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VIDA DE GARI

José Leomar de Brito


APRESENTAÇÃO

Este livro, de maneira poética relata experiências de um servidor público ao


longo dos anos. De Gari a Educador ambiental, toda escalada tem os seus
percalços e dificuldades. O deserto é lugar de aprendizado, e ao passar por
ele, aprendi a vencer de cabeça erguida.
Dedicado à todos os servidores da limpeza pública, garis, coletores, motoristas,
capinadores, entre outros. Dedicado também ao dia do Gari, 16 de Maio.
O LIXEIRO

Uniforme amarelo,

Correndo pelas ruas da cidade,

Recolhendo o lixo de cada cidadão,

Este é o trabalho do coletor de lixo.

Mas muita gente o chama de lixeiro

E não de coletor;

Aqueles que zombam,

Chamam de cheiroso

Mistura de suor, com o odor do lixo.

Algum coletor

guarda a língua na boca;

outro, dispara raio

e fala que lixeiro é quem coloca o lixo na calçada

isso quando a mãe do fulano

que não tem nada a ver com o assunto

recebe a ofensa pelo desabafo.

SEM NOÇÃO

As varredeiras de vassoura em punho

Limpam sarjetas e passeios

Deixando a rota de dá gosto.

Falta só um pouquinho pra terminar

Recolher as vassouras

E voltar para o Núcleo de Apoio.


Uma delas, tira uma banana do bolso

Descasca, e joga a casca no chão.

Alguém grita:

Mas você acabou de varrer

E tá sujando o chão?

- Não tem problema,

A equipe da noite vai varrer hoje.

A HONRA

Na escola, a professora disse:

Vocês têm que estudar muito

Se não quiserem trabalhar capinando

Ou varrendo rua.

Estudei muito.

Concluí o Ensino Médio

E talvez por imaturidade,

Fiz inscrição num concurso pra Gari.

Ali, estudado, mas sem dinheiro,

Capinei, varri rua e carrinhei.

Engoli o orgulho, orei a Deus e prosperei.

O que poderia ter sido vergonha

Se traduziu em honra e experiência.

Caiei meio fio, trabalhei com recicláveis

Separava o lixo, saía no caminhão baú.

Uniforme sujo, era visto como um Zé.

Era magro de uma lista só,


Cabelo cheio, rosto afilado

Desejoso de vencer e de alcançar meu lugar ao sol.

E aí? Quem é o Zé agora?

Venceu e tem honra do seu passado.

A LINGUAGEM DO SILÊNCIO

Um amigo foi ao sul do Brasil.

No ponto de ônibus,

Desembrulhou um picolé.

Saboreando o picolé,

Jogou o papel no chão, à sua frente.

Uma senhora, que estava ao seu lado,

Sem palavras, pegou o papel

E colocou na lixeira ao lado.

Seu rosto ficou corado,

E encabulado, aprendeu a lição.

O silêncio falou mais alto que mil palavras.

A VIRADA

O Zé venceu

Fez faculdade pra professor

Lecionou um pouquinho

E na empresa é Agente ambiental.

Palestra para crianças

Vai de escola em escola,


Ensina coleta seletiva.

Palestra pra adultos,

Viaja de cidade em cidade

Já foi até em São Paulo

Falar da coleta seletiva de sua cidade, Itabira.

Palestra onde é chamado,

É por todos respeitado

E fala com alegria do seu passado

Quando ainda não tinha nome, nem história.

RUA BEM VARRIDA

A equipe chega na rota.

Quatro mulheres e um carrinheiro.

As mulheres disparam a varrer.

O carrinheiro não pode ficar para trás.

Faz o que pode.

Pedir ajuda, pra quem?

As varredeiras já sumiram ao longe.

Carrinheiro tem que coletar lixo varrido

e ainda levar saco de lixo para o ponto de confinamento.

Enquanto isso, as varredeiras continuam varrendo...

A rota tem que ser fechada.

O fiscal cobra da equipe

O encarregado cobra do fiscal

O supervisor cobra do encarregado

e o diretor cobra do supervisor.


No final de tudo, o presidente cobra do diretor.

A rua fica bem varrida,

mas bem que alguém podia dar uma mãozinha pro carrinheiro.

UM PONTO

Um ponto amarelo ao longe

Com uma vassoura na mão

Limpando rua extensa

Varre em toda direção.

Um ponto amarelo correndo

Com sacos de lixo na mão

Segurando com firmeza

E jogando no caminhão.

Um ponto azul no telhado

De um velho casarão

Consertando e restaurando obras

Pra ser uso da população.

Um ponto azul na escola,

Na creche ou Memorial

Bem vestido como sentinela

É a luta do bem contra o mal.

Um ponto amarelo com roçadeira

Capinando e juntando mato

Fazem um serviço excelente

E o mesmo é bom de fato.

Um ponto amarelo enquadrado


Triando e fazendo prensar

Separando muitos itens

Para poder reciclar.

Um ponto branco ao longe

Borrifando coisa no chão

O remédio é herbicida

Pra limitar vegetação.

Um ponto azul no volante

É serviço o dia inteiro

Muita gente pra atender

De janeiro a janeiro.

Ponto azul entre paredes

Empresa moderna em ação

Com sistemas avançados

Trazendo melhor solução.

Um ponto branco na empresa

Seu trabalho é diário

Seu turno é bem menor

Porque é estagiário.

De longe é só um ponto

De perto, um cidadão

Que cuida bem de Itabira

Com orgulho e dedicação

Somos uma grande equipe

Comprometidos com uma missão

Servir bem a Itabira


É a nossa motivação.

Parabéns, empresa pública

Pelo seu trabalho bem feito

Por pessoas tão corajosas

Dignas de muito respeito.

DÁ-ME ÁGUA

Sol quente, rota apertada

Muita coisa pra varrer.

Uma gari bate à porta.

Pede água pra beber.

Alguém atende,

Mas não é muito amistoso.

Volta, busca água.

Trás água da torneira

E serve em copo descartável.

A equipe agradece e continua o seu trabalho.

UM PORTO SEGURO

Metade da rota pronta,

A equipe precisa de tomar água,

Usar algum banheiro.

Uma boa senhora, na rua São Paulo,

É generosa e acolhedora.

Ela sabe que a equipe vai bater à porta.


E deixa preparado, café e um pouquinho de bolo.

Seus cabelos são brancos

E a idade, já é avançada;

Mas tem o coração maior do mundo.

A sua casa, como a de muitos outros,

Se tornou um porto seguro.

Obrigado!

(homenagem a dona Tina)

SOU GARI

Uniforme amarelo

Camisa número 1

Calça número 38

Botina número 39

Boné no rosto.

Levantar cedo, correndo,

Pegar ônibus cheio.

Ir para o trabalho,

Tomar café com pão e leite de soja.

Esquentar marmita na areia

Na hora do almoço.

Sair pra rota,

Subir no caminhão.

Várias equipes juntas.

Cada equipe desce numa região.

Desce gente
Desce vassouras

Desce carrinhos.

É pra varrer o Parque de Exposições.

As folhas das árvores têm que ensacar.

A festa não pode esperar.

Coloca os confinamentos nas caçambas.

Se necessário for, ficar na hora extra.

*confinamento – saco cheio de lixo

A FESTA DO FEIJÃO

Há muito serviço a ser feito,

Deve ser projeto do prefeito.

Conclamar a população

Para fazer mutirão.

Muita gente com vassoura

Entra no mutirão,

Para com a graça de Deus,

Levar seu saco de feijão.

Com vassouras e enxadas,

Iam fazendo a limpeza.

Muita gente trabalhando,

Era lindo com franqueza.

No final do dia, amigo.

Digo isso de coração:

a multidão aguardava
o seu tão suado feijão.

O BOM SAMARITANO

Estava eu caiando meio fio

Num bairro muito afastado,

Quando um velho conhecido,

Me vendo, ficou assustado.

E disse: - Você merece o melhor.

Vou falar com o diretor.

Você é rapaz estudado,

E tem muito valor.

O amigo de meu pai

Falou então com o Diretor,

Que me chamou em conversa

E a minha sorte mudou.

O nobre e bom Diretor

Me deu muito a conhecer.

Seus recortes de jornal

Eu não deixava de ler.

Cheguei até arquivar

Junto com profissional

Toda a sua papelada

Num armário especial.

Acabado o trabalho,
Voltei pra separação.

Lá no centro de triagem

Onde cresci, meu irmão.

CAMINHÃO PIPA

Levanta cedo

Corre para o ponto de ônibus.

O ônibus já passou.

Espera outro.

Chega na empresa,

Marca o cartão na chapeira.

O caminhão pipa já está esperando.

Entra no caminhão,

Segue para a ETA da cidade.

Abastece o caminhão.

Volta pra cidade,

Vai de bairro em bairro

Onde há falta de água.

Enche os tambores

Com o mangote

Atrás do caminhão.

Vai pro Gabiroba

Vai pro Valença

Vai...

*ETA – Estação de Tratamento de Água


CAMINHÃO BAÚ

Separar plástico e classificar

Era o que melhor fazia.

Mas surgiu outra demanda

Que de nada conhecia.

Fiquei sabendo, portanto,

Que ia pro caminhão,

Sair com colegas pras rotas,

O que me gerou aflição.

Era caminhão baú

Eu não podia fugir.

Aceitei o desafio

E passei logo a sair.

No baú, arrumava carga

Para a rota poder fechar.

Mas às vezes, era tanta

Que não dava pra improvisar,

Nem amassando os resíduos

Que chegava a entornar.

Quando chegava da rota,

Não dava nem pra almoçar.

Tinha que descarregar tudo,

Pra o caminhão liberar

E, só depois, já cansado,
A marmita fria esquentar.

Três vezes a quatro por semana

Saia eu no caminhão;

Tinha um dia específico

Que era só papelão.

Quando o tempo era chuvoso,

E tinha rota pra fazer,

Meus colegas que corriam

Se molhavam pra valer.

Eram então liberados.

Para a casa iam embora.

E eu, mesmo esgotado,

Ficava até o final da hora,

Saindo junto com a turma

Lá pelas 4 horas.

A VERGONHA

Escalado pra varrer.

Fui.

As ruas da minha comunidade.

Senti vergonha.

Baixei o boné no rosto,

Não queria ser reconhecido.

Mas não teve jeito.

Me reconheceram.

Dentro de mim,
Algo me consumia.

Depois, fui tirado da rua

Por sete anos.

Fui fazer o quê?

Fui trabalhar com material reciclável

E ganhar insalubridade.

O OBSERVADOR

Trabalhando com triagem

Ficava observando

Crianças chegando,

Sendo conduzidas aqui, ali e acolá.

Prestava atenção nas palavras do Monitor.

Por várias semanas,

Já havia decorado suas explicações.

Os agendamentos eram constantes.

Na ausência do Monitor,

Me atrevi a atender telefone

Para algum assunto de pesquisa.

Alguém não gostou.

Acho que me tinham como inculto.

Quando fiz faculdade,

Ainda como gari,

Os olhos de todos se abriram,


Até os meus.

TENHO QUE IR

Muitos anos na vassoura

Muitos anos na capina

Muitos anos de serviço.

Trabalhei muito

Suei muito

Me dediquei muito

Mas não foi o bastante.

Sou analfabeto.

Não sei escrever o nome.

Assino com o dedo polegar

Com a tinta azul daquela esponja.

Tentaram me ajudar

Isso, eu não posso negar

Mas gente mais velha

Não aprende com tanta facilidade.

Não deu tempo

Para aprender o B A BA

Não adianta chorar.

O tempo expirou.

Deixei a empresa

Estou desempregado

Eu não era concursado

A lei superior fez assim.


Estou longe de aposentar,

Vou procurar emprego outra vez.

Será que vou achar?

Tenho mais de 40 anos...

JUSTIÇA FEITA

Serviço feito errado

Encarregado gritou em disparo.

Pegou telefone

Ligou pro Supervisor.

Supervisor sobe correndo

Leva junto o pobre infeliz.

Vão todos pra sala do Diretor.

Queriam colocar o gari

No olho da rua.

Acho que a sala do Diretor

Era o tão temido quartinho.

Mania de perseguição

Pensavam que o gari em questão

Era filho de vereador da oposição.


OPERADOR DE PRENSA

Já tem material pra enfardar.

Vai prensar o quê?

Metal.

Arrasta “bag” com lata,

Coloca aos poucos na prensa.

Cuidado pra não prensar as mãos!

Coloca mais lata.

Prensa mais um pouco.

Coloca a capa de papelão.

Passa a corda pra amarrar.

Dois garis,

Um de cada lado da prensa.

Coloca a corrente pra tirar o fardo.

Liga a chave, sobe a alavanca.

O fardo já saiu.

Pesa o fardo.

Leva pra área de estocagem.

*bag – lê-se bég – saco grande

O FARDO

O fardo ficou pronto.

Pega o carrinho,

Leva para a estocagem.


Como empilhar o fardo?

Não tem empilhadeira.

Coloca duas peças de pau.

Rola por cima.

Chama mais dois pra ajudar.

Cuidado para o fardo não cair.

Ufa! O fardo tá pesado!

Cochila não!

Se não o fardo cai na gente.

Quando tiver empilhadeira

A força bruta não será

Mais necessária.

(tempos difíceis)

RUA BEM VARRIDA

A equipe chega na rota.

Quatro mulheres e um carrinheiro.

As mulheres disparam a varrer.

O carrinheiro não pode ficar para trás.

Faz o que pode.

Pedir ajuda, pra quem?

As varredeiras já sumiram ao longe.

Carrinheiro tem que coletar lixo varrido

e ainda levar saco de lixo para o ponto de confinamento.

Enquanto isso, as varredeiras continuam varrendo...

A rota tem que ser fechada.


O fiscal cobra da equipe

O encarregado cobra do fiscal

O supervisor cobra do encarregado

e o diretor cobra do supervisor.

No final de tudo, o presidente cobra do diretor.

A rua fica bem varrida,

mas bem que alguém podia dar uma mãozinha pro carrinheiro.

RUA MAL VARRIDA

A equipe entra na rua.

Vassouras em punho, varrem longamente.

No final da rota, a líder da equipe olha pra trás

e vê uma veia de areia no meio da pista.

A areia, na verdade, estava mais para um canto da pista

do que para o meio.

A líder chama a atenção das varredeiras que fez pouco caso da sujeira.

Resultado: tiveram que voltar para refazer a varrição.

O TRABALHO DO ANCINHO

Dia de dar faxina na rota.

Todos de ferrinho na mão,

as varredeiras e o carrinheiro

pegam seu ancinho para tirar matinho

do canto do meio fio ou entre os bloquetes.


A rota ficava impecável,

mas a coluna do cidadão...

CAPINANDO POR AÍ

Muitos homens de mochila nas costas

levando sua marmita e garrafa de café,

chegam ao bairro determinado.

Um caminhonete transporta a turma.

Sol quente na cabeça,

pedem água fria na casa de um morador generoso.

Hora do almoço,

Fogareiro aceso com álcool,

esquentam a boia ao ar livre,

comendo e cochilando por ali mesmo.

Barriga cheia, descanso de uma hora.

Enxada nas mãos diligentes,

seguem a jornada proposta.

O COLETOR DE LIXO

O coletor chega cedo na empresa.

Toma seu lanche e veste seu uniforme.

Preparado fisicamente como um atleta da maratona,

sobe no caminhão e segue pra rota determinada.

Quatro coletores formam a guarnição.

Dois deles vão a frente do caminhão,


entrando nas ruas transversais,

carregando o lixo para as vias principais.

O coletor é atleta maratonista e carregador de peso.

O caminhão vem coletando e prensando tudo,

saciando sua fome por lixo.

Alguns moradores zombam do nobre trabalhador:

Ô lixeiro!

Ele não se cala:

Lixeiro é quem coloca o lixo.

Eu sou coletor de lixo, com muito orgulho.

UM ESCULTOR DE ARTE

Não sei como dizer

Mas você deve saber

Ainda um alguém pequenino

Um artista vim a ser.

Lembro – me que a muito tempo

Fiz a Deus uma oração:

Que me desse um emprego

Onde tivesse paixão

E fizesse o que gostasse

Com muita convicção.

Assim nasceu na empresa,

Uma grande produção.

Muito lixo virou arte

Passando por minhas mãos;

E até ganhou estrada


Indo pra exposição.

Sendo sempre incentivado

Pelo nobre Diretor

Estava sempre criando

Produzindo com amor.

A matéria mais usada

Era a partir de isopor.

Crucifixos e estatuetas

Foram muitas, por demais;

No quartinho da triagem

Produzia sempre mais.

Todo mundo gostava

E queria um exemplar.

E ali, bem motivado

Não parava de criar.

Fiz estátua da liberdade

Fiz o Cristo redentor.

Fiz Davi, de Miguelângelo

E tudo perfeito ficou.

Fiz bolsas a partir de vinil,

Até roupas de jornal,

Vestidos e calçados

Com recurso artesanal.

Produzi bastante eu sei;

Tem até fita gravada,

Registrando as criações
Do começo da jornada,

Ainda quando gari

Quando a muitos encantava.

As peças que eu criei,

Saiam pra exposição.

E eu a toda acompanhava

Para dar explicação.

E assim foi por longos anos

Antes de eu ser promovido.

Em tudo que havia arte,

Eu estava envolvido.

Participei de evento

Com quadros por mim desenhado.

Minhas obras no salão,

Deixou o povo admirado.

Isso foi no Cine Atlético

E merece ser lembrado.

UMA CASINHA BEM ADORNADA

Na casinha espalhada

Pelos bairros da cidade

Tem muita coisa boa

Que não é mais novidade.

Tem banheiros e chuveiros

Até espaço de refeitório


Baú pra guardar ferramentas

Um bem que não é transitório.

Na casinha registra ponto.

Alguém faz requisição.

Vassouras, café, açúcar

Pra suprir a guarnição.

Pede sacos de lixo

e produtos de limpeza.

Uniforme e calçados novos

Fornecido pela empresa.

Salve! Projeto tão nobre

Pra ele, eu tiro o chapéu.

A casinha bem adornada

É presente lá do céu.

PAÍS DA DESIGUALDADE

Fui gari por oito anos,

e deixei pegadas de honra e comprometimento.

Sempre vesti a camisa

Procurando servir a contento.

Seja em qualquer serviço,

Hoje eu posso dizer:

Todo trabalho é nobre

E precisa acontecer.

Do mais alto ao menor

Não existe função vil.


Mas há pensamentos classistas

Que discriminam pessoas sem leitura.

Disse, pessoas sem leitura,

Porque cultura, cada qual tem a sua.

A sociedade da desigualdade

Determina quem deve receber mais

E quem menos.

Até criaram o salário mínimo

Para que a maioria das pessoas

Tenham o mínimo pra sobreviver,

Ditando o quanto ela merece

Por sua falta de instrução e conhecimento.

E na luta pelo sucesso

As pessoas lutam para encontrar o seu lugar ao sol.

Nem todos encontram;

Mas Deus não faz distinção entre cultos e incultos.

O sol e a chuva é para todos.

No país da desigualdade,

Todos correm para encontrar o seu lugar ao sol

e nem sempre, as portas estão abertas para todos.

Há portas que se fecham para o que é justo

Mas que se abrem para o que é injusto.

O que vale, não é o quanto se é competente...

Parece que só quem nasce em berço de ouro,

Terá portais e não portas abertas.


TODO TRABALHO É DIGNO

Quando fui gari, tive vergonha

Porque ditaram

Qual profissão é honrosa e qual não é.

Ditaram que ser engenheiro, médico e advogado

é honroso.

Mas varrer rua, capinar, vender picolé, ser faxineira, ser coletor

Não é honroso.

Até nas igrejas, discriminam as funções consideradas vis.

O que seria do mundo sem o varredor de rua?

Sem o capinador?

Sem o vendedor de picolé?

Sem a faxineira?

Sem o coletor de lixo?

É o mundo que dita a regra.

Todos correm atrás de status.

Meu filho é advogado, médico, doutor.

O que são os ricos sem os pobres?

O que é a sociedade sem o professor,

Tão mal pago e tão pouco reconhecido?

O que é das cidades

Sem a coleta de lixo,

Sem a varrição rotineira?

Ainda não é lei,

Talvez nunca será;

Mas se estas funções fossem mais valorizadas financeiramente,


A concepção de desprezo, mudaria radicalmente.

A função é nobre, mas o ganho agregado não é tão significante,

O que leva as pessoas a discriminar como função vil, ainda que muito
importante e vital.

DE GARI A EDUCADOR AMBIENTAL

Oito anos como Gari

De tudo um pouco eu fiz.

Trabalhei varrendo rua.

Carrinhar, também carrinhei.

Capinar, também capinei.

Coletar, também coletei, por quase dois anos

No caminhão baú.

Caiar meio fio,

Também caiei.

Trabalhar com caminhão pipa,

Também trabalhei.

Trabalhar em caminhão de caçamba,

Também me esforcei.

Tirar mato de bloquete com ancinho,

Dolorido, mas executei.

Na triagem por sete anos,

Fiz de tudo um pouco.

Trabalhei na separação de plástico,

Na separação de vidro.

Ajudei a organizar o museu do lixo.

Confeccionei artesanato com material reciclado.


Fui operador de prensa,

Trabalhei fazendo carregamento de fardos.

Trabalhei na fragmentadora de papel

E no triturador de vidro.

Em tudo fui experimentado.

Quando não havia empilhadeira,

Meus músculos e a de muitos outros

Foram a força que empilhava fardos

No galpão de estocagem.

Fiz faculdade

Formei para professor.

Professor de História.

Alguém intercedeu por mim.

Recebi promoção.

Fui ser Fiscal Ambiental.

Fui pras ruas

Acompanhar equipes de varrição

Notificar material de construção na calçada

Fazer campanha pra expandir a coleta seletiva.

Controlar fechamento de rota.

Acompanhar varredeiras

Vivenciar seus dramas

Seus sonhos e queixas.

Fui convidado a trabalhar com Educação ambiental

Pela gerente de comunicação.

Fui montar arquivo do Diretor

E escrever Relatório pra Fundação João Pinheiro.


Queriam fechar a empresa.

Fiz relatório contra o fechamento.

Fui trabalhar no Centro de Educação Ambiental

Para atender crianças

Através de palestras e oficinas de papel reciclado e de sucata plástica.

Fui em muitas escolas,

Palestrei pra muita gente.

Implantei coleta seletiva em várias empresas.

Palestrei em várias cidades

E até em São Paulo,

Falei por Itabira.

Falei com Estadunidenses por meio de intérprete

E com prefeitos de vários lugares.

Este foi o gari, que hoje é palestrante e Educador Ambiental.


SOBRE O AUTOR

Servidor público em exercício por 24 anos, em Itabira. Fui gari, Agente


Ambiental e atualmente trabalhando com Educação Ambiental. Licenciado em
História pela FUNCESI como professor de Estudos Sociais e de História, com
curso de Aproveitamento em Educação Ambiental pela UFMG (180 horas).
Minha paixão: escrever.

Capa: pinguimdocerrado.blogst.com.br

José Leomar de Brito


APRESENTAÇÃO

Este livro, de maneira poética relata experiências de um servidor público ao


longo dos anos. De Gari a Educador ambiental, toda escalada tem os seus
percalços e dificuldades. O deserto é lugar de aprendizado, e ao passar por
ele, aprendi a vencer de cabeça erguida.
Dedicado à todos os servidores da limpeza pública, garis, coletores, motoristas,
capinadores, entre outros. Dedicado também ao dia do Gari, 16 de Maio.
O LIXEIRO

Uniforme amarelo,

Correndo pelas ruas da cidade,

Recolhendo o lixo de cada cidadão,

Este é o trabalho do coletor de lixo.

Mas muita gente o chama de lixeiro

E não de coletor;

Aqueles que zombam,

Chamam de cheiroso

Mistura de suor, com o odor do lixo.

Algum coletor

guarda a língua na boca;

outro, dispara raio

e fala que lixeiro é quem coloca o lixo na calçada

isso quando a mãe do fulano

que não tem nada a ver com o assunto

recebe a ofensa pelo desabafo.

SEM NOÇÃO

As varredeiras de vassoura em punho

Limpam sarjetas e passeios

Deixando a rota de dá gosto.

Falta só um pouquinho pra terminar

Recolher as vassouras

E voltar para o Núcleo de Apoio.


Uma delas, tira uma banana do bolso

Descasca, e joga a casca no chão.

Alguém grita:

Mas você acabou de varrer

E tá sujando o chão?

- Não tem problema,

A equipe da noite vai varrer hoje.

A HONRA

Na escola, a professora disse:

Vocês têm que estudar muito

Se não quiserem trabalhar capinando

Ou varrendo rua.

Estudei muito.

Concluí o Ensino Médio

E talvez por imaturidade,

Fiz inscrição num concurso pra Gari.

Ali, estudado, mas sem dinheiro,

Capinei, varri rua e carrinhei.

Engoli o orgulho, orei a Deus e prosperei.

O que poderia ter sido vergonha

Se traduziu em honra e experiência.

Caiei meio fio, trabalhei com recicláveis

Separava o lixo, saía no caminhão baú.

Uniforme sujo, era visto como um Zé.

Era magro de uma lista só,


Cabelo cheio, rosto afilado

Desejoso de vencer e de alcançar meu lugar ao sol.

E aí? Quem é o Zé agora?

Venceu e tem honra do seu passado.

A LINGUAGEM DO SILÊNCIO

Um amigo foi ao sul do Brasil.

No ponto de ônibus,

Desembrulhou um picolé.

Saboreando o picolé,

Jogou o papel no chão, à sua frente.

Uma senhora, que estava ao seu lado,

Sem palavras, pegou o papel

E colocou na lixeira ao lado.

Seu rosto ficou corado,

E encabulado, aprendeu a lição.

O silêncio falou mais alto que mil palavras.

A VIRADA

O Zé venceu

Fez faculdade pra professor

Lecionou um pouquinho

E na empresa é Agente ambiental.

Palestra para crianças

Vai de escola em escola,


Ensina coleta seletiva.

Palestra pra adultos,

Viaja de cidade em cidade

Já foi até em São Paulo

Falar da coleta seletiva de sua cidade, Itabira.

Palestra onde é chamado,

É por todos respeitado

E fala com alegria do seu passado

Quando ainda não tinha nome, nem história.

RUA BEM VARRIDA

A equipe chega na rota.

Quatro mulheres e um carrinheiro.

As mulheres disparam a varrer.

O carrinheiro não pode ficar para trás.

Faz o que pode.

Pedir ajuda, pra quem?

As varredeiras já sumiram ao longe.

Carrinheiro tem que coletar lixo varrido

e ainda levar saco de lixo para o ponto de confinamento.

Enquanto isso, as varredeiras continuam varrendo...

A rota tem que ser fechada.

O fiscal cobra da equipe

O encarregado cobra do fiscal

O supervisor cobra do encarregado

e o diretor cobra do supervisor.


No final de tudo, o presidente cobra do diretor.

A rua fica bem varrida,

mas bem que alguém podia dar uma mãozinha pro carrinheiro.

UM PONTO

Um ponto amarelo ao longe

Com uma vassoura na mão

Limpando rua extensa

Varre em toda direção.

Um ponto amarelo correndo

Com sacos de lixo na mão

Segurando com firmeza

E jogando no caminhão.

Um ponto azul no telhado

De um velho casarão

Consertando e restaurando obras

Pra ser uso da população.

Um ponto azul na escola,

Na creche ou Memorial

Bem vestido como sentinela

É a luta do bem contra o mal.

Um ponto amarelo com roçadeira

Capinando e juntando mato

Fazem um serviço excelente

E o mesmo é bom de fato.

Um ponto amarelo enquadrado


Triando e fazendo prensar

Separando muitos itens

Para poder reciclar.

Um ponto branco ao longe

Borrifando coisa no chão

O remédio é herbicida

Pra limitar vegetação.

Um ponto azul no volante

É serviço o dia inteiro

Muita gente pra atender

De janeiro a janeiro.

Ponto azul entre paredes

Empresa moderna em ação

Com sistemas avançados

Trazendo melhor solução.

Um ponto branco na empresa

Seu trabalho é diário

Seu turno é bem menor

Porque é estagiário.

De longe é só um ponto

De perto, um cidadão

Que cuida bem de Itabira

Com orgulho e dedicação

Somos uma grande equipe

Comprometidos com uma missão

Servir bem a Itabira


É a nossa motivação.

Parabéns, empresa pública

Pelo seu trabalho bem feito

Por pessoas tão corajosas

Dignas de muito respeito.

DÁ-ME ÁGUA

Sol quente, rota apertada

Muita coisa pra varrer.

Uma gari bate à porta.

Pede água pra beber.

Alguém atende,

Mas não é muito amistoso.

Volta, busca água.

Trás água da torneira

E serve em copo descartável.

A equipe agradece e continua o seu trabalho.

UM PORTO SEGURO

Metade da rota pronta,

A equipe precisa de tomar água,

Usar algum banheiro.

Uma boa senhora, na rua São Paulo,

É generosa e acolhedora.

Ela sabe que a equipe vai bater à porta.


E deixa preparado, café e um pouquinho de bolo.

Seus cabelos são brancos

E a idade, já é avançada;

Mas tem o coração maior do mundo.

A sua casa, como a de muitos outros,

Se tornou um porto seguro.

Obrigado!

(homenagem a dona Tina)

SOU GARI

Uniforme amarelo

Camisa número 1

Calça número 38

Botina número 39

Boné no rosto.

Levantar cedo, correndo,

Pegar ônibus cheio.

Ir para o trabalho,

Tomar café com pão e leite de soja.

Esquentar marmita na areia

Na hora do almoço.

Sair pra rota,

Subir no caminhão.

Várias equipes juntas.

Cada equipe desce numa região.

Desce gente
Desce vassouras

Desce carrinhos.

É pra varrer o Parque de Exposições.

As folhas das árvores têm que ensacar.

A festa não pode esperar.

Coloca os confinamentos nas caçambas.

Se necessário for, ficar na hora extra.

*confinamento – saco cheio de lixo

A FESTA DO FEIJÃO

Há muito serviço a ser feito,

Deve ser projeto do prefeito.

Conclamar a população

Para fazer mutirão.

Muita gente com vassoura

Entra no mutirão,

Para com a graça de Deus,

Levar seu saco de feijão.

Com vassouras e enxadas,

Iam fazendo a limpeza.

Muita gente trabalhando,

Era lindo com franqueza.

No final do dia, amigo.

Digo isso de coração:

a multidão aguardava
o seu tão suado feijão.

O BOM SAMARITANO

Estava eu caiando meio fio

Num bairro muito afastado,

Quando um velho conhecido,

Me vendo, ficou assustado.

E disse: - Você merece o melhor.

Vou falar com o diretor.

Você é rapaz estudado,

E tem muito valor.

O amigo de meu pai

Falou então com o Diretor,

Que me chamou em conversa

E a minha sorte mudou.

O nobre e bom Diretor

Me deu muito a conhecer.

Seus recortes de jornal

Eu não deixava de ler.

Cheguei até arquivar

Junto com profissional

Toda a sua papelada

Num armário especial.

Acabado o trabalho,
Voltei pra separação.

Lá no centro de triagem

Onde cresci, meu irmão.

CAMINHÃO PIPA

Levanta cedo

Corre para o ponto de ônibus.

O ônibus já passou.

Espera outro.

Chega na empresa,

Marca o cartão na chapeira.

O caminhão pipa já está esperando.

Entra no caminhão,

Segue para a ETA da cidade.

Abastece o caminhão.

Volta pra cidade,

Vai de bairro em bairro

Onde há falta de água.

Enche os tambores

Com o mangote

Atrás do caminhão.

Vai pro Gabiroba

Vai pro Valença

Vai...

*ETA – Estação de Tratamento de Água


CAMINHÃO BAÚ

Separar plástico e classificar

Era o que melhor fazia.

Mas surgiu outra demanda

Que de nada conhecia.

Fiquei sabendo, portanto,

Que ia pro caminhão,

Sair com colegas pras rotas,

O que me gerou aflição.

Era caminhão baú

Eu não podia fugir.

Aceitei o desafio

E passei logo a sair.

No baú, arrumava carga

Para a rota poder fechar.

Mas às vezes, era tanta

Que não dava pra improvisar,

Nem amassando os resíduos

Que chegava a entornar.

Quando chegava da rota,

Não dava nem pra almoçar.

Tinha que descarregar tudo,

Pra o caminhão liberar

E, só depois, já cansado,
A marmita fria esquentar.

Três vezes a quatro por semana

Saia eu no caminhão;

Tinha um dia específico

Que era só papelão.

Quando o tempo era chuvoso,

E tinha rota pra fazer,

Meus colegas que corriam

Se molhavam pra valer.

Eram então liberados.

Para a casa iam embora.

E eu, mesmo esgotado,

Ficava até o final da hora,

Saindo junto com a turma

Lá pelas 4 horas.

A VERGONHA

Escalado pra varrer.

Fui.

As ruas da minha comunidade.

Senti vergonha.

Baixei o boné no rosto,

Não queria ser reconhecido.

Mas não teve jeito.

Me reconheceram.

Dentro de mim,
Algo me consumia.

Depois, fui tirado da rua

Por sete anos.

Fui fazer o quê?

Fui trabalhar com material reciclável

E ganhar insalubridade.

O OBSERVADOR

Trabalhando com triagem

Ficava observando

Crianças chegando,

Sendo conduzidas aqui, ali e acolá.

Prestava atenção nas palavras do Monitor.

Por várias semanas,

Já havia decorado suas explicações.

Os agendamentos eram constantes.

Na ausência do Monitor,

Me atrevi a atender telefone

Para algum assunto de pesquisa.

Alguém não gostou.

Acho que me tinham como inculto.

Quando fiz faculdade,

Ainda como gari,

Os olhos de todos se abriram,


Até os meus.

TENHO QUE IR

Muitos anos na vassoura

Muitos anos na capina

Muitos anos de serviço.

Trabalhei muito

Suei muito

Me dediquei muito

Mas não foi o bastante.

Sou analfabeto.

Não sei escrever o nome.

Assino com o dedo polegar

Com a tinta azul daquela esponja.

Tentaram me ajudar

Isso, eu não posso negar

Mas gente mais velha

Não aprende com tanta facilidade.

Não deu tempo

Para aprender o B A BA

Não adianta chorar.

O tempo expirou.

Deixei a empresa

Estou desempregado

Eu não era concursado

A lei superior fez assim.


Estou longe de aposentar,

Vou procurar emprego outra vez.

Será que vou achar?

Tenho mais de 40 anos...

JUSTIÇA FEITA

Serviço feito errado

Encarregado gritou em disparo.

Pegou telefone

Ligou pro Supervisor.

Supervisor sobe correndo

Leva junto o pobre infeliz.

Vão todos pra sala do Diretor.

Queriam colocar o gari

No olho da rua.

Acho que a sala do Diretor

Era o tão temido quartinho.

Mania de perseguição

Pensavam que o gari em questão

Era filho de vereador da oposição.


OPERADOR DE PRENSA

Já tem material pra enfardar.

Vai prensar o quê?

Metal.

Arrasta “bag” com lata,

Coloca aos poucos na prensa.

Cuidado pra não prensar as mãos!

Coloca mais lata.

Prensa mais um pouco.

Coloca a capa de papelão.

Passa a corda pra amarrar.

Dois garis,

Um de cada lado da prensa.

Coloca a corrente pra tirar o fardo.

Liga a chave, sobe a alavanca.

O fardo já saiu.

Pesa o fardo.

Leva pra área de estocagem.

*bag – lê-se bég – saco grande

O FARDO

O fardo ficou pronto.

Pega o carrinho,

Leva para a estocagem.


Como empilhar o fardo?

Não tem empilhadeira.

Coloca duas peças de pau.

Rola por cima.

Chama mais dois pra ajudar.

Cuidado para o fardo não cair.

Ufa! O fardo tá pesado!

Cochila não!

Se não o fardo cai na gente.

Quando tiver empilhadeira

A força bruta não será

Mais necessária.

(tempos difíceis)

RUA BEM VARRIDA

A equipe chega na rota.

Quatro mulheres e um carrinheiro.

As mulheres disparam a varrer.

O carrinheiro não pode ficar para trás.

Faz o que pode.

Pedir ajuda, pra quem?

As varredeiras já sumiram ao longe.

Carrinheiro tem que coletar lixo varrido

e ainda levar saco de lixo para o ponto de confinamento.

Enquanto isso, as varredeiras continuam varrendo...

A rota tem que ser fechada.


O fiscal cobra da equipe

O encarregado cobra do fiscal

O supervisor cobra do encarregado

e o diretor cobra do supervisor.

No final de tudo, o presidente cobra do diretor.

A rua fica bem varrida,

mas bem que alguém podia dar uma mãozinha pro carrinheiro.

RUA MAL VARRIDA

A equipe entra na rua.

Vassouras em punho, varrem longamente.

No final da rota, a líder da equipe olha pra trás

e vê uma veia de areia no meio da pista.

A areia, na verdade, estava mais para um canto da pista

do que para o meio.

A líder chama a atenção das varredeiras que fez pouco caso da sujeira.

Resultado: tiveram que voltar para refazer a varrição.

O TRABALHO DO ANCINHO

Dia de dar faxina na rota.

Todos de ferrinho na mão,

as varredeiras e o carrinheiro

pegam seu ancinho para tirar matinho

do canto do meio fio ou entre os bloquetes.


A rota ficava impecável,

mas a coluna do cidadão...

CAPINANDO POR AÍ

Muitos homens de mochila nas costas

levando sua marmita e garrafa de café,

chegam ao bairro determinado.

Um caminhonete transporta a turma.

Sol quente na cabeça,

pedem água fria na casa de um morador generoso.

Hora do almoço,

Fogareiro aceso com álcool,

esquentam a boia ao ar livre,

comendo e cochilando por ali mesmo.

Barriga cheia, descanso de uma hora.

Enxada nas mãos diligentes,

seguem a jornada proposta.

O COLETOR DE LIXO

O coletor chega cedo na empresa.

Toma seu lanche e veste seu uniforme.

Preparado fisicamente como um atleta da maratona,

sobe no caminhão e segue pra rota determinada.

Quatro coletores formam a guarnição.

Dois deles vão a frente do caminhão,


entrando nas ruas transversais,

carregando o lixo para as vias principais.

O coletor é atleta maratonista e carregador de peso.

O caminhão vem coletando e prensando tudo,

saciando sua fome por lixo.

Alguns moradores zombam do nobre trabalhador:

Ô lixeiro!

Ele não se cala:

Lixeiro é quem coloca o lixo.

Eu sou coletor de lixo, com muito orgulho.

UM ESCULTOR DE ARTE

Não sei como dizer

Mas você deve saber

Ainda um alguém pequenino

Um artista vim a ser.

Lembro – me que a muito tempo

Fiz a Deus uma oração:

Que me desse um emprego

Onde tivesse paixão

E fizesse o que gostasse

Com muita convicção.

Assim nasceu na empresa,

Uma grande produção.

Muito lixo virou arte

Passando por minhas mãos;

E até ganhou estrada


Indo pra exposição.

Sendo sempre incentivado

Pelo nobre Diretor

Estava sempre criando

Produzindo com amor.

A matéria mais usada

Era a partir de isopor.

Crucifixos e estatuetas

Foram muitas, por demais;

No quartinho da triagem

Produzia sempre mais.

Todo mundo gostava

E queria um exemplar.

E ali, bem motivado

Não parava de criar.

Fiz estátua da liberdade

Fiz o Cristo redentor.

Fiz Davi, de Miguelângelo

E tudo perfeito ficou.

Fiz bolsas a partir de vinil,

Até roupas de jornal,

Vestidos e calçados

Com recurso artesanal.

Produzi bastante eu sei;

Tem até fita gravada,

Registrando as criações
Do começo da jornada,

Ainda quando gari

Quando a muitos encantava.

As peças que eu criei,

Saiam pra exposição.

E eu a toda acompanhava

Para dar explicação.

E assim foi por longos anos

Antes de eu ser promovido.

Em tudo que havia arte,

Eu estava envolvido.

Participei de evento

Com quadros por mim desenhado.

Minhas obras no salão,

Deixou o povo admirado.

Isso foi no Cine Atlético

E merece ser lembrado.

UMA CASINHA BEM ADORNADA

Na casinha espalhada

Pelos bairros da cidade

Tem muita coisa boa

Que não é mais novidade.

Tem banheiros e chuveiros

Até espaço de refeitório


Baú pra guardar ferramentas

Um bem que não é transitório.

Na casinha registra ponto.

Alguém faz requisição.

Vassouras, café, açúcar

Pra suprir a guarnição.

Pede sacos de lixo

e produtos de limpeza.

Uniforme e calçados novos

Fornecido pela empresa.

Salve! Projeto tão nobre

Pra ele, eu tiro o chapéu.

A casinha bem adornada

É presente lá do céu.

PAÍS DA DESIGUALDADE

Fui gari por oito anos,

e deixei pegadas de honra e comprometimento.

Sempre vesti a camisa

Procurando servir a contento.

Seja em qualquer serviço,

Hoje eu posso dizer:

Todo trabalho é nobre

E precisa acontecer.

Do mais alto ao menor

Não existe função vil.


Mas há pensamentos classistas

Que discriminam pessoas sem leitura.

Disse, pessoas sem leitura,

Porque cultura, cada qual tem a sua.

A sociedade da desigualdade

Determina quem deve receber mais

E quem menos.

Até criaram o salário mínimo

Para que a maioria das pessoas

Tenham o mínimo pra sobreviver,

Ditando o quanto ela merece

Por sua falta de instrução e conhecimento.

E na luta pelo sucesso

As pessoas lutam para encontrar o seu lugar ao sol.

Nem todos encontram;

Mas Deus não faz distinção entre cultos e incultos.

O sol e a chuva é para todos.

No país da desigualdade,

Todos correm para encontrar o seu lugar ao sol

e nem sempre, as portas estão abertas para todos.

Há portas que se fecham para o que é justo

Mas que se abrem para o que é injusto.

O que vale, não é o quanto se é competente...

Parece que só quem nasce em berço de ouro,

Terá portais e não portas abertas.


TODO TRABALHO É DIGNO

Quando fui gari, tive vergonha

Porque ditaram

Qual profissão é honrosa e qual não é.

Ditaram que ser engenheiro, médico e advogado

é honroso.

Mas varrer rua, capinar, vender picolé, ser faxineira, ser coletor

Não é honroso.

Até nas igrejas, discriminam as funções consideradas vis.

O que seria do mundo sem o varredor de rua?

Sem o capinador?

Sem o vendedor de picolé?

Sem a faxineira?

Sem o coletor de lixo?

É o mundo que dita a regra.

Todos correm atrás de status.

Meu filho é advogado, médico, doutor.

O que são os ricos sem os pobres?

O que é a sociedade sem o professor,

Tão mal pago e tão pouco reconhecido?

O que é das cidades

Sem a coleta de lixo,

Sem a varrição rotineira?

Ainda não é lei,

Talvez nunca será;

Mas se estas funções fossem mais valorizadas financeiramente,


A concepção de desprezo, mudaria radicalmente.

A função é nobre, mas o ganho agregado não é tão significante,

O que leva as pessoas a discriminar como função vil, ainda que muito
importante e vital.

DE GARI A EDUCADOR AMBIENTAL

Oito anos como Gari

De tudo um pouco eu fiz.

Trabalhei varrendo rua.

Carrinhar, também carrinhei.

Capinar, também capinei.

Coletar, também coletei, por quase dois anos

No caminhão baú.

Caiar meio fio,

Também caiei.

Trabalhar com caminhão pipa,

Também trabalhei.

Trabalhar em caminhão de caçamba,

Também me esforcei.

Tirar mato de bloquete com ancinho,

Dolorido, mas executei.

Na triagem por sete anos,

Fiz de tudo um pouco.

Trabalhei na separação de plástico,

Na separação de vidro.

Ajudei a organizar o museu do lixo.

Confeccionei artesanato com material reciclado.


Fui operador de prensa,

Trabalhei fazendo carregamento de fardos.

Trabalhei na fragmentadora de papel

E no triturador de vidro.

Em tudo fui experimentado.

Quando não havia empilhadeira,

Meus músculos e a de muitos outros

Foram a força que empilhava fardos

No galpão de estocagem.

Fiz faculdade

Formei para professor.

Professor de História.

Alguém intercedeu por mim.

Recebi promoção.

Fui ser Fiscal Ambiental.

Fui pras ruas

Acompanhar equipes de varrição

Notificar material de construção na calçada

Fazer campanha pra expandir a coleta seletiva.

Controlar fechamento de rota.

Acompanhar varredeiras

Vivenciar seus dramas

Seus sonhos e queixas.

Fui convidado a trabalhar com Educação ambiental

Pela gerente de comunicação.

Fui montar arquivo do Diretor

E escrever Relatório pra Fundação João Pinheiro.


Queriam fechar a empresa.

Fiz relatório contra o fechamento.

Fui trabalhar no Centro de Educação Ambiental

Para atender crianças

Através de palestras e oficinas de papel reciclado e de sucata plástica.

Fui em muitas escolas,

Palestrei pra muita gente.

Implantei coleta seletiva em várias empresas.

Palestrei em várias cidades

E até em São Paulo,

Falei por Itabira.

Falei com Estadunidenses por meio de intérprete

E com prefeitos de vários lugares.

Este foi o gari, que hoje é palestrante e Educador Ambiental.


SOBRE O AUTOR

Servidor público em exercício por 24 anos, em Itabira. Fui gari, Agente


Ambiental e atualmente trabalhando com Educação Ambiental. Licenciado em
História pela FUNCESI como professor de Estudos Sociais e de História, com
curso de Aproveitamento em Educação Ambiental pela UFMG (180 horas).
Minha paixão: escrever.

Capa: pinguimdocerrado.blogst.com.br

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