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Intelectuais gaúchos e o Estado Novo brasileiro

(1937-1945)
The gaucho intellectuality and the Brazilian Estado Novo (1937-1945)
Intelectuales gauchos y el Estado Novo brasileño (1937-1945)
René E. Gertz*

Resumo O assim chamado primeiro governo de


Getúlio Vargas (1930-1945) como um todo,
As relações entre intelectuais brasileiros e, dentro dele, em especial a fase expressa-
e o Estado Novo (1937-1945) estão rela- mente ditatorial iniciada em 1937, com a im-
tivamente bem estudadas. Em geral, po- plantação do assim chamado Estado Novo,
rém, estudos sobre essa temática não in- constitui momento privilegiado no qual
cluem a situação do Rio Grande do Sul. ocorreu uma discussão profunda sobre na-
Aqui se faz uma tentativa de caracteri- ção, nacionalidade e nacionalismo, no Bra-
zar a relação dos intelectuais gaúchos sil, envolvendo agentes de Estado e intelec-
com o regime implantado em novembro tuais.1
de 1937.
Tentativas de aproximação do apare-
lho de Estado a intelectuais, na preocupação
Palavras-chave: Estado Novo. Intelec­
de obter sua colaboração para a definição
tuais. Rio Grande do Sul.
dos rumos da nação, são registradas desde
o início do Brasil independente. “Uma vez

*
Professor no Departamento de História da Pon-
tifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul; professor aposentado pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.

Recebido em 13/11/2012 Aprovado em 10/02/2013


http://dx.doi.org/10.5335/hdtv.13n.1.2998

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implantado o Estado Nacional, impunha- Ao contrário de certo senso comum, o mo-
-se como tarefa o delineamento de um perfil dernismo brasileiro não rompe com o século
XIX. A linguagem de ruptura e de terra
para a ‘Nação brasileira’, capaz de lhe garan-
arrasada faz parte da linguagem de mani-
tir uma identidade própria no conjunto mais festo, mas na prática penso ter sido capaz
amplo das ‘Nações’, de acordo com os novos de mostrar que os modernistas em geral, e
princípios organizadores da vida social do Oswald de Andrade em particular, resig-
nificam preocupações que são próprias aos
século XIX”.2 Para isso, foi criado o Institu-
românticos, como nação e nacionalidade,
to Histórico e Geográfico, que contaria com conceitos que se definem pelos mesmos
cinquenta acadêmicos, isto é, intelectuais, elementos, que são a língua nacional, a his-
que deveriam indicar a direção em que ca- tória e os mitos de origem.4
beria à “nacionalidade” desenvolver-se. E A escrita da História no Brasil está
já por ocasião da sua reunião de constitui- muito pautada pelas pesquisas desenvolvi-
ção, a 1º de dezembro de 1838, o Instituto das no centro do país, nominadamente em
Histórico colocava-se sob a proteção do
imperador, proteção esta que terá como
São Paulo e no Rio de Janeiro. Isso signifi-
expressão uma ajuda financeira, que a ca que também os estudos que abordam as
cada ano significará uma parcela maior do relações entre os integrantes do aparelho de
orçamento da instituição. Cinco anos após Estado e os intelectuais baseiam-se, sobre-
a sua fundação, as verbas do Estado Impe-
tudo, na realidade vivenciada nesses dois
rial já representavam 75% do orçamento
do IHGB, porcentagem que tendeu a se estados. Acontece que, no mínimo desde a
manter constante ao longo do século XIX. implantação da república, encara-se o Rio
Tendo em vista que, para a realização de Grande do Sul como uma das unidades da
seus projetos especiais, tais como viagens federação que teria trilhado um caminho
exploratórias, pesquisas e coletas de ma-
terial em arquivos estrangeiros, o IHGB político pe­culiar, diferenciado do restan-
se via obrigado a recorrer ao Estado com te do país.5 Esse caminho peculiar estava
o pedido de verbas extras, pode-se avaliar ideologicamente acompanhado pela dou-
como decisiva a ajuda do Estado para sua trina positivista, de forma que se justifica a
existência material.3
pressuposição de que grande parte dos in-
O recurso a intelectuais para imaginar telectuais gaúchos estivesse alinhada a essa
e definir a nacionalidade brasileira perpas- corrente, uma distinção possível em relação
sou o restante da monarquia, estendendo- àqueles dos demais estados. Numa perspec-
-se pela República. Éder Silveira tentou de- tiva a posteriori, por sua vez, é interessante
monstrar uma linha de continuidade entre constatar que um número significativo de
escolas aparentemente tão diferentes quan- intelectuais sul-rio-grandenses manifestou,
to o romantismo do século XIX (império) ao final do Estado Novo, justamente indig-
e o modernismo no século XX (república), nação diante daquilo que eles consideravam
numa comparação das preocupações de um excesso de centralismo nacionalizador pra-
José de Alencar e de um Oswald de Andrade ticado durante o período anterior. Essa ma-
com a nacionalidade brasileira. nifestação resultou, inclusive, na fundação
de uma revista que tinha como papel funda-

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mental denunciar esses excessos, e recupe- das obras: a descaracterização do país na
rar as peculiaridades e diferenças da parte (o sua unidade múltipla como consequência
do gradual apagamento das fisionomias
Rio Grande do Sul) frente ao todo (o Brasil).
locais e da destruição dos valores da pro-
Quando, em 1945, o Estado Novo es- víncia (p. 6-7).
tava em decadência, intelectuais gaúchos
Aqui transparece, de maneira clara,
criaram a revista Província de São Pedro.6 A
uma crítica à política centralizadora e unifor-
direção ficou a cargo de Moysés Vellinho, o
mizadora, enfim, nacionalizadora, praticada
qual, na apresentação ao primeiro número,
durante o período imediatamente anterior.
escreveu que, apesar de todos os esforços,
Justifica-se, por isso, uma tentativa de ca-
a nacionalidade brasileira ainda não estava
racterizar o posicionamento de intelectuais
definida, motivo pelo qual não “se pode-
gaúchos frente ao governo, frente ao poder
rá admitir, já agora, que o sentimento de
político do Estado Novo e, também, como
unidade de uma pátria de fronteiras quase
os detentores desse governo, desse poder
ilimitadas se possa consolidar mediante a
eventualmente lidaram com os intelectuais
anulação das diversidades regionais”. Por
regionais.7 Os dados obtidos ainda não são
isso, propôs um “provincianismo cultural”,
muitos, mas tudo indica para uma direção
“como o mais lúcido dos programas, se que-
relativamente inequívoca. É isso que se ten-
remos chegar à ampla compreensão dos bra-
tará mostrar no restante deste texto, à mão
sileiros entre si, para a definitiva assimilação
de alguns exemplos representativos.
de uma terra de dimensões imperiais, e que,
Comecemos pelo próprio Moysés
em grande parte, ainda se pertence mais a
Vellinho. Militante do Partido Republicano
si mesma que ao homem”. Mais adiante, o
Rio-grandense, antes de 1930, assumiu car-
editorialista afirmou: “Guardando-se dos
gos de alguma relevância na administração
perigos de um tradicionalismo estreito e das
federal logo após a revolução daquele ano,
pieguices do saudosismo, [a revista] terá
voltou ao Rio Grande do Sul para ser depu-
sempre presente, no entanto, os elementos
tado estadual pelo agora “oficial” Partido
fundamentais da tradição local, os autênti-
Liberal Rio-grandense, de 1935 a 1937. En-
cos valores do passado, porque acredita que
tre 1939 e 1945, exerceu o importante cargo
a preservação de certas fixações é indispen-
de conselheiro do Departamento/Conselho
sável à caracterização de uma cultura”.
Administrativo de Estado, um órgão muito
Se até este ponto tentava explicar a
importante da administração estadual, pois
causa pela qual a revista se bateria, identi-
tinha a função de assessorar e, em algum
ficou, a seguir, os inimigos que enfrentaria:
sentido, fiscalizar o Poder Executivo.8
Se de tudo resultar uma nova afirmação
Em situação semelhante à de Vellinho
das nossas peculiaridades regionais, é bem
possível que os maníacos da centralização – mesmo que, eventualmente, não exercen-
se encham de suspeitas e temores. Não faz do cargos tão elevados quanto ele –, encon-
mal. Parece fora de dúvida que os assomos travam-se vários outros intelectuais. Um de-
de padronização cultural só podem con-
les foi Manoelito de Ornellas, que naquele
correr para a consumação da mais ingrata

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momento já havia produzido vários livros com a entrada do Brasil na Segunda Guer-
de ficção e de ensaio, que foi diretor da Bi- ra Mundial, vários deles enfrentaram difi-
blioteca Pública, diretor da Imprensa Oficial, culdades. Félix Contreiras Rodrigues, por
e como tal editor do Jornal do Estado, porta- exemplo, esteve exilado, e foi acusado de
-voz do governo. A partir de 1943, foi chefe conspirar com o deposto governador Flores
do o Departamento Estadual de Imprensa da Cunha, a partir do Uruguai.10 Também
e Propaganda (DEIP), ainda que a ocupa- Dario de Bittencourt, um dos integrantes da
ção desse cargo se tenha dado após a saída trindade que havia fundado a AIB, no esta-
do interventor Cordeiro de Farias, quando do, mesmo tendo feito carreira universitária
ocorreu uma tentativa de descompressão como professor na Faculdade de Direito da
da política estadual, de forma que, possivel- Universidade de Porto Alegre, então subor-
mente, tenha justificado sua atitude como dinada ao governo estadual, foi convocado
esforço para colaborar nessa “liberalização” à polícia, em várias oportunidades, além de
do regime. Não há dúvida de que sua bio- ter sido constrangido com denúncias de ter
grafia apresenta alguns atos que apontam mantido relações estreitas com o nazismo.11
nessa direção.9 Situação diferente foi vivenciada por
Histórias semelhantes poderiam ser Anor Butler Maciel, outra figura proeminen-
contadas a respeito de Aurélio Porto, Alci- te da AIB, conhecido por seu antissemitis-
des Maia, Athos Damasceno Ferreira, Au- mo, expresso num livro de 1937 sob o título
gusto Meyer, Limeira Tejo, Carlos Dante de Nacionalismo – o problema judaico e o nacional-
Moraes, Carlos Reverbel, Darcy Azambuja, -socialismo.12 Saudou, de alguma forma, a im-
Ernesto Pellanda, Fortunato Pimentel, Má- plantação do Estado Novo, dedicando um
rio Quintana, Walter Spalding, nomes mais livro à análise de sua estrutura.13 Talvez por
conhecidos na formação da opinião pública essa manobra, não só foi tolerado, mas pre-
regional, que, em maior ou menor grau, vi- miado com um importante cargo na estru-
nham de uma militância político-intelectual tura de Estado, tendo sido procurador-geral
da Primeira República gaúcha e convive- estadual de agosto de 1939 a maio de 1941.
ram sem maiores dificuldades com o Estado Consta que mesmo nesse cargo teria tomado
Novo. ao menos uma medida de caráter antissemi-
Ao lado desses intelectuais de feitio ta, quando demitiu a procuradora judia So-
mais “tradicional” – que, do ponto de vista phia Galanternick Sturm.14
político, podiam ser republicanos, libertado- Outro grupo era aquele integrado por
res ou mesmo apolíticos –, havia três outros intelectuais que assumiam uma posição de
grupos. Um deles era constituído por aque- crítica social e política que se poderia classi-
les que haviam flertado com ou aderido ao ficar de esquerda. Cabe citar três deles: Cyro
fascismo, seja o internacional, seja o brasilei- Martins, Lila Ripoll e Dyonélio Machado. O
ro representado pela Ação Integralista Bra- primeiro publicou, durante o período, livros
sileira (AIB). Em especial após a “intentona de clara crítica social – como Enquanto as águas
integralista” de maio de 1938 e, mais ainda, correm (1939), Mensagem errante (1942), Por-

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teira fechada (1944) –, mas não há registro de No seu caso, porém, aconteceu algo
maiores constrangimentos sofridos, de parte parecido com aquilo que se deu em nível fe-
de autoridades. Em entrevista posterior, ad- deral com alguns intelectuais considerados
mitiu que, numa comparação com Dyonélio de esquerda – como Carlos Drummond de
Machado, sempre fora bem mais moderado. Andrade, que exerceu importante função no
Nessa mesma entrevista, há uma indicação Ministério da Educação. Se não houve uma
de que – como se verá mais adiante, para o tentativa de cooptação expressa em relação
caso de Érico Veríssimo – até tenha encara- a Dyonélio Machado por parte das autori-
do o regime estado-novista em certo sentido dades, há, ao menos, sinais de que foram
progressista. A frase é a seguinte (referindo- tomadas algumas medidas para reverter a
-se à Porteira fechada): “Aparece também aí impressão de que ele fosse considerado ini-
a decadência dos coronéis, porque o Estado migo a ser perseguido. O interventor federal
Novo, ao liquidar com os partidos políticos, que administrou o estado de 1938 a 1943,
automaticamente anulou a força dos manda- Oswaldo Cordeiro de Farias, muito logo as-
chuvas tradicionais da República Velha”.15 sinou um ato anistiando-o e reintegrando-o
A segunda intelectual, apontada como em sua função de médico-chefe de divisão
ligada ao Partido Comunista desde no mí- do Hospital Psiquiátrico São Pedro.17
nimo 1935, aparentemente, também não Por outro lado, há indícios de que ele
sofreu restrições significativas, pois exercia próprio correspondeu aos acenos e às inicia-
um cargo de confiança na Secretaria de Edu- tivas de integrantes do aparelho de Estado
cação. Consta como participante de ações para aparentar tolerância e até benevolência
patrióticas, pois seu nome aparece nas listas em relação à intelectualidade. Um dos epi-
de julgadores de frases alusivas a comemo- sódios que apontam nessa direção ocorreu
rações cívicas. por ocasião dos muito divulgados festejos
Mas, sem dúvida, o nome mais rele- do suposto bicentenário de Porto Alegre,
promovidos pelo interventor no municí-
vante e emblemático desse grupo é o tercei-
pio, José Loureiro da Silva. Entre os vários
ro. Como se sabe, Dyonélio Machado exer-
eventos patrocinados pelo poder público –
cera cargo importante na organização da
como um congresso de História e Geogra-
esquerdista, antifascista Aliança Nacional
fia –, recebeu destaque especial um almoço
Libertadora, tendo sido seu presidente esta-
festivo específico para os intelectuais. A ele
dual.16 Após o fechamento da ANL, em julho
compareceram, inclusive, interventores (go-
de 1935, fora preso por distribuir panfletos
vernadores) de outros estados brasileiros e
que criticavam esse fechamento. Condena-
intelectuais gaúchos que, naquele momento,
do, cumpriu pena em condições muito du-
viviam fora do Rio Grande do Sul, como,
ras, no Rio de Janeiro, entre agosto de 1936
por exemplo, Vianna Moog. Na listagem de
e junho de 1937. Temendo novas represá-
mais de cem nomes qualificados como de in-
lias, fugiu para o interior de Santa Catarina
telectuais gaúchos presentes ao ato, publica-
quando foi decretado o Estado Novo, em 10
da pela imprensa, consta também Dyonélio
de novembro desse último ano.
Machado.18

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Tudo isso não significa que o escritor zur Mühlen, do qual era discípulo Armando
não tivesse sido incomodado de forma al- Câmara, cujos trabalhos e atividades ganha-
guma, durante o período. Como o próprio ram notoriedade na década de 1930.22 Do
Dyonélio relatou em suas Memórias de um po- grupo de intelectuais claramente identifi-
bre homem, em outubro de 1942 publicou na cados com essa causa, podem ser citados,
Revista do Globo um conto intitulado “Noite além de muitos outros, Adroaldo Mesquita
no acampamento”, que motivou uma con- da Costa, Aldo Obino, Álvaro Magalhães,
vocação à polícia, para dar explicações.19 É Armando Câmara, Dámaso Rocha, Fábio de
possível que esse constrangimento policial Barros, Luiz Gonzaga Jaeger (jesuíta) e Ruy
tenha sido provocado por pressão do exérci- Cirne Lima. Esse grupo deu apoio sólido ao
to, já que o tema do conto foi a Guerra do Pa- status quo político instaurado em 1937. Em
raguai, e um tenente-coronel chamado Cor- várias oportunidades, propôs antes “ultra-
reia Lima o criticou publicamente, no Diário passar” o regime pela direita, do que fazer-
de Notícias de 17 de novembro do citado ano. -lhe oposição, isto é, em algumas situações
Ainda que se devesse fazer uma in- criticou as autoridades por suposta conivên-
vestigação profunda para uma conclusão cia com excessos de liberdade.
mais consistente, há indícios de que alguns Para encerrar, será apresentado um
colegas intelectuais mantinham maior dis- exemplo paradigmático e sintetizador da si-
tanciamento em relação a ele que certas au- tuação, das posições e dos dilemas de gran-
toridades. Em 11 de novembro de 1938, por de parte dos intelectuais gaúchos diante do
exemplo, lhe foi prestada uma homenagem, Estado Novo. Trata-se de Érico Veríssimo,
que teria sido organizada por Érico Veris- então em plena ascensão no firmamento
simo, à qual, no entanto – a crer nas refe- intelecto-cultural do estado. O dono da Edi-
rências nominais publicadas pela imprensa tora do Globo, a quem Veríssimo e muitos
– compareceram poucos intelectuais.20 Gláu- outros aqui referidos estavam ligados, afir-
cia Konrad também registrou que O louco do mou, muitos anos depois, que “naquela épo-
Cati, de 1942, teria sido resenhado com sim- ca só havia dois títulos importantes: ou se
patia reduzida, por alguns colegas.21 era comunista ou fascista. O desprezível ter-
Finalmente, o terceiro grupo de inte- ceiro era alguém que se rotulava democra-
lectuais que merece referência é o dos católi- ta”.23 Ainda que tenha havido intelectuais
cos. Como em todo o Brasil, setores ligados à que se esforçaram em continuar defendendo
Igreja Católica trabalhavam, desde a década a liberal-democracia, a polarização entre os
de 1920, no restabelecimento da força dessa defensores/detratores dos dois sistemas ci-
instituição dentro do Estado e da socieda- tados estava sempre presente, e a desafiar os
de brasileiros. No Rio Grande do Sul, essa formadores de opinião.
luta pela ampliação da presença católica era No segundo semestre de 1935, a con-
capitaneada, politicamente, pelo arcebispo jugação de acontecimentos nacionais e in-
de Porto Alegre, D. João Becker, intelectual- ternacionais levou a um acirramento do
mente, pelo padre jesuíta Werner von und embate entre as duas visões de mundo. In-

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ternamente, a esquerdista Aliança Nacio- tuais] se torna indispensável pela crescente
nal Libertadora fora fechada pelo governo ameaça de aniquilamento da democracia,
federal, em julho, com a subsequente onda por leis compressoras e atentatórias da li-
de perseguições, que, inclusive, levaram ao berdade de pensamento, dos direitos de reu-
processo e à posterior condenação de Dyo- nião e associação, e das mais rudimentares
nélio Machado.24 Em nível internacional, garantias individuais e sociais”, enquanto
a Itália fascista invadiu a Abissínia, desen- haveria tolerância em relação a “idiotas de
cadeando uma rea­ção muito forte por par- mal disfarçado fascismo”.27 Por tudo isso,
te da esquerda e de democratas do mundo os intelectuais gaúchos foram conclamados
ocidental, incluindo parte dos intelectuais a participar da fundação de um Centro de
gaúchos.25 Nesse contexto, aconteceu uma Cultura, no qual essa situação pudesse ser
importante manifestação capitaneada por discutida e enfrentada.
Érico Veríssimo. No dia 15 de outubro, o A lista dos signatários foi encabeçada
Correio do Povo publicou um “a pedido” in- por Érico e denota certa coragem de sua par-
titulado “Aos intelectuais do Rio Grande do te, pois, dos 34 nomes nela constantes, aque-
Sul” (p. 9), manifesto que iniciava com a se- les de intelectuais e artistas mais conhecidos
guinte afirmação: são relativamente poucos. Cabe citá-los: Ar-
A hora trágica que vive a humanidade, lindo Pasqualini, Carlos Macedo Reverbel,
presa das ambições que a lançam em no- Fernando Corona, Lila Ripoll, Maurício Ro-
vas carnificinas, vítima de ditaduras dis- senblatt, Mem de Sá, Nelson Boeira Faedri-
farçadas ou declaradamente fascistas, e
ch, Nilo Ruschel e Rivadávia de Souza.28 Isso
por elas entravada na evolução natural que
se vinha processando em prol dos princí- significa que, naquele momento, a crítica
pios de “Justiça” e “Liberdade” exige dos tanto ao fascismo quanto ao status quo nacio-
intelectuais de todo mundo uma atitude nal e regional não contava com o entusias-
desassombrada de defesa das conquistas mo de muitos intelectuais gaúchos. Segun-
da civilização e da cultura.
do Veríssimo, em suas memórias, o romance
De forma concreta, o texto apontou Caminhos cruzados, do mesmo ano de 1935,
para aquilo que estava acontecendo na Itá- havia gerado muitos desafetos à sua pessoa,
lia – ainda que não haja referência nominal à ao ponto de ter sido convocado ao Departa-
invasão da Abissínia, que fora ordenada por mento de Ordem Política e Social, onde te-
Mussolini em 3 de outubro26 –, mas desta- ria sido fichado como comunista. “Para essa
cava, sobretudo, a investida contra a cultu- classificação, muito contribuiu o fato de ter
ra acontecida na Alemanha nazista através eu, naquele ano de 1935, encabeçado as assi-
da queima pública de livros, tornada tanto naturas de um manifesto antifascista em que
mais abominável pelo fato de ter tido a par- visávamos não só o fascismo nacional, como
ticipação de estudantes universitários. também o alemão e o italiano”.29
O manifesto, porém, não se restringiu Três meses depois desse manifesto foi
à cena internacional. “No Rio Grande, como publicado outro, desta vez por simpatizan-
em todo o Brasil, esse protesto [dos intelec- tes do fascismo italiano. Em 21 de janeiro

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de 1936, o Correio do Povo publicou um texto Salomão”. “A Abissínia é uma ficção políti-
maior que o anterior, sob o título “Pela causa ca”. “A luta, em última análise, não é entre
da Itália” (p. 7). Começava com a seguinte a Itália e a Abissínia”, mas sim entre a Itália
frase: e obscuros interesses de grandes potências.
No ingrato momento em que o imperialis- No final do texto com esse teor, cons-
mo plutocrático, esquecido da sua velha, tavam os seguintes nomes como signatários:
implacável capacidade de agressão, teima Athos Damasceno Ferreira, Armando Sil-
em reclamar para si, em nome de princí-
veira, Alceu Barbedo, Constantino Martins,
pios que sempre atropelou, o tenebroso di-
reito de sonegar à Itália até mesmo a facul- Dámaso Rocha, De Souza Júnior, Dante de
dade primária de respirar, nós, intelectuais Laytano, Érico Veríssimo, Eduardo Duarte,
do Rio Grande do Sul, vimos protestar Emílio Kemp, Félix Contreiras Rodrigues,
nossa inteira solidariedade moral à egrégia Fábio de Barros, João C. de Freitas, J. P. Coe-
pátria mediterrânea.
lho de Souza, Moysés Vellinho, Mário Quin-
A solidariedade para com a Itália foi tana, Manoelito de Ornellas, Ovídio Chaves,
justificada com o fato de os signatários se Oscar Dauth Filho, Paulo de Gouvêa, Rei-
sentirem “tributários do espírito latino”. Ao naldo Moura, Telmo Vergara.
contrário das guerras de conquista, a ação Como se vê, se o manifesto anterior
“na África Oriental tem, sobretudo, um sen- continha 34 assinaturas, este arrolava ape-
tido biológico”. “Não precisa esconder-se nas 22, mas aqui aparecem mais “estrelas”
quem apenas procura oxigênio para seus que no anterior. Tendo em vista o caráter
pulmões”. “E quem tem mais direito à vida público do manifesto coordenado por Érico
que a luminosa península adriática, pelas Veríssimo, de 15 de outubro do ano anterior,
suas origens e tradições, pelo seu espírito, não está claro se seu nome constou por al-
sua vitalidade e sua cultura, pela sua expe- gum engano dos organizadores deste últi-
riência, pela sua dignidade e pelo seu san- mo ou por um ato consciente de provocação,
gue?”. “A gloriosa península não se lançou pois não é possível imaginar que alguém pu-
nessa guerra pelo prazer obscuro de con- desse esperar que ele o endossasse. No dia
quistar. Dentro dos princípios darwinianos, 22 de janeiro de 1936, o Correio do Povo, em
o seu gesto de sangue é menos um ímpeto sua obscura página 4, publicou uma declara-
de agressão que um movimento de defesa”. ção que dizia o seguinte:
“É pena que os manipuladores da Liga das Vimos com surpresa o nosso nome entre
Nações, tão ciosos da integridade geográfi- os intelectuais que assinaram o manifesto
ca desse vasto país bárbaro, e de bárbaros, “Pela causa da Itália” recentemente publi-
que é a Etiópia, que vivem à custa dos po- cado. Temos a declarar a respeito: a) que
desconhecíamos em absoluto os seus ter-
vos que subjugaram, invertam tendenciosa- mos; b) que estamos em completo desacor-
mente os termos da questão ítalo-abissínia e do com seu texto; c) que não assinamos nem
coloquem no mesmo pé de igualdade a lu- demos a ninguém autorização para isso.
minosa pátria de Dante e os sombrios domí- Queiram ter a fineza de publicar esta decla-
ração. Muito gratos, firmamos, Érico Verís-
nios do longínquo e desajeitado herdeiro de
simo, Telmo Vergara, Mário Quintana.

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Ao contrário do pressuposto ainda com que o país sofreria enormes prejuízos.
assumido por um polemista em 1994, os “Esta era, meus amigos, em traços de carica-
fatos ocorridos em 1935/1936 efetivamen- tura, a situa­ção brasileira anterior ao Estado
te não depõem contra, mas sim a favor de Novo”. Os excessos de descentralização le-
Érico Veríssimo.30 Mas a vida continuou, e vavam a esse tipo de aberração.
aí veio a decretação do Estado Novo, em 10 “E a todas essas – onde ficava o Bra-
de novembro de 1937 e nesse novo contexto sil como unidade, como nacionalidade,
o Jornal do Estado, órgão oficial do governo como todo, como pátria comum?”. “E nes-
gaúcho, publicou, em sua edição de 18 de sa cegueira caminhávamos para a catástro-
abril de 1938 (p. 3), uma informação sobre fe. E é desse desastre que o Estado Novo
a formação de um Comitê de Propaganda nos procura salvar”. Ele poderia evitar que
do Estado Novo, por iniciativa de Viriato aqui viesse a ocorrer aquilo que acontecera
Vargas, irmão de Getúlio. Na reunião em na Espanha. Depois, o palestrante passou a
que foi decidida a criação desse comitê, es- referir-se à cobiça internacional que estaria
tiveram presentes intelectuais como Moysés de olho no país, louvando, por consequên-
Vellinho, Dante de Laytano, Telmo Vergara, cia, a nacionalização do ensino, desencade-
Oliveira [Limeira?] Tejo, e Érico Veríssimo. ada pelo secretário de educação J. P. Coelho
A presença deste não deve ter sido secun- de Souza:31 “Sempre defendi a aproximação
dária, pois na reunião foi decidido que seria pan-americana. Hoje o Brasil está integra-
apresentada uma série de palestras radio- do nessa política”. Ele, pessoalmente, sem-
fônicas com o objetivo de desencadear uma pre teria combatido o racismo e defendido
mobilização a favor do regime, e a primeira a adoção de leis trabalhistas – coisas que o
palestra seria apresentada por ele. Assim, o regime estaria realizando. “Reduzindo a
mesmo jornal, uma semana depois, em 25 de situação do Brasil a uma imagem bem sim-
abril de 1938 (p. 4), transcreveu a fala do es- ples, poderíamos compará-lo a uma menina
critor, pela Rádio Farroupilha. bonita e dona de vastas e riquíssimas terras
A fala começou didático-infantil: “Era que está sendo cobiçada por velhos, hábeis e
uma vez o coronel Chicuta, chefe político do maliciosos caçadores de dotes”.
município de Jacarecanga, onde era prefei- Permitam-me ainda uma confissão. No dia
to o não menos prestigioso coronel Tinoco. 10 de novembro de 1937, recebi a procla-
Um belo dia o coronel Tinoco briga com o mação do Estado Novo com sérias des-
confianças e num grande abatimento. Os
coronel Chicuta por causa do maldito buei-
horizontes estavam ainda escuros. Tive a
ro da rua Voluntários da Pátria. Agita-se o impressão de que era a ditadura integralis-
povo de Jacarecanga. Cisão no partido. Des- ta que seria anunciada. Pensei assim: não
composturas escritas e orais. Telegramas se pode mais escrever no Brasil. E mais
para o governo do Estado”. Verissimo con- tarde: é até possível que não se possa mais
viver nesta terra. Virão as perseguições e a
tinuou explicando que o caso se espalhava
violência, a intolerância e o ódio. Quanto
para o nível estadual, depois para o federal, custará uma passagem para a Cochinchi-
desencadeando uma crise revolucionária, na? Mas os fatos, meus amigos – tomem

27
História: Debates e Tendências – v. 13, n. 1, jan./jun. 2013, p. 19-32
nota –, os fatos se encarregaram de pro- ridades não o relegaram ao ostracismo nem
var que felizmente eu me enganava. Nem ele se mostrou arredio a elas.
esquerda nem direita, mas sim o centro,
Existe, obviamente, o rumoroso caso
que é o equilíbrio e o bom senso. Nenhum
homem de boa vontade pode negar o seu de seu confronto com o padre Fritzen, em
apoio ao Estado Novo. 1943, o qual, muitas vezes, foi apresentado
como um brado de oposição contra a ditadu-
Em resumo, a fala reproduziu as ra-
ra estado-novista.34 Mas, provavelmente, se
zões que levaram Verissimo a manifestar,
tratava muito mais de uma tentativa de obs-
de público, seu apoio ao regime implantado
tacularizar o avanço do grupo dos católicos,
em novembro de 1937: o combate aos efeitos
os quais, como foi referido, muitas vezes,
dissolventes do coronelismo e a consequen-
tentavam ultrapassar o regime pela direita,
te possibilidade de construção da nacionali-
cobrando ações mais enérgicas no campo
dade, as ameaças externas,32 o controle dos
cultural, e mesmo político, contra grupos ou
extremismos de direita e de esquerda.
tendências que consideravam deletérios.
Documentação inédita do arquivo de
Para concluir: mais ou menos como
Érico Veríssimo talvez pudesse nuançar
aconteceu no Brasil todo, também no Rio
seu posicionamento em relação ao regime
Grande do Sul a massa da intelectualidade
estado-novista, no decorrer dos anos se-
não fez oposição cerrada ao regime ditato-
guintes. Mas há indícios de que não entrou
rial implantado em 1937, nem os detento-
em rota de colisão clara com os detentores
res do poder regional promoveram uma
do poder. Em julho de 1938, foi prestada
repressão ou mesmo apenas uma pressão
uma homenagem a ele pela publicação de
generalizada contra ela. Como mesmo regi-
Olhai os lírios do campo, ocasião em que es-
mes ditatoriais não são monolíticos, é óbvio
teve presente Ibanez Verney, secretário do
que houve casos de perseguição à inteligên-
interventor federal. Em junho de 1939, seu
cia gaúcha, mas a orientação básica era a
nome esteve entre aqueles que prestigiaram
de tentar conviver sem grandes atritos e, se
uma homenagem ao jornalista André Carra-
possível, cooptá-la. A moeda de troca eram
zoni, que acabara de publicar uma biografia
as promessas ou algumas medidas efetivas
de Getúlio Vargas. Em 1940, participou da
para consolidar a nacionalidade, com polí-
citada grande festa oferecida pelo prefeito-
ticas nessa direção nos campos econômico,
-interventor Loureiro da Silva. Após voltar
social, educacional e cultural, para construir
de sua primeira viagem aos Estados Unidos,
um país unitário e moderno. Para alguns
em 1941, fez uma visita de cortesia ao inter-
intelectuais, as benesses pessoais derivadas
ventor federal que governava o estado, para
de certo mecenato estatal não terão sido des-
relatar suas impressões sobre aquele país.
prezadas para aceitar uma convivência mi-
Em junho de 1943, o ex-tenente João Alberto
nimamente harmônica com a ditadura. Há
Lins e Barros, agora coordenador nacional
que se destacar, sobre isso, que mesmo que,
de mobilização econômica do governo fede-
talvez, muitos deles não fossem estatólatras,
ral, em uma visita a Porto Alegre, foi rece-
certamente contribuíram para a consolida-
bido pelo escritor.33 Isso indica que as auto-

28
História: Debates e Tendências – v. 13, n. 1, jan./jun. 2013, p. 19-32
ção de uma ideologia ou mentalidade que Notas
destaca os benefícios de um máximo possí-
vel de Estado. Afinal, o Rio Grande do Sul,
1
A referência clássica é MICELI, Sérgio. Intelectuais
e classe dirigente (1920-1945). São Paulo: DIFEL,
até hoje, é visto como o lugar de origem de 1979. Mas há outras referências importantes:
uma visão de mundo que apresenta e louva VELLOSO, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a po-
lítica cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV/
o Estado como demiurgo capaz de nos pre- CPDOC, 1987; PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais
sentear com um paraíso terrestre. E esse po- e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São
sicionamento convive muito bem com a ad- Paulo: Ática, 1990, p. 19-96; ROLLAND, Denis. O
estatuto da cultura no Estado Novo: entre o con-
missão de arranhões ao Estado Democrático trole das culturas nacionais e a instrumentaliza-
de Direito, muitas vezes sob a justificativa ção das culturas estrangeiras. In: BASTOS, Elide
Rugai; RIDENTI, Marcelo; e ROLLAND, Denis
de garantir os interesses da “nação”.35 (org.). Intelectuais: sociedade e política. São Paulo:
Cortez, 2003, p. 85-111.
2
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Nação e
Abstract civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história
The relations between the Brazilian in- nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV,
n. 1, p. 6, 1988.
tellectuality and the Estado Novo (1937- 3
Ibid., p. 9.
1945) are relatively well researched. But 4
SILVEIRA, Éder. Tupi or not tupi: nação e nacio-
the studies usually don’t include the nalidade em José de Alencar e Oswald de Andra-
de. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009, p. 248.
situation in the southern state of Rio 5
GERTZ, René E. O Sonderweg do Rio Grande
Grande do Sul. This article is an attempt do Sul. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre:
to characterize the relations of the gau- PUCRS, v. 37, n. 2, p. 215-321, 2011.
cho intellectuality with the political re-
6
GERTZ, René E. Intelectuais gaúchos pensam o
Rio Grande do Sul. Estudos Ibero-Americanos, Por-
gime proclaimed in November 1937. to Alegre: PUCRS, v. X, n. 1, p. 79-113, 1984.
7
Isso não significa desconhecer a tese de que o
Keywords: Estado Novo. Intellectuality. Estado Novo brasileiro deve, justamente, ser ex-
Rio Grande do Sul. plicado como produto da tradição gestada pelo
positivismo castilhista-borgista, no Rio Grande
do Sul, da qual Getúlio Vargas provinha. Cf., a
respeito, HENTSCHKE, Jens R. Positivism gaú-
Resumen cho-style: Júlio de Castilho’s dictatorship and its
impact on state and nation-building in Varga’s
Las relaciones entre intelectuales brasile- Brazil. Berlim: Verlag für Wissenschaft und Fors-
ños y el Estado Novo (1937-1945) están chung GmbH, 2004. “My thesis is that the poli-
ty and policies of the authoritarian-corporatist
relativamente bien estudiadas. En gen- Estado Novo can, to large extent, already be
eral, sino, estudios sobre este tema no identified in Rio Grande do Sul before the Great
incluyen la situación del Rio Grande do Depression. The southern state’s positivist deve-
Sul. Aquí se hace una breve tentativa de lopmental and educational dictatorship, establi-
shed by Júlio de Castilhos, had represented an
caracterizar la relación de los intelectua­ alternative political model in Brazil’s Old Repu-
les gauchos con el régimen implantado blic… When Getúlio Vargas and his fellow gaú-
en noviembre de 1937. chos took over central government in 1930 and
rebuilt state and nation to an extent never seen
before, Rio Grande’s positivist project remained
Palabras clave: Estado Novo. Intelectuales. their guiding example” (p. 5).
Rio Grande do Sul.

29
História: Debates e Tendências – v. 13, n. 1, jan./jun. 2013, p. 19-32
8
GERTZ, René E. O Estado Novo no Rio Grande do 17
GRAWUNDER, Maria Zenilda. Instituição literá-
Sul. Passo Fundo: Editora da UPF, 2005, p. 64-65. ria: uma análise da legitimação da obra de Dyo-
9
Em uma entrevista ao Correio do Povo, em 26 de nélio Machado. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997,
janeiro de 1944 (p. 3), não falou de benefícios li- p. 61.
beralizantes que uma seção estadual do DIP (o 18
A única ausência gritante foi a do intelectual-po-
DEIP) traria ao estado, mas destacou vantagens, lítico Raul Pilla, militante do então proibido Par-
como a inclusão da divulgação de aspectos po- tido Libertador. Notícias sobre a festa, com a lista
sitivos sobre o estado no restante do país, e até dos intelectuais presentes, podem ser vistas em
de benefícios materiais para os intelectuais. As Jornal do Estado, Porto Alegre, 16 de novembro de
possibilidades liberalizantes estiveram subenten- 1940, p. 7. Vali-me da cópia publicado como ane-
didas, com a troca do interventor federal Oswal- xo, em KONRAD, Gláucia Vieira Ramos. A polí-
do Cordeiro de Farias por Ernesto Dornelles: “A tica cultural do Estado Novo no Rio Grande do Sul:
cultura e a seriedade do coronel Ernesto Dornel- imposições e resistências. Porto Alegre: PUCRS,
les, conhecidos e proclamados em todos os meios 1994 (dissertação de mestrado em História).
que frequentamos na Capital Federal, cercam de 19
MACHADO, Dyonélio. Memórias de um pobre ho-
prestígio o governo do Rio Grande do Sul”. Aqui mem. Porto Alegre: IEL, 1990, p. VII.
ao menos transparece a ideia de que a criação do 20
Revista do Globo, Porto Alegre, 29 de outubro de
DEIP – e sua nomeação para chefiá-lo – fazia par- 1938, p. 33.
te de um projeto liberalizante, fato que, natural- 21
KONRAD, op. cit., p. 196.
mente, justificaria seu envolvimento no caso. 22
A respeito da situação na década de 1920, cf.
10
BELLINTANI, Adriana Iop. Conspiração contra GERTZ, René E. O aviador e o carroceiro: políti-
o Estado Novo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, ca, etnia e religião nos anos 1920. Porto Alegre:
p. 75. EDIPUCRS, 2002, p. 89-123. Sobre a atuação de
11
BITTENCOURT, Dario de. Curriculum vitae – do- D. João Becker durante todo esse período, veja
cumentário – (1910-1957). Porto Alegre: Ética Im- ISAIA, Arthur César. Catolicismo e autoritarismo
pressora Ltda., 1958, passim. A respeito de sua no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS,
condição de intelectual negro, cf. SANTOS, José 1998. No período do Estado Novo, uma das ar-
Antônio dos. Prisioneiros da História: trajetórias de ticulações importantes no campo intelectual foi
intelectuais na imprensa negra meridional. Porto a da criação da Faculdade de Filosofia da então
Alegre: PUCRS, 2011. tese (Doutorado em Histó- Universidade de Porto Alegre, a qual pretendia
ria), p. 210-240. representar uma cunha a ser introduzida na uni-
12
MACIEL, Anor Butler. Nacionalismo – o proble- versidade para minar o caráter positivista agnós-
ma judaico e o nacional-socialismo. Porto Alegre: tico que a teria caracterizado desde sua fundação.
Globo, 1937. Para uma análise dessa obra, cf. Quanto a esse aspecto, cf. TRINDADE, Fernando
VIEIRA, Newton Colombo de Deus. Além de Casses. Uma contribuição à história da Faculda-
Gustavo Barroso: o antissemitismo na Ação Inte- de de Filosofia da UFRGS. Revista do Instituo de Fi-
gralista Brasileira (1932-1937). Porto Alegre: PU- losofia e Ciências Humanas, Porto Alegre: UFRGS,
CRS, 2012. Dissertação (Mestrado em História), ano 10, p. 1982.
p. 92-97. 23
BERTASO, José Otávio. A Globo da Rua da Praia.
13
MACIEL, Anor Butler. Subsídios para o estudo da Rio de Janeiro: Globo, 1993, p. 171.
estrutura política do Estado Novo. Porto Alegre: 24
A situação, naturalmente, iria ficar pior, após a
Globo, 1937. “intentona comunista”, de novembro de 1935.
14
FÉLIX, Loiva Otero. Histórias de vida do Ministério 25
MARQUES, Alexandre Kohlrausch. A questão
Público do Rio Grande do Sul: rememorações para o ítalo-abissínia: os significados atribuídos à invasão
futuro. Porto Alegre: Procuradoria-Geral de Jus- italiana à Etiópia, em 1935, pela intelectualidade
tiça, 2001, p. 361. gaúcha. Porto Alegre: UFRGS, 2008. Dissertação
15
MARTINS, Cyro; e SLAVUTZKY, Abrão. Para (Mestrado em História).
início de conversa. Porto Alegre: Movimento, 1990, 26
Em suas memórias, Veríssimo afirma que “o do-
p. 69. cumento continha um protesto direto e veemen-
16
A respeito da ANL no Rio Grande do Sul, cf. te contra a invasão da Abissínia pelas tropas de
KONRAD, Diorge Alceno. 1935: a Aliança Na- Mussolini” (VERISSIMO, Érico. Solo de clarinete
cional Libertadora no Rio Grande do Sul. Porto [v. I]. Porto Alegre: Globo, 1976, p. 256).
Alegre: PUCRS, 1994. Dissertação (Mestrado em 27
Muito provavelmente, a referência à situação no
História). estado tenha como pano de fundo – além das
medidas decorrentes do fechamento da ANL –

30
História: Debates e Tendências – v. 13, n. 1, jan./jun. 2013, p. 19-32
o enfrentamento explícito, desde a inauguração BELLINTANI, Adriana Iop. Conspiração contra
da exposição alusiva ao centenário da Revolução o Estado Novo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
Farroupilha, em setembro, entre Flores da Cunha
e Getúlio Vargas. Os “idiotas de mal disfarçado BERTASO, José Otávio. A Globo da Rua da Praia.
fascismo”, certamente, eram os integralistas. Rio de Janeiro: Globo, 1993.
28
Sobre Rivadávia de Souza, cf. GERTZ, O Estado
Novo no Rio Grande do Sul, p. 128. BITTENCOURT, Dario de. “Curriculum vitae”
29
VERISSIMO, op. cit., p. 256. – documentário – (1910-1957). Porto Alegre: Éti-
30
Em 1994, a presença do nome de Érico Verissimo ca Impressora Ltda., 1958.
entre os signatários do manifesto “Pela causa da
Itália” deu origem a um famoso affair intelecto- FÉLIX, Loiva Otero. Histórias de vida do Ministé-
-jornalístico, porque um articulista utilizou esse rio Público do Rio Grande do Sul: rememorações
documento para criticar os posicionamentos po- para o futuro. Porto Alegre: Procuradoria-Ge-
líticos do escritor. Somente alguns anos depois, ral de Justiça, 2001.
foi localizado o citado desmentido publicado pe-
los três intelectuais no jornal. Uma das versões GERTZ, René E. Intelectuais gaúchos pensam
sobre o episódio de 1994 pode ser visto em SIL- o Rio Grande do Sul. Estudos Ibero-Americanos,
VA, Juremir Machado da. A miséria do jornalismo Porto Alegre: PUCRS, v. X, n. 1, p. 79-113, 1984.
brasileiro: as (in)certezas da mídia. Petrópolis: Vo-
zes, 2000, p. 106-115. GERTZ, René E. O ciclo de Vargas segundo
31
Que assinara o manifesto “Pala causa da Itália”. Veríssimo. In: GONÇALVES, Robson Pereira
32
Ao mesmo tempo, Veríssimo, desde muito cedo, (org.). O tempo e o vento: 50 anos. Bauru/Santa
mostrou-se favorável ao alinhamento com os Es-
tados Unidos (o “pan-americanismo”). Coerente Maria: Edusc/EditoraUFSM, 2000, p. 199-205.
com essa posição, foi um dos fundadores e primei- GERTZ, René E. O aviador e o carroceiro: políti-
ro presidente do Instituto Cultural Brasileiro Nor- ca, etnia e religião nos anos 1920. Porto Alegre:
te-Americano, em outubro de 1938 (KONRAD,
Gláucia, op. cit., p. 132). EDIPUCRS, 2002.
33
GERTZ, O Estado Novo no Rio Grande do Sul, GERTZ, René E. O Estado Novo no Rio Grande do
p. 133-135.
Sul. Passo Fundo: Editora da UPF, 2005.
34
Ele está relativamente bem estudado em TRIN-
DADE, Fernando Casses. A polêmica entre Érico GERTZ, René E. O Sonderweg do Rio Grande
Verissimo e o Pe. Leonardo Fritzen, S. J. Revista do Sul. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre:
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto
PUCRS, v. 37, n. 2, p. 215-321, 2011.
Alegre: UFRGS, ano 11/12, p. 35-98, 1983/1984;
e BATISTA, Karina Ribeiro. “Caso Fritzen”: a po- GRAWUNDER, Maria Zenilda. Instituição li-
lêmica em torno de O resto é silêncio, de Érico Ve- terária: uma análise da legitimação da obra de
rissimo. Porto Alegre: PUCRS, 2004. Dissertação
Dyonélio Machado. Porto Alegre: EDIPUCRS,
(Mestrado em Letras). O próprio Érico afirmou
em suas memórias: “Eu queria que meu gesto 1997.
[de processar o padre] fosse interpretado como GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Nação e
um protesto contra a situação política vigente no
país” (VERISSIMO, op. cit., p. 280).
civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e
35
Cf. GERTZ, O Sonderweg do Rio Grande do Sul. Geográfico Brasileiro e o projeto de uma histó-
ria nacional. Estudos históricos, Rio de Janeiro,
FGV, n. 1, p. 5-27, 1988.
Bibliografia HENTSCHKE, Jens R. Positivism gaúcho-style:
Júlio de Castilho’s dictatorship and its impact
BATISTA, Karina Ribeiro. “Caso Fritzen”: a po- on state and nation-building in Varga’s Brazil.
lêmica em torno de O resto é silêncio, de Érico Berlim: Verlag für Wissenschaft und Forschung
Verissimo. Porto Alegre: PUCRS, 2004. Disser- GmbH, 2004.
tação (Mestrado em Letras).

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História: Debates e Tendências – v. 13, n. 1, jan./jun. 2013, p. 19-32
ISAIA, Arthur César. Catolicismo e autoritarismo sociedade e política. São Paulo: Cortez, 2003,
no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 85-111.
1998. SANTOS, José Antônio dos. Prisioneiros da His-
KONRAD, Diorge Alceno. 1935: a Aliança Na- tória: trajetórias de intelectuais na imprensa
cional Libertadora no Rio Grande do Sul. Dis- negra meridional. Tese (Doutorado em Histó-
sertação (Mestrado em História) - Pontifícia ria) - Pontifícia Universidade Católica do Rio
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Grande do Sul, Porto Alegre, PUCRS, 2011.
Porto Alegre, PUCRS, 1994. SILVA, Juremir Machado da. A miséria do jor-
KONRAD, Gláucia Vieira Ramos. A política nalismo brasileiro: as (in)certezas da mídia. Pe-
cultural do Estado Novo no Rio Grande do Sul: im- trópolis: Vozes, 2000.
posições e resistências. Dissertação (Mestrado SILVEIRA, Éder. Tupi or not tupi: nação e na-
em História) - Pontifícia Universidade Católica cionalidade em José de Alencar e Oswald de
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, PUCRS, Andrade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.
1994.
TRINDADE, Fernando Casses. Uma contri-
MACHADO, Dyonélio. Memórias de um pobre buição à história da Faculdade de Filosofia da
homem. Porto Alegre: IEL, 1990. UFRGS. Revista do Instituo de Filosofia e Ciências
MACIEL, Anor Butler. Nacionalismo – o pro- Humanas, Porto Alegre: UFRGS, ano 10, 1982.
blema judaico e o nacional-socialismo. Porto TRINDADE, Fernando Casses. A polêmica en-
Alegre: Globo, 1937. tre Érico Verissimo e o Pe. Leonardo Fritzen,
MACIEL, Anor Butler. Subsídios para o estudo S. J. Revista do Instituto de Filosofia e Ciências
da estrutura política do Estado Novo. Porto Ale- Humanas, Porto Alegre: UFRGS, ano 11/12,
gre: Globo, 1937. p. 35-98, 1983/1984.
MARQUES, Alexandre Kohlrausch. A questão VELLOSO, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a
ítalo-abissínia: os significados atribuídos à in- política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro:
vasão italiana à Etiópia, em 1935, pela intelec- FGV/CPDOC, 1987.
tualidade gaúcha. Dissertação (Mestrado em VERÍSSIMO, Érico. Solo de clarinete, v. I, Porto
História) - Pontifícia Universidade Católica do Alegre: Globo, 1976.
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, PUCRS, 2008.
VIEIRA, Newton Colombo de Deus. Além de
MARTINS, Cyro; SLAVUTZKY, Abrão. Para Gustavo Barroso: o antissemitismo na Ação In-
início de conversa. Porto Alegre: Movimento, tegralista Brasileira (1932-1937). Porto Alegre:
1990. PUCRS. Dissertação (Mestrado em História) -
MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran-
Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979. de do Sul, Porto Alegre, PUCRS, 2012.
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no
Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática,
1990.
ROLLAND, Denis. O estatuto da cultura no
Estado Novo: entre o controle das culturas na-
cionais e a instrumentalização das culturas es-
trangeiras. In: BASTOS, Elide Rugai; RIDENTI,
Marcelo; ROLLAND, Denis (Org.). Intelectuais:

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História: Debates e Tendências – v. 13, n. 1, jan./jun. 2013, p. 19-32

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