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GT 4: INTERFACES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS – ABORDAGENS E TEMÁTICAS

MULTIDISCIPLINARES

A VIOLABILIDADE DO DIREITO COMO CATEGORIA ANALÍTICA DE


POLÍTICAS PÚBLICAS

LAW VIOLABILITY AS CATEGORY OF PUBLIC POLICIES ANALYSIS

Guilherme Cavicchioli Uchimura


Mestrando em Estado, Economia e Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação em
Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná (PPPP/UFPR), com bolsa pela CAPES -
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Graduado em Direito pela
Universidade Estadual de Londrina (2010-2014). Contato: guilherme.uchimura@hotmail.com.

Iara Vigo de Lima


PhD pela University of Stirling, Scotland (UK). Professora Visitante na Universidade de Siena.
Professora do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do
Paraná (PPPP/UFPR). Contato: iaravigo@ufpr.br.

RESUMO

O objetivo do trabalho é realizar um debate, a partir da crítica marxista ao direito, sobre a


categoria violação e a sua possível mobilização na análise de políticas públicas.
Apresentamos duas situações a serem estudadas nesta perspectiva: o caso do modelo Ford
Pinto e o caso do Relatório Serpos. Em ambas as narrativas, é possível analisar a relação
entre o fenômeno da violação e a implementação de políticas públicas pela organização
estatal. A partir de breve exposição sobre os principais elementos da crítica marxista ao
direito na obra de Evguiéni Pachukanis, debatemos a hipótese de que a categoria violação
pode contribuir para elevar a capacidade de explicação da análise de políticas públicas em
seu momento de implementação. Os casos relatados são analisados como forma de
verificação parcial e provisória desta hipótese, ainda que de forma exploratória, dados os
limites de tempo e espaço em que se situa o trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Violação do direito; Políticas públicas análise; Crítica marxista
ao direito; Evguiéni Pachukanis.

ABSTRACT

This work aims to promote a debate, based on the Marxist critique of law, on the category
of violation and its possible mobilization in the public policies analysis. We present two
situations to be studied in this perspective: the cases of the Ford Pinto model and of the
Serpos Report. In both narratives, it’s possible to analyze the relationship between the
phenomenon of violation and the implementation of public policies by the state
organization. From a brief exposition on the main elements of Marxist criticism of the law
in the work of Evguiéni Pachukanis, we debate the hypothesis that the category of
violation can contribute to increase the capacity of explanation of the public policies
analysis in its moment of implementation. The reported cases are analyzed as way of
verifying partially and provisionally this hypothesis, although exploratorily, given the
time and space limits in which the work is situated.
KEYWORDS: Law violation; Public policies analysis; Marxist critique of law; Evguiéni
Pachukanis.
INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho não é debater uma política pública – policie, na


terminologia anglófona – específica. É necessário dizer desde já que, na exposição
apresentada a seguir, pretendemos trazer a este encontro acadêmico reflexões teóricas
mais amplas a partir de uma tradição pouco presente neste campo do conhecimento: o
marxismo.
A partir da crítica à economia política, formulada por Marx centralmente na obra
O Capital, diversos autores desenvolveram uma série de aproximações em relação ao
fenômeno jurídico, resultando no que hoje pode ser denominado genericamente de crítica
marxista ao direito. Neste sentido, destaca-se como marco a obra Teoria Geral do
Direito e Marxismo, de Evguiéni Pachukanis, de 1924, tida como a principal e mais
rigorosa sistematização do pensamento marxista sobre o direito.
Nesta exposição, debateremos a categoria violabilidade, extraída da obra
pachukaniana, buscando compreender em que medida ela pode auxiliar e aprimorar a
capacidade explicativa na investigação do processo de políticas públicas. Para tanto,
iniciaremos apresentando duas situações a serem estudadas a partir da teoria marxista-
pachukaniana: o caso do modelo Ford Pinto e o caso do Relatório Serpos. Ainda que sem
exaurir a análise dos casos, tarefa que poderá ser continuada em outros momentos, será
possível notar em ambas as narrativas a relação entre o fenômeno da violação e o
fenômeno da implementação de políticas públicas pela organização estatal.
Na sequência, após breve exposição dos principais elementos da crítica marxista
ao direito em Pachukanis, debateremos a hipótese de que a categoria violabilidade pode
contribuir para elevar a capacidade de explicação da análise de políticas públicas em seu
momento de implementação. Os casos relatados serão analisados como forma de
verificação parcial e provisória desta hipótese, ainda que de forma exploratória, dados os
limites de tempo e espaço em que se situa o presente trabalho.

1 MARXISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: SOBRE O AJUSTE DAS LENTES E A


QUESTÃO DA VIOLAÇÃO
Desde as origens históricas da sustentação dos estudos de políticas públicas
como um campo autônomo, com Harold Laswell em meados do século vinte, existe nele
uma orientação do desenvolvimento de pesquisas e métodos à resolução de problemas
(CAPELLA, 2015). Trata-se, nas palavras de Wildavsky, de “um subcampo aplicado cujo
conteúdo não pode ser definido a partir de limites entre disciplinas, mas sim com base
naquilo que parece adequado às circunstâncias do momento e à natureza do problema”
(WILDAVSKY apud PARSONS, 2007, p. 32, tradução nossa).
Mais recentemente, com o movimento que ficou conhecido como “guinada
argumentativa”, desencadeado na década de 1990, o campo passou a se caracterizar pela
premissa de que “não apenas os interesses dos atores importam para a análise de uma
política, mas também o processo de argumentação, persuasão e construção de evidências”
(CAPELLA, 2015, p. 247). De acordo com esta perspectiva, caracterizando-se pelo
enfoque argumentativo, a análise de políticas públicas situa-se em um plano
“mesoteórico”, ou seja, em um nível de alcance médio, concentrando-se nos estudos de
como a linguagem influi na forma pela qual o mundo e, dentro dele, os processos de
políticas públicas adquirem sentido para as pessoas. Como resultado, pode-se dizer que o
campo se opõe a “teorias vinculantes”, as quais corresponderiam a “macroteorias”
(PARSONS, 2007).
Isso indica que, ainda hoje, a hegemonia (mainstream) do campo das políticas
públicas caracteriza-se por uma heurística de caráter pragmático, representado pela
imagem da adequação das lentes. De acordo com esta perspectiva, ao buscar focalizar um
problema, o pesquisador deve antes de tudo escolher a melhor lente. Esta analogia pode
ser resumida em duas orientações epistêmico-metodológicas que resumem a questão:
“teoria boa é a que funciona” e “se não funciona, troque a lente”. Com isso, as teorias são
concebidas como explicações que podem servir mais como instrumentos de trabalho do
que como representações científicas da realidade, reafirmando-se a orientação do campo
mais à resolução de problemas do que à produção de conhecimento.
Há, porém, algumas questões que, na dinâmica deste olhar pragmático,
costumam ser desconsideradas ou, ao menos, tratadas de forma não explícita em análises
de políticas públicas. Se a lente “meso” pode funcionar para explicar processos mais
superficiais (parte), por outro lado esta postura conduz a pesquisa ao risco de padecer de
falta de foco em questões estruturais (todo) e, com isso, ser levada a explicações falsas
sobre os problemas. Analogamente, é como se, diante de uma grande quantidade de
fumaça se movimentando em direção a uma cidade, o pesquisador analisasse apenas a
própria fumaça, sem buscar compreender a sua origem e os fundamentos de seu
movimento. Dependendo da análise empreendida, o evento por trás da fumaça – a
erupção de um vulcão ou um incêndio florestal, por exemplo – poderia ser considerado
um objeto de preocupação “macroteórica”, ficando de fora da análise, o que tornariam os
resultados da pesquisa insuficientes ou mesmo falsos diante do todo.
No estudo das políticas públicas, o desenvolvimento de ferramentas em nível
“meso”, por mais relevante que seja à elevação da capacidade de acesso empírico aos
fenômenos sociais, pode perigosamente tornar-se um braço desmembrado do corpo que o
sustenta, uma mutilação que não contribui nem para a produção de conhecimento, nem
para a solução de problemas.
Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo dirigir um olhar assim
chamado “macro” para um dos aspectos do processo de implementação de políticas
públicas: a violabilidade do direito. Esta questão, de acordo com as formulações da crítica
marxista ao direito, é mais complexa do que pode parecer à intuição imediata do
fenômeno jurídico.
Na pesquisa sobre a implementação de determinada política setorial, por
exemplo, são grandes as possiblidades de que o processo de formulação desemboque em
uma legislação reguladora, cuja aplicação pela burocracia estatal, consequentemente,
será objeto de análise pelo pesquisador. Neste caso, a prévia compreensão do pesquisador
sobre a forma legal (o que é a lei?) e a forma jurídica (o que é direito?), temas
dificilmente abordados com profundidade em estudos do campo, influi na definição do
caminho da análise e, logo, nos resultados aos quais ela conduzirá.
Importa, portanto, colocar em discussão a complexidade da questão da
violação/violabilidade. Afinal, quais são os fundamentos do fenômeno da violação? Em
que limites se dão as relações sociais decorrentes de uma violação, sobretudo as
realizadas pelo Estado, e em que medida estes limites condicionam o processo de
implementação de políticas públicas?
Com base nestas questões, o presente trabalho tem por objetivo debater a questão
da violação/violabilidade à luz do pensamento marxista, em especial da obra de Evguiéni
Pachukanis, autor responsável por contribuições seminais à crítica ao direito. Para tanto,
começaremos com a apresentação do caso do modelo Ford Pinto, com o qual a relação
entre a questão da violação e o estudo de políticas pública, na abordagem que propomos,
começará a se tornar mais nítida.

2 O CASO DO MODELO FORD PINTO


Em 1971, nos Estados Unidos da América, a Ford Motor Company lança o
modelo automobilístico Ford Pinto. Trata-se de um modelo popular que alcança elevado
número de vendas. Ocorre que o veículo é comercializado com um grave defeito de
fábrica: em colisões traseiras, o tanque de gasolina poderia se romper e incendiar o
condutor e os passageiros. Em 1977, uma agência governamental determina o recall dos
veículos pelo defeito no sistema de combustível, ocasião em que a empresa realiza as
alterações necessárias nos veículos. Neste mesmo ano, descobre-se que o defeito não era
novidade para a Ford Motor Company. Internamente, a organização empresarial tinha
conhecimento do defeito desde pelo menos 1973, quatro anos antes do recall.
A revelação inicialmente se deu pela reportagem jornalística “Pinto Madness”,
de autoria de Mark Dowie (1977) e publicada na revista Mother Jones. Ao investigar os
acidentes envolvendo o modelo Ford Pinto, o jornalista analisou tanto documentos
internos da Ford quanto entrevistas realizadas com diretores da empresa. Dowie acabou
descobrindo, com isso, que a Ford Motor Company estava ciente do risco de incêndios
em acidentes acima de 40 quilômetros por hora desde 1973. Nas estimativas apresentadas
na reportagem, não fossem os corpos incinerados em decorrência do defeito, pelo menos
500 pessoas mortas em acidentes envolvendo o carro não teriam sido sequer gravemente
feridas. Dadas estas proporções anormais e inesperadas pelo público, o caso do modelo
Ford Pinto pode ser categorizado como um desastre na terminologia proposta pela
sociologia do lado obscuro das organizações (VAUGHAN, 1999).
Na reportagem citada, Dowie trouxe a público um memorando produzido pela
Ford denominado Fatalities Associated with Crash-Induced Fuel Leakage and Fires.
Trata-se mais especificamente, segundo Schwartz (1990), de um documento apresentado
pela Ford a NHTSA – National Highway Traffic Safety Administration, requerendo a
reconsideração de uma norma técnica recentemente promulgada pela agência. O
argumento da Ford Motor Company se desenvolve da seguinte forma:

Benefícios e custos sobre vazamento de combustível [...]


Benefícios [cenário 1: não reparação dos veículos]
Economia: 180 mortes por queimadura, 180 queimaduras graves, 2100
veículos incinerados.
Custo por unidade: $200.000 por morte, $67.000 por queimadura, $700
por veículo.
Benefício total: 180 x ($200.000) + 180 x ($67.000) + 2100 x ($700) =
$49.5 milhões.

Custos [cenário 2: reparação dos veículos]


Vendas: 11 milhões de carros, 1.5 milhões de caminhões leves.
Custo por unidade: $11 por carro, $11 por caminhão leve.
Custo total: 11.000.000 x ($11) + 1.500.000 x ($ 11) = $137 milhões.1
Ao longo das décadas, apesar de não muito difundido no Brasil, o caso do
modelo Ford Pinto vem sendo abordado em trabalhos científicos de diferentes áreas do
conhecimento (CULLEN; MAAKESTAD; CAVENDER, 1984; SCHWARTZ, 1990;
LEE, 1998). A partir destes estudos, identificamos que o valor de duzentos mil dólares
“por morte” referido no relatório é uma estimativa da empresa relativa a qual seria o valor
arbitrado em eventuais condenações judiciais decorrentes de acidentes com morte.
Em 1991, o caso inspirou a produção do filme “Class Action”, cujo roteiro
retrata uma companhia automobilística – a fictícia Argo Motors – sendo demandada
judicialmente por vítimas de acidentes em que, semelhantemente ao Ford Pinto, o
incêndio do veículo provocado em colisões leves resultava em acidentes fatais. “É mais
barato lidar com os processos judiciais do que corrigir o problema” – diz, em ilustrativo
momento do filme, um dos gestores da Argo Motors – “é o que os contadores de feijão
[analistas de risco] chamam de um simples cálculo atuarial” (CLASS..., 1991, tradução
nossa).
A imagem que o caso do modelo Ford Pinto retrata envolve um fenômeno
enigmático. Referimo-nos à violação do direito e sua misteriosa relação com o mercado.
A despeito das particularidades do evento descrito, é possível identificar e expressar as
regularidades deste fenômeno figurativamente indicado por esta narrativa, tarefa teórica
ampla na qual entraremos aqui apenas parcialmente. Mais precisamente, sem descuidar
que “cada início é abstrato e relativo” (KOSIK, 1976, p. 50), é com a apreensão da
aparência fenomênica da violação do direito – revelada pelas atividades práticas objetivas
do ser humano histórico que o caso do modelo Ford Pinto aqui exemplifica – que
iniciamos a explicitação teórica de tal objeto.
Em estudo anterior (UCHIMURA e LIMA, 2018), a análise do mesmo caso
permitiu um exercício de aproximação entre as categorias da teoria marxista do direito e o
exame crítico da Análise Econômica do Direito. Indicou-se, como resultado, a
necessidade de avanços no pensamento crítico em relação à concepção calculista dos
efeitos da violação de normas jurídica. É no sentido de aprofundar estas indicações em
direção ao campo das políticas públicas, compreendido como o campo que se volta à
investigação do Estado em ação (MULLER e SUREL, 2004; ARRETCHE, 2003;
DAGNINO, 2002; HOFLING, 2001), que se coloca a presente pesquisa.
Como se pode observar, a análise realizada pela Ford Motor Company refere-se
diretamente aos custos que a empresa teria com eventuais condenações judiciais. Trata-se,
portanto, de um caso que retrata a relação mediada pelo fenômeno jurídico entre uma
organização empresarial e a organização estatal. Mais concretamente, podemos considerar
como política pública a atuação do Estado no controle, por meio de agências de
regulação, da segurança dos veículos automotores em circulação.
Com isso, observa-se que, mesmo ciente das condições inadequadas de
segurança do modelo Pinto, a Ford Motor Company optou por omitir esta informação à
agência de regulação e, desta forma, manteve os veículos em circulação, assumindo o
risco de ser responsabilizada pelos acidentes a que deu causa. O ponto central do debate
que se inicia a partir disso é que a implementação de políticas públicas – digamos, de
prevenção de acidentes automobilísticos ou, em um sentido mais ampliado, de proteção
constitucional à vida – é condicionada pela possibilidade de que normas legais e direitos
subjetivos sejam violados por parte de indivíduos ou organizações implicadas no seu
processo de implementação. A essa possibilidade atribuímos a categoria violabilidade, a
qual retornaremos mais adiante.

3 O CASO DO RELATÓRIO SERPOS


Se o estudo de caso realizado a partir da conduta de cálculo de danos pela Ford
Motor Company revela-se bastante emblemático e impactante pelo modo como afetou a
vida de centenas de pessoas, por outro lado é necessário considerar que a sua análise é
bastante limitada em alguns sentidos. Principalmente porque, em termos de delimitação
espaço-temporal, trata-se de um evento ocorrido na década de 1970 e nos Estados Unidos.
Portanto, para fins de investigação das políticas públicas nacionais e historicamente mais
próximas da atualidade, o caso apresenta um distanciamento considerável.
Para os fins da presente exposição, propomos analisar em conjunto com o caso
do modelo Ford Pinto um segundo evento, ao qual faremos referência como o caso do
Relatório Serpos. A partir de pesquisas realizadas nas bases de dados “Google
Acadêmico”, “Periódicos CAPES” e “Catálogo de Teses e Dissertações CAPES”, não foi
identificada nenhuma publicação sobre este caso. Também não foi identificada nenhuma
referência à expressão “Relatório Serpos”, motivo pelo qual a escolhemos para indicar de
forma simplificada o caso que passamos a descrever.2
Serpos Serviços Póstumos LTDA – ME é um grupo empresarial fundado em
1980 no município de Anápolis/GO, voltado a prestação de serviços funerários e
comercialização de planos familiares de assistência médica e funerária. A matriz do
grupo, que engloba 19 unidades, localiza-se em Goiânia.3 Formalmente, trata-se de uma
empresa de pequeno porte, optante do regime tributário denominado “Simples Nacional”.
De acordo com a vigésima quinta alteração contratual do grupo, ocorrida em 10 de maio
de 2011, o capital social da empresa é de R$ 470.000,00.4
Diferentemente do caso do modelo Ford Pinto, sociologicamente categorizado
como desastre, o caso que analisaremos a partir daqui não atinge proporções anormais e
expectativas de danos inesperados. De acordo com a sociologia do lado obscuro das
organizações, podemos categorizar o caso do Relatório Serpos nas categorias
desconformidade de rotina e conduta socialmente reprovável – na terminologia
anglófona original, routine nonconformity e misconduct (VAUGHAN, 1999).
De modo geral, o que o caso retrata é a violação deliberada da legislação
trabalhista por empresas, percebida como um fenômeno silenciosamente comum na
realidade nacional. Na literatura crítica do direito do trabalho e da sociologia do trabalho,
essa percepção aparece desde a década de 1990 em expressões como “delinquência
patronal” (RAMOS FILHO, 1994, 2008a, 2008b, 2012), “direito do trabalho debilitado”
(COUTINHO, 1998), “desrespeito deliberado e inescusável da ordem jurídica trabalhista”
(SOUTO MAIOR, 2007, 2011), normalidade da “ausência de efetividade dos direitos dos
trabalhadores” (COUTINHO, 2007), “flexibilização a frio” (CARDOSO, 2003)5, dentre
outras.
Entretanto, apesar de bem embasadas, constatamos que é ausente nestas
pesquisas o acesso empírico à realidade da gestão empresarial das relações de trabalho, ou
seja, aos padrões de planejamento e execução da gestão destas relações organizados
internamente. Evidentemente, são raros os momentos em que isso se torna possível. É por
isso que o caso do Relatório Serpos, apesar de não indicar um fato de proporções
extraordinárias, é relevante para o debate da questão da violação. Como veremos, ele
retrata a violação deliberada da legislação trabalhista por uma organização empresarial de
modo raramente nítido. É justamente por este motivo que ele se torna valioso à análise.
O caso tornou-se público em 2013, ano em que as empresas integrantes do
Grupo Serpos foram demandadas em uma ação trabalhista por um de seus diretores
financeiros, demitido no ano anterior. O processo, autuado sob o número 0010305-
07.2013.5.18.0052, teve trâmite perante a 2ª Vara do Trabalho de Anápolis/GO, órgão
jurisdicional pertencente ao Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. O que
interessa ao presente estudo não é a ação trabalhista em si, mas sim a análise de um
documento apresentado ao processo pelo diretor que a ajuizou. Referimo-nos ao
documento intitulado “Relatório de Processos Trabalhistas de 2011”, o qual, como já
havíamos adiantado, optamos por indicar de forma simplificada como Relatório Serpos.
Trata-se de um documento datado de 31 de dezembro de 2011, elaborado por um
dos advogados do departamento jurídico da empresa ré, em que se descrevem
resumidamente os processos trabalhistas em que o Grupo Serpos foi demandado em ações
trabalhistas ajuizadas durante o mesmo ano. Cabe observar que o documento –
nitidamente voltado à circulação interna na organização empresarial – apenas foi revelado
no contexto circunstancial do ajuizamento da ação trabalhista descrita, vale notar, o que
foi feito especificamente por um trabalhador de alto escalão. Atualmente, encontra-se
disponível ao acesso público no sistema eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho da
18ª Região.6
O relatório possui cinco páginas, dividindo-se em três partes. Na primeira,
listam-se 16 processos judiciais trabalhistas em que o Grupo Serpos foi demandado por
trabalhadores desligados da empresa. Na listagem, o relatório apresenta como
informações: (i) o nome, o cargo e o município do trabalhador demandante, (ii) o número
do processo judicial e (iii) um relato do que ocorreu no respectivo processo judicial. A
título de exemplo, reproduz-se abaixo um dos casos relatados:

IPAMERI

1 – Reclamante: [nome suprimido] (agente funerário)


Processo: 1695-45.2011 Vara do Trabalho de Catalão
Obs.: Acordo no valor de R$ 9.000,00. Já sabíamos que esse
funcionário daria problema, então orientei para que nada fosse pago a
ele, para que fizéssemos apenas um acerto na justiça. As verbas
rescisórias davam R$ 6.500,00. Foram realizadas duas audiências. O
valor da causa era de R$ 96.423,00, sendo que aproximadamente R$
43.000,00 era só de horas extras. Na primeira audiência em novembro
foi pedido pelo Reclamante o valor de R$ 50.000,00 para fazer acordo,
e eu ofereci o valor de R$ 5.000,00. Sem acordo, foi remarcada a 2ª
audiência para dezembro, o Reclamante abaixou o pedido de acordo
para R$ 40.000,00 e eu aumentei a proposta para R$ 6.000,00. Como
não houve acordo, o juiz passou a ouvir as testemunhas, depois de
ouvidas as minhas testemunhas o juiz fez uma sugestão de acordo no
valor de R$ 10.000,00. O Reclamante e seu advogado aceitaram, eu fiz
proposta de R$ 7.000,00. Diante do depoimento das testemunhas e pelas
folhas de ponto, constatei que havia restado comprovadas algumas
horas extras, principalmente as horas de intervalo para refeição, o que
daria aproximadamente R$ 6.000,00 de horas extras. Então, fiz proposta
de acordo de R$ 8.000,00 e o juiz abaixou a sugestão para R$ 9.000,00,
onde fechamos o acordo, tendo o juiz discriminado as verbas para que a
empresa não precisasse pagar INSS sobre o valor do acordo.
Subtraindo do valor do acordo o valor das verbas rescisórias do
reclamante aproximadamente de R$ 6.500,00, pagamos para o mesmo
R$ 2.500,00 de horas extras, sendo que o reclamante laborou na
empresa por 4 anos.
Após a descrição de todos os 16 processos judiciais trabalhistas, seguindo o
formato acima reproduzido, inicia-se a segunda parte do relatório sob o título “Resumo”.
Neste item, o documento apresenta uma espécie de balanço comercial dos valores pagos
nas ações trabalhistas listadas. Selecionamos os seguintes trechos como os mais
representativos do texto:

[...] pagamos o valor total de R$ 33.692,00. Sendo que nesse valor está
incluído o valor de todas as rescisões [...], considerando que em todos
os casos, como o empregado já tinha dado sinais que iria entrar na
justiça, não fizemos o acerto rescisório na empresa, deixando para
acertar tudo na justiça do trabalho. [...] a multa de 40% do FGTS
somente foi paga na ação acima citada (nº 01 de Ipameri), tendo o
Grupo Serpos economizado a multa de 40% do FGTS em todas as
outras ações. Quanto ao aviso prévio indenizado, somente foi pago na
ação nº 1 de Ipameri e na ação nº 01 de Porangatu, em todas as outras
ações o Grupo Serpos economizou o aviso prévio.

Em um terceiro momento, ao final do documento, há um tópico denominado


“Conclusões e orientações”. É este o item que mais interessa à presente análise. Optamos,
assim, por transcrevê-lo na íntegra, com destaques nossos:

CONCLUSÕES e ORIENTAÇÕES. Por meio das experiências vividas


nesse ano, podemos concluir que a estratégia de não efetuar
acerto/pagamento de funcionários que apresentam sinais de que
vão criar problemas trabalhistas é a melhor solução. Isso porque: 1-
Quando deixamos de efetuar o pagamento do acerto rescisório do
empregado na empresa ele geralmente fica sem nenhum dinheiro, o
que faz com que fique mais necessitado de um acordo para ter
acesso imediato ao dinheiro, pois suas contas estão vencendo e ele
sabe que um processo trabalhista pode demorar muito: 2- Também
quando deixamos de pagar as verbas rescisórias do empregado na
empresa o valor que vamos propor para fazer um acordo na justiça
do trabalho fica mais auto [sic] e isso faz com que o advogado do
empregado também prefira o acordo, pois terá acesso rápido aos seus
honorários, e mais do que o seu cliente, ele sabe que o processo pode
demorar anos: 3- No entanto, precisamos ter a estratégia bem montada
para não incorrermos em multa do art. 477 da CLT. Por isso, quando o
empregado criar problema, o correto e dizer a ele que procure os seus
direitos, que a empresa irá acertar com ele somente na justiça, sem
entregar qualquer documento ao empregado. Assim, quando ele entrar
na justiça e disser que foi dispensado, nós alegaremos que ele
abandonou o emprego, e que jamais houve dispensa, com isso,
livramos a empresa da multa e ficamos mais próximos de um
acordo. 4- Quanto aos descontos dos prejuízos causados à empresa
pelos empregados, tais como: multa de trânsito, batidas de carro,
diferenças de caixa e outros, a partir de agora teremos embasamento
legal para efetuar esses descontos, vez que passamos a incluir a cláusula
no contrato de trabalho dos empregados, tanto nos novos contratados,
quanto nos antigos, pois os contratos estão sendo trocados pelo
Departamento de Recursos Humanos. Finalmente, concluímos com toda
certeza que no ano de 2011 o saldo das ações trabalhistas foi muito
positivo para o Grupo Serpos, pois se somados apenas os valores
das multas de 40% de FGTS que a empresa deixou de pagar nas
ações acima relacionadas teremos uma economia aproximada de
R$8.320,00. Sem contar o aviso prévio. Ou seja, a empresa se livrou
de empregados problemáticos, sem a necessidade de pagar aviso
prévio e multa do FGTS em praticamente todos os casos. Um trabalho
articulado entre o departamento Jurídico, o departamento de Recursos
Humanos e os chefes dos demais departamentos, com troca de ídéias e
experiências constantemente, corrigindo os erros logo que forem
notados, conduzirá o Grupo a resultados cada vez melhores. Prova disso
é a redução já aplicada sobre a comissão dos cobradores que antes era
de 10%, depois passamos para 8% e agora concluímos que o ideal para
o momento é fixarmos a comissão em 6%. Trabalho, compromisso e
articulação entre os departamentos, colando essa política em prática,
2012 será um excelente ano pra todos.

Como resultado da análise deste documento pelo órgão jurisdicional trabalhista,


o Ministério Público do Trabalho foi oficiado para tomar conhecimento do caso e tomar
as providências que entendesse cabíveis. O órgão, por meio da Procuradoria do Trabalho
no Município de Anápolis/GO, ajuizou no ano de 2013 a Ação Civil Pública nº 0011050-
81.2013.5.18.0053 em face do Grupo Serpos, requerendo ao Poder Judiciário, entre outros
pedidos, a determinação à empresa da abstenção de “retenção dolosa de qualquer verba
trabalhista” e de “desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação das leis trabalhistas”. O
Ministério Público do Trabalho requereu a aplicação de multa de R$ 5.000,00 por cada
ato irregular praticado pela empresa e, por fim, requereu a condenação do Grupo Serpos
ao pagamento de indenização por dano social no valor de R$ 100.000,00, a ser revertido
ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.7
Fazendo uma breve síntese a partir da análise da íntegra desta ação civil pública,
observamos que o litígio teve fim com a homologação judicial de um acordo realizado em
04 de março de 2016 entre o Ministério Público do Trabalho e o Grupo Serpo.8 A
empresa assumiu as obrigações requeridas pelo Ministério Público do Trabalho e
comprometeu-se a pagar R$ 45.000,00 a título de danos morais coletivos. Após o integral
cumprimento destes termos, os autos foram remetidos ao “arquivo definitivo eletrônico”
em 11 de dezembro de 2017. Em análise do processo, observamos ainda que os valores
foram pagos e, ao final, por indicação do Ministério Público do Trabalho, revertidos ao
Centro Materno Infantil de Anápolis. Podemos destacar também que, na Ação Civil
Pública, atuou representando o Grupo Serpo o mesmo advogado que assinara o “Relatório
de Processos Trabalhistas de 2011”, sendo que este reconheceu a veracidade do
documento na defesa apresentada ao processo.
Em um primeiro momento, podemos perceber que o Relatório Serpos e o
contexto no qual ele se insere estão relacionados centralmente à questão das verbas
rescisórias devidas pelo empregador no desligamento de empregados. Em termos legais,
esta matéria é regulamentada pela Constituição Federal e pela CLT – Consolidação das
Leis Trabalhistas (Decreto-lei nº 5.452/1943), a qual, na data do relatório, ainda não havia
sido alterada pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017). Em síntese, o que previa a
legislação vigente em 2011 era que, em caso de demissão sem justa causa, o empregador
deveria pagar ao empregado demitido um conjunto de verbas rescisórias, entre as quais
décimo terceiro salário proporcional, férias vencidas, férias proporcionais e indenização
compensatória pela demissão.9
Pois bem. Se o campo das políticas públicas é voltado à investigação do Estado
em ação (MULLER e SUREL, 2004; ARRETCHE, 2003; DAGNINO, 2002; HOFLING,
2001), podemos observar que o caso do Relatório Serpos envolve desde a regulamentação
aplicável ao pagamento de verbas rescisórias – resultado da ação legislativa estatal – até a
atuação estatal repressiva à violação da legislação trabalhista, observada nas ações dos
agentes burocráticos do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Entre as
duas pontas, a dinâmica organizacional da empresa, na qual a gestão das relações de
trabalho pode se definir em conformidade ou em violação à legislação trabalhista, é
também elemento central à análise dos aspectos da implementação das políticas públicas
que envolvem o caso.
Quanto à relação entre os casos do modelo Ford Pinto e do Relatório Serpos,
podemos perceber que, entre ambos, o que há de comum é o “vazamento” de um
documento produzido para circulação interna na organização empresarial. Em ambos os
casos, ainda, o conteúdo do documento vazado consiste na exposição de análises
comparativas entre custos e vantagens monetárias, tendo por base a relação entre práticas
de violação e a atuação judicial. Ou seja, são dois casos em que se podem observar
documentalmente representações empresariais do Estado em ação.
A primeira diferença que notamos, por outro lado, é o predicativo da violação.
No primeiro caso, o relatório detalha os possíveis custos futuros com reparação por danos
ocasionados aos consumidores do veículo Ford Pinto. Trata-se, assim, de uma análise de
riscos. Podemos dizer que, neste caso, a violação se refere à política de prevenção de
acidentes automobilísticos ou, de forma ampliada, à política de proteção abstrata à vida
dos consumidores garantida pelo Estado.
Já no caso do Relatório Serpos, a análise é realizada a partir das experiências
acumuladas pela organização empresarial durante o ano de 2011, aproximando-se, mais
do que de uma análise de riscos, de um balanço contábil a partir do qual se formulam
orientações de gestão para o próximo período. A violação, neste caso, é da legislação
trabalhista, ou seja, de uma regulamentação escrita e com limites bem definidos. As
relações de semelhança e dissemelhança entre estas duas situações retratadas, ao mesmo
tempo próximas e distintas, constitui o centro do nosso debate a partir deste ponto do
trabalho.
Até aqui, descrevemos os dois casos com o objetivo de abordar o fenômeno da
violação de forma concreta. A questão da violação, entretanto, é complexa, necessitando
da mobilização de um corpo teórico para ser analisada. Inclusive, certamente seria
bastante rico o aprofundamento em literaturas sociológicas relacionadas aos campos do
desvio e das organizações.10 A nossa proposta aqui, no entanto, pelos limites aos quais
este trabalho se condiciona, é investigar a questão da violação centralmente a partir da
crítica marxista ao direito, cujas bases serão apresentadas no próximo item.

4 A QUESTÃO DA VIOLAÇÃO NA CRÍTICA MARXISTA AO DIREITO


Nossa exposição se limitará, aqui, a apresentar como se situa a questão da
violação na obra de Evguiéni Pachukanis, tido hoje como a referência máxima das
pesquisas voltadas à relação entre direito e marxismo (SOARES, 2011; KASHIURA
JÚNIOR e NAVES, 2011; PAZELLO, 2014; SARTORI, 2015). Os escritos de
Pachukanis se situam no contexto da Revolução Russa de 1917. A fim de contextualizar a
sua produção teórica, cabe dizer, em primeiro lugar, que o autor teve participação ativa no
processo da organização política soviética pós-revolucionária – primeiro como “juiz
popular” e, depois, como membro do Comissariado do Povo (NAVES, 2017).
A discussão sobre o fenômeno jurídico no contexto de transição instaurada pela
revolução bolchevique foi relevante neste período, tendo nele aparecido propostas teóricas
inovadoras de sistematização do pensamento marxiano (do próprio Marx) acerca do
direito. Piotr Stutchka (1988), antes de Pachukanis, foi uma das grandes referências neste
sentido, sustentando uma visão relacional e não normativa do direito.
Pachukanis, por sua vez, com Teoria Geral do Direito e Marxismo, de 1924,
aprofundou o antinormativismo marxista e foi além. Compreendeu, com base em rigoroso
estudo da crítica à economia política marxiana, que o fenômeno jurídico, em sua forma
mais desenvolvida, é não apenas uma relação social, mas ainda uma relação social que
apresenta uma especificidade capitalista. A forma jurídica, segundo Pachukanis, é o
outro lado da moeda da forma mercantil, da forma da troca de mercadorias. Ao apontar de
forma sistematizada este fundamento do fenômeno jurídico, Pachukanis lançou uma
abordagem original que, apesar de não prescindir de uma constante atualização e
ampliação enquanto corpo teórico, não foi ainda superada como referência de passagem
obrigatória no desenvolvimento da crítica marxista ao direito.
A crítica de Pachukanis tem por base epistemológica enfrentar o direito “como um
fenômeno social objetivo” (PACHUKANIS, 2017, p. 98). Neste sentido, observa-se na
obra pachukaniana a aplicação firme da posição indicada anteriormente pela própria pena
marxiana: “relações jurídicas, tal como formas de Estado, não podem ser compreendidas a
partir de si mesmas” (MARX, 2008, p. 47). Com isso, o autor busca realizar uma “análise
das definições fundamentais da forma jurídica” (PACHUKANIS, 2017, p. 69) e, do
simples ao complexo, “passar pelo caminho de uma gradual complexidade até a
concretização histórica” (PACHUKANIS, 2017, p. 86).
Em Pachukanis, com isso, podemos observar que a palavra “direito” não é usada
de forma meramente intuitiva e não carrega em si quaisquer valores universais ou a-
históricos. A sua investigação leva à construção do direito como uma categoria, ou
seja, como o resultado de uma abstração cujo produto é um objeto pensado. Por isso, para
acompanhá-lo na busca pela especificidade do direito na história, é importante que se
deixem de lado as noções de direito pouco precisas que circulam no dia a dia, seja na
prática jurídica, seja nos processos de políticas públicas.
O ponto central da teoria pachukaniana, sobre cuja fundamentação não nos
alongaremos aqui por falta de espaço, é a de que a relação jurídica tem como base
histórica de desenvolvimento a relação capitalista de troca de mercadorias. De acordo
com o que Marx expõe no segundo capítulo d’O Capital, a troca de mercadorias realizada
entre seus portadores é um processo fundamental para a realização do ciclo de valorização
do valor e, logo, da reprodução do capitalismo (MARX, 2017).
Pachukanis observa que, neste processo, o ser humano adquire uma qualidade
histórica nova, tornando-se sujeito de direito com capacidade de titularizar mercadorias
e, mais do que isso, colocá-las em circulação: “o sujeito de direito aparece em sua forma
acabada, como um complemento indispensável e inevitável da mercadoria”
(PACHUKANIS, 2017, p. 63). Uma destas mercadorias, a principal delas para a o
processo de valorização do valor, é a força de trabalho, a qual o trabalhador, apenas ao ser
reconhecido como sujeito, pode levar ao mercado e trocá-la por salário com os detentores
dos meios de produção. Com isso, o direito se revela não como um fenômeno normativo
(perspectiva hegemônica entre os juristas), mas como um fenômeno relacional.
É neste sentido que o autor afirma que o sujeito de direito é o “átomo da teoria
jurídica” (PACHUKANIS, 2017, p. 117). Trata-se do elemento mais simples identificado
na análise do fenômeno jurídico. E é com a generalização do momento mercantil, em que
o ser humano é reconhecido genérica e relacionalmente como sujeito, que o direito passa
a existir em sua forma historicamente mais desenvolvida, ou seja, de forma distinta em
relação aos fenômenos adjacentes da esfera da moral e da religião. A relação jurídica,
portanto, ao mesmo tempo que é parte constitutiva do modo de produção capitalista,
desenvolve-se de forma completa em paralelo à forma mercadoria e à forma valor.
Uma vez que a relação jurídica se constitui como a outra face da troca de
mercadorias, Pachukanis indica que um dos fundamentos centrais do fenômeno jurídico
está na noção de equivalência. Se as mercadorias são trocadas com base na igualação de
valores, a relação entre os sujeitos de direito, por sua vez, é determinada por uma dupla
equivalência: primeiro, pela equivalência subjetiva, ou seja, pela igualdade formal entre
os sujeitos; segundo, pela igualdade entre as vontades que eles manifestam no ato de
troca. O contrato, neste sentido, na medida em que é o fenômeno originário pelo qual a
igualação de vontades se expressa, figura como “o modelo fundamental de todas as
relações jurídicas” (KASHIURA JÚNIOR, 2014, p. 176).
A equivalência, para Ricardo Prestes Pazello “adquire a centralidade por ser ela a
base mediadora entre os polos da relação jurídica” (PAZELLO, 2015, p. 140). Esta
centralidade, conforme observa o pesquisador marxista latino-americano, possibilita o
desenvolvimento de formas análogas à forma essencial do direito, como o princípio
jurídico ambiental do poluidor-pagador, a patrimonialização dos danos morais entre
outros.
O movimento real do direito, sob esta perspectiva, apresenta uma elevada
complexidade – incomum nas perspectivas normativistas – em seu desenvolvimento
histórico e em seu imbricamento na totalidade do modo de capitalista de produzir a vida.
Esta complexidade torna-se ao considerarmos a generalização de sua forma nos diversos
âmbitos da sociabilidade capitalista e, ainda mais, ao buscarmos situar a posição do
Estado nesta análise. A compreensão da relação jurídica em sua forma mais pura e
simples, neste sentido, conduz ao enfrentamento teórico da “organização social detentora
dos meios de coerção”, em suma, da organização estatal.11 Não se trata de um salto
simples. Para o exame da forma jurídica, já advertia nosso autor, este é “um momento que
torna as coisas mais concretas e mais complicadas” (PACHUKANIS, 2017, p. 109).
Podemos dizer, em síntese, que na teoria marxista-pachukaniana, o Estado
caracteriza-se principalmente como fiador das relações jurídicas, ou seja, como uma
organização que garante estas relações. Mas, além disso, o Estado também aparece em
muitas situações como um dos sujeitos de direito da relação jurídica. E, em terceiro lugar,
não podemos deixar de observar que o Estado também regulamenta as relações sociais
por meio da atividade legislativa, por exemplo, proibindo determinadas condutas
mediante imposição de normas legais sob o uso da lógica da forma jurídica.
É sobre estas bases, expostas acima de forma bastante sintética, que Pachukanis
trata da questão da violação. O autor dedica ao sétimo capítulo de Teoria Geral do Direito
e Marxismo o título “Direito e violação do direito”. A história da violação, segundo a
exposição presente nesta etapa obra, acompanha a história da regulação da luta pela
sobrevivência. Da forma mais primitiva, passa pelo costume e pela religião até chegar em
sua forma mediada pelo fenômeno jurídico. Não ocorre, na perspectiva pachukaniana, a
anulação de uma forma pela outra. Mas há o predomínio de um tipo de regulação em cada
época histórica. A “justiça dos homens” em oposição à “justiça de deus” na Idade Média
era a organização clerical e, em determinado momento, os tribunais de inquisição. Estas
relações, em que o momento jurídico é ainda embrionário, com a consolidação do Estado
moderno dão lugar à organização legal-impessoal das relações sociais e à aplicação da
forma jurídica como relações sociais hegemônicas.
O que Pachukanis aponta é que, sobre este contexto, na modernidade o fenômeno
da violação passa a ser condicionado exatamente pela essência da relação jurídica: a troca
de equivalentes entre sujeitos equivalentes. Assim, ao violar uma “norma” de legislação
penal, o que se exige do infrator é nada mais do que uma compensação equivalente,
medida em dias, meses ou anos de privação de liberdade. A medida desta compensação,
segundo Pachukanis, é a equivalência: “o Estado estabelece sua relação com o infrator [de
modo mais amplo, indivíduo ou organização violador de norma jurídica] no quadro leal
de um negócio comercial” (PACHUKANIS, 2017, p. 179)
O que se reforça com isso é o caráter não normativo do direito, expresso pela
noção de violabilidade que aqui passamos a propor. A norma jurídica revela-se não como
dever-ser, mas exatamente como medida de equivalência: “A norma é apenas a régua
que dita que uma determinada relação social deve ter uma medida x, mas esta medida não
é dada originariamente como dever-ser e sim como ser dessas relações” (KASHIURA
JÚNIOR, 2009, p. 77).
Neste ponto da reflexão, é importante observar que a forma jurídica e a forma
legal, apesar de constituírem fenômenos conexos ou análogos, não se confundem. De
acordo com a proposta formulada por Pazello (2014) em sua tese de doutoramento, a
forma do direito se destaca tanto de sua forma fundante, correspondente às relações
capitalistas de troca, quanto de sua forma essencial, que corresponde à relação jurídica. O
quadro formulado a partir desta premissa contribui sensivelmente para o desanuviamento
de confusões sobre a distinção do movimento real do que é direito e do movimento real
do que parece direito.
É em sua forma aparente, continua Pazello, que o direito se manifesta nos
momentos legal e judicial. Ou seja, a lei e o processo judicial não se confundem com o
direito em sua essência. Trata-se de fenômenos distintos e análogos ao mesmo tempo. A
norma legal e a decisão judicial geralmente reproduzem em alguma medida a estrutura a
forma jurídica, mas com ela não se confundem. Ao editar normas e nelas “declarar
direitos”, as regulamentações estatais estão delimitando, como um índice ou sintoma de
realidade, quais relações serão garantidas pelo Estado, mas não estão criando o fenômeno
jurídico em si, o que apenas pode ser feito a partir do estabelecimento de relações entre
sujeitos de direito. Para nós, poderíamos falar com isso em dois momentos distintos: a
violabilidade da legislação e a violabilidade do direito.
Com estas breves indicações sobre os fenômenos do direito e da
violação/violabilidade, evidentemente não exaurientes do seu tratamento teórico,
buscaremos na sequência mobilizar a crítica marxista ao direito de forma mais concreta
no debate sobre os casos do modelo Ford Pinto e do Relatório Serpos. Passaremos em
seguida, e com isso nos encaminhamos para a conclusão do trabalho, a tratar das
potencialidades analíticas da categoria violação em sua implicação no campo das políticas
públicas.

5 DO SUPLÍCIO DE TÂNTALO À ELEGIBILIDADE JURÍDICA


Na mitologia grega, conta-se que Tântalo, um dos filhos mortais de Zeus, tendo
convidado os deuses para um banquete em seu palácio, serviu-lhes como refeição o
próprio filho, Pélops, provavelmente como forma de testar a onisciência dos imortais.
Sentindo-se afrontados pela situação, os deuses decidiram punir Tântalo, submetendo-lhe
a sofrer, em um lago no Tártaro, um suplício eterno.
Tântalo foi submerso até o pescoço em lago de água fresca e límpida, o qual era
rodeado por árvores de frutos saborosos. Porém, o suplício consistia em não poder saciar
a sede ou a fome. Ao tentar beber água, o nível do lago descia e lhe impedia que nela
tocasse a boca. Tentando apanhar as frutas pendentes próximas ao lago, os galhos se
movimentavam e as afastavam de sua mão. Esta foi a punição de Tântalo: a privação da
satisfação de seus desejos pela eternidade (BRANDÃO, 1986).
Ilustrativamente, na Odisseia, o suplício de Tântalo aparece no Livro XI:

Vi Tântalo também, num lago imenso / Que o mento lhe banhava,


ardendo em sede. / Pois, a apagá-la se perdia o velho, / A água absorta
escoando-se, um demônio / Aos pés seco atro lodo lhe mostrava. /
Sobre a cabeça corpulentos galhos / Suspendiam-se frutas sazonadas, /
Figos doces, romãs, pêras e olivas; / Mas, se o velho faminto ia colhê-
las, / O vento as levantava às densas nuvens. (HOMERO, 2009, p. 130)

Tântalo constitui, para fins de um exercício de comparação, a imagem de uma


organização não jurídica da sociedade. Analogamente, podemos confrontar a ação dos
deuses às atividades da organização estatal moderna, e Tântalo a um indivíduo ou
organização que, em vez de uma ofensa moral, violou determinada legislação. A principal
distinção que se observa é que, enquanto no caso mitológico o castigo é imprevisível e
ilimitado (eterno, poderíamos dizer), a forma moderna apresenta-se sob a lógica da
“proporcionalidade” ou, mais precisamente, da equivalência e da reparação.
Pela lógica jurídica, ao Tântalo moderno, é possível pagar pela violação da
legislação, quitando a relação jurídica decorrente de sua condenação. Com o capitalismo,
Tântalo está pronto para violar, pagar, violar novamente e pagar novamente. Nas palavras
de Pachukanis, “o infrator que cumpre sua pena retorna à posição inicial, ou seja, à
existência individualista da sociedade, à ‘liberdade’ de contrair obrigações e cometer
delitos” (PACHUKANIS, 2017, p. 183). O suplício dá lugar à reparação equivalente, e o
prévio estabelecimento dos limites da punição na forma da lei permite que a
arbitrariedade capitalista do cálculo substitua a arbitrariedade mítica dos deuses.
A forma legal permite que Tântalo conheça previamente os limites das condições
pelas quais pode ser punido, distintamente da tragédia grega. O Estado, no lugar dos
deuses, assume a posição de punir Tântalo, em uma relação que se realiza sob a forma de
relação impessoal entre sujeitos de direito. Na modernidade, em vez do suplício, é o
contrato que dá fim ao conflito decorrente da violação.
Sob o capitalismo, com isso, a violação pode ser resultado de uma escolha
consciente de um indivíduo ou organização que conhece os termos da relação decorrente
da violação – didaticamente, que conhece o preço a ser pago pela quebra da regra jurídica.
É esta possibilidade que podemos expressar com a caracterização do direito pela sua
violabilidade.
O Tântalo moderno é o indivíduo ou a organização que viola a legislação. É a
Ford Company ou o Grupo Serpos. Tornando-se sujeitos de direito, estas organizações
empresariais tornam-se aptas a relacionarem-se com a organização estatal nos marcos da
relação jurídica, ou seja, nos marcos da equivalência. E equivalência, como podemos
observar, é elegibilidade. A relação consequente da violação se dá como uma relação
contratual, não mais baseada na imposição da vontade dos deuses sobre o violador, mas
sob os marcos da lealdade entre dois sujeitos de direito: o violador e a burocracia que dá
vida à organização estatal.
Os casos do modelo Ford Pinto e do Relatório Serpos revelam exatamente o que
o fenômeno jurídico não é: o direito, conforme a perspectiva da crítica marxista, não é
normativo-deôntico, ou seja, não é dever-ser. O que o caracteriza em oposição a formas
pré-capitalistas análogas de violabilidade, ao revés, é justamente a elegibilidade – sob a
lógica da racionalidade moderna, da concorrência privada e do lucro – entre agir em
conformidade ou em violação à regra.
A implementação de políticas públicas se situa, em grande medida, no plano
destes condicionamentos. No caso do modelo Pinto, basta observar que centenas de
pessoas morreram em decorrência da violação praticada pela Ford Motor Company. Nos
marcos da lógica jurídica, o Estado não é capaz de garantir a preservação da vida,
seguramente um dos mais basilares princípios constitucionais identificados às nações
democráticas modernas. No caso do Relatório Serpos, de modo semelhante, os direitos
rescisórios de dezenas de empregados não foram pagos em decorrência de um cálculo de
custos e oportunidades aplicado pelo empregador. A vida, no primeiro caso, e o momento
legal, no segundo, são violáveis na exata medida da reparação equivalente, tal qual a
forma jurídica da qual são expressões aparentes.
No caso do Grupo Serpos, é necessário perceber que o “Relatório de processos
trabalhistas de 2011” apenas pôde chegar ao nosso conhecimento, aqui como objeto de
pesquisa, e ao conhecimento do Estado, como conduta reprovável pela atuação do
Ministério Público do Trabalho, por uma circunstância anormal. Podemos supor que o
mais comum é que, em diversas outras organizações empresariais, análises do mesmo tipo
existam silenciosamente no lado obscuro – dark side (VAUGHAN, 1999) – de suas
configurações. Não há nenhuma força, ao menos nenhuma decorrente da lógica jurídica,
capaz de impedir que análises e cálculos deste tipo sejam realizados por indivíduos e
organizações – mesmo novamente pelo próprio Grupo Serpo, por exemplo, depois de
encerrada a sua persecução judicial pelo Mistério Público do Trabalho.
Ironicamente, aliás, a ação civil pública na qual o Grupo Serpo foi processado teve
seu desfecho justamente com um acordo judicial, ou seja, com a celebração de um
contrato em sentido estrito. Isso faz lembrar a já citada passagem de Teoria Geral do
Direito e Marxismo: “o Estado estabelece sua relação com o infrator no quadro leal de um
negócio comercial” (PACHUKANIS, 2017, p. 179). De fato, não haveria nada mais no
alcance do Ministério Público do Trabalho a não ser exigir uma compensação, a
realização da equivalência, como forma de liberação pela violação praticada.
A violação da legislação revela-se, deste modo, como um fenômeno cuja
consequência primordial é a abertura da possibilidade do estabelecimento, pela força do
Estado (fiador), de uma relação jurídica com o próprio Estado (sujeito). Aqui, o
aparecimento de um novo nível de complexidade: esta relação jurídica decorrente, por
sua vez, também pode ser violada. Basta imaginarmos, no caso em questão, que o Grupo
Serpo decidisse não cumprir o acordo realizado com o Ministério Público do Trabalho.
Ou que, mesmo condenado em sentença (uma outra forma também baseada no modelo
contratual), se recusasse sistematicamente a efetuar o pagamento voluntário da
condenação. Assim, desde a violação da legislação que desencadeia a atuação do Estado
sob a lógica jurídica, sucessivas quebras de contrato poderiam se sobrepor em camadas
fenomênicas distintas.
Semelhantemente, os órgãos jurisdicionais estadunidenses nada mais poderiam
fazer em relação a Ford Motor Company do que – assim como a organização empresarial
fizera antes de forma estimada em seu planejamento – arbitrar um valor nas vidas vítimas
de acidentes e condenar a empresa ao pagamento de uma reparação equivalente a elas ou
a suas famílias. Nada mais que o estabelecimento de contratos baseados na lógica da
equivalência. Eis os limites materiais aos quais os fenômenos condicionados à forma
jurídica, incluindo a implementação de políticas públicas, se subordinam.
Podemos perceber, a partir destas análises, diversas nuances de complexidade na
questão da violação. A crítica marxista ao direito, por exigir o compromisso da pesquisa
com a investigação da totalidade, ao apertar um pequeno nó, geralmente acaba por abrir
diversas pontas novas a serem amarradas. Assim, pelas condições em que este trabalho se
insere, abordamos diversos pontos de forma incompleta e, além disso, deixamos diversas
tarefas investigativas por serem ainda desenvolvidas.
Concluímos, porém, que o seu objetivo principal foi parcialmente cumprido. Nesta
última seção, a questão da violação e a crítica marxista ao direito, a partir da análise dos
casos do modelo Ford Pinto e do Relatório Serpos, mostraram-se relevantes para o estudo
crítico de políticas públicas. Não pudemos, por outro lado, exemplificar de forma concreta
qual seria o possível trilhar metodológico da análise de uma política pública específica
sob a perspectiva da violabilidade, tarefa a qual talvez exija uma construção própria a ser
enfrentada em próximas abordagens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos de políticas públicas constituem-se, cada vez mais, como um campo de
pesquisa que centra a sua capacidade explicativa nas ideias: crenças, valores, visões de
mundo ou entendimentos compartilhados (CAPELLA, 2015). Nosso argumento, porém,
com base nos casos analisados, é que, sem buscar os fundamentos estruturais dos
fenômenos, a análise corre o risco de ser insuficiente ou mesmo falsa.
A implementação das políticas públicas é um momento condicionado pela
estrutura da forma jurídica, seja em sua forma essencial, seja em sua forma aparente nos
momentos legal e judicial. A violabilidade que caracteriza o direito, neste contexto, pode
ser observada em seu movimento real, o qual não se reduz – conforme notamos na análise
dos casos do modelo Ford Pinto e do Relatório Serpos – à circulação de ideias e
argumentos. Ao revés, as formas sociais são o resultado de processos históricos
complexos e desenvolvem-se na dinâmica material das relações sociais.
O que produz políticas públicas, ou seja, o que condiciona as ações da organização
estatal é exatamente o conjunto de relações sociais em movimento, estando estas
condicionadas a formas sedimentadas historicamente. Nesta perspectiva, a compreensão
da violabilidade como característica do direito apresenta um grande potencial de elevar a
capacidade explicativa do momento de implementação das políticas públicas.
Isso porque, na perspectiva da crítica marxista, torna-se possível desmistificar a
normatividade das relações jurídicas, das leis e das decisões judiciais. Torna-se possível
perceber que as normas condicionadas pela forma jurídica, pela qual geralmente se
regulamenta uma política pública, não devem ser cumpridas, mas meramente
materializam um índice de equivalência e, portanto, conformam uma lógica de
violabilidade e elegibilidade. Percebê-lo pode ser um ponto de partida para, por exemplo,
iniciar o diagnóstico da baixa efetividade de determinada política pública.
Por outro lado, pelas limitações de espaço, apenas pudemos tratar aqui da teoria
marxista-pachukaniana, bem como da exposição da análise dos casos do modelo Ford
Pinto e do Relatório Serpos, de forma bastante resumida e sintética. Com isso, tratando-se
este estudo de uma pesquisa exploratória e preliminar, por ora apenas podemos apresentar
estes resultados provisórios como proposta de abertura do debate e convite para críticas,
aprofundamentos, testes e confrontos com a realidade.

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Académica de México, 2007.

1
Elaborado a partir da tradução do documento original, reproduzido na reportagem citada (DOWIE,
1977).
2
Cabe observar que, apesar de ser inédito o emprego da expressão “Relatório Serpos”, Uchimura
(2016a) realizou breve estudo exploratório sobre o caso em O uso eficiente da Justiça do Trabalho no
planejamento empresarial: um estudo de caso, trabalho mencionado como literatura de apoio em
outros artigos do autor (UCHIMURA, 2016b; UCHIMURA e COUTINHO, 2018). O enfoque e o
nível de detalhamento da análise, por outro lado, não foram abordados nos trabalhos citados tal como
propostos aqui.
3
Informações obtidas na página eletrônica do Grupo Serpos (http://serpos.com.br/).
4
Documento registrado na Junta Comercial do Estado de Goiás sob o nº 52110856252.
5
No caso da pesquisa de Adalberto Moreira Cardoso (2003), trata-se de rara pesquisa empírica de
fôlego no campo desta temática, na qual o sociólogo confrontou como indicadores a queda na
proporção de assalariados com carteira assinada e o aumento do número de demandas na Justiça do
Trabalho na década de 1990.
6
O relatório pode ser consultado na íntegra no endereço eletrônico
https://pje.trt18.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=1303221052571
0700000000246924. Acesso em: 30 mar. 2018.
7
O processo teve trâmite perante a Terceira Vara do Trabalho de Anápolis/GO, órgão jurisdicional
pertencente ao Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. A petição inicial da Ação Civil Pública,
da qual foram transcritos os trechos acima, pode ser acessada no endereço eletrônico:
https://pje.trt18.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView
.seam?nd=13092717021240000000001405869. Acesso em: 31 mar. 2018.
8
O acordo pode ser acessado no endereço eletrônico: https://pje.trt18.jus.br/primeirograu/Processo/
ConsultaDocumento/listView.seam?nd=16030413564729100000010807911. Acesso em: 31 mar.
2018.
9
As verbas rescisórias são previstas esparsamente em dispositivos da CLT e orientações
jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho. O valor da indenização compensatória é fixado em
quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados pelo empregador durante a vigência
do contrato de trabalho na conta de FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço do empregado
(Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, art. 10, I; Lei nº 8.036/1990, art. 18, § 1º).
10
Neste sentido, sobre a possível intersecção da crítica marxista com a vertente da sociologia
organizacional proposta por Diane Vaughan, conferir Uchimura e Coutinho (2018).
11
“A organização social detentora dos meios de coerção é a totalidade concreta à qual devemos
caminhar após compreendida previamente a relação jurídica em sua forma mais pura e simples”
(PACHUKANIS, 2017, p. 109)

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