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DECISÃO: Trata-se de ação cível originária com pedido de liminar,

ajuizada pelo estado de Roraima em face da União, na qual objetiva a


prorrogação da vigência dos Convênios Siconv 773040/2012, 778489/2012
e 739005/2013, realizados com a Secretaria Nacional de Segurança Pública
(Senasp), órgão do Ministério da Justiça (MJ), pela totalidade do período
que teve sua execução suspensa.
Inicialmente, o autor aponta obrigatoriedade de prorrogação de
ofício dos convênios firmados com a Administração Pública Federal,
quando esta der causa ao atraso na liberação de recursos, com
fundamento no art. 43, VI, da Portaria Interministerial 507/2011.
Salienta que, além do atraso no repasse de recursos, outras ações da
União comprometeram a execução do Convênio, tais como a demora pelo
período de doze meses para responder ao pleito de ajuste do plano de
trabalho solicitado pelo autor, bem como pelo período de quatro meses
para regularizar a situação do convênio no Siconv, quanto ao uso da aba
de rendimentos de aplicação. Argumenta, ainda, que a informação de que
o Convênio 773040/2012 estaria aguardando prestação de contas
prejudicaria, de igual modo, a execução do contrato (eDOC 2, p. 7/8).
Sob essa ótica, alega que a conduta da União viola o princípio da
obrigatoriedade do contrato, previsto no art. 66 da Lei 8.666/1993, bem
ainda o disposto no art. 43, VI, da Portaria Interministerial 507/2011,
porquanto não houve prorrogação de ofício por parte da União.
No decorrer do trâmite da presente ação, o estado de Roraima
informa que obteve a prorrogação do convênio pela via administrativa,
motivo pelo qual requer o aditamento dos pedidos iniciais. Nesse rogo,
suscita a possibilidade de alteração do pedido independentemente de
concordância da ré, uma vez que esta não fora devidamente citada.
Na peça de aditamento, aponta que, mesmo com a prorrogação de
seis meses, ainda perseveram causas impeditivas da execução dos
convênios, ocasionadas pela gestão anterior à contemporânea ao
aditamento da inicial, quais sejam, o bloqueio do sistema Siconv para a
análise da prorrogação, até a data de 15.12.2014 e pela omissão do antigo
gestor, após a liberação de acesso ao referido sistema (eDOC 16).
Argumenta que, a partir de 1º.1.2015, houve mudança de Chefe do
Poder Executivo Estadual, não podendo a gestão contemporânea ao
aditamento da inicial ser responsabilizada por irregularidades de
administrador pretérito, sob pena de malferir o princípio da
intranscendência das medidas restritivas de direito (eDOC 16).
Nessa linha, aduz que o princípio da intranscendência subjetiva das
sanções deveria ser aplicado ao caso vertente, uma vez que as supostas
irregularidades nos aludidos convênios estariam relacionadas com a
atuação de ex-gestor, de maneira que o ente público não poderia ser
responsabilizado.
No pleito inicial, assevera estarem presentes o fumus boni iuris e o
periculum in mora, na medida em que o termo do convênio destacado
ocorreu em 5.10.2014, e não houve iniciativa por parte da União em
proceder à prorrogação do Convênio.
Sendo assim, o estado de Roraima requer o provimento da medida
liminar para (eDOC 16):

“a) a concessão, inaudita altera pars, da antecipação


dos efeitos da tutela principal, para determinar à União
que proceda à prorrogação da vigência do Convênio
SICONV 773040/2012 pelo prazo necessário à execução do
objeto do convênio;”

No eDOC 127, o estado de Roraima pontua que as partes acordam


com a prorrogação dos ajustes, sendo apenas necessária a homologação
judicial do acordo. Ressalta, ainda, que a não prorrogação dos convênios
importará no comprometimento do serviço de segurança pública do
estado.
A União foi intimada para manifestar-se sobre o aditamento
formulado na petição do eDOC 16.
Em sua manifestação, a União aponta a ausência de conflito
federativo capaz de deflagrar a competência desta Corte para o
julgamento da presente demanda. Alega que a parte autora obteve a
satisfação da pretensão veiculada na petição inicial pela via
administrativa, o que caracterizaria a perda superveniente do interesse de
agir da parte adversa. Nesses fundamentos, manifesta-se contrária ao
aditamento processual, porquanto houve a incidência de causa de
extinção processual sem resolução do mérito, prevista no art. 267, VI,
CPC/73, vigente à época da propositura da ação. Subsidiariamente, em
caso do acolhimento do aditamento, pugna pela abertura de prazo para
contestação e pela dilação do prazo para manifestação sobre a remessa
dos autos à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração
Federal – CCAF (eDOC 2).
O estado de Roraima reiterou o pedido de antecipação de tutela e
requereu maior brevidade em sua apreciação (eDOC 33).
A União e o estado de Roraima manifestaram interesse na submissão
da questão controvertida nos autos à CCAF (eDOCs 36 e 40).
Houve novo pedido de aditamento da inicial, no qual o estado de
Roraima ressalta que os Convênios 778489/2012 e 793005/2013 foram
igualmente submetidos à CCAF, entretanto, a Advocacia-Geral da União
informa que o acordo dependeria de homologação judicial.
Por essa razão, o autor requer seja adicionado ao pedido inicial de
prorrogação do Convênio 773040/2012 a homologação judicial do pedido
de prorrogação dos Convênios 778489/2012 e 793005/2013, todos pela
totalidade do período, uma vez que estão afetos aos mesmos
fundamentos jurídicos (eDOC 61).
A União ofereceu contestação (eDOC 102), sustentando,
preliminarmente, a incompetência desta Corte para julgar a presente
demanda, porquanto ausente conflito que a invoque. No mérito, aponta a
impossibilidade da continuação das tratativas conciliatórias junto à
CCAF, tendo em vista a impossibilidade de prorrogação dos contratos,
por força do disposto na Orientação Normativa 3/2009.
Assevera ausência de culpa por parte da Administração Federal na
inexecução dos convênios. Nessa linha, afirma que não houve execução
da primeira parte do contratado no Convênio 793005/2013 por parte do
autor, motivo pelo qual apenas foi repassada a primeira parcela dos
recursos. Assim, diz que foi procedida a Tomada de Contas Especial dos
Convênios 793005/2013 e 773040/2012 e encaminhada ao Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controle.
No que se refere ao Convênio 778489/2012, alega que os respectivos
recursos foram bloqueados pelo Poder Judiciário para pagamento de
servidores do estado. Pontua, ainda, que o convenente deve estar em
situação regular com a execução do plano de trabalho para a liberação de
demais avenças da parcela, o que não se enquadra no caso em questão.
Por fim, argumenta que a prorrogação do convênio deve estar
prevista no termo do contrato de convênio e depende de prévia
autorização da autoridade competente para a celebração do ajuste, além
de ser necessária a vigência da avença objeto de prorrogação (eDOC 102).
Em réplica à contestação, o estado de Roraima firma-se, em síntese,
pela possibilidade de acordo judicial e enfatiza o interesse do Ministério
da Justiça na prorrogação dos ajustes, uma vez que estes permanecem
válidos e vigentes e os pedidos foram efetuados dentro do prazo de
validade (eDOC 109).
Determinou-se a realização de audiência de tentativa de conciliação,
a qual se realizou em 19.4.2017 (eDOC 130).
É o relatório. Passo à análise do pedido liminar.

1) Homologação da audiência de conciliação realizada em 19.4.2017 e do


aditamento dos convênios 778489/2012 e 793005/2013

Inicialmente, homologo o termo de audiência de conciliação


presente no eDOC 130, realizada pelo juiz auxiliar Diego Viegas Veras
(convocado para atuar neste Gabinete mediante Portaria da Presidência
STF 232, DOU 19.10.2015), com supedâneo no art. 3º, § 3º, do CPC .
No mesmo sentido, homologo o aditamento da petição inicial,
passando a incluir a prorrogação dos Convênios 778489/2012 e
793005/2013, ante a expressa concordância da União (eDOC 102).

2) Conflito Federativo

De início, vislumbro a potencialidade da existência de conflito


federativo, razão pela qual reconheço a competência do Supremo
Tribunal Federal para a ação, nos termos do art. 102, I, f, da Constituição
Federal de 1988.
A parte autora postula a prorrogação dos Convênios SICONV
793005/2013, 773040/2012 e 778489/2012, que foram firmados com a
Secretaria Nacional de Segurança Pública, integrante do Ministério da
Justiça (União), para liberação de recursos voltados a fortalecer a
presença de órgãos que compõem o sistema estadual de segurança
pública (Sesp) do estado de Roraima, nos municípios fronteiriços de
Bonfim, Caracaraí, Normandia, Paracaima e Rorainópolis. Segundo
aduz, tal prorrogação seria necessária à atuação das forças de segurança
pública e defesa social na faixa de fronteira.
Existindo potencial conflito federativo entre as partes, atrai-se a
competência desta Corte, por não se subsumir a simples conflito entre
entes federativos, tendo em vista a pretensão resistida das partes ostentar
gravidade de atingir a prestação de serviço de segurança pública em faixa
de fronteira, necessária à manutenção da segurança nacional de todos os
entes federativos, nos termos do § 2º do art. 20 da CF:

“§ 2º. A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de


largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como
faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do
território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas
em lei”. – grifei

O objetivo dos convênios consiste, na verdade, em repassar recursos


ao ente federativo estadual para colaborar na fiscalização da faixa de
fronteira, trazendo presença estatal em rincões de difícil acesso.
Há claro antagonismo que potencializa o conflito federativo entre a
União e o Estado de Roraima, existindo diferenças de posicionamento
que impedem a consecução do objetivo de tais convênios e antevendo a
potencialidade de repercutir em várias outras unidades federativas, tal
como regime imigratório de venezuelanos. Presente a competência desta
Corte da alínea “f” do inciso I do art. 102 da CF.

3) Mérito

O provimento jurisdicional de urgência encontra respaldo no art. 300


do CPC, a seguir transcrito:

“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando


houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e
o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

É necessário, portanto, que esteja comprovada a verossimilhança das


alegações, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.

3.1) Intranscendência subjetiva das sanções e gestão anterior

De pronto, rejeitem-se as alegações do Estado do Roraima de que os


fatos que ocasionaram o descumprimento do plano de trabalho inicial
foram cometidos por gestão anterior, o que afastaria a responsabilidade
da atual administração pela aplicação da teoria da intranscendência
subjetiva das sanções.
Por oportuno, transcreva-se trecho do voto do Ministro Celso de
Mello na decisão proferida na AC-AgR-QO 1.033/DF (DJ 16.6.2006), a
qual serviu de referência para firmar a jurisprudência sobre o tema, in
verbis:

“O postulado da intranscendência impede que sanções e


restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente
pessoal do infrator. Em virtude desse princípio, as limitações
jurídicas que derivam da inscrição, no CAUC, das autarquias,
das empresas governamentais ou das entidades paraestatais
não podem atingir os Estados-membros ou o Distrito Federal,
projetando, sobre estes, consequências jurídicas desfavoráveis e
gravosas, pois o inadimplemento obrigacional - por revelar-se
unicamente imputável aos entes menores integrantes da
administração descentralizada - só a estes pode afetar. - Os
Estados-membros e o Distrito Federal, em consequência, não
podem sofrer limitações em sua esfera jurídica motivadas pelo
só fato de se acharem administrativamente vinculadas, a eles, as
autarquias, as entidades paraestatais, as sociedades sujeitas a
seu poder de controle e as empresas governamentais
alegadamente inadimplentes e que, por tal motivo, hajam sido
incluídas em cadastros federais (CAUC, SIAFI, CADIN, v.g.)”.

Vê-se, pois, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal


firmou-se no sentido de que o entes subnacionais só podem sofrer
restrições por parte da União por atos praticados pelo Poder Executivo e
seus órgãos, estando excluídos os atos do Legislativo, Judiciário,
Ministério Público, Tribunal de Contas e dos entes da administração
pública indireta.
Diferente é a situação em que o ato foi praticado pelo próprio Poder
Executivo e seus órgãos desconcentrados, porém por gestores anteriores.
Passo a explicar.
O arcabouço normativo (Constituição, leis, contratos, convênios etc.)
não deve ser aplicado de forma limitada ao mandato dos gestores do
Poder Executivo, haja vista ser antirrepublicano e incoerente ao Estado de
Direito a hipótese de apagar-se o passado por simples mudança de
governante, no mínimo, a cada quatro anos.
Em outras palavras, os compromissos legais ou contratuais
assumidos no passado pelo ente federativo não são feitos em nome do
mandatário, mas em proteção e/ou interesse do Estado e,
consequentemente, do mandante (povo), evitando desgovernos que
dilapidem as contas públicas ou desrespeitem os pactos firmados
anteriormente sem qualquer fundamento de juridicidade para tanto.
A União, ao firmar convênios com os demais entes federados, não
transfere recursos a governantes específicos e, sim, à correspondente
pessoa jurídica de direito público, que passa a ser responsável pela
execução do objeto desses convênios e pela consequência jurídica de
eventual inadimplemento.
Importante salientar que, ao mesmo tempo em que o gestor não
pode ser pessoalmente responsabilizado por irregularidades cometidas
outrora pelo ente federativo, este deve suportar as sanções decorrentes de
sua atuação ilegal, seja no passado remoto ou próximo ou mesmo no
presente, como corolário do princípio republicano.
É claro que não pode haver punição do gestor individualmente
considerado que não tenha participado ativa ou passivamente para a
consecução da ilicitude.
Nesse caso, a responsabilidade deve recair sobre o estado-membro,
enquanto responsável pela atuação de seus governantes passados, uma
vez que não pode existir a incidência das sanções previstas na legislação
nacional apenas a cada gestão, tal como se findassem as práticas
anteriores e se reiniciassem as relações jurídicas.
Assim, rejeito a aplicação da teoria da intranscendência subjetiva das
medidas sancionatórias ao caso em epígrafe.

3.2) Prorrogação dos convênios

Em relação ao Convênio 773040/2012, é importante registrar que


houve prorrogação espontânea pela União, conforme informado no
eDOC 16. Assim, houve pactuação pela via administrativa no sentido da
dilação do referido convênio, cujo termo era 7.10.2014, prolongado para
11.3.2015.
Entretanto, apesar da prorrogação, o mencionado convênio teve
novamente seu marco temporal extinto sem cumprimento integral do
plano de trabalho, razão pela qual remanesce o interesse de agir quanto à
análise de aditamento do citado convênio.
Quanto à prorrogação dos demais convênios, alega o Estado-autor
culpa exclusiva da Administração Federal na inviabilização do
cumprimento do contrato com fundamento no art. 43, VI, da Portaria
Interministerial 507/2001, a qual prevê:

“Art. 43. São cláusulas necessárias nos instrumentos


regulados por esta Portaria as que estabeleçam:
(...)
VI - a obrigação de o concedente prorrogar "de ofício" a
vigência do instrumento antes do seu término, quando der
causa a atraso na liberação dos recursos, limitada a prorrogação
ao exato período do atraso verificado;”

Compulsando os autos, verifico que não foi comprovado o


preenchimento dos requisitos presentes na portaria interministerial para
a prorrogação ex officio do convênio antes de seu término, porquanto não
demonstrada a culpa do concedente no atraso ou liberação dos recursos
previstos no convênio por atos decorrentes de sua responsabilidade.
Ausentes os requisitos para a incidência da referida portaria
interministerial, não se revela plausível a imposição da prorrogação
compulsória dos convênios pela União com base na sobredita norma
infralegal.
Por outro lado, cumpre asseverar que, em razão de a natureza
jurídica do convênio em tela ser de transferência voluntária, na qual os
convenentes pactuam repasse de recursos entre si para execução de
determinado serviço, atividade ou objetivo público, a marca central é a
cooperação e/ou auxílio financeiro, cujo elo depende da conjugação do
interesse mútuo.
O caput do art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar 101/2000) assim dispõe:

“Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se


por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou
de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação,
auxílio ou assistência financeira, que não decorra de
determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema
Único de Saúde”. – grifei

Dessa forma, em decorrência do caráter voluntário da celebração do


convênio, é igualmente discricionária a manutenção das transferências de
recursos por parte da Administração Federal, a título de cooperação,
auxílio ou assistência financeira, ficando sua continuidade ligada à
análise de conveniência/oportunidade do interesse público pela
Administração Federal.
É bem verdade que, estando jungida aos critérios de conveniência e
oportunidade, a prorrogação/consecução do convênio insere-se em ato
tipicamente discricionário, o qual é, em regra, infenso de apreciação
judicial.
Não obstante, o fato é de que se colhe dos autos haver interesse
mútuo na continuidade da consecução dos convênios, inclusive delineado
em várias reuniões realizadas no âmbito da CCAF, na qual se consignou
o seguinte (eDOC 66):

“Após debates, ficou registrado que tanto o MJ


[Ministério da Justiça] quanto o Estado de Roraima
concordaram com o cumprimento do objeto do convênio. A
Conciliadora, no entanto, esclareceu a impossibilidade da
Conciliação, na via administrativa, em razão da vedação
contida no art. 4º,§ 4º, da Lei 10201/ de 2001. Consignou, no
entanto, que a pretensão de prorrogação de prazos de convênio
tem sido conferida liminarmente pelo Judiciário”. – grifei

Vê-se, pois, que ambos os interessados (Estado de Roraima e


Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública
– Senasp) demonstraram interesse (análise da conveniência e
oportunidade) na manutenção do objeto dos convênios.
A matéria em discussão nos autos, apesar de tratar-se de ato
discricionário, gira em torno da teoria dos motivos determinantes, cujo
âmbito doutrinário circunscreve o seguinte:

“Desenvolvida no Direito francês, a teoria dos motivos


determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato
administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a
situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se
afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se
conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade

do administrador, a inexistência dessa situação provoca a


invalidação do ato.
LAUBADÈRE, tratando dos vícios no motivo, refere-se a
duas espécies, e uma delas é exatamente a falta de
correspondência do motivo com a realidade fática ou jurídica.
Registra o autor: ‘O ato administrativo pode ser ilegal porque os
motivos alegados pelo autor não existiram, na realidade, ou não tem
o caráter jurídico que o autor lhes emprestou; é a ilegalidade
por inexistência material ou jurídica dos motivos (considerada,
ainda, erro de fato ou de direito)’.
Acertada, pois, a lição segundo a qual ‘tais motivos é que
determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve
haver perfeita correspondência entre eles e a realidade.’
A aplicação mais importante desse princípio incide
sobre os discricionários, exatamente aqueles em que se
permite ao agente maior liberdade de aferição da conduta.
Mesmo que um ato administrativo seja discricionário, não
exigido, portanto, expressa motivação, esta, se existir, passa a
vincular o agente aos termos em que foi mencionada. Se o
interessado comprovar que inexiste a realidade fática
mencionada no ato como determinante da vontade, estará ele
irremediavelmente inquinado de vício de legalidade.
Veja-se um exemplo: se um servidor requer suas férias
para determinado mês, pode o chefe da repartição indeferi-las
sem deixar expresso no ato o motivo; se, todavia, indefere o
pedido sob a alegação de que há falta de pessoal na repartição,
e o interessado prova que, ao contrário, há excesso, o ato estará
viciado no motivo. Vale dizer: terá havido incompatibilidade
entre o motivo expresso no ato e a realidade fática; esta não se
coaduna com o motivo determinante“. (FILHO, José dos Santos
Carvalho, Manual de Direito Administrativo, 30.ed. São Paulo:
Atlas, 2016, p. 122-123) – grifei

Assim, os atos discricionários não necessitam de motivação.


Entretanto, uma vez expostos os motivos fáticos ou jurídicos, estes
passam a vincular a Administração, de sorte que, in casu, o empecilho
declinado que subsiste seria eminentemente jurídico e passível de
controle pelo Poder Judiciário.
Nesse ponto, tanto a União, conforme se percebe dos termos das
audiências no CCAF, quanto a Secretaria Nacional de Segurança Pública
(Senasp/Ministério da Justiça) concordam com a necessidade de
prorrogarem-se os convênios. No entanto, encontram empecilho no §4º do
art. 4º da Lei 10.201/2001, o qual prevê:

“Art. 4º O FNSP apoiará projetos na área de segurança


pública destinados, dentre outros, a:
(...)
§ 4º Os projetos habilitados a receber recursos do FNSP
não poderão ter prazo superior a dois anos“.

O empecilho apontado é juridicamente sindicável e passível de


controle judicial, tendo em vista que resta saber se o prazo de dois anos é
insuperável. Portanto, passo à análise da juridicidade do aludido marco
temporal.
Pois bem.
Aplicável subsidiariamente aos convênios, dispõe o art. 116 da Lei
8.666/1993 o seguinte:

“Art.116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que


couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos
congêneres celebrados por órgãos e entidades da
Administração.
§ 1º. A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos
órgãos ou entidades da Administração Pública depende de
prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto
pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo,
as seguintes informações:
(…)
II - metas a serem atingidas;
(…)
VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem
assim da conclusão das etapas ou fases programadas; ” – grifei

Assim, a referida norma prevê que o tempo estipulado deve atender


as metas estabelecidas no contrato, não se verificando plausível restringir
o tempo de execução a ponto de tornar-se inatingível o objeto principal
do contrato.
Ocorre que, em audiência de tentativa de conciliação nesta Corte, o
próprio representante da Senasp/MJ pontuou que o prazo inicialmente
fixado de 24 meses, por si só, era insuficiente para a execução do convênio
no prazo original, manifestando-se pela necessidade da prorrogação
(eDOC 130).
Dessarte, verifica-se que o prazo de dois anos, constante do art. 4º da
Lei 10.201/2001, não se mostra razoável para a execução dos convênios
envolvendo área tão sensível relacionada à segurança pública de área de
fronteira.
A inaplicabilidade do prazo decorre da aplicação do disposto no
caput do art. 6º da mesma lei, a saber:

“Art. 6º As vedações temporárias, de qualquer natureza,


constantes de lei não incidirão na transferência voluntária de
recursos da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, e dos Estados aos Municípios, destinados a
garantir a segurança pública, a execução da Lei Penal, a
preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e
do patrimônio, bem assim a manutenção do sistema
penitenciário.
Parágrafo único. O descumprimento do disposto no inciso
II do § 3º do art. 4º pelos entes federados integrantes do Sinesp
implicará vedação da transferência voluntária de recursos da
União previstos no caput deste artigo”. – grifei

No dicionário Houaiss, temporário possui o seguinte significado: “1.


relativo a tempo; temporal; 2. que dura apenas um certo tempo; provisório, não
definitivo”.
O adjetivo “temporárias” e a respectiva locução adjetiva “de
qualquer natureza”, empregados no caput do artigo, podem ser
interpretados de duas formas: “no tempo” e “durante o transcurso de um
determinado tempo”.
A mens legis de destacar “vedações temporárias, de qualquer natureza”,
apresenta apenas uma exceção prevista no parágrafo único do art. 6º, qual
seja, a vedação contida no inciso II do § 3º do art. 4º da referida lei.
Outra vedação, de qualquer natureza – inclusive a vedação do § 4º
do art. 4º – está amparada na regra do caput do art. 6º, o que permite
inferir que o prazo de dois anos, em se tratando de transferência
voluntária de recursos da União aos Estados destinados a garantir a
segurança pública, não pode ser aplicado dissociado da necessidade
fático-temporal que possibilite atingir o cumprimento do objetivo
principal dos convênios, motivo pelo qual reconheço a presença da
probabilidade do direito.
O cronograma do pedido de prorrogação dos Convênios 793005/2013
e 778489/2012, presente no eDOC 123, estabelece prazo mínimo de 24
meses para a execução do convênio, em face da especificidade dos
serviços prestados.
Encontra-se dividido da seguinte forma: dois meses para ajuste no
plano de trabalho; seis meses para ajustes e término de licitação dos
equipamentos e serviços; trinta dias após a licitação para possibilitar a
aquisição e contratação de bens e serviços; 120 dias após a assinatura do
contrato para operacionalizar a entrega dos bens; 120 dias após o
recebimento dos equipamentos para instalação e implementação; trinta
dias após a apresentação e atesto das notas fiscais para a realização de
pagamentos (eDOC 123).
Tal cronograma foi reiterado em audiência de conciliação no dia
19.4.2017 (eDOC 130), restando clara a necessidade e concordância de
ambos os interessados no sentido de ser imprescindível a prorrogação
dos convênios sob tutela, no prazo de 24 meses, mormente por serem de
difícil execução.
Quanto ao periculum in mora, resta patente pela premente abertura de
tomada de contas especiais, somada à dificuldade atual orçamentária da
assinatura de novos convênios no âmbito da Senasp/MJ, bem ainda à
questão operacional de que, eventual finalização dos atuais convênios,
ocasionaria a devolução dos recursos para os cofres da União, sem
qualquer vinculação ao Fundo Nacional de Segurança Pública para
perfectibilização de novos convênios.

4) Decisão

Ante o exposto, presentes os requisitos legais, defiro a tutela de


urgência para determinar à União a prorrogação dos Convênios Siconv
793005/2013, 773040/2012 e 778489/2012 pelo período de 24 meses,
devendo o Estado de Roraima cumprir o compromisso firmado em
audiência e reiterado no Ofício 53/17-DEPLAF/SESP-RR (eDOC 133), no
sentido de realizar o depósito atualizado da quantia objetivo de bloqueio
judicial incidente sobre a conta vinculada ao Convênio 778489/212, no
prazo de até três meses, a contar desta intimação (eDOC 130).
Considerando que a União apresentou contestação de forma
espontânea (eDOC ), resta suprida a necessidade de sua citação (art. 239,
§ 1º, do CPC).
Após, as partes devem ser intimadas quanto à necessidade de
produção de provas, no prazo de dez dias.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 25 de abril de 2017.

Ministro GILMAR MENDES


Relator
Documento assinado digitalmente

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