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RESUMO
Este trabalho analisa a obra de Joseph Schumpeter (1882-1950), um economista
austríaco entusiasta do modo de produção capitalista, tido como um dos principais
expoentes da escola neoclássica de economia. Sua principal obra, Teoria do
desenvolvimento econômico, de 1911, afastou-se da tradição dessa escola de considerar
o crescimento como dado, prisioneiro de um quadro estacionário, e colocou a economia
em movimento, rompendo suas barreiras para a expansão da riqueza, por meio de um
processo de “destruição criativa”, comandado por um empresário inovador. Para ele, o
sistema de economia de mercado possuía uma capacidade extraordinária de
revolucionar os meios de produção, e, por meio do investimento, garantir um
crescimento contínuo no tempo, embora sujeito aos ciclos de prosperidade e
recessão/depressão, dispondo, como nenhum outro, de todas as condições para eliminar
a pobreza social.
Apesar de entusiasta do sistema, Schumpeter, no entanto, foi perdendo, gradativamente,
a confiança na sua capacidade de sobrevivência, passando a acreditar que este seria
substituído pelo socialismo. Isso ocorreria, não em virtude de suas contradições
internas, como fora apontado na obra de Karl Marx, mas em decorrência de seu próprio
sucesso e de suas realizações, que, entre outras consequências, solaparia a função
inovadora do empresário individual.
ABSTRACT
This article analyses the work from Joseph Schumpeter (1882-1950), an Austrian
economist, enthusiastic about the capitalist production system and considered one of the
most important exponents in the Neoclassic School. His main book, "The theory of
economic development" (1911), turns away from the traditions of this School in
considering the growth as pure data - what made it a prisoner of a stationary picture -
and sets the economy in motion, breaking its barriers to the wealth's expansion through
a "creative destruction process", commanded by an innovative entrepreneur. He
considered that the economy system had an extraordinary capacity to revolutionize the
means of production and, with the right investment, could grant a continuous growth
and eliminate social poverty, although subjected to the prosperity and recession cycles.
Even though being an enthusiastic about the system, Schumpeter lost gradually the
confidence in its survival capacity and started to believe it would be replaced by the
socialism. This would happen not because of its internal contradictions, as once
defended by Karl Marx, but as a consequence of its own success and achievements,
which would overlap the innovative function of the individual entrepreneur.
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Doutor em economia pela UNICAMP e professor da Escola do Legislativo do Estado de Minas Gerais.
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1. Introdução
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economia pela teoria dinâmica, insistir no fato de sempre ocorrer, uma vez passados os
efeitos das forças que conduzem ao desenvolvimento e determinam os ciclos, um
retorno ao leito “natural” do equilíbrio, a um novo “estado estacionário”, até que o
sistema econômico colocasse novamente em marcha, novas forças para retirá-lo dessa
inércia. Para compreender a razão que leva Schumpeter a procurar conciliar as distintas
posições dessas teorias é necessário conhecer sua trajetória de vida, bem como as
influências que teria recebido na sua formação científica e acadêmica.
Schumpeter nasceu em Triesch, Morávia, atualmente pertencente à República
Tcheca, em 1883. Filho único de um fabricante de tecido, ficou órgão do pai com
apenas quatro anos de idade, morto em acidente de caça. Sua mãe, Johanna, então se
mudou para Graz e, em 1893, casou-se com um oficial aposentado do Exército Austro-
Húngaro e foram morar em Viena, onde, graças às ligações aristocráticas de seu
padrasto, realizou o curso secundário numa academia frequentada pela nobreza,
tornando-se perito em esgrima e equitação, fluente em cinco línguas clássicas e
modernas e adquirido, pelas amizades que fez neste ambiente, “os modos requintados,
os hábitos promíscuos e os gostos extravagantes de uma sociedade aristocrática” (Nasar,
2012, p.191-2). Essas características vão acompanhá-lo em sua vida e ajudam a
entender porque, de certo modo, ele se colocaria num plano superior nos ambientes que
frequentava e tendia a atrair a antipatia de seus colegas de trabalho, como em
Czernowitz, onde adquiriria a fama de enfant terrible. Tendo concluído com distinção o
curso secundário, Schumpeter ingressou na Faculdade de Direito de Viena, em 1901,
tendo ali se graduado em 1906. Durante o curso, matriculou-se em cadeiras das áreas de
história, filosofia e economia, tendo sido aluno e participado de seminários com os
economistas Eugen Böhm-Baverk e Friedrich von Wisier, dois discípulos de Carl
Menger, e sido contemporâneo de outros grandes nomes da teoria econômica, como
Ludwig von Mises, Otto Bauer e Rudolf Hilferding. Ao se formar, em 1906, o gosto
pela teoria econômica moderna – ou economia inglesa, como era chamada – já se
entranhara definitivamente em sua vida e se tornara dominante e ele já publicara três
artigos em mensário editado por Böhm-Baverk (Nasar, p. 195). Estes mestres explicam
sua filiação à Escola Austríaca e neoclássica e, consequentemente, sua admiração por
Walras, a quem considerava um dos maiores economistas de todos os tempos.
A partir daí, sua vida foi sendo crescentemente absorvida pela economia: rumou
inicialmente para Berlim, onde passou um semestre e fez contato com a Escola
Histórica Alemã; seguiu depois para Paris, ali permanecendo por várias semanas, onde
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empresário] não tem [no fluxo circular] nenhuma função do tipo especial, simplesmente
ele não existe; mas em seu lugar há dirigentes de empresas ou gerentes de negócios de
um tipo diferente [...]” (idem, p. 55); para obterem utilidades necessárias para sua
satisfação, produtores e consumidores se colocam em condições de igualdade, ora num
papel, ora noutro no mercado: “[...] os vendedores de todas as mercadorias aparecem de
novo [no mercado] como compradores em medida suficiente para adquirir os bens que
manterão seu consumo e seu equipamento produtivo no período econômico seguinte e
no nível obtido até então, e vice-versa” (ibidem, p. 12); se não há empresário também
não há capital, ou seja, “[...] as várias formas de poder de compra não constituem
capital; são simplesmente meios técnicos para a realização de trocas habituais” (ibid., p.
83); não havendo capital não há lucro: “[...] o lucro puro não pode existir porque o valor
e o preço dos serviços produtivos absorvem o valor e o preço do produto” (ibid., p. 26);
e, sem lucro, não há juros, que dependem daquele: “[...] a existência [do lucro] é um
pré-requisito do pagamento do juro produtivo [e o empresário] é o típico pagante de
juros” (ibid., p. 121), nem poupança nem investimento líquido, nem progresso
tecnológico (os coeficientes técnicos também são dados) e, consequentemente, não há
desenvolvimento. A produção de hoje é a mesma de ontem e será a de amanhã. O
equilíbrio neste mercado, bem de acordo com a teoria marginalista, será atingido
quando a utilidade marginal das mercadorias se igualarem ao custo marginal do produto
(ibid., p. 25), sendo que, neste caso, o valor estará reduzido ao valor dos fatores de
produção originários – trabalho e terra: “[...] os resultados fluem diretamente para os
fatores produtivos originais” (ibid., p. 26). Qualquer semelhança entre este modelo de
Schumpeter do fluxo circular e o de Marx, da reprodução simples, não é mera
coincidência, pois, de acordo com Nasar (2012, p. 197) ele observaria alguns anos mais
tarde que sua ideia era “exatamente igual à ideia... de Karl Marx”.
No segundo capítulo, intitulado O fenômeno fundamental do desenvolvimento
econômico, é que Schumpeter irá dar a sua grande contribuição para explicar este
processo, ao investigar os elementos (ou forças) que, brotando de dentro deste sistema
imutável, em que a firma não influencia o preço e a concorrência ocorre entre pequenas
empresas que produzem bens homogêneos (noção walrasiana-marshalliana) rompem
com sua inércia e colocam-no em movimento. Schumpeter tem clareza, em contraste
com a economia de fluxo circular, que ocorrem mudanças no sistema, seja por
modificações nos dados não sociais (naturais), nos dados sociais não econômicos
(efeitos da guerra, mudanças na política comercial, social ou econômica), seja no gosto
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envolverem ações e estarem sujeitas a custos com patentes, acordos, contratos de longo
prazo etc.
Ora, se ocorre um deslocamento dos meios de produção da economia do fluxo
circular para as novas atividades surgem duas perguntas (idem, p. 50): i) quem adquire e
passa a comandar os novos meios de produção?; e ii) como essas novas atividades são
financiadas? Tais perguntas procedem porque no fluxo circular nem se gera poupança e
nem há empresário, mas apenas dirigentes de empresas. Neste caso, aparecem, nas suas
respostas, as figuras do crédito (do “capitalista”) e do empresário.
Para ele, a realização de uma inovação só pode ocorrer por meio do crédito
(financiamento) concedido por uma categoria de indivíduos chamados de “capitalistas”,
já que os recursos adicionais para isso não brotam do ventre do fluxo circular, cuja
reprodução ocorre automaticamente sem “sobras”. Nisto, diverge da visão tradicional
em pelo menos dois pontos: no primeiro, por que esta vê a necessidade de um acréscimo
dos meios de produção para processos produtivos novos, o que não seria o caso para
Schumpeter, que considera que aqueles serão retirados do fluxo circular e
recombinados; o segundo, de que os valores requeridos para a inovação dependeriam,
também de acordo com a visão convencional, da formação prévia de poupança (da
parcimônia do indivíduo, do ato de abstenção do consumo presente para auferir renda
futura), o que Schumpeter considera limitado, atribuindo este papel ao crédito, ao
banqueiro capitalista, que tem a capacidade de criar poder de compra “a partir do nada,
que se adiciona à circulação existente” (idem, p. 52-3): “É essa fonte a partir da qual as
novas combinações frequentemente são financiadas e a partir da qual teriam que ser
financiadas sempre, se os resultados do desenvolvimento anterior não existissem de fato
em algum momento”. Nesta perspectiva, enxerga tanto o crédito bancário como o
banqueiro capitalista como “fenômenos do desenvolvimento”.
Já em relação ao empresário, que Schumpeter conceitua em termos amplos, este
se caracterizaria por realizar, dar vida às “novas combinações”, que ele passa a chamar
de “empreendimento”, incluindo naquela categoria todos os indivíduos que cumprem
essa função (gerentes, membros da diretoria da empresa, promotores etc.), descartando
que estes corram risco, diferenciando-o, portanto, do capitalista, a quem de fato
caberiam os riscos do investimento. Neste sentido, a atividade do empresário não deve
ser vista como uma profissão, nem como uma atividade permanente, não constituindo
uma classe social no sentido técnico, como é o caso dos proprietários de terra, dos
trabalhadores e dos capitalistas. Ele apenas exerce um tipo especial de “função” no
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produtos já existentes [...] sendo sua natureza a de criar uma nova demanda, sem
simultaneamente criar uma nova oferta de bens” (idem, p. 74), o que ele chama de
“fenômeno do crédito”, que consiste na criação de um poder de compra para transferi-lo
para o empresário. Com ele, nem os ofertantes de produção precisam “esperar” e nem o
empresário de adiantar-lhes dinheiro ou bens existentes, fechando-se a brecha que
tornaria o desenvolvimento extraordinariamente difícil.
Essa “nova” demanda exercida pelo empresário pela retirada de bens de seu uso
anterior tenderá, por sua vez, a provocar uma elevação dos preços dos serviços
produtivos, causando o que ele chama de “inflação creditícia”, e comprimindo o poder
de compra antigo. Mas, seguindo adiante, se tudo correr de acordo com as expectativas
do empresário, este processo terá, ao seu final, enriquecido a corrente social com bens
cujo preço total é superior ao crédito que lhe foi concedido, ver restaurada a
equivalência entre o dinheiro e as correntes de mercadorias, a inflação creditícia
eliminada e os efeitos sobre os preços mais do que compensados, podendo haver até
deflação. Isso permitirá ao empresário pagar a dívida contraída (incluindo os juros) e
ainda reter um saldo credor, que corresponderá ao seu lucro, os quais permanecerão em
circulação, enquanto o crédito bancário original desaparecerá, com o pagamento da
dívida. Até que este processo novamente se reinicie.
Em preparação para o capítulo que se seguirá, Schumpeter procura deixar claro o
que entende como capital: “O capital não é nada mais do que a alavanca com a qual o
empresário subjuga ao seu controle os bens concretos de que necessita, nada mais do
que um meio de desviar os fatores de produção para novos usos, ou de ditar uma nova
direção para a produção” (idem, p.80). O capital, neste sentido, não se vincula e nem
está corporificado em nenhuma categoria de bens e de serviços, mas representa apenas
uma ponte entre o empresário e o mundo de bens necessários para a produção, nada
mais sendo que um fundo de poder de compra, do dinheiro, do “fluxo de rendimentos”,
com o que o conceito se aproxima do de Irving Fisher.
Mas é capital apenas enquanto permite a aquisição e o comando sobre os bens e
serviços voltados para a produção, o que só pode ser realizado pelos meios de
circulação em geral (o que inclui o dinheiro tomado como meio de pagamento), como
agente independente, especial. Visto desta maneira, o capital é definido como a soma
dos meios de pagamento que está disponível em dado momento para transferência ao
empresário, ao qual nada corresponde no fluxo circular, onde ele não existe como tal
(idem, p. 79-84). E é no mercado monetário (ou mercado de capitais) que empresários,
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Por isso, para ele, “[...] não há razão alguma para falar no sentido de igualar os
lucros, pois apenas o embaralhamento do juro e lucro explica por que muitos autores
(incluindo Marx) sustentaram tal tendência”, já que os lucros podem ser
extraordinariamente diferentes mesmo num único lugar e numa mesma indústria.
Filho do desenvolvimento, o lucro é também responsável pela acumulação da
riqueza, sendo a ação empresarial o motor da criação da maioria das fortunas, o
condutor do sistema para patamares mais elevados de desenvolvimento, garantindo,
com isso, o sucesso do capitalismo pelo processo de “destruição criativa” que realiza ao
fazer os negócios antigos sucumbirem às inovações. Neste processo, o empresário pode
também se transformar em vítima e dele ser excluído caso não renove continuamente
sua criatividade, mesmo por que sua capacidade não constitui um bem que, como
outros, pode ser transmitida para seus herdeiros, por tratar-se de algo exclusivo de sua
figura, uma condição praticamente inata ao indivíduo.
Se o lucro não se confunde com o juro, enquanto se considera este como um
custo como no capítulo quarto, como com ele se relaciona e qual o tratamento dado a
este por Schumpeter na sua Teoria? Este o tema desenvolvido no capítulo cinco, o mais
longo desta sua obra e talvez um dos mais complexos pela abordagem que realiza sobre
o que ele chama de “dilema do juro” em que se propõe, ao mesmo tempo, tanto fazer
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uma crítica da teoria tradicional sobre essa questão quanto introduzir e compatibilizar
sua visão com o modelo de uma economia em que há desenvolvimento.
No que diz respeito à crítica da teoria tradicional, que justifica o pagamento do
juro com diversos argumentos – prêmio pela abstinência do consumo presente
(poupança) para a aquisição de meios de produção; espécie de salário do capitalista,
concebendo-o como um elemento do custo; valor capitalizado de renda futura; and so
on – Schumpeter os considera inconsistentes, pois incapazes de explicar um rendimento
líquido permanente que adere ao valor, como ocorre com os fatores originários (terra e
trabalho), caso também do juro, que se renova continuamente para o detentor do capital,
o que não se verifica naqueles casos.
Essa é uma questão chave para entender o raciocínio que Schumpeter
desenvolve sobre essa questão para desvelar tanto por que se justifica o pagamento do
juro, assim como este não gera uma lacuna entre o valor do produto e dos meios de
produção, propiciando ao capitalista que, o recebe, o poder de dispor/adquirir bens
produzidos sem romper essa equação. Sua definição de juro, diante disso, logo no início
do capítulo cinco, irá nortear todos os argumentos que apresenta nessa direção,
considerando-o “[...] um prêmio ao poder de compra presente por conta do poder de
compra futuro” (idem, p. 107), tratando-o, dessa maneira, como um fenômeno de valor
independente e como um elemento do preço, que só existe numa economia de troca em
que predomina a propriedade privada, na qual se exige o pagamento de juros sobre o
capital, diferentemente de uma sociedade comunista ou não-mercantil, para se dispor de
bens destinados à produção, configurando-se, portanto, o juro como uma categoria
econômica.
Schumpeter considera, inclusive, nessa análise, o juro cobrado sob diversas
modalidades de empréstimos, principalmente os dirigidos para o financiamento do
consumo, e até mesmo que este invada o circuito de uma economia estacionária, onde
não é necessário, uma vez que os negócios são ali financiados pelo rendimento corrente
da produção, mas não considera estes essenciais para o processo de desenvolvimento,
abstraindo de sua existência. Por isso, delimita bem o juro que interessa à sua
investigação, que ele chama de “juro sobre empréstimos produtivos”, que, nas suas
palavras, e adiantando o argumento de onde provém, “se espalha por todo o sistema
econômico a partir dos lucros inerentes à realização bem sucedida de novas
combinações” (idem, p. 107/8).
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Nesta perspectiva, o juro dessa natureza tem origem, portanto (e é neste ponto
que se relaciona com o lucro) nos valores excedentes gerados pelo desenvolvimento, ou
seja, ele representa uma parte do lucro empresarial, dele depende para existir,
dependendo, portanto, também do desenvolvimento, de demandas de poder de compra
para viabilizar as novas combinações. Mas como o juro é um rendimento permanente e
o lucro empresarial é temporário, transitório – surge e desaparece no processo – isso
significa que nem todo o lucro, nem mesmo parte dele, podem ser direta e
imediatamente juro, o que o leva a formular a seguinte pergunta para concluir sua
análise: “como, a partir de lucros transitórios, sempre mudando, se extrai essa corrente
permanente de juros, fluindo sempre para o mesmo capital?” (idem, p. 118).
Depois de considerar ser este juro uma categoria econômica de uma economia
mercantil, de troca, e novamente criticar a teoria convencional sobre a confusão feita
entre lucro e juro, vinculando o juro contratual ao lucro do empresário, Schumpeter, em
resposta à pergunta formulada – como surge o juro a partir do lucro empresarial? -,
conclui ser “o juro um elemento do preço do poder de compra considerado como um
meio de controle sobre os bens de produção”. Em outras palavras, um pagamento feito
pelo empresário para poder adquirir e ter comando sobre os meios de produção
necessários para a inovação. Então se teria, de um lado, o lucro empresarial, e, contido
nele, o juro sobre o empréstimo produtivo que foi realizado para a inovação e que
garante, ao detentor do capital (o capitalista) um fluxo permanente de rendimento.
A diferença deste processo é que, como já visto, o poder de compra é criado ad
hoc pelo banqueiro (capitalista), por meio de pagamentos creditícios e não, como
contemplado pela teoria da abstinência, por exemplo, com recursos do fluxo circular,
que limitaria o potencial de desenvolvimento, à medida que a demanda de dinheiro
dependeria da formação de poupanças a dada taxa de juros. E o juro, que representa, na
teoria schumpeteriana, uma quota do lucro empresarial, ou seja, uma espécie de perda
para ele, seria definido no mercado monetário por meio da concorrência entre
demandantes e ofertantes de empréstimos produtivos, à luz de suas expectativas de
ganhos financeiros e empresariais. Mas, ao contrário do lucro, o juro não pode ser visto
como um prêmio por realizações, mas um freio necessário à economia de troca, à
medida que opera como uma espécie de “imposto” cobrado sobre o lucro empresarial.
Essas inovações que deslancham o processo de desenvolvimento não ocorrem,
contudo, sem provocar fricções e flutuações no sistema econômico em ondas que por
ele se propagam, conduzindo-o, inicialmente, a uma situação de prosperidade (boom) e,
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forma de avalanche, sem que o sistema disponha de tempo suficiente para a ela adaptar-
se, rompendo-se com o seu equilíbrio natural.
O investimento do capital aparece, assim, como primeiro sintoma do boom,
explicando o surgimento de novo poder de compra (alavancado pelo crédito) e, as novas
combinações, ao levarem à disputa por serviços produtivos com os setores já instalados,
provoca aumento dos preços, dado a ampliação da demanda por emprego, acompanhada
da consequente elevação dos salários, aumentando a demanda por bens de consumo e o
nível geral de preços. Neste ambiente de pressão inflacionária – característico dos
booms – a taxa de juros torna-se também ascendente, assim como os custos dos fretes e
exerce-se uma pressão sobre os saldos e as reservas bancárias, difundindo-se, no clima
de euforia que passa a predominar, a prosperidade por todo o sistema econômico
(Schumpeter, idem, p. 152-3). Um novo cenário emerge, assim, do mundo monótono do
fluxo circular e dissemina-se, com uma grande força que se move para frente durante o
período em que vicejam essas condições, para a economia como um todo.
Embora a elevação do nível geral de preços venha a acarretar, mais à frente,
perdas reais para os salários, como estes foram elevados antes de os novos bens que
começaram a ser produzidos chegarem ao mercado, seus ganhos tenderão a ser
mantidos por algum tempo. O lucro do empresário, viabilizado pela inovação, reaparece
neste quadro, propiciado por custos unitários menores que as empresas já instaladas,
assim como os juros sobre os empréstimos produtivos, garantindo saltos nos meios de
circulação geral e expansão da produção. Apenas as empresas antigas – inicialmente na
indústria que recebe a inovação e depois em todo o seu conjunto – perdem poder de
competição e, para não serem expulsas/alijadas do mercado, precisam se
adaptar/reciclar para seguir essa onda, o que, paradoxalmente, se leva a uma ampliação
do processo de desenvolvimento, passa, ao mesmo tempo, a minar os frutos gerados
pela inovação, com a ampliação da oferta dos novos bens e o consequente declínio de
seus preços, prenunciando-se uma caminhada rumo à depressão, em busca de um novo
ponto de equilíbrio para o sistema, embora em patamar mais elevado, do ponto de vista
das rendas e da produção, em relação ao anterior. É por isso que afirma que
[...] o boom cria por si mesmo uma situação objetiva que,
mesmo deixando de lado todos os elementos acessórios e
fortuitos, dá fim ao boom, facilmente conduz a uma crise,
necessariamente a uma depressão e assim a uma posição de
relativa fixidez e ausência de desenvolvimento. (idem, p.150).
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Mas que elementos são esses que estão contidos no próprio boom e que
terminam conduzindo a economia para a depressão?
Schumpeter considera que erros podem ser cometidos na avaliação dos
empresários sobre os novos empreendimentos e provocarem perturbações no sistema,
mas não vê, neste cálculo, as tensões causadas no boom, com a ruptura do equilíbrio
anterior, destacando outras causas: i) no início do processo, a elevação dos preços dos
meios de produção aumenta os custos das empresas antigas, que começam a enfrentar
prejuízos, mesmo contando com o amortecedor da quase-renda, que, no entanto, só é
efetivo temporariamente; ii) somente no final do processo, depois da renda ser difundida
em quase todos os circuitos, os novos bens chegam ao mercado com preços mais
elevados para compensar os prejuízos das que estão sofrendo, desde o início, com o
aumento dos custos, enquanto o boom está em curso; iii) o aparecimento dos novos
bens, em maior quantidade, produz uma queda dos preços, reduzindo os ganhos e o
ímpeto do processo; iv) estes efeitos dos novos empreendimentos, que estão à frente dos
antigos, conduz também a uma deflação creditícia, porque os empresários começam a
pagar suas dívidas, ocasionando redução do poder de compra que foi criado para o
financiamento das inovações, exatamente quando surge o complemento de bens que
poderia ser produzido, à maneira do fluxo circular.
Neste caso, sem novos investimentos, começam a perder força os impulsos do
boom e a conduzir a economia para a depressão em busca de uma nova posição de
equilíbrio: a queda dos preços dos produtos leva ao desestímulo dos investimentos e da
atividade empresarial, ao desaparecimento gradual do lucro empresarial e dos juros
produtivos, com queda do volume de emprego e declínio da taxa de juros, derrubando a
demanda por outras mercadorias, num círculo vicioso, que termina tornando inevitável a
depressão, que ele considera necessária para incorporar as inovações do boom, dar
expressão aos seus efeitos sobre as empresas antigas e retornar a uma nova posição de
equilíbrio. Assim, ao contrário do que comumente se acredita, a depressão exerceria,
neste sentido, um papel regenerador da economia, podendo ser vista como benéfica para
a revitalização de suas forças por entregar, em um patamar mais elevado do sistema
econômico, o que foi prometido pelo boom: “A corrente de bens enriquecida, a
produção parcialmente reorganizada, os custos diminuídos e o que aparece a princípio
como lucro empresarial [incrementando] depois as rendas reais permanente de outras
classes” (Schumpeter, idem, p. 161-2).
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Não foi uma antevisão correta: apesar do crescimento provavelmente ainda mais
espetacular do capitalismo, especialmente após a Segunda Grande Guerra, o que se
observou foi a piora na distribuição de renda, o agravamento dos problemas sociais e o
aumento das desigualdades.
Apesar de entusiasta do sistema, Schumpeter, no entanto, foi perdendo,
gradativamente, confiança na sua capacidade de sobrevivência, acreditando que seria
inevitável sua substituição pelo socialismo, mas não em virtude de suas contradições
internas, como na análise de Marx, mas em decorrência de seu próprio sucesso, como
colocará em seu trabalho de 1942, Capitalismo, Socialismo e Democracia: “[...] o
capitalismo está sendo morto por suas realizações” (Schumpeter, 1942, Prefácio à
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primeira edição, p. 505). Nessa obra, Schumpeter analisou três tendências no sistema
que pareciam indicar sua trajetória rumo ao colapso:
1) O desenvolvimento da economia capitalista, ao dar origem e alimentar o crescimento
das grandes corporações, tendia, na sua análise, a solapar a função inovadora do
empresário individual e do processo de desenvolvimento, ao substitui-la por comissões
e equipes de especialistas pautados por mera administração burocrática de rotina,
limitando o avanço do progresso tecnológico. Sem o espírito aventureiro e criativo do
empresário, responsável pelas “[...] recorrentes ‘prosperidades’ que revolucionam o
organismo econômico e pelas recorrentes ‘recessões’ derivadas do impacto
desequilibrador dos novos produtos ou métodos” (idem, p. 173), o progresso
tecnológico se transformava, para ele, “em assunto de equipes de especialistas treinados
que cria o que lhes é pedido e fazem-no funcionar de maneira previsível”, tornando-se
“despersonalizado e automatizado”, eliminando, como decorrência, a essência do
sistema (o progresso tecnológico), o que faria com que a empresa capitalista se tornasse,
ela própria “supérflua – a se fazer em pedaços sob a pressão de seu próprio êxito”
(idem, p. 175-6);
2) A corrosão de seu próprio quadro institucional, com o enfraquecimento da propriedade
individual em favor de uma forma mais difusa de propriedade na moderna sociedade
anônima e, como decorrência, do que ele chama de “camadas protetoras” do sistema –
pequenos proprietários, pequenos negociantes, pequenos industriais, agricultores e
outros -, que deixam de com ele se identificar, de lutar por sua sobrevivência:
...o processo capitalista, ao substituir as paredes e as máquinas
de uma fábrica por um mero pacote de ações, tira a vida da
ideia de propriedade [e] afrouxa o laço que outrora foi tão
forte – um laço no sentido do direito legal e da capacidade real
de fazer o que se queira com a propriedade; laço também no
sentido de que o dono do título perde a vontade de lutar,
economicamente, fisicamente, politicamente por ‘sua’ fábrica,
e, por seu controle sobre a mesma, de morrer, se necessário, à
sua porta. (idem, p. 185).
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Passados, no entanto, setenta anos após sua profecia, o capitalismo, apesar de ter
mergulhado em várias crises, não deu mostras de sucumbir como modo de produção,
enquanto o triunfo do socialismo parece ter ficado mais distante, especialmente após a
queda do muro de Berlim, em 1989.
4. Bibliografia
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