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Portinari & Rivera: dois artistas;

um objetivo
Denise Colar
Mestranda em Educação, Artes e História da Cultura
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

INTRODUÇÃO
(principalmente norte-americano), os gran-
des prêmios, o destaque no cenário nacional

ARTES
Cândido Portinari e Diego Rivera fo- (representantes das chamadas “Artes Ofi-
ram influenciados por um vasto contexto ciais”), enfim, o papel da arte como modi-
sócio-político de seus respectivos países: ficador social, diretamente ligado à postura
Brasil e México. Estes países participaram crítica dos artistas são aspectos importantes
do Expressionismo através do pólo social e para esta análise.
político.
O comparativo entre Diego Rivera e
O Expressionismo, independente da Cândido Portinari por suas semelhanças e
época, apresenta reflexos de questões exis- diferenças; a evolução técnica, a alta quali-
tenciais, mesmo porque é o rompimento dade artística, principalmente em suas pin-
definitivo com a passividade. Está muito turas murais, o aspecto expressionista, em
preocupado com os desvios que a sociedade alguns de seus trabalhos, serão destaque.
cria. As pessoas necessitadas e marginaliza-
das são o destaque de muitas obras expres-
sionistas. PORTINARI/RIVERA

Diego Rivera e Cândido Portinari cria-


ram muitas obras impregnadas de questões A temática social, da terra ao homem,
sociais; seus países viveram uma fase de de- dos cafezais aos cortiços, as terras secas, os
senvolvimento tecnológico e cultural, o que retirantes mirrados, os campos estéreis, as
acabou gerando também problemas sociais. favelas tristes, a fase histórica foram preo-
cupação constante de Portinari. A questão
Artistas contemporâneos, Rivera e Por- político-social foi determinante em sua car-
tinari vivenciaram coisas parecidas. O ca- reira, que desde muito cedo deixou clara
minho de cada artista foi influenciado por sua opção política (O Comunismo) e seu
muitos fatores, mas em muitos aspectos suas desejo de transformações no Capitalismo
obras se unem e também se distanciam. por meio de reformas políticas e sociais.

O grande domínio da técnica muralis- A infância pobre, as memórias dos


ta foi usado em seus trabalhos em prol do enterros de retirantes, feitos com redes ou
desenvolvimento cultural de seu povo. lençóis, a escalada do nazi-facismo e os
horrores da guerra reforçaram em Portinari
Demonstrar o engajamento político, o um caráter social e trágico que se refletiu
nacionalismo, a influência Picassiana, o su- em suas obras. O Mural foi uma saída apro-
cesso no mercado nacional e internacional priada para a socialização de sua arte.

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A seqüência de premiações de sua car-
reira teve início ao conquistar o Prêmio de
Viagem ao Estrangeiro da Exposição Geral
de Belas Artes, de tradição acadêmica.

Em 1935, obtêm seu primeiro reco-


nhecimento no exterior, a segunda Men-
são Honrosa na Exposição Internacional
do Carnegie Institute de Pitsburg, na co-
memoração do Centenário de Andrew
Carnegie,o fundador do instituto, com a
tela “Café”, que teve repercussão mundial.
A tela de grandes proporções, intitulada
“Café”, retratava uma cena de colheita tí-
pica de sua região de origem.

Diego Rivera, o mais famoso muralis-


ta mexicano, também estudou na Europa
e foi considerado o libertador da vocação
ARTES

plástica do México e o maior estimulador


de seu renascimento artístico. A pintura
muralista neste país visava exprimir, na
frente estética ou espiritual, os ideais da
Revolução Mexicana; artistas como Diego
Rivera entre outros, entregaram-se à ex-
pressão militante de seus ardores sociais e
políticos.

Assim como nos murais de Portina-


ri, havia nos murais de Rivera o aspecto
racial; a necessidade de exprimir o vigor
da natureza física e humana do México;
a idéia era o povo reconhecer-se em suas
obras, e para isso redefiniu seu estilo.

No México, os murais sempre foram


uma tradição, desde o século VI. No século
XVI eram usados para decorar os primei-
ros conventos, porém na primeira metade
do século XIX, as produções estavam pa-
radas. A guerra da Independência havia
destruído muita coisa no país; a miséria e a
desordem cresceram sob o império da dita-
dura. Rivera inspirou-se muitas vezes nas
culturas Maia e Asteca, para compor seus
murais.

No Brasil, a arte muralista não teve esse


caráter generalizado que teve no México,
foi mais uma fase de evolução de Portinari,
não chegando a se tornar um movimento.
O artista não estava preso totalmente à rea-
lidade; para ele, acima da realidade, estava
a finalidade plástica. Por isso, paralelo aos

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seus murais, produzira muitas telas, dando
lugar à invenção, à unidade de superfície, à
descontinuidade. Revive temas da infância.

Em 1935, Portinari chegou a estudar os


famosos muralistas mexicanos, principal-
mente Diego Rivera, mas desenvolveu seu
próprio estilo no mural. Enquanto os murais
mexicanos buscavam no passado muitos
aspectos de sua antiga cultura, os murais
brasileiros mostravam as transformações no
Brasil: a população de índios nômades, o ne-
gro, o português, enfim, cenas da renovação
que o país sofreu, após a colonização.

MURAIS

O painel “Tiradentes” de Cândido Por-


tinari recebe a Medalha de Ouro da Paz, do

ARTES
II Congresso Mundial dos Partidários da
Paz, em Varsóvia em 1946.

Neste mural, o artista trabalha dentro


do aspecto social e individualista do expres-
sionismo, trabalha o herói nacionalista, o
mártir, o símbolo da independência e do de-
sejo de uma nacionalidade forte e soberana.

A composição do painel é clássica, lem-


brando a Renascença, mas traz também o
movimento expressionista. São usados sím-
bolos de morte, sacrifício, família reunida,
revolta, desespero diante da figura mártir.
Tudo envolto na geometrização do fundo.

Em 1949, após pintar o painel “Tira-


dentes”, Portinari é considerado pela revis-
ta Time como um professor cada vez mais
eloqüente, preocupado em ensinar ao povo
o que é errado através de suas obras.

Uma das vantagens dos murais era o


acesso do povo às obras, por isso, tanto Ri-
vera quanto Portinari fizeram suas pinturas
em locais públicos, como escolas, repartições
públicas, igrejas etc.

Rivera trabalhou durante seis anos


(1923-1929) em suas obras murais para a Se-
cretaria da Educação, com temas mexicanos
como: festas indígenas, mercados, manifes-
tações populares, cenas das revoltas operá-
rias, retratos dos revolucionários (Zapata e
Carrilho Puerto), cenas de exploradores e

Riviera - La fiesta del Maíz - (1923-24) - México - www.cgfa.sunsite.dk


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aristocratas sendo humilhados pelos ope- vidado pelo então Ministro da Educação,
rários, trabalhadores do campo e soldados Gustavo Capanema, para fazer os murais
e finalmente, a reconstrução do México. para a sede do recém-criado Ministério da
Educação e participar de muitos outros pro-
Nos murais de Portinari para a Funda- jetos. O grupo convidado para participar
ção Hispânica da Biblioteca do Congresso desse grande projeto incluiu os arquitetos:
de Washington (1941),os temas são referen- Afonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Oscar
tes à história hispano-americana; feitos em Niemeyer, José Moreira e Ernani Vascon-
têmpera, a seco, apenas cal e areia, o artista celos, liderados por Lúcio Costa; o pintor
é bastante didático, trazendo aspectos da Paulo Rossi Osir; os escultores: Celso An-
colonização hispano-americana; nos quatro tônio , Bruno Giorgi, Adriana Janacoupolos
painéis : Descobrimento, Desbravamento e Jacques Lipschitz; no paisagismo estava
da Mata, Catequese dos Índios e Garimpo Roberto Burle Marx.
do Ouro, evidencia-se uma maior preocu-
pação com a dimensão humana do que com Digo Rivera nunca foi aluno discipli-
os acontecimentos históricos . A composição nado de nenhuma academia; em sua pin-
e os tipos nada têm de épicos. A disposição tura não-mural, possui uma temática mais
dos painéis é livre de critérios cronológicos. ampla e, ao contrário dos murais, passa por
A escolha racial realizada pelo artista para várias fases, chegando em algumas obras
ARTES

dominar a composição não é o branco, o eu- quase ao surrealismo, como é o caso de “As
ropeu, mas um negro. (Fabris, 1990). Tentações de Santo Antônio” e “Paisagem
Noturna”. Rivera estuda em Paris a pintu-
Rivera buscou reviver, em seus mu- ra neo-impressionista, com o Cubismo de
rais, a grandeza da civilização pré-colom- Pablo Picasso e as criações cuidadosas de
biana, iniciou uma verdadeira descoberta Cézanne. Torna-se membro de um grupo
de sua terra natal e de seu estilo. Suas pin- de pintores de Montparnasse, que se grupa-
turas possuíam uma técnica especial, sutil, ram sob a denominação da Escola de Paris.
que manipulava bem as cores quentes e
brilhantes, e expressava um sentimento de Em muitos retratos, Rivera coloca per-
nostalgia e intimidade; a importância das sonagens políticos e membros do governo,
pinturas estava em representar a cultura como José Vasconcelos (Secretário da Edu-
mexicana e demonstrar as firmes convic- cação Pública), cujas idéias políticas Rivera
ções do artista a respeito da dignidade hu- não compartilhava; Vasconcelos era colo-
mana essencial do povo. cado entre os intelectuais impotentes. Até
mesmo o presidente foi retratado como
Em 1933, Rivera recebe a encomenda magnata que consultava as cotações da bol-
de um mural para o Rockfeller Center de sa.
Nova York; entre as imagens que pintou
no painel, estava, nada menos que Lênin. Em 1943, Cândido Portinari realiza no
Os americanos não toleraram a audácia do Brasil, oito painéis como “Série Bíblica”,
artista e pediram para que ele retirasse a fortemente influenciada pela visão picas-
imagem do revolucionário russo da obra, siana de “Guernica” e sob o impacto da Se-
mas ele se recusou. O painel acabou desfei- gunda Guerra Mundial. Em alguns de seus
to. Não foi a única vez que Rivera pintou o trabalhos, murais e não-murais, os elemen-
rosto de Lênin; ele apareceu no Palácio de tos imaginativos passaram para o primeiro
Belas Artes do México e no Instituto Mexi- plano, e as pesquisas formais vão ficando
cano de Seguro Social. em segundo plano. A pintura de Portinari
não chega a ser abstrata pura; em suas obras
O painel “Primeira Missa no Brasil” é possível “identificar o assunto”. É clara a
foi pintado no Uruguai, durante um exílio influência de Pablo Picasso no trabalho de
voluntário de Cândido Portinari em 1948. Portinari, mas nunca se poderá dizer que
O pintor, que nos anos trinta participara ele pertence à família picassiana, porque,
de um grupo muito integrado de pintores, como Diego Rivera, ele criou sua própria
escultores, arquitetos e paisagistas, foi con- personalidade artística.

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Em maio de 1946 a revista portugue- a dramaticidade expressiva e a preocupa-
sa Vértice publicaria entrevista de Portinari ção social, que reaparecerão, de vez em
ao escritor português Mário Dionísio, com quando, sem a mesma intensidade. Os no-
o seguinte diálogo: “Tenho sofrido muitas vos temas são históricos, temos mais abs-
influências, nem posso com precisão indi- tratos, cores arbitrárias, fragmentos de ca-
cá-las todas. Toda a escola italiana, Goya ráter cubista, vários planos de composição.
(tenho uma fase meio goyesca). Olhe este Em 1955 é assinado o contrato entre Porti-
Tintureto, esta Festa de São João...E, com nari e o Ministério das Relações Exteriores
uma voz repassada de entusiasmo, exclama para a execução dos painéis para a ONU,
de repente: E Picasso! – Picasso anda com “Guerra” e “Paz”. O artista inspirou-se nos
efeito, por detrás de algumas coisas admi- “Quatro Cavaleiros do Apocalipse” e nas
ráveis. O Último Baluarte é o caso mais evi- “Eumênides” de Ésquilo, dando a compo-
dente, não é?- É sim, Picasso fulmina-me! sição um caráter intemporal, como já fizera
Eu tinha de fazer O Último Baluarte. Era com a “Primeira Missa” (Fabris, 1990)
preciso fazê-lo e esperar o que aconteces-
se. Ou me afundaria ou conseguiria dar o
salto. E, escolhendo ao acaso uma das re- QUESTÕES POLÍTICAS
produções dos Retirantes, acrescenta:- Foi
o que aconteceu, eu dei o salto.”

ARTES
Entre 1944 e 1946, Cândido Portinari
Rivera criou uma grande amizade com acabou filiando-se ao Partido Comunista,
Modigliani e acompanhou as evoluções dos realizando seu antigo sonho socialista.
pintores de Bâteau-Lavoir: Picasso, Braque,
Juan Gris; deixou-se seduzir pelo estilo Em 1945, PCB (Partido Comunista
cubista, sem abdicar de sua personalida- Brasileiro) volta à legalidade, após dezoito
de própria, enquanto pintor. O Cubismo anos na clandestinidade e Portinari candi-
de Rivera teve para os europeus um toque data-se a deputado, e em 1947 a senador,
exótico: havia uma fidelidade maior à re- porém, não é eleito.
produção figurativa; naturalmente, havia
o México e sua cultura. A tela “Paisagem O envolvimento na política traz gran-
Zapatista” é um ótimo exemplo dessas re- des problemas para o artista, que em 1948
ferências. Foi pintada em Paris, quando o sofre perseguições que o levam a um exílio
autor trabalhava com Pablo Picasso. voluntário no Uruguai.

Em Minas Gerais, através do convite Independente da contradição de ser


do arquiteto Oscar Niemeyer, Portinari ini- um comunista patrocinado e por vezes
cia as obras de decoração do conjunto arqui- apoiado por governantes ditadores e capi-
tetônico da Pampulha, em Belo Horizonte; talistas estrangeiros, Portinari segue suas
na seqüência, faz os murais “São Francis- produções artísticas e ultrapassa as fron-
co se Despojando das Veste”, na Igreja da teiras internacionais.
Pampulha; volta à cor, com semelhanças
com “Os Profetas”; intensidade dramática, Rivera era incansavelmente preocu-
vigor, planos superpostos, notação expres- pado com a política nacional e internacio-
sionista das figuras de Lázaro e as figuras nal; na Europa, o totalitarismo de direita
femininas; reencontro com o rigor clássico; estava em alta; na Itália e na Polônia, em
técnica afresco; a “Via Sacra” não pode ser 1926, ocorreu a consolidação de governos
considerada uma mera representação do fascistas; na antiga União Soviética, o po-
drama de Cristo; através de Cristo, Porti- der operário era transformado em totalita-
nari retrata o drama da humanidade, dan- rismo burocrático de esquerda, por Stalin e
do à sua obra um caráter mais amplo que o seus partidários. Até a classe trabalhadora
do drama religioso.(Fabris, 1990) do Brasil estava insatisfeita com o desem-
prego, a carestia de vida e as reformas rea-
Após 1947, a obra de Portinari conhece lizadas pelo governo de Getúlio Vargas.
uma nova modificação, são postas de lado

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No México, a situação não era a me- ano em que foi assassinado a mando de
lhor; o presidente Lázaro Cárdenas seguia Stalin. Durante o período em que viveu no
o mesmo estilo de Getúlio Vargas, no Bra- México, Trotsky faz amizade com muitos
sil, e Juan Domingos Perón, na Argentina: o artistas e intelectuais, dentre eles, Diego
Populismo. Cárdenas direcionava seu dis- Rivera, que por isso, foi expulso do Parti-
curso e suas ações às populações urbanas, do Comunista, em 1939. Somente em 1954
prometia a realização de amplas reformas foi readmitido, depois de confessar-se
econômicas do cunho nacionalista, rápido “culpado”. Em 1931, Rivera recebe a enco-
desenvolvimento industrial e diminuição menda de alguns murais para o salão de
dos conflitos sociais. jantar da Bolsa de Valores de San Francis-
co. Em 1933, Rivera recebe a encomenda
O Populismo, na prática, mostrou-se de um mural para o Rockfeller Center de
incapaz de resolver os problemas estrutu- Nova York (painel que foi destruído), na
rais da sociedade, o que gerava, ao longo seqüência é oficialmente convidado a visi-
dos anos, o aprofundamento da crise nos tar a União Soviética, esteve também na
países. China comunista, e na Polônia.

Artistas críticos como Diego Rivera e O Brasil é convidado em 1948, pela


Cândido Portinari usaram toda sua técni- primeira vez, a participar de uma Bienal
ARTES

ca artística para expressar, através de suas em Veneza, infelizmente Portinari e Lasar


obras, seus posicionamentos políticos e so- Segall foram excluídos, segundo comentá-
ciais; apesar disso, ambos sofreram críticas rios dos próprios italianos, a política ou a
de outros artistas e intelectuais na questão polícia teriam participado dos trabalhos
polêmica da chamada “Arte Oficial”, em da comissão.
seus respectivos países.
Em abril de 1949, Portinari é intima-
Em 1940, aconteceram ataques à “mís- do a comparecer à Polícia Central para de-
tica Portinari”; ao “monopólio” que Porti- por sobre sua participação na “Escola do
nari parecia exercer no mundo da arte e da Povo”. A decisão judicial sobre este caso
crítica. Primeiro passou pelo endeusamen- demora a sair, e Portinari acaba perdendo
to; sua condição inicial (1931) era de porta- a participação no Congresso Internacional
estandarte do ideário modernista, depois da Paz no México.
foi atacado em nome do “mito” que cria-
ram, retratando-o como “indivíduo perfei- Segundo Portinari: “Como deixar de
to”; na seqüência foi criticado como “pintor fixar em meus quadros aquilo que fez par-
do regime”, suas obras vistas como “produ- te de minha infância, de minha vida; e a
ção oficial”, apesar de sua interpretação da minha esperança de ver uma vida melhor
história nunca ter sido oficial, na verdade o para os homens que trabalham a terra?”
artista sempre buscou pintar criticamente o (Tribuna Popular, 1947).
Brasil (Fabris, 1990).
Em 1951, no mês de maio, Portinari re-
Em 1927, Diego Rivera é convidado a cebe anistia ampla, como outros cidadãos
visitar a União Soviética. Após a morte de brasileiros que eram presos e perseguidos
Lênin, em 1924, iniciou-se uma luta pelo pelos chamados “delitos de opinião”, du-
controle do poder no país; entre os prin- rante o governo do general Eurico Gaspar
cipais envolvidos nesta disputa, estavam Dutra.
Trotsky e Stalin.
Em 1955, Portinari recebe a Medalha
Leon Trotsky é banido da União Sovi- de Ouro do Internacional Fine Arts Coun-
ética por Stalin, o vencedor da disputa, que cil, de Nova York, como melhor pintor do
defendia o socialismo num só país, possi- ano. O painel “Descobrimento do Brasil” é
bilitando as negociações com países capi- inaugurado em outubro, no Rio de Janei-
talistas. O México é o país onde Trotsky ro. Em 1956, faz uma exposição em Israel;
acaba refugiando-se, onde viverá até 1940, é a primeira vez que um artista não judeu,

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entre os maiores de sua geração, organiza no, o artista desmascara os mitos do poder,
uma exposição neste país. integrando em sua expressão os marginali-
zados que, com a força de seu braço, consti-
Em 1956, quando Portinari entrega os tuem o esteio do desenvolvimento (...).
painéis “Guerra” e “Paz”; o presidente da
República, Juscelino Kubitschek, abre uma Em 1959, Portinari expõe na Galeria
exposição no Teatro Municipal do Rio de Wildenstein, de Nova York, com outros ar-
Janeiro, enquanto os painéis permaneciam tistas, entre eles: Tamayo, Cuervas, Matta,
no Brasil. Em 6 de setembro de 1957, os Orozco e Rivera. Participa da exposição Co-
painéis são finalmente doados à ONU, em leção de Arte Interamericana do Museu de
cerimônia oficial. Nas vésperas da inaugu- Belas Artes de Caracas.
ração de “Guerra” e “Paz”, a crítica Emily
Genauer escreve no Herald Tribune Book Cândido Portinari nasceu em vinte e
Review: “Parece que a sede da ONU tem nove de dezembro de 1903, numa fazenda
agora, afinal, murais dignos de sua brilhan- de café em Brodósqui, interior paulista. Fi-
te arquitetura (...). Serão os primeiros tra- lho de imigrantes italianos, família muito
balhos de expressão realmente artística a humilde.
entrarem na ONU”.
No dia seis de fevereiro de 1962, quan-

ARTES
As autoridades americanas não parti- do preparava uma grande exposição de cer-
cipam do evento, devido ao envolvimento ca de 200 obras, a convite da Prefeitura de
do Portinari com o Partido Comunista. Milão, morre Cândido Portinari, vítima de
intoxicação pelas tintas que utilizava.
Diego Rivera, também sofreu com a
intolerância americana, basta recordar a Diego Rivera um dos maiores pintores
destruição de seu painel para o Rockfeller mexicanos, morreu em 1957, em sua casa,
Center de Nova York. de ataque cardíaco, ao 71 anos.

Em 1955, Portinari recebe a Medalha


de Ouro do Internacional Fine Arts Coun- CONCLUSÃO
cil, de Nova York, como melhor pintor do
ano. O painel “Descobrimento do Brasil” é
inaugurado em outubro, no Rio de Janei- Cândido Portinari e Diego Rivera fo-
ro. Em 1956, faz uma exposição em Israel; ram artistas marcadamente reconhecidos
é a primeira vez que um artista não judeu, na História da Arte; suas pinturas muralis-
entre os maiores de sua geração, organiza tas, especialmente enfocadas neste artigo,
uma exposição neste país. geraram muita admiração e polêmica.

Em 1958, no México, é inaugurada uma A postura crítica dos artistas foi evi-
exposição de Cândido Portinari, no único denciada ao longo de suas trajetórias.
salão de honra da I Bienal Internacional
de Pintura e Gravura do Museu de Artes Portinari passou na temática social, da
Plásticas do México. As obras são acolhi- terra ao homem, dos cafezais aos cortiços,
das de maneira entusiasmada pelo público das terras secas aos retirantes mirrados e
mexicano, e em novembro, Portinari recebe em sua fase histórica, usou elementos não
a comunicação de Bruxelas que recebera a oficiais, colocando sempre em primeiro pla-
Estrela de Ouro, a mais alta distinção da no, o homem do povo, o homem comum.
Exposição Universal.
Rivera desafiou políticos e figuras im-
Fabris (1990) comenta em “Portinari, portantes da sociedade mexicana; através
pintor social”: “A obra de Portinari não é de seus murais destacou sempre a Cultura
uma exaltação de um ‘modelo getulista’, Maia e Asteca e os grandes revolucionários
não representa o compromisso do artista mexicanos.
com o poder (...) Trabalhando para o gover-

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O posicionamento político destes mes- REFERÊNCIAS
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