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VIVER É UMA QUESTÃO FILOSÓFICA

Lannoy Dorin*
A causa básica da infelicidade do homem ocidental, seja ele pobre ou rico em
termos materiais, está na sua crença de que é apenas um organismo e que sua mente é
simplesmente um conjunto de funções cerebrais que medeiam as situações e seus
comportamentos. Assim, sou o que as ciências me descrevem ou interpretam. E o mundo é
o que meus órgãos de sentido e as ciências dizem que é.
Essa visão materialista faz com que o indivíduo viva preso demais ao seu corpo, aos
bens que podem satisfazer seus desejos e às pessoas que podem reduzir seus sofrimentos.
Em alguns casos, esse pensar egoísta se permite incluir os filhos: “É preciso ter posses para
não deixar os descendentes desamparados”.
Uma outra forma de ver o mundo e o homem é aquela que chamam de espiritualista.
Segundo ela, a minha essência, o que faz com que eu seja eu, é meu espírito. Mas ele existe
temporariamente num corpo e vive entre seres humanos; logo, a realização dessa essência
se dá por meio da existência. É ela que permite ao indivíduo realmente ser o que ele
potencialmente é.
Para as grandes religiões e doutrinas espiritualistas que advogam a tese da
reencarnação, ao nascer o indivíduo traz seu carma, o que adquiriu em encarnações
passadas. E essas experiências de vidas passadas atuam como ondas subconscientes, que,
no caso das maléficas ao crescimento pessoal, devem ser extintas, perderem sua
potencialidade e freqüência por ações que signifiquem devoção (Iôga), compaixão
(Budismo), amor (Cristianismo).
Ao elaborar a teoria do inconsciente coletivo, Jung deu o nome de self ao arquétipo
(motivo da espécie) da ordem e totalidade, em nível inconsciente, da personalidade (o que
somos). Esse eu maior possui a essência do que fomos e do que poderemos ser para o bem
ou para o mal, segundo o ponto de vista da sociedade em dado momento histórico. Desse
modo, a realização do self, que Jung chamou de individuação, pode ser a de um ditador
impiedoso ou a de um humanista.
Outro arquétipo é a sombra, o nosso lado primitivo. Ela é o conjunto de disposições
que não aceitamos conscientemente, mas que sempre está caminhando conosco para que
não esqueçamos de nossa origem animal, como nos mostram nossas unhas e pelos.
Os espiritualistas vêem a obra de Jung como uma ponte ligando a ciência
(conhecimento comprovado) à religião (os valores). O self, o eu maior, pode ser entendido
como o espírito; a sombra como os apetites, as exigências biológicas; e o ego, o eu menor,
o centro da consciência, como o produto, em boa parte, de condicionamentos, de
aprendizagens.
Para Jung, cabe ao ego a função de conhecer a natureza do indivíduo e a realidade
exterior. E, embora preso de um lado à herança de sua espécie e de outro aos códigos de sua
cultura, ele tem uma relativa liberdade. Como nos ensinam os milenares textos sagrados, o
homem tem o livre-arbítrio, o direito de escolha. De modo que o sentido do seu viver é
dado por ele, tenha ou não consciência de que é o principal personagem de sua história da
vida.
Para se realizar, o indivíduo deve procurar o equilíbrio, que corresponde ao caminho
do meio do Budismo. Como nossos atributos existem em forma de opostos, devemos
sempre evitar os extremos. Não podemos ser escravos de nossos papéis, vivermos com
máscara o tempo todo. Isto é a realização do arquétipo persona. Também não podemos
deixar que as tendências animalescas subconscientes nos dominem. Temos que ouvir nossa
voz interior (a mulher, anima, que fala com o homem, e o homem, animus, que fala com a
mulher). É a partir de um razoável equilíbrio entre esses arquétipos que podemos nos
realizar.
A verdadeira realização é a do lado belo, grandioso, sublime do self. Por isso são
importantes os grandes humanistas. Eles nos mostram o caminho e nos ensinam como lidar
com nossos anseios e nosso sofrimento.
Em suma, a ciência descreve o homem e seu mundo, mas viver é uma questão
filosófica. Pelo que não ha como pôr de lado os ideais e valores das grandes religiões, as
quais não devem ser confundidas com milhares de igrejas especializadas na arte de enganar
e explorar os sofredores em geral.
 Lannoy Dorin é professor e jornalista
autônomo.

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