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O Grande Paradoxo da Criatividade 

 
Este artigo é de autoria do roteirista, professor e consultor de roteiros David Trottier, e foi 
tirado de seu site, Keep Writing.  
 
Quando o meu professor de escrita criativa da faculdade me perguntou sobre o meu ensaio 
desleixado, eu expliquei­me em termos claros: “Eu sou um escritor. Portanto, eu devo ser 
completamente livre para criar.” Isso soou razoável na época, e talvez você concorde 
comigo agora. Afinal de contas, o “lado direito do cérebro” – o artista interior – opera no 
máximo de criatividade quando o “lado esquerdo do cérebro” – o crítico interior – está de 
outra forma ocupado ou relaxado. Portanto, é apenas lógico que nós, escritores, sejamos 
mais criativos quando nenhuma limitação ou restrição é imposta sobre a nossa escrita. 
Certo? 
 
Bem… não necessariamente. 
 
O grande paradoxo é este: Restrições cultivam a criatividade. 
 
É verdade que o seu artista interior pode ficar frustrado pelas intromissões de seu crítico 
interior, mas parâmetros externos são justamente o desafio que o seu lado direito do 
cérebro aprecia. Parâmetros impostos podem ser inspiradores! 
 
Uma Lição de Hitchcock 
 
Psicose é considerado um dos maiores filmes de terror de todos os tempos, e ainda assim 
há apenas dois atos de violência no filme inteiro. Alfred Hitchcock e o roteirista Joseph 
Stefano não tiveram permissão de mostrar nudez, nem podiam mostrar uma faca 
penetrando realmente num corpo. Tripas e sangue tampouco eram permitidos. Na agora 
famosa cena do chuveiro, a nudez é implícita, e a faca é justaposta ao corpo, mas nunca é 
visto ela entrando no corpo. O chocolate Hershey rodopiando ralo abaixo me aterrorizou 
quando criança. Em uma palavra, Hitchcock e Stefano foram forçados a ser criativos na 
forma como escreveram e rodaram aquela cena. As limitações ajudaram a criar um 
clássico. Hoje, existem poucas ou nenhuma restrição aos filmes do gênero de terror, e o 
que nós geralmente temos? Mais e mais sangue e tripas, com pouca criatividade. A arte 
não tem avançado. 
 
Certamente é possível ser criativo sem restrições. Você já experimentou isso em sua 
própria escrita. Aquele fluxo criativo sagrado que lhe transporta para o Nirvana do Escritor. 
Mas as limitações podem ser úteis, também, e até divertidas. Enquanto escrevo, eu estou 
curtindo o desafio de aparar este artigo para até 800 palavras. Ao fazer isso, eu me 
encontro refinando a minha pequena obra, para que eu me conecte melhor com você (eu 
espero). 
 
Bloqueios Como Pontes 
 
Você já se sentiu bloqueado um momento ou outro pela cogitação de restrições editoriais? 
Talvez as limitações lhe lembrem um pai ou mãe excessivamente crítico, ou uma 
desagradável figura de autoridade do passado, mas eles podem lhe inspirar, se você 
abandonar a sua reação de resistência inicial. Com um pouco de reflexão, o bloqueio que 
você sente torna­se uma autêntica ponte para uma escrita melhor. 
 
Muitas das grandes músicas do passado foram encomendadas; o compositor não iniciava o 
projeto e estava confinado às formas musicais da época. Até o hip­hop e o rap aderem a 
alguma forma ou formato. Tudo o que é artístico tem dois componentes – forma e conteúdo. 
A criatividade resulta de como você trabalha o conteúdo dentro das restrições daquela 
forma. Sim, e às vezes o escritor transcende essa forma. Dickens escreveu Um Conto de 
Natal como uma série de jornal que mais tarde tornou­se o livro clássico. 
 
Talvez a forma de escrita mais restritiva seja o soneto. Ainda assim, algumas das poesias 
mais lindas do mundo aparecem em forma de soneto. Eu lembro da dor e da alegria de 
escrever um poema em pentâmetro iâmbico. O meu professor de escrita criativa da 
faculdade me mandou escrever algo digno do grande poeta e escritor William Wordsworth. 
Levei 14 horas para escrever 14 linhas, mas eu sou um escritor melhor por isso. Além do 
mais, três revistas me pagaram para publicá­lo. E, mesmo não sendo digno de Wordsworth, 
ele foi ótimo para Trottier. 
 
Diversão Com Uma Camisa de Força 
 
Anos atrás, uma produtora de cinema independente pagou­me uma quantia irrisória para 
escrever um roteiro de longa­metragem. Ela me deu uma lista de doze parâmetros, inclusive 
uma batida de carros com dois veículos, uma queimadura (ou seja, tinha que ser ateado 
fogo em um personagem), e a limitação de apenas uma locação externa. Eu me senti tão 
limitado. Foi só depois de eu ter me estapeado no rosto algumas vezes e aceitado os 
parâmetros dela que o processo de escrita tornou­se tanto um desafio quanto uma alegria. 
 
Michelangelo via a si mesmo, antes de tudo, como um escultor. Quando o Papa Júlio II 
encarregou­o de decorar a Capela Sistina com afrescos, ele não estava inicialmente 
interessado ou inspirado. E, no entanto, ele mudou sua atitude, e o resultado é considerado 
uma das maiores obras de arte do mundo. 
 
Você quer melhorar a sua criatividade? Desenvolva e incentive o seu artista interior, e 
abrace as restrições como se fossem um amigo de confiança. Esta nova atitude pode lhe 
libertar para ser o melhor escritor que você pode ser. 
 
 

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