do corte’ proveria benefícios que são US$ 80 milhões (Rp 160 bilhões)
mais altos que aqueles apropriados na opção de ‘corte seletivo de 80%’ , mesmo
contabilizando a renda perdida dos produtos florestais.
Adotando a hipótese de que o cenário de ‘ligações fortes’ é realista, observa-se que não há
vantagens econômicas em cortar mais de 25% da área usada para plantio. Caso os efeitos
ocorram mais rápido do que 5 anos, então seria ótimo selecionar uma estratégia mais
conservadora do que a de corte de 25%.
De modo geral, a seleção da estratégia ótima depende da taxa de desconto adotada no cálculo
do VPL. Taxas mais baixas de desconto elevam a importância das rendas futuras, o que resulta
em estratégias de corte mais conservadoras. Analogamente, taxas de desconto mais altas,
colocam menos peso nos benefícios futuros e logo, predominam as estratégias de corte mais
intensas. Todavia, observa-se que para qualquer uma das taxas de desconto utilizadas, o
banimento do corte é a estratégia ótima, caso existam ligações ecológicas muito fortes, onde
os efeitos são imediatos (τ = 0) e a função dose resposta é linear (α=1).
Ronaldo Seroa da Motta - 85

T ABELA 3
ESTRATÉGIA ÓTIMA EM FUNÇÃO DA TAXA DE DESCONTO

Taxa de desconto
5% 7.5% 10%
Nenhuma ligação Corte de 80% Corte Total Corte Total
Ligação fraca Corte de 80% Corte de 80% Corte Total
Ligação Moderada Corte de 80% Corte de 80% Corte Total
Ligação Forte Banimento Corte de 25% Corte de 80%
Ligação Muito Forte Banimento Banimento Banimento

Uma importante conclusão extraída dos resultados obtidos é que sempre haverá super-
exploração enquanto não forem levadas em conta as interações ecológicas existentes entre os
componentes do ecossistema, ou quando o corte dos manguezais não for regulamentado.
Partindo do pressuposto de que existe uma correlação entre a área dos manguezais e a
produtividade das atividades econômicas associadas a este, constata-se que quanto mais forte
for a correlação, expressa na função dose-resposta, mais evidentes e consistentes serão as
justificativas econômicas no sentido da implantação de restrições mais severas sobre as
atividades predatórias.
Na área da Baía de Bintuni, encontraram-se resultados que corroboram os esforços para a
preservação de uma parte da área dos manguezais. Assumindo a existência de uma forte
interação ecológica, a análise demonstra que o nível de extração economicamente desejável
seria inferior a 25% da área existente. Dada a área de manguezal que está incluída na proposta
para Reserva Natural da Baía de Bintuni e a área que ficaria fora da reserva, conclui-se que a
extração fora da reserva não poderia ultrapassar 60%.
Deve-se destacar a existência de uma considerável incerteza em relação à interação dos
diversos elementos constitutivos dos manguezais. Neste sentido, a análise desenvolvida aqui
demonstra que o aperfeiçoamento das informações acerca da natureza destas inter-relações é
essencial para que uma estratégia economicamente ótima possa ser estipulada. Ao mesmo
tempo, se não forem conhecidas estas relações, aumenta-se a chance de que uma decisão
inapropriada possa levar a danos econômicos e ecológicos substanciais.
Diante do panorama corrente de incerteza, duas conclusões podem ser apontadas: (i) enfatizar
a necessidade de informação sobre as interações ecossistêmicas e (ii) identificar as políticas
realmente capazes de mitigar os impactos sobre a produtividade dos recursos que terão
sucesso, tanto do ponto de vista ecológico como econômico. Em circunstâncias onde a
dinâmica ecossistêmica apresenta um alto grau de incerteza, programas direcionados para a
redução dos impactos - como a implantação de zonas tampão, replantio e corte seletivo -
minimizarão as potenciais perdas econômicas.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Este estudo de caso significa uma importante contribuição para o desenvolvimendo de
informações sobre as interfaces existentes entre os sistemas ecológicos e os sistemas
produtivos. A modelagem dos elos ecológicos-econômicos observados nos manguezais da
Baía de Bintuni permite a estruturação de evidências empíricas que fornecem consistentes
argumentos econômicos para a preservação de parte dos manguezais existentes.
86 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

É importante destacar a forma como o autor manejou com o a falta de informações precisas
sobre os parâmetros relevantes para a especificação da função dose-resposta e com a incerteza
associada às interações ecológicas. Neste sentido, a adoção de cenários com diferentes
hipóteses sobre o comportamento dos parâmetros pode ser considerada uma saída viável
diante de uma base de dados insuficiente ou de má qualidade. Entretanto, percebe-se que o
autor não teve o cuidado de explicitar as razões que o levaram a adotar a forma funcional
específica apresentada na função dose-resposta.
Além disto, os resultados encontrados para o VPL das opções de gerenciamento, segundo
diferentes taxas de desconto, demostram empiricamente a importância da taxa de desconto na
análise econômica dos recursos ambientais. Dada as dificuldades encontradas na determinação
desta, apontar o efeito de uma variação da taxa de desconto nos resultados é sempre
recomendável.
Diante da realidade brasileira, este estudo evidencia a necessidade de esforços para a ampliação
do monitoramento dos recursos ambientais e a importância de se incentivar pesquisas
integradas voltadas para a modelagem das interações ecológicas e econômicas.
Ronaldo Seroa da Motta - 87

ESTUDO DE CASO 5

RECURSOS FLORESTAIS NA AMAZÔNIA PERUANA

(i) Peters, Charles M.; Gentry, Alwyn H.; e Mendelsohn, Robert O. Valuation of an
Amazonian Rainforest, NATURE, vol. 339, junho, 1989.
(ii) Pinedo-Vasquez, Miguel; Zarin, Daniel; e Jipp, Peter. Economic returns from forest
conversion in the Peruvian Amazon, Ecological Economics, vol.6 (2), pp. 63-173, 1992.
Analisado por: José Ricardo Brun Fausto
Recursos ambiental: floresta tropical na Amazônia peruana
Objetivo: análise de custo-benefício
Metodologia:
Valor estimado Método utilizado
valor de uso direto das florestas produtividade marginal
peruanas

Interesse empírico:
• estudos similares com base em preços de mercado e com divergência nos resultados
encontrados.

• impacto das incertezas e do horizonte temporal no cálculo do valor presente líquido.


88 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

RECURSOS FLORESTAIS NA AMAZÔNIA PERUANA

INTRODUÇÃO
Os trabalhos selecionados para a análise dos recursos florestais foram realizados nas
proximidades de Iquitos, Amazônia Peruana. O primeiro, aqui classificado como estudo de
caso da Floresta de Mishana, foi conduzido por Peters et al. (1989). Enquanto o segundo,
realizado por Pinedo-Vasquez et al. (1992), foi denominado como estudo de caso da Reserva
Florestal de San Rafael.
Os trabalhos aqui selecionados sobre recursos extrativos florestais apresentam uma análise de
custo-benefício quanto a viabilidade econômica do extrativismo frente às outras alternativas de
uso da do solo florestada. Em outras palavras, não se busca atribuir valores a bens ambientais
desprovidos de valores de mercado e, sim, mensurar a magnitude do valor monetário que pode
ser extraído da venda de produtos gerados em um hectare de floresta na Amazônia Peruana.
Estes estudos apresentam estimativas quanto a capacidade de um hectare de floresta tropical
prover bens com valor de mercado. Portanto, busca-se captar apenas os valores de uso direto
das florestas tropicais através da utilização do método da produtividade marginal. A seleção
dos trabalhos de Peters et al. (1989) e Pinedo-Vasquez et al. (1992) mostra-se oportuna pelas
interligações entre eles, visto que abordam áreas relativamente próximas e apresentam
resultados significativamente distintos. Estas questões serão abordadas de forma mais
aprofundada na seção final com uma avaliação crítica conjunta dos dois estudos.

ESTUDO DE CASO DAS FLORESTAS DE MISHANA

In: Peters, Charles M.; Gentry, Alwyn H.; e Mendelsohn, Robert O. Valuation of an
Amazonian Rainforest, NATURE, vol. 339, junho, 1989.

OBJETIVO
Tradicionalmente, os recursos extrativos das florestas tropicais têm sido divididos em dois
grupos básicos: os recursos madeireiros (madeira e a celulose) e os recursos não-madeireiros
(frutas comestíveis, óleos, látex, fibras e medicamentos). A maioria das análises econômicas
elaboradas para florestas tropicais estão concentradas nos recursos madeireiros e, muitas
vezes, ignoram os benefícios de mercado providos pelos recursos não-madeireiros. Este tipo
de abordagem econômica tem levado a resultados nos quais a receita líquida proveniente de
uma área florestal é relativamente pequena. Sendo assim, do ponto de vista puramente
financeiro, percebe-se que outros usos alternativos do solo são preferíveis.
O objetivo deste trabalho é demostrar que os recursos não-madeireiros apresentam benefícios
correntes de mercado elevados quando comparados com os recursos madeireiros. Isto significa
que as florestas tropicais apresentam valores de uso maiores que aqueles normalmente
atribuídos numa análise viezada para os recursos madeireiros.

ÁREA DE ESTUDO
A área abordada neste trabalho encontra-se ao longo do rio Nanay, próxima a pequena vila de
Mishana, a 30 Km a sudoeste da cidade de Iquitos, Peru. O solo na região é
predominantemente infértil de areia branca. A população de Mishana é composta de
“ribereños” (índios que perderam seus costumes tradicionais) e as atividades econômicas na
Ronaldo Seroa da Motta - 89

região se concentram na agricultura itinerante, na pesca e no extrativismo de uma grande


variedade de produtos florestais vendidos no mercado de Iquitos.

RESULTADOS OBTIDOS
Para se mensurar o valor financeiro dos recursos não-madeireiros foram reunidos dados sobre
o inventário botânico, produção e valor corrente de mercado para todas as espécies de árvores
comerciais presentes em um hectare de floresta amazônica (área próxima a Mishana). A partir
destas informações, chegou-se ao resultado de que a receita total líquida gerada pela
exploração sustentável dos produtos florestais não-madeireiros é duas ou três vezes maior do
que aquela obtida com a conversão da floresta para outros usos.
Segundo os autores, seria possível a exploração sustentável da floresta através do manejo da
extração de madeira em ciclos de vinte anos e da coleta anual de frutas e látex. O valor
presente do benefício líquido para a exploração deste três recursos em um hectare de floresta
nas proximidades de Mishana seria de US$ 6 820, dos quais os recursos não-madeireiros
seriam responsáveis por mais de 90% deste valor.

METODOLOGIA
O primeiro passo dado para avaliar os possíveis benefícios provenientes dos recursos não-
madeireiros foi a realização de um inventário da floresta em Mishana. A partir deste, observou-
se a presença de 50 famílias distintas, 275 espécies e 842 árvores com diâmetro igual ou
superior a 10.0 cm em 1 hectare médio da floresta. Dentro do número total de árvores
estimado para 1 hectare, 72 espécies (26.2%) e 350 indivíduos (41.6%) fornecem produtos
com valor comercial em Iquitos.
As frutas comestíveis são produzidas por sete dicotiledôneas e quatro espécies de palmeiras.
Sessenta espécies fornecem madeira com valor comercial e uma espécie, a Hevea guianensis
Aubl., produz borracha. A taxa de produção anual para todas as árvores frutíferas e palmeiras
presentes na área de amostragem foi mensurada através do procedimento de contagem e
pesagem de todas as frutas produzidas por uma sub-amostra de árvores adultas (4 espécies),
ou estimada de entrevistas com coletores locais (7 espécies). A produção de látex da Hevea
selvagem foi retirada da literatura.
O volume comercializado de cada árvore utilizada como madeira foi calculado através das
equações publicadas de regressões, relacionando o diâmetro na altura de peito (137 cm) com a
altura comercial. Os pesquisadores obtiveram os preços médios de revenda, em 1987, das
diferentes frutas florestais, pela realização de pesquisas mensais no mercado de Iquitos. O
preço da borracha é controlado oficialmente pelo governo peruano e, sendo assim, foi obtido
no banco agrícola oficial. Além disto, quatro operadores independentes de serraria foram
entrevistados para determinar o preço, na serraria, de cada tipo de madeira. Todos os preços
coletados em intis peruanos foram convertidos em dólares americanos de 1987, utilizando uma
taxa de câmbio de 20 intis por dólar.
As estimativas quanto ao trabalho necessário nas atividades extrativistas foram feitas em dias
de trabalho por ano, baseadas em entrevistas e observação direta das técnicas locais de
extração. A partir destas informações, pode-se chegar ao custo cumulativo de coleta adotando
uma taxa de salário de US$ 2,50 por dia de trabalho, equivalente ao salário mínimo praticado
no Peru durante o ano de 1987.
Estudos anteriores realizados em Mishana (Padoch, 1988) indicam que os custos de transporte
do látex e das frutas são de 30% do valor total de mercado destes produtos. Segundo a FAO
90 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

(“Food and Agriculture Organization”), os custos de transporte e toragem nas terras baixas
peruanas variam entre 30-50% do valor total da madeira. Neste contexto, os pesquisadores
adotaram para esta pesquisa a hipótese de 40% dos gastos de extração.

RESULTADOS
Baseado nas estimativas encontradas para a densidade, a produtividade e para os preços de
mercado de cada árvore frutífera ou palmeira, chegou-se a conclusão de que um hectare de
floresta em Mishana produz uma quantidade de frutas cujo valor de mercado equivale a quase
US$ 650 cada ano. A Tabela 1 mostra também que a produção anual da borracha gera uma
receita bruta de, aproximadamente, US$ 50. Deduzindo destes valores os custos estimados de
coleta e transporte até o mercado, constata-se que as receitas anuais líquidas das frutas e do
látex são de US$ 400 e US$ 22, respectivamente.
TABELA 1
PRODUÇÃO ANUAL E VALOR DE MERCADO DOS RECURSOS NÃO-MADEIREIROS
EM 1 HA DE FLORESTA EM MISHANA, PERU

Espécie No. de Produção anual Preço unitário Valor total


árvores por árvore
(US$ ) (US$ )
Mauritia flexuosa L. 8 88,8 kg 10,00/40 kg 177,60

Mauritiella peruviana (Becc.) Burrett 25 30,0 kg 4,00/40 kg 75.00

Rheedia spp. 2 100 frutas 0,15/20 frutas 1,50

Couma macrocarpa barb. Rodr. 2 1 060 frutas 0,10/3 frutas 70,67

Manilkara quianensis Aubl. 1 500 frutas 0,15/20 frutas 3,75

Parahancornia peruviana Monach. 3 150 frutas 0,15/ fruta 112,50

Theobroma subincanum Mart. 3 50 frutas 0,25/ fruta 22,50

Inga spp. 9 200 frutas 1,50/100 frutas 27.00

Hevea quianensis Aubl. 24 2,0 kg 1,20/kg 57,60

Oenocarpus mapora Karst. 1 3 000 frutas 0,15/20 frutas 22,50

Brosimun rubescens Taub. 3 500 frutas 0,15/20 frutas 11,25

Jessenia bataua (Mart.) Burret 36 36,8 kg 3,50/40 kg 115,92

Total 117 697,79


Ronaldo Seroa da Motta - 91

T ABELA 2
VOLUME E VALOR DA MADEIRA COMERCIALIZÁVEL DE 1 HA DE FLORESTA EM MISHANA, PERU

Nome comercial Número de árvores Volume de Preço na serraria Valor “stumpage”


na região madeira (m3) (US$ por m3) (US$ )
Aguano masha 4 0.55 14.80 4.88
Almendro 1 0.08 14.80 0.71
Azucar huayo 1 0.10 14.80 0.89
Cumala 83 19.77 19.00 225.38
Estintana 7 1.47 21.00 18.52
Favorito 2 3.90 14.80 34.63
Ishpingo 4 0.82 14.80 7.28
Itauba 3 0.29 14.80 2.57
Lagarto caspi 2 0.25 40.30 6.04
Loro micuna 1 1.37 14.80 12.17
Machimango 5 0.76 20.15 9.19
Machinga 10 24.61 14.80 218.53
Moena 6 0.75 42.00 18.90
Palisangre 1 0.27 14.80 2.39
Papelillo 1 1.19 14.80 10.57
Pashaco 19 4.19 14.80 37.21
Pumaquiro 12 10.22 14.80 90.75
Quinilla 34 9.18 31.80 175.15
Remo caspi 28 11.65 14.80 103.45
Requia 4 1.06 14.80 9.41
Tortuga caspi 1 0.13 14.80 1.15
Yacusshapana 2 0.71 14.80 6.31
Yutubanco 2 0.53 14.80 4.70
Total 233 93.85 1 000.78

A Tabela 2 apresenta os resultados encontrados para as madeiras com valor comercial. Caso
fosse retirada toda a madeira de uma vez, as toras com valor comercial iriam gerar uma receita
líquida de US$ 1000 na entrega para a serraria. Uma operação desta intensidade acarretaria,
inevitavelmente, em danos às outras árvores existentes na área e levaria a uma redução ou
mesmo eliminação das receitas futuras provenientes das frutas e látex.
Os autores colocam que a extração periódica de, aproximadamente, 30 m3 ha-1 a cada 20 anos,
é a quantidade máxima que pode ser coletada de maneira sustentável e também compatível
com a exploração dos recursos não-madeireiros. Multiplicando esta quantidade por um preço
médio ponderado de US$ 17,27 e deduzindo os custos de coleta e transporte, espera-se que a
receita líquida de cada ciclo de corte seja de US$ 310.
O valor financeiro das atividades aqui apontadas não pode ser calculado pela receita gerada
apenas num período, é necessária a inclusão das receitas líquidas futuras. Neste sentido, foi
adotado um modelo simples para calcular o valor presente líquido (VPL), onde a receita
92 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

líquida produzida em cada ano foi mensurada com base numa taxa de desconto de 5%, livre de
inflação.
Assumindo que 25% da colheita de fruta será deixada na floresta para a regeneração, o VPL
da extração sustentável de frutas e látex é estimada em US$ 6 330 por hectare. No caso da
exploração da madeira, calcula-se um VPL de US$ 490. Como estas atividades extrativistas
são tratadas como sustentáveis, o horizonte temporal utilizado no cálculo do VPL é perpétuo.
Desta forma, aceitando a hipótese de sustentabilidade da extração de madeira em ciclos de
vinte anos e da coleta anual de frutas e látex, chega-se a conclusão de que a exploração destes
três recursos em um hectare de floresta, nas proximidades de Mishana, vale, em termos
financeiros, US$ 6 820. Um fato importante é que os recursos não-madeireiros representam
mais de 90% deste valor e, segundo os autores, a importância relativa dos recursos não-
madeireiros poderia aumentar, caso fosse possível incluir as receitas geradas pela venda de
plantas medicinais, cipós e pequenas palmas.
Estes resultados obtidos em Mishana foram comparados com os benefícios gerados pela
conversão de florestas. Utilizando o mesmo critério de investimento, ou seja, considerando-se
uma série perpétua de receitas e uma taxa de desconto de 5%, o VPL obtido da madeira e da
celulose gerada em um hectare de uma plantação de Gmelina arborea na Amazônia Brasileira
é estimado em US$ 3 18434. Neste contexto, as receitas brutas da pecuária de confinamento no
Brasil são estimadas35 em US$ 148 ha-1 ano-1 e, assumindo os mesmos critérios de
investimento, o valor presente seria de apenas US$ 2 960. Além disto, estas duas estimativas
foram feitas sob a hipótese bastante otimista que a silvicultura e a pecuária são alternativas
sustentáveis de uso do solo nos trópicos.
A comparação entre as diferentes opções de uso do solo indicam que os benefícios financeiros
gerados pelo uso sustentável da floresta tendem a exceder aqueles resultantes da conversão das
florestas, seja para silvicultura ou para a pecuária.

ESTUDO DE CASO DA RESERVA FLORESTAL DE SAN RAFAEL

In: Pinedo-Vasquez, Miguel; Zarin, Daniel; e Jipp, Peter. Economic returns from forest
conversion in the Peruvian Amazon, Ecological Economics, vol.6 (2), pp. 63-173, 1992.

OBJETIVO
Este trabalho consiste numa comparação da viabilidade econômica das principais alternativas
de uso do solo na Amazônia Peruana: a extração de madeira, agricultura de subsistência e a
coleta de frutas e látex.
Historicamente, as atividades extrativistas orientadas para o mercado externo têm incluído a
coleta de borracha (Hevea brasiliensis), sementes (Phytelephas macrocarpa), madeira e
óleo. Para uso local, os produtos florestais coletados incluem materiais de construção, frutas e
medicamentos. A caça e a pesca desempenham um papel importante na economia familiar e em
nível local. A produção agrícola na região é bastante diversificada, com culturas de mandioca
(Manihot esculenta), arroz (Oryza sativa), milho (Zea mays), pacova (Musa paradisiaca),

34
Sedjo, R.D. The Comparative Economics of Plantation Forestry (Resources for the Future, Washington,
DC,1983)
35
Buschbacher, R.J. Biotropica 19, 200-207 (1987).
Ronaldo Seroa da Motta - 93

frutas e outros cultivos. Pode-se dizer que a agricultura, a partir dos anos 50, superou em
importância econômica a extração de produtos florestais na região.

ÁREA DE ESTUDO
O vilarejo de San Rafael está localizado as margens do Rio Amazonas, cerca de duas horas
pelo rio de Iquitos, a capital do Departamento de Loreto. San Rafael tem uma população de
323 habitantes, aproximadamente, 70 famílias. Os nativos desta região priorizam a atividade
agrícola baseada em lavouras itinerantes. Desenvolvem a cultura do arroz, da mandioca e
pacova (uma variedade de banana) visando a subsistência e o acesso aos mercados de Iquitos.
Seguindo a oeste de San Rafael, existe uma área florestal com cerca de 800 ha de floresta
secundária de 60 anos.
Em 1984, os residentes de San Rafael declararam a área florestal como reserva comunitária,
objetivando a proteção e o controle sobre a extração dos recursos naturais. O ritmo de
extração dos produtos florestais da reserva variam de acordo com a sazonalidade e de família
para família. Os líderes locais reconhecem o papel da reserva na preservação dos corpos
d’agua e também como local de caça.

RESULTADOS OBTIDOS
Segundo as estimativas realizadas na reserva florestal de San Rafael, o volume médio de
madeira com valor comercial em 1 hectare é de 66,64 m3. A extração, de uma só vez, de toda a
madeira de 1 ha geraria um retorno líquido estimado em US$ 480,94.
A agricultura de pousio aparece como uma atividade tradiconal na região e o valor presente
líquido de contínuos ciclos com rotação de lavoura chega a US$ 3024,89 ha-1, considerando
uma taxa de desconto de 5%. A rentabilidade da coleta de recursos florestais madeireiros
também foi analisada, apresentando uma receita líquida anual sustentável de, apenas,
US$ 19,97. Esta quantia ao longo do tempo garantiria, adotando-se uma taxa de desconto de
5%, um valor presente líquido de US$ 399,40.

METODOLOGIA
Foi conduzido em 1985-86 um inventário das árvores com diâmetro maior ou igual a 10 cm
que existiam na área da reserva. As informações coletadas, com a ajuda dos nativos, incluiu o
diâmetro, nomes comuns e informações acerca dos usos econômicos. Os volumes de madeira
foram determinados com base nas equações de regressões publicadas (Villanueva, 1986).
Para se obter uma amostra representativa da comunidade presente na floresta secundária, foi
selecionada uma área de 1 x 1.6 km, englobando, aproximadamente, 20% da reserva. Dentro
desta área foram selecionados, de forma aleatória, trinta lotes de 100 x 100 m e, no interior de
cada um destes trinta lotes, quatro parcelas de 25 x 25 m eram aleatoriamente escolhidas para
a realização do inventário. A área total das parcelas utilizadas para amostragem foi de 7,5 ha e
todos os dados coletados foram reportados com base na média de indivíduos por hectare.
Os dados relativos aos custos e preços, tanto dos recursos madeireiros como das atividades
agrícolas, foram conseguidos através de informações não-publicadas adquiridas na “Federación
Departamental de Campesinos y Nativos de Loreto” (FEDECANAL) e através de extensivas
entrevistas conduzidas em San Rafael. Além disto, vários estudos sobre os custos de produção
na região foram consultados. Todos os preços apresentados são dados em Intis Peruanas (I) de
novembro de 1989 (US$ 1 = I/6000), quando for diferente estará assinalado.
94 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

RESULTADOS OBTIDOS

Recursos madeireiros
A reserva florestal adjacente a San Rafael contém, pelo menos, 29 espécies de madeira com
valor comercial. Segundo as estimativas realizadas, o volume médio de madeira com valor
comercial em 1 hectare é de 66.64 m3.
Como o manejo sustentável da produção de madeira não é observado em nenhum lugar na
Bacia Amazônica, os autores optaram por quantificar apenas os benefícios e os custos
associados à remoção, de uma só vez, de toda a madeira comercializável encontrada (Tabela
3).
Sendo assim, subtraindo da receita bruta gerada pela venda das toras no rio os custos de
extração, as taxas e gastos com o transporte das toras da reserva para o rio, chega-se a uma
receita líquida positiva de I/2 885 640 (US$ 480,94) para o primeiro hectare de floresta
explorado. A exploração imediata dos hectares subseqüentes poderá ser significativamente
mais lucrativa, visto que não será necessário incorrer novamente nos custos de abertura do
caminho para transportar a madeira da floresta para o rio (I/285 000 ou US$ 47,50). Estes já
foram imputados no cálculo financeiro do primeiro hectare.
TABELA 3
CUSTOS E RECEITAS DA EXTRAÇÃO DE TODA A MADEIRA
COMERCIALIZÁVEL DE 1 HA DA RESERVA DE SAN RAFAEL

Trabalho Custo do trabalho*


(em trabalhador-dias) (I/5700 por trabalhador-dia)
- Marcação das árvores e 12 68 400
limpeza da área
- Derrubada e corte dos 17 96 900
troncos
- Limpeza das trilhas para 50 285 000
transporte
- Transporte da floresta ao 90 513 000
porto
- Total de trabalho 169 963 300
Custos adicionais:
- Aluguel das motoserras (I / 15 000 por dia) 105 000
- Impostos 67 190
- Custos Totais 1 135 490
- Receita bruta 4 021 124
- Receita líquida 2 885 634
- Receita líquida em 1989 US$ $ 480,94
* Todos os valores estão em Intis de novembro de 1989, exceto onde está indicado

AGRICULTURA DE POUSIO
Tradicionalmente, a prática agrícola em San Rafael envolve o processo de corte e queima da
floresta ou das terras deixadas em pousio. As lavouras, de modo geral, intercalam o arroz, a
mandioca e a pacova (variedade de banana) da seguinde forma: o arroz é colhido 4 meses após
Ronaldo Seroa da Motta - 95

o plantio, em seguida, começa a semeadura da mandioca e, 3 meses depois, a pacova é


intercalada num espaçamento de 5 x 10 m.
Em San Rafael observa-se que as lavouras seguem, na maioria das vezes, o ciclo arroz-
mandioca-pacova-pousio, que consome 7 anos. Ciclos menores de 7 anos tendem a resultar
numa produtividade mais baixa, especialmente do arroz. As terras deixadas em pousio, em
alguns casos, são visitadas pelos agricultores para pegar material de construção ou para a
coleta de frutas, outras terras ficam abandonadas até o início de uma nova lavoura.
Segundo os autores, a produtividade média do arroz é de 1000 kg/ha, da mandioca é de 5000
kg/ha e da pacova é 150 cachos/ha. Partindo destes valores, a Tabela 4 apresenta os custos e
as receitas médias, associadas a apenas um ciclo de rotação de lavouras, iniciado com a
conversão da floresta secundária em roçado. A receita líquida estimada para apenas um ciclo é
equivalente a I/ 5 753 000 (US$ 958,53).
T ABELA 4
CUSTOS E RECEITAS POR HECTARE DE UM CICLO DE ROTAÇÃO DE LAVOURAS

Arroz Mandioca Pacova Total


Estoque de sementes/mudas 10.45 3.33 1.67 15.45
Trabalho de limpeza de terra, plantio e cultivo 95.00 33.25 19.00 147.25
Trabalho de colheita 30.40 42.75 35.15 108.30
Transporte e movimentação 12.67 70.00 37.50 120.17
Custo total 148.52 149.33 93.32 391.17
Receita bruta 183.33 416.67 750.00 1350.00
Receita líquida 34.82 267.33 656.68 958.83

Na Tabela 5, são apresentadas as estimativas para as receitas descontadas (taxa de 5%).


Verifica-se que o valor presente líquido de contínuos ciclos (com 7 anos) de rotação das
lavouras seria de I/ 18 149 363 (US$ 3 024,89), considerando-se uma taxa de desconto de 5%.
A mesma metodologia é usada para uma taxa de desconto de 10% (US$ 1 627,22) e 15%
(US$ 1 155,75), observando estes resultados percebe-se que o valor presente da receita líquida
produzida na agricultura é bastante sensível a mudanças na taxa de desconto.
T ABELA 5
RECEITA LÍQUIDA AJUSTADA DE AGRICULTURA DE POUSIO
À UMA TAXA DE DESCONTO DE 5%

Arroz Mandioca Pacova Total Total em


1989 US$
Primeira rotação 250 821 1 539 993 3 568 910 5 359 723 893.29
Segunda rotação 176 750 1 085 214 2 514 968 3 776 933 629.49
Rotações contínuas 849 342 5 214 800 12 085 221 18 149 363 3024.89

*Todos os valores sâo em Nov. de 1989 Intis, exceto onde está indicado

A exploração dos recursos madeireiros, com a retirada, de uma vez, de toda a madeira, não é
considerado um tipo de uso do solo excludente em relação a atividade agrícola. Os nativos
podem optar por extrair toda a madeira comercializável e, então, converter aquela área em
96 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

lavouras. Neste sentido, a receita líquida da extração de madeira pode ser adicionada às
receitas líquidas da primeira rotação no cálculo do VPL da atividade agrícola.

RECURSOS FLORESTAIS NÃO-MADEIREIROS


Na maioria das vezes, as práticas tradicionais de extração madeireira e a agricultura são
atividades incompatíveis, em termos espaciais, com a coleta de produtos não-madeireiros de
uma floresta intacta. Conseqüentemente, a extração de frutas e látex para os mercados
limitados existentes em Iquitos deve ser considerada como uma alternativa distinta de manejo
de uma área florestal.
Os autores colocam que os valores encontrados por Peters et al. (1989) para a extração de
produtos florestais não-madeireiros na floresta de Mishana são muito mais elevados do que os
valores encontrados para a contínua rotação agrícola em San Rafael. Entretanto, apenas
metade das 12 espécies de frutas e látex, presentes no inventário realizado em Mishana,
aparecem na reserva florestal de San Rafael. Isto justifica o baixo valor encontrado para a
extração de recursos não-madeireiros em San Rafael. Com receita líquida de apenas
US$ 19.97, não se observou a presença de nativos envolvidos na coleta frutas ou látex, na área
da reserva para vender em Iquitos.
Na interpretação dos autores, a discrepância nos dois valores potenciais de extração da fruta e
do látex reflete as diferenças existentes na composição das espécies, que, por sua vez, depende
das características ecossistêmicas e da dinâmica histórica da região.

DECISÃO DE USO DO SOLO FLORESTAL


Após chegar aos resultados apresentados acima, Pinedo-Vasquez et al. apresentam uma
avaliação crítica deste tipo de análise dos benefício futuros. Em primeiro lugar, os autores
enfatizam a importância das estimativas quanto à evolução dos preços dos produtos para a
elaboração de prognósticos sobre benefícios futuros. Neste sentido, os produtos perecíveis
(frutas em Iquitos, por exemplo), que apresentam uma grande volatilidade de preços em
mercados limitados, criam grandes dificuldades para uma previsão confiável dos benefícios
futuros.
Além disto, destacam que a estimativa do valor presente de longo prazo pode não ser relevante
no processo de decisão da população nativa quanto ao tipo de uso de terra a ser adotado. Em
outras palavras, colocam que, devido as incertezas quanto a posse da terra e quanto a evolução
dos preços, os “ribereños” optam pela agricultura de pousio, cujos retornos imediatos de curto
prazo são mais elevados.
Na prática, observa-se que o horizonte temporal de tomadas de decisão das comunidades
nativas da região é a fase economicamente produtiva das lavouras rotativas. A fase
economicamente produtiva do ciclo (tratamento do solo-arroz-mandioca-pacova-abandono)
envolve, aproximadamente, dois anos e as famílias nativas já estão normalmente iniciando uma
nova rotação em outra área antes do final deste ciclo tendo em vista a abundância relativa de
terras na região.
Partindo desta observação, os autores propõem a comparação das diferentes alternativas de
uso da terra com um horizonte temporal de apenas dois anos, que seria o tempo relevante de
tomada de decisão das comunidades locais.
Utilizando uma taxa de desconto de 5%, o valor presente da receita líquida associada à
extração de frutas e látex de 1 hectare de floresta em Mishana (Peters et al., 1989) seria de
US$ 680,44, considerando um horizonte temporal de dois anos e uma taxa de inflação de 5%.
Ronaldo Seroa da Motta - 97

Nestas mesmas condições, o valor encontrado para a extração de recursos não-madeireiros na


reserva florestal de San Rafael é de US$ 42,93. A receita líquida descontada da agricultura de
pousio seria de US$ 893,29 e, adicionando a renda gerada pela extração de uma vez da
madeira comercializável (US$ 480,94), a receita se elevaria para US$ 1374,23.
De forma conclusiva, os autores enfatizam que o contexto atual incentiva a conversão de
florestas em agricultura de pousio e esperar-se que os “riberenõs” continuem adotando esta
estratégia até que usos alternativos venham a se tornar mais atrativos.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Como já foi mencionado na apresentação das técnicas de valoração, o método de
produtividade marginal assume que os preços permanecerão constantes frente a mudanças na
provisão do insumo ou fator de produção ambiental. Os dois estudos apresentados abordam,
de maneira distinta, esta hipótese.
O estudo de Peters et al. (1989) realizado em Mishana coloca que, mesmo tendo
conhecimento de que as projeções estão sujeitas a mudanças temporais nos preços de mercado,
no nível de produção e na intensidade de colheita, os autores acreditam que os cálculos
realizados do valor presente líquido, baseados em preços constantes, funcionam como úteis
indicadores econômicos para a comparação de opções de uso da terra para as florestas
amazônicas. No estudo realizado por Pinedo-Vasquez et al. (1992), na reserva florestal de
San Rafael, a questão da incerteza quanto à evolução dos preços dos produtos de extração
florestal é contornada através da utilização de um horizonte temporal de apenas dois anos, que
representa o tempo relevante para a tomada de decisão do produtor local.
Um procedimento importante para se avaliar a aplicabilidade do método de produtividade
marginal é a realização de estudos sobre a elasticidade-preço dos produtos em questão.
Nenhum dos dois estudos adotou este procedimento, dificultando uma análise crítica da
aplicabilidade do método no contexto de Mishana e San Rafael.
Os estudos aqui apresentados sobre os recursos florestais não-madeireiros concentram-se na
mensuração do valor de uso direto dos nativos, associado à exploração sustentável das
florestas amazônicas. Esta abordagem é oportuna quando se deseja avaliar a viabilidade
estritamente financeira da conservação das florestas e as implicações desta análise na decisão
de uso de terra e no processo de desmatamento. Todavia, deve-se ter em mente que as pessoas
atribuem outros valores às florestas tropicais amazônicas como: os benefícios recreacionais, a
opção de uso futuro - direto ou indireto - e o valor de existência, que pode se revelar bastante
elevado.
Neste sentido, o estudo da floresta de Mishana e da reserva de San Rafael capta apenas uma
parcela dos benefícios gerados pela conservação de áreas na floresta amazônica. Além disto,
deve-se ter muito cuidado com a generalização dos resultados encontrados. Mesmo quando
tratam-se de áreas próximas, existem específicidades ecossistêmicas que afetam a composição
de espécies com valor econômico.
A área abordada nos estudos apresenta uma grande proximidade da Amazônia brasileira, tanto
que dados sobre a pecuária e a silvicultura utilizados no estudo de San Rafael são relativos à
esta floresta. Entretanto, esta transposição de dados tem que ser cuidadosa devido aos viéses
que possam afetar os resultados encontrados numa análise de custo-benefício.
Ronaldo Seroa da Motta - 99

ESTUDO DE CASO 6

PROJETOS FLORESTAIS NA GRÃ-BRETANHA

In: Garrod G. E e Willis, K. The environmental economic impact of woodland: a two-stage


hedonic price model of the amenity value of forestry in Britain, Applied Economics, vol.24,
pp. 715-728, 1992.
Analisado por: Ronaldo Serôa da Motta
Recurso ambiental: florestas urbanas na Grã-Bretanha
Objetivo: análise de custo-benefício
Metodologia:
Valor estimado Método utilizado
valor de uso indireto das amenidades preços hedônicos

Interesse empírico:
• aplicação do método de preços hedônicos com detalhamento da fase de levantamento de
dados.

• utilização dos resultados da valoração para gerar indicadores de política ambiental.


100 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

PROJETOS FLORESTAIS NA GRÃ-BRETANHA


In: Garrod G. E e Willis, K. The environmental economic impact of woodland: a two-stage
hedonic price model of the amenity value of forestry in Britain, Applied Economics, vol.24,
pp. 715-728, 1992.

OBJETIVOS
Este estudo é um dos poucos casos de aplicação do método de preços hedônicos (MPH) com
preços de propriedade para valorar benefícios ambientais associados às florestas36. O principal
objetivo desta valoração foi o de gerar indicadores de benefícios de amenidades das floresta
britânicas, derivados do prazer estético e recreação.
O estudo visa, principalmente, instrumentalizar a Comissão Florestal do Reino Unido (CF) no
seu planejamento florestal, de forma a maximizar a combinação dos benefícios madeireiros e de
amenidades das florestas. Até então, a Comissão havia limitado seus investimentos e
programas de fomento florestais com base somente nos benefícios madeireiros. No entanto, o
Parlamento deste país recomendou que os benefícios das amenidades fossem também
considerados, quando do planejamento do período de rotação e de seleção de espécies.
As primeiras estimativas utilizadas destes benefícios de amenidades adotaram o método do
custo de viagem, realizados pelos mesmos autores para 15 distritos florestais no país.37
Todavia, esta avaliação foi restrita aos benefícios recreacionais e não permitiu uma análise da
correlação de espécies e da idade das árvores, nas medidas de disposição a pagar.
Dessa forma, ao adotarem o MPH, os autores esperam gerar indicadores de benefícios que
possibilitem orientar o planejamento da composição florestal voltada para a captura dos
benefícios de amenidades.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
A Comissão Florestal britânica planeja a manutenção e expansão das florestas do País através
de fomento e subsídios a governos locais. Estas atividades de reflorestamento são muito
importantes para o crescimento do capital natural de florestas no País. No caso das florestas
urbanas, os benefícios de amenidades tornam-se fator fundamental para agregar valor às
florestas, na medida em que a apropriação deste valor de uso permite que a política florestal
garanta uma melhoria de bem-estar, associada à proteção das áreas florestais. Até então a
política da CF foi dirigida para espécies coníferas, com maior retorno madereiro e pouca
ênfase em folhosas com maior valor ambiental, avaliadas, neste estudo, restritamente no
tocante aos fluxos de benefícios relativos a amenidades.

RESULTADOS OBTIDOS
Por exemplo, os resultados da função de demanda por residências próximas a florestas
indicam que um aumento em 1% na área de folhosas, mantendo as outras variáveis nos seus
valores médios, aumenta o preço esperado da residência em quase US$ 69,00, enquanto para
as coníferas, o mesma variação relativa geraria uma redução de, aproximadamente,
US$ 226,00. Estas estimativas, quando incluídas numa análise econômica de diversas formas

36
Ver outras referências na bibliografia ao fim do Manual.
37
Ver Willis e Garrod (1991). Este estudo baseia-se em valores de DAP dos indivíduos relativos a vários sítios
naturais e não específicos a somente um.
Ronaldo Seroa da Motta - 101

de combinação de cobertura vegetal, indicam, inequivocamente, uma maior rentabilidade social


das florestas com substituição de coníferas por folhosas. Ou seja, os benefícios das amenidades
mais que superam as perdas de produção madeireira. Tal processo de valoração viabiliza e
justifica gastos governamentais no setor florestal, considerando um espectro maior de
benefícios, que refletem preferências individuais dos contribuintes.

METODOLOGIA
A função hedônica de preços de residência Psr , da qual o preço implícito da amenidade será
determinado, foi especificada como:

Psr = Psr (FCi, Qi, Si, SEi, Ri)

onde FCi é o vetor de características de bens e serviços existentes na área da propriedade i; Qi


é o trimestre do ano em que a propriedade foi comprada; Si é o vetor de características da
propriedade; SEi é o vetor de variáveis sócio-econômicas do distrito onde a propriedade se
localiza; Ri é a região onde a propriedade se localiza.
A principal fonte de dados utilizada para Si , Ri e Qi foi obtida junto a uma importante empresa
de crédito imobiliário. Desta fonte foram utilizados os registros das transações imobiliárias
realizadas para fim de crédito no ano de 1988 para o País como um todo. Cada registro de
transação de propriedade foi localizado em um mapa nacional dividido em áreas de 1 km2. As
propriedades localizadas em cada área, que continham uma floresta sob responsabilidade da
Comissão, foram isoladas e formaram a base de dados da pesquisa. Dessa forma, obteve-se um
grupo de mais de 1000 observações com mais de 100 variáveis cada, em 10 regiões distintas
no país.
Variáveis sócio-econômicas SEi das regiões da amostra foram obtidas de informações
censitárias de 1981.
As variáveis descritivas FCi das área florestais da Comissão apresentam dados de cobertura
vegetal por idade para os seguintes grupos:
1. folhosas que oferecem maior nível de amenidades;
2. pinus; e
3. outras coníferas que permitem maior produção madereira.

Embora a base de dados formada na pesquisa pareça ser detalhada, os autores salientam que
inúmeras variáveis importantes não puderam ser incluídas, por não estarem disponíveis, tais
como:
(i) proximidade das propriedades em relação a área florestal;
(ii) informações sobre a propriedade, data e área de construção, jardins e acesso a serviços
como telefone e gás;
(iii) densidade de propriedades na área; e
(iv) influência de outras áreas com cobertura florestal fora da jurisdição da CF.
Devido a esta última restrição de dados sobre outras florestas, não foi possível analisar os
casos de propriedades localizadas em áreas sem qualquer atributo florestal. Assim, a análise
concentrou-se em avaliar as variações dos preços implícitos de variações de cobertura vegetal.
Mesmo assim, a intercorrelação entre diversos tipos de árvores na cobertura florestal,
restringiu a análise às seguintes categorias de árvores:
102 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

1. todas as folhosas;
2. pinus plantados antes de 1920;
3. todas as outras coníferas plantadas após 1940.

Conseqüentemente, admitem os autores, os resultados obtidos não podem ser aplicados a


todas as áreas florestais da CF.
Entretanto, a maior restrição metodológica surge na hipótese adotada no modelo de valoração,
que admite um mercado nacional de propriedades contínuo e único para residências rurais em
toda Grã-Bretanha. Com isso, reconhecem os autores, supõe-se que todos os compradores
possuem informações suficientes para avaliar todas as opções de compra em todo território
nacional. Esta hipótese não seria tão restritiva em estudos locais, mas, certamente, o é em
estudos com cobertura espacial muito ampla. Por outro lado, os autores lembram que as
melhorias de transporte e o crescente mercado de casas de fim-de-semana amplia a preferência
do comprador para um mercado nacional.
As variáveis FCi foram classificadas como variáveis focus, cuja a robustez dos coeficientes
importa nas aplicações para definição de política. As variáveis relativas às outras características
locais e da propriedade e a data de compra, que também afetam o preço de propriedade, são
classificadas como variáveis livres, mas não importam para definição de política. As outras
restantes são denominadas de variáveis duvidosas. A análise dos coeficientes concentrou-se,
assim, nas variáveis focus.
A forma funcional adotada na função de oportunidade de preços Psr foi a Box-Cox linear. Os
resultados desta função indicam, por exemplo, que um aumento em 1% na área de folhosas,
mantendo as outras variáveis nos seus valores médios, aumenta o preço esperado da residência
em quase US$ 69,00, enquanto para o mesmo aumento relativo das coníferas haveria uma
redução de, aproximadamente, US$ 226,0038.
Os sinais e a significância das variáveis foram considerados satisfatórios. Para investigar a
omissão de variáveis importantes, anteriormente assinaladas, e problemas de
multicolinearidade, os autores reestimaram o modelo omitindo as principais variáveis focus. Os
resultados demonstraram que os coeficientes variaram muito pouco na média e foram
considerados estáveis e robustos. Todavia, os autores constatam que inúmeras variáveis
apresentam intercorrelação e, portanto, problemas de multicolinearidade, comuns no MHP,
não podem ser descartados neste estudo. Os possíveis viéses não foram, contudo, considerados
muito sérios e os resultados foram utilizados na estimativa da função de demanda por
residências próximas a áreas florestais.
A função de demanda por residências em áreas com cobertura de folhosas foi estimada na
seguinte especificação:

lnBROAD = a0 + a1ln INCOME + a2lnKIDS + a3lnLARP + a4lnCON + a5lnMENAGE + a6 lnPRICE

em que BROAD representa a proporção de área com árvores folhosas na área de 1km2 onde a
residência está localizada; INCOME é a renda familiar; KIDS o número de crianças na
residência; LARP é a proporção de área com árvores pinus plantadas antes de 1920 na área de
1km2, onde a residência está localizada; CON é a proporção de área com árvores coníferas

38
Conversão realizada a taxa de câmbio de libra esterlina para dolar de 1,60.
Ronaldo Seroa da Motta - 103

plantadas antes de 1940 na área de 1km2, onde a residência está localizada; MEANAGE é a
idade do comprador; e PRICE é o preço implícito anteriormente calculado.
T ABELA 1
FUNÇÃO DE DEMANDA POR RESIDÊNCIAS PRÓXIMAS
A ÁREAS COM COBERTURA DE FOLHOSAS

Variáveis Coeficientes (estatística t)


ln INCOME 0,8197 (9,47)
lnKIDS 0,4687 (4,90)
lnCON -0,2763 (-10,45)
lnLARP 0,2013 (5,34)
lnMEANAGE 0,3214 (2,89)
lnPRICE -1,7600 (-17,07)
R2 0,3155
R2(ajustado) 0,3114
Observações 1031

Os resultados para esta regressão acima estão apresentados na Tabela 1. Observa-se nesta
tabela que os coeficientes são significativos e com sinal esperado, embora com R2 baixo. A
elasticidade por áreas com folhosas de 0,82, entretanto, não se altera significativamente com
mudanças na especificação das variáveis.

RESULTADOS
Três cenários foram utilizados para analisar as implicações das estimativas geradas do MPH, a
saber.
1. Plantar folhosas em campos abertos.
2. Plantar pinus ao invés de coníferas.
3. Plantar folhosas ao invés de coníferas.

Para avaliar o resultados, em termos de viabilidade econômica que considere os benefícios


madereiros e de amenidades, os autores calcularam a taxa interna de retorno e o valor presente
de cada cenário, apresentadas na Tabela 2 para distintos horizontes de tempo nos quais os
benefícios seriam apropriados de acordo com o crescimento da cobertura vegetal.
Os resultados da Tabela 2 indicam que amenidades elevam substancialmente a rentabilidade
social das florestas. A principal conclusão é que a rentabilidade social das florestas cresce
quando folhosas substituem coníferas. Ou seja, os benefícios das amenidades mais que superam
as perdas de produção madereira. Este resultado é importante, na medida em que existe
atualmente pouco incentivo na expansão desta cobertura vegetal devido ao seu baixo valor
comercial. Dessa forma, os autores procuram mostrar que o exercício de valoração realizado
permite que a atuação da Comissão Florestal seja revista e considere outros benefícios da
florestas como o de amenidades que foram estimadas.
104 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 2
RENTABILIDADE SOCIAL DAS AMENIDADES E
PRODUÇÃO MADEREIRA DE CERTAS FLORESTAS

Caso básico - coníferas (Sitka spruce classe 16)


TIR (%) 6,6
VPL 1128
cenário 1 - folhosas em campos abertos (oak classe 6)
benefícios madeira madeira + a50 madeira + a26 madeira + a16
TIR (%) 3,1 4,4 6,7 11,1
VPL 859 323 786 1955
cenário 2 - pinus ao invés de (corsican pine, classe 14, substitui sikta spruce)
coníferas
benefícios madeira madeira + a50 madeira + a26 madeira + a16
TIR (%) 6,4 6,7
VPL 912 1277
cenário 3 - folhosas ao invés de coníferas (oak, classe 6 substitui sikta spruce)
Benefícios madeira madeira + a50 madeira + a26 madeira + a16
TIR (%) 3,1 6,7 12,4 22,8
VPL 859 1458 6256 11309

Notas:
(1) TIR = taxa interna de retorno em %.
(2) VPL = valor presente líquido em dólares americanos calculado a 3% a.a e taxa de câmbio da libra esterlina de 1,60.
(3) madeira = benefícios em termos de produção de madeira.
(4) a16, a26 e a50 = indicam tempo em anos a partir do qual benefícios de amenidades começam a ser capturados.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Este estudo é bastante elucidativo do potencial de aplicação do método de preços hedônicos
na valoração de benefícios florestais. A construção da base de dados é meticulosa e suas
imperfeições sempre reconhecidas e apontadas pelos autores.
Embora os resultados sejam parciais e possam ser questionados pela restrição da base de
dados, permitiram mostrar, com consistência, que a inclusão de valores de uso39 associados a
amenidades pode modificar radicalmente uma política de reflorestamento.
Todavia, vale ressaltar que esta forte dependência numa base de dados detalhada e os possíveis
viéses econométricos apontados neste exercício são considerados a maior restrição a uma
aplicação mais ampla do método dos preços hedônicos.

39
Talvez, equivocadamente, os autores consideram estas amenidades como valores de não-uso.
Ronaldo Seroa da Motta - 105

ESTUDO DE CASO 7

PARQUE PÚBLICO DE LUMPINEE EM BANGKOK, TAILÂNDIA

In: Evaluation of Lumpinee Public Park in Bangkok, Thailand, in: Dixon, J.A. e Hufshmidt
M.M. Economic Valuation Techniques for the Environment, A Case Study Workbook.
The John Hopkins University Press, London, pp. 121-140, 1986. Texto adaptado por
Somluckrat Grandstaff e John A. Dixon de material preparado por Siriwut Eutrirak e
Somluckrat Grandstaff.
Analisado por: José Ricardo Brun Fausto
Recurso ambiental: parque público dentro do perímetro urbano
Objetivo: estimativa de benefício ambiental
Metodologia:
Valores estimados Métodos utilizados
valor de uso do parque custo de viagem
valor de uso do parque valoração contingente
valor de opção da preservação do parque valoração contingente

Interesse empírico:
• detalhamento na abordagem do método do custo de viagem

• comparação de resultados do MCV com resultados do MVC

• análise de um parque urbano


106 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

PARQUE PÚBLICO DE LUMPINEE EM BANGKOK, TAILÂNDIA


In: Evaluation of Lumpinee Public Park in Bangkok, Thailand, in: Dixon, J.A. e Hufshmidt
M.M. Economic Valuation Techniques for the Environment, A Case Study Workbook.
The John Hopkins University Press, London, pp. 121-140, 1986. Texto adaptado por
Somluckrat Grandstaff e John A. Dixon de material preparado por Siriwut Eutrirak e
Somluckrat Grandstaff.

OBJETIVO
Este estudo de caso analisa o valor econômico de um parque urbano na Tailândia, onde
observam-se constantes pressões para a conversão da área em outras atividades com fins
comerciais. Neste contexto, os autores destacam a contribuição da valoração econômica dos
recursos ambientais. Esta contribuição é importante para evidenciar estimativas quanto ao
valor atribuído pelos indivíduos que usam a área com propósitos recreacionais (valor de uso).
O mesmo se verifica quanto ao ‘valor social’ do parque que, segundo o autor, incluiria o valor
de uso e o valor de opção atribuído pela sociedade como um todo, permitindo, assim,
comparações com outras propostas de uso da área do parque.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
Lumpinee é um parque público situado no coração de Bangkok, a capital da Tailândia.
Conforme o tempo foi passando, a crescente demanda por espaço na cidade levou a um
aumento do preço dos terrenos e, com isto, elevou o custo de oportunidade de manter
Lumpinee como um parque. Por outro lado, o valor recreacional do parque também se elevou,
diante da crescente demanda por espaços abertos e amenidades recreacionais. Observa-se que
o aumento da densidade demográfica no espaço urbano diminui as áreas verdes arborizadas e
os espaços abertos de lazer, elevando assim a importância das áreas remanescentes dentro dos
parques públicos urbanos. No passado, houve várias tentativas de converter o parque para fins
comerciais, entretanto, segundo o autor estas tentativas foram reprimidas com base na beleza e
no valor histórico do Parque Lumpinee.

RESULTADOS OBTIDOS
São apresentadas duas abordagem distintas. A primeira, baseada no método do custo de
viagem, utiliza informações sobre os gastos monetários e o tempo incorrido pelos visitantes do
parque para estimar a curva de demanda pelo seu uso. As estimativas encontradas com a
aplicação deste método indicam que o valor de uso do parque de Lumpinee seria,
aproximadamente, β13,2 milhões40 em 1980. A segunda abordagem utiliza o método de
valoração contingente, na forma aberta, no qual os usuários atuais do parque são entrevistados
sobre a quantia que estariam dispostos a pagar para a manutenção do acesso ao parque. A
partir da análise das respostas obtidas com o MVC, chega-se ao valor de uso de β13,0 milhões
em 1980, muito próximo ao resultado obtido com a primeira abordagem. Além disso, utilizou-
se o MVC para captar uma parcela do valor de opção atribuído por pessoas que não usam
atualmente o parque, mas, que gostariam de fazê-lo no futuro. Incorporando essa parcela do
valor de opção, obtém-se a estimativa de β116,6 milhões a qual o autor denomina de ‘valor
social’ do parque.

40
Taxa de câmbio média em 1980 - US$ 1 = β 20,0.
Ronaldo Seroa da Motta - 107

METODOLOGIA
Como mencionado acima, são utilizados dois métodos para mensurar o valor do parque.
Aplica-se a análise do custo de viagem para captar o valor de uso do parque. Além disto,
utiliza-se o método de valoração contingente (MVC) para captar, tanto o valor de uso dos
frequentadores do parque, como o “valor social” que incorporaria também o valor de opção.

(i) Valor de uso do parque pela análise do custo de viagem


O modelo básico adotado para esse método descreve a taxa de visitantes por 1000 pessoas
como uma função de fatores como o custo de viagem, o tempo gasto, lugares substitutos e
renda média. O autor formaliza essa relação de seguinte maneira:

V0i = f(Ci , Ti , Ai , Si , Yi )

onde
V0i = taxa de visitação por 1000 pessoas com taxa de admissão igual a zero
Ci = custo de viagem de ida-e-volta entre a zona i e o parque
Ti = tempo total da viagem de ida-e-volta
Ai = preferências (nível educacional, formação ética, religião)
Si = lugares substitutos disponíveis para as pessoas da zona i
Yi = renda média per capita na zona i
i = zonas ao redor do parque
Visando a aplicação desse modelo à realidade do parque de Lumpinee, o autor realiza algumas
modificações. Em primeiro lugar, assumindo a possibilidade de uma taxa de admissão (x)
positiva, deve-se incorporar este elemento a variável custo de viagem (Ci+x). Além disso,
observa-se que a equação acima está sujeita a problemas de multicolinearidade entre o custo de
viagem e o tempo gasto de ida-e-volta, visto que uma viagem mais longa implicará em um
custo de viagem maior. Desse modo, a variável tempo foi convertida a um valor monetário
(relativo a renda que deixou de ser ganha com a viagem) e foi adicionada ao custo de viagem.
Além disso, o autor adota uma variável relativa a disponibilidade de lugares substitutos (STCi),
que incorpora o custo de viagem somado ao custo do tempo gasto para visitar lugares
alternativos de recreação. A variável Ai foi retirada do modelo na hipótese que as preferências
não variam de forma significativa entre as zonas de origem relevantes para o estudo. Com as
modificações mencionadas acima, o modelo adquiriu a seguinte forma:

V0i = f (TCi , STCi , Yi )

onde
TCi = (Ti + Ii ) = custo total de viagem
Ti = custo de viagem monetário
Ii = custo monetarizado do tempo de viagem
STCi = disponibilidade de lugares substitutos
Yi = renda média per capita na zona i
Para obter as informações necessárias ao modelo, realizou-se uma primeira análise da
freqüência de visitação ao parque. Nesse sentido, o número de visitantes foi mensurado
durante os dias da semana e fins-de-semana para determinar o número total de visitantes por
semana. A primeira contagem foi feita em agosto de 1980 e a segunda contagem foi conduzida
108 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

em novembro de 1980. O número médio de visitantes foi de 2.455/dia nos dias de semana e
14.071/dia nos finais de semana. Partindo destas informações chegou-se a uma estimativa de
40.417 visitantes por semana. Tendo em vista o movimento semanal de visitantes, decidiu-se
utilizar uma amostra aleatória de 200 usuários para a aplicação dos questionários. Todavia, 13
das 200 entrevistas realizadas tiveram que ser descartadas devido aos erros cometidos durante
as entrevistas. Dos 187 questionários remanescentes, 37% eram correspondentes a visitantes
de algum dia da semana e 63% foram entrevistados no final de semana.
A amostra de 187 entrevistas foi dividida em 17 grupos, segundo os distritos administrativos
(zonas), onde o entrevistado era residente. A divisão da amostra entre visitantes relativos aos
dias da semana e aos finais de semana permitiu algumas conclusões. Em primeiro lugar, a base
de dados comprova que o uso é mais intenso nos finais de semana. Além disto, observou-se
que não há diferença estatística entre os visitantes dos dias úteis e dos finais de semana. Sendo
assim, toda a amostra pode ser agrupada para estimar a função custo de viagem. Se houvesse
uma diferença significativa, a agregação acarretaria em um resultado viesado.
Dadas as informações disponíveis nas entrevistas realizadas, torna-se possível a construção da
função de demanda por visitação, segundo cada zona, utilizando diferentes valores para a taxa
de admissão no parque. Em um determinado nível, a demanda é sufocada pelo alto valor da
taxa de admissão e, conseqüentemente, a demanda por visitação ao parque, naquela zona, é
totalmente reprimida. A curva de demanda agregada do parque foi derivada através da soma
horizontal de curvas estimadas para cada zona. Alternativamente, a mesma curva de demanda
agregada poderia ser obtida pela soma de número de visitantes de todas as zonas para
diferentes níveis de cobrança pela visitação ao parque.
Usando as informações obtidas nos questionários sobre a percentagem de visitantes
entrevistados de cada zona, o total de visitantes por semana e a população de cada zona, foi
possível estimar econométricamente uma função que correlaciona a taxa de visita por 1.000
habitantes em cada zona com o custo de viagem respectivo, segundo a expressão abaixo:
V = 1322,88 - 58,464 TC R2 = 0,5908
(6,667)* (-4,653)* eTC= 1,804
Onde:
V = taxa de visitantes estimada
TCi = (Ti + Ii ) = custo total de viagem médio
Ti = custo de viagem monetário médio
Ii = custo monetarizado do tempo de viagem médio (custo de oportunidade do tempo gasto
viagem)
eTC = elasticidade da visitação com relação ao custo total de viagem
( )* = teste t para um nível de significância de 99%
Baseado nos dados obtidos sobre o custo total de viagem para cada uma das zonas, aplicou-se
a expressão acima de forma a medir como a taxa de visitação varia quando se altera a taxa de
admissão no parque. Note que a taxa de admissão é somada ao custo total de viagem que, por
sua vez, incorpora os gastos monetários incorridos na viagem e valor monetário do tempo de
viagem dispendido.Veja o exemplo abaixo para a Zona 1:
Ronaldo Seroa da Motta - 109

Exemplo Zona 1
(a) taxa de admissão = 0; TC = 8,08
0
V 1= 1322,88 - 58,464 (8,08) = 850,5
O total de visitantes da zona 1 quando a taxa de admissão = 0 é
850,5 Χ 190 .450
= 161.978
1.000
(b) taxa de admissão= 2; TC = 10,08 = (8,08 + 2)
2
V 1 = 1322,88 - 58,464 (10,08) =733,6
O total de visitantes da zona 1 quando a taxa de admissão = 2 é
733,6 Χ 190 .450
= 139.714
1.000
Seguindo o exemplo apresentado, o número de visitantes para vários níveis de taxas de
admissão, em qualquer uma das zonas, representa a função demanda por visitas ao Parque de
Lumpinee para aquela zona. A partir da soma do total de visitantes para uma determinada taxa
de admissão, obtém-se um ponto da curva de demanda por uso do parque. Variando a taxa de
admissão, são encontrados diversos pontos da curva de demanda. A área abaixo desta curva
representa o excedente do consumidor, o qual reflete o valor de uso do parque baseado numa
análise do custo de viagem.

(ii) Valor de uso do parque através do método de valoração contingente


O método de valoração aberto (lances livres) foi também utilizado para captar o valor
recreacional. As 187 pessoas entrevistadas para análise do custo de viagem também foram
perguntadas sobre a quantia máxima que estariam dispostas a pagar anualmente para manter o
parque. A quantia expressa voluntariamente pelos entrevistados parece intimamente
relacionada com a freqüência de visitas destes. Visitantes com propósitos recreacionais (83%
da amostra) ofereceram, em média, β168 por ano. Visitantes com propósito de praticar
exercícios matinais ou a tarde (17% da amostra) mostraram-se dispostos a contribuir, em
média, com β218 por ano. Dado que o segundo grupo visita o parque com maior freqüência, a
disposição a pagar média deste grupo por visita é menor que do primeiro grupo.
Sabendo que a média de visitantes por semana é 40.417, o número de visitantes por ano
(visitantes por semana x 52) foi estimado em 2,1 milhões. Todavia, muitos dos entrevistados
fazem visitas freqüentes ao parque. Este fato torna mais apropriado associar os 2,1 milhões ao
número de visitas por ano (ao invés do número de visitantes). Esta distinção é importante
porque o valor do parque irá variar significativamente dependendo da proporção de visitantes
que usam o parque para recreação, ou exercícios e da taxa de visitação média destes.
Baseado nos dados obtidos na pesquisa, a Tabela 1 apresenta as estimativas da disposição a
pagar (DAP) média por visitante de cada grupo e também uma média ponderada de visitas por
pessoa/ano.
110 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 1
DISPOSIÇÃO A P AGAR (DAP) MÉDIA

Propósito da visita Visitante DAP/ano (B) visitas/ano DAP/visita (B)


(%)
Recreação 83 168,21 25,37 6,63
Exercício 17 218,39 174,29 1,25
Média ponderada de visitas/pessoa/ano 50,68
Nota: Pesquisa em Lumpinee, Agosto de 1980.

(iii) Valor de opção’ do parque através do método de valoração contingente


No sentido de captar o valor de opção dos habitantes de Bangkok que no momento não
utilizam diretamente o parque, mas, gostariam de fazê-lo no futuro, foitambém realizada um
MVC aberto. Para tal, 225 residentes foram entrevistados de uma amostra aleatória
selecionada em proporção ao número de pessoas em cada uma dos 17 distritos dentro dos
anéis concêntricos ao redor do parque.
As diversas respostas dadas, quanto à disposição a pagar dos entrevistados, foram separadas
em nove intervalos de valores associados a uma disposição a pagar média (ver Tabela 3). Para
calcular a disposição a pagar total (DAPT), a disposição a pagar média (DAPMi ) foi
multiplicada por uma estimativa da proporção da população de 3 milhões de habitantes relativa
aos 17 distritos analisados na amostra. Essa proporção foi calculada baseada na percentagem
de entrevistados que se mostraram dispostos a pagar uma quantia dentro do intervalo i
correspondente a DAPMi . A forma como foi calculada a DAPT pode ser expressa na seguinte
fórmula:
9  ni 
DAPT = ∑ DAPMi  ( 3.000.000)
N 
i =1

onde
DAPM = disposição a pagar média
ni = número de entrevistados dispostos a pagar DAPM
N = número total de pessoas entrevistadas.
i = um dos 9 intervalos relativos as respostas quanto a DAP

RESULTADOS
A análise da freqüência de visitação ao parque e as entrevistas realizadas em Lumpinee
forneceram informações para o cálculo da taxa de visitação anual para cada uma das zonas em
torno ao parque. Esta taxa de visitação refere-se ao número de visitas e não ao número de
visitantes por cada 1.000 pessoas, visto que muitos indivíduos fazem visitas repetidas ao longo
do ano. A equação estimada para a taxa de visitação, como uma função do custo de viagem,
permite a mensuração das variações na demanda por visita derivadas de aumentos na taxa de
admissão. Os resultados apresentados na Tabela 2, quando plotados, permitem a construção da
curva de demanda por uso. Essa curva pode representada pela Figura 1.
Ronaldo Seroa da Motta - 111

T ABELA 2
VISITAS SEGUNDO VÁRIAS TAXAS DE ADMISSÃO
Zona População Custo
Total Número de visitas segundo várias taxas de admissão
(β/visita
) 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
1 190,450 8,08 161,978 139,741 117,438 95,169 72,900 50,631 28,362 6,093 -- -- --
2 235,647 3,72 260,483 232,929 205,375 177,821 150,268 122,714 95,160 67,606 40,052 12,499 --
3 77,112 10,25 55,800 46,783 37,768 28,750 19,734 10,717 1,700 -- -- -- --
4 131,542 5,04 135,254 119,873 104,492 89,111 73,730 58,349 42,968 27,587 12,206 -- --
5 380,416 8,64 311,085 266,604 222,123 177,641 133,160 88,678 44,197 -- -- -- --
6 519,869 10,00 383,788 323,000 262,213 201,426 140,639 79,851 19,064 -- -- -- --
7 523,831 13,66 274,624 213,373 152,123 90,872 29,621 -- -- -- -- -- --
8 123,109 16,65 43,021 28,626 14,231 0 -- -- -- -- -- -- --
9 479,659 14,18 236,884 180,798 124,713 68,627 12,541 -- -- -- -- -- --
10 201,334 15,50 83,893 60,352 36,810 13,268 -- -- -- -- -- -- --
11 388,333 20,35 51,701 6,294 -- -- -- -- -- -- -- -- --
12 255,555 19,52 46,424 16,543 -- -- -- -- -- -- -- -- --
13 262,097 17,16 83,776 53,129 22,482 -- -- -- -- -- -- -- --
14 140,249 17,01 46,058 29,659 13,260 -- -- -- -- -- -- -- --
15 382,621 18,43 93,890 49,151 4,412 -- -- -- -- -- -- -- --
16 204,434 27,59 -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --
17 113,769 21,70 6,167 -- -- -- -- -- -- -- -- -- --
TOTAL DE VISITAS/ANO 2,274,826 1,766,828 1,317,440 942,685 632,593 410,940 231,451 101,286 52,258 12,499 0

FIGURA 1
112 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Assumindo um comportamento linear entre qualquer ponto da curva, a área total abaixo da
curva é, aproximadamente, β13,2 x 106. Esta estimativa é baseada no valor mensurado para o
custo de visitação e o excedente do consumidor implícito.
A outra abordagem do valor de uso/parque, baseada no MVC, estima a disposição a pagar
(DAP) dos visitantes do parque (83% para fins recreacionais e 17% para exercícios). Dada a
estimativa de 2.275 milhões de visitas/ano e a DAP encontrada para cada grupo de visitantes,
então:
0,83 x 2.275 x β 6,63 = β 12,519 x 106
0,17 x 2.275 x β 1,25 = β 0,483 x 106 (+)
β 13,002 x 10 6
(=)
O valor encontrado para a DAP Total anual seria, assim, β 13 milhões, uma estimativa muito
próxima a área calculada para o excedente do consumidor, ilustrado na Figura 1.
Como foi mencionado anteriormente, o MVC também foi aplicado em residentes de Bankok,
que atualmente não ususfruem dos serviços ambientais providos pelo parque. Entretanto, esses
indivíduos mostraram-se dispostos a pagar para a manutenção do parque. O alto valor
apresentado na Tabela 3 - mais de 116 milhões de Baht em 1980 - demonstra como a
incorporação do valor de opção pode ser significante na valoração econômica de recursos
ambientais bem conhecidos e delimitados como o Parque de Lumpinee. Note que o autor
assume no cálculo da disposição a pagar total, que 19,6% da população total, ou 588 mil
pessoas, não estão dispostas a pagar pela manutenção do parque. Essa porcentagem
corresponde a 44 entrevistas em uma amostra de 225, onde a DAP foi nula.
TABELA 3
VALOR SOCIAL DO PARQUE LUMPINEE PARA OS RESIDENTES

Disposição a Pagar / anoa Amostra População Valor Social


Intervalo Média Pessoas % 15-75 anos do Parque
DAPMi ni ni/Ni (1,000)
0,00 0,0 44 19,6 588 0
0,01 - 5,0 2,5 10 4,4 133 333
5,01 - 15,0 10,0 59 26,2 787 7,884
15,01 - 25,0 20,0 47 20,9 627 12,545
25,01 - 35,0 30,0 11 4,9 147 4,414
35,01 - 75,0 50,0 21 9,3 280 14,014
75,01 - 125,0 100,0 20 8,9 267 26,693
125,01 - 275,0 200,0 9 4,0 120 24,024
275,01 - 500,0 4 1,8 54 26,693
b
TOTAL 255 100,0 3003 116,583,000
a
Baseado nas informações da pesquisa para DAP /ano acima de β 275, é assumido β 500/pessoa/ano.
Ronaldo Seroa da Motta - 113

ANÁLISE CRÍTICA
Este estudo de caso é interessante por analisar um parque urbano. Além disto, utiliza duas
técnicas diferentes que apresentam estimativas próximas quanto ao valor de uso recreacional
do parque.Adicionalmente, o valor de opção é também estimado e mostrou-se extremamente
significante.
Embora utilizado na sua forma simplificada, a aplicação do método do custo de viagem é
apresentada de forma bastante clara no estudo. São evidenciadas as principais etapas
necessárias para a construção da função de demanda associada aos benefícios recreacionais de
um determinado sítio natural.
Por outro lado, a aplicação do MVC é exposta de maneira muito superficial sem nenhum
detalhamento sobre a metodologia e os procedimentos de campo adotados. Não são
apresentadas informações quanto ao conteúdo dos questionários e quanto ao veículo de
pagamento. A falta destas informações dificulta significativamente a elaboração de uma análise
crítica. No final do estudo, os autores enfatizam a possibilidade da estimativa do valor de
opção apresentar um viés hipotético e afirmam que o viés pode ser minimizado pela utilização
de questionários e um veículo de pagamento mais próximos possível da realidade cultural local.
Apesar da evidente preocupação, não apresentam nenhum tipo de análise quanto aos
procedimentos adotados para minimizar estes possíveis viéses.
É importante ressaltar que aplicações do método de custo de viagem, como esta apresentada
aqui, são particularmente interessantes quando se pretende estabeler parâmetros para a
determinação de taxas de admissão em unidades de conservação e seus impactos na visitação,
tendo como enfoque principal os benefícios recreacionais
Ronaldo Seroa da Motta - 115

ESTUDO DE CASO 8

PARQUE NACIONAL DE KHAO YAI NA TAILÂNDIA

In: Dixon, J.A. e Sherman, P.B. Economic of Protected Areas. East-West Center,
Washington, pp. 99-125, 1990.
Analisado por: Gustavo Marcio Gontijo Albergaria
Recurso ambiental: parque nacional de Khao Yai
Objetivo: análise de custo-benefício
Metodologia:
Valores estimados Métodos utilizados
valor de uso de amenidades custo de viagem
valor de existência de preservação de espécie valoração contigente
valor de uso associado à redução da extração de custo de oportunidade
recursos naturais do parque

Interesse empírico:
• variedade de métodos utilizados.
• exemplo de aplicação da metodologia em forma simplificada.
116 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

PARQUE NACIONAL DE KHAO YAI NA TAILÂNDIA


In: Dixon, J.A. e Sherman, P.B. Economic of Protected Areas. East-West Center,
Washington, pp. 99-125, 1990.

OBJETIVO
Este estudo busca estimar alguns dos principais serviços ambientais decorrentes da proteção
do Parque Nacional de Khao Yai, na Tailândia. Neste sentido, foram examinados os benefícios
gerados pelo ecoturismo no parque, o valor de uso, de opção, de existência da preservação dos
elefantes nele existentes e os benefícios da proteção dos corpos d’água. Em contrapartida aos
benefícios da conservação, analisaram-se os custos de oportunidade da proteção do Parque
Nacional. Estes custos representam as perdas econômicas impostas à população local devido às
restrições de uso dos recursos naturais existentes no interior do parque.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
O Parque Nacional de KhaoYai41 contém uma das maiores áreas de floresta tropical úmida da
Ásia. Mais de 60% da área do parque é coberto por esta vegetação. É considerada a maior
área de conservação para a manutenção da diversidade biológica do país, pela diversidade de
espécies de plantas e animais. Além de preservar a maior parte das florestas remanescentes na
região, o parque é de importância fundamental para a vida selvagem. Mais de 60 espécies de
mamíferos são encontrados no seu interior, incluindo grandes animais como elefantes, tigres,
cervos, gibões e outras variedades de símios. O Parque Nacional de Khao Yai também exerce
um papel crucial na regulagem da oferta de água. Em sua área encontram-se as nascentes dos
corpos d’água que abastecem quatro bacias hidrográficas e dois dos maiores reservatórios da
região.

RESULTADOS OBTIDOS
O estudo sobre o Parque Khao Yai procurou analisar os custos e benefícios envolvidos na
preservação da área. Por um lado, como benefício da preservação, encontramos o impacto
positivo gerado pelo turismo ecológico, a proteção dos corpos d’água, a manutenção da
diversidade biológica, a utilização da área para difundir educação ambiental e permitir o
desenvolvimento de pesquisas. Por outro lado, foi analisado o custo de oportunidade, caso a
área fosse destinada para o uso agrícola para exploração da borracha e, principalmente, o custo
imposto à população local devido a proibição da exploração dos recursos naturais dentro da
área do parque.
Os benefícios financeiros diretos gerados pelo turismo na região do Parque Khao Yai foram
estimados entre 4 a 8 US$ milhões. Apesar deste valor já ser expressivo, estudos apontam que
a melhoria dos serviços oferecidos aumentaria o número de visitas numa razão de 17% ao ano.
Além disto, atualmente registram-se 25 atividades científicas estabelecidas no parque,
totalizando US$ 413 mil.
Para se estimar o valor econômico do Parque Khao Yai, utilizou-se um estudo do custo de
viagem anteriormente realizado para Lumpinee Park (Estudo de Caso 7). Após serem feitas
algumas considerações relativas às diferenças entre o dispêndio associado com Lumpinee, um

41
Primeiro parque nacional da Tailândia, estabelecido em 1962.
Ronaldo Seroa da Motta - 117

parque urbano, e o Parque de Khao Yai, foi estimado que o excedente do consumidor para
este último estaria entre US$ 0,5 e 1,0 milhão.
Na aplicação do método de valoração contigente (MVC), foram estimados os valores de uso,
opção e existência de uma espécie animal presente no Parque Khao Yai. Neste sentido,
encontrou-se o valor de US$ 4,7 milhões associado com a preservação dos elefantes na região
do parque. Porém, este valor deve ser considerado com cautela, uma vez que os elefantes
desempenham um papel importante para a cultura tailandesa e, assim, não deveria ser utilizado
como estimativa do valor para outras espécies de animais.
RESUMO DA METODOLOGIA E DOS RESULTADOS OBTIDOS

Valor Bem ou Serviço Método Procedimentos Resultado


Investigado Ambiental Metodológicos
valor de uso recreação e custo de viagem estimativa baseada de US$ 500.000 a
turismo em pesquisa para US$ 1 milhão
outro parque
valor de uso, preservação de valoração máxima US$ 12,6 milhões
opção e espécie contigente disponibilidade a dos visitantes mais
existência pagar para garantir US$ 47,6 milhões
a preservação dos do resto da
elefantes nas população
selvas da
Tailândia para
visitantes do
Parque Khao Yai e
toda a população
da Tailândia
renda sacrificada produtos florestais custo de valor econômico US$ 1,6 milhões
oportunidade perdido dos
produtos florestais
não-
comercializados
em favor da
conservação

O relatório do Plano de Gerenciamento de Khao Yai estimou que 3 250 famílias fazem uso
ilegal do parque para complementar suas rendas. Vinte e cinco por cento da renda familiar dos
indivíduos que residem próximos ao Parque de Khao Yai deriva da exploração de seus
recursos, apesar de ser estritamente proibida tal atividade. A análise realizada pelos autores
assume que a proibição estaria reduzindo em 2/3 a renda gerada com a exploração da área.
Dessa forma, estimou-se que haveria uma perda de, aproximadamente, US$ 1,6 milhão por
ano devido as restrições impostas ao uso dos recursos do parque.

METODOLOGIA E RESULTADOS
A maior ameaça ao Parque Nacional de Khao Yai é de origem humana. Quase toda área de
floresta fora das fronteiras do Parque Nacional já foi degradada ou totalmente modificada para
agricultura e criação de animais. Mesmo dentro das fronteiras do parque, a cobertura vegetal
declinou de 94% em 1961 a 85% em 1985. A devastação da floresta dentro dos limites do
parque decorre da agricultura, da extração de produtos florestais e da caça de animais
silvestres. Estas atividades degradam o parque e ameaçam seus recursos.
118 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

A degradação tem sua principal origem na baixa renda da população que vive no entorno do
parque. A proibição da exploração comercial dos recursos naturais da região faz com que pese
sobre estas comunidades grande parte dos custos associados com a preservação da área.
Por outro lado, algumas atividades geradoras de receita estão associadas ao status de parque
Nacional conferido à área. Atualmente, o Parque Nacional de Khao Yai vem recebendo entre
250 a 400 mil visitantes por ano e é utilizado como base para várias pesquisas científicas e
programas de educação ambiental que geram uma receita importante para a região.
As análises apresentadas a seguir estão baseadas em vários estudos realizados sobre o Parque
de Khao Yai ao longo dos anos, bem como em outros trabalhos dos autores. Os métodos
utilizados foram: valoração contigente; custo de viagem; custo de reposição; produtividade
marginal; e custo de oportunidade.
Para vários aspectos considerados relevantes pelos autores não foi possível gerar um valor
monetário. Estes são apresentados aqui por considerar-se que a contribuição da presente
pesquisa concentra-se mais na discussão das opções de valoração do que no rigor e no
significado dos resultados encontrados.

Turismo
O turismo em Khao Yai tem aumentado drasticamente durante as últimas décadas. Entre 1977
e 1985 o número de turistas triplicou, atingindo mais de 460 mil em 1985 (Sherman e Dixon,
1990).
Uma pesquisa de campo, realizada com a ajuda do “World Wide Fund for Nature” (WWF) e
representantes locais, indicou que os turistas freqüentam o parque por diversos motivos
(Dobias e outros, 1988). Para os visitantes estrangeiros, apreciar o cenário foi apontado como
o motivo mais importante da viagem (25,9% dos entrevistados), seguido por descanso
(22,2%), observação da vida selvagem (20,4%) e a prática de caminhadas (7,4%). A maioria
dos tailandeses que freqüentam o parque responderam que a apreciação da paisagem também
era o maior motivo da visita (54,3%), embora nesta percentagem esteja incluído também o
motivo “descanso”, porque não é possível distingüir, no dialeto utilizado na pesquisa, entre
este e o primeiro. O outro motivo mais comum foi a visita às quedas d’água do parque (10%),
seguido por acampamento (7,4%).
O impacto do turismo pode ser medido de várias formas. De maneira simplificada podem ser
examinados os gastos dos turistas em transporte, guias, alimentação, acomodação e “souvenir”
que são realizados no Parque de Khao Yai e, portanto, geram empregos, demanda por serviço
e renda para a população local42.
Em geral, os visitantes estrangeiros gastam mais do que os tailandeses nos Parques Nacionais.
Baseado em dados das agências turísticas, o dispêndio médio por pessoa/dia para os visitantes
de outros países varia de US$ 20 a US$ 30, sendo que a taxa de admissão no parque
corresponde a menos de 1% deste valor. Apesar da distribuição das despesas variarem, uma
companhia de turismo indicava a seguinte distribuição para pequenos grupos (10 pessoas) de
visitantes em 1988: 42% com transporte, 33% com alimentação, 19% com acomodação, 5%
com serviço de guia e 1% com a taxa de admissão.
Observa-se que o parque recebe mais de 400 mil visitantes por ano. Supondo que as despesas
per capta variam de US$ 10 a US$ 20/dia, o gasto total gerado pelo turismo no parque seria

42
Note que não foram considerados os gastos que beneficiam outras regiões.
Ronaldo Seroa da Motta - 119

de US$ 4 a 8 milhões. Todavia, deve-se notar que estas despesas não são o valor econômico
do Parque Nacional Khao Yai. Para se valorar o parque, seria necessário mensurar o excedente
do consumidor.
Em 1981 foi realizado um estudo com base no método do custo de viagem para Lumpinee
Park, em Bangkok (Estudo de Caso 7). O excedente do consumidor encontrado para 2 milhões
de visitantes por ano foi de US$ 500 mil. Este valor foi estimado para visitas, geralmente
diárias, a um parque urbano, significando menores gastos em deslocamento, acomodação e
alimentação, do que os realizados no Parque de Khao Yai.
Pela própria natureza do turismo no Parque Nacional Khao Yai, o excedente do consumidor
médio deste parque é provavelmente maior do que o encontrado para Lumpinee. Embora
reconheçam as limitações deste abordagem, os autores utilizaram o estudo de Lumpinee Park
para inferir a curva de demanda por Khao Yai. Os autores referidos trabalharam com a
suposição de que o excedente do consumidor para Khao Yai pode ser cinco vezes maior do
que o medido para Lumpinee Park e, portanto, o total corresponderia a US$ 500 mil 43. Por
outro lado, se o excedente do consumidor do Parque Khao Yai fosse dez vezes maior do que o
estimado para Lumpinee, o total chegaria a US$ 1 milhão.

PRESERVAÇÃO DE ESPÉCIES
A Divisão Nacional de Parques da Tailândia contabilizou, aproximadamente, 4 milhões de
visitantes nos Parques Nacionais do país em 1985, dos quais 90% eram tailandeses. Assumindo
que a média de visitas aos parques feitas por esses tailandeses seja de duas vezes por ano, isto
implica que 1.8 milhões de tailandeses, numa população de aproximadamente 54 milhões,
costumam visitar parques (0,9 x 4.000.000 / 2).
Visando a aplicação do método de valoração contingente (de lances livres) recorreu-se a uma
pesquisa com os usuários da área sobre a quantia máxima da disposição a pagar (DAP), que
estavam propensos a incorrer para assegurar a contínua existência dos elefantes nas selvas
tailandesas. A média encontrada por usuário foi de US$ 7. Assumindo que os visitantes de
Khao Yai apresentam um comportamento representativo dos usuários de parques da Tailândia,
isto implicaria num valor de uso de US$ 12,6 milhões (1,8 milhões x 7 = 12,6), associado com
a contínua existência dos elefantes nas selvas tailandesas. Este cenário inclui somente os
visitantes de parques. Se assumirmos que não-visitantes têm um valor de existência e opção
igual a um décimo dos usuários, o valor adicional seria de, aproximadamente, US$ 35 milhões
(50 milhões x 0.7 = 35 milhões).
Khao Yai é uma das raras áreas de grande dimensão que permanece intacta com habitats dos
elefantes e abriga aproxidamente 10% da população total desses animais na Tailândia. Sendo
assim, pode ser considerado que 10% do valor atribuído pela população tailandesa à
preservação dos elefantes referem-se a proteção do Parque de Khao Yai. Somando a DAP dos
visitantes e a estimativa da DAP dos não-visitantes e calculando os 10% referentes a Khao Yai,
chega-se a quantia de, aproximadamente, US$ 4,7 milhões, que seria a estimativa da DAP
anual de toda a população da Tailândia para a preservação no parque.

43
Note que Khao Yai recebe 400 mil visitantes contra 2 milhões de Lumpinee Park
120 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Apesar desta elevada DAP estar associada à grande importância que os elefantes têm para
cultura tailandesa44, este montante continuaria sendo significativo, caso fosse vinculado à
proteção de todas as espécies que habitam o Parque Khao Yai,

HIDROLOGIA E CORPOS D’ÁGUA


Um estudo sobre os efeitos da topografia e das alternativas de uso dos solos, no equilíbrio
hídrico do parque, mostrou que a conversão dos terrenos de floresta para agricultura resulta
numa redução do carreamento. Estimou-se que para cada declínio de 10% na área de
cobertura florestal de Khao Yai, o carreamento diminuiria em, aproximadamente, 1,5
centímetro ou 47 milhões de metros cúbicos (mmc) por ano.
Se fossem desmatadas as encostas do Parque Nacional, não há dúvidas de que ocorreria um
aumento significativo da erosão, levando a elevação do nível de sedimentação. A magnitute
desta elevação depende basicamente do tipo de uso do floresta, da taxa de sua regeneração, ou
se seria implantada outra utilização da terra, como a agricultura.
O aumento da erosão e subseqüentemente da sedimentação iria afetar adversamente a irrigação
de áreas a jusante do parque. O aumento do nível de sedimentação resultaria provavelmente
numa diminuição da vazão ou num bloqueio dos canais de irrigação. Isto iria elevar o custo de
manutenção necessário para desobstruir os canais. A extensão destes custos ainda é
desconhecida, mas poderia ser estimada através da obtenção das seguintes informações: a
freqüência com que os canais necessitariam ser limpos; quantos quilômetros de canal seriam
afetados; e o custo da desobstrução de cada quilômetro.
Caso estas informações estivessem disponíveis, seria possível a aplicação do método dos
custos evitados. Este tipo de procedimento buscaria comparar o custo atual de manutenção
com o custo que seria incorrido, caso houvesse um aumento de sedimentação devido à erosão.
A diferença entre os custos representa um benefício da preservação, ou, em termos mais
precisos, os custos evitados devido à contenção da taxa de sedimentação decorrentes da
proteção das florestas remanescentes nas encostas do Parque Nacional.
Outro efeito associado à erosão é o aumento da sedimentação nas represas a jusante de Khao
Yai, uma vez que o sedimento depositado reduz a capacidade de estocagem de água.
Dois importantes reservatórios são alimentados pelos corpos d’água do parques e destinados a
prover água para agricultura: Lam Takhong e Lam Praphloeng. O reservatório de Lam
Takhong estoca, aproximadamente, 325 milhões de metros cúbicos (mmc) de água que irrigam
38.100 hectares. Até o momento, a sedimentação não tem sido o maior problema deste
reservatório.
Por outro lado, o reservatório de Lam Praphloeng que inicialmente estocava 152 mmc e
fornecia água para 10.700 hectares, registra a ocorrência de desmatamentos a montante que
tem significado uma perda de 20% na sua capacidade de estocagem no período de 17 anos.
Os custos associados ao aumento da sedimentação podem ser estimados através da
mensuração das perdas observadas na capacidade de irrigação, de geração de energia e no
controle de inundação do reservatório. No caso do Parque de Khao Yai, o principal impacto é
sobre a irrigação agrícola. No estudo sobre o reservatório de Nam Pong (Estudo de Caso 2),
no nordeste da Tailandia, aplicou-se o método da produtividade marginal para mensurar a

44
Provavelmente, o elefante é a espécie que apresenta o maior valor de uso, opção e existência para a população
tailandesa.
Ronaldo Seroa da Motta - 121

diminuição dos benefícios gerados pelo reservatório. A elevação do nível de sedimentação


acarreta em perdas de benefícios que se manifestam na redução da força hídrica, na diminuição
da capacidade de irrigação e de controle de inundação e nos impactos sobre a pesca. Tendo
disponibilidade de dados sobre a taxa de erosão anual dos corpos d’água, erosão dos canais e
leitos e a taxa de despejo de sedimento, é possível estimar a magnitude das perdas associadas
ao aumento da sedimentação.
Na aplicação desta metodologia para o Parque Khao Yai, o primeiro passo seria a análise da
taxa de erosão e seus efeitos. Com o aumento da perda da cobertura florestal, a erosão e a
sedimentação se elevam. O custo adicional associado com o aumento da taxa de erosão e
sedimentação será então um custo decorrente do desmatamento. Apesar de não existirem
dados suficientes para realizar um estudo semelhante ao de Srivardhana, a seguir será
apresentado uma estimativa sintética mais realista sobre Khao Yai.
A atual taxa média de erosão dos corpos d’água de Khao Yai é de, aproximadamente, 0,65
tonelada por hectare/ano. Esta é uma taxa de erosão considerada muito baixa, embora caso
ocorra uma maior degradação das florestas e mudanças no uso da terra, a taxa de erosão pode
aumentar muitas vezes.Nestes casos, uma taxa de 40 toneladas por hectare para terrenos que
sofreram alteração não é incomum. Se a perda da proteção do corpo d’água que alimenta o
reservatório de Lam Takhong resultasse num aumento da taxa de erosão de metade deste
nível, ou seja, 20 toneladas por hectare/ano, os seguintes cálculos poderiam ser feitos:
• Área total de influência: 143.000 hectares
• Taxa de erosão por hectare: 20 toneladas
• Fator de erosão dos canais e leitos: 1,56
• Taxa de despejo de sedimento: 0,2
• 20 ton/hectare x 143.000 hectare x 1,56 x 0,2 = 892.320 toneladas

Com um volume médio de 0,67 metros cúbicos (mc) por tonelada de sedimento, isto significa
que 892.320 toneladas de sedimento seriam despejadas anualmente em Lam Takhong,
resultando numa perda da capacidade de estoque de, aproximadamente, 600.000 mc, ou 0,2 %
da capacidade total de 325 mmc. Se a taxa de erosão duplicasse para 40 toneladas por hectare
e a taxa de despejo de sedimento fosse 0,4, a perda anual da capacidade do reservatório seria
de 2,4 mmc ou 0,7 % de sua capacidade total.

PESQUISA E EDUCAÇÃO
Como foi visto acima, o Parque Nacional Khao Yai garante a preservação de ecossistemas que
apresentam uma elevada biodiversidade e geram muito interesse em investigações científicas na
região. Estrangeiros que realizam pesquisas em Khao Yai trazem divisas para o país, geram
empregos e oportunidades de aperfeiçoamento para os tailandeses. Estudos anteriores
apresentam alguns dados sobre o dispêndio associado com atividades científicas no parque.
Apesar dos gastos não representarem valor econômico “per se”, eles podem indicar a
disposição a pagar mínima para se desfrutar dos recursos da área. Este relatório identifica 25
atividades científicas estabelecidas no Parque Khao Yai desde 1976. As atividades estritamente
científicas envolvem gastos acima de US$ 140 mil e os projetos denominados de “pesquisa e
demonstração” totalizam US$ 273 mil em despesas (nem todas realizadas em Khao Yai). Estes
gastos, no entanto, refletem apenas o nível atual de pesquisa e atividades educacionais; eles
não revelam nenhuma informação sobre os retornos potenciais das descobertas científicas ou o
valor das atividades educacionais.
122 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

CUSTO DE OPORTUNIDADE
O custo de oportunidade da preservação de alguma área de interesse reflete os benefícios
associados aos usos alternativos da terra que poderiam ser introduzidos caso esta área não
fosse protegida. Alguns destes benefícios podem ser valorados usando preços de mercado para
bens e serviços.
Devido a escassez de terrenos destinados à agricultura na região do Parque de Khao Yai, é
possível afirmar que, na ausência de regulamentação, a floresta seria derrubada para a uso
agrícola, mesmo se a produtividade do solo fosse baixa. Alternativamente, o status de Parque
Nacional poderia ser modificado para o de Reserva Florestal, o que significaria a permissão da
exploração de atividades extrativas.
É considerável o volume total de látex para produção de borracha em Khao Yai. Uma
aproximação das possibilidades de extração da borracha para os três principais tipos de floresta
encontrados na região é apresentado na tabela abaixo.
POSSIBILIDADES DE EXTRAÇÃO DE BORRACHA

Tipo de Floresta Percentagem da Borracha Comercial Total de Borracha


Área Total (m3/ha) Comercial (m3)
“moist evergreen" 61 302 41.575.000
“dry evergreen” 26 73 4.315.000
“hill evergreen” 3 410 2.070.000

Observação: aproximadamente, 10 % da área total seria abandonada ou “limpa”, assim as percentagens não somam 100.

Para estimar o valor da produção de borracha, seriam necessários dados sobre o seguintes
aspectos: total de áreas que poderiam ser exploradas; se a coleta seletiva e “clear-felling”
poderiam ser praticadas; qual seria o custo da extração, transporte e tecnologia; qual seria a
concentração por hectare; e quais os outros custos ou benefícios ambientais associados com
cada opção.
Atualmente, não há dados suficientes para o cálculo do valor presente líquido associado à
extração de borracha no parque. O benefício privado poderia ser considerável, mas também
haveria custos ambientais. A limpeza dos terrenos e corte das árvores destruiria parte da vida
selvagem e geraria danos à hidrologia da região e ao turismo.
Experiências práticas com o extrativismo na região não têm sido encorajadoras. Apesar de a
maioria das terras ao redor do Parque de Khao Yai serem oficialmente reservas florestais,
algumas delas são usadas para a agricultura, enquanto outras permanecem como florestas
degradadas produzindo muito pouco em termos de retorno financeiro. O mesmo tipo de
ocupação poderia ocorrer no Parque Nacional com a invasão gradual das terras para a
extração de produtos florestais com baixos benefícios de longo prazo.
Permitir que terrenos cobertos com florestas fossem explorados para a agricultura,
provavelmente não geraria benefícios significantes. A maior parte das terras do parque não
sustentam, de forma satisfatória, a atividade agrícola devido a sua topografia e composição dos
solos. Muitas áreas são suscetíveis à erosão e, assim, os ganhos agrícolas, gerados pelo
aumento de áreas destinadas para este fim, são reduzidos devido a perda de produtividade a
jusante onde ocorre a concentração de sedimentos.
Outro custo econômico resultante da manutenção do Parque Khao Yai, como um Parque
Nacional, é a proibição imposta à população local de fazer uso dos recursos da área. Apesar de
Ronaldo Seroa da Motta - 123

ser proibida a caça de animais, a derrubada de árvores e a coleta de plantas, todas estas
atividades são amplamente praticadas. Um levantamento realizado na região mostrou que 61%
de seus moradores reconhecem que suas rendas não são suficientes para a manutenção da
família, sendo necessária sua complementação através de usos ilegais do parque.
O atual custo de oportunidade para a população, em termos de alternativas perdidas devido à
preservação, seria o valor do uso, caso não houvesse regulamentação alguma, menos o valor
da atual utilização que é realizada ilegalmente.
Uma estimativa aproximada do valor bruto dos recursos extraídos ilegalmente do parque pode
ser encontrada a partir do plano de gerenciamento de Khao Yai. Uma pesquisa realizada em
1984, com uma amostra de 337 famílias aplicada em 13 vilas, mostrou que, com uma média de
cinco membros, cada família tinha uma renda anual de US$ 1.000 - US$ 200 por pessoa/ano.
Existem, aproximadamente, 130 povoados ao redor do parque. Se for assumido que cada vila
tem, em média, 25 famílias, isto significaria que 3.250 delas fazem algum uso do parque.
Considerando que, em média, um quarto da renda das famílias deriva dos recursos retirados
ilegalmente de áreas destinadas à preservação, o valor total gerado por esta atividade poderia
ser maior do que US$ 812 500 por ano (1.000 x 0,25 x 3.250).
A exploração sem restrições dos recursos do parque, num cenário de ausência de
regulamentação, geraria um benefício de US$ 2,5 milhões. Assumindo que a proibição diminui
o uso em dois terços, o custo de oportunidade de proteger o Parque Khao Yai seria de,
aproximadamente, US$ 1,6 milhões por ano (2,5 x 2/3). É importante notar que este valor
representa uma estimativa aproximada devido a ausência de informações mais precisas.
Os valores obtidos também deveriam ser tomados com precaução, sendo necessário analisar se
o nível de exploração estipulado é sustentável. Atualmente, num cenário com regulamentação,
já ocorrem impactos negativos associados à exploração de certas espécies. Por conseguinte, a
permissão de livre exploração poderia causar impactos irreversíveis sobre as espécies de
plantas e animais, o que acabaria por reduzir a renda gerada pela exploração dos recursos do
parque independente de sua proibição.

ANÁLISE CRÍTICA
Este estudo de caso concentra-se na análise das diversas alternativas de valoração econômica
que podem ser aplicadas no Parque Nacional de Khao Yai. Neste sentido não apresenta
resultados consistentes, mas apenas diferentes enfoques aos benefícios do parque e evidencia a
relevância da base de dados na aplicação dos métodos. Em outras palavras, este estudo é
bastante didático na apresentação da diversidade de formas que a valoração pode ser utilizada,
embora seus resultados possam ser limitados para a tomada de decisão dada a precariedade das
estimativas.
Também não é recomendável a utilização de uma pesquisa de outro sítio natural na aplicação
do método do custo de viagem, pois, a principal característica deste método é de ser específico
para cada caso. Na aplicação do método de valoração contigente, houve pouco rigor
metodológico na estimação da DAP, o que diminuiu sensivelmente a relevância dos resultados.
As medidas dos custos de oportunidade também são aproximadas, embora revelem um
procedimento de fácil aplicação. Este tipo de abordagem pode ser uma referência interessante
para um estudo em que procura obter, de forma simplificada e rápida, uma aproximação da
magnitude do custo de oportunidade de manter uma área preservada.
Ronaldo Seroa da Motta - 125

ESTUDO DE CASO 9

ESTUÁRIO DE MERSEY NA GRÃ-BRETANHA

In: Bickmore, C.J. e Willliams, A., Mersey Barrage feasibility study: a practical application of
environmental economics. In: Munasinghe, M. e McNeely, J. Protected Area Economics and
Policy: Linking Conservation and Sustainable Development. World Bank, Washington
D.C., pp.221-232, 1994.
Analisado por: Andréa Coutinho Pontual
Recurso ambiental: estuário e seus habitats naturais
Objetivo: análise de custo-benefício
Metodologia:
Benefícios estimados Métodos utilizados
valor de uso e de existência valoração contigente
associado à preservação de espécies
valor de uso e de existência de custo de reposição
habitats naturais

Interesse empírico:
• problemas operacionais na aplicação da valoração contigente.
• uso do método docusto de reposição.
126 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

ESTUÁRIO DE MERSEY NA GRÃ-BRETANHA


In: Bickmore, C.J. e Willliams, A., Mersey Barrage feasibility study: a practical application of
environmental economics. In: Munasinghe, M. e McNeely, J. Protected Area Economics and
Policy: Linking Conservation and Sustainable Development. World Bank, Washington
D.C., pp.221-232, 1994.

OBJETIVO
Preocupado com o impacto ambiental que seria gerado pela construção de uma barragem na
região do Estuário de Mersey e seu reflexo sobre a opnião pública, o governo britânico
encomendou uma análise de custo-benefício a uma firma privada de consultoria. Era conhecido
que a barragem iria alterar o regime de marés do estuário, significando uma ameaça direta para
a população de aves selvagens e, a longo prazo, impactos importantes sobre as áreas de
alimentação localizadas na zona intertidal.
O que será discutido a seguir é apenas uma parte da análise custo-benefício realizada para a
Barragem de Mersey e encaminhada para a Comissão Ministerial responsável pela aprovação
do projeto. Será analisada a implementação do método de valoração contigente (MVC) que
busca captar o valor - uso, opção e existência - atribuído pela população da Inglaterra ao
Estuário de Mersey. Além do MVC, foi realizado um levantamento do custo de reposição dos
habitats das aves selvagens, caso o projeto fosse levado adiante.

REVELÂNCIA ECOLÓGICA
O Estuário de Mersey, localizado no noroeste da Inglaterra, tem grande importância, em nível
internacional, como habitat para aves selvagens, em particular, as espécies Anas acuta, Anas
crecca, Taborna tadorna, Anas Penelope, Calidris alpina e Trinqa Totanus. A presença
das aves selvagens atrai muitos visitantes ao longo do ano para observar tais animais. O
estuário tem sido nacionalmente designado como Área de Especial Interesse Científico e
satisfaz o critério para o status de Área de Proteção Especial dos países europeus.

RESULTADOS OBTIDOS
As aplicações do método de valoração contingente para se obter os valores de uso, opção e
existência do estuário sofreram uma série de dificuldades que comprometeram seus resultados.
O montante encontrado de US$ 117 para o valor de uso da região não pode ser considerado
relevante devido a problemas de escolha da amostra que serão discutidos posteriormente. A
quantia de US$ 49,90 apontada pelos usuários que costumam observar pássaros, só pode ser
atribuída a este serviço ambiental (observação de pássaros), não sendo explicativo para o
estuário como um todo.
Por outro lado, os próprios realizadores do estudo levantaram questão sobre o valor de opção
e existência encontrado de US$ 187 milhões para a população da Inglaterra. Devido a
impossibilidade de captar todos os valores não-uso na análise, o valor do Estuário de Mersey
deve ser povavelmente maior do que o valor estimado.
Dessa forma, os organizadores do estudo sobre os impactos da construção da Barragem de
Mersey decidiram não incluir os resultados acima no documento final que seria submetido a
uma Comissão Ministerial em 1991. Apenas o resultado da análise do custo de reposição foi,
Ronaldo Seroa da Motta - 127

RESUMO DA METODOLOGIA E DOS RESULTADOS OBTIDOS

Investigação Método Pesquisa Características da Resultado


Amostra
valor de uso valoração DAP por visitas membros do “Royal Society US$ 117
contingente anuais ao estuário for the Protection of Birds”
para observação de que observam pássaros na
pássaros área do estuário (número de
entrevistados: 21)
valor de uso valoração DAP para um fundo membros do Royal Society US$ 49,90
contingente de preservação do for the Protection of Birds
estuário que vivem nas imediações
do estuário (número de
entrevistados: 52)
valor de opção e valoração DAP para um fundo 1. residentes de localidades US$ 8,50 individual e
existência contingente de preservação do distantes do estuário US$ 187 milhões total
estuário (número de entrevistados: agregado para toda a
90) Inglaterra
valor de uso, custo de áreas que US$ 14,04 milhões
opção e reposição possibilitariam a
existência reposição dos habitats
ameaçados

então, considerado representativo. O valor presente líquido necessário para a reposição dos
habitats ameaçados foi de US$ 14,04 milhões, incluindo custos de implantação e manutenção
de áreas destinadas às aves selvagens.

METODOLOGIA E RESULTADOS
O estudo sobre a Barragem de Mersey pode ser dividido em três partes distintas. A primeira,
se caracteriza pela elaboração de uma valoração contingente para se encontrar o valor de uso
do Estuário de Mersey. Na segunda parte, a valoração contingente foi realizada com objetivo
de captar o valor de existência e opção atribuído por toda a população do Reino Unido ao
estuário. Por último, realizou-se uma avaliação do custo de reposição dos habitats que seriam
perdidos com a construção do projeto.

Valor de Uso
O valor de uso do estuário foi captado através de uma pesquisa de valoração contingente
aberta, de entrevista por telefone, junto a membros do Sociedade Real de Proteção aos
Pássaros que eram residentes próximos ao estuário e escolhidos aleatoriamente através de seus
códigos postais.
Os indivíduos conectados eram questionados, principalmente, sobre dois aspectos básicos: (i)
se estariam dispostos a contribuir para um fundo de preservação hipotético e caso a resposta
fosse afirmativa era perguntada a disposição a pagar (DAP); e (ii) se observavam pássaros na
área do estuário e em caso positivo indagava o quanto eles valoravam a utilização direta do
parque (um ano de visitação).
128 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Um total de 53 membros da “Royal Society” (18% dos consultados) concordaram em


participar da pesquisa, sendo que apenas uma pessoa conectada se mostrou favorável à geração
limpa de energia através da construção da barragem.
Dessa forma, 52 pessoas estavam dispostas a pagar uma quantia por ano para o fundo
hipotético de preservação dos habitats das aves selvagens no estado atual. Foram, ainda,
capazes de apontar com que valor. O lance médio da DAP obtido para o fundo foi de
US$ 49,90.
Quanto à valoração das visitas anuais ao estuário, vinte e um observadores de pássaros dos 53
membros entrevistados foram capazes de indicar um valor monetário. Os montantes variaram
de US$ 9 a US$ 4 500 por ano com um valor médio de US$ 405. No entanto, se forem
suprimidos os dois maiores valores (US$ 1 800 e US$ 4 500) a média cai para US$ 117.
Os 21 indivíduos que costumam observar pássaros na área do estuário evidentemente
revelaram um valor de uso maior (US$ 117) do que os membros do “Royal Society”, que não
foram capazes de apontar o valor de suas visitas, fato que explica a diferença entre este valor e
o encontrado para o fundo de preservação (US$ 49,90).

Valor de Opção e Existência


Para captar valores de existência e de opção atribuído pela população da Inglaterra ao estuário,
foi construído um modelo baseado numa valoração contingente aplicada em moradores de
duas áreas, Bristol e Sheffield. Estas áreas foram selecionadas devido a longa distância que se
encontram do estuário de Mersey, assim a probabilidade de que os entrevistados visitassem a
região seria baixa, ou seja, buscou-se isolar o valor de uso.
Uma pesquisa piloto indicou que poderia ser esperada uma taxa de respostas na ordem de
40%. Dessa forma, para atingir um tamanho de amostra de 300, um total de 700 cartas foram
enviadas (350 para cada área de estudo). Moradores eram escolhidos aleatoriamente através
do catálogo telefônico. Uma carta introdutória e uma descrição não-técnica do Estuário de
Mersey foram enviados para cada residência escolhida, seguidas alguns dias depois, pela
chamada telefônica. A taxa de resposta foi de 41%.
Durante a entrevista, as pessoas eram questionadas sobre características sócio-econômicas e
hábitos de visitação as áreas de recreação. Todavia, a pergunta central da pesquisa era se os
indivíduos estariam dispostos a contribuir para um fundo hipotético para a preservação do
habitat das aves selvagens. Caso a resposta fosse afirmativa, então os entrevistados eram
questionados, em seguida, sobre a quantia que estariam dispostos a pagar anualmente para o
fundo. Se a resposta fosse negativa, deveriam explicar a razão desta opção.
Quando os indivíduos não eram capazes de responder a pergunta sobre a disposição a pagar
individual, os seus questionários eram retirados da análise. Dessa forma, 92 indivíduos
responderam que estavam dispostos a contribuir com o fundo e, destes, 90 revelaram o valor
que eles estariam dispostos a pagar para preservar os habitats. Foi excluído da amostra o lance
mais alto de US$ 360 por ano, o qual era três vezes maior do que o próximo lance de
US$ 108.
Análises foram realizadas no intuito de identificar diferenças entre as características dos
entrevistados das duas áreas. Quando as características sócio-econômicas foram consideradas
comparáveis, houve uma diferença na DAP, devido provavelmente à proximidade da área de
estudo de Bristol com a barragem proposta de Severn. Este resultado demonstra que os
indivíduos, nessa amostra, estavam mais bem informados sobre o conceito de uma barragem
Ronaldo Seroa da Motta - 129

para gerar eletricidade “limpa” e o impacto desta forma de geração de energia renovável nas
áreas de alimentação das aves selvagens, como mostra a tabela abaixo.

RESULTADOS DA DISPOSIÇÃO A PAGAR PARA BRISTOL E SHEFFIELD

Resultados Bristol Sheffield


% que deseja contribuir para o fundo 41 30
média da disposição a pagar (US$) 9,81 4,90
desvio padrão 10,98 7,93

Apesar destas diferenças, as características da amostra foram consideradas próximas daquelas


encontradas para toda a população do Reino Unido. Assim, foi derivada uma função
relacionando a disposição a pagar agregada ao valor da renda média do respondente e a taxa
de visitação a áreas de recreação, conforme mostra o quadro abaixo. Desta função observa-se
que tanto as variáveis renda e a visitação estão positiva e significativamente corrrelacionadas
com a DAP e, portanto, indicando uma confiabilidade no valor médio estimado para DAP de
US$ 8,50. Multiplicando esta DAP anual média peloo número de habitantes do País em 1991,
estima-se o valor de US$ 187,2 milhões. Este montante corresponde ao total agregado que
toda a população do Reino Unido estaria disposta a pagar anualmente para preservação do
estuário nas condições que se observa hoje.
FUNÇÃO DE REGRESSÃO ENTRE DAP E VISITAÇÃO

DAP = 0,0169 HINC + 2,709 VISIT


T Values (2,666) (2,152)

R2 Ajustado = 0,187
No. de observações usado = 245
F = 30,2
Onde
DAPi = disposição a pagar individual
HINC = renda semanal bruta do morador
VISIT = visitas para áreas de recreação

Custo de Reposição
Algumas áreas próximas a região do Estuário de Mersey foram examinadas e mostraram-se
habitats naturalmente atrativos para um grande número de aves selvagens. Porém, sem a
realização de trabalhos adicionais, este comportamento não deveria continuar a longo prazo.
Estas áreas forneceram um exemplo positivo de que a reposição teria uma probabilidade
razoável de atrair as espécies desejadas.
O estudo considerou o potencial para a conservação criativa (reposição) de quatro áreas
próximas ao estuário. Cada área foi examinada em termos do uso atual do solo, interesse
ornitológico e base para a reposição. Uma vez que o objetivo da reposição era o de atrair as
aves selvagens, espécies particulamente mais ameaçadas, foram analisados fatores específicos
como: o potencial para inundação de inverno; o aumento do espelho d’água; a inundação de
130 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

água salobra; interesse ornitológico (existente e potencial); tamanho da área; características das
fronteiras; o nível de distúrbio humano; e a facilidade de aquisição.
As quatro áreas examinadas no estudo totalizaram 2 400 hectares, dos quais 1.000 foram
considerados como tendo algum potencial para a reposição, que significa uma área maior do
que seria afetada pela barragem. Observa-se que algumas áreas tinham um potencial maior do
que outras devido, principalmente, a sua localização em relação ao estuário. A área com maior
potencial destacava-se por ter o maior espelho d’água, ser fracamente drenada e apresentar
uma agricultura de baixa produtividade.
Foi previsto que a Barragem de Mersey poderia aumentar as inundações em algumas áreas e
gastos significativos seriam necessários para reinstalar a drenagem agrícola. A opção de
conservação nestas áreas demandaria provavelmente gastos menores. Com respeito a compra
dos terrenos, seria necessária a aquisição de fazendas inteiras, mesmo se apenas uma parte
estivesse na área de interesse. Neste caso, a terra adquirida sem o propósito de conservação
poderia ser dividida e colocada novamente no mercado de forma que a segurança da posse da
terra seria benéfica para o sucesso de longo prazo da conservação.
Estimativas do custo de capital e manutenção anual foram desenvolvidos para os vários
esquemas de conservação. No custo do capital considerou-se a aquisição da terra, das cercas, a
preparação do terreno, o bombeamento d’água, a compra de equipamentos e a construção de
instalações para os visitantes. Já no custo de manutenção anual, foram incluídos pagamentos
relativos à limpeza do terreno, salários dos administradores e empregados e as respectivas
depesas.
Os cálculos assumem que o custo de capital seria incorrido em 1991, enquanto o custo de
operação seria incorrido anualmente, a partir de 1992, e durante o funcionamento da barragem
(estimado em 120 anos). Baseado nestas considerações, estima-se um valor presente líquido
para a reposição de US$ 14,04 milhões.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Os resultados encontrados neste estudo de caso devem ser analisados como estimativas do
valor de um serviço ambiental provido pelo Estuário de Mersey. Trata-se, assim, de um
exemplo ilustrativo de mensuração de um valor de uso que pode estar imbricado com um valor
de não-uso da biodiversidade. No caso, valora-se o papel desempenhado pelo estuário como
importante habitat para a preservação de determinadas espécies da região.
O valor de uso encontrado, resultado das entrevistas com os 21 membros da Sociedade,
revelaram que o valor anual de suas visitas apresenta um viés gerado pela alta semelhança das
preferências dos entrevistados por um tipo de valor de uso - observação de passáros. Este
valor, então, não pode ser atribuído ao estuário como um todo. Poderia, entretanto, com o
tratamento adequado, apontar apenas o valor da atividade de observação de pássaros, que
representa um serviço ambiental entre vários oferecidos pela área.
A principal questão das entrevistas realizadas entre os moradores de Briston e Shefield era
sobre a disponibilidade de contribuir para um fundo de preservação dos habitats das aves
selvagens, apesar da intenção dos realizadores do estudo de encontrar o valor de opção e
existência do estuário como um todo.
As aplicações do método de valoração contingente (MVC) apresentaram uma série de
dificuldades que acabaram por contribuir para que os resultados encontrados no MVC fossem
considerados não relevantes. Entre as diversas dificuldades, pode-se destacar a escolha das
amostras, a elaboração dos questionários e a forma como foram aplicados.
Ronaldo Seroa da Motta - 131

A escolha da amostra dos 53 membros do “Royal Society for the Protection of Birds”,
baseados nos códigos postais, entre aqueles moradores das imediações do estuário, não
garantiu que tais indivíduos fossem realmente usuários da região, ou seja, algumas destas
pessoas poderiam contribuir com a Sociedade Protetora, sem, necessariamente, observar
pássaros no estuário, ou em outro lugar qualquer.
A primeira fase do estudo enfrentou dificuldades operacionais, apontadas pela empresa de
consultoria. Por razões legais e técnicas, a responsabilidade de contactar os membros foi da
entidade protetora. Dessa forma, a taxa de respostas de 18%, dos consultados para a pesquisa
sobre o valor de uso do estuário, foi considerada baixa.
Os realizadores da pesquisa revelaram que muitas pessoas acharam difícil responder a pergunta
se estariam dispostas a contribuir para um fundo hipotético. Numa situação comum, os
indivíduos têm tempo e experiência para decidir se compram um bem ou serviço e a qual
preço. A respeito dessa dificuldade, a forma de eliciação do tipo referendo seria mais indicada,
pois apresenta uma quantia na pergunta sobre a disposição a pagar. Apesar dessa abordagem
requerer uma amostra consideravelmente maior e a implementação do estudo ser mais
dispendiosa.
Dúvidas também foram levantadas quanto ao entendimento dos entrevistados sobre a forma de
pagamento. Não ficou claro se a DAP referia-se a um pagamento anual, o qual seria feito para
o resto de suas vida, ou a um pagamento único. Este problema apresentado na pesquisa, de
certa forma, compromete o resultado encontrado para o valor de opção e existência do
estuário.
No que diz respeito aos custos de reposição, a validade do resultado encontrado depende da
inclusão de todos os custos considerados relevantes (dados que não foram possíveis de serem
obtidos para a presente avaliação). É importante ressaltar que o levantamento de todos os
fatores envolvidos na reposição de um recurso ambiental está sempre na base de tal método,
ou por outro lado, a falta de algum fator importante pode comprometer o resultado de todo o
estudo.
No entanto, foi reconhecido pelos organizadores do estudo de custo de reposição que as
medidas que seriam adotadas para repor os habitats, caso estes fossem destruídos pela
construção da barragem, apesar de serem importantes e altamente benéficas, não seriam
capazes de repor todos os recursos dos habitats naturais e teriam que enfrentar também a
incerteza quanto ao sucesso de tal empreitada. Todavia, o ecossistema do estuário não se
caracteriza somente pelos habitats que atraem as aves selvagens - principais responsáveis pelo
grande número de visitantes na área - mas, também pela complexa teia de relações de animais,
plantas, solo, clima e toda as características ecológicas da região.
Dessa forma, o método do custo de reposição serve somente para reestabelecer valores de uso,
pois, os de existência estão associados com a própria preservação do habitat natural.
Ronaldo Seroa da Motta - 133

ESTUDO DE CASO 10

MUDANÇAS AMBIENTAIS NO PANTANAL, BRASIL

In: Moran, D. e Moraes,A.S. Complex goods and contingent values: valuing uncertainty
environmental change in the Pantanal, Proceedings of the SCOPE Workshop on Integrated
Adaptive Ecological Modelling, Pantanal, 5-7 de novembro, 1995
Analisado por: Ronaldo Serôa da Motta
Recurso ambiental: ecossistema do Pantanal
Objetivo: estimativa de benefício ambiental
Metodologia:
Valor estimado Método utilizado
valor de uso direto em termos de pesca amadora valoração contingente

Interesse empírico:
• aplicação do método de valoração contingente no Brasil em diferentes formas de eliciação.
• problemas específicos de amostragem e veículos de pagamento.
134 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

MUDANÇAS AMBIENTAIS NO PANTANAL, BRASIL


In: Moran, D. e Moraes,A.S. Complex goods and contingent values: valuing uncertainty
environmental change in the Pantanal, Proceedings of the SCOPE Workshop on Integrated
Adaptive Ecological Modelling, Pantanal, 5-7 de novembro, 1995

OBJETIVO
Os autores utilizam o método de valoração contingente para estimar o valor de uso e de
existência que visitantes da parte sul do Pantanal atribuem à preservação desse ecossistema. O
estudo tem o propósito de explorar a adequação do MVC para capturar o valor econômico
total de um sítio natural. Para tal, utiliza várias formas de eliciação dos valores de disposição a
pagar (DAP) e processos econométricos de estimação.
Embora seja um estudo que apresenta resultados com formas de eliciação distintas, um
sofisticado tratamento estatístico para estimação dos valores de disposição a pagar e
recuperação de dados amostrais, sua apresentação oferece pouca informação a respeito deste
processo estimativo e análise dos resultados. Todavia, sua análise é importante por duas
razões. Primeiro, por ser o único trabalho de valoração contingente realizado com certo rigor
para um ecossistema brasileiro dessa abrangência. E segundo, por apresentar as inúmeras
dificuldades que uma pesquisa de campo inadequada pode gerar na determinação dos
resultados finais.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
O Pantanal constitui um dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta, onde são
encontrados, por exemplo, mais de 650 espécies de pássaros, 250 de peixes, 90 de mamíferos,
50 de répteis e 1000 de borboletas. Sua área de aproximadamente 140.000 km2 (onde 75%
estão em território brasileiro) está localizada na bacia do Rio Paraguai.
A região é uma tradicional e importante produtora de pecuária, principalmente em pastos
naturais. Milhares de turistas visitam a região, principalmente para a prática de pesca esportiva.
Atualmente, existem inúmeras facilidades de acomodação para atividades de pesca e outras
relacionadas com ecoturismo.
Devido a sua importância agropecuária, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) mantém um ativo escritório de pesquisa na região sul, na cidade de Corumbá.
A integridade do Pantanal tem sido, entretanto, ameaçada por três fontes de poluição:
1. resíduos de mercúrio gerados por atividades de garimpo;
2. sedimentação resultante de alterações de uso do solo em áreas adjacentes;
3. resíduos de atividades agrícolas intensificados recentemente com a criação de pastagens
artificiais e o desmembramento das antigas fazendas.

Além dessas fontes de degradação, o projeto da Hidrovia do Rio Paraguai, projetada para
melhorar o acesso a Bacia do Prata, ameaça o balanço hidrológico da região.

RESULTADOS OBTIDOS
Os resultados foram estimados para três tipos de questionário com formas de eliciação
distintas de valoração contingente, a saber: lances livres, dicotômico simples e dicotômico
duplo (referendo com acompanhamento). Os resultados foram surpreendentes, pois indicam
Ronaldo Seroa da Motta - 135

valores que diferem substancialmente de R$ 52,76 a R$ 89,74 nas pesquisas livres e de


R$ 137,51 a R$ 346,10 nas pesquisas dicotômicas. Além disso, observou-se que os valores das
pesquisas livres são muito inferiores aos das pesquisas dicotômicas. Tal resultado contraria a
literatura tradicional, que indica a pesquisa dicotômica como uma forma de determinar valores
conservativos. A agregação dos valores da DAP para a população visitante da região sul do
Pantanal indica totais de R$ 5,80 a R$ 15,13 milhões.

METODOLOGIA
A população foco da pesquisa foi de turistas que visitam a região com o objetivo de pesca
esportiva. Esta população, no total de 586 visitantes, foi pesquisada no período de agosto a
novembro de 1994, nas cidades de Corumbá e Miranda.
O método de valoração contingente foi aplicado em duas fases. Na primeira, um questionário
de lances livres foi utilizado em uma pequena amostra, do qual foram estimados resultados de
valores de disposição a pagar (DAP).
Com base nos resultados dos lances livres, intervalos de valores de DAP foram definidos e
aplicados em questionários do tipo dicotômicos (referendo), com respostas simples e dupla.
O questionário, utilizando desenhos, informava as condições naturais do ecossistema e as
condições atuais, devidos às diversas fontes de poluição. Indicava, ainda, um cenário de
degradação esperado em 2010 que para ser revertido exigiria gastos governamentais
adicionais, aos quais o respondente manifestava sua disposição a pagar.
Além das informações e das perguntas de disposição a pagar, o questionário levantava outras
variáveis sócio-econômicas como: quantidade de pesca, número e duração de visitas, renda e
outras.
Dois veículos de pagamento foram utilizados na pesquisa de lances livres (aberta): o lacre - um
pagamento (valor de R$ 4,00 por caixa, na época) que o pescador é obrigado a realizar, ao
terminar sua jornada de pesca, para lacrar a caixa com o produto da pesca e poder levá-la para
fora da região; e a licença anual de pesca (valor de R$ 34,00, na época), que autoriza o
visitante a realizar a atividade de pesca na região. As entrevistas foram aplicadas nas estações
policiais de emissão de lacres.
Os autores decidem adotar ambos, o lacre e a licença na pesquisa aberta e somente a licença na
pesquisa dicotômica. Embora reconheçam que o lacre possa aferir, com mais precisão, o ganho
em termos de pesca, resultante de uma garantia de um ecossistema mais preservado, esta
decisão, conforme será analisado a seguir, resultou em sérios problemas na pesquisa
dicotômica.
Na pesquisa dicotômica, os valores de DAP para lacre e licença na pesquisa livre foram
utilizados para definir intervalos. Estes intervalos da pesquisa dicotômica foram calculados
com base nesses lances abertos, usando um algoritmo de função lognormal, recentemente
desenvolvido por Cooper (1993). A aplicação deste tratamento estatístico é pouco explicada
pelos autores, mas resulta em intervalos não-uniformes, como tem sido a prática na literatura.
A transformação de lances com base em lacres, para intervalos de pagamentos em licença,
também é uma parte bastante obscura do texto.

RESULTADOS
A estimação do valor mediano da DAP na pesquisa livre, para lacres e licenças, foi feita com
base em regressões múltiplas. Na pesquisa dicotômica simples utilizou-se três modelos: logit
136 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

multivariado (com as variáveis renda, número de visitas, conhecimento dos problemas


ambientais, volume de pesca e idade do respondente), um modelo logit bivariado e um modelo
não-paramétrico. Na pesquisa de dupla resposta utilizou-se logit bivariado.
Os valores medianos estimados da DAP para cada modelo estão resumidos na Tabela 1.
TABELA 1
VALORES MEDIANOS ESTIMADOS DA DAP

Modelo Mediana da DAP em R$


(intervalo de confiança1)
Lance Livre com pagamento em:
Lacre 52,76 (35,09-70,39)
Licença 89,74 (74,02-103,8)
Dicotômico Simples:
Logit multivariado 168,29 (144,34-200,15)
Probit bivariado 212,25 (196,37-235,80)
2
Não-pramétrico 346,10 (315-376,86)
3
Dicotômico Duplo 137,51 (121,71-156,15)
Notas:
1. 95% - medido pelo método de Krinsky&Robb;
2. medido pelo método de Kaplann-Meier; e
3. medido por logit bivariado.

Note que estes valores diferem substancialmente de R$ 52,76 a R$ 89,74 nas pesquisas livres e
com uma variação de R$ 137,51 a R$ 346,10 nas pesquisas dicotômicas. Além disso, observa-
se que os valores das pesquisas livres são muito inferiores aos das pesquisas dicotômicas. Tal
resultado contraria totalmente a literatura tradicional, que indica a pesquisa dicotômica como
uma forma de determinar valores de DAP conservativos.
Os autores não apresentam uma explicação consistente sobre as disparidades dos resultados,
embora admitam que os diferentes modelos adotados, com suas distintas hipóteses de
distribuição, poderiam explicar tais divergências de valores medianos.
TABELA 2
VALORES AGREGADOS DA DAP

Modelo Valor Agregado Intervalo de Confiança


(106 R$) de 95% (106 R$)
lance livre com lacre 5,80 3,86-7,74
dicotômico (com acompanhamento) 15,13 13,39-17,18

Para efeito de agregação, os autores utilizam os valores medianos da pesquisa aberta e a de


resposta dicotômica (com acompanhamento). Este valores foram agregados para o total de
110.000 visitantes recebidos naquela região do Pantanal (dentro do Mato Grosso do Sul) onde
a pesquisa foi realizada. Conforme mostra a Tabela 2, os valores agregados variam de
R$ 5,80 milhões a R$ 15,13 milhões.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Em primeiro lugar, deve-se destacar a importância deste estudo como pioneiro, a nível
nacional, na aplicação de uma metodologia sofisticada para analisar um ecossistema complexo,
Ronaldo Seroa da Motta - 137

cuja relevância ecológica para o País é inquestionável. As questões analisadas no estudo têm
como objetivo extrair lições para uma melhor compreensão das dificuldades encontradas no
processo de aplicação do MVC.
Neste sentido, a pesquisa, embora tenha objetivado captar o valor econômico total (valor de
uso e não-uso) do Pantanal, restringiu-se apenas a praticantes de pesca esportiva. Não foi
realizado qualquer esforço em captar valores de não-uso junto à população que, mesmo não
visitando a região, pode atribuí-la um valor de existência. Mais problemática ainda, é a
possibilidade de que os valores de DAP pesquisados apresentem um viés de parte-todo devido
à população pesquisada ser somente de praticantes de pesca. Estes poderiam possivelmente ter
dificuldade de separar seu valor de uso frente a um possível valor de existência, na medida em
que outras opções de locais de pesca poderiam estar assegurados. Uma segunda pesquisa,
indagando somente valor de existência, deveria ter sido realizada para constatar a magnitude
deste viés. Vale ainda ressaltar que a pesquisa foi dirigida somente à região sul do Pantanal,
que, por possuir características ecológicas distintas, influencia o perfil da atividade de pesca e,
portanto, não reflete o Pantanal como um todo.
A opção de usar dois instrumentos de pagamento - lacre e licença - para definir intervalos da
pesquisa dicotômica, apresenta dois problemas. Um, que está relacionado com a diferença
intrínseca entre o que se mede com lacre e licença. O uso de lacre parece ser a opção indicada,
uma vez que reflete um indicador mais preciso de uso. O outro refere-se à transformação de
lances livres de lacre em lances dicotômicos de licença, que depende muito pouco de hipóteses
de uma distribuição, como os autores pretenderam, ao utilizar um algoritmo de função
lognormal. Certamente, estas opções dos autores devem ter influenciado, significativamente os
resultados disparatados dos valores medianos de DAP que foram estimados. Adicionalmente,
vale ressaltar que tanto lacre quanto licença são requerimentos legais que podem ser facilmente
burlados na região, devido à fraca capacidade institucional de fazê-los valer, e, portanto,
afetam a magnitude dos valores respondidos.
Em suma, este estudo demonstra claramente os problemas de uma pesquisa de campo para
MVC que não obedece alguns procedimentos básicos como, por exemplo: pesquisas focais e
pesquisas-piloto para testar população alvo; adequação de instrumentos de pago; questões
relativas aos valores de uso e existência; e outras que afetam a qualidade da pesquisa.
Certamente, estas impropriedades incorridas pelos autores devem estar associadas a uma
restrição de natureza orçamentária, que condicionou o estudo à realização de uma pesquisa
menos detalhada e abrangente. Embora dificuldades de escopo e de base de dados adequada
afetem qualquer estudo de valoração econômica, no caso do MVC é mais crucial porque um
mercado hipotético é simulado, sem possibilidade de conferir consistência com valores
efetivamente revelados pelos indivíduos em situações reais de troca.
Ronaldo Seroa da Motta - 139

ESTUDO DE CASO 11

ZONA DE CONSERVAÇÃO DE KAKADU NA AUSTRÁLIA

In: Carson, R.T., Wilks, L. e Imber, D. Valuing the preservation of australia´s Kakadu
Conservation Zone. Oxford Economic Papers, vol. 46, Special Issue on Environmental
Economics, pp. 727-750, outubro de 1994.
Analisado por: José Ricardo Brun Fausto
Recursos ambiental: floresta tropical na Austrália
Objetivo: estimativa de benefício ambiental
Metodologia:
Valor estimado Método utilizado
valor de existência da preservação valoração contingente

Interesse empírico:
• descrição detalhada da aplicação do MVC.
• análise cuidadosa do questionário.
140 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

ZONA DE CONSERVAÇÃO DE KAKADU NA AUSTRÁLIA


In: Carson, R.T., Wilks, L. e Imber, D. Valuing the preservation of australia´s Kakadu
Conservation Zone. Oxford Economic Papers, vol. 46, Special Issue on Environmental
Economics, pp. 727-750, outubro de 1994.

OBJETIVO
A gestão dos recursos naturais tem sido marcada, nas últimas décadas, por uma intensificação
da freqüência e da complexidade das disputas centradas nas opções de uso e no ritmo que estes
usos devem seguir. Este fenômeno pode ser observado em vários lugares do mundo. De um
modo geral, a discussão está centrada no esgotamento ou na preservação de recursos naturais
escassos. Tendo em vista a dimensão das questões que permeiam o desenvolvimento e os
impactos ambientais associados a este, o governo australiano criou um órgão independente,
“Resource Assessment Commission” (RAC), para ajudar na avaliação das diversas opções
políticas que afetam o uso de recursos naturais.
Neste contexto, a RAC foi convocada a elaborar uma pesquisa para valorar as opções de uso
dos recursos da Zona de Conservação de Kakadu (ZCK). Basicamente, a questão chave era
avaliar a continuação ou não das atividades de mineração na ZCK ou se esta área deveria ser
preservada e incorporada ao Parque Nacional de Kakadu (PNK).
Portanto, a pesquisa da RAC concentra-se em ponderar os ganhos potenciais da exploração
mineral frente: (i) ao dano permanente que deveria ocorrer nas áreas imediatamente próximas a
mina de Coronation Hill; (ii) ao risco causado pela mina à ZCK e ao PNK; e (iii) às perdas
associadas a impossibilidade de usar a ZCK como parte do PNK, após o início da mineração
(irreversibilidade).
O ponto central de discussão entre os grupos de interesse - a indústria mineradora e os grupos
ambientalistas - era a magnitude do risco que a mina representava para a ZCK e o PNK e
também o valor atribuído pelo público à eliminação deste risco. Sendo assim, a RAC
direcionou a pesquisa para um estudo dos fatos científicos relativos ao risco e na mensuração
do valor dado pelo público às diferentes opções políticas.
Grande parcela do valor que se pretende mensurar é referente ao valor de existência, ou de
modo mais geral, ao valor de não-uso dado pelas pessoas à preservação. Desta forma, a RAC
optou em elaborar uma pesquisa baseada no método de valoração contingente que é
teoricamente a única técnica capaz de captar os valores de existência.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
A Zona de Conservação de Kakadu (ZCK) é uma área de 50 quilômetros quadrados localizada
no interior das fronteiras do Parque Nacional de Kakadu (PNK). Quando o PNK foi
estabelecido como parque nacional, a ZCK era administrada como uma área que o governo
alugava como terras para pastagem. Especulações sobre a riqueza mineral da ZCK são feitas
há muito tempo. Acredita-se que a área de Coronation Hill e El Sherana contêm depósitos
significantes de ouro, platina e paládio.
O PNK é um dos maiores parques nacionais da Austrália e uma parcela significativa de seu
território é considerado Patrimônio da Humanidade pelas Nações Unidas, devido à unicidade
do ecossistema, à diversidade de animais selvagens e aos sítios arqueológicos aborígines. Um
aspecto importante da ZCK é que ali encontram-se as cabeceiras de um dos principais rios
Ronaldo Seroa da Motta - 141

australianos, o rio South Alligator. No projeto inicial do PNK, um dos objetivos era englobar
toda a bacia hidrográfica deste rio.

RESULTADOS OBTIDOS
A pesquisa de valoração contingente dicotômica foi realizada com uma amostra, baseada em
2034 entrevistas completas, cuja abrangência cobria toda a Austrália. Tendo em vista a falta de
uma avaliação precisa do risco real representado pela atividade mineradora para a região,
utilizaram-se dois cenário distintos, um de menor impacto e outro, que adotou a hipótese de
um maior impacto causado pela mineração.
As estimativas acerca da disposição a pagar (DAP) pela preservação e incorporação da ZCK
ao PNK foram significativamente distintas. No cenário de menor impacto, o valor da DAP
estimada é de A$ 80.32 e no cenário de maior impacto, a DAP chega a A$ 143.26.

METODOLOGIA
A análise metodológica deste trabalho, realizado em Kakadu, está concentrada numa virtude
que, muitas vezes, não é encontrada em outros trabalhos. Consiste na apresentação detalhada
das principais questões e decisões que devem ser tomadas ao longo da elaboração de uma
pesquisa de valoração contingente.
A opção por este enfoque justifica-se pela importância que um questionário tem para se obter
consistência nos resultados de uma valoração contingente. De modo geral, o questionário deve
ser coerente com o que se quer valorar e bem elaborado, de forma que os viéses sejam
minimizados.

Descrição do bem a ser valorado


Antes da construção da pesquisa, foi decidida a utilização de dois cenários relativos ao risco
associado à atividade mineradora. Esta postura foi tomada, em parte, pelo fato de que a
investigação científica, conduzida pela RAC, sobre o risco atual da atividade mineradora, não
poderia ser completada até o prazo dado pelo governo para que a RAC fizesse a sua
recomendação. Além disto, os dois principais grupos de interesse na questão apresentavam
percepções sobre os riscos bastante divergentes.
Tendo em vista esta situação, foram desenvolvidos os cenários da seguinte forma: (i) “cenário
com impacto maior” e (ii) “cenário com impacto menor”. A diferença básica entre os dois
cenários está na questão da possibilidade de danos ambientais ex-situ. Na abordagem com
maior impacto, buscou-se descrever um panorama com as maiores conseqüências plausíveis e
na outra, com menor impacto, os efeitos ficaram mais restritos aos inevitáveis efeitos in-situ
da mineração na ZCK. Apesar do esforço de descrever a percepção dos grupos ambientalistas
e da indústria mineradora, nenhum destes atores expressaram-se completamente de acordo
com as descrições adotadas nos cenários.
Tanto num cenário como no outro, os entrevistados recebiam a mesma descrição sobre a PNK
e ZCK. Durante a descrição, eram apresentados mapas da Austrália destacando a localização
da PNK, e, em seguida, mapas do PNK mostrando a localização de ZCK. A partir dos mapas
da PNK, os entrevistados tomavam conhecimento sobre as características básicas do parque,
incluindo o Rio South Alligator e as duas áreas destinadas para a mineração, Coronation Hill e
El Sherana, situadas em ZCK.
Uma série de fotografias de Coronation Hill, principal área proposta de mineração, foi usada e
mostrou-se a grande proximidade (i.e. 250 metros) desta área, Coronation Hill, em relação ao
142 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Rio South Alligator. Os entrevistados também receberam informações sobre a importância da


região como habitat natural da várias espécies, particularmente em tempos de seca. Neste
sentido, apresentaram-se cartões com imagens e descrições biológicas de seis espécies que,
seriam afetadas provavelmente pela atividade mineradora. Em seguida, os entrevistados eram
informados que a área já havia sofrido algum impacto devido ao turismo e a existência de
aborígines que reivindicavam direitos sobre ela.
Após toda esta descrição da ZCK, eram relatadas as características da mina, sua operação e os
efeitos decorrentes. Esperava-se que esta atividade gerasse 150 empregos ao longo de 10 anos
e que a mina, propriamente dita, ocupasse uma área de, aproximadamente, 1 Km2. As medidas
de segurança do meio ambiente foram descritas de forma ampla.
Buscando uma melhor assimilação das informações dadas, utilizaram-se duas pinturas que
mostravam como a área de Corolário Hill deveria parecer após a instalação da mina, incluindo
o buraco aberto para mineração, a planta processadora, as pilhas de pedras retiradas, o tanque
de armazenamento dos resíduos e a via de acesso principal. Foi passado para os entrevistados
que a maior parte da área seria recuperada. Após o fim da mineração, entretanto, o buraco da
jazida continuaria ali. Além disto, foi dito que se outra mina fosse instalada na ZCK, as
medidas de segurança e os impactos seriam similares aos de Coronation Hill.
A principal diferença entre os cenários de maior e menor impacto se concentra na descrição
dada sobre os possíveis impactos fora da ZCK. O cenário de maior impacto incluía uma
gravura das áreas úmidas (“wetlands” ) - 90 Km à jusante de Coronation Hill - e, neste
contexto, os entrevistados eram alertados de que havia uma pequena probabilidade de um
acidente cujo efeito poderia “causar danos às plantas e animais que vivem perto ou distante da
mina”. O cenário de maior impacto apresentava também a possibilidade de algum distúrbio no
balanço natural do Parque Nacional de Kakadu (PNK) em função da mina. No cenário com
uma visão mais otimista, os efeitos se restringiam a ZCK e estavam concentrados na área
imediatamente próxima à mina.
No cenário de maior impacto, os entrevistados eram informados sobre os produtos químicos
usados no processo de mineração, na qual o cianureto era especialmente mencionado. No
outro cenário, foram feitas referências apenas a “produtos químicos tóxicos”. Uma outra
diferença apareceu na questão dos problemas de estocagem de água nos períodos de seca para
a vida animal e nos distúrbios causados à fauna habitante da área próxima a mina. Estes
possíveis efeitos foram relatados apenas no cenário de maior impacto.
Basicamente, as diferenças entre os dois cenários apresentam uma natureza qualitativa, ao
invés de quantitativa. As informações, tanto num como no outro, são consistentes e, pode-se
dizer que o cenário de maior impacto engloba o de menor impacto, com uma visão menos
otimista dos possíveis impactos.

Contexto geral de provisão


Este é um aspecto de grande importância numa pesquisa de valoração contingente. Tomou-se
o cuidado para que o entrevistado não atribuísse uma relevância artificial à preservação da
ZCK devido ao simples fato de estar sendo pesquisado sobre este assunto. Em primeiro lugar,
os entrevistados eram perguntados sobre a posição que tomavam frente a um certo número de
questões associadas às políticas públicas. Em seguida, a pesquisa direcionava a atenção do
entrevistado para o fato de que o meio ambiente é apenas uma destas diversas questões. Feito
isto, eram conduzidas perguntas para que os indivíduos descrevessem os problemas ambientais
que mais os preocupavam.
Ronaldo Seroa da Motta - 143

Este tipo de procedimento pretendeu que os entrevistados analisassem a questão da mineração


na ZCK com uma perspectiva ampla sobre a sua relevância. Antes da aplicação das perguntas
sobre a disposição a pagar, propriamente dita, os entrevistados eram lembrados de que a
mineração em ZCK era “apenas mais uma de várias questões ambientais que podem custar
dinheiro para você”.
Em um nível mais específico, era importante que as pessoas distingüissem ZCK do PNK. Isto
foi facilitado pelo uso de apelos visuais. Primeiro foi apresentado o mapa da Austrália
destacando o PNK, então, mostrou-se um mapa da PNK e a ZCK onde a área da mina se
encontrava em destaque.
Outra questão que sempre deve ser trabalhada é a análise apropriada da estrutura de direitos de
propriedade. Em outras palavras, deve-se observar se o público deve pagar pelo bem ambiental
ou se deve receber uma compensação para deixar de usufruir deste. Aparentemente, a
disposição a aceitar (DAA) uma compensação deveria ser utilizada em um caso como este.
Entretanto, a existência anteriormente de atividades mineradoras na área de ZCK e o contexto
associado à criação do PNK obscurece a questão. Além disto, como já foi mencionado na parte
metodológica do MVC, é extremamente difícil a elaboração de uma pesquisa confiável de
valoração contingente com a utilização da DAA.
A disposição a pagar obtida por um bem público, valorado individualmente (primeiro na
sequência), é menor que a disposição a aceitar pelo mesmo bem para qualquer ordem na
sequência. Caso a DAP seja o direito de propriedade a ser usado, deve-se levar em conta que o
bem em questão faz parte de uma cesta maior de bens a serem providos pela agência
ambiental. Isto significa que o bem tem que ser apresentado junto com a sequência no qual
será provido. Como a decisão sobre ZCK foi colocada como a questão de recursos naturais
prioritária para a RAC, a DAP pela preservação da ZCK pode ser abordada desvinculada de
uma sequência.
Para obter uma estimativa conservadora do benefício e para maximizar a legitimidade do
exercício de valoração, optou-se por utilizar a DAP ao invés da DAA no cálculo do valor
monetário associado à preservação da área, impedindo que o processo de mineração ocorra em
ZCK. A opção pela DAP foi corroborada (i) pelo fato de já ter ocorrido anteriormente
mineração na área e (ii) pela proposição de que haveriam investimentos para a incorporação e
para a administração da ZCK.

Veículo de Pagamento
Tendo em vista a decisão de utilizar a DAP, os entrevistados eram informados de que o
público deveria pagar para que o benefício da preservação da ZCK fossem assegurados. Este
pagamento se justificava pela perda de receita do governo, decorrente do desestímulo à
atividade mineradora e dos custos de administração do Parque que o governo iria incorrer a
partir deste momento. O veículo de pagamento utilizado foi uma redução da renda do
entrevistado, através de um aumento dos tributos para compensar a perda de receita associada
à mina e gerar uma receita suficiente para cobrir os gastos necessários com a incorporação da
ZCK ao PNK e à administração anual desta área.
Como os impostos na Austrália são coletados em bases individuais, a pesquisa perguntava
sobre a DAP individual e não familiar. Para facilitar uma comparação com as estimativas dos
benefícios da mineração ano-a-ano que estavam sendo elaboradas pela “Australian Bureau of
Agricultural and Resourses Economics”, informações sobre a disposição a pagar anual foram
elaboradas.
144 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Estas duas decisões apresentam problemas. Em primeiro lugar, existem evidências claras de
que muitos entrevistados basearam suas respostas na renda familiar45 ao invés da sua renda
individual. A hipótese conservadora que deve ser adotada é que as respostas da DAP são em
relação à família e não respostas individuais. O outro problema concentra-se no fato de que a
interpretação dos pagamentos anuais para valoração contingente têm apresentado dificuldades.
Caso não haja mecanismos eficientes que garantam o fluxo de pagamentos, alguns
entrevistados levam a sério apenas o primeiro pagamento, ou apenas as primeiras parcelas do
pagamento requerido. Neste sentido, a hipótese conservadora que deve ser adotada para este
problema é considerar um pagamento de uma vez só, sem anuidades.

MÉTODO DE ELICIAÇÃO
A forma de questionário adotada foi o dicotômico, referendo com acompanhamento, onde os
entrevistados são perguntados se estão dispostos a pagar uma quantia A$ X pré-determinada
(escolha dicotômica). Se o entrevistado aceita esta quantia, então é perguntado se estaria
disposto a pagar uma quantia maior que A$ X também pré-estabelecida. Supondo que o
entrevistado recusou a primeira quantia ofertada, a segunda pergunta apresentará uma quantia
menor que A$ X.
Foram utilizados na pesquisa quatro grupos distintos de valores ([A:100,250,50],
[B:50,100,20], [C:20,50,5] e [D:5,20,2]). O primeiro valor corresponde à quantia inicial
ofertada no questionário, em seguida aparece o valor a ser oferecido, caso o entrevistado
aceite a quantia inicial, e o último valor corresponde à oferta a ser apresentada caso a quantia
inicial seja recusada.
De uma forma simplificada, a natureza discreta de pergunta pode ser descrita da seguinte
forma: pagar A$ X e adicionar ZCK ao PNK ou não pagar nada e área de ZCK ser minerada.
Visto que as respostas se limitam a “sim” ou “não”, os entrevistados possuem menos
oportunidades de influenciar os resultados da pesquisa.
O método de eliciação do tipo referendo com acompanhamento fornece mais informações
sobre a localização da DAP dos entrevistados do que o método referendo com apenas uma
escolha dicotômica. A segunda pergunta interativa, utilizada no método de eliciação adotado,
faz com que as estimativas encontradas sejam mais precisas do que aquelas que seriam
alcançadas com a escolha dicotômica simples, considerando o tamanho da amostra como dado.
Além das perguntas estritamente ligadas à disposição a pagar, a pesquisa de Kakadu continha
diversas perguntas visando obter informações sócio-econômicas e também sobre as opiniões e
os hábitos dos entrevistados. Neste sentido, as perguntas englobavam deste assuntos gerais
sobre da política australiana até questões relacionadas aos parques nacionais e mineração,
tendo como objetivo principal coletar informações relativas à opinião dos australianos sobre as
questões dos recursos naturais. Assuntos como reciclagem, filiação em organizações
ambientais, conhecimento do PNK e tipo de recreação também foram abordados na pesquisa.
Algumas destas informações - somadas a informações sócio-econômicas como renda, idade,
educação, sexo e ocupação - foram utilizadas como variáveis explicativas na construção da
função de valoração apresentada mais adiante.

45
Esta observação está baseada, em grande parte, na constatação de que o número anormal de entrevistados com
“home duties” que afirmaram não ter renda, mas, aceitaram pagar uma quantia considerável. A DAP original
estimada foi baseada em 12 261 455 adultos ao invés de 5 420 400 famílias.
Ronaldo Seroa da Motta - 145

Procedimentos finais para a realização da pesquisa


A realização de uma pesquisa-teste, com uma versão preliminar do questionário aplicado num
pequeno grupo, é de extrema importância para uma avaliação da qualidade da pesquisa que
está sendo realizada. Na pesquisa de Kakadu, este tipo de procedimento evidenciou a
necessidade de modificar algumas partes do texto e de se adicionar cartões contendo opções
de respostas para determinadas perguntas.
A pesquisa de valoração contingente de Kakadu foi aplicada em setembro de 1990,
englobando toda a Austrália. Este trabalho foi administrado pela AGB:McNair, uma das
maiores empresas australianas de pesquisa de opinião pública. As entrevistas foram
domiciliares, com apenas uma pessoa entrevistada por família selecionada. Neste sentido, os
entrevistados foram selecionados a partir de uma amostra aleatória estratificada de pessoas
com idade igual ou superior a 18 anos. O processo de estratificação foi elaborado primeiro em
nível estadual e depois em nível metropolitano/não-metropolitano. Dentro de cada extrato, os
domicílios a serem entrevistados foram selecionados em um determinado setor censitário,
levando em conta a probabilidade de cada extrato encontrar-se neste setor. Estas
probabilidades estavam de acordo com as proporções verificadas no censo de 1986.
As entrevistas foram feitas com oito tipos de questionários diferentes, aplicados de forma
aleatória na amostra das pessoas selecionadas. As várias versões de questionários são
decorrentes da utilização dos cenários de maior e menor impacto e dos 4 grupos de valores
usados nas perguntas de DAP.
No treinamento dos entrevistadores, foi enfatizado o uso de ajuda visual e a necessidade de
neutralidade frente ao entrevistado. A aplicação dos questionários levou, em média, um pouco
mais de 30 minutos. Os entrevistadores fizeram, no mínimo, três ligações posteriores,
buscando completar o questionário. Com isto, foi atingida uma taxa de resposta de 62% e as
entrevistas foram completas com 2 034 entrevistados.
Uma amostra separada com 502 entrevistas foi conduzida em “Northern Territory”, área em
que PNK está localizado. Esta pesquisa foi aplicada simultaneamente e com um procedimento
similar aquele usado na pesquisa maior. A análise separada justifica-se pelo fato de apenas 1%
da população australiana habitar, o pouco ocupado, “Northern Territory”.

RESULTADOS
Os dados obtidos dos questionários sofreram uma análise estatística detalhada e minuciosa,
entretanto a descrição desta análise fugiria ao objetivo deste trabalho.46 Para fazer as
estimativas das medianas relativas a disposição a pagar dos entrevistados foram usadas duas
funções de distribuição: (1) a turnbull não-paramétrica e (2) a Weibull paramétrica. Os
resultados obtidos para estas estimativas são apresentados nas Tabelas 1 e 2. Além disto,
foram estimadas duas funções de valoração, uma primeira para a amostra de toda a Austrália e
uma outra para a amostra do “Northern Territory”.

46
Maiores informações são apresentadas em Carson, R.T et al. (1994).
146 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 1
ESTIMATIVAS DA MEDIANA DA DISPOSIÇÃO A PAGAR
PARA A AMOSTRA DE T ODA A AUSTRÁLIA

Estimativa não-paramétrica do Estimativa Weibull da mediana


intervalo da mediana (intervalo de confiança de 95%)
Cenário de maior impacto A$ 100 - A$ 250 A$ 143,26
(110,31 - 186,02)
Cenário de menor impacto A$ 50 - A$ 100 A$ 80,32
(60,65 - 106,37)

Um fato interessante a ser analisado é que as estimativas da disposição a pagar na pesquisa


realizada no “Northern Territory” (NT) apresentam valores significativamente menores
daqueles encontrados na amostra maior para toda a Austrália. Este resultado já era, de alguma
forma, esperado. Os habitantes do NT tiveram acesso a uma grande quantidade de informações
sobre os possíveis efeitos da mineração em ZCK e seriam os principais beneficiados do
desenvolvimento desta atividade. Sendo assim, muitos dos entrevistados desta região já
possuíam provavelmente um ponto de vista próprio sobre os possíveis riscos e dos possíveis
benefícios da mineração. As diferenças de opinião, entre os dois principais grupos de interesse
sobre os riscos da mineração em ZCK, foram fortemente discutidas e publicadas no NT. As
opiniões favoráveis à mineração receberam o apoio e suporte do poder público do “Northern
Territory”, influenciando bastante a percepção das pessoas e acarretando em valores baixos na
DAP.

TABELA 2
ESTIMATIVAS DA MEDIANA DA DISPOSIÇÃO A PAGAR
PARA A AMOSTRA DO “NORTHERN T ERRITORY”

Estimativa não-paramétrica do Estimativa Weibull da mediana


intervalo da mediana (intervalo de confiança de 95%)
Cenário de maior impacto A$ 20 - A$ 50 A$ 35,28
(19,92 - 62,50)
Cenário de menor impacto A$ 20 - A$ 50 A$ 33,61
(19,26 - 58,65)

De forma resumida, uma estimativa conservadora dos benefícios da preservação da ZCK, pela
adição desta ao PNK, pode ser obtida através da multiplicação do valor encontrado para a
mediana da DAP no cenário de menor impacto (A$ 80,32) pelo número de famílias
australianas em 1990 (5 420 400). Desta maneira, o valor estimado da preservação da ZCK é
de, aproximadamente, A$ 435 milhões. Segundo a “Australian Bureau of Agricultural and
Resource Economics”, o valor presente líquido estimado para o projeto da mina de Coronation
Hill é de A$ 102 milhões, considerando uma taxa de desconto de 5% (RAC 1991). Portanto,
comparando estes valores dentro da perspectiva da economia do bem estar, pode-se dizer que
a preservação e incorporação da ZCK ao PNK levará a um nível de bem estar, para a
sociedade como um todo, maior do que aquele que seria alcançado caso o projeto de
mineração fosse levado adiante.
Ronaldo Seroa da Motta - 147

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Como já foi mencionado anteriormente, este trabalho apresenta uma preocupação especial com
a qualidade do questionário e este tipo de procedimento melhora sensivelmente a
confiabilidade da amostra. Além disto, a pesquisa de campo foi conduzida por técnicos
especializados em pesquisas de opinião.
A parte relativa aos cálculos necessários para se chegar as estimativas da DAP, através das
informações obtidas nos questionários, não foi abordada aqui, mas é apresentada com grande
rigor metodológico no texto dos autores.
Segundo os resultados obtidos acima, a preservação da ZCK deveria ser a opção adotada pelas
entidades responsáveis. Na realidade, o governo australiano efetivamente decidiu pela
incorporação desta área ao PNK, no entanto, os elementos que justificaram em termos
políticos esta decisão estavam, de modo geral, baseados na questão dos aborígines na região.
A própria RAC não apresentou uma análise de custo-benefício comparando a mineração e a
preservação, ao invés disto, apresentou várias opções de usos possíveis para a KCZ. Neste
sentido, o MVC, apesar da qualidade do estudo, não foi utilizado como elemento de decisão.
Ronaldo Seroa da Motta - 149

ESTUDO DE CASO 12

FLORESTAS TROPICAIS DE MADAGASCAR

In: Kramer, R. A., Sharma, N. e Munasinghe, Mohan. Valuing tropical forests: methodology
and case study of Madagascar. World Bank Environment Paper, no 13, The World Bank,
Washington, D.C., 1995.
Analisado por: José Ricardo Brun Fausto
Recurso ambiental: floresta tropical em Madagascar
Objetivo: estimativa de benefício ambiental
1. Impacto nas Comunidades Locais
Metodologia:
Valores estimados Métodos utilizados
valor de uso dos nativos associado à perda de acesso aos recursos custo de oportunidade
naturais do parque
valor de uso dos nativos associado à perda de acesso aos recursos valoração contingente
naturais do parque
2. Impacto no Turismo
Metodologia:
Valores estimados Métodos utilizados
valor de uso recreacional dos turista associado à criação do novo parque valoração contingente
valor de uso recreacional dos turista associado à criação do novo parque custo de viagem
3. Impacto do Desmatamento na Produtividade
Metodologia:
Valor estimado Método utilizado
valor de uso da prevenção de perdas nas plantações pela criação do produtividade marginal
parque

4. Valor de Existência
Metodologia:
Valor estimado Método utilizado
valor de existência da preservação da floresta tropical úmida valoração contingenciada

Interesse empírico:
• ampla cobertura metodológica para diversos tipos de benefício.
• rigor metodológico na aplicação dos métodos e na análise dos resultados.
150 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

FLORESTAS TROPICAIS DE MADAGASCAR

In: Kramer, R. A., Sharma, N. e Munasinghe, Mohan. Valuing tropical forests: methodology
and case study of Madagascar. World Bank Environment Paper, no 13, The World Bank,
Washington, D.C., 1995.

INTRODUÇÃO

OBJETIVO
A elaboração deste trabalho em Madagascar reflete uma preocupação, dentro Banco Mundial,
com a necessidade de aperfeiçoamento dos métodos de valoração aplicados em projetos de
recursos naturais. A questão principal encontra-se na busca de metodologias confiáveis para a
análise econômica dos bens ambientais. Devido às especificidades destes bens, eles acabam não
sendo incorporados na análise custo-benefício normalmente utilizada pelo banco na avaliação
dos projetos financiados. Outro fator importante a ser destacado é o crescente interesse, tanto
público como privado, quanto às questões referentes às florestas tropicais. Isto, por sua vez,
cria uma demanda por mais informações sobre os custos e os benefícios de se proteger e
utilizar florestas tropicais.
Portanto, esta pesquisa realizada em Madagascar não tem como objetivo principal fazer uma
análise custo-benefício para determinar a viabilidade econômica da criação do novo parque. A
questão central é adequar diferentes métodos de valoração ambiental para a análise econômica
dos projetos de conservação.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
A ilha de Madagascar possui 587.000 quilômetros quadrados e está a 400 quilômetros da costa
sudeste do continente africano. Apenas 14% dos 12 milhões de hectares de floresta em
Madagascar são classificados como floresta de alta-densidade não degradada. A ilha apresenta
um grande número de plantas e animais que não foram encontrados em nenhum outro lugar do
mundo. O alto grau de endemismo dos ecossistemas existentes em Madagascar, aliado a
numerosa diversidade de espécies, dentro de uma área geográfica relativamente pequena, levou
as grandes organizações conservacionistas a declarar a ilha como um dos mais importantes
reservatórios globais de diversidade biológica. Apesar disto, Madagascar apresenta uma das
mais elevadas taxas de desmatamento do mundo, perdendo cerca de 200.000 hectares por ano.

RESULTADOS OBTIDOS
Este estudo de caso avalia os efeitos econômicos da criação do parque de Mantadia segundo
várias óticas distintas: das comunidades locais, do turismo e da prevenção de enchentes nas
áreas a jusante. Além disto, aplica-se o método de valoração contingente para captar-se o valor
existência dado por residentes nos EUA à proteção de uma área de floresta tropical úmida, sem
especificar a área ou o país em que a floresta seria conservada.
Na primeira seção deste estudo são apresentadas estimativas do impacto sobre as comunidades
nativas que serão diretamente afetadas pelas restrições de acesso as áreas do parque. Do ponto
de vista destes agentes, a implantação do parque tem um efeito negativo, acarretando em uma
perda de bem-estar.
Ronaldo Seroa da Motta - 151

Para se estimar as perdas das comunidades locais, decorrentes da implantação do parque


nacional, são aplicados o método de valoração contingente (MVC) e a análise do custo de
oportunidade. A estimativa das perdas, mensurada pela disposição a aceitar, dos nativos, como
compensação pela perda de acesso a área do parque (MVC), apresenta valores similares
aqueles encontrados para custo de oportunidade obtido nos fluxos de caixa das comunidades.
Os resultados obtidos, na aplicação dos métodos de valoração, sugerem que deveria ser feita
uma compensação anual de, aproximadamente, US$ 100 por família. Esta compensação
poderia ser feita na forma de assistência médica, educação, ou na criação de empreendimentos
capazes de criar rendas alternativas nas áreas tampão47 (“buffer zone”).

RESUMO DA METODOLOGIA E DOS RESULTADOS OBTIDOS


IMPACTO SOBRE AS COMUNIDADES LOCAIS

Método Abordagem Características da Resultados


amostra
Custo de estima as perdas dos nativos pesquisa com 351 US$ 91 de perda
Oportunidade associadas à implantação do parque famílias em 17 vilarejos média anual por
família
Valoração estima a DAA dos nativos em pesquisa com 351 US$ 108 de perda
contingente compensação pela perda de acesso famílias em 17 vilarejos média anual por
às florestas do parque família

Analisando a criação do parque por outro ângulo, espera-se que a demanda do ecoturismo em
Madagascar cresça e aumentando com isso os fluxos de receita nos setores ligados a esta
atividade. Os benefícios decorrentes do impacto sobre o turismo, em função da criação do
novo parque, são mensurados através da aplicação do método de valoração contingente para
captar o quanto os turistas estão dispostos a pagar para visitar o parque.
Supondo uma taxa de desconto de 10% ao ano, o valor presente dos benefícios provenientes
do turismo variam de US$ 1 milhão a US$ 2.5 milhões. Estes resultados indicam que os
benefícios potenciais do ecoturismo, associados ao novo parque, poderão ser uma importante
fonte de receita.

47
Corresponde a região no entorno de uma área de preservação que deve ser conservada, no sentido de servir
como uma área de transição entre um ambiente de alta intervenção antrópica para um ambiente de baixa.
152 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

RESUMO DA METODOLOGIA E DOS RESULTADOS OBTIDOS


IMPACTOS SOBRE O TURISMO

Método Abordagem Características da amostra Resultados


Valoração estima a DAP dos turistas Pesquisa com 91 turistas em US$ 65 de variação
contingente pela visita ao novo parque uma reserva próxima e 27 média do excedente
organizações de ecoturismo do consumidor por
turista
Modelo de Típico de estima o excedente do Pesquisa com 91 turistas em US$ 45 de variação
Viagem consumidor (do turista) uma reserva próxima e 27 média do excedente
associado à criação do organizações de ecoturismo do consumidor por
novo parque turista
Modelo de Utilidade estima o excedente do Pesquisa com 91 turistas em US$ 24 de variação
Aleatório (RUM) consumidor (do turista) uma reserva próxima e 27 média do excedente
associado à criação do organizações de ecoturismo do consumidor por
novo parque turista

A seção sobre impacto do desmatamento na produtividade agrícola apresenta um estudo


bastante interdisciplinar no qual são cruzadas informações topográficas, com fotos aéreas e
imagens de satélite para a construção de um histórico da evolução do desmatamento na área.
Por meio de uma análise hidrológica da região, busca-se estabelecer uma função “dose-
resposta” entre a taxa de desmatamento e o efeito desta sobre as inundações que acabam por
acarretar em perdas de produtividade.
Esta correlação permite a elaboração de uma previsão sobre a redução das enchentes
decorrente da criação do parque e da área tampão. Então, a partir disto, pode-se estimar, em
termos monetários, as perdas na produtividade das plantações que seriam evitadas, caso a
preservação das florestas fosse efetiva.
O método da produtividade marginal indica que, considerando um tempo de vida útil de 20
anos para o projeto, o benefício agregado obtido na proteção dos corpos d’água é de
US$ 71 556, em valor presente.

RESUMO DA METODOLOGIA E DOS RESULTADOS OBTIDOS


IMPACTO NA PRODUTIVIDADE DO DESMATAMENTO

Método Abordagem Características da análise Resultados


da Produtividade mensura o valor monetário Elaboração de função US$ 71 556 de benefício
marginal das perdas nas plantações “dose-resposta” relacionan- líquido agregado das
prevenidas pela criação do do o desmatamento com as prevenção da inundações
parque inundações

Na seção sobre valor de existência, o método de valoração contingente é aplicado para a


avaliação da disposição a pagar das famílias norte americanas pela preservação das florestas
tropicais úmidas, em uma área correspondente a 110 milhões de acres.
Um aspecto importante deste trabalho é o fato de que o local ou a área específica a ser
protegida não foi determinada na pesquisa. Esta característica faz com que esta aplicação do
MVC seja bastante singular, tendo em vista que a maioria das aplicações dos métodos de
valoração é realizada em áreas definidas e esta aborda uma bem ambiental a nível global.
Ronaldo Seroa da Motta - 153

RESUMO DA METODOLOGIA E DOS RESULTADOS OBTIDOS


VALOR DE EXISTÊNCIA

Método Abordagem Características da amostra Resultados


Valoração contingente estima a DAP média das pesquisa via correio com 542 US$ 24 de doação
com modelo referendo famílias nos EUA pela famílias residentes nos EUA por família nos
preservação da floresta EUA
tropical úmida
Valoração contingente estima a DAP média das pesquisa via correio com 542 US$ 31 de doação
com modelo cartão de famílias nos EUA para famílias residentes nos EUA por família nos
pagamento um fundo de preservação EUA
da floresta tropical
úmida

Os resultados indicam que as famílias norte-americanas não tiveram problemas com a falta de
especificação do local a ser preservado e mostraram-se confortáveis em determinar sua
disposição a pagar por um bem ambiental global. Na média, as famílias estariam dispostas a
pagar US$ 24 nos questionários com perguntas do tipo referendo e US$ 31 nos questionários
com cartão de pagamento. Supondo que apenas as famílias com renda anual igual ou superior
de US$ 35 mil realmente doariam para o fundo de preservação das florestas tropicais, chega-se
a uma DAP agregada de, aproximadamente, US$ 1 bilhão.

IMPACTO NAS COMUNIDADE LOCAIS

METODOLOGIA
A criação do parque irá resultar num impacto direto sobre as comunidades que vivem na
região. Estas famílias se apropriam tanto de produtos extraídos da floresta como utilizam as
terras para atividades agrícolas. Com isto, uma mudança na área total que as famílias têm
acesso acarretará inevitavelmente em alterações na produção, na renda e no consumo destas
pessoas.
Para se avaliar o impacto em termos econômicos, utiliza-se um modelo de produção familiar.
Neste sentido, assume-se que as famílias consomem um vetor de bens mercadoria Xm, um
vetor de bens de agrícolas Xa e um vetor de outros bens florestais Xf . Além disto, deve-se
levar em conta que as famílias consomem parte do seu tempo com lazer (Xl).
Uma grande parcela da produção nas comunidades é para subsistência, isto significa, no
modelo de produção familiar que os vetores Xa e Xf são tanto produzidos como consumidos
pelas famílias. A parcela não consumida pela família, ou seja, o excedente gerado na produção
dos bens agrícolas e dos produtos florestais, é utilizada para a compra de bens mercadoria.
Para efeito de formalização, a restrição orçamentária pode ser descrita da seguinte maneira:
PmXm = Pa(A-Xa)+Pf(F-Xf)-Wlh-Pkk+I-c
onde
Xm = vetor de bens mercadoria comprados pela família
A = vetor com as quantidades dos diferentes bens agrícolas produzidos pela família.
F = vetor com as quantidades dos produtos florestais coletados e processados pela família
Pm = vetor com os preços dos bens mercadoria
Pa = vetor com os preços dos bens agrícolas
154 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Pf = vetor com os preços dos produtos florestais


lh = trabalho sazonal utilizado na produção de bens agrícolas
w = salário de mercado
K = vetor de bens de capital usados na agricultura
Pk = vetor com os preços dos bens de capital
I = outras rendas disponíveis para a família
c = custo de derrubada da floresta primária para a agricultura de pousio
O termo PmXm, da expressão acima representa a renda disponível para a família depois de ter
consumido uma parcela dos bens por ela produzido e comprado os insumos usados na
produção familiar. Esta renda é utilizada para comprar o vetor de bens mercadoria (Xm) que
está disponível aos preços de mercado Pm.
As comunidades nativas apresentam uma forte dependência das florestas que se encontram
dentro do parque ou nas proximidades deste. Na região, a principal atividade econômica é a
agricultura de pousio baseada na rotação de cultura. Além disto, as florestas desempenham um
importante papel para os nativos como fonte para a extração de lenha e também para a caça de
uma grande variedade de peixes e animais. As plantas e ervas coletadas na florestas são
consumidas como alimento e desempenham um papel importante no tratamento de
enfermidades.
Na ótica destas comunidades, a criação do parque representa uma diminuição da área por elas
utilizada para propósitos agrícolas e de extração florestal. Supondo que as comunidades
tivessem acesso a T hectares de terra, com o estabelecimento do parque, as famílias perdem
acesso a algumas áreas e passariam a dispor de apenas T’ hectares de terra (T’>T). Esta perda
de terras disponíveis tem um efeito negativo na produção familiar que acaba por acarretar em
uma perda no nível de bem-estar.
Neste estudo, duas abordagens distintas são utilizadas para captar a perda de bem-estar das
comunidades nativas associada à criação do parque. Uma abordagem adotada é a análise do
custo de oportunidade para medir a renda sacrificada da população resultante da conservação.
A outra abordagem utilizada é o método de valoração contingente (MVC) que busca captar a
disposição a aceitar (DAA) das comunidades nativas em compensação pela perda de acesso às
áreas do parque.
Como já foi mencionado anteriormente, a redução da área disponível às comunidades nativas
implica numa diminuição dos benefícios destas. Portanto, os custos de oportunidade relevantes
para este estudo de caso são aqueles associados aos usos alternativos da terra pelos nativos
que vivem nas proximidades do parque.
Dada a dependência das comunidades nativas em relação às florestas para reprodução do modo
de vida, pode-se estimar o custo referente à perda da oportunidade de explorar a área interior
do parque, identificando o tipo de uso do solo na área do parque48 e projetando as futuras
modificações previstas no padrão de uso atual.
Para determinar o custo de oportunidade da população local pela criação do Parque Nacional
de Mantadia são enfatizados os seguintes pontos: (i) a renda gerada a partir da floresta pelos
nativos em termos de produtos florestais coletados (madeira e não madeira); (ii) a renda gerada
pelos nativos a partir da atividade agrícola nas florestas; (iii) a extensão em que a área
compreendida no interior do Parque Nacional inclui florestas utilizadas pelas comunidades
nativas para coleta de produtos florestais e agricultura de pousio.

48
Incluindo as proximidades, ou seja, a zona tampão de amortecimeto (buffer zone)
Ronaldo Seroa da Motta - 155

Um dos procedimentos iniciais da avaliação do impacto causado pela criação do parque foi
estimar o tamanho e a localização da população afetada. Partindo destas informações, as
comunidades nativas foram agrupadas geograficamente, separando os nativos localizados a
nordeste, a sudeste e a sudoeste do parque. Para cada uma destas regiões foi elaborado um
fluxo de caixa, onde a perda líquida para uma família média da região era estimada.
Cada um dos três fluxos de caixa foi elaborado em duas etapas. A primeira delas consistiu na
construção de estimativas, referente apenas ao ano de 1991, quanto ao fluxo de caixa líquido
da extração de produtos florestais e o fluxo de caixa líquido da agricultura de pousio. A
segunda etapa foi uma extensão do fluxo de caixa inicial (1991) para o período de 1991 até
2010, incorporando ajustes nos fluxos de custos e benefícios ao longo do tempo (por exemplo,
assume-se que sem o parque, a área sofreria um desmatamento num ritmo de 3% ao ano).
Na realidade, estes fluxos de caixa estão mensurando o benefício econômico que seria gerado
pelos recursos naturais contidos no interior do parque para os nativos, caso estes continuassem
tendo acesso a ele. O valor presente líquido do benefício econômico encontrado nos fluxos de
caixa representa o valor presente líquido do custo de oportunidade da criação do Parque
Nacional de Mantadia para uma família média de cada um dos três subgrupos.
A outra abordagem utilizada para captar a mudança no nível de bem-estar foi a aplicação do
método de valoração contingente, onde as famílias foram induzidas a revelar a quantia que
estariam dispostas a receber em compensação, de forma que permanecessem com o mesmo
nível de bem-estar. Neste estudo, foram utilizados questionários com formato do tipo
referendo (escolha dicotômica). O veículo de pagamento utilizado no questionário para a
compensação foram unidades de arroz (Kg).
As respostas dadas sobre a disposição a aceitar, baseadas na escolha dicotômica, foram
utilizadas para se estimar uma função de lances apoiada numa estrutura de regressão logística.
As informações necessárias para a análise e mensuração do impacto nas comunidades locais,
tanto pelo custo de oportunidade como pela valoração contingente, foram produzidas por uma
pesquisa realizada com 351 famílias em 17 vilarejos. Todas as comunidades pesquisadas se
encontram no entorno do parque, estipulado em 7,5 quilômetros da fronteira. A pesquisa foi
administrada com o auxílio de uma organização não-governamental local, com experiência em
pesquisa rural, e conduzida em “Malagasy”, a língua nacional.
A elaboração do questionário seguiu algumas etapas. O primeiro passo caracterizou-se por
uma visita de reconhecimento nos vilarejos. A partir daí, foram feitas entrevistas focalizadas
em alguns grupos, conversas com várias pessoas familiarizadas com a área e um pré-teste
cobrindo 25 famílias.
O questionário final tinha como enfoque principal duas questões: (1) estabelecer a extensão da
dependência das comunidades em relação às florestas próximas aos vilarejos e dentro das
fronteiras do parque para a obtenção de produtos florestais e para agricultura de pousio e (2)
apontar as atividades locais compatíveis com uma proposta de conservação dos ambientes
naturais. O questionário também incluía perguntas relacionadas a variáveis sócio-econômicas,
uso do solo, alocação do tempo, atividades produtivas das famílias e sobre a disposição a
aceitar das famílias em compensação da perda do acesso ao parque.
Os dados sobre preços dos produtos florestais e sobre o trabalho dispendido na extração
destes foram obtidos de diversas fontes, incluindo entrevistas com os nativos, donos de lojas,
líderes das comunidades e relatórios publicados. Quanto a atividade agrícola, os dados sobre
preços foram obtidos por meio de entrevistas com várias pessoas ligadas à economia dos
156 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

vilarejos. Os dados sobre trabalho dispendido na agricultura foram encontrados num estudo
realizado sobre os custos da produção agrícola.

RESULTADOS OBTIDOS
Partindo dos dados apurados na pesquisa realizada com 1.598 pessoas, chega-se ao resultado
de que o tamanho médio das famílias na região é de 4,6 pessoas e que, na média, os nativos
não têm acesso à assistência médica, água encanada, ou eletricidade. A maioria dos nativos
pesquisados encontra-se dentro de um raio de 4 a 5 quilômetros de uma escola primária.
Mesmo assim, o número de anos médio de escolaridade por pessoa é de apenas 2,4 anos.
TABELA 1
CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICAS DAS FAMÍLIAS PESQUISADAS

Variável Variação Média


Número de membros na família (N=351) 1 - 13 4,55
Idade em anos (N=335) 0,5 - 100 17
Proporção de menores de 10 anos de idade (N=593) ---- 0,37
Educação em anos (N=1542) 0 - 14 2,35

A principal atividade econômica da região é a produção de arroz. Uma família média produz
cerca de 487Kg de arroz por ano, isto equivale a, aproximadamente, US$ 128 (Tabela 2). A
maioria das famílias pratica a rotação de lavouras e cultiva outros produtos como milho, feijão,
mandioca, batata doce, taro, cana-de-açúcar, gengibre, banana e café. Para os nativos, o
principal produto de extração florestal é a lenha. Observa-se na Tabela 2 que o valor médio
anual desta atividade é de US$ 38 para cada família.
TABELA 2
VALOR DAS ATIVIDADES AGRÍCOLAS E FLORESTAIS

Atividade Número de Valor total anual para Valor médio anual


observações todos os nativos por família

Arroz 351 $ 44 928 $ 128


Lenha 316 $ 13 289 $ 38
Camarão-de-água-doce 19 $ 220 $ 12
Caranguejo 110 $ 402 $ 3,7
Tenrec 21 $ 125 $6
Rã 11 $ 71 $ 6,5

Baseado nos dados coletados sobre insumos necessários e a quantidade produzida na atividade
agrícola e na extração florestal, foram construídos os fluxos de caixa para estimar o custo de
oportunidade das comunidades locais. Calculando a média dos resultados obtidos nos três
fluxos de caixa, chegou-se a um valor médio das perdas de US$ 91 por família/ano (Tabela 3).
Supondo uma taxa de desconto de 10%, um horizonte temporal de 20 anos e agregando todas
as famílias que vivem nas proximidades do parque, o valor presente líquido do custo de
oportunidade estimado seria de US$ 566 mil.
Ronaldo Seroa da Motta - 157

T ABELA 3
ESTIMATIVAS DAS PERDAS ECONÔMICAS DOS NATIVOS
PELA CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DE MANTADIA

Método Utilizado Valor Médio Anual por Família Valor Presente Líquido
Agregado
Custo de Oportunidade $ 91 $ 566.000
Valoração contingente $ 108 $ 673.000

Para a aplicação do método de valoração contingente, foi desenvolvido um modelo


econométrico a partir das respostas dadas sobre a disposição a aceitar (DAA). Estas respostas
deram origem a uma função de lances, baseada numa estrutura de regressão logística (função
densidade acumulada de probabilidade). Analisando as informações contidas na função de
lances, foi calculada a média da disposição a aceitar das famílias.
As respostas dadas às questões relacionadas à valoração contingente indicam que, na média,
uma compensação em arroz equivalente ao valor de US$ 108, por ano, por família, seria
suficiente para manter o mesmo nível de bem-estar que os nativos teriam caso não fosse criado
o parque. Seguindo as hipóteses adotadas na mensuração do custo de oportunidade, ou seja,
agregando toda a população que habita o entorno do parque, considerando uma taxa de
desconto de 10% e um horizonte temporal de 20 anos, seria necessária uma compensação de,
aproximadamente, US$ 673 mil para o conjunto das comunidades locais.
O modelo logit utilizado para obter os estimadores de máxima verossimilhança apresentou
previsões corretas para 75% das respostas, indicando claramente que as respostas dadas aos
lances não se comportam de forma aleatória. Além disto, o modelo de lances estimado mostra
que algumas variáveis sócio-econômicas apresentavam uma relação sistemática com a
probabilidade de aceitar o lance ofertado.
158 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 4
ESTIMADORES DE MÁXIMA VEROSSIMILHANÇA PARA ANÁLISE
DA VALORAÇÃO CONTINGENTE DAS COMUNIDADES NATIVAS

Variável Coeficiente Desvio Padrão t-ratio


Constante -3,0012 0,766 -3,917
BID 0,15887 0,08 1,987
HHMEM -0,04 0,075 -0,531
PREFDUM 1,6577 0,3935 4,212
RTOT -0,0005 0,0004 -1,337
Grupo 1 1,8473 0,6146 3,006
Grupo 2 -0,1833 0,7186 -0,255
Grupo 4 2,6515 0,6242 4,248
Grupo 5 1,3421 0,5927 2,265
Maximum Log Likelihood -121,999
n 240
McFadden's R2 0,25

DAA = respostas Sim/Não para o lance (variável dependente); BID = lance ofertado (variando de 1 vata
a 7 de arroz); HHMEN = números de membros da família; PREFDUM = uma dummy representando a
aceitação de áreas tampão ao redor do parque; RTOT = produção anual de arroz por familiar; GRUPO1
- GRUPO5 são variáveis dummy para a agregação geográfica dos vilarejos.
A variável BID, referente ao valor ofertado no lance, se mostra estatisticamente significante e
com o sinal positivo. O coeficiente da dummy PREFDUM é positivo, como se esperava. Os
entrevistados que consideravam as áreas tampão49 aceitáveis, ou seja, aceitam a implantação de
áreas de transição ou de amortecimento entre áreas de alta intervenção antrópica e o parque,
tenderam a concordar com o lance ofertado. Os coeficientes significantes da maioria das
variáveis dummy de agregação dos grupos de nativos refletem a existência de diferenças entre
os nativos localizados em áreas geográficas distintas.

IMPACTO SOBRE O TURISMO

METODOLOGIA
Analisando a recreação em Madagascar, percebe-se que esta pode ser dividida em dois grupos
que consomem bens nitidamente distintos. Enquanto os habitantes da ilha fazem excursões de
um dia até parques nacionais para desfrutar do meio ambiente natural do lugar, os estrangeiros
que praticam ecoturismo internacional percorrem longas distâncias com o objetivo de entrar
em contato com ambientes naturais e culturas exóticas.
Este estudo enfatiza o ecoturismo internacional no qual assume-se que as famílias, ou
indivíduos que viajam para um único país como Madagascar, se comprometem com uma
variedade de atividades, incluindo visitas a sítios naturais para apreciar a vegetação, a vida
animal, as paisagens, quedas d’água, etc. Poucos turistas viajam até Madagascar apenas para
visitar um parque nacional específico. De modo geral, eles decidem viajar para Madagascar
com o intuito de desfrutar a natureza e esta decisão envolve a escolha de um itinerário.
Um modelo teórico de ecoturismo internacional é adotado pelos autores. Tendo em vista a
variedade de itinerários possíveis, estimar um modelo de demanda recreacional deste tipo

49
Denominação de “buffer zone” na língua inglesa.
Ronaldo Seroa da Motta - 159

requer informações específicas sobre como cada família distribui seu tempo entre as atividades,
durante o horizonte temporal do modelo e uma especificação das características das atividades.
O ideal seria a coleta de informações sobre o itinerário completo das excursões, bem como
obter informações sobre os custos de viagem dos visitantes estrangeiros.
Levando em conta as características do ecoturismo internacional praticado em Madagascar,
pode-se considerar que as famílias buscam maximizar utilidade (U) como uma função dos
fluxos de serviços recreacionais (ZR) e fluxos de serviços não-recreacionais (ZNR). De um
modo formal, temos:

U = U(ZR, ZNR)

Enquanto os fluxos de serviços não-recreacionais são produzidos pela combinação de uma


cesta de bens mercadoria (XRN) com o tempo (TNR), os fluxos de serviços recreacionais são
produzidos pela combinação dos serviços de viagem (Xti) e o tempo de viagem necessário até
o país i (Ti) com as excursões de ecoturismo no país i (Vi). Desta maneira, as funções de
produção para ZR e ZNR podem ser representadas da seguinte forma:

ZR = zR(V1 ...Vi,T1 ...Ti,XT1 ...Xti)

ZNR = zNR(XNR,TNR)

As excursões de ecoturismo no país i (Vi) não são necessariamente iguais. São resultantes da
escolha de um pacote composto de j atividades (Aji) que utilizam os serviços doméstico (Xtji) e
o tempo (tji) para viajar aos locais das atividades. A variável Aji pode representar tanto a visita
a um lugar específico dentro do país, como um grupo de atividades. Existe uma grande
variedade de atividades possíveis em Madagascar. Um determinado itinerário pode incluir uma
viagem ao proposto Parque Nacional de Mantadia para ver o lêmures e a visita a uma praia
específica, favorável ao banho de mar, ou pode incluir um grupo de parques para observar
pássaros. Portanto, a função de produção para Vi é expressa como:

Vi = vi(A1i ...Aji,t1i ...tji,Xt1i ...Xtji)

onde:
Aji = atividade j no país i
tji = tempo de viagem para a local aji
Xtji = bens mercadoria utilizados para viajar até o local aji
A questão dos turistas é maximizar seu bem-estar, expresso nas curvas de utilidade, através da
escolha das excursões de ecoturismo (Vi) e dos bens mercadoria (Xnr), sujeitos às restrições de
produção apresentadas e à restrição orçamentária global.
Para a valoração dos benefícios econômicos potenciais gerados pelo turismo, no Parque
Nacional de Mantadia, são utilizados três métodos distintos. Dois modelos baseados na análise
da demanda por recreação: um modelo típico de custo de viagem e outro modelo aleatório de
utilidade50 (“random utility model”). Além desses, o método de valoração contingente
dicotômico é também adotado. Nos dois métodos baseados na demanda por recreação,

50
Este é um modelo estocástico que transforma informações de preço e quantidades em uma função de
demanda hicksiana. O componente estocástico é o de mesma natureza daquele discutido para o método
referendo na Parte I.
160 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

assume-se que o novo parque irá significar um aumento de 10% no nível de qualidade dos
guias, no material para educação e na capacidade de interpretação das áreas naturais. De um
modo geral, a criação do parque é percebida como um aumento na qualidade das oportunidade
de ecoturismo em Madagascar.
O método de valoração contingente foi aplicado sobre os visitantes da Reserva de Perinet. Os
turistas entrevistados recebiam informações sobre o novo parque que estava sendo criado e,
então, eram perguntados se estariam dispostos a pagar mais US$ X pela excursão para
Madagascar. Os valores de US$ X utilizados nos lances da pesquisa foram US$ 50, US$ 100,
US$ 150, US$ 200, US$ 300, US$ 400, US$ 600 e US$ 800. Como as perguntas eram do tipo
discreta, ou seja, com escolha dicotômica, os turistas entrevistados respondiam “sim” ou “não”
para os lances, cujo valores eram distribuídos de forma aleatória entre os entrevistados.
Foram utilizados nas perguntas dois cenários distintos. Num dos cenários, o turista era
questionado o quanto estaria disposto a pagar para visitar o novo parque, sabendo que lá teria
a oportunidade de ver o mesmo número de lêmures e pássaros que viu na corrente visita à
Perinet. No outro, o visitante era informado que teria a oportunidade de ver o dobro de
lêmures e pássaros vistos em Perinet.
Além das perguntas sobre a DAP para visitar o Parque Nacional de Mantadia, foram
apresentadas no questionário uma série de questões sobre os custos correntes de uma excursão
para Madagascar, detalhes referentes às viagens anteriores de ecoturismo internacional, o
processo decisivo de escolha do país de destino e perguntas sócio-econômicas e demográficas.
O questionário foi previamente testado na Filadélfia com grupos de pessoas que já visitaram
Madagascar e se encontravam dispostas a dar sugestões. Estas pessoas foram recrutadas por
uma organização conservacionista, “The Wildlife Preservation Trust”, responsável por uma
série de excursões para Madagascar. Após a análise dos comentários dados pelos grupos, os
questionários foram revistos, aplicados numa pequena amostra de visitantes da Reserva de
Perinet e discutidos com colaboradores do Banco Mundial em Madagascar. Dois consultores
locais foram contratados para administrar a aplicação dos questionários nos visitantes da
Reserva de Perinet.
A coleta dos dados ocorreu durante o verão de 1991. Entretanto, uma greve política que
dificultou o transporte fez com que o número de turistas abordados na pesquisa fosse limitado.
As entrevistas foram completas com 94 turistas e dados adicionais foram obtidos de uma
pesquisa direcionada para 27 organizações norte americanas e européias de ecoturismo.

RESULTADOS OBTIDOS
A renda do total, segundo a pesquisa, varia de US$ 3 mil a US$ 300 mil, com uma média de
US$ 59 156. O turista médio tem 38,5 anos de idade e possui 15 anos de escolaridade. Os
resultados indicam que a maioria dos turistas é proveniente dos países europeus e os países de
origem de maior incidência são Itália, Inglaterra e França. A duração das viagens para
Madagascar varia de três a 100 dias, com uma média de 26,6 dias. Os visitantes passam na
Reserva de Perinet, em média, dois dias, variando de um a oito dias. Os gastos totais
observados encontram-se entre os valores de US$ 335 a US$ 6 363 e o custo médio das
viagens é de US$ 2 874.
Ronaldo Seroa da Motta - 161

T ABELA 5
SUMÁRIO ESTATÍSTICO DO TURISMO POR PAÍS DE ORIGEM

País % da Gasto Número Número Idade Nível de Renda


amostra Médio Médio de médio de Média Escola- Média
(US$) Dias no Dias em (anos) ridade (US$)
País Perinet Média
(anos)
Inglaterra 20.2% $ 3332 18 1.6 45 17 $ 39545
Itália 21.4% $ 2357 21.4 1.9 34 15 $ 63214
França 15.5% $ 3171 36 1.9 34 15 $ 37785
Alemanha 11.9% $ 3270 24.8 1.8 40 16 $ 32935
Suíça 4.8% $ 3200 37.6 2.3 36 17 $ 50717
EUA 3.6% $ 3097 18.5 2.75 49 17 $ 70000
Bélgica 1.2% $ 2921 23 1.3 47 16 $ 35896
Holanda 1.2% $ 2572 26.5 5.3 30 14 $ 41666
Áustria 1.2% $ 2000 21 1 15 $ 65000
Dinamarca 1.2% $ 1750 28 2 35 18 $ 75000
Quênia 1.2% $ 6363 35 4 39 11 $ 25000
Nova Zelândia 1.2% -- 60 3 26 12 $ 5000
Reunião 1.2% $ 335 9 1 68 14 $ 45000

Para a construção dos modelos econométricos, foram retirados, diretamente da pesquisa com
os turistas, os dados referentes às rendas e aos custos de viagem para Madagascar. A partir da
pesquisa foram também selecionados sete países de destino que representavam os principais
substitutos de Madagascar em termos de turismo. O valor médio, dado pelas agências de
turismo a cada um deste países de destino, foi utilizado como variável qualitativa nas análises
econométricas. Os custos de viagem para os destinos substitutos foram calculados a partir da
soma do custo de uma viagem aérea, ida-e-volta, da cidade de origem do entrevistado até o
país de destino. A média dos custos domésticos adicionais de uma excursão de duas semanas,
para ecoturismo em um país em desenvolvimento, foi calculado com base nas respostas obtidas
na pesquisa realizada com os agentes de turismo e pessoas ligadas ao ramo.
A variável dependente, no modelo custo de viagem (MCV) é a soma do número de viagens de
ecoturismo que cada indivíduo fez, ou planeja fazer, nos próximos cinco anos para oito países
em desenvolvimento. A variável dependente no modelo aleatório de utilidade (MAU) é a
probabilidade de visitar o lugar j. As variáveis de renda e educação no modelo MAU são
combinadas com o custo variável (INC*COST e ED*COST). Um estimador tobit, de máxima
verossimilhança, foi aplicado no MCV e um estimador logit multinominal, de máxima
verossimilhança, foi aplicado no modelo MAU de escolha discreta.
162 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 6
ESTIMADORES DE MÁXIMA VEROSSIMILHANÇA PARA ANÁLISE DA DEMANDA RECREACIONAL

Variáveis Independentes Modelo Custo de Viagemo (MTV) Modelo Aleatório de Utilidadeoo (MAU)
INTER 3,7089* 0,78318*
(2,43) (7,891)
UNUS -1,49* -0,4096*
(-4,281) (-8,698)
ACCOM -0,94190 -0,5381*
(-0,183) (-7,040)
COST -0,000499 0,00046
(-0,889) (0,772)
EDYRS 0,0849
(0,781)
INCOME 0,000006
(1,091)
ED*COST -0,0000168
(-0,536)
INC*COST -0,0000121**
(-1,793)
o
: Log-likehood = -195,2669
oo
: Log-likehood = -656,45
* : significante ao nível 0,05
** : significante ao nível 0.10
INTER = índice de qualidade dos guias locais, material educacional e facilidade de
interpretação de áreas naturais;
UNUS = índice da possibilidade de ver animais exóticos;
ACCOM = índice da qualidade dos serviços de transporte e acomodações;
COST = passagem aérea ida-e-volta somada aos custos domésticos;
EDYRS = anos de educação formal;
INCOME = renda familiar total sem imposto;
ED*COST = anos de educação multiplicado pela variável COST;
INC*COST = renda familiar multiplicada pela variável COST;
obs: as T-ratios estão nos parênteses abaixo dos coeficientes estimados

As variáveis qualitativas INTER e UNUS, da Tabela 6, são significantes ao nível 0.05 nos dois
modelos, enquanto a variável ACCOM é significante apenas no modelo MAU. A variável
COST não se comprovou significante em nenhum dos modelos e apresentou o sinal negativo,
como era esperado, apenas no MTV. A variável INCOME é significante ao nível 0.10 no
modelo MAU, mas com um sinal negativo incorreto. Já no modelo MTVl, não se mostra
significante, mas apresenta um sinal positivo correto. Os sinais incorretos podem ser resultado
de uma má especificação ou de imperfeições na base de dados devido ao pequeno tamanho da
amostra coletada numa temporada de turismo incomum (durante uma greve geral).
Na análise da valoração contingente, as respostas dadas pelos entrevistados às perguntas sobre
sua disposição a pagar e a quantia contida no lance ofertado pelo entrevistador formam
variáveis de escolha dicotômica (discretas). Estas variáveis permitem que seja estimada uma
função logit de disposição a pagar. O número de especificações funcionais sugeridas na
literatura foram testados na análise logit. Os valores apresentados na Tabela 7 representam os
coeficientes estimados para cada variável independente regredida em relação a probabilidade
Ronaldo Seroa da Motta - 163

do entrevistado estar disposto a pagar a quantia ofertada no lance para visitar o Parque
Nacional de Mantadia. Este procedimento é feito para os dois cenários distintos.
T ABELA 7
ESTIMADORES DE MÁXIMA V EROSSIMILHANÇA PARA
ANÁLISE DA VALORAÇÃO CONTINGENTE

Variável Variável Dependente


Independente (Probabilidade de resposta “sim”)
Mesmo número de Lêmures dobro de Lêmures
Constante 1.258 -0.19263
(0.961) (-0.178)
CV1AMT -0.0058*
(-3.128)
CV2AMT -0.0039*
(-2.655)
BRIT 1.6154*** 1.9833**
(1.8564) (2.026)
ITAL -1.6425 1.2527
(-1.118) (2.026)
FREN -13.643 -1.7917***
(0.070) (-1.795)
GERM 1.5353*** 0.0292
(-1.732) (0.041)
PAYTYPE -1.7194*** 0.0292
(0.531) (0.041)
MAG 0.40732 1.462**
(0.531) (2.350)
VACDAYS 0.02980 0.0327***
(1.466) (1.642)
INCOME -0.000006 -0.000012**
(-0.0889) (-2.153)
McFadden's R2 0.352 0.443
*significante ao nível 0.01;
**significante ao nível 0.05;
***significante ao nível 0.10.
CV1AMT = quantia do lance para o mesmo número de Lêmures;
CV2AMT = quantia do lance para o dobro de Lêmures;
BRIT = variável dummy (1=inglês, 0=outros);
ITAL = dummy (1=italiano, 0=outros);
FREN = dummy (1=francês, 0=outros);
GERM = dummy (1=alemão, 0=outros);
PAYTYPE = dummy (1=assalariado, 0=outros);
MAG = dummy para assinante de revista ecológica;
VACDAYS = férias em dias/anos;
INCOME = renda familiar anual sem imposto.
Mesmo com a pequena amostra, o MVC produziu resultados significantes na mensuração da
disposição a pagar dos turistas por uma visita no novo parque nacional durante suas excursões
para Madagascar. Segundo os dados obtidos nas regressões (Tabela 7), as variáveis que
influenciam a probabilidade de estar disposto a pagar para visitar o parque incluem o preço
(quantia do lance), a nacionalidade do turista, o tipo de pagamento, o número dos dias de
férias e se é ou não assinante de alguma revista de ecologia (diferencial significante entre as
164 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

regressões). A quantia do lance (CV1AMT e CV2AMT) se mostrou altamente significante (ao


nível 0.01) nas duas regressões. As variáveis dummy para a nacionalidade (FREN, GERM,
ITAL, BRIT), a variável dummy para entrevistados assalariados versus diaristas ou autônomos
(PAYTYPE), número dos dias de férias (VACDAYS) e a renda familiar anual (INCOME) são
significantes ao nível 0.05 ou 0.10 nas duas regressões.
O sinal negativo das variáveis relativas ao preço (CV1AMT e CV2AMT) corresponde às
expectativas. Entretanto, esperava-se que o sinal da variável renda (INCOME) fosse positivo
ao invés de negativo. Isso indica novamente a existência de problemas referentes ao tamanho
da amostra ou à especificação indevida do modelo. O coeficiente da variável INCOME é muito
baixo nas duas regressões. Dado o nível de renda relativamente alto dos entrevistados (renda
média = $ 59156), os baixos valores destes coeficientes devem ser interpretados como uma
baixa influência do nível de renda, na probabilidade de uma resposta “sim” ao lance ofertado.
Os resultados encontrados para as variáveis dummy, referentes às diferentes nacionalidades,
são bem interessantes. Nas duas regressões, os turistas britânicos e alemães parecem estar mais
dispostos a pagar alguma quantia para visitar o novo parque, independente do cenário
apresentado na pergunta (mesmo número de animais ou o dobro). Entretanto, a variável
GERM não é significante na segunda regressão. Os italianos, segundo a pesquisa, estariam
dispostos a pagar para visitar o novo parque, apenas se fosse possível ver mais lêmures e
pássaros. O sinal negativo na variável FREN indica que os franceses apresentam uma menor
propensão a estar disposto a pagar para visitar o novo parque, independente do número de
animais que serão vistos. O comportamento destas variáveis é compatível com as opiniões
coletadas com pessoas do ramo de turismo e indicam a existência de percepções distintas em
relação a áreas de proteção dos turistas de cada nacionalidade.
A Tabela 8 apresenta os resultados obtidos pelos diferentes modelos econométricos abordados
na valoração dos benefícios provenientes do turismo em função do novo parque. A primeira
coluna representa o aumento médio no excedente do consumidor por turista. A segunda coluna
é uma estimativa do benefício agregado anual gerado pelo turismo internacional ao novo
parque. Adota-se a hipótese conservativa de que o número de visitantes para o parque será o
mesmo que o número de pessoas que visitou a Reserva de Perinet, em 1990. A última coluna
representa o valor presente, descontado dos benefícios agregados anuais, assumindo que eles
permaneceriam constantes.
TABELA 8
ESTIMATIVAS DOS BENEFÍCIOS DO ECOTURISMO INTERNACIONAL DA CRIAÇÃO DO PARQUE
NACIONAL DE MANTADIA

Método Variação média do Variação anual total Valor presente


excedente do consumidor no excedente do descontado*
por turista consumidor

Modelo típico de viagem $ 45 $ 174.720 $ 1,7 milhões


Modelo aleatório de utilidade $ 24 $ 93.600 $ 936.000
Valoração contingente $ 65 $ 253.500 $ 2,53 milhões

*taxa de desconto de 10%

As estimativas do modelo típico de viagem e do modelo aleatório de utilidade captam, apenas,


a disposição a pagar por um aumento na qualidade das oportunidades de ecoturismo
internacional em Madagascar, assumindo que não há possibilidade de se ver mais lêmures e
que não há melhoria na qualidade das acomodações. As estimativas do MVC podem estar
Ronaldo Seroa da Motta - 165

captando algum valor de existência embutido nas respostas. Além disso, a valoração
contingente assume algum tipo de melhoria na qualidade das acomodações. As estimativas do
MVC, apresentadas na Tabela 8, são relativas ao cenário, no qual o turista teria a oportunidade
de ver o mesmo número de lêmures que viu na visita à Reserva de Perinet. Isto se justifica pelo
fato destas estimativas serem relativamente mais comparáveis com os resultados dos modelos
de demanda recreacional.
As estimativas dos benefícios do turismo, associados à implantação do novo parque,
representam apenas uma parcela do valor total do Parque Nacional de Mantadia. Entretanto,
os resultados sugerem que o ecoturismo deve ser interpretado como uma importante fonte
potencial de recursos para áreas de conservação.

IMPACTO DO DESMATAMENTO NA PRODUTIVIDADE

Observações empíricas sugerem que a incidência e a magnitude das enchentes têm crescido,
nos últimos anos, em Madagascar, à medida que o desmatamento tem se expandido. As
maiores enchentes ocorreram em 1959, 1972 e 1986 e a observação de perdas na produção
agrícola é um fenômeno cada vez mais freqüente. Além disto, uma pesquisa conduzida na área
de Mantadia demostra que ocorreu uma elevação do escoamento superficial (“run-off”) nas
regiões cujas vertentes foram ocupadas pela agricultura de pousio.
Percebe-se que a elevação das taxas de desmatamento estão causando inundações maiores na
face leste da ilha de Madagascar, aonde as chuvas do regime de monções são particularmente
severas.
Neste sentido, caso as taxas correntes de desmatamento continuem, deve ocorrer um aumento
das enchentes e, conseqüentemente, perdas econômicas maiores. Seguindo este raciocínio, a
preservação de áreas florestadas, como no Parque Nacional de Mantadia, leva a uma
diminuição do desmatamento. Portanto, um benefício proveniente dessas atividades de
conservação é a prevenção de enchentes e, conseqüentemente, a diminuição das perdas de
produtividade51.
O objetivo deste trabalho é estimar o benefício econômico associado à redução das inundações
que poderá ser alcançado pela criação do parque. Para mensurar este benefício, são
combinadas informações ecológicas e econômicas, no sentido de melhor compreender a
interação entre a ação humana e as mudanças ocorridas nos ecossistemas.

METODOLOGIA
O primeiro passo tomado para a construção de uma função dose-resposta, capaz de refletir
uma relação direta entre desmatamento e a intensidade de inundações, foi uma análise da
história do desmatamento na área de Mantadia usando sensoreamento remoto. Os dados
adquiridos nas fotos aéreas realizadas em 1957, bem como as imagens de satélite produzidas
em 1976 e 1984, foram combinados com as informações topográficas para descrever o
histórico do desmatamento da área.
A relação entre o desmatamento e as enchentes foi examinada a partir de duas fontes de
informações distintas: uma baseada no monitoramento dos pequenos corpos d’agua na área de
Mantadia e outra, baseada em dados meteorológicos articulados com a intensidade dos fluxos
d’agua no Rio Vohitra.

51
A prevenção de enchentes afeta positivamente a função de produção das atividades agrícolas que se
encontram à jusante.
166 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Histórico do desmatamento na área estudada


A partir das imagens sobre a evolução do desmatamento, foi possível construir um histórico do
impacto antrópico na área. Estes dados foram cruzados com as informações obtidas em oito
mapas topográficos (escala 1:50.000) que cobriam uma área de, aproximadamente, 550 mil
hectares. Abrangendo, assim, toda a bacia do Rio Vohitra.
Os mapas topográficos indicam que a elevação cresce no sentido leste para oeste dentro da
área de estudo. Partindo de, aproximadamente, 100 metros de altitude no sudoeste passando
por uma elevação intermediária (1.000 m) na parte central da chapada até as Montanhas
Andrabetany (1 500 m), localizadas ao norte.
Comparando o histórico de desmatamento com a topografia da área de estudo, estimou-se uma
correlação onde se constata um movimento de destruição das florestas localizadas nas áreas de
baixa altitude para as regiões mais altas, seguindo, assim, o movimento do relevo do leste para
o oeste. Além disto, existe uma tendência ao desmatamento ocorrer primeiro e mais
intensamente nas áreas com baixa ou moderada inclinação, sendo estabilizado em lugares com
variações mais abruptas de relevo.
As Tabelas 9 e 10 explicitam, de maneira bastante evidente, a relação entre o desmatamento e
a topografia, separando a influência da faixa de altitude e o efeito da inclinação do solo. Isto
facilita a compreensão do impacto de cada uma destas variáveis sobre a evolução histórica do
desmatamento.
Constata-se pelo estudo da área que existem três focos onde o desmatamento aparece mais
alarmante no que se refere a manutenção das florestas nativas da chapada. Tanto os vales do
Rio Lakato no sul como os situados ao longo do Rio Rianila apresentam intensas atividades de
desmatamento, num movimento de subida sobre o escarpamento em inclinação moderada. O
terceiro foco de desmatamento se encontra na cidade de Andaside e na estrada que a cruza,
ligando Antananarivo e Toamasina. Esta região é a mais preocupante devido a não-existência
de barreiras topográficas para amortecer “naturalmente” a taxa de abertura de novas clareiras.
Na área do Parque de Mantadia vem ocorrendo uma penetração do desmatamento ao longo
das fronteiras sudoeste e sudeste. Espera-se que a inclinação acentuada da região sudoeste e na
porção noroeste limite a expansão de atividades predatórias, mas as florestas remanescentes na
porção sudeste sofrem um risco de desmatamento mais elevado em função da baixa inclinação
destas faixa.
Provavelmente, menos de 10% do Parque Nacional de Mantadia foi desmatado até 1984,
entretanto, grandes trechos com inclinação moderada se encontram ameaçados nas áreas da
chapada a oeste e noroeste de Mantadia. As sucessivas clareiras abertas nas proximidades de
Andaside e Lakato podem eventualmente separar a cobertura florestal no sentido norte e sul,
uma conseqüência disto seria o bloqueio de futuras migrações, em grande escala, de plantas e
animais.
Especialmente durante o período de 1974 a 1984, grande parte da cobertura florestal das
vertentes da região foi removida. A partir das informações organizadas nas Tabelas 9 e 10,
pode-se afirmar que o desmatamento progrediu a uma taxa anual de 2.17% para a área com
uma elevação entre 800 e 1 200 metros e uma inclinação de 0 a 12 graus52 . Dada esta taxa,

52
A taxa de desmatamento é definida como a média da porcentagem relativa à perda anual, na área com
cobertura florestal.
Ronaldo Seroa da Motta - 167

caso não fosse implantado o parque, calcula-se que a área deste e da zona tampão iriam perder
toda as suas florestas de cobertura primária em, aproximadamente, 45 anos.
T ABELA 9
EXTENSÃO FLORESTAL VERSUS ELEVAÇÃO

Elevação em Original 1957 1976 1984


metros
>1200 13375 ha 12652 ha 12652 há 12636 ha
(100%) (95%) (95%) (95%)
{100%} {100%} {99%}

800-1200 223800 ha 171900 ha 166320 há 151240 ha


(100%) (77%) (74%) (68%)
{100%} {97%} {88%}

400-800 175280 ha 90652 ha 78011 há 46906 ha


(100%) (52%) (45%) (27%)
{100%} {86%} {52%}

100-400 126730 ha 45839 ha 29389 há 3211 ha


(100%) (3%) (23%) (3%)
{100%} {64%} {7%}

Total 539170 ha 321040 ha 286370 há 21399 ha


(100%) (60%) (53%) (40%)
{100%} {89%} {67%}
Nota: Extensão florestal está em hectares, (percentagem do original) e {percentagem de 1957}.
168 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

T ABELA 10
EXTENSÃO FLORESTAL VS INCLINAÇÃO

Inclinação em Original 1957 1976 1984


graus
> 17 1150 ha 834 ha 819 ha 694 ha
(100%) (73%) (71%) (60%)
{100%} {98%} {83%}

12 - 17 11950 ha 7958 ha 7425 ha 5577 ha


(100%) (67%) (62%) (47%)
{100%} {93%} {70%}

8 - 12 106900 ha 65756 ha 59328 ha 42900 ha


(100%) (62%) (55%) (40%)
{100%} {89%} {67%}

4-8 353580 ha 215780 ha 192700 ha 145190 ha


(100%) (61%) (55%) (41%)
{100%} {89%} {67%}

0-4 80800 ha 36266 ha 31059 ha 23284 ha


(100%) (45%) (38%) (29%)
{100%} {86%} {64%}

Total 554380 ha 326590 ha 291330 ha 217650 ha


(100%) (59%) (53%) (39%)
{100%} {89%} {67%}
Nota: Extensão florestal está em hectares, (percentagem do original) e {percentagem de 1957}.

Efeito do Desmatamento nas Inundações


O ponto inicial para determinar se a conversão de florestas tem tido um impacto detectável na
intensidade e na freqüência das inundações é a revisão dos estudos hidrológicos conduzidos
nas vertentes da bacia hidrográfica referente à Reserva de Perinet.
Até o começo da década de sessenta, poucos estudos foram realizados na região próxima a
Perinet no sentido de analisar os efeitos do uso do solo na estrutura hidrológica. Nestes raros
trabalhos, os tipos de uso do solo abordados incluem basicamente a floresta primária (“foret
naturelle”), a floresta secundária (“savoka”), a agricultura tradicional do arroz com queimadas
(“tavy”) e a agricultura baseada na rotação de culturas (“cultures”).
Os nove anos de experimentos desenvolvidos em Perinet sugerem que a intensidade dos fluxos
d’água diferem consideravelmente entre a floresta primária e a secundária. O escoamento
superficial anual de uma área de 30 ha de floresta secundária (“savoka”) era,
aproximadamente, três vezes maior que o escoamento observado em uma área similar de
floresta primária.
O crescimento dos fluxos d’água na “savoka” pode ser atribuído a diversos fatores como a
redução da capacidade de infiltração devido a compactação do solo, decréscimo da
evapotranspiração e do enraizamento menos intenso. O tempo necessário para a floresta
secundária reestabelecer os atributos hidrológicos de uma floresta primária não foi revelado
nos experimentos.
Ronaldo Seroa da Motta - 169

Os nove anos de estudos permitiram a comparação do efeito causado sobre as inundações, da


conversão da floresta secundária (“savoka”) em dois tipos de uso do solo distintos: na
agricutura tradicional de arroz (“tavy”) e na rotação de culturas (“cultures”). A variação ano-
a-ano foi substancial, entretanto, a “tavy” produz, em média, um escoamento superficial 154%
maior que o observado na “savoka”, enquanto que a “culture” produz um fluxo d’água 58%
maior que na “savoka”. É importante observar que a conversão de florestas aumentou a taxa
de crescimento e o volume do escoamento superficial, durante os nove anos de experimentos
em todas as enchentes. Porém, o tipo de uso do solo parece ter um efeito mais acentuado nas
cheias de pequeno e médio porte.
Além do estudo em Perinet, as condições do rio Vohitra, em Andekaleka, têm sido
monitoradas, geralmente duas vezes ao dia, desde 1952. Os dados relativos à descarga mensal,
durante um período de 27 anos (1953 até 1979), foram viabilizados para a análise da
freqüência das enchentes e da tendência temporal destas, permitindo, assim, uma segunda
perspectiva das condições hidrológicas da área.
O principal objetivo da análise dos dados sobre o rio Vohitra era observar se as maiores
descargas haviam crescido durante os 27 anos de monitoramento. Neste sentido, foram
elaboradas duas séries temporais, uma série com as descargas mensais máximas ocorridas em
cada ano (n=27,1953-1979) e uma série completa com as descargas mensais ocorridas no
mesmo período (n=285).
Para captar a influência do desmatamento nas inundações, as variações do nível de precipitação
foram analisadas em séries temporais. Neste sentido, foram utilizadas as informações mensais
de chuva, disponíveis para os mesmos 27 anos, que haviam sido coletadas em três estações -
Antananarivo, Andekaleka e Tamatave. A partir destes dados, foi estimada a média aritmética
de chuva mensal.
As informações mensais coletadas, sobre a precipitação mensal e a descarga, foram utilizadas
na análise das duas regressões com o intuito de construir previsões sobre a descarga originária
da precipitação. O resíduo (valor observado subtraído pela descarga prevista) foi calculado nas
duas equações e, então, plotados em relação ao tempo.
Estes dados sobre os resíduos funcionaram como proxies das séries temporais relativas a
descarga no rio, considerando que as variações associadas às precipitações foram removidas.
Analisando os resíduos, percebe-se que estes tenderam a zero ao longo das séries temporais.
Isto significa que não existiram evidências capazes de diagnosticar um tendência ao
crescimento, na freqüência e na intensidade das enchentes do Rio Vohitra.
Algumas questões importantes são levantadas neste momento. Em primeiro lugar, as séries
temporais abordadas variam de 1952 até 1979. Estas séries poderiam ser extendidas, todavia,
os autores não foram capazes de obter dados mais recentes que 1979. Para se chegar a
resultados mais precisos sobre o comportamento das descargas no Rio Vohitra, seria
necessário que estivessem também disponíveis dados diários ao invés de médias mensais. Além
disto, o fato de não ter sido detectada uma tendência pode ser interpretada por dois pontos de
vista: (i) realmente, não existiu uma tendência ao aumento das enchentes durante o período
analisado (i.e., a conversão de floresta na bacia do rio ainda não causou uma elevação das
inudações) ou, alternativamente, (ii) a tendência não é detectável a partir de uma base de dados
mensais como a usada neste trabalho.
Em suma, as inundações geralmente se tornam mais freqüentes e mais destrutivas, conforme
vai ocorrendo a conversão sucessiva de áreas florestadas em outros usos. Este fenômeno é
amplamente demostrado no estudo realizado em Perinet. Em contrapartida, a análise das
170 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

descargas na bacia do rio Vohitra indicam que não existe uma tendência crescente dos fluxos
d’água ao longo do período de 1952 até 1979. Como foi mencionado acima, este resultado não
significa necessariamente que o desmatamento tenha tido um efeito inócuo sobre as
inundações, mas sim que os dados mensais sobre a descarga não indicam uma tendência ao
crescimento das enchentes, em termos de freqüência e intensidade.
Neste contexto, mesmo com dados parciais, é possivel fazer uma previsão do impacto que
seria causado pela continuação do processo de desmatamento na região de Mantadia (cenário
“sem parque”) sobre descargas anuais dos principais rios da bacia. Para tanto, foram utilizados
os resultados obtidos nos nove anos de estudos em Perinet e as taxas de desmatamento
estimadas através da construção de um histórico da conversão das florestas na região.

RESULTADOS
Na época em que foi realizado este trabalho, a destruição das plantações não era generalizada,
de acordo com estudiosos locais. Muitas das encostas possuem, pelo menos, alguma cobertura
florestal e a maioria dos agricultores consegue colher grande parte da produção de arroz antes
das fortes chuvas do final da temporada chuvosa. Todavia, aproximadamente 5% da produção
agrícola é perdida devido às inundações anuais e nos anos mais críticos, que não são muito
raros, a destruição pode atingir magnitudes mais elevadas.
Para a análise da mudança na produtividade, buscou-se estabelecer uma relação dose-resposta
entre o desmatamento e as inundações. O benefício aqui enfocado está associado à diminuição
dos danos de inundação em função da preservação da área do parque e da zona tampão. Para
estimar este benefício, foram utilizados dois cenários: um, com a criação do parque, onde não
há um crescimento do dano; e outro, sem a criação do parque, onde ocorre um crescimento do
dano devido à continuação do desmatamento na área de estudo.
Tendo em vista o objetivo de se estimar os danos associados às inundações, torna-se necessária
a separação de certas características das enchentes em parâmetros. Estes parâmetros são: área
de inundação, profundidade, duração, sazonalidade, intensidade e freqüência.
O arroz, como já foi mencionado, é a principal atividade agrícola da região. Seu cultivo ocorre
basicamente no fundo do vale. Sendo assim, esta atividade está mais sujeita a sofrer perdas em
função de inundações. As enchentes ocorrem normalmente nos meses chuvosos (fevereiro e
março) quando a maior parte da colheita do arroz já foi realizada, isto faz com que os danos na
produção sejam de certa forma reduzidos. Os parâmetros “área de inundação” e
“sazonalidade” ajudam no cálculo da percentagem da produção de arroz prejudicada.
Através informações locais (informal) e estudos regionais, foi possível obter dados sobre a
variação e sobre a capacidade de destruição relativa as duas menores cheias (ciclos de dois e
cinco anos). Seguindo o raciocínio, foi adotada a hipótese de que as inundações de 100 e de
200 anos irão destruir, por completo, a produção de arroz, em uma área inundada de 654 ha.
As cheias de intensidade intermediárias foram obtidas a partir das informações acima, através
da utilização de uma função logaritmica53. A escolha desta forma funcional indica que o
potencial de destruição das cheias cresce ao longo do tempo, mas a taxa descrescente.
A Tabela 11 mostra os valores estimados para as perdas na produção, decorrentes das
enchentes. Para estes cálculos, foram adotadas as hipóteses de que a média do retorno anual
líquido de um hectare de arroz é de $ 453, considera-se uma taxa de desconto de 10% e uma

53
Incorpora os parâmetros: profundidade, duração e área inundada.
Ronaldo Seroa da Motta - 171

taxa de câmbio de 1 110 “Malagasy francs” por dólar norte-americano. A perda total esperada
para o primeiro ano é de US$ 51 691, considerando-se cheias de todas as magnitudes.
Assumindo uma vida útil do projeto de 20 anos, a perda agregada esperada equivale a
US$ 547 176. Esta hipótese adotada significa que para a mensuração do benefício associado à
prevenção das enchentes no cenário “com o parque”, apenas os primeiros 20 anos do tempo de
vida esperado para as florestas foram levados em conta nas estimativas.
TABELA 11
VALOR PRESENTE LÍQUIDO DOS DANOS ASSOCIADOS AS INUNDAÇÕES (US$)

Valor Presente Líquido do Valor Presente


primeiro ano Líquido Agregado
Aumento no dano $ 51 691 $ 547 176
Sem aumento no dano $ 50 787 $ 475 620

Os resultados apresentados na tabela acima mostram, de forma evidente, que o cenário “com o
parque” não implica na eliminação das cheias e das perdas associadas a estas. Por outro lado,
espera-se que a criação do parque seja responsável pela prevenção do desmatamento em uma
área de 26 787 hectares e que o efeito sobre a incidência de enchentes, e conseqüentemente de
perdas, se manifeste na estabilização do escoamento superficial. Em outras palavras, assume-se
que o estabelecimento do parque e, com isto, a preservação das florestas primárias e
secundárias, aí existentes, irá fazer com que não haja um crescimento na intensidade e na
variação das inundações.
Os resultados apresentados para o cenário “sem o aumento do dano” (com o parque), na tabela
11, seguem a mesma racionalidade de cálculo que foi aplicada no cenário “sem parque”,
estimando a perda total esperada para o primeiro ano e o impacto agregado em valor presente.
A única diferença referente aos dois cenários diz respeito à utilização de um fator “dose”
(inundações), significativamente menor.
De modo sintético, os valores encontrados neste trabalho sugerem que o benefício agregado,
relativo à proteção dos corpos d’água, é de US$ 71 556, em termos de valor presente,
considerando um tempo de vida útil de 20 anos para o projeto. Esta quantia deriva da
diferença entre as estimativas da perdas totais esperadas, encontradas entre o cenário “com o
parque” e o cenário “sem o parque”.

VALOR DE EXISTÊNCIA

Esta seção utiliza o método de valoração contingente numa pesquisa via correio nacional para
determinar o valor que as pessoas residentes nos Estados Unidos atribuem à proteção de
floresta tropical úmida. Neste sentido, o objetivo da pesquisa concentra-se em: (i) mensurar a
disposição a pagar dos residentes nos Estados Unidos pela preservação de uma porção das
florestas tropicais do mundo e (ii) determinar as medidas que devem ser adotadas a respeito
das questões referentes à preservação e ao manejo das florestas tropicais úmidas.
Tendo em vista o contexto onde este estudo de caso está inserido, esta pesquisa representa
para o Banco Mundial um estudo-piloto no sentido de verificar a aplicabilidade do MVC para
a valoração de bens ambientais de amplitude global.
172 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

METODOLOGIA
Um elemento básico para a aplicação do MVC, a fim de mensurar o valor de existência
atribuído à proteção de floresta tropical é o conceito de bem-estar. Neste sentido, assume-se
que as famílias maximizam sua utilidade, ou seja, seu nível de bem-estar, através da escolha de
uma cesta de bens mercadoria e de bens ambientais (sem preços de mercado). Esta decisão
alocativa está sujeita a uma restrição orçamentária, determinada pela renda das famílias. Se
considerarmos o bem público, chamado proteção de floresta tropical, como um dos bens
ambientais, então a disposição a pagar pela preservação será uma função do preço de proteção
de floresta tropical, dos preços dos outros bens mercadoria, da renda e das preferências dos
agentes. Aceita-se a hipótese de que estas preferências são determinadas por uma variedade de
características sócio-econômicas, incluindo tamanho da família, educação, filiação partidária e
opiniões ambientais.
A partir do comportamento maximizador de utilidade atribuído às famílias, percebe-se que os
entrevistados estarão dispostos a pagar a doação requerida de $ W para a proteção de floresta
tropical, somente se o nível de utilidade alcançado com a proteção e a nova renda (Y-W)54 for,
no mínimo equivalente ao nível de utilidade que o entrevistado se encontrava, antes de oferecer
parte de sua renda para a preservação das florestas tropicais úmidas.

U(0,Y;A) < U(1,Y-W;A)

onde:
0 = não proteção adicional de floresta tropical
1 = proteção adicional de floresta tropical
Y = renda
A = um vetor de atributos que devem afetar a DAP para a proteção da floresta tropical
Entretanto, a função utilidade, U(*), não é algo observável ou mensurável, portanto, ela é
tratada como uma variável aleatória com uma dada distribuição paramétrica e um valor médio
observável.
Supondo que esta variável aleatória apresenta uma função densidade acumulada de
probabilidade logística, então, a probabilidade do entrevistado aceitar ou rejeitar o lance
ofertado pode ser estimada através da utilização de um modelo de regressão logit. Em outras
palavras, o que está sendo estimado, com os instrumentais estatísticos, é a probabilidade de
que a disposição a pagar do entrevistado seja maior ou menor que a quantia oferecida no lance.
Para se estimar a disposição a pagar (DAP) das famílias, foi realizada uma pesquisa através do
correio. Neste processo, foram utilizadas duas formas distintas de determinação de DAP e,
com isto, criou-se duas subamostras. Numa delas foram aplicadas perguntas do tipo referendo
e na outra subamostra utilizaram-se cartões de pagamento.
A aplicação de perguntas do tipo referendo consiste na divisão dos questionários em
subgrupos e em cada um dos subgrupo é utilizado um valor diferente na pergunta sobre a
DAP. Os diferentes subgrupos de questionários são aplicados, de forma aleatória, nos
entrevistados que respondem se estariam ou não dispostos a pagar uma quantia específica por
um determinado bem ambiental. As informações geradas são discretas, visto que eles
respondem apenas “sim” ou “não” aos lances ofertados. Sendo assim, a probabilidade da

54
Esta nova renda é igual a renda anterior (Y) diminuída da doação (W) realizada para a presevação.
Ronaldo Seroa da Motta - 173

disposição a pagar dos entrevistados, ser maior ou menor do que o lance oferecido, é estimado
como a área dentro da função de probabilidade.
Nos questionários com cartão de pagamento, cada entrevistado tem acesso a um conjunto de
quantias e, então, são perguntados sobre a quantia que mais se aproxima da sua disposição a
pagar. Uma forma de calcular a média da DAP dos cartões de pagamento dos entrevistados é
simplesmente agregar as quantias marcadas nos cartões e calcular a média.
A subamostra em que foram utilizados questionários do tipo referendo será tratada no estudo
de caso como o modelo referendo e a outra metade da amostra, onde os questionários
continham um cartão de pagamento, será considerada como o modelo cartão de pagamento.
Uma primeira versão dos questionários foi aplicada em três grupos focais. Um foi recrutado do
pessoal administrativo de uma universidade, enquanto os outros dois grupos foram recrutados
entre membros de grupos religiosos. Este primeiro estágio permitiu um refinamento das
quantias utilizadas na pesquisa e uma análise das informações pertinentes sobre as florestas
tropicais que devem ser apresentadas na pesquisa. Exercícios também foram conduzidos para
definir o bem a ser valorado. A maioria das pessoas que participou desta primeira etapa se
mostrou confortável com o ato de valorar floresta tropical em geral, mas não em valorar
regiões específicas ou subcomponentes de um país.
Após discussão extensiva na etapa preliminar e com especialistas em MVC, a contribuição para
uma entidade hipotética, chamada “United Nations Save the Rain Forests Fund”, foi definida
como o veículo de pagamento mais apropriado. O bem ambiental, apresentado para os
entrevistados, foi definido como a criação de parques e reservas para a proteção de uma área
de 110 milhões de acres de floresta tropical úmida sem a especificação de uma área ou de um
país.
Um pré-teste foi elaborado, através de uma amostra de 100 famílias via correio nacional e a
versão final da pesquisa foi enviada via correio, entre abril e junho de 1992 para uma amostra
aleatória de 1200 norte-americanos residentes encontrados na lista de clientes de uma firma de
marketing comercial. Foram incluídas na pesquisa todas as famílias cujo nome também
constava na lista telefônica.

RESULTADOS
Os resultados da pesquisa indicam que o desmatamento tropical era uma questão que os
entrevistados já detinham conhecimento: 91% dos entrevistados responderam de forma
afirmativa à pergunta: “Antes de hoje, você já tinha lido, ouvido ou visto em programas de TV
sobre a florestas tropicais úmidas?” e 81% declararam estarem familiarizados com razões do
desmatamento (ver Tabela 12). Além disto, um dos resultados mais expressivos desta pesquisa,
em termos políticos, foi a constatação de que dois terços das pessoas entrevistadas
responderam, de forma afirmativa, à pergunta: “Os países desenvolvidos deveriam ajudar os
países em desenvolvimento a pagar pela preservação de suas florestas tropicais?”. Seguindo
esta pergunta, os entrevistados eram questionados sobre a percentagem dos custos que
deveriam ser arcados pelo mundo industrializado e a mediana das respostas foi 41%.
174 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

T ABELA 12
PERCENTAGEM DE RESPOSTAS “SIM ” E “NÃO” PARA PERGUNTAS RELACIONADAS AS
FLORESTAS TROPICAIS ÚMIDAS

SIM NÃO
Algum conhecimento sobre florestas tropicais úmidas 91% 9%
Conhecimento sobre as causas do desmatamento 81% 19%
Visitou previamente uma floresta tropical 11% 89%
Planeja visitar uma floresta tropical 8% 61%a
Os países industriais devem ajudar países em desenvolvimento a pagar pela 67% b 33%
preservação de suas florestas tropicais
a
31% estavam incertos se iriam visitar uma floresta tropical no futuro
b
Para estas respostas, a percentagem que os países industrializados deveriam pagar varia de 1 a 100%, com uma mediana de 41%

Durante a pesquisa era pedido também que os entrevistados ordenassem um conjunto de


problemas ambientais, assinalando valores de 1 a 6 de acordo com a prioridade dada a cada um
dos problemas (1 para problema de maior importância). Este tipo de procedimento acaba por
induzir o entrevistado a ponderar o valor dado por ele ao desmatamento das florestas tropicais.
Os problemas ambientais indicados como mais importantes foram: a qualidade do ar ( média
2.63) e a poluição da água (média 2.73). A prioridade dada a estes problemas se justifica pelo
fato de apresentarem efeitos locais mais evidentes que os outros e os entrevistados perceberem
uma maior correlação entre estes problemas e a saúde dos entrevistados e seus familiares.
Depois da poluição do ar e da água, a destruição da camada de ozônio (média 3.47) e o efeito
estufa (média 3.65) surgem como problemas ambientais relevantes para os entrevistados. É
importante destacar que estes problemas, de âmbito mundial, receberam atenção extensiva da
mídia nos últimos anos.
O desmatamento tropical (média 4.52), a chuva ácida (média 4.60) e corte das antigas florestas
da costa noroeste dos Estados Unidos (média 5.37) aparecem na pesquisa com menor
importância em relação aos outros problemas aqui apontados. É interessante destacar que o
desmatamento nos trópicos foi visto como um problema ambiental mais sério que o
desmatamento no noroeste americano.
Para examinar os fatores que afetam a disposição a pagar pela proteção da floresta tropical
úmida, as respostas foram regredidas em relação a um grupo de variáveis sócio-econômicas e
de comportamento. Os resultados obtidos para as duas subamostras são apresentados na
Tabela 13. Devido a própria natureza da forma como foram elaboradas as perguntas, apenas
no modelo referendo foi utilizado o lance ofertado como variável explicativa. Isto se justifica
pelo fato de que nas entrevistas com cartão de pagamento não há um lance ofertado, visto que
o entrevistado tem acesso a um conjunto de valores e escolhe aquele que reflete a sua DAP. O
log do lance ofertado tem um efeito negativo e significante sobre a probabilidade da aceitação
do lance. Este comportamento confirma a existência de uma relação negativa entre o preço e a
quantidade na proteção de floresta tropical.
Ronaldo Seroa da Motta - 175

TABELA 13
ESTIMADORES DE MÁXIMA VEROSSIMILHANÇA PARA ANÁLISE DA VALORAÇÃO CONTINGENTE DA
FLORESTA TROPICAL ÚMIDA

Modelo cartão de Modelo Referendob


pagamentoa
Constante -3,522 (-1,747)d -15,914(-2,641)c
Log do Lance ---- -1,165(0,229)c
Log da Renda 0,379(1,904)c 1,426 (2,516)c
Dummy de Filiação Partidária 0,231(0,769) -1,190(-1,857)d
Dummy de Contribuição Filantrópica 1,04(3,045)c 2,194(2,059)c
Visitante de Floresta Tropical 0,711(1,943)c -0,942(-1,182)
Desmatamento -0,151(-1,817)d -0,230(-1,015)
Florestas Antigas -0,047(-0,613) 0,377(1,954)c
Dummy Cost-sharing 1,921(5,883)c 1,947(2,464)c
Tamanho da Família 0,190(2,088)c -0,018(-0,083)
Número de Observações 173 163
McFadden R2 0,48
Previsão Correta 89%
a
Variável dependente é o log da quantia (variando de 0 a $ 1500) que foi marcada no cartão
b
Variável dependente é a resposta sim/não dada ao lance ofertado
c
Significante ao nível 5%
d
Significante ao nível 10%

Nos dois modelos, como era esperado, a renda apresenta um efeito positivo na disposição a
pagar (DAP) dos entrevistados. Neste sentido, quando a renda aumenta observa-se uma
elevação da demanda por bens ambientais que se manifesta numa maior DAP. A variável
dummy, referente ao fato do entrevistado fazer ou não contribuições filantrópicas, também tem
um coeficiente positivo e significante nos dois modelos.
A questão da filiação partidária não se mostrou significante no modelo cartão de pagamento.
Todavia, no modelo referendo, considerando um nível de significância de 10%, a filiação ao
partido republicano tem uma associação negativa com probabilidade de aceitação do lance
ofertado.
A variável “dummy”, referente à visitas passadas ou planejadas para florestas tropicais úmidas,
mostra-se significativa no modelo referendo onde a ocorrência destas visitas tende a aumentar
a DAP dos entrevistados.
A posição dada ao desmatamento das floresta tropical na ordenação dos problemas ambientais
também foi usada como variável explicativa. Como era esperado, os entrevistados que
consideraram a questão das florestas tropicais como o problema prioritário (ordenação=1)
revelaram, no modelo cartão de pagamento, valores mais elevados para a disposição a pagar
(significante ao nível de significância de 10%). Surpreendentemente, a importância dada ao
corte das antigas florestas do noroeste norte-americano tem um efeito oposto no modelo
referendo, ou seja, aparece uma relação negativa da variável “Florestas Antigas” com a
probabilidade de aceitar o lance. Uma explicação possível é que os entrevistados que
expressaram uma atenção especial com as antigas florestas americanas estão mais preocupados
com os problemas nacionais e menos preocupados com as florestas tropicais.
Conseqüentemente, estas pessoas têm uma menor propensão a pagar para a proteção de
florestas nos trópicos.
Os entrevistados que responderam de forma afirmativa à pergunta de que os países
industrializados deveriam ajudar a pagar pela proteção das florestas tropicais apresentaram
176 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

uma maior DAP no modelo cartão de pagamento e uma maior propensão a aceitar o lance
ofertado no outro modelo.
A variável referente ao tamanho da família do entrevistado apresentou uma relação positiva
com a DAP, no modelo cartão de pagamento. Esta relação positiva deve refletir, de alguma
forma, uma preocupação com as gerações futuras.
Após a análise dos resultados obtidos nas duas regressões realizadas para captar a influência de
um conjunto de variáveis na DAP dos entrevistados, aparecem, na Tabela 14, as estimativas
encontradas para a disposição a pagar. No modelo referendo, o valor médio da DAP por
família é de US$ 24. Os questionários com cartão de pagamento apresentaram uma DAP
média, por família, um pouco mais elevada, de US$ 31. Agregando-se os resultados para
91 milhões de famílias dos Estados Unidos chega-se ao total de US$ 2,2 bilhões e US$ 2,8
bilhões para o modelo referendo e o modelo cartão de pagamento, respectivamente.
T ABELA 14
ESTIMATIVAS DA DISPOSIÇÃO A PAGAR PARA
P RESERVAÇÃO DA FLORESTA TROPICAL ÚMIDA

Tipo de Formato da DAP média DAP Total DAP Total


Questão ($ /família) (todas as famílias)a (renda>US$ 35000)a,b
Referendo $ 24 $ 2.184.000.000 $ 780.000.000
Cartão de Pagamento $ 31 $ 2.821.000.000 $ 1.007.000.000
a
Assumindo 91 milhões de famílias nos EUA em 1989 (US Bureau of Census)
b
Distribuição de renda em 1989 (US Bureau of Census)

Apesar dos valores agregados parecerem bastante elevados, devem ser analisados dentro de
um contexto onde as perguntas de valoração contingente são feitas para uma contribuição
única. Por outro lado, um total entre US$ 2,2 bilhões e US$ 2,8 bilhões pode ser pensado
como um fundo a ser utilizado ao longo de um certo número de anos para financiar programas
nas florestas tropicais. Uma hipótese mais conservadora pode ser adotada considerando que
apenas as famílias com renda anual igual ou superior a US$ 35 mil poderiam doar atualmente
para o fundo. Isto significaria que a DAP agregada seria de US$ 1 bilhão.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Tanto nos países ricos como nos países em desenvolvimento, percebe-se uma proliferação de
parques e reservas para a conservação de áreas florestais. Este movimento é de grande
validade para a preservação de recursos ambientais cada vez mais escassos, mas raramente são
conduzidas análises econômicas durante o processo decisivo de alocação de recursos para a
implantação ou manejo de projetos de conservação. A conseqüência disto é a falta de
informação sobre os empreendimento que são economicamente viáveis e pode levar a uma má
alocação dos limitados recursos financeiros disponíveis.
Este estudo de caso, conduzido por pesquisadores do Banco Mundial, sugere que as
metodologias de valoração ambiental podem ser de grande importância para a mensuração de
mudanças nos valores de recursos ambientais nos países em desenvolvimento. Um cuidado
especial deve ser tomado com o fato de que estas metodologias devem sempre levar em conta
as especificidades ambientais e institucionais de cada região.
No caso das comunidades locais, a análise do custo de oportunidade se mostra, do ponto de
vista metodológico, relativamente simples, mas intensiva em dados pela necessidade de
Ronaldo Seroa da Motta - 177

informações detalhadas sobre os fluxos de entradas e saídas das unidades familiares. Neste
sentido, 17 comunidades foram abordadas na pesquisa com o auxílio de uma organização não-
governamental com experiência em censo rural.
As informações importantes para o cálculo dos fluxos de caixa e as hipóteses adotadas para a
projeção são apresentadas com clareza. Os dados referentes aos preços dos produtos florestais
e sobre o trabalho dispendido são apresentadas de diversas fontes pesquisadas, mas a forma
como os preços foram calculados não é mencionada.
O MVC é relativamente menos intensivo em dados, embora sua aplicação seja bastante
trabalhosa. Além do rigoroso processo de elaboração dos questionários, inerente a qualquer
aplicação do método, esta valoração exigiu cuidados especiais na implantação devido à baixa
educação formal dos nativos e à pequena freqüência de transações monetárias.
A mensuração do impacto nas comunidades nativas tem se mostrado de grande importância na
criação de áreas de proteção ambiental. Quando não há uma compensação adequada e
cooperação ativa com as comunidades locais, projetos de manejo ambiental tendem a não
alcançar resultados satisfatórios devido a distância que se cria entre a proposta do projeto e as
pessoas que realmente ocupam e utilizam aquela área. Um aspecto interessante desta
abordagem é que ela fornece subsídios para a compreensão da interrelação entre diversos
elementos microeconômicos relativos ao uso e ao manejo de parques e reservas.
Quanto ao impacto sobre o turismo, os resultados indicam que os benefícios potenciais do
ecoturismo, associados ao novo parque, são substanciais. Existem diferenças nas estimativas
do excedente do consumidor. Enquanto o modelo aleatório de utilidade e o modelo de custo
de viagem estimam que a disposição a pagar média dos turistas por uma visita ao novo parque
seriam, respectivamente, de US$ 24 e US$ 45, o método de valoração contingente estima em
US$ 65. O autor coloca que o valor mais elevado no MVC pode ser decorrente deste método
estar captando valores de “não-uso”.
Não fica muito claro, ao longo desta seção, os motivos que levaram o autor a aplicar dois
métodos de demanda recreacional, ou seja, quais as diferenças relevantes e também os
elementos que explicam a divergência dos valores encontrados para a DAP dos turistas. De
forma simplificada, a razão para a aplicação dos dois e o motivo para os valores divergentes
está associado ao fato deste modelos utilizarem funções de demanda distintos: o modelo
aleatório de utilidade baseia-se na curva de demanda hicksiana e o modelo de custo de viagem
na concepção marshalliana (ver seção Valorando Variações de Bem-Estar da Parte III).
É importante perceber, que mesmo com um cuidadoso processo de elaboração dos
questionários, elementos externos podem influenciar de forma negativa a performance da
pesquisa de campo e, conseqüentemente prejudicar a qualidade da amostra. No caso da
avaliação do impacto sobre o turismo, a greve ocorrida em Madagascar acabou por tornar a
temporada atípica e limitar o número de turistas entrevistados.
A partir dos valores encontrados para a disposição a pagar, o poder público pode se mostrar
interessado em criar tributos sobre o turismo, taxas de entrada ou outras formas de captar
parte desta disposição a pagar dos estrangeiros para financiar projetos de conservação.
Todavia, não se pode deixar de destacar que os valores encontrados na pesquisa são relativos
às preferências dos visitantes estrangeiros com um poder aquisitivo muito superior ao
observado nos habitantes de Madagascar e podendo levar a uma exclusão destes.
A análise da produtividade apresenta um estudo cuja abordagem é nítidamente multidiciplinar,
cruzando informações distintas, originárias de campos do conhecimento como a hidrologia, o
manejo florestal, a agronomia e a economia. Este tipo de iniciativa é de extrema importância
178 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

para a busca de uma maior compreensão da complexidade referente às interrelações entre os


fenômenos físicos, biológicos e econômicos.
Fica bem claro nesta aplicação da análise da produtividade que a construção de uma função
“dose-resposta” confiável demanda um profundo conhecimento das interações existentes entre
as variáveis ambientais. No caso específico de Mantadia, os dados disponíveis sobre a descarga
do rio Vohitra eram mensais, mas estes não foram suficientes para se constatar uma tendência
ao aumento das enchentes em função do avanço sistemático do desmatamento.
Neste sentido, uma lição a ser assimilada é a importância de um monitoramento ecológico
prévio, e de preferência bastante detalhado, para que a função “dose-resposta” corresponda de
forma satisfatória aos fenômenos que ocorrem no mundo real.
A aplicação do MVC para o valor de existência não está captando apenas este valor. A
pergunta formulada às famílias norte-americanas se concentrava no quanto estariam dispostas a
pagar em contribuição para um fundo de uma entidade voltada para a preservação das florestas
tropicais úmidas. Além do valor de existência, alguma parcela da DAP deve estar relacionada
ao valor de opção dado pelas famílias, apesar do fato de que menos de 10% dos entrevistados
se mostraram com planos de visitar uma floresta úmida tropical no futuro.
Este estudo de caso realizado em Madagascar apresenta uma abrangência excepcional no
sentido de mensurar os impactos de uma mudança no padrão de uso de florestas tropicais, sob
a ótica de diferentes grupos de interesse e de um vasto leque de metodologias. Entretanto, não
se pode deixar de observar que os custos envolvidos dificultam a utilização desta pesquisa
como um modelo, visto que as restrições financeiras podem limitar as possibilidades de um
trabalho nessa magnitude.
Em suma, este trabalho e o seu objeto de análise são de extrema importância para o Brasil
devido a diversidade biológica e aos inúmeros parques e reservas em grandes áreas de floresta
tropical do país. Além disto, tem-se observado nos últimos anos um crescente desenvolvimento
do ecoturismo e uma forte preocupação com o tipo de manejo e planejamento exercido nas
florestas tropicais.
Ronaldo Seroa da Motta - 179

ESTUDO DE CASO 13

PROGRAMA DE DESPOLUIÇÃO DA BAÍA DE GUANABARA NO RIO DE


JANEIRO, BRASIL

In: Programa de Saneamento Básico da Bacia da Baía de Guanabara, Relatório de


Referência para Solicitação de Empréstimo ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, Rio
de Janeiro, Governo do Estado, 1993 e Programa de Saneamento Básico da Bacia da Baía
de Guanabara - BR 0072, Relatório de Projeto 1950 - Banco Interamericano de
Desenvolvimento, 1993.
Analisado por: Carolina Burle Schmidt Dubeux
Recurso ambiental: Bacia da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro, Brasil.
Objetivo: análise de custo-benefício
Metodologia:
Valores estimados Métodos utilizados
valor de uso relativo ao aumento da oferta e gastos defensivos
regularização do abastecimento de água
valor de uso relativo à diminuição do desperdício com a produtividade marginal
racionalização do consumo de água
valor de uso do saneamento de residências valoração contingente com transferência de
funções
valor de uso na recuperação ambiental de rios e valões valoração contingente
valor de uso na recuperação ambiental de praias custo de viagem
valoração contingente
valor de uso na recuperação do setor pesqueiro produtividade marginal
valor de uso no aumento da demanda do setor turístico produtividade marginal
valor de uso na diminuição de cheias custos evitados

Interesse empírico:
• apresenta um caso real de aplicação de valoração ambiental para uma decisão de
investimento.
• utiliza uma rica variedade de métodos, recorrendo inclusive à transferência de funções na
valoração contingente e comparação de resultados de métodos alternativos para medir o
mesmo benefício.
180 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

PROGRAMA DE DESPOLUIÇÃO DA BAÍA DE GUANABARA NO RIO


DE JANEIRO, BRASIL
In: Programa de Saneamento Básico da Bacia da Baía de Guanabara, Relatório de
Referência para Solicitação de Empréstimo ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, Rio
de Janeiro, Governo do Estado, 1993 e Programa de Saneamento Básico da Bacia da Baía
de Guanabara - BR 0072, Relatório de Projeto 1950 - Banco Interamericano de
Desenvolvimento, 199355.

OBJETIVO
Este caso apresenta a metodologia utilizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) para um estudo da viabilidade econômica do Programa de Despoluição da Baía de
Guanabara. Tem por objetivo avaliar a incorporação dos métodos de valoração ambiental às
técnicas tradicionais de análise econômica, examinando os custos e benefícios das intervenções
propostas.
O programa de despoluição beneficiará mais de cinco milhões de pessoas, com investimentos
de US$ 793 milhões, nesta primeira etapa que é o objeto deste estudo. Os principais
componentes destas inversões são: (i) saneamento (aumento da distribuição, racionalização e
regularização da oferta de água, com diminuição de perdas no sistema e coleta e tratamento
de esgotos sanitários), (ii) drenagem dos rios, (iii) coleta e disposição adequada de resíduos
sólidos, (iv) controle de poluição industrial e (v) mapeamento digitalizado para incremento da
receita tributária dos municípios e para facilitação dos processos de planejamento.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA
A Baía de Guanabara possui área de 381 km2, dos quais 44 km2 são ilhas, perímetro de 131
km, volume de 2 bilhões de m3 de água e profundidade média de 7,6 m.
A bacia hidrográfica, com aproximadamente 35 rios, é um complexo ecossistema cobrindo
uma área de 4.234 km2 que abriga grande parte da região metropolitana do Rio de Janeiro com
14 municípios.
Apresenta contraste entre zonas montanhosas e extensas áreas planas de baixadas, sendo a
mais característica a Baixada Fluminense, e áreas planas de restingas e manguezais.
A população da bacia é de aproximadamente 7,3 milhões de habitantes (Censo de 1991), parte
significativa vivendo em condições precárias de saneamento básico. Os rios apresentam
diferentes níveis de qualidade de água, especialmente os que cortam áreas densamente
povoadas que se transformaram em canais de escoamento de esgotos sanitários e lixo.
No recôncavo da Baía, com menor densidade demográfica e menor nível de atividade
econômica, os rios apresentam melhores condições ambientais e concentram em suas fozes a
maior extensão de manguezais da região.
As principais fontes de poluição da Baía são originárias da própria bacia hidrográfica, dentre
elas:

55
Este estudo de caso é parte do projeto de tese de Carolina B. S. Dubeux na COPE/UFRJ no Programa de
PlanejamentoAmbiental.
Ronaldo Seroa da Motta - 181

• o segundo parque industrial do País com cerca de 6.000 indústrias, em sua maior parte
empresas de pequeno e médio porte;
• a REDUC - Refinaria Duque de Caxias, responsável pelo lançamento de 1,75 t/dia de óleo,
o que representa 38% do total lançado, além de fenóis, metais pesados e micropoluentes
orgânicos;
• 16 terminais marítimos de petróleo que lançam aproximadamente 0,5 t/dia de óleo;
• dois portos comerciais (Niterói e Rio de Janeiro);
• cerca de 2.000 postos de serviço e 40 estaleiros que contribuem com mais de 1 t/dia de
óleo;
• a produção de 18,5 m3/s de esgoto doméstico com 544t/dia de carga orgânica. Desse total,
apenas 76 t/dia ou 3 m3/s recebem tratamento;
• vários vazadouros de lixo localizados às margens dos rios contribuintes ou da própria Baía,
como o Aterro Metropolitano de Gramacho que recebe cerca de 5.000 t/dia de lixo com
vazão de 800 m3/dia de chorume;
• inúmeras favelas às margens dos rios contribuintes e em encostas, sujeitas a inundações e
desabamentos;
• contínuos desmatamentos e aterros clandestinos.

As agressões ao meio ambiente da bacia resultam em inúmeros casos de doenças de veiculação


hídrica, tais como, hepatite, febre tifóide, gastroenterite, esquistossomose e leptospirose;
assoreamento da Baía, dos rios e obstrução dos córregos; enchentes catastróficas; redução da
pesca comercial; destruição contínua de manguezais (hoje reduzidos a 50% de sua extensão
original); e padrões de balneabilidade violados em quase todas as 53 praias.

RESULTADOS OBTIDOS
No caso da Baía de Guanabara (BG), os métodos de investigação utilizados revelaram apenas
valores de uso, estando, assim, o valor econômico total da despoluição da BG
subdimensionado por não considerar outros benefícios relacionados com o valor de existência,
como, por exemplo, a preservação de espécies. Entretanto, foi possível constatar que a
verificação do valor de uso foi suficiente para viabilizar os investimentos previstos à ocasião da
realização dos estudos.
Um resumo das investigações efetuadas para o cálculo do valor de uso pode ser observado no
quadro a seguir.
182 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

RESUMO DA METODOLOGIA E DOS RESULTADOS OBTIDOS

Bem ou Serviço Método Procedimentos Resultado


Ambiental Metodológicos
Aumento da oferta e Gastos Cálculo do excedente do US$ 109,7 milhões em
regularização do Defensivos consumidor com dados de VP*
abastecimento de água pesquisa sobre hábitos de
consumo de água
Diminuição do Produtividade Valor da redução do desperdício US$ 158,5 milhões em
desperdício com a Marginal com dados sobre consumo VP*
racionalização do médio de população com
consumo de água hidrômetro e sem hidrômetro
Saneamento de Valoração Máxima disposição a pagar por US$12,73/família/mês
residências Contingente rede coletora de esgoto
com doméstico com dados de
Transferência pesquisa de outro projeto
de Funções
Recuperação ambiental Valoração Disposição a pagar por retirada US$7,30/família/mês
de rios e valões Contingente de esgotos dos rios e valões com
dados de pesquisa de campo
Recuperação ambiental Valoração Disposição a pagar por US$7,20/família/mês**
de praias Contingente descontaminação das praias
com dados de pesquisa de
campo
Custo de Disposição a pagar por US$6,50/família/mês
Viagem descontaminação das praias
com dados de pesquisa de
campo
Valoração Disposição a pagar por US$0,15/família/mês*
Contingente melhoria estética, pesca
desportista e navegação
recreativa com dados de
pesquisa de campo
Recuperação do setor Produtividade Aumento de oferta de pescado US$ 10,9 milhões/ano
pesqueiro Marginal com dados sobre produção
anterior à contaminação da BG
Aumento da demanda Produtividade Aumento da oferta de passeios US$6,7 milhões/ano
do setor turístico Marginal turísticos na BG com dados
sobre demanda turística no Rio
de Janeiro e existência de
projetos turísticos na BG
Diminuição de cheias Custos Evitados Pesquisa sobre valor dos danos US$ 10,3 milhões em
provocados por enchentes VP*
* VP = valor presente descontado a taxa de 11% a.a.
** em 37% da amostra
Ronaldo Seroa da Motta - 183

METODOLOGIA
A avaliação econômica foi desenvolvida somente para os seguintes componentes de
investimentos: saneamento básico, drenagem e resíduos sólidos. A avaliação teve duas
finalidades: (i) desenhar a melhor configuração dos projetos e (ii) garantir a viabilidade
econômica dos investimentos.
Apenas os componentes de saneamento e drenagem desenvolveram estudos de custo/benefício
que incorporaram métodos de valoração ambiental. Para o componente resíduos sólidos
verificou-se apenas qual a alternativa de implementação dos projetos que apresenta menor
custo, não sendo, portanto, aqui abordado.
Uma análise custo-eficiência complementou a avaliação custo-benefício do tratamento de
esgotos para investigar as soluções de tratamento com a maior eficiência de descontaminação
da BG em face do montante disponível de recursos.
Com relação à análise custo/benefício, os benefícios identificados no quadro abaixo são
advindos de investimentos específicos que são componentes do projeto, tais como: melhoria
do sistema de abastecimento de água, construção de redes de esgotamento sanitário e
coletores-tronco nos rios, construção de estações de tratamento de esgotos e drenagem dos
rios.
CORRELAÇÃO ENTRE BENEFÍCIOS ESPERADOS E INVESTIMENTOS PROPOSTOS

Benefícios Custos56 (investimentos propostos)


melhoria das condições sanitárias de 1,2 milhão construção de redes coletoras de esgoto; construção de
de habitantes redes de abastecimento de água; coleta de lixo; e
dragagem
melhoria das condições estéticas e de habitação construção de coletores-tronco; coleta de lixo; e
com a redução dos altos níveis de contaminação dragagem
de rios e canais contribuintes à BG
criação de novas oportunidades de recreação (e a construção de estações de tratamento de esgoto – ETEs
um menor custo) para a população que reside nas
áreas urbanas próximas à BG e redução dos
congestionamentos de trânsito em direção às
praias oceânicas.
ampliação da oferta de atrativos turísticos da construção de ETEs
Região Metropolitana, com reflexos no aumento
da renda do setor de turismo pelo aumento do
tempo de permanência do turista e recuperação
gradativa dos níveis de captura de pescados de
espécies de importância econômica

Os benefícios, e seus respectivos custos de investimento e operação, foram estimados para


cada componente do projeto, a saber: (i) Abastecimento de Água - Setorização dos Sistemas e
Micromedição; (ii) Esgotamento Sanitário - Redes Coletoras, Coletores-Tronco e Tratamento
de Esgoto; e (iii) Drenagem.

5656
Preços eficiência são aqueles que refletem os custos de oportunidade do insumo ou fator, ver Parte III. Neste
estudo os preços eficiência foram calculados a partir dos seguintes fatores de conversão: 0,61 para mão-de-obra
não qualificada; 0,887 para consumo; 1.103 para energia elétrica.
184 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Os valores presentes foram calculados a uma taxa de 11% a.a. e de acordo com a vida útil
específica de cada investimento. Os procedimentos metodológicos e os resultados obtidos
estão apresentados a seguir.

Abastecimento de Água
Os investimentos do projeto pretendem setorizar o sistema de abastecimento de água, de forma
a reduzir perdas ao compartimentar o abastecimento da região em setores autônomos. A
micromedição também leva a menores perdas, pois induz ao uso mais racional por parte dos
consumidores que passam a ter seu consumo medido continuamente e a pagar pela quantidade
exatamente consumida. Atualmente, o cálculo é feito por estimativa, o que premia o
desperdício.

SETORIZAÇÃO DOS SISTEMAS


No que se refere ao abastecimento de água, sua melhoria deverá ocorrer em função da
setorização do sistema de distribuição que, pela diminuição de perdas, permite o aumento da
oferta. O cálculo dos benefícios foi realizado pela técnica dos gastos defensivos.
Os benefícios da expansão da oferta de água foram calculados considerando-se os gastos com
abastecimento incorridos pelas famílias da população a ser beneficiada pelo projeto (Baixada
Fluminense e São Gonçalo) antes do projeto ser implementado. Para estimá-los foi realizada
uma pesquisa de campo, similar às de valoração contingente, na qual verificaram-se os hábitos
de consumo em uma amostra de 500 famílias. O questionário utilizado procurou identificar a
origem e a regularidade da água consumida por domicílio (se proveniente da rede pública, de
poço, de caminhão pipa, vizinho, riacho, etc.) e os respectivos custos incorridos. Estes gastos
representam uma estimativa da disposição a pagar pelo consumo marginal de água de cada
usuário que definiu uma curva de demanda (com variáveis de hábitos de consumo e os
respectivos gastos) e com base nesta estimou-se a variação do excedente do consumidor57. O
benefício total resultante foi de US$ 109,7 milhões em valor presente.
Os custos de investimento a preços de eficiência, bem como as ações de desenvolvimento
operacional, estão desdobrados em máquinas e equipamentos, mão-de-obra e energia.
Os custos de manutenção e operação incrementais ocorrem somente no sistema de
distribuição, uma vez que o nível de produção de água mantém-se constante. Para o cálculo
destes custos utilizou-se o custo marginal nos sistemas da empresa de saneamento estimados a
preços de eficiência em US$ 0,20 por m3.
Os resultados da avaliação custo/benefício, apresentados na Tabela 1, indicam que o valor
presente líquido dos investimentos (benefício menos custo) totaliza US$ 31,3 milhões, com
taxas internas de retorno de 20,7% para o projeto da região da Baixada Fluminense e de
14,6% para o projeto de São Gonçalo.

57
O modelo adotado para simulação foi o SIMOP.
Ronaldo Seroa da Motta - 185

T ABELA 1
RESULTADOS DA ANÁLISE DE VIABILIDADE ABASTECIMENTO DE ÁGUA/SETORIZAÇÃO DOS
SISTEMAS

Projeto Benefício* Custo* Benefício TIR


(US$103) (US$103) Líquido* **
(US$103) (%)
Setorização da Baixada 79,1 52,2 26,9 50,0
Setorização de São 30,6 26,2 4,4 19,4
Gonçalo
Total 109,1 78,5 31,3 ---
* valor presente
** taxa interna de retorno

MICROMEDIÇÃO
Ainda com relação ao abastecimento, o projeto de micromedição previsto objetiva racionalizar
o consumo a partir da instalação de 525 mil medidores (hidrômetros), tendo em vista que a
cobrança da água com base em estimativas não induz à racionalidade do consumidor,
resultando em desperdício e iniqüidade social.
O benefício do projeto de micromedição, calculado pela técnica da produtividade marginal,
considera o aumento da oferta com a racionalização do consumo, uma vez que essa
racionalização poupará os recursos de investimento, manutenção e operação que seriam
necessários para uma expansão equivalente ao consumo poupado. Para os cálculos, foram
utilizados os valores dos custos da empresa de saneamento relativos à produção e distribuição
de água, coleta e tratamento do respectivo esgoto doméstico.
A estimativa dos benefícios da micromedição baseou-se na diferença entre o consumo médio
para situação com hidrômetro (extraído de relatório mensal da empresa de saneamento) que é
de 249,06 l/hab./dia e o consumo médio para situação sem hidrômetro que é de 408,98
l/hab./dia, extraído do projeto de setorização de água. O valor total dos benefícios atinge o
montante de US$ 23,5 milhões por ano ou US$ 158,5 milhões em valor presente.
Com base nos resultados sobre consumo de água da pesquisa realizada para setorização, a uma
tarifa média de US$ 0,454 para cada um dos serviços de água e esgoto, foi estimada uma
diminuição no consumo da ordem de 24%.
Os custos refletem os investimentos para expansão do abastecimento de água, manutenção e
operação do sistema que totalizam US$ 76,8 milhões.
Os resultados da Tabela 2 apresentam as estimativas da avaliação custo/benefício dos projetos
de micromedição que indicam um benefício líquido de US$ 82,0 milhões, com taxa interna de
retorno de 52,0%.
186 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 2
RESULTADOS DA ANÁLISE DE VIABILIDADE ABASTECIMENTO DE ÁGUA/SETORIZAÇÃO DOS
SISTEMAS

Benefício Custo de Custo de Benefício


Investimento Manutenção Líquido
VP* (US$103) 158,5 44,0 32,8 82,0
TIR** % ----- ----- ---- 52,0
* Valor Presente
**Taxa Interna de Retorno

Esgotamento Sanitário
A análise custo-benefício do esgotamento sanitário considerou: (i) investimentos específicos -
redes coletoras e coletores-tronco e (ii) recuperação ambiental e melhoria da qualidade de água
da BG, identificadas com os impactos na estética, pesca e turismo. Assim, a viabilidade
econômica de redes e coletores pode ser verificada em separado, enquanto que para as
estações de tratamento de esgotos (ETEs) a análise agregou os resultados das redes, dos
coletores e das próprias ETEs. Tal procedimento ofusca o potencial de análise custo-benefício
das ETEs.

REDES COLETORAS
Os benefícios das redes coletoras estão calculados pelo método da valoração contingente com
base em funções estimadas em outras localidades e também na disposição a pagar (DAP) de
cada família pelo serviço de coleta de esgoto domiciliar.
A existência de pesquisas realizadas em outras áreas com problemas ambientais e estruturas de
renda familiar similares permitiu que os cálculos para a Baía de Guanabara fossem feitos a
partir dos resultados encontrados nestas outras pesquisas. Tal procedimento de transferência
de funções diminui consideravelmente o custo dos estudos econômicos e o prazo para sua
conclusão.
Foram utilizados os resultados de duas pesquisas realizadas na Região Metropolitana de São
Paulo, a primeira em 1990 para o programa PROSEGE-Osasco e a segunda, em 1991, para o
Programa de Saneamento Ambiental da Bacia de Guarapiranga, além de dados de uma
pesquisa realizada em Fortaleza, Estado do Ceará.
A estimativa da DAP dos beneficiários pelos serviços a serem oferecidos (redes coletoras de
esgoto) foram recompilados dos dados dessas pesquisas de campo já efetuadas pelo fato de
apresentarem resultados relativamente próximos. Verificou-se, por exemplo, que a renda média
da população nas três pesquisas variava aproximadamente, entre 300 e 800 dólares
mensais/família, enquanto a DAP apresentava valores, respectivamente, entre 2,8 e 3,7% desta
renda média. Aplicando-se, então, o percentual DAP/renda mais conservador à renda média da
população a ser beneficiada, obtem-se uma DAP de US$ 12,73 por família/mês para a Baía de
Guanabara. A Tabela 3 apresenta os valores estimados de DAP para projetos similares e para a
BG.
Ronaldo Seroa da Motta - 187

T ABELA 3
DAP ESTIMADAS PARA PROJETOS SIMILARES

Pesquisa DAP/mês Renda Mensal % DAP/Renda


(US$ 1,00) Familiar
(US$ 1,00)
Osasco 19,5 697 2,8
Guarapiranga 26,9 811 3,3
Fortaleza 11,2 303 3,7
Guanabara 12,7 452 2,8

Conforme mostra a Tabela 4, o benefício total para as redes alcança o montante em valor
presente de US$ 187,40 milhões. Os custos, em valor presente de US$ 92,10 milhões, refletem
os investimentos a preços de eficiência das obras a cargo da empresa de saneamento, bem
como das ligações intradomiciliares previstas para as redes coletoras.
T ABELA 4
RESULTADOS DA ANÁLISE DE VIABILIDADE PARA
ESGOTAMENTO SANITÁRIO/REDES COLETORAS

Sistemas Benefício* Custo* TIR


(US$ 103) (US$ 103) (%)
Pavuna 66,9 27,0 34,2
Ilha Gov.(sul) 19,2 13,6 29,8
Sarapui 55,6 29,4 25,2
Ilha Gov. (norte) 7,8 3,7 35,5
São Gonçalo 37,1 17,9 28,0
Favelas Centro 0,8 0,5 21,1
TOTAL 187,40 92,10 -

*valor presente

COLETORES-TRONCO
O principal benefício da construção de coletores-tronco ocorre com a coleta do esgoto
advindo das redes, o que reduz a contaminação dos rios, canais e valões. O valor deste
benefício foi estimado por uma pesquisa de valoração contingente com a aplicação de 500
questionários a habitantes das sub-bacias dos rios Faria e Timbó e do município de Niterói.
O questionário foi montado de modo tal que os malefícios impostos ao entrevistado pela atual
condição ambiental dos rios pudessem ser por ele visualizados. Neste sentido, foram feitas
perguntas sobre perdas de bem-estar, tais como: eventual mau cheiro da redondeza, existência
de sujeira e ocorrência de vetores, doenças, cheias, desabamentos e outras. Com base neste
cenário o entrevistado era induzido a calcular suas perdas econômicas conseqüentes.
Utilizaram-se questionários do tipo referendo com acompanhamento (dois valores) para aferir
o valor da perda, através de questões sobre a disponibilidade a pagar pela construção do
188 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

coletor-tronco da área de interesse do entrevistado. O resultado indicou uma DAP para


recuperar os rios estimada em US$ 7,30 por família/mês.
Tendo em vista que os projetos propostos reduzem a contaminação somente de forma parcial,
os valores da DAP foram ajustados proporcionalmente à redução a ser alcançada por cada
sistema de esgotamento previsto no projeto de acordo com os percentuais da Tabela 5.
TABELA 5
PERCENTUAL DE REDUÇÃO DE CONTAMINAÇÃO EM
RIOS COM COLETORES-TRONCO POR SISTEMA

Projeto Redução
Sistema Alegria (rios Faria, Timbó, Maracanã e canal do Mangue) 93%
Sistema Pavuna (rios Pavuna, São João do Meriti e Acari) 34%
Canal do Sarapuí 20%
Rio Madeira e Canal de Imboassu 29%
Sistema São Gonçalo e Canal Alameda de São Boaventura 94%

Na Tabela 6, observa-se o benefício total para os coletores-tronco que alcança o montante em


valor presente de US$ 251,6 milhões e o custo em valor presente de US$ 110,2 milhões que
reflete os investimentos a preços de eficiência das obras a cargo da empresa de saneamento.
TABELA 6
RESULTADOS DA ANÁLISE DE VIABILIDADE PARA
ESGOTAMENTO SANITÁRIO/COLETORES-TRONCO

Sistema Benefício Custo TIR


(US$103) (US$103) %
Alegria 124,4 62,6 24,0
Pavuna 34,2 13,6 28,1
Sarapui 36,2 19,5 21,9
São Gonçalo 20,8 14,5 17,4
TOTAL 215,6 110,2 -

T RATAMENTO DE ESGOTO
Este componente foi o de maior sofisticação metodológica e os resultados obtidos foram
importantes para o desenho final do projeto que prevê investimentos em tratamento de cerca
de 8,0 m3/s de esgotos domésticos correpondentes a 40% do volume total.

ANÁLISE CUSTO-E FICIÊNCIA


Para o estabelecimento de prioridade nos investimentos em tratamento de esgoto foram
analisados a cobertura e o nível de tratamento nas diversas bacias de esgotamento sanitário.
A análise tomou como base as concentrações de demanda bioquímica de oxigênio (DBO),
coliforme total e oxigênio dissolvido como parâmetros de qualidade de água. Estes parâmetros
Ronaldo Seroa da Motta - 189

foram calculados por meio de um modelo hidrológico estático desenvolvido pela agência
ambiental do Estado (FEEMA).
Os coeficientes da matriz do modelo foram utilizados para formular um modelo de
programação linear que possibilita a minimização de um índice de poluição da água, sujeito à
restrição de recursos financeiros e de vazão captada para cada bacia.
Os resultados do modelo conferem prioridade ao aumento da vazão, tratada em nível primário
em diversos pontos localizados em torno da BG, antes da implementação de tratamento
secundário nas principais bacias. Ou seja, a análise custo-eficiência do tratamento de esgoto
indicou que, dado o orçamento previamente alocado a este componente, a ampliação do
volume por tratamento primário, ao invés de menor volume e tratamento secundário/terciário,
maximizaria a qualidade da água de acordo com o modelo hidrológico adotado. Assim, o
programa contempla tratamento primário em aproximadamente 95% da vazão resultante dos
investimentos58.
O nível de agregação do modelo, no entanto, não simula a contaminação de praias proveniente
de pequenas descargas. Dessa forma, tendo a análise econômica identificado um alto benefício
para baneabilidade, incluíram-se no projeto as redes coletoras das favelas que eliminam a
principal fonte de contaminação das praias com um custo de investimento relativamente baixo.

ANÁLISE CUSTO-BENEFÍCIO
Para o tratamento de esgoto, os benefícios da despoluição foram estimados da seguinte forma:
(i) método de valoração contingente para balneabilidade, esportes náuticos e estética e (ii)
método da produtividade marginal para as atividades turística e pesqueira. Conforme será
discutido adiante, os valores destes benefícios foram somados ao outros estimados para redes e
coletores-tronco analisados anteriormente.
(a) Balneabilidade, Esportes Náuticos e Estética
Utilizou-se uma pesquisa de valoração contingente, realizada junto a 1.674 famílias, ver Tabela
7, de diferentes bairros da Região Metropolitana do Rio de Janeiro com o objetivo de aferir a
DAP para três diferentes usos: banho de mar; esportes náuticos e estética.

58
As plantas de tratamento primário serão modulares, podendo ser transformadas, posteriormente, em plantas
de tratamento secundário. Pela mesma razão, têm custo constante para diferentes vazões.
190 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

TABELA 7
AMOSTRA DA PESQUISA DE VALORAÇÃO
CONTINGENTE PARA ESGOTAMENTO SANITÁRIO/T RATAMENTO DE ESGOTO

Região No de entrevistas Distância


Ilha do Governador 183 perto
Ramos 92 perto
Bangú 85 longe
Jacarepaguá 160 longe
Barra da Tijuca 414 longe
São João do Meriti 45 longe
Niterói 625 perto
São Gonçalo 70 perto
TOTAL 1674

Os resultados da análise de valoração contingente indicam que, para todos os bairros,


independentemente do seu nível de renda, a DAP por investimentos que recuperem as praias é
muito superior aos investimentos que somente melhoram as condições ambientais e estéticas
gerais da BG.
Por exemplo, no caso de Niterói, estimou-se uma DAP de US$ 7,2 por família/mês para a
recuperação da balneabilidade das praias, em contraste com US$ 0,15 por família/mês para
investimentos que permitem apenas melhorar as condições de pesca esportiva, navegação e
estética.
Para confirmar a validade destas estimativas, foi também utilizado o método do custo de
viagem para calcular os benefícios da balneabilidade.
O questionário para valoração contingente incluiu, portanto, questões que permitiram a
utilização de um modelo de viagem para a estimativa da DAP. Neste sentido, foram
perguntados o tipo de transporte utilizado para deslocamento às praias oceânicas e o tempo de
viagem. Adicionalmente, indagou-se ao entrevistado a frequência com que ele passaria a
utilizar as praias da BG caso estas ficassem limpas.
Calculou-se como custo de viagem a soma do custo operacional da viagem com o custo do
tempo do passageiro. Se utilizasse carro, o custo operacional seria o produto do custo
operacional de um veículo padrão (VW GOL) pela quilometragem, estimada pelo produto do
tempo de viagem por uma velocidade média. Se utilizasse ônibus, o custo operacional seria o
produto da tarifa pelo número de pessoas da família. Para as outras opções, a pé e de bicicleta,
o custo operacional seria zero. O custo do tempo do passageiro para todos os casos foi
calculado como o custo horário da metade da renda familiar pelo tempo de viagem.
Testes no modelo revelaram que os tempos de ida às praias da BG, indicados nas pesquisas
pelos entrevistados, apresentavam-se inconsistentes e, portanto, foram feitos cálculos para
cada forma de deslocamento. Para tal, consideraram-se as opções mais prováveis de praia a
frequentar por cada bairro para definir o tempo médio de viagem e os custos.
Os dados da pesquisa indicaram que o número de visitas que a população desejaria realizar às
praias da BG excede os níveis de saturação para as praias de maior importância. A capacidade
Ronaldo Seroa da Motta - 191

das praias da BG foi estimada com base na área disponível, flutuações de estações e de fim de
semana e um nível de saturação de 8 m2 por família.
Verificou-se também um excesso de demanda, ao substituírem-se os custos de viagem para
visitas às praias da BG em curvas de demanda para praias oceânicas. Para corrigir essas
distorções, os benefícios foram estimados de acordo com o excedente do consumidor
considerando a capacidade máxima das praias.
Comos os valores situaram-se entre US$ 6,0 e US$ 7,0, adotou-se o valor de US$ 6,5 como
sendo o benefício por família/mês.
Como já mencionada, a confirmação dos altos benefícios da balneabilidade foram importantes
para o desenho final do projeto. Assim, foram incluídos no Programa a coleta de esgotos em
27 favelas e o sistema de tratamento de esgoto previsto permite, ao menos, que as praias
próximas ao centro da cidade do Rio de Janeiro (Flamengo, Botafogo e Urca) alcancem níveis
compatíveis com as normas ambientais.
(b) Atividades Turística e Pesqueira
(b.1) Turismo
A cidade do Rio de Janeiro, conhecida mundialmente por suas belezas naturais tem na Baía de
Guanabara um de seus cartões postais e certamente um pólo de atração turística.
Pesquisas realizadas junto a companhias de turismo revelaram a possibilidade de realização de
vários projetos de passeio turístico na BG que ainda não puderam ser viabilizados devido à
contaminação das águas, concluindo-se que a poluição hídrica afasta o turista e,
conseqüentemente, a receita respectiva.
Os benefícios do turismo foram calculados a partir das perdas do setor com base nos seguintes
dados:
§ gasto médio per capita/dia na cidade do Rio por turistas estrangeiros: US$ 86,88;
§ número de turistas estrangeiros/ano que visitam o Pão-de-Açúcar: 385.083.

Para o cálculo dos benefícios potenciais do turismo, supôs-se que os investimentos em


tratamento de esgoto poderiam aumentar a permanência média de 50% dos turistas, em mais 1
dia, na cidade do Rio de Janeiro. Estimou-se, então, que os ganhos com o turismo seriam de
US$ 16.728.049,00/ano.
Entretanto, considerando-se que o valor agregado a ser repassado aos setores econômicos
nesta atividade representa 40% da receita bruta, estimou-se o valor incremental de
US$ 6,691,220.00/ano.
(b.2) Pescado
O elevado grau de poluição da BG prejudica seriamente o setor pesqueiro de grande
importância para aproximadamente 6.000 pescadores, distribuídos em sete colônias de pesca.
Para estimar as perdas deste setor, necessitou-se buscar informações diretamente junto às
colônias de pescadores para identificação do volume pescado a uma década, dada a
inexistência de séries históricas.
A pesquisa revelou que algumas espécies de pescado, de importância comercial, não são mais
encontradas no interior da BG que, no entanto, ainda oferece mais de 100 espécies de peixes,
principalmente, sardinha, parati e tainha e, em menor escala, pescada, pescadinha, linguado,
robalo, xerelete, piraúna, corvina, bagre e anchova. Atualmente, a produção média é de 13
192 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

toneladas/dia de pescado comercial, uma tonelada/dia de mexilhão e 0,4 toneladas/dia de


camarão.
Conclui-se que o volume hoje pescado equivale a 33% do volume de peixe e 17% do volume
de camarão de há 10 anos.
O benefício dos investimentos foi calculado como o incremento do volume pescado, nas
situações com e sem projeto, multiplicado pelo valor de mercado de cada espécie. Do valor
encontrado, reduziram-se 50% correspondentes ao custo de produção para estimar o valor
agregado da atividade.
Para se calcular a quantidade incremental de peixe e de camarão, no cenário com o projeto,
considerou-se um crescimento gradual em dez anos a partir do ano seguinte à conclusão das
obras. A Tabela 8 apresenta os benefícios estimados no valor de US$ 30,6 milhões para o
setor.
TABELA 8
RESULTADOS DOS BENEFÍCIOS COM A
6
P ROJEÇÃO DA RECUPERAÇÃO DO VOLUME DE P ESCADO (US$10 )*

Valor Anual da Valor Anual da Valor Presente


Captura sem o Captura com o Líquido da
Projeto Projeto Captura**

3,6 14,5 30,6


* a preços de 1992

Viabilidade Econômica Agregada


Os custos associados aos benefícios do tratamento de esgoto refletem os investimentos para
expansão e manutenção da rede coletora de esgotos e dos coletores-tronco e os investimentos
de operação e manutenção das ETEs, incluída a disposição final dos lodos e o emissário
submarino de Icaraí.
A viabilidade econômica para tratamento foi calculada por sistemas de esgotamento (rede,
coletores, ETEs, aterro de lodos e emissário submarino) dependo dos itens de projeto para
cada sistema. A justificativa para não haver cálculos separados para tratamento reside no fato
de que a legislação não permite lançamentos de esgoto sem, no mínimo, tratamento primário.
Portanto, é condição sine qua non à construção das redes.
A avaliação foi realizada para cada sistema em separado quando foi possível distinguir os
impactos (benefícios) na qualidade da água resultantes dos investimentos em cada um dos
sistemas. E realizada por grupos de sistemas quando os benefícios se misturam. Os resultados
são apresentados na Tabela 9.
Assim, os sistemas de esgotamento sanitário de Alegria, Pavuna e Ilha do Governador (setor
sul) obtiveram um benefício global de US$ 326,1 milhões e custos de US$ 204,5 milhões, o
que resulta em uma TIR de 19,4%.
Para os sistemas de Sarapui e Ilha do Governador (setor norte), os valores encontrados foram
de US$ 103,3 milhões para os benefícios e US$ 64,3 milhões para os custos, resultando em
uma TIR de 20,3%.
Os valores para Niterói Sul (emissário submarino) são: R$ 81,1 milhões em benefícios,
US$ 20,8 milhões em custos e TIR de 43,9%. Para São Gonçalo: US$ 62,4 em benefícios e
Ronaldo Seroa da Motta - 193

US$ 55,2 milhões em custos e TIR de 14%. Para Ilha de Paquetá, US$ 9,5 milhões em
benefícios e US$ 2,7 milhões, com TIR de 37,8. E, por fim, para o escoamento das favelas no
centro do Rio, US$ 0,8 milhões em benefícios e 0,5 milhões em custos, com TIR de 21,1%.
Em termos globais, os sistemas de esgotamento sanitário propostos pelo programa de
despoluição apresentam um benefício de US$ 582,40 milhões e um custo de US$ 347,50.
TABELA 9
RESULTADO DA ANÁLISE DE VIABILIDADE DOS SISTEMAS DE E SGOTAMENTO SANITÁRIO

Sistemas Rede Coletor Tratamento


Ben. Custo TIR Ben. Custo TIR Ben. Custo TIR
% % %
Alegria 124,4 62,6 24,0
Pavuna 66,9 27,0 34,2 34,2 13,6 28,1
Ilha 19,2 13,6 29,8
Gov.(sul)
Alegria/Pav 326,1 204,5 19,4
una/
Ilha Gov.S
Sarapui 55,6 29,4 25,2 36,2 19,5 21,9
Ilha Gov. 7,8 3,7 35,5
(norte)
Sarapui/ 103,3 64,3 20,3
Ilha Gov.N
Niterói sul 81,1 20,8 43,9
São Gonçalo 37,1 17,9 28,0 20,8 14,5 17,4 62,4 55,2 14,0
Ilha Paquetá 9,5 2,7 37,8
Favelas 0,8 0,5 21,1
Centro
TOTAL 582,4 347,5 *
Obs: (i) valor presente dos benefícios e custos em US$ 106 e (ii) não foi calculada uma TIR total para o componente esgotamento sanitário.

DRENAGEM
A drenagem dos rios destina-se a evitar a ocorrência de inundações em perímetros urbanos
densamente povoados que ‘lavam’ as ruas carreando lixo à BG, além de imporem perdas
econômicas aqueles que têm suas propriedades invadidas ou que não podem simplesmente
acessar seus locais de trabalho.
A drenagem urbana foi avaliada para trechos da bacia do Rio Acari e utilizou o método dos
custos evitados. Foram considerados os prejuízos ocorridos durante enchentes verificadas
anteriormente como um benefício do projeto a ser executado.
Para a identificação dos prejuízos à população e, portanto, o cálculo dos benefícios, foram
inseridas questões específicas no questionário do método de valoração contingente para
coletores-tronco. Foi considerada a mancha de inundação da Taxa de Recorrência (TR) para
20 anos.
194 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Conforme mostra a Tabela 10, a população a ser beneficiada (HAB.) para TR de 20 anos foi
dividida em: (i) diretamente beneficiada, ou seja, aquela que teve sua residência invadida pelas
águas e, conseqüentemente, perda de bens e (ii) indiretamente beneficiada, aquela
impossibilitada de sair para o trabalho por ter sua rua alagada.
T ABELA 10
POPULAÇÃO A SER BENEFICIADA COM OS INVESTIMENTOS DE DRENAGEM

Rio Direta Indireta


Piraquara 8.000 100.533
Pedras 2.000 56.000
Timbó Superior 6.000 51.000
Total 16.000 207.533

O custo evitado está calculado através da seguinte fórmula, considerando um prejuízo médio
por família diretamente atingida de US$ 153,5 e indiretamente atingida de US$ 40,6:

DE = D * FR * Pr

onde,
DE = total de danos evitados (custos evitados)
D = dano por família
Fr = No de famílias atingidas pela enchente
Pr = probabilidade de ocorrência da enchente
A Tabela 11 apresenta os resultados para o componente drenagem que indicam um benefício
de US$ 10,3 milhões e um custo de US$ 9,5 milhões calculados com base nos gastos de
investimentos e manutenção dos projetos, por trecho de rio59.

59
Outros estudos foram realizados também para a bacia do Rio Faria Timbó. Neste caso, além da metodologia
utilizada para a bacia do Rio Acari, identificou-se, também, como benefício a redução do custo operacional dos
veículos que trafegam nas vias da área do projeto, sujeitos a congestionamentos periódicos em épocas de
enchentes. Perdas de produção industrial e comercial devido às enchentes foram consideradas também como
benefício. No entanto, esta bacia passou à gestão da prefeitura municipal do Rio de Janeiro, deixando de ser
objeto de financiamento do programa.
Ronaldo Seroa da Motta - 195

TABELA 11
RESULTADOS DA ANÁLISE DE VIABILIDADE PARA DRENAGEM

Rio Custos* Benefícios* Benefício TIR (%)


(US$103) (US$103) Líquido*
(US$103)
Timbó Superior 2.693 2.821 128 12,74
Piraquara 4.612 4.908 296 13,03
Pedras 2.233 2.545 312 14,20
Total 9.538 10.274 736 ---
* Valor Presente

AVALIAÇÃO CRÍTICA

Este estudo de viabilidade é bastante ilustrativo por duas razões:


• apresenta um caso real de aplicação de valoração ambiental para uma decisão de
investimento;
• utiliza uma rica variedade de métodos, inclusive recorrendo à transferência de funções na
valoração contingente e comparação de resultados de métodos alternativos para medir o
mesmo benefício.

Entretanto, não foi discutida a confiabilidade dos resultados da valoração contingente, como,
por exemplo, a análise de viéses. No caso da dimensão ambiental da BG, de singularidade
ecológica, as questões de substitubilidade e abrangência regional deveriam ter sido discutidas.
Isto é, ampliar a população beneficiada e contextualizar a BG em relação a outros patrimônios
naturais similares. Esta deficiência deve-se, em parte, a mensuração de apenas valores de uso
neste estudo de viabilidade.
A não consideração de valores de não-uso representa uma restrição significativa aos resultados
obtidos. Por exemplo, a proteção de fauna e flora marinha poderia introduzir outra dimensão
aos resultados de esgotamento sanitário. Sendo estes aplicáveis a toda população, pelo menos
no Estado do Rio de Janeiro, mesmo com valores unitários baixos, o valor agregado poderia
ser elevado.
Da mesma forma, o estudo de viabilidade devido a restrições do modelo de qualidade de água
utilizado não pode explorar totalmente a integração entre este e o modelo de análise de custo-
benefício aqui discutido. Embora a utlização de análise custo-eficiência tenha sido importante
na análise do componente esgotamento, não houve um procedimento de otimização, no qual o
benefício econômico marginal de cada componente do projeto (saneamento básico, resíduos
sólidos e drenagem) fosse comparado com a melhoria ambiental marginal resultante dos
investimentos em cada um deles.
Outro ponto a se destacar é que, a agregação na análise custo/benefício dos componentes de
esgotamento sanitário (redes coletoras, coletores-tronco e estações de tratamento) não pode
ser justificada por razões legais. Agregando, perdeu-se a possibilidade de explorar os
benefícios marginais de cada componente para a melhoria das condições ambientais da BG.
Ronaldo Seroa da Motta - 197

PARTE III
PRINCÍPIOS MICROECONÔMICOS BÁSICOS E A TEORIA
DO BEM ESTAR
A Parte III deste Manual procura apresentar, de forma resumida e didática, os princípios
básicos da teoria microeconômica que serão os fundamentos dos diferentes métodos de
valoração ambiental discutidos anteriormente60. O objetivo principal desta parte é o de oferecer
uma referência teórica ao usuário deste Manual, principalmente para aquele não-economista61.
Embora o leitor com treinamento formal em teoria econômica possa considerar esta seção por
vezes simplificada, o leitor não iniciado encontrará certamente dificuldades de entendimento, a
qual esperamos que seja a menor possível. Trata-se, sobretudo, de um corpo teórico bastante
extenso, e por vezes complexo, que requer certo grau de raciocínio abstrato e formalização
matemática. Todavia, a compreensão destes princípios é essencial para que o leitor possa
assimilar as diferenças metodológicas de valoração e discernir adequadamente sobre o uso
apropriado de cada método. Assim sendo, incentivamos aos leitores não economistas a
realizarem uma leitura cuidadosa e detalhada desta parte e, quando necessário, recorrerem à
literatura especializada, extensamente indicada na bibliografia.
Vale ainda observar que a valoração ambiental não é trivial, tanto em termos teóricos quanto
empíricos. Seria lícito afirmar que a aplicação de qualquer um dos métodos disponível na
literatura, sem o adequado embasamento teórico microeconômico, resultará em estimativas
imprecisas, senão totalmente errôneas.
Esta parte está dividida em oito seções, como segue.
1. Utilidade, consumo e demanda: na qual a teoria do consumidor é analisada na construção
de medidas de bem-estar que se baseiam em preferências individuais por diferentes cestas de
consumo demandadas.
2. Produção e oferta: na qual a teoria da firma é discutida para definir os determinantes de
decisão dos produtores em relação às combinações possíveis de insumos e fatores para se
atingir um nível desejável de produção.
3. Equilíbrio de mercado: na qual discutem-se as interações entre as decisões de demanda e
oferta e suas consequências no nível de bem-estar dos indivíduos.
4. Equilíbrio geral e bem-estar econômico: na qual analisam-se os impactos alocativos e
distributivos de uma base fixa de recursos, segundo critérios de eficiência e de eqüidade.
5. Alocação intertemporal: na qual discutem-se os aspectos alocativos e distributivos
intertemporais.
6. Bens públicos e externalidades: na qual analisam-se as imperfeições do mercado em definir
apropriadamente os direitos de propriedade que determinam o padrão de uso e distribuição
dos recursos e sua contribuição para o bem-estar social.
7. Valorando variações de bem-estar: na qual enunciam-se os princípios de valoração
econômica de acordo com as alterações esperadas de bem-estar dos indivíduos e da
sociedade.

60
Esta parte está baseada na literatura referente, particularmente, na estrutura de Randall (1983). Versões mais
completas de livros-textos estão referenciadas na bibliografia.
61
A revisão técnica desta parte coube a Sergio Waddington.
198 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

UTILIDADE, CONSUMO E DEMANDA


O conceito econômico de consumo reflete a transformação de bens, serviços e amenidades
(consumo direto de serviços ambientais) em satisfação para um determinado indivíduo. Para
efeito de simplificação, os objetos de consumo serão denominados apenas como bens.
Assim, o consumidor procura escolher, entre todas as oportunidades disponíveis e possíveis de
consumo, aquelas que são as preferidas para maximizar sua satisfação (ou utilidade).
Satisfação e preferência podem ser representadas por uma função matemática (denominada de
função utilidade) e pela ordenação das preferências de um determinado consumidor padrão
(conceito ordinal de utilidade). Assim, para um indivíduo, o seu nível de utilidade (U) será
uma função crescente das quantidades consumidas dos bens (Z1,Z2,...,Zn). Logo:

U= F(Z) (1)

Onde, Z é um vetor linha que representa as quantidades disponíveis dos bens Z1, Z2, ..., Zn e U
é o seu nível de satisfação ou utilidade.
Para esse consumidor é possível identificar inúmeras combinações das várias quantidades de
bens que geram um mesmo nível de utilidade, por exemplo, U0. Essas combinações formariam
então uma superfície de isoutilidade na função utilidade acima que nos levaria ao conceito de
curva de indiferença. Em um gráfico bidimensional, isto é, considerando somente dois bens,
esta superfície seria representada por uma curva de indiferença no plano de mercadorias.
Assim, as combinações das quantidades de Z1 e Z2 que geram U0 seriam representadas por I0,
conforme mostra o Gráfico 1. Ou seja, ao longo de I0 o consumidor é indiferente a qualquer
combinação das quantidades dos dois bens, pois obtém o mesmo nível de satisfação. Repetindo
o mesmo processo para diferentes e maiores níveis de utilidade, U1 e U2, obtém-se as curvas
de indiferença I1 e I2 apresentadas no Gráfico 1.
As curvas de indiferença apresentam algumas propriedades que as tornam úteis para discutir a
questão da maximização do bem-estar do consumidor:
1. As curvas de indiferença não se cruzam, têm inclinação negativa e são convexas à origem.
De outro modo, isso equivale a afirmar que o consumidor é consistente (racional): mais
quantidade de todos os bens é preferível a menos e o consumo de uma combinação de
bens é preferível ao de somente um tipo de bem.

2. Existirá um número infinito de curvas de indiferença. Isso equivale a dizer que, a cada
combinação de bens podemos atribuir um determinado nível de utilidade para esse
consumidor representativo. Curvas de indiferença mais afastadas da origem representam
níveis maiores de utilidade.

Observe, então, que a inclinação de uma curva de indiferença, em um determinado ponto,


refletirá a taxa marginal de substituição entre os bens (TSB) desejada pelo consumidor para
atender a um determinado nível de utilidade representado pela curva. Isto é, TSB representa o
quanto um consumidor está disposto a trocar de Z1 por uma unidade adicional de Z2.
Ronaldo Seroa da Motta - 199

GRÁFICO 1
MAXIMIZAÇÃO DA UTILIDADE DO CONSUMO

Agora, considere a restrição orçamentária total do consumidor (Y), frente aos preços Pzi dos
diversos bens disponíveis para o consumo Zi, representados respectivamente, pelos vetores
linha (P1, P2,...,Pn) e (Z1,Z2,...,Zn). :

Y = Σ Pzi . Zi = P.Z ,∀
∀ i = 1,2,...,n (2)

Y será, então, o orçamento total do indivíduo que reflete sua renda monetária.
Se as quantidades consumidas pelo indivíduo são muito pequenas em relação à quantidade total
consumida no mercado, então, é possível assumir que suas decisões de consumo não afetam
preços. Dessa forma, em uma representação bidimensional, isto é, considerando somente dois
bens, uma curva que reflita o orçamento do indivíduo pode ser definida no Gráfico 1. Nesta
linha de orçamento, os pontos de interseção com os eixos representam as quantidades
máximas que o orçamento do indivíduo permite consumir de cada bem, conhecidos os preços
destes e sua renda monetária. Assim, a inclinação desta linha é determinada pela razão entre
os preços dos bens Z1 e Z2. Por sua vez, a magnitude do orçamento está representada pela
distância desta reta à origem.
Agora, repare que o ponto de tangência da linha de orçamento com a curva de indiferença I0
(ponto E no Gráfico 1) identifica uma combinação ótima de bens (Z1* e Z2*) que maximiza a
utilidade do consumo. Curvas de indiferença com maior utilidade (p.ex: I2) não são possíveis
de serem atendidas devido ao conjunto de possibilidades de consumo delimitado pela reta de
restrição orçamentária e, por outro lado, curvas de utilidade menores (p.ex: I0), embora
possam ser atendidas pelo orçamento, são menos desejáveis, pois produzem um nível de
utilidade menor.
200 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

QUADRO 1
AXIOMAS BÁSICOS DAS PREFERÊNCIAS E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS CURVAS DE INDIFERENÇA

É importante conhecer algumas hipóteses básicas (ou axiomas) sobre as preferências do consumidor e como
estas estão relacionadas às curvas de indiferença tratadas na teoria microeconômica que é a base dos métodos de
valoração apresentados neste Manual.
Para construir uma função de utilidade, assumimos primeiramente que o consumidor consegue ordenar suas
preferências sobre as diversas cestas de consumo à sua disposição. Estas cestas ordenadas englobam diferentes
níveis de consumo dos diferentes bens e serviços que, por sua vez, representam diferentes níveis de
desejabilidade atribuídos pelo consumidor.
Estes seriam os principais axiomas sobre as preferências:
Completa - o consumidor sempre será capaz de comparar duas cestas, preferindo uma em relação a outra ou
ser indiferente entre as duas;
Reflexiva - qualquer cesta é assumida ser ao menos tão boa quanto ela própria;
Transitiva - Se uma cesta X é ao menos tão boa quanto a cesta Y e Y é ao menos tão boa quanto Z, então X é ao
menos tão boa quanto Z;
Não saciedade local - Também admitimos que existe sempre uma cesta melhor que outra cesta.
Com estes axiomas fundamentais, é possível assegurar que os consumidores poderão sempre escolher
racionalmente uma determinada cesta. Por racionalmente, entendemos em microeconomia que a escolha ótima
realizada pelo consumidor será a mais desejável dentro das possibidades de consumo.
É importante ressaltar que a hipótese da convexidade está intimamente relacionada à hipótese neoclássica de
taxas marginais de substituição no consumo decrescentes. Portanto, curvas de indiferenças convexas significam
que quanto mais o consumidor tiver de um bem, mais disposto estará a abrir mão de uma quantidade deste bem
para aumentar a do outro bem. Outro ponto importante a ressaltar é sobre a hipótese da monotocidade que
significa que mais quantidade de ambos os bens de uma cesta representa uma cesta melhor e que menos
representa uma cesta pior. Essa propriedade implica reconhecer que o consumidor é localmente não saciado e
que as curvas de indiferença são negativamente inclinadas.

No ponto E, a taxa marginal de substituição ( que representa a inclinação da curva de


indiferença naquele ponto ) entre Z1 e Z2 é dada pela relação dos preços destes bens (que, por
sua vez, é a inclinação da reta de orçamento). Logo:

TSBz1,z2 = Pz1/Pz2 (3)

Essa condição, aliada à hipótese da convexidade, nos conduz necessariamente à maximização


da utilidade do consumidor. Convexidade também significa que a utilidade marginal de cada
bem é positiva e decrescente (ver Quadro2).
Podemos facilmente construir o conceito de curva de demanda, permitindo que o preço do
bem Z1, por exemplo, varie enquanto a renda (orçamento) e o preço do outro bem são
mantidos constantes.
Observando esse fato pelo Gráfico 2.a, onde uma redução de Pz1’ para PZ1’’ move para cima a
linha de orçamento (de L0 para L2). Agora com a renda Y é possível comprar mais quantidade
de Z1. Conseqüentemente, o indivíduo pode atingir um nível de utilidade maior na curva de
indiferença I1, mesmo sem uma variação na sua renda. Em outras palavras, o consumidor
maximizador, depois da redução do preço, passou do ponto tangente a para o ponto tangente
b (novo ponto de maximização). Uma nova redução para PZ1” para PZ1’’’ resultaria em outra
solução de maximização, agora no ponto c. Note que poderíamos unir os pontos a, b e c por
Ronaldo Seroa da Motta - 201

uma linha denominada preço-consumo que também poderia ser representada pelos pontos a,, b,
e c, na curva de demanda Gráfico 2.b.
GRÁFICO 2

MAXIMIZAÇÃO DE UTILIDADE E CURVA DE DEMANDA


202 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Observe que no Gráfico 2.a é possível obter as quantidades de Z1 que o consumidor estará
disposto a consumir em vários níveis de preço. Isto é, pode-se definir uma curva de demanda
individual de Z1 (ZD1), tal como:

ZD1 = f(PZ1/PZ2 , Y) (4)

Ou seja, conforme mostra o Gráfico 2.b, a quantidade demandada de Z1 é uma função


decrescente do seu preço. Assim, os pontos de tangência semelhantes aos a, b e c do Gráfico
2.a, que maximizam a utilidade do consumo quando varia o preço de Z1 e PZ2 e Y são mantidos
constantes, serão os pontos da curva de demanda individual de Z1.
Considerando que todos os consumidores são idênticos, para simplificação de análise,
podemos então agregar todas as curvas individuais de demanda e construir a curva de demanda
agregada (ou de mercado) para o bem Z1.
Todavia, variações em Pz2 e Y revelam também importantes aspectos da demanda de Z1. Por
exemplo:
• um aumento em Y move a curva de demanda para direita. A quantidade consumida de Z1
aumenta quando aumenta a renda se Z1 for um bem normal ou superior (por exemplo,
carne de primeira e peixe) e diminui se for um bem inferior (por exemplo, carne de
segunda).

• efeitos na demanda de Z1 devido a variações em PZ2 dependem da relação entre Z1 e Z2. Se


estes forem bens substitutos próximos (carne de frango e carne de vaca, por exemplo), um
aumento em Pz2 poderia levar o consumidor a substituir parte do seu consumo de Z2 por Z1
que ficou mais barato (isto é, com menor preço-relativo). O oposto ocorreria se Pz2 fosse
reduzido. Conseqüentemente, a curva de demanda de Z1 se moveria para a direita, quando
Pz2 aumenta e para a esquerda, quando Pz2 diminui.

• se Z1 e Z2 forem bens complementares (por exemplo, pão de hambúrger e o próprio


hambúrger), um aumento em Pz2 tornaria tanto Z1 como Z2 menos atrativos para o
consumidor e, assim, reduziria a demanda de ambos.

EFEITO-RENDA E EFEITO-SUBSTITUIÇÃO
Observando novamente o Gráfico 2, verifique que uma redução do preço de Z1 em relação a
Z2 (isto é, redução do preço relativo de Z1) induz a uma variação total de consumo igual
Z1”Z1 ’. Esta variação total de consumo resulta de dois efeitos: (i) efeito-substituição62 entre os
dois bens porque a taxa marginal de substituição se altera com a alteração de preço-relativo e
(ii) efeito-renda que representa um poder de compra maior da renda do consumidor devido a
redução do preço de algum bem da cesta de consumo.
No caso de bens normais ou superiores, estes efeitos podem ser facilmente ilustrados no
Gráfico 2.a. Neste gráfico a linha de orçamento L1 é uma linha paralela a L2 (novos preços
relativos) tangenciando I0 no ponto d e representa, assim, uma alteração proporcionada na
renda que devolve o indivíduo ao seu nível de utilidade inicial (I0) considerando os novos
preços relativos de Z1. O ponto d define a quantidade Z1* que delimita as quantidades devidas

62
Este é o conceito hicksiano, que difere do efeito de substituição de Slustky, onde o nível de utilidade não é o
original e sim a cesta de consumo original que é uma variável observável. Esta diferença é relevante em termos
de mensuração. Ver livros-textos em Microeconomia na literatura anexa.
Ronaldo Seroa da Motta - 203

aos dois efeitos quando o preço cai de Z1’ para Z1”. No Gráfico 2.b, o consumo Z1”Z1*
representa o efeito-renda e o consumo Z1’Z1* o efeito-substituição hicksiano63. Assim, o efeito
total da variação do preço seria medido pela soma desses dois efeitos, correspondendo ao
segmento Z1’ Z1”. Repare que Z1’ < Z1” < Z1’’’.
Conforme será discutido mais adiante, nas seções sobre excedente do consumidor e métodos
de valoração, a eliminação do efeito-renda define uma curva de demanda compensada na qual
as funções de demanda representam níveis de utilidade constante.

QUADRO 2
UTILIDADES TOTAL E MARGINAL

Considere o exemplo clássico abaixo representado, onde o bem Z1 poderia ser pudim de leite ou morangos com
creme ou mesmo uma amenidade (serviço ambiental).
Quantidade Utilidade Total Utilidade Marginal
1 6 6
2 10 4
3 14 4
4 17 3
5 19 2
6 20 1
Repare que enquanto as unidades consumidas aumentam em uma unidade por vez, a utilidade total cresce
continuamente, mas a um ritmo cada vez menor. Isto reflete, assim, o princípio da utilidade marginal
decrescente que, por sua vez, é definida como o acréscimo de utilidade quando aumentamos em uma unidade o
consumo do bem Z1.

ELASTICIDADE
Estes efeitos ou respostas da demanda a alterações nos preços ou na renda podem também ser
entendidos e quantificados pelo conceito de elasticidade.
Elasticidade com respeito a alguma coisa, A, em relação a outra, B, é definida como a variação
percentual de A resultante de uma variação também percentual B. Assim, considerando
variações discretas, uma medida da elasticidade seria:

∆ A/∆
∆ B . B/A (5)

Para variações infinitesimais (onde as variações tendem a zero), a expressão seria:

∂ A/∂
∂ B . B/A (6)

63
Note que para bens inferiores o efeito-renda terá sinal oposto ao efeito-substituição, já que a quantidade
consumida diminui quando diminui a renda.
204 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

QUADRO 3
FUNÇÃO UTILIDADE INDIRETA E FUNÇÃO DISPÊNDIO

Antes de introduzirmos o conceito de função utilidade indireta, iremos recuperar o conceito tradicional de
função utilidade. Uma função utilidade é uma função matemática que atribui um número cardinal a uma
determinada cesta de consumo. Assim, às cestas de consumo mais preferíveis são atribuídos números maiores,
tal que:
(Z1,Z2) 〉 (Z3,Z4) se, e somente se, u(Z1,Z2) > u(Z3,Z4). O objetivo da teoria do consumidor é estabelecer uma
teoria de comportamento do indivíduo onde ele possa obter o máximo de satisfação (ou utilidade) a partir de sua
capacidade de consumir os diversos bens disponíveis (restrição orçamentária). Podemos formalizar
matematicamente essa idéia simples, tal que:
Max u(Z1,Z2)
s.j p1.Z1 + p2.Z2 = Y (que é a restrição orçamentária do consumidor mencionada acima).
Da mesma maneira, podemos definir uma outra função matemática − denominada de função utilidade indireta
− que nos dá a máxima utilidade atingível pelo consumidor maximizador, quando conhecemos sua renda Y e os
preços dos bens envolvidos p(p1, p2). Formalmente temos que, se v(p,Y) é a função utilidade indireta, então, o
problema do consumidor pode ser reescrito abaixo como:
v(p,Y) = u(Z1,Z2)
s.j p1.Z1 + p2.Z2 = Y.
Assim, os valores de Z1 e Z2 que resolvem esse problema formam a cesta de consumo demandada pelo
consumidor racional, ou seja, maximizador.
Um outro conceito importante da teoria do consumidor, e intimamente relacionado ao conceito de função
inversa, é a função dispêndio m(p,u) que é a inversa da função utilidade indireta. Em outras palavras, se v(p,Y)
é uma função crescente com a renda, mantendo os preços constantes, então podemos inverter essa função de
forma a resolvê-la para Y como uma função do nível de utilidade. De forma equivalente temos:
m(p,u) = min p1.Z1 + p2.Z2 = Y
tal que u(Z1,Z2) > u(Z3,Z4)
onde (Z3 ,Z4 ) é uma outra cesta qualquer diferente de (Z1,Z2). Isso significa que a função dispêndio nos fornece o
gasto mínimo que o consumidor realizará para um determinado nível de utilidade, sendo ele um agente
maximizador. Essa função guarda uma forte analogia à função custo da teoria da firma.
Dessa forma, conhencendo os preços, as quantidades observadas nas transações de mercado, a renda dos
consumidores e outras variáveis que definem uma estrutura de preferência (por exemplo, escolaridade, local de
residência, etc) podemos, então, estimar estatisticamente as funções de utilidade indireta ou de dispêndio.

No caso da curva de demanda podemos identificar três tipos de elasticidade em função do que
estaria provocando uma mudança na quantidade demandada (renda ou preços).

Elasticidade-preço da demanda:

∆ Z1/∆
∆ PZ1 . PZ1/Z1 (7)

que reflete quanto a quantidade de Z varia quando varia seu preço. Logo esta elasticidade é
sempre menor ou igual a zero e assume valores absolutos baixos (menores do que um) para
bens necessários e altos para bens supérfluos (maiores do que um). Seu valor também é menor
para um grupo de bens do que para um bem específico.
Ronaldo Seroa da Motta - 205

Elasticidade-preço cruzada da demanda:

∆ Z1/∆
∆ PZi . PZi/Z1 , ∀ i≠
≠1 (8)

que reflete quanto a quantidade de Z varia quando varia o preço de outro bem. Pode ser zero
ou positiva para bens substitutos e negativa para bens complementares.
Elasticidade-renda:

∆ Z1/∆
∆ Y . Y/Z1 (9)

que reflete o quanto a quantidade de Z varia quando varia o montante de renda. É negativa
para bens inferiores. Para bens normais é positiva e menor que um e para bens superiores é
positiva e maior que um.

Note que podemos dizer que uma demanda é elástica quando sua elasticidade é, em termos
absolutos, maior que um. Isto é, quando a demanda varia em uma proporção maior que a
variação de preços ou renda. Logo valores absolutos de elasticidade menores que um indicam
uma demanda inelástica (ver Quadro 4 para a nomenclatura correspondente aos possíveis
valores da elasticidade-preço).

QUADRO 4
Nomenclatura da Elasticidade-preço da Demanda e Oferta
Terminologia Valor Absoluto Descrição
perfeitamente (ou completamente) zero quantidade demandada/ofertada não varia
inelástica quando o preço varia (curva de demanda ou de
oferta paralela ao eixo dos preços)
inelástica maior que zero e menor quantidade demandada/ofertada varia
que um percentualmente menos que a variação
percentual ao preço
elasticidade unitária um quantidade demandada/ofertada varia
exatamente na mesma percentagem que a
variação percentual do preço ( ponto da curva de
demanda convexa à origem com inclinação de
450 e curva de oferta como uma reta de 450 em
relação à origem)
elástica maior que um e menor quantidade demandada/ofertada varia em
que infinito percentagens maiores que a variação percentual
do preço
perfeitamente (ou infinitamente) infinito consumidores (produtores) estão preparados
elástica para comprar (vender) tudo que puderem a um
certo preço e nada quando este preço varia
(curva de demanda e oferta paralela ao eixo das
quantidades)
206 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

PRODUÇÃO E OFERTA
No processo de produção vários tipos de materiais e energia com menor valor relativo de
consumo são transformadas em formas de maior valor para os indivíduos. Se matérias-primas e
energia são transformadas em bens e serviços mais úteis para as pessoas, de forma que os
custos resultantes de todo o processo produtivo compensem a transformação, então estas
pessoas estarão se beneficiando desta transformação64.
Produtores, assim, combinam recursos para produzirem, de acordo com as leis da física (ou
restrições que a natureza impõe) e com base no conhecimento tecnológico disponível ,
produtos que tenham maior valor para as pessoas.
Este processo de transformação é sobretudo uma relação tecnológica entre insumos ou fatores
de produção, descritos pelo vetor X = (X1,X2,...,Xn) cujos produtos resultantes desta
transformação, representados pelo vetor Z = (Z1,Z2,...,Zn), podem, então, ser representados
por uma outra função matemática denominada de função de produção :

Z = f(X) (10)

Diferentes tecnologias usam diferentes combinações de insumos X para produzir o mesmo


conjunto de produtos Z. Assim, podemos definir um conjunto factível de produção como a
lista de todas as combinações de insumos e produtos que representam formas
tecnologicamente viáveis de produção.
Considerando apenas dois tipos de insumos de produção X1 e X2, e também um só tipo de
produto Z1, retorna-se para duas dimensões, onde Z1 = f (X1,X2). Então é possível identificar
um locus geométrico de todas as combinações de X1 e X2 que resultariam no mesmo nível de
produção Z1. Conforme mostra o Gráfico 3, onde Z1’ < Z1” < Z1’’’são quantidades produzidas
do bem Z1, esse locus é denominado de isoquanta. Uma isoquanta, na análise da produção,
guarda grande semelhança geométrica em relação à curva de indiferença na análise do
consumo, mas difere em um aspecto crucial. Enquanto tanto as isoquantas como as curvas de
indiferença estão associados a números cardinais, é somente o caráter ordinal que importa na
análise do consumo. Todavia, na análise da produção o caráter cardinal passa agora a ser
associado a níveis distintos de produção.
Observe que a inclinação de qualquer ponto na isoquanta refletirá a taxa marginal de
substituição técnica entre os insumos (TSI)65. Sua convexidade resulta da hipótese que a
produtividade marginal de cada insumo (aumento de produção resultante da adição de uma
unidade de um tipo de insumo mantido o outro constante ou da derivada parcial do produto
em relação a este mesmo insumo) é positiva e decrescente. Ou seja, uma vez que os insumos
não são perfeitamente substituíveis, é razoável esperar esse tipo de comportamento (TSI
decrescente ao longo da isoquanta). Além disso, os insumos apresentam rendimentos
decrescentes, uma vez que um aumento na sua utilização implica em um aumento
relativamente menor na quantidade produzida resultante.

64
Esta seria uma razão suficiente para não nos atermos somente na valoração de cunho energético.
65
Isto é, a taxa técnica de substituição pode ser mensurada pela razão entre as respectivas derivadas parciais da
função de produção em relação a cada insumo. No caso da análise da curva de indiferença esta inclinação seria
a taxa marginal de substituição dos bens de consumo.
Ronaldo Seroa da Motta - 207

GRÁFICO 3
COMBINAÇÕES EFICIENTES DE INSUMOS PARA VÁRIOS NÍVEIS DE PRODUÇÃO

Utilizando uma análise similar à maximização do consumo, se a firma é tomadora de preços no


mercado de fatores, então existe uma linha de isocusto que é uma linha com inclinação igual a
relação dos preços (i.e., preços relativos) dos insumos (PX1/PX2), conforme está ilustrado no
Gráfico 3.
A maximização do produto, dada esta restrição de custo, ou a minimização do custo para
produzir um determinado nível de produto será atingida no ponto de tangência da curva
isoquanta com a linha de isocusto, pois, a taxa marginal de substituição técnica entre os dois
insumos iguala-se à relação entre seus respectivos preços. Logo:

TSIX1,X2 = PX1/PX2 (11)

Essa é uma condição necessária para combinação eficiente de insumos para atingir um
determinado nível de produto, enquanto a convexidade da isoquanta é a condição suficiente66.
Se maiores gastos são permitidos, isto é, afastando a isocusto da origem, no Gráfico 3, outros
pontos de tangência em isoquantas de maior nível de produção serão identificados,
determinando, assim, um caminho de expansão do produto.
Assim como o consumidor procurará através do consumo maximizar seu bem-estar, o
produtor somente incorrerá em custos de produção se o resultado desta produção maximizar
também seu bem-estar. Embora esta maximização possa se expressar por inúmeras razões,
inclusive status e redução de risco, todas elas podem estar associadas ao nível de lucro da
atividade empreendida. Então, o modelo mais simples de maximização da utilidade do
produtor será o da maximização do lucro que permite a acumulação de capital para
continuação e expansão da sua atividade.

66
Por exemplo, uma função de produção do tipo Leontief exibe isoquantas em forma de L e no ponto de
combinação ótima dos insumos (vértice do L) não definimos uma taxa técnica de substituição dos insumos,
pois a função de produção é de proporções fixas.
208 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Seja o lucro (π) definido como a diferença entre a receita total (RT) dos produtos Z e o custo
total (CT) dos insumos X da seguinte forma:

π = RT - CT = ∑ Pzi . Zi - ∑ Pxj . Xj (12)

Note que o custo total de produção CT está diretamente relacionado a função de produção
que relaciona o nível de produto com os insumos e os preços destes, de forma que:

CT = h(Zi) (13)

Entretanto, o produtor pode não ter controle sobre certos gastos cuja expansão ou redução é
impossível de realizar em prazos muito curtos para modificar sua forma de produção. Por
exemplo, alterar a área plantada ou colocar em operação uma nova máquina. Outros, como
por exemplo, carga de fertilizante, energia e matéria-prima, podem mais facilmente ter seus
gastos expandidos ou reduzidos em prazos bem curtos. Gastos que não podem se alterar no
curto prazo são denominados, na teoria dos custos de produção, de custos fixos. Os outros
gastos que podem ser alterados com o nível de produção são denominados de custos variáveis.
Quanto maior o prazo de ajustamento da produção, mais gastos serão considerados variáveis e
sujeitos à decisão do produtor. No longo prazo, todos os insumos de produção podem ser
alterados e, portanto, nenhum é considerado como custo fixo. No curto prazo, assume-se que
a dotação de capital é fixa e, portanto, os custos de capital são custos fixos.
Note que a soma dos custos fixos e variáveis determina o custo total de produção. O custo
total dividido pela produção total determina o custo total médio (ou custo unitário) de
produção (CTme).
O custo variável adicional que o produtor terá que incorrer para produzir uma unidade
adicional de produto representa, por outro lado, o custo marginal de curto prazo (Cmg) desta
unidade adicional. Ou seja, a variação do custo total (CT) quando o produto varia em uma
unidade (ou a derivada da função de custo total- expressão (13) - em relação a Z). O custo
variável total (CVT) dividido pela produção total determina o custo variável médio (CVme).
Todas estas curvas de custo estão apresentadas no Gráfico 4. Observe que estas curvas
apresentam segmentos de custos crescentes que refletem a produtividade marginal decrescente
dos insumos. É importante notar que estamos operando com uma escala ou planta de produção
no curto-prazo.
Se o produtor é tomador de preço (ou seja, sua participação no mercado não altera o preço de
equilíbrio vigente), sua receita marginal Rmg (ou seja, o acréscimo de receita gerada por uma
unidade adicional vendida) é igual ao preço unitário de mercado do produto em questão (ver
Quadro 5).
No curto prazo o produtor continuará ofertando, enquanto CVT ≤ RT. Sendo maximizador de
lucro, suas decisões de oferta obedecerão a regra de Rmg = Pzi= Cmgzi. Isto é, o produtor
continurá produzindo até que a receita marginal da última unidade vendida se iguale ao custo
marginal de produzi-la. Se Pzi < Cmgzi , produzir gera lucro marginais negativos e se Pzi>
Cmgzi , continuar ofertando gera lucros marginais positivos.
Note que no Gráfico 4 a curva de oferta é justamente o ramo ascendente da curva de custo
marginal (Cmg) e acima da curva de custo variável médio (Cvme) e que, enquanto Pzi não for
menor que Cmgzi,, o produtor terá incentivos para expandir sua oferta, mesmo no trecho onde
Ronaldo Seroa da Motta - 209

o preço unitátrio é menor que o custo total médio unitário (CTme) e maior que CVme (Z1'
Z1 ''). Nesses casos, essa diferença positiva entre Pzi e Cmgzi ainda paga parte do montante dos
custos fixos e, portanto, reduz também a diferença entre preço e custo total médio.
O lucro marginal positivo obtido nas unidades vendidas com custo marginal inferior ao preço é
denominado de lucro intramarginal (o que permite “recuperar ou retornar” os custos fixos).
Dessa forma, como ressaltado acima, a curva de curto prazo de oferta de uma firma é idêntica
ao segmento da curva de custo marginal, acima do ponto de mínimo da curva de custo variável
médio.

GRAFICO 4
CURVAS DE CUSTO DE PRODUÇÃO NO CURTO PRAZO

No longo prazo, entretanto, receitas marginais menores que custos totais médios, mesmo que
acima dos custos marginais, inviabilizariam a firma, na medida em que representariam a
manutenção de prejuízos na atividade produtiva. Como o aumento da escala de produção total
está associado a uma tecnologia que reduz custos marginais e torna gastos fixos em capital em
custos variáveis, é possível identificar uma curva de custo marginal de longo prazo (CMgLP).
O Gráfico 5 apresenta uma indicação da construção da curva de custo marginal de longo prazo
(CMgLP) que também é a curva de oferta de longo prazo. Esta corta, no ponto de mínimo, a
curva de custo médio de longo-prazo (CMeLP) que é a envoltória de todas as curvas de custo
médio de curto-prazo) e se situa abaixo da curva de custo marginal de curto prazo, nos pontos
onde esta curva de curto prazo intercepta a curva de custo total médio de curto prazo
(CMeCP).
No nível de produção ZE temos a igualdade: CMgLP= CMgCP=CMeLP= CMeCP . A curva
de oferta de longo prazo representa os custos médios mínimos de curto prazo onde, a
quantidade de fatores fixos é ótima67, isto é, aquela que maximiza o lucro no curto-prazo.

67
Note que estes pontos de tangência não são, necessariamente, os pontos mínimos da curva de custo marginal,
embora o Gráfico 5 possa induzir a tal entendimento.
210 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

GRÁFICO 5
CURVAS DE CUSTO DE PRODUÇÃO DE LONGO PRAZO

A agregação das curvas individuais de oferta para gerar a curva de oferta de mercado não é
simplesmente a soma horizontal das curvas individuais, como no caso da agregação de curvas
de demanda. A demanda por insumos de certas firmas com alto nível de atividade pode ser
relativamente alta em relação ao total demandado por aqueles insumos e, assim, os preços dos
insumos demandados podem variar. Dessa forma, a soma horizontal das curvas de oferta
individuais não se aplica no processo de agregação.
No curto prazo, com os aumentos de preço dos insumos, a curva de custo marginal das firmas
torna-se mais acentuada para cima e para esquerda e, portanto, resultando em uma curva de
oferta de mercado menos elástica.
No longo prazo, entretanto, aumento dos preços dos produtos e/ou de insumos no curto prazo
incentivará a entrada de novos produtores que tornariam, então, mais elásticas as curvas de
oferta de mercado. Na prática, as curvas de oferta de mercado são estimadas estatisticamente
(por meio de uma análise econométrica) com base em observações de preços e quantidades do
produto e insumos ou de outras variáveis econômicas como, por exemplo, renda.

MAXIMIZAÇÃO DE LUCRO E PRODUTIVIDADE MARGINAL

Será de grande importância para o entendimento dos métodos de valoração que o leitor agora
possa entender o comportamento maximizador do produtor com base no conceito de
produtividade marginal. A produtividade marginal dos diversos fatores de produção é a
contribuição de cada insumo para a produção de um determinado bem.

Assim, a produtividade marginal de um fator específico, Pmgx, é a variação da quantidade de


produto que resulta da variação da quantidade desse insumo e pode ser expressa por ∂F/∂X
(para variações contínuas) e ∆F/∆X (para variações discretas):

PmgX = ∆ F/∆
∆ X = ∂ F/∂
∂X (14)
Ronaldo Seroa da Motta - 211

QUADRO 5
ESTRUTURAS DE MERCADO

Equilíbrio de uma firma em mercado de competição perfeita


Podemos representar a curva de demanda como quantidade em função do preço, q=f(p), ou pela sua função
inversa onde p é função de q ou p=f(q).
Seja p=f(q) a função de demanda inversa e g(q) a função de custo variável. Logo a receita total será qf(q). O
custo total será igual ao custo fixo cf mais o custo variável g(q).
O lucro π é, portanto:
π = qf(q) - cf - g(q)
A condição necessária (ou de primeira ordem) para o lucro máximo será quando a derivada de π em relação a
q for zero. Logo
dπ/dq = f(q)- g’(q)= 0
ou
f(q) = g’(q)
Sendo g’(q) o custo marginal (Cmg) quando varia q, então p = Cmg na maximização do lucro.
A condição suficiente (ou de segunda ordem) para a estabilidade do equilíbrio é que a curva de custo marginal
seja positivamente inclinada, i.e., que a segunda derivada seja positiva. Logo dπ2/dq2 = - g”(q) < 0 ou g”(q) > 0.

A firma em mercado perfeitamente competivo é tomadora de preço e maximiza seu lucro total quando p=Cmg
como no caso em qe no gráfico acima. Neste ponto de equilíbrio o lucro marginal é igual a zero, mas o lucro
intramarginal total é a área hachurada. Se a curva de custo total médio estiver acima do preço de mercado,
como CTme’, uma firma competitiva pode, no curto prazo, realizar prejuízos, embora esteja reduzindo seu
custo fixo.
Equilíbrio de uma firma monopolista

A firma em mercado monopolista é formadora de preço e maximiza seu lucro quando p=Rmg e p>CTme como
no caso em qm no gráfico acima. O preço de equilíbrio será p que representa o preço respectivo de qm na curva
de demanda. O lucro monopolista é dado pela área hachurada. Mas, se a curva de custo total médio estiver
acima de p, como Ctme’, uma firma monopolista pode, no curto prazo, realizar prejuízos.
Notas: Rme = receita média; Rmg = receita marginal; CTme = custo total médio; CVme = custo variável médio; Cmg =
custo marginal
212 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Sendo pZ o preço do produto Z = F(X1,X2) e pX1 e pX2 os preços dos insumos X1 e X2, a função
lucro (π) seria:

π = pZ Z - pX1 X1 - pX2 X2 = pZ F(X1,X2) - pX1 X1 - pX2 X2 (15)

O produtor ajusta o grau de utilização do seu insumo, e, portanto, também o nível de


produção, ao objetivo de maximizar o seu lucro, de forma que a produtividade marginal de
cada insumo se iguale a seu preço. Assim, assumindo que a variação de Z é marginal (ou seja,
suficientemente pequena em relação ao tamanho do mercado do produto Z) e, portanto, não
altera o seu preço, então a variação do lucro em relação a uma variação dos insumos seria:

∂ π /∂
∂ X1 = pZ ∂ F/∂
∂ X1 - pX1 = pZ PmgX1 - pX1 = 0 , quando ∂ X2=0 (16)

ou
pZ PmgX1 = pX1
e
∂ π /∂
∂ X2 = pZ ∂ F/∂
∂ X2 - pX2 = pZ PmgX2 - pX2 = 0 , quando ∂ X1 =0 (17)
ou

pZ PmgX2 = pX2

Então, o valor do produto marginal de cada insumo ou fator de produção Xj (VPmgxj) é dado
pelo seu respectivo produto marginal valorado pelo preço do bem produzido. Logo,
VPmgxj = pz Pmgxj (18)
Note que o conceito de produtividade marginal é bastante útil na valoração ambiental, quando
são identificadas variações na qualidade ambiental que afetam o valor do produto marginal de
um certo bem ou serviço privado. Entretanto, conforme discutido anteriormente na Parte I,
quando estas variações de qualidade ambiental induzem variações não marginais de preço, as
estimativas podem ser bastante complexas e imprecisas.

EQUILÍBRIO DE MERCADO
Agora que os conceitos de demanda e oferta foram desenvolvidos satisfatoriamente, podemos
então considerar com mais clareza a interação entre as curvas de demanda e oferta para
determinar os preços e as quantidades de equilíbrio do mercado.
Recorde que a curva de demanda individual representa um locus de utilidade marginal
decrescente do consumo de um determinado bem. Ou seja, quanto maior a quantidade
consumida deste, menor a utilidade marginal. Assim, a curva de demanda de mercado,
construída a partir da agregação das demandas individuais, indica que quando os preços
sobem, menores quantidades do bem são consumidas. Isto é, apresentam-se com inclinação
para baixo, ou melhor, são negativamente inclinadas .
Por outro lado, a curva de oferta individual apresenta rendimentos decrescentes dos insumos
de produção. Ou seja, quanto maior o nível de produção menor a produtividade marginal do
fator, mantidos os demais fatores constantes. Assim, a curva de oferta de mercado indica que
quando os preços sobem maior será a quantidade ofertada. Isto é, apresenta-se com inclinação
para cima (positivamente inclinada).
Ronaldo Seroa da Motta - 213

O preço de equilíbrio no mercado do bem Z é dado por Pe no Gráfico 6 onde uma curva de
demanda (D) e uma curva de oferta (S) do bem Z estão representadas. A este preço Pe, note
que Ze unidades de Z são consumidas e produzidas.
O mercado tende naturalmente para o equilíbrio neste preço, o que denominaremos de
equilíbrio estável, pois qualquer desajuste entre quantidade ofertada e demandada o livre
sistema de preços tende a corrigir. Observe que a preços maiores que Pe, por exemplo Ph, a
quantidade demandada pelos consumidores, Zhd , será menor que a quantidade que os
produtores estão dispostos a ofertar, Zhs. Se os produtores insistissem em Zhs , haveria um
excesso de oferta porque os consumidores somente estariam dispostos a consumir Zhd a um
preço Ph. Assim, haveria um estímulo para as firmas reduzirem sua produção, na medida em
que Ph converge para Pe, corrigindo assim este excesso de oferta, até o nível de produção em
Ze onde o mercado não gera excedentes. Em Ze a disposição a pagar do consumidor se iguala
na margem à disposição a ofertar do produtor.

GRÁFICO 6
EQUILÍBRIO DE MERCADO

A preços menores que Pe a situação se inverte e são os produtores que querem ofertar menos
que os consumidores querem comprar e, portanto, a escassez de bens eleva os preços até Pe.
Preços altos desestimulam o consumo e preços baixos o estimulam. Preços altos também
estimulam a produção e preços baixos a desestimulam. Movimentos nas curvas de oferta e
demanda orientam, assim, a alocação dos recursos de uma economia eliminando excesso e
escassez de produção.
Entretanto, conforme já discutido acima, isto não quer dizer que todos os indivíduos
consomem tudo o que gostariam ou que os produtores geram as receitas que gostariam. O
mercado apenas tende a um preço de equilíbrio, onde a quantidade demandada é igual a
quantidade ofertada, considerando as funções de utilidade e produção, o nível de renda e a
disponibilidade de recursos.
Pontos de equilíbrio se alteram quando se alteram as curvas de oferta e demanda, conforme
mostra o Gráfico 7. A curva de demanda por um determinado bem se move para direita e para
cima, se houver um aumento na renda dos indivíduos ou se houver uma redução do preço de
214 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

um bem complementar (ou ainda um aumento no preço de um bem substituto) e, se desloca


para baixo, se houver o inverso nas variações de renda e preço.
GRAFICO 7
DESLOCAMENTOS DAS CURVAS DE DEMANDA E OFERTA E
ALTERAÇÕES NOS PONTOS DE EQUILÍBRIO

A curva de oferta se desloca para cima se houver aumento de custos dos insumos para baixo se
os preços dos insumos caírem. Mudanças tecnológicas que alteram a função de produção
reduzindo o custo unitário, de forma que mais quantidade pode ser produzida com menor
custo, deslocam também para a direita e para baixo a curva de oferta.
A compararação entre diversos pontos de equilíbrio, em diferentes condições de mercado (isto
é, variações na renda, nos preços dos bens correlacionado no consumo ou do custo dos
insumos) é denominada de análise estática comparada. Neste caso, não estamos analisando o
processo de ajustamento e sim os resultados finais após os ajustamentos já terem sidos
realizados.

EQUILÍBRIO GERAL E BEM-ESTAR ECONÔMICO


Até então estivemos discutindo como os agentes econômicos, consumidores e produtores,
ajustavam-se de forma individual aos preços, de acordo com suas preferências e tecnologias
disponíveis de produção. Vamos agora discutir como estas decisões individuais afetam a
alocação de recursos e a distribuição dos bens produzidos de uma economia como um todo,
isto é, uma análise de equilíbrio geral onde há uma base fixa de recursos (denominada de
dotação) para as atividades de produção e consumo.
Para simplificar esta análise vamos assumir uma economia com dois consumidores, dois bens
de consumo e dois insumos de produção. Esta simplificação permite o uso de gráficos em duas
dimensões, embora os resultados desta análise se apliquem também a n dimensões com o
emprego de cálculo vetorial.
No Gráfico 8 estão apresentadas, respectivamente, diversas isoquantas representando os bens
de consumo Z1 e Z2 que utilizam os insumos X1 e X2. Repare que as isoquantas de Z1 estão
invertidas em relação as isoquantas de Z2 , na diagonal das origens, e envoltas por um
retângulo cujos lados são determinados de acordo com a dotação inicial de insumos. Este
Ronaldo Seroa da Motta - 215

retângulo é conhecido como “caixa de Edgeworth” que nos permite determinar algumas
propriedades analíticas interessantes do equilíbrio geral.
GRÁFICO 8
CAIXA DE EDGWORTH

Note agora que os pontos de tangência das isoquantas dos dois bens determinam as alocações
mais eficientes dos dois insumos. Por exemplo, no ponto de tangência a é possível produzir a
mesma quantidade do bem Z2 e mais quantidade do bem Z1 que no ponto k. No ponto b é
possível produzir a mesma quantidade do bem Z1 e mais da quantidade do bem Z2. Entre os
pontos a e b existem inúmeros pontos de tangência, na medida que existem inúmeras
isoquantas, de forma que estes pontos sempre indicarão uma alocação de recurso mais
eficiente que o ponto k. Isto é, uma alocação que otimiza o uso dos recursos por gerarem uma
produção agregada maior. Note que este ponto k representa um ponto qualquer na caixa que
não está no ponto de tangência.
Note também que os pontos de tangência formam um locus de produção ótima onde as taxas
marginais de substituição entre os insumos, dadas pela inclinação das curvas de isoquanta num
determinado ponto, são as mesmas para os dois bens.
Este locus é denominado de curva de contrato da produção. O equilíbrio ótimo da produção
pode ocorrer ao longo desta curva de contrato em qualquer ponto. Para pontos fora desta
curva de contrato sempre haverá um ponto na curva que apresenta uma maior produção
agregada dos dois bens. Ou seja, é possível realizar uma melhoria paretiana, assim
denominada devido aos trabalhos nesta área do economista Vilfredo Pareto68. Mais detalhes
sobre esta questão serão discutidos adiante.
No Gráfico 9 estão apresentados estes mesmos pontos ótimos de produção do Gráfico 8 em
relação a quantidade produzida de cada bem Z1 e Z2. A curva deste Gráfico 9 é denominada de
curva de possibilidades de produção ou fronteira de produção ou curva de transformação.
No caso do nosso exemplo, esta curva indica as combinações ótimas de produção dos bens Z1
e Z2, dada a base fixa de recursos, insumos X1 e X2, desta economia onde a taxa marginal de

68
Vilfredo Pareto (1848 - 1923)
216 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

transformação dos dois bens (dada pela inclinação da tangente neste ponto) é igual a relação
de preços dos dois bens.
GRÁFICO 9
FRONTEIRA ÓTIMA DE POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO E
CURVA DE CONTRATO DO CONSUMO

Agora, no mesmo Gráfico 9, as superfícies de indiferença dos consumidores 1 e 2 estão


invertidas e superpostas, da mesma forma que estavam anteriormente as isoquantas dos bens
Z1 e Z2 que foram colocadas na caixa de Edgeworth para produção.
Esta caixa de Edgworth para o consumo foi colocada no Gráfico 9 dentro da curva de
possibilidades de produção para indicar as possibilidades de distribuição do consumo dos bens
Z1 e Z2, produzidos de acordo com uma das combinações ótimas dos insumos X1 e X2.
Assim, da origem 0 ao ponto g, escolhido arbitrariamente na curva de transformação da
produção, podemos identificar os pontos de tangência entre as curvas de indiferença que
apresentam as mesmas taxas marginais de substituição entre bens (inclinação das curvas de
indiferença para os dois bens Z1 e Z2). A curva determinada por estes pontos de tangência
representa um locus de pontos ótimos de consumo e é denominada de curva de contrato do
consumo.
Nesta curva de contrato, por meio da troca de bens, um consumidor não pode se beneficiar
sem prejudicar o outro. O que equivale a dizer que todos os pontos da linha de contrato de
consumo são pontos de equilíbrio no sentido de Pareto.
Retornando ao Gráfico 9, podemos identificar um ponto na curva de contrato de consumo, por
exemplo, o ponto e, que esteja também na fronteira da grande utilidade e apresente taxa
marginal de substituição de consumo de bens (TSB) igual a taxa marginal de transformação da
produção (TTP), por exemplo, no ponto g. Ou seja, nestes dois pontos a inclinação da
tangente é igual a relação entre os preços destes dois bens. Logo:

(TSBZ1,Z2)1 = (TSBZ1,Z2)2 = (TTPZ1,Z2) = Pz1/Pz2 (19)


Ronaldo Seroa da Motta - 217

Note também que nestes pontos é sabido que a taxa de substituição técnica entre insumos é
igual, logo:

(TSIX1,X2)Z1 = (TSIX1, X2)Z2 (20)

Estas expressões acima definem as condições necessárias, ou de primeira ordem, para um


ótimo paretiano. A condição suficiente, de segunda ordem, é a convexidade das curvas de
indiferença e das isoquantas.
Porém, nem todos os pontos apresentam uma taxa marginal de substituição de consumo igual à
taxa marginal de transformação de produção e taxas iguais à relação de preços entre os bens,
de tal modo que permita orientar uma alocação ótima dos recursos via preços de mercado. Por
exemplo, o ponto m no Gráfico 9 oferece uma melhoria paretiana, pois um deslocamento até o
ponto e melhora a posição do consumidor 2, da curva I2” para I2”’, sem prejudicar o
consumidor 1 que mantém-se na curva I1’.
Transpondo agora os pontos da curva de contrato para um gráfico cujos eixos são os níveis de
utilidade alcançados em cada ponto, obteremos uma curva de possibilidades de utilidade
específica para o ponto g, conforme mostra o Gráfico 10.

GRÁFICO 10
CURVA DAS POSSIBILIDADES DE UTILIDADES
FRONTEIRA DA UTILIDADE

Como o ponto g foi escolhido arbitrariamente, outras curvas de possibilidades de utilidade


podem ser definidas no Gráfico 10 para cada ponto na curva de transformação. O contorno
externo destas curvas, ou uma curva envelope, é denominado de curva da fronteira das
possibilidades de utilidade ou fronteira da grande utilidade.
218 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

Qualquer movimento ao longo da fronteira de utilidade levará a um ponto no qual a utilidade


de um consumidor cresce às custas da redução da utilidade de outro. Isto é, nesta fronteira
todos os pontos são ótimos de Pareto ou Pareto eficientes. A escolha de um ponto estará,
conseqüentemente, estabelecendo uma certa distribuição dos recursos e, sua alteração,
implicando em uma redistribuição desses recursos.
Observe que, nestas condições, estes preços relativos refletem os custos de oportunidade de
cada bem na medida em que cada preço pode ser expresso em relação ao valor de uma unidade
marginal de outro bem. A opção de adotar um bem tem um custo determinado em relação ao
valor do outro bem.
Ou seja, as decisões, com base nos preços de mercado, maximizariam a produção e o bem-
estar social, de tal forma que qualquer interferência no mercado somente poderia melhorar o
nível de bem-estar de um indivíduo se reduzisse o de outro. Equivale dizer que as estratégias
de maximização do bem-estar dos consumidores e de lucro dos produtores resultariam
inevitavelmente na maximização do bem-estar social ou da economia e, portanto, a ação do
governo no mercado deveria ser evitada, pois tende a reduzir o nível de bem-estar em relação a
seu ponto de máximo.
Entretanto, as condições exigidas para garantir eficiência nas alocações de mercado são
geralmente violadas e exigem, então, ações governamentais. Estes desvios são chamados de
imperfeições ou falhas de mercado, como por exemplo: (i) a existência de monopólios ou
oligopólios que não asseguram um mercado de concorrência perfeita; (ii) a existência de altos
custos de transação nas atividades de troca; (iii) a existência de externalidades; e (iv) as
próprias distorções de ações governamentais que, a princípio, tenderiam a corrigir uma
imperfeição num setor e acabam por gerar outra imperfeição em outro setor (uma espécie de
falha de governo).
Contudo, ainda existe a teoria do segundo ótimo que procura demonstrar formalmente que, se
apenas uma das condições de eficiência paretiana é violada, não é possível assegurar que ações
corretivas dos outros desvios permitem atingir um ótimo de pareto. Esta afirmação, contudo,
pode ser questionada de acordo com as hipóteses sobre interações econômicas e o tipo de
imperfeições69.
De qualquer forma, se todas as correções das falhas de mercado não forem realizadas ao
mesmo tempo, e persistir um problema de segundo ótimo, resta apenas ao economista
identificar melhorias de eficiência em um sistema ineficiente.
Mesmo assim, se estas condições de eficiência paretiana forem asseguradas, ainda caberia a
decisão de estabelecer a distribuição ótima do consumo que seria garantida neste ótimo social.
Recorde que a escolha do ponto g estabeleceu a priori uma certa distribuição de recursos com
distintos níveis de bem-estar entre os consumidores. Escolhendo outro ponto na fronteira da
grande utilidade, encontraríamos outro ponto na correspondente curva de contrato de
consumo, permitindo também uma alocação ótima de recursos, mas com distinta distribuição
de recursos.
Para identificar objetivamente o único ponto de maximização do bem-estar social, teríamos que
conhecer as funções de bem-estar social. Estas funções teriam que expressar as preferências
sociais (e não individuais!) de como o bem-estar econômico deveria ser distribuído entre os
indivíduos da sociedade. Se esta função é conhecida como mostra a curva W no Gráfico 10,

69
Para os interessados ver referências na bibliografia.
Ronaldo Seroa da Motta - 219

então, utilizando os mesmos procedimentos anteriores de maximização, seria possível


identificar o ponto F. Este ponto F seria o ótimo limitado que identifica o único ponto de
equilíbrio ao se considerar o bem-estar da sociedade como um todo.
Inúmeros foram os trabalhos técnicos (e até filosóficos) elaborados para propor uma definição
da função de bem-estar social. A possibilidade de determinação desta função é inclusive
questionada70 e, até então, os economistas não foram capazes de usar esta função em análises
quantitativas de problemas práticos.
Dessa forma, somente nos resta definir critérios distributivos para orientar as decisões
econômicas de forma a garantir o bem-estar social. Obviamente, nenhum analista conseguirá
apresentar um critério que não seja contestado pelas partes que se sintam menos beneficiadas.
Dessa forma, na avaliação das intervenções no mercado, o procedimento mais apropriado será
o de não tentar incluir critérios técnicos distributivos mas, sim, o de identificar os beneficiados
e os prejudicados e os seus ganhos e suas perdas.
Em termos de eficiência, o procedimento será o de garantir: (i) decisões de investimentos que
aumentem a eficiência do sistema com preços mais próximos das taxas marginais de
substituição e transformação e (ii) excedentes (benefícios menos custos) suficientemente altos
de forma que os beneficiados possam compensar os prejudicados. Por exemplo, a política A
que beneficia uns em detrimento de outros, mas gera um excedente que a política B pode usar
para compensações aos prejudicados de, forma que ninguém reduza seu bem-estar. Este é o
princípio do critério de Kaldor-Hicks do teste da compensação (ou da melhoria potential
paretiana) que norteia a análise de custo-benefício discutida anteriormente.

ALOCAÇÃO INTERTEMPORAL
Agora vamos analisar as condições de eficiência intertemporal, isto é, quando o consumo é
distribuído no tempo.
O consumidor tem uma preferência positiva no tempo, ou seja, consumo presente vale mais
que consumo futuro. Alocações de renda no tempo são valorizadas pela remuneração da
postergação do consumo presente. Logo sua poupança (renda não consumida) – e que consiste
na oferta de fundos para investimentos - depende da taxa de preferência no tempo ou o custo
marginal de oportunidade do consumo (d). Quanto maior o valor da remuneração por esta
postergação, maior será a taxa de postergação do consumo presente e, portanto, maior a
poupança (menor o consumo atual).
A poupança pode ser remunerada somente com o retorno do capital investido. Quanto menor a
taxa desta remuneração do capital, mais investimentos o produtor realizará, na medida que
investimentos menos lucrativos podem ser viabilizados. Ou seja, os investimentos - demanda
por fundos de poupança - dependem da taxa de eficiência do investimento ou custo marginal
de oportunidade do capital (q). Quanto menor a taxa de remuneração pelo capital emprestado
para investir, maior o montante a ser investido.
O Gráfico 11 apresenta as curvas de mercado de demanda e oferta de fundos para
investimentos que representam a soma das curvas individuais. Na interseção entre as duas
curvas determina-se a taxa de desconto social r que iguala os níveis de poupança e
investimentos.

70
Por exemplo, o Teorema da Impossibilidade de Arrow. Para aqueles interessados nesta literatura, ver
referências na bibliografia anexa.
220 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

GRÁFICO 11
TAXA DE DESCONTO SOCIAL

As condições para uma alocação ótima no tempo seriam, então, dadas por:

TSBu1,u2 = TTPu1,u2 = 1 + r (21)

Onde U1 e U2 são os níveis de utilidade em dois pontos no tempo e, assim, as taxas de


substituição e transformação entre estes níveis seriam proporcionais a taxa de desconto.
Note que o valor W de um ativo (bem de capital ou produção) será dado, então, por uma série
de receitas ou benefícios líquidos que este ativo gera no tempo t (t=0,1,2,...,T). Considerando
uma unidade de ativo com preço da receita igual a P(t), o valor presente (VP) será o desconto
de P(t) ao longo do tempo T no fim do qual cessam os benefícios (poderia ser a vida útil do
ativo). Logo

W = VP [p(t)]= p0+p1/(1+r)+p2/(1+r)2+...+pT/(1+r)T = Σ pt/(1+r)n (22)

A taxa de juros de mercado, portanto, poderia ser um bom indicador de r. Entretanto, além da
taxa de juros de mercado variar no tempo, o mercado de capitais apresenta geralmente
inúmeras imperfeições que desviam d de q, tais como: (a) os custos de transação para
intermediar transações financeiras; (b) a antecipação de inflação; (c) o nível de risco dos
investimentos; e (d) a própria intervenção governamental via subsídios creditícios.
Assim, a determinação de r é bastante difícil. Estudos sugerem valores entre 2 a 4% em
economias ricas e de 8 a 16% em economias em desenvolvimento onde a preferência no tempo
é maior71. Geralmente, na análise de custo-benefício, evita-se fixar um valor para r que possa
distorcer estas considerações distributivas intertemporais. O valor de r será uma variável que
requererá uma análise de sensibilidade para diversos prováveis valores e, assim, identificar as
suas repercussões de acordo com as opções da sociedade entre consumo presente e futuro.

71
Ver literatura sobre taxa de desconto na bibliografia anexa, por exemplo, Seroa da Motta (1988).
Ronaldo Seroa da Motta - 221

Na possibilidade de identificar um função de bem-estar social, conforme anteriormente


discutido, que além de determinar questões distributivas intratemporais (entre
contemporâneos), também determinasse as questões distributivas intertemporais (entre
gerações), então r poderia ser objetivamente determinado.
No Gráfico 12 são apresentadas duas funções de bem-estar social. Note que a inclinação das
retas WW e W’W’, que passam nos pontos de tangência p e p’ entre a função de bem-estar
social e a fronteira de utilidade temporal, identifica objetivamente um valor de r.
Observe que p’ representa um valor de r maior que em p, refletindo uma preferência maior da
sociedade pelo consumo presente em relação ao consumo futuro. Ou seja, a taxa de desconto
em W’W’ prejudica os projetos, como os ambientais, onde os benefícios geralmente se
realizam no futuro e, portanto, o valor presente (descontado no tempo) destes será menor do
que com uma taxa de desconto derivada de WW.
GRÁFICO 12
ALOCAÇÃO INTERTEMPORAL

No caso ambiental, além das dificuldades de identificação destas funções de bem-estar, existem
outras relacionadas com valorização dos recursos ambientais ao longo do tempo. Esta
valorização ocorreria dada à crescente demanda por estes recursos vis a vis as possibilidades
de seu esgotamento. Assim, talvez pareça razoável argumentar a favor de uma taxa de
desconto menor para projetos onde identifiquem-se benefícios ou custos ambientais
significativos. Todavia, avaliar alguns projetos com taxas de desconto diferentes apenas
encobriria uma ineficiência de alocação. A adoção de uma taxa de desconto menor estará
apenas indicando que certos valores ambientais não foram adequadamente valorados. Neste
caso, seria mais válido reconhecer esta deficiência de avaliação e realizar uma análise de
sensibilidade. Outra possibilidade seria o de reconhecer investimentos adicionais necessários ao
projeto que eliminassem os riscos ambientais72. A eficiência da alocação de recursos,

72
Ver, p.ex., Pearce and Turner (cap. 14, 1990) para uma discusão desta abordagem.
222 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

entretanto, somente será garantida se todos os projetos de uma economia forem avaliados por
uma única taxa de desconto social.

BENS PÚBLICOS E EXTERNALIDADES


A princípio, o uso eficiente dos recursos ambientais não deveria ser problemático se as
condições de eficiência fossem obedecidas.
Assim, como discutido para qualquer bem de consumo, a alocação ótima dos recursos
ambientais poderia ser resolvida, via mercado, sem qualquer intervenção governamental. Para
tal, o uso destes recursos deveria ser orientado por preços que representassem suas taxas de
substituição no consumo ou transformação em relação aos outros bens da economia, de
acordo com as condições acima discutidas. Ou seja, os preços dos recursos ambientais
deveriam, na ausência de distorções, refletir seu custo de oportunidade.
Entretanto, observa-se que o uso dos recursos ambientais gera custos e benefícios que não são
captados no sistema de mercado. Embora estes recursos tenham valor econômico, não lhes são
atribuídos preços adequados. Assim, o custo ou benefício privado deste recurso não reflete o
seu custo ou benefício econômico (ou social).
Vale a pena discutir porque isto acontece!

BENS PÚBLICOS
Primeiramente vamos denominar como bens e serviços privados aqueles em que os direitos de
propriedade são de tal forma completamente definidos e assegurados que a permuta com
outros bens se realiza livremente através de um mercado. Assim, corrigindo as imperfeições
que impedem o livre funcionamento de um mercado como, por exemplo, a ausência de
concorrência perfeita na sua produção e na sua comercialização, seria possível aumentar o
nível de eficiência do seu uso.
Por outro lado, chamaremos de bens públicos aqueles bens cujos direitos de propriedade não
estão completamente definidos e assegurados e, portanto, suas trocas com outros bens acabam
não se realizando eficientemente através do mercado. Dessa forma, o sistema de preços é
incapaz de valorá-los adequadamente .
Assim, como podemos perceber, a definição dos direitos de propriedade desempenha um papel
chave no funcionamento do sistema de preços e, conseqüentemente, no processo de valoração
dos bens. A indefinição desses direitos de propriedade, como no caso dos bens públicos,
advém, sobretudo, de certas características importantes que substanciam o próprio conceito.
Os direitos de propriedade privada atribuem a indivíduos ou a organizações os direitos de
controlar o acesso a certos recursos ou ativos, incluindo o direito de cobrar por seu uso.
Assim, os direitos de propriedade se desenvolvem em estágios: (a) acesso livre/não-escassez;
(b) acesso livre/escassez; (c) restrições governamentais e (d) direitos plenos de propriedade.
Muitos economistas consideram a poluição como um problema que poderia ser resolvido se
todos os recursos naturais fossem propriedade privada (individual ou coletiva), de modo que
os proprietários tivessem incentivos para administrar esses recursos ambientais
adequadamente.
Um bem público pode ser aproveitado por inúmeros indivíduos ao mesmo tempo (não-
rivalidade) e uma vez que um bem público esteja disponível, negar seu acesso a um
Ronaldo Seroa da Motta - 223

consumidor é proibitivamente dispendioso (não-exclusão). No outro extremo, um bem privado


puro obedece aos princípios de exclusão e rivalidade. Estes últimos tendem a ser
eficientemente produzidos pelos mercados.
Um exemplo clássico de um bem não-excludente seria a defesa nacional, pois a força aérea não
pode defender você de um ataque inimigo sem levar em conta o seu vizinho. Neste caso, a não
exclusão ocorre sempre que for proibitivamente dispendioso impedir pessoas de aproveitar um
bem já disponibilizado. Por outro lado, filmes e refeições são bens excludentes, pois pode-se
impedir, com um custo relativamente baixo, a alguém que não possua ingresso de assistir a um
filme ou de entrar em um restaurante se não estiver adequadamente vestido.
Quanto ao princípio da não-rivalidade, podemos observar que o consumo exaure um bem rival
no sentido de que ninguém mais possa consumir a mesma unidade daquele bem. Por exemplo,
um filé com fritas. Contudo, podemos assistir ao mesmo programa de televisão sem rivalidade.
As transmissões de televisão podem ser captadas, simultaneamente, por vários aparelhos de
TV. A proteção policial é outro exemplo de bem não-rival, pois podemos estar
simultaneamente protegidos de assaltantes.
É difícil coletar um preço pelo uso do recurso quando não há exclusividade de direitos de uso
ou de propriedade. Assim, preços não servem para racionar o uso e gerar receitas para sua
conservação resultando em exaustão ou degradação.
A determinação de direitos de uso bastante completos e definidos de exclusividade de recursos
ambientais, tais como, por exemplo, água, ar e espécies migratórias, é tecnicamente difícil.
Quando exclusividade não é possível, direitos comunitários de propriedade podem ser
desenvolvidos através de critérios de uso como, por exemplo quotas, licenças ou outras regras
de uso ou acesso. Embora de difícil aplicação, se estas regras permitem que se comercializem
estes direitos, então, será possível gerar níveis de preços mais adequados.
A segunda característica é a não rivalidade de uso. Sem rivalidade um bem pode ser usado por
um indivíduo sem que haja necessidade de reduzir a quantidade consumida de outro indivíduo.
Por exemplo, o prazer de uma pessoa ao apreciar uma riqueza natural, seja uma catarata, um
animal ou mesmo uma floresta, não diminui se outra pessoa está também admirando esta cena.
Assim, o preço do bem não rival será determinado somente pela valoração de cada indivíduo e
não pela troca no mercado. O custo marginal da inclusão de um outro consumidor é zero, mas,
o custo médio por consumidor não. Isto porque a provisão do bem (sua conservação ou
manutenção) quase sempre encerra custos elevados.
Nestes casos há que se recorrer a critérios discriminatórios de preços, isto é, que não se
baseiam na relação de trocas com outros bens. Provê-los de graça, com custo financiado pelo
contribuinte ou, menos ineficientemente, exigir pagamentos, mesmo que uniformes, aos
verdadeiros usuários.
Os bens não rivais, entretanto, podem ser tornar rivais a um determinado nível de uso quando
ocorre congestionamento. Por exemplo, do serviço de telefonia, tráfego em ruas e estradas e
mesmo visitação a sítios naturais. Nestes casos, também há que se recorrer à discriminação de
preços, embora o custo marginal de uso possa ser estimado em termos intertemporais,
considerando os custos marginais de longo prazo quando da ocorrência do congestionamento.

EXTERNALIDADES
O uso dos recursos ambientais assemelha-se muito ao uso dos bens públicos. Para discutirmos
isto, elaboremos um pouco o conceito de externalidade.
224 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

As externalidades estão presentes sempre que terceiros ganham sem pagar por seus benefícios
marginais ou percam sem ser compensados por suportarem o malefício adicional. Assim, na
presença de externalidades, os cálculos privados de custos ou benefícios diferem dos custos ou
benefícios da sociedade.
Assim, externalidade existe quando o bem-estar de um indivíduo é afetado, não só pelas suas
atividades de consumo como também pelas atividades de outros indivíduos. Logo,
≠k
Uj = [X1j, X2j,..., Xnjf(Xmk)] , j≠ (23)

onde Xi são as atividades dos indivíduos j e k, enquanto f(Xmk) é uma função da atividade Xmk
de k que afeta a atividadeXnj de j.
As externalidades para as quais os indivíduos são indiferentes não representam uma questão
econômica73. Se, todavia, o indivíduo afetado j não é indiferente a atividade Xmk do indivíduo k
e deseja que k modifique seu comportamento em relação a esta atividade, mas o preço desta
externalidade não se realiza no mercado, então, esta externalidade é denominada de
externalidade Pareto-relevante.
Note que quando o preço da externalidade for estabelecido adequadamente, não será possível
mais melhorar o bem-estar de j sem reduzir o bem-estar de k, mesmo que j assim o deseje. Ou
seja, o malefício residual imposto a j deixa de ser Pareto relevante. Logo, externalidade Pareto-
relevante é aquela que pode ser corrigida de tal forma que a parte afetada melhora seu nível de
bem-estar sem reduzir o bem-estar da parte geradora da externalidade. Assim, somente nos
interessa analisar as externalidades Pareto-relevante que serão denominadas apenas
externalidades. Isto porque, este tipo de externalidade reduz o bem-estar dos indivíduos.
Externalidades positivas, benefícios externos, deveriam ter preços positivos por representarem
benefícios não apropriadamente pagos. Por exemplo, uma empresa desenvolve um método de
produção ou administração de baixo custo que é absorvido gratuitamente por outra empresa.
Ou quando um fazendeiro preserva uma área florestal que favorece gratuitamente a proteção
do solo de outros fazendeiros.
Externalidades negativas, custos externos, deveriam ter preços negativos por significarem
perda de utilidade. Exemplos de externalidades negativas são inúmeros, principalmente aqueles
de cunho ambiental. Um exemplo seria a degradação ou exaustão de recursos ambientais
decorrentes das atividades de produção e consumo de certos bens que prejudicam a saúde
humana e a produção de outros bens que também destroem a fauna e flora. São justamente
esses tipos de deseconomias externas que serão objeto específico de nosso interesse daqui por
diante.
Retornando aos princípios microeconômicos anteriormente discutidos, a restrição orçamentária
de um indivíduo seria:
Yj = Σ pi Xij i=1,...,n e i≠
≠ m (24)
onde Yj é a renda do indivíduo j e pi o preço da atividade Xi. Dado que j não influencia o nível
da atividade Xmk que gera uma externalidade negativa, esta atividade não aparece na sua
restrição orçamentária e, então, seu preço é efetivamente zero.

Ou seja, ∂Uj/∂f(Xmk) = 0. Todavia, é possível que os indivíduos não tenham a capacidade de perceber as
73

perdas de bem-estar associadas ao uso do recurso no tempo.


Ronaldo Seroa da Motta - 225

Conforme já analisado, para o indivíduo maximizar seu bem-estar a condição necessária será
que a taxa marginal de substituição entre dois bens seja igual a relação dos preços destes bens.
Como f(Xmk), a atividade geradora de externalidade negativa, tem utilidade marginal negativa e
as atividades Xij, por sua vez, apresentam utilidade marginal positiva, então pi é positivo e o
preço de f(Xmk) é negativo. Logo:

TSBXij,f(Xmk) = pi/pf(Xmk) < 0 (25)

Entretanto, se pf(Xmk) é zero a condição de maximização de bem-estar é violada.


Se pf(Xmk) for negativo, ao invés de zero, ele influenciará tanto o indivíduo afetado como aquele
gerador da externalidade. Agora o indivíduo afetado teria um incentivo para suportar a
externalidade, pois, com preços negativos (recebimento de compensações, por exemplo, sua
utilidade total aumentar1a.
Já o indivíduo gerador da externalidade negativa teria um incentivo para reduzir esta
deseconomia, pois, sua renda diminui quando aumenta o nível da atividade f(Xmk) na medida
em que tem que pagar (preço negativo).
Note também que, mesmo negativo, cada nível de pf(Xmk) determinará um nível de alocação de
recursos. Logo, a determinação de pf(Xmk) tem que refletir seu preço eficiência. Podemos, assim,
dizer que o preço eficiência (ou preço-sombra) destes recursos ambientais deveria se igualar ao
seu custo de oportunidade em relação aos outros bens da economia.
Externalidades são, assim, manifestações de preços ineficientes. E estas manifestações são
decorrentes geralmente de direitos de propriedade não completamente definidos, como foi
discutido no caso dos bens públicos. Assim, a observação dos princípios de não exclusividade
e não rivalidade impedem que certos bens sejam transacionados em mercados específicos e,
portanto, impossibilitando a transformação do seu valor em preços. O mercado valora
adequadamente o bem em questão se o sistema de preços funcionar livremente e, para tanto,
temos que trabalhar com bens que obedeçam aos princípios básicos da rivalidade e da
exclusividade.
Dessa forma, a eficiência econômica exige que se assinale o “preço correto” aos recursos
ambientais. Internalizando os custos (benefícios) ambientais via preços das externalidades nas
atividades de produção ou consumo, é possível obter uma melhoria de eficiência com maior
nível de bem-estar. Assim, a demanda por recursos ambientais poderia ser induzida via preços.
Um imposto sobre o uso do recurso ambiental serviria para este fim desde que refletisse o
custo marginal ambiental gerado por este uso. Esta é a proposta da taxa pigouviana, assim
denominada devido A.C. Pigou74 que foi o seu primeiro proponente. Diante deste sobrepreço,
os preços relativos dos bens internalizariam a externalidade e, assim, estariam restauradas as
condições ótimas de alocação de recursos. Conforme amplamente analisado na Parte I, a
estimativa de custos ou benefícios ambientais é complexa e específica para cada caso. Tais
características impedem que uma taxa pigouviana seja institucionalmente viável.
Entretanto, note que com a especificação dos direitos completos de propriedade dos recursos
ambientais seria possível uma negociação entre a parte afetada e a parte geradora da
externalidade. Os termos da negociação poderiam ser com base nos custos e benefícios da
externalidade percebidos pelas partes. Aqui vamos considerar os direitos que são assegurados
não somente por propriedade, mas também pelo direito completo de compensação. Ou seja, a

74
C. Pigou (1879-1959)
226 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

parte afetada negativamente tem legalmente assegurada uma compensação equivalente as suas
perdas por conta das externalidades negativas.
Por exemplo, o desmatamento de uma área por um fazendeiro A gerando para o fazendeiro B
um custo de erosão do solo equivalente a uma perda de produção agrícola ∆M. Assim, se o
fazendeiro B tem direitos legais de compensação, então ele estaria disposto a aceitar o
montante ∆M equivalente à perda da produção agrícola, para permitir este desmatamento
como uma forma de compensação. Por outro lado, se o direito de compensação não existe ou
o direito de desmatar é assegurado ao fazendeiro A, restaria ao fazendeiro B pagar até ∆M ao
fazendeiro A para cessar estas externalidades.
Quando estas negociações são possíveis, os preços da externalidade emergem e norteiam uma
alocação eficiente dos recursos, independentemente a quem os direitos de propriedade são
assegurados. Este processo é denominado de solução de mercado Coasiana, devido ao
trabalho seminal nesta área de Robert Coase75, e tem sido objeto da escola dos economistas
institucionalistas ou economia das leis. Esta corrente estuda o papel das instituições na
definição dos direitos de propriedade e suas repercussões na alocação eficiente dos recursos.
Nestes casos, taxas pigouvianas não seriam necessárias, pis o próprio mercado atingiria
soluções ótimas sem uso de instrumentos fiscais.
Todavia, soluções coasianas não estão livres de problemas de eficiência. Primeiro, porque,
embora o ponto de equilíbrio coasiano independa de “a quem” os direitos são assegurados, os
efeitos distributivos (pagamento ou compensações) trocam de sinal em cada caso. Segundo,
quando pagamentos ou compensações são realizados alteram-se as restrições orçamentárias
originais e, conseqüentemente, os efeito-renda e efeito-substituição resultantes determinam
novos pontos de equilíbrio distintos. Terceiro, estruturas imperfeitas de mercado podem gerar
compensações não-ótimas. Por último, a magnitude dos custos de transação para impor os
direitos reduzem também o pagamento ou compensação líquida e, portanto, resultam em
distintos pontos de equilíbrio.
Esta última restrição é de suma importância para a questão dos recursos ambientais. Devido ao
caráter difuso do problema ambiental, observa-se um número elevado de partes afetadas e
geradoras de externalidades. Não somente é difícil avaliar a causalidade entre cada fonte de
degradação com o efeito ambiental geral, como também, o valor econômico dos recursos
ambientais, conforme será discutido mais adiante, não se resume somente a valores de uso,
mas, inclui igualmente valores de não-uso que afetam a sociedade como um todo. Assim,
soluções coasianas acabam gerando altos custos de transação que podem resultar em pontos
de equilíbrio muito próximos a total degradação ou exaustão.
A solução do tipo coasiana seria, contudo, a base das compensações judiciais em relação a
danos ambientais. As dificuldades institucionais de julgar o mérito, definir o valor e impor as
sanções têm encerrado custos de transação elevados que não permitiram que tal prática fosse
satisfatória em termos de eficiência econômica.
Dessa forma, em certos casos onde custos de transação são elevados, a solução mais
comumente utilizada na tentativa de assinalar preços negativos ao uso dos recursos ambientais
é mediante um sobrepreço ou cobrança pelo sua utilização. Todavia, na inviabilidade de utilizar
impostos pigouvianos, a sociedade decidiria a priori, segundo critérios ecológicos ou
políticos, seu nível desejado de uso dos recursos e uma forma de sobrepreço seria utilizada
para atingir este nível. Ou alternativamente, este nível total desejado de uso seria partilhado

75
Prêmio Nobel de 1992. Ver texto seminal em Coase (1960).
Ronaldo Seroa da Motta - 227

entreos usuários que poderiam negociar entre si estes direitos de uso. Em ambas as opções o
nível total de uso seria respeitado e um preço por este uso seria assinalado que, embora não
induza a um ótimo social, garanta eficiência para atingir o nível de uso desejado76 .
As implicações destas opções de remover externalidades, para que a demanda de recursos
ambientais possa induzir uma alocação mais eficiente destes recursos, é extensa e não será aqui
discutida em maior profundidade. Sugerimos aos interessados consultar a bibliografia para
literatura adequada.77
O que nos interessa finalmente apreender desta análise é que, na ausência de preços adequados
para os recursos ambientais, a alocação eficiente destes recursos não pode ser realizada. Se
pelo lado dos instrumentos de demanda acima discutidos, a valoração econômica não pode ser
plenamente utilizada, no caso de projetos que alteram a oferta de recursos ambientais, ao
gerarem custos ou benefícios ambientais, o analista será obrigado a valorar estes recursos de
forma a medir as variações de bem-estar que seus usos acarretam. Estes serão os casos onde o
analista terá que realizar um análise de custo-benefício de ações governamentais que resultarão
em ganhos ou perdas ambientais no uso de recursos ambientais não alocados via mecanismos
de mercado. Ou seja, determinar o valor econômico do meio ambiente em decisões de
investimento que alteram o nível de eficiência e equidade da economia. Somente assim os
recursos públicos poderão ser utilizados para garantir o bem-estar social.

VALORANDO VARIAÇÕES DE BEM-ESTAR


Agora, após esse longo caminho através dos principais aspectos da teoria microeconômica,
podemos entender melhor o primeiro parágrafo deste Manual que afirma: “Determinar o valor
econômico de um recurso ambiental é estimar o valor monetário deste em relação aos outros
bens e serviços disponíveis na economia. Sabendo porque valorar, resta-nos então analisar o
que valorar.”
Conforme acima discutido, embora os bens e serviços ambientais derivados de um recurso
ambiental possam não ter seus preços adequados, o consumo destes faz parte da função de
utilidade do indivíduo.
Quando a disponibilidade de um bem ou serviço ambiental derivado de um recurso ambiental é
alterada, a valoração desta variação deverá, então, mensurar as variações de bem-estar que
esta alteração de disponibilidade resultou.
Antes de prosseguir, vamos discutir como valorar variações de bem-estar quando da alteração
da disponibilidade de qualquer bem ou serviço, seja ele privado ou ambiental.

VARIAÇÕES MARGINAIS
Mensurar variações de bem-estar não é uma tarefa trivial, pois requer valorar variações de
utilidade, uma variável não diretamente observada.
Se uma variação da quantidade disponível de um bem X (insumo ou produto) é
suficientemente pequena em relação à quantidade total utilizada na economia, podemos supor

76
Os textos seminais nesta área estão em Baumol e Oates (1988).
77
Ver, por exemplo, Seroa da Motta, Ruitenbeek e Huber (1996).
228 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

que a variação na sua demanda ou oferta pode ser considerada marginal ou infinitesimal (isto
é, quando a derivada da função de demanda ou de oferta tende a zero). Consequentemente, a
variação de quantidade não alterará o preço de equilíbrio e, portanto, não haverá variação de
bem-estar devido à variação da disponibilidade do bem.
Se o preço de mercado observado (pX) atender às condições de eficiência, ou seja, resultar de
um mercado competitivo, o produto desta variação de quantidade do bem X (∆QX) pelo seu
preço de mercado será um bom indicador do valor desta variação de disponibilidade (VX).
Assim,

VX ≡ p X . ∆ Q X (26)

Note, entretanto, que para uma análise de custo-benefício, ∆QX agrega somente à economia o
excedente do seu valor sobre os custos marginais dos insumos e fatores para produzí-lo. Isto
porque, estes insumos e fatores poderiam ser empregados em outros setores da economia para
gerar outros ∆QX e, portanto, apresentam custos de oportunidade positivos. Logo deduzindo
de VX os custos marginais C(x) de produzir ∆QX, obtém-se o valor agregado à economia pela
variação ∆QX. O VX líquido (VLX) dos custos de produção seria dado por

VLX = (pX-C(x)) ∆ QX (27)

VLX representa, na verdade, a receita líquida da produção de ∆QX. Não havendo variação de
bem-estar, então esta receita líquida seria o valor total do benefício da provisão de ∆QX.
Se pX não representar o preço de eficiência, então há que se realizarem os ajustamentos para
estimar o custo de oportunidade (ou preço-sombra) de X. Adotam-se comumente
procedimentos estimativos, tais como: eliminação de impostos e subsídios, referências de
preços internacionais e outros78 (ver Quadro 3 da Parte I).
Conforme analisado em detalhes na Parte I, na valoração dos recursos ambientais, esta forma
de mensuração tem sido largamente empregada, principalmente quando é possível identificar
mudanças de produção de bens e serviços privados devido a variações de quantidade de bens e
serviços ambientais.
Quando, entretanto, as variações de disponibilidade de bens e serviços não podem ser
consideradas marginais e, ainda, os preços de eficiência não são adequados ou revelados no
mercado, variações de quantidades alteram os níveis de bem-estar do consumidor. Nestes
casos utilizam-se medidas de variações do excedente do consumidor, conforme será analisado
a seguir.

VARIAÇÕES NÃO MARGINAIS


Quando a variação da disponibilidade de um recurso altera seu preço de equilíbrio, então há
que se medir a variação de bem-estar resultante. Para tal, emprega-se o conceito de excedente
do consumidor.
O excedente do consumidor representa um excesso de satisfação (bem-estar) que o
consumidor percebe ao pagar por um bem um valor menor que estaria disposto a pagar. Esta
medida pode ser obtida com base na curva de demanda ordinária, conceito marshalliano do
excedente do consumidor, ou com base em curvas de demanda compensadas, conceito

78
Ver literatura sobre estes procedimentos na bibliografia anexa.
Ronaldo Seroa da Motta - 229

hicksiano79 do excedente do consumidor. Assim, para variações não-marginais há que se


identificarem as respectivas curvas de demanda.

O EXCEDENTE DO CONSUMIDOR MARSHALIANO


O conceito de excedente do consumidor foi primeiramente elaborado por Marshall80 com base
na curva de demanda ordinária de mercado. Observando o Gráfico 13, o excedente do
consumidor seria dado pela área abaixo da curva de demanda que está acima da curva da linha
de preço.
Note neste gráfico que quando a curva de oferta se desloca para baixo, o novo preço de
equilíbrio P2 é menor que o preço de equilíbrio anterior P1 e que as quantidades de equilíbrio
alteram-se também aumentando de Q1 para Q2. O excedente em P1 é a área E e o excedente em
P2 é a área E mais a área P1ABP2.
A variação do excedente do consumidor, quando ocorre uma redução no preço de equilíbrio
ou um aumento na quantidade demandada81, será, então, a área P1ABP2. Dois efeitos podem
ser observados. Primeiro, o consumidor, neste novo ponto de equilíbrio, consome mais (Q2-
Q1) cujo efeito é representado pela área P1ACP2. E segundo, o consumidor agora paga menos
pela quantidade anteriormente consumida Q1 cujo efeito é representado pela área ABC.
Observe que, no caso de um aumento no preço ou uma redução na quantidade, a variação será
a mesma área P1ABP2 com sinal negativo. Assim, no caso de variações não marginais, além da
receita líquida gerada na provisão de ∆QX derivada da expressão (27), os benefícios (ou
custos) associados a ∆QX também incluem as parcelas referentes ao excedente do
consumidor.82
Em analogia ao excedente do consumidor, é possível definir o excedente do produtor como a
área abaixo da linha de preço e acima da curva de oferta que representa o montante dos lucros
intramarginais (ver Quadro 5). No Gráfico 13, em P1 o excedente do produtor seria, a soma
das áreas L1 e L2 e, em P2 , a soma das áreas L2, L3 e L4. A variação do excedente do
produtor seria, no caso de uma redução de preço, a diferença entre as áreas L1 e (L3+L4) e no
caso de uma aumento de preço, a diferença entre (L3+L4) e L1. Observe que o sinal destas
variações dependerá da inclinação da curva de oferta nestes preços, ou seja, da elasticidade de
oferta.
Embora o excedente do produtor seja análogo ao conceito do excedente do consumidor,
discute-se a validade de considerar variação de lucro intramarginal como variação de bem-
estar, principalmente porque estes tendem a zero no longo prazo. De qualquer forma, a
mensuração do excedente do produtor será equivalente à variação do lucro.

79
Sir John Hicks, Prêmio Nobel de Economia de 1956, que desenvolveu a teoria ordinal de utilidade em que se
baseia a toda a teoria microeconômica aqui discutida.
80
Alfred Marshall, economista do inicío do século, que é considerado o organizador da economia moderna.
Entretanto, o conceito do excedente do consumidor foi pela primeira vez enunciado pelo engenheiro francês J.
Dupuit preocupado com a questão de que as pessoas que utilizavam uma ponte estariam certamente pagando
menos pela sua construção do que estavam se beneficiando e, portanto, obtinham um “excesso de satisfação”.
81
No caso de bens normais e superiores.
82
Note que a expressão (27) deve ser calculada com base nas curvas de demanda e oferta da firma, enquanto o
excedente do consumidor é mensurado com curvas de mercado.
230 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

GRÁFICO 13
O EXCEDENTE DO CONSUMIDOR E DO PRODUTOR MARSHALLIANO

Quanto mais alterações de outros preços ocorrem em decorrência da alteração do preço de X,


devido ao efeito-renda discutido anteriormente, o valor do excedente do consumidor
marshaliano torna-se dependente do caminho ou ordem em que estess preços são alterados. Se
alguns preços se reduzem mas outro sobem, existe a possibilidade de que a redução do preço
de X não gere uma melhoria de bem-estar. Para garantir que a melhoria efetivamente ocorra, o
efeito-renda teria que ser negligível. Assim, a utilização do excedente do consumidor como
medida de bem-estar seria mais apropriada se fosse associada diretamente ao nível de utilidade.
Este será o conceito do excedente do consumidor hicksiano.

EXCEDENTE DO CONSUMIDOR HICKSIANO


Conforme discutido anteriormente, a variação da quantidade consumida, induzida por uma
variação de preços que é identificada na curva de demanda ordinária, pode ser decomposta em
dois efeitos: efeito-renda e efeito-substituição.
Para identificar agora, o montante de renda que compensa uma variação de preço para manter
o consumidor em certo nível de utilidade, ou seja, uma medida de bem-estar, terá que se
derivar de uma curva de demanda que seja compensada ou ajustada pelo efeito-renda.
Esta curva de demanda compensada é a curva de demanda hicksiana, que mostra as
quantidades consumidas a cada preço quando a renda do consumidor é ajustada a cada preço
para manter um nível constante de utilidade. Podemos também afirmar que a função de
demanda hicksiana nos diz qual a cesta de consumo que deve ser atingida para um determinado
nível de utilidade e gasto total mínimo.
Observe o Gráfico 14.a, onde estão representadas as curvas de indiferenças I0 e I1 de um
consumidor em relação ao bem X e outros bens de consumo agregados que definem a renda Y
do consumidor deduzida do dispêndio com X.
Ronaldo Seroa da Motta - 231

O preço do bem X foi reduzido de Px0 para Px1 e, portanto, a linha de preço moveu-se para
cima. Conseqüentemente, a quantidade de equilíbrio passa de X0 (referente ao ponto de
tangência A) para X1 (referente ao ponto de tangência B). Estes dois novos pontos de
equilíbrio determinam os pontos a e b na curva de demanda ordinária D de X no Gráfico 14.b.
Note agora no Gráfico 14.a, que para manter o consumidor na mesma curva de indiferença I0,
na qual ele se situava antes da variação de preço, o novo ponto de equilíbrio seria dado pelo
ponto de tangência G definido por uma paralela à nova linha de preço. Neste ponto a
quantidade consumida será X’ e o consumo de outros bens cai de Y0 para Y1. Ou seja, (Y0-
Y1) é a renda, consumo de outros bens, que se deve retirar do consumidor para que este
retorne ao seu nível inicial de utilidade após a redução do preço de X.
Observando o Gráfico 14.b, as medidas de excedente do consumidor Hicksiano seriam dadas
pelas áreas:
• Variação equivalente (VE): Px0Px1bf
• Variação compensatória (VC) : Px0Px1ag

Esta diferença (Y0 - Y1) é chamada de variação compensatória (VC) ou uma compensação
paga pelo consumidor que o retorna ao seu nível de utilidade inicial anterior à variação de
preço. De X’ no Gráfico 14a identificamos um ponto g no Gráfico 14.b (no intercepto da linha
de preço PX1) que determina a curva compensada D’. Então, ag é a variação de preço de X que
equivale a (Y1-Y0).
Outra forma de medir esta alteração de renda seria uma compensação a ser recebida pelo
consumidor para que se mantivesse no nível de utilidade subseqüente, devido a uma redução
de preço caso esta variação não ocorresse. Esta medida é chamada de variação equivalente
(VE). Na variação equivalente o novo ponto de tangência seria F e a nova quantidade de
equilíbrio X''. A diferença (Y2-Y0) seria a compensação que o consumidor deveria receber
para se manter na curva de indiferença subseqüente, caso a redução de preço de X não se
efetivasse. De X'', identificamos f no Gráfico 14.b (no intercepto da linha de preço Px0 porque
a variação de preço não ocorreu) do qual traçamos a curva de demanda compensada D''.
É fácil visualizar que, se o preço de X aumenta, o valor de VC é o valor negativo de VE
quando o preço cai e VE é igual ao valor negativo de VC quando o preço cai. Quando o preço
aumenta VC (-VE =Y2-Y0) mede a compensação a ser paga ao comsumidor para ele manter-se
no nível de utilidade que estava antes da elevação de preço e VE (-VC = Y1-Y0) mede quanto
o consumidor deve pagar para se manter no nível de utilidade que ficaria, caso o aumento não
ocorresse. Logo podemos afirmar que pagamento (Y2-Y0) de compensação pelo consumidor
para manter seu nível de utilidade representa uma medida da disposição a pagar (DAP) e
compensações (Y1-Y0) aceitas pelo consumidor para manter seu nível de utilidade são medidas
de disposição a aceitar (DAA). Medidas distintas da DAP ou DAA seriam ineficientes e
estariam afetando o bem-estar de uns às custas de outros.
O excedente do consumidor nesta curva compensada D'' será a área Px0Px1bf que é maior que
o excedente da curva de demanda marshaliana, área Px0Px1ab, e também maior que o excedente
da curva compensada D’ que é a área Px0Px1ag.
As divergências de magnitude entre as medidas marshalianas e as medidas hicksianas do
excedente do consumidor serão, assim, dependentes da magnitude do efeito-renda. Quando
este efeito-renda é nulo, então as duas medidas coincidem em valor.
232 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

GRÁFICO 14

CURVA DE DEMANDA COMPENSADAS E EXCEDENTE DOCONSUMIDOR HICKSIANO

Outro aspecto importante quando se elimina o efeito-renda das medidas de excedente do


consumidor, como nos casos das medidas hicksianas, é que, quando se observam alterações
simultâneas de preços, a medida agregada de todas as variações de excedente tornam -se
independentes da ordem em que os preços se alteram.
Por outro lado, as medidas de bem-estar definidas pela disposição a aceitar por compensações
definidas em D'', que representam decrementos em quantidade, serão sempre maiores que as
medidas de bem-estar definidas pela disposição a pagar por compensações definidas em D',
que representam incrementos em quantidade83. Esta divergência seria esperada considerando a

83
Em algumas condições, quando mais de um preço varia, esta divergência pode trocar de sinal. Ver literatura
do assunto na bibliografia anexa.
Ronaldo Seroa da Motta - 233

utilidade marginal decrescente expressa nas curvas de demanda e aumenta na medida em que
as possibilidades de substituição entre X e os outros bens em Y são menores.
Estas questões relativas às medidas DAP e DAA e as suas magnitudes são de grande
importância para a valoração de recursos ambientais. Conforme já discutido na Parte I, uma
forma de valorar os recursos ambientais será o de estimar suas funções de demanda com base
nas medidas DAA e DAP. Lembre-se que para estes identificamos apenas variações de
quantidade e não de preços. Portanto, desta variação de quantidade temos que inferir medidas
DAP ou DAA e as variações do excedente do consumidor, como no exemplo acima.
Igualando o valor econômico do recurso ambiental às medidas de DAA e DAP das curvas
compensadas estaremos pagando ou exigindo compensações aos indivíduos, em relação a uma
variação na disponibilidade de um recurso ambiental, na justa medida em que não se alteraria o
seu nível de utilidade ou bem-estar antes desta variação. Por exemplo, uma compensação de
valor maior que a DAA elevaria o nível de utilidade do indivíduo acima daquele antes da
variação, enquanto um pagamento com valor menor conduziria para um nível de utilidade
inferior. No primeiro caso, a sociedade estaria subisidiando o indivíduo ao abrir mão de uma
renda maior que a necessária para manter o nível de bem-estar do indivíduo. No segundo caso,
seria o indivíduo a subisidiar à sociedade ao reduzir seu nível de bem-estar. Ineficiência similar,
mas com sinal trocado, se aplica para exigência de pagamentos (DAP) frente as mesmas
variações de disponibilidade de um recurso ambiental. Valores acima da DAP significariam que
o indivíduo estaria subisidiando a sociedade e pagamentos inferiores fariam que o indivíduo
fosse subidisiado.

A CURVA DE VALOR TOTAL


Uma outra forma de visualisar a questão da valoração de recursos ambientais pode ser
representada pela curva de valor total (CVT). A CVT do Gráfico 15 apresenta as variações de
quantidades consumidas de bens e os seus valores84.
A origem desta curva representa a posição inicial do consumidor. No eixo horizontal estão
representadas as variações de quantidades do bem E, cuja quantidade (Q) varia devido a uma
ação governamental, como, por exemplo, um fluxo de bens e serviços ambientais. No eixo
vertical está representada a renda do consumidor (Y) disponível para consumo de outros bens
que não sejam E.
Movimentos para direita da origem indicam aumentos na quantidade consumida Q e para a
esquerda indicam reduções nesta quantidade. Movimentos para cima da origem indicam
reduções na renda e para baixo incrementos.
CVT é contínua e corta os quadrantes nordeste e sudoeste do gráfico passando pela origem.
Sua curvatura reflete as taxas marginais de substituição entre E e os outros bens, tal qual nas
curvas de indiferença, e a utilidade (satisfação) marginal decrescente do consumo. Seu
segmento a nordeste reflete as quantidades que o consumidor estaria disposto a pagar
(reduções na renda) para obter incrementos na quantidade consumida de E.

84
Esta curva foi desenvolvida por Brookshire, Randall and Stoll (1980).
234 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

GRÁFICO 15
CURVA DO VALOR TOTAL

A sudoeste, o segmento da curva determina as quantidades positivas de “dinheiro” que o


consumidor estaria disposto a aceitar (aumentos na renda) para decrementos na quantidade
consumida de E.
Agora observando o Gráfico15, podemos visualisar que (Y0 - Y-) será a medida da DAP pela
variação Q0 até Q+ e (Y+ - Y0) será a da DAA pela variação de Q0 até Q- para manter o
consumidor no seu nível de utilidade.
Ronaldo Seroa da Motta - 235

BIBLIOGRAFIA EXTENSIVA

Procurou-se indicar nesta lista bibliográica somente os textos que pudessem ser encontrados
com certa facilidade pelo leitor. Dessa forma, esta lista não é exaustiva e outras referências
podem ser identificadas na própria bibliografia dos textos aqui selecionados.
A bibliografia é apresentada em ordem alfabética de acordo com o grau de complexidade da
abordagem utilizada em cada texto, da seguinte forma:
B = texto básico para usuários pouco familiarizados com a teoria econômica
G = texto acessível para graduandos em economia
P = texto mais complexo indicado para pós-graduandos em economia

LIVROS-TEXTOS EM MICROECONOMIA

Inúmeros são os livros-textos em microeconomia. Aqui estão apenas indicados alguns dos mais
utilizados nos cursos de economia ou que foram consultados na elaboração do Manual.

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242 - MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

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