Você está na página 1de 24

CONHECIMENTOS

GERAIS
EDUCAÇÃO

PARTE 3
A EDUCAÇÃO SEGUNDO A PROPOSTA DOCUMENTO SE APRESENTA COMO
CURRICULAR DA PREFEITURA DIRETRIZES- FOMENTA A NECESSIDADE DE
DE SÃO JOSÉ AVALIAR O CONTEXTO E FAZER A INCLUSÃO
DO DIA A DIA VIVENCIADO

APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA CURRICULAR

O desejo é de que todos os educadores explorem,


ENFATIZA A NECESSIDADE DE UM FAZER analisem e se apropriem desse referencial, que
PEDAGÓGICO REFLEXIVO nasceu do confronto entre os conhecimentos
apropriados nos cursos de capacitação, das experi-
Este documento é fruto de um grande desafio ências trazidas, do novo que foi permitido viver,
assumido por profissionais que se propuseram além das construções que nos foi possível fazer,
a repensar o seu fazer, buscando antes de tudo o mesmo diante de diferentes momentos de angústia
saber fazer. Acredita-se que essa proposta sintetiza e insegurança. Leiam, releiam, pois cada leitura feita,
não só os processos de aprendizagem e as teorias a informações são analisadas e absorvidas segundo
eles subjacentes, como também resume boa parte nossos referenciais, produzindo significados que irão
de nossos pensamentos, experiências e principal- transformar verdadeiramente a prática cotidiana.
mente o grande anseio de aprofundar as discussões É importante incluir nessas leituras, as produções
sobre a relação ensino aprendizagem. Muitos de diárias dos educandos. Pois estas, serão geradoras
nossos interlocutores não estão aqui explicitamente de sujeitos produtores capazes de provocar as
citados, mas tenham a certeza que a essência deste mudanças que o atual momento histórico tanto
trabalho se construiu a partir deles, profissionais necessita. Gostaríamos de expressar o grande
sérios e interessados, que a nós se uniram nos prazer que sentimos em ter partilhado do coletivo
inúmeros momentos de reflexões e debates. que construiu este trabalho, além do desejo imenso
de vê-lo chegar às nossas salas de aula.

UM OLHAR SOBRE A CAMINHADA...

VISLUMBRA A EDUCAÇÃO COMO PROPULSORA


DO PENSAR REFLEXIVO - EXERCÍCIO DA
CIDADANIA

Buscar uma proposta curricular pautada numa


concepção de escola que tenha como função social,
o compromisso de garantir que cada aluno que por
ela passe, se aproprie do conhecimento histórico e
socialmente produzido e sistematizado. Ou seja, uma
escola que torne possível a cada aluno a apropriação
das Ciências, da Filosofia, da Arte e da técnica como
condição para a compreensão do mundo em que
vive e nele intervir, agir, exercitar a cidadania.

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 3


ACESSO, PERMANÊNCIA E SUCESSO das crianças,
adolescentes, jovens e adultos na escola;

GESTÃO DEMOCRÁTICA DO SISTEMA DE ENSINO,


ou seja, concepção e proposta de como lidar com
as relações de poder que perpassam todas as
instâncias e fóruns do sistema, desde a sala de
aula, a direção da escola, os conselhos e o órgão
central;

QUALIDADE DE ENSINO, que requer uma


PROPOSTA CURRICULAR, bem como todas as
condições necessárias para a sua concretização:
Mesmo conscientes do quanto ainda é necessário valorização dos profissionais, formação perma-
avançar, não se pode negar o significado que repre- nente, condições materiais de trabalho, entre
senta este esforço de sistematização. Esta primeira outras.
síntese aponta na direção de uma proposta curri-
cular que seja referência à uma prática pedagógica
que contribua para a transformação da sociedade.

EDUCAÇÃO DE QUALIDADE – REQUER


FORMAÇÃO CONTINUADA CONSTANTE DOS
PROFISSIONAIS

No nosso município, São José, são recentes os


esforços no sentido de começar a resgatar uma das
Sabedores que esta, é um momento do processo dívidas sociais, uma ESCOLA PÚBLICA DEMOCRÁTICA
e como tal deverá ter continuidade através da E DE QUALIDADE que a Política Pública de educação
formação permanente dos profissionais da deve garantir, e, como educadores, temos presente
educação. que precisamos agir no sentido de comprometer o
Neste momento tendo os profissionais como poder público com encaminhamentos para todos
autores, revelamos nossos limites e nossas possi- os elementos indicados acima, tanto no sentido
bilidades, nosso desejo de superação. Foi uma quantitativo quanto, e principalmente no sentido
experiência de trabalho coletivo que se mostrou qualitativo, para alcançar a escola que nossos
fecundo. Esperamos ter despertado um desejo de cidadãos merecem.
busca da melhoria da qualidade de ensino, para a É importante ressaltar que este texto é um
rede municipal de São José. primeiro esforço de sistematização, e uma primeira
síntese que deverá, nos próximos anos, passar por
aprofundamentos, desenvolvimentos, resignifi-
ENCAMINHAMENTOS EDUCACIONAIS
cações, enfim superação para sua maior qualidade,
pois não temos a pretensão de ter dado conta de
Para nós educadores, está suficientemente
tudo que uma proposta curricular requer. Neste
claro que uma política pública de educação tem um
momento, nosso texto reflete nossas fragilidades,
caráter mais amplo e complexo e envolve questões e
nossas contradições, mas também nossas muitas
encaminhamentos que contemplem:
possibilidades.

4 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


Demos um passo importante como sujeitos-au- que melhor nos responderia as questões relativas a
tores-educadores ao construirmos os primeiros formação dos homens – sujeitos – cidadãos contem-
delineamentos de uma referência comum para porâneos.
nosso trabalho educativo, que como nos propõe
oliveira (1996, página 28) deve: Psicologia Histórico-Cultural desenvolvida por Lev
Semenovich Vigotski (1896-1934), juntamente com
“... contribuir para a efetivação de uma educação seus colaboradores Alexander Romanovich Luria
(1902-1977) e Alexis Leontiev (1904-1979);Tese de-
mais justa, pública e democrática, que de fato
fendida por essa Psicologia: a lei fundamental do
assegure ao máximo a socialização do saber escolar
desenvolvimento humano é que os indivíduos são
como um instrumento cultural indispensável para criados na e pela sociedade na qual vivem.
que o educando possa agir na sua prática social Psicologia histórico-cultural tem seu fundamento
como cidadão consciente e participante das trans- no marxismo e tem seu foco de estudo no processo
formações sociais” educativo; busca responder com os indivíduos se
humanizam e discorre sobre a importância do pro-
fessor nesse processo.

CONSIDERAÇÕES PONTUAIS SOBRE ALGUNS


ELEMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DE
UMA PROPOSTA CURRICULAR VYGOTSKY E O CONCEITO DE ZONA DE
DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

OPÇÃO PELA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

O conjunto de textos que constituem este texto


maior, PROPOSTA CURRICULAR DA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE SÃO JOSÉ – UMA PRIMEIRA SÍNTESE,
tecidos por muitas mãos, mas muitas mãos mesmo,
foram ao longo do processo de suas produções,
bebendo na fonte de um grande referencial teóri-
co-metodológico, de um paradigma – a FILOSOFIA
DA PRAXIS, que toma o mundo natural, a história,
a sociedade, o homem e a cultura como totalidade,
em sua concreticidade – materialidade e em sua
historicidade e dialeticidade. A partir deste grande
referencial buscamos compreender os pressupostos
filosóficos, históricos, sociológicos e psicológicos que
dão sustentação a um Projeto Político Pedagógico
e seus vários elementos constitutivos, e, de forma
Vamos a seguir, pontualmente,
consequente e coerente para uma Proposta
de forma aforismática, tecer
Curricular, como já afirmamos antes.
considerar em torno de alguns
Do ponto de vista da teoria pedagógica, fomos
dos elementos fundamentais
entendendo ao longo do processo de discussão que
com as quais nos preocupamos
a PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA seria aquela,
ao longo do processo de
dentre as várias teorias, que mais nos capaci-
concepção – elaboração da
taria entender o trabalho educativo no momento
PROPOSTA CURRICULAR, em
histórico em que vivemos, tendo em vista suas
sua primeira síntese, neste
múltiplas determinações, ao mesmo tempo em que
primeiro esforço de sistematização – delineamento,
nos aponta possibilidades de transformação.
que ganharão, como já dissemos antes, continuidade
Por último, como um projeto educativo, uma
– num movimento permanente de ação–reflexão–
pedagogia, exige uma teoria da aprendizagem e do
ação, prática–teoria–prática – de aprofundamento,
desenvolvimento, fomos buscá-la na PSICOLOGIA
desenvolvimento, ressignificações e correções nos
HISTÓRICO-CULTURAL, de modo a garantir a
próximos anos.
coerência teórico-prática com os dois referenciais
anteriores, e, porque nos convencemos que seria a

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 5


Nos pautamos então por: UMA VISÃO DE CULTURA que a enxerga, como
dissemos antes, como patrimônio histórico-social
UMA VISÃO DE MUNDO que o enxerga com acumulado pela humanidade no decorrer do
totalidade, que em Sua materialidade-concreti- processo civilizatório, nas mais diferentes formas de
cidade é dialeticamente unidade do diverso; síntese conhecimento – Ciência, Filosofia, Arte, Religião – e
de múltiplas determinações; movimento e trans- os artefatos tecnológicos resultantes da aplicação
formação e permanentes. E mais, é a partir deste prática destes conhecimentos. A partir deste olhar
olhar que poderemos reverter a fragmentação reverter o processo de apropriação privada deste
e seus produtos que põem em risco o planeta e a patrimônio, que exclui a maioria dos homens e os
vida. Entendemos que precisamos ver o mundo para priva de compreender o mundo e a vida de poder
além das cercas dos nossos quintais, do antropo- transformá-los ver e entender então que todo
centrismo predatório. O homem é parte constitutiva homem tem direito a se apropriar deste patrimônio
da natureza, teve nela sua origem e ela precisa ser histórico e socialmente acumulado como condição
conhecida em suas leis para bem ser transformada para humanizar-se.
e utilizada e entender nossas necessidades, mas,
também preservada. UMA VISÃO DE EDUCAÇÃO que a enxerga como a
prática social, cuja tarefa é realizar o processo de
UMA VISÃO DE HOMEM que enxerga como um ser formação dos sujeitos necessários a cada momento
que tem sua gênese na natureza em seu processo histórico-social. A partir deste olhar, compreender
de transformação quantitativa e qualitativa – a que cada homem se humaniza na medida em
hominização – o engendra enquanto historicidade – que se apropria do patrimônio histórico-cultural
sociabilidade: O enxerga como um ser que por sua acumulado. A partir deste olhar, entendemos que
atividade-trabalho sempre realizada nas relações ela pode contraditoriamente servir à reprodução –
sociais, produz a vida e a si mesmo, e, para criá-la alienação – ou servir à transformação – emancipação
produz cultura e este processo de produção e todas individual e coletiva. Ver, então, que ela pode fazer
as suas consequências é a história. É a partir deste nascer em cada sujeito o homem que ele pode ser.
olhar que superaremos o imediatismo do modo de
pensar hegemônico, se quisermos que haja futuro UMA VISÃO DE ESCOLA que a enxerga como o lugar
para as novas gerações. Entendemos que preci- que histórico e socialmente foi concebido para,
samos ver o homem como ser histórico-social que privilegiadamente, intencional e organizadamente
ao transformar o mundo-natureza transforma-se a garantir a socialização – apropriação do conheci-
si mesmo e vai acumulando um patrimônio cultural mento universal acumulado e sistematizado – a
que cada homem novo precisa-se apropriar para se Ciência, a Técnica, a Filosofia e a Arte – convertidos
fazer homem, se fazer sujeito que faz a história. em saber escolar. A partir deste olhar, entendemos
que a escola é lugar de superação do senso comum
UMA VISÃO DE SOCIEDADE que a enxerga como pela apropriação crítica e criativa do saber mais
resultado da forma como os homens se relacionam elaborado que o gênero humano produziu para
entre si para produzirem suas vidas ao longo do interpretar e transformar o mundo. Ver, então que
processo histórico. A enxerga como condição de a educação escolar tem a tarefa de formar sujeitos
possibilidade da existência humana, mas no decorrer individuais e coletivos à altura do que o gênero
da história predominantemente cindida, dividida humano é capaz na contemporaneidade.
entre uma pequena parte de homens que em tendo
o poder econômico detêm também o poder político, UMA VISÃO DE APRENDIZAGEM E
social e cultural, e, uma outra parte, constituída DESENVOLVIMENTO que os enxerga como
sempre pela maioria, oprimida, alienada, explorada. processos que são dialeticamente articulados e se
A enxerga neste momento tendo o “o homem como dão nas relações – interações sociais – impulsio-
lobo do homem”, mas não como naturalmente dado, nados, mediados dialogicamente. A partir deste
e, sim como uma situação resultante de uma deter- olhar, entendemos como os processos que devem
minada correlação de forças que pode ser alterada, ser intencionalmente desencadeados – organizados
superada na perspectiva, de uma sociedade justa, pelos sujeitos mais experientes (educadores) para
solidária. que os menos experientes (educandos) se apropriem
da Cultura (conhecimentos históricos e socialmente

6 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


produzidos, acumulados e sistematizados). Ver trabalho educativo, e mais, muitos dos textos nos
que o trabalho educativo é o processo de ensinar- possibilitem aprofundamentos e compreensão do
-aprender que torna o desenvolvimento humano arsenal conceitual, que constitui o referencial teórico
possível. Entender, então, que é na interação com que sustenta a concepção de mundo, de homem,
os outros homens, apropriando-se e resignificando sociedade, educação, em sua materialidade-histori-
o patrimônio histórico-cultural da humanidade que cidade-dialeticidade, já indicadas antes.
o sujeito se faz homem. Para a continuidade do processo teórico-prático
de superação, deste primeiro momento, é que
UMA VISÃO DE CURRÍCULO que o enxerga como indicaremos uma bibliografia; pois, à medida que
um “artefato”, um instrumento, em torno do qual assumimos nossa condição de eternos aprendizes –
se articula o trabalho educativo escolar, que ao pesquisadores, nos apropriamos, de forma sempre
operar recortes no patrimônio histórico-cultural mais consistente, dos referenciais teórico-metodoló-
da humanidade o faz criticamente no sentido gicos que são pressupostos nesta primeira síntese
de garantir que as novas gerações se apropriem da PROPOSTA CURRICULAR.
do que há de mais avançado, relevante e signifi-
cativo, e se aproprie, também, dos métodos de CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA AVALIAÇÃO
produção de conhecimentos novos, necessários à DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
interpretação e transformação do mundo natural,
histórico-econômico-político-social-cultural e A avaliação sempre foi considerada um problema
também subjetivo-individual. A partir deste olhar, na teoria e na prática do trabalho educativo.
entender que o currículo organiza o conhecimento Neste texto introdutório não vamos recuperar
convertido em saber escolar e suas formas de socia- toda a história da questão, mas teceremos algumas
lização – apropriação, considerando seus vários considerações sobre alguns dos problemas que
elementos constituídos – os conteúdos, os métodos, ela envolve, bem como, ousaremos fazer algumas
a relação pedagógica, as formas de avaliação, entre indicações para avançarmos numa perspectiva
outros. Ver, então, que uma PROPOSTA CURRICULAR transformadora.
muito mais que um texto, uma peça, um artefato, um
instrumento, é um elemento do processo – trabalho A avaliação é um dos elementos do currículo, faz
educativo. Muito mais que um rol de disciplinas e parte do ritual pedagógico e sua concepção deve
suas especificidades quanto a conteúdos, métodos, guardar coerência em relação aos demais aspectos
formas de avaliação. que o constituem.

É um documento, uma promessa que expressa um Pensar a questão da avaliação, significa ter que
compromisso teórico-prático com uma visão do enfrentar uma série de temas que tecem uma
mundo, de homem, de sociedade, de educação, de rede de fios que se inter-relacionam, e, que neste
escola, de cultura – conhecimento, de aprendiza- momento nos limitaremos a pontuar:
gem e desenvolvimento, conforme fomos indican-
do até aqui, tendo por finalidade a formação dos
• A reprodução, a repetência, a evasão escolar;
homens – sujeitos – cidadãos contemporâneos.
• A “cultura do fracasso escolar” e do “problema
de aprendizagem” como culpa-responsabilidade só
do aluno;
RESSALTA A IMPORTÂNCIA DE UM ARCABOUÇO
• Redução da avaliação a aprendizagem negligen-
TEÓRICA/ METODOLÓGICO PARA RESPALDAR
ciando a “ensinagem”;
O FAZER PEDAGÓGICO.
• A homogeneização como princípio e suas
manifestações na forma de premiação e punição-
É importante ressaltar que cada
-castigo para com os bem ou mal adaptados;
educador, deverá estudar,
• Centralidade no aspecto cognitivo, pautado na
compreender e se apropriar não
memorização dos conteúdos;
apenas dos textos – indicações da
parte introdutória e de sua área
Demonstração do conhecimento com data marcada;
de atuação específica – mas do
• A prova como principal instrumento;
conjunto dos textos, tendo em
• A nota como moeda corrente;
vista, ir alcançando o entendimento da totalidade do

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 7


• A vulnerabilidade do ato de avaliar em vista o • Se nosso compromisso histórico, social, ético,
avaliador; enquanto educadores é com um Projeto Político
• As relações complexas entre os objetos do Pedagógico onde efetivamente nossos educandos
Projeto Político Pedagógico da escola e proposta de aprendam e se desenvolvam, a prática da avaliação
avaliação. deve significar o diagnóstico, a compreensão deste
processo, oportunidade em que cada um dos
Os aspectos acima são apenas alguns dos muitos sujeitos nele envolvidos, educador e educandos, se
a serem enfrentados e resolvidos tendo em vista autocompreendam tendo como referência a apren-
desenvolvermos outra cultura, compatível com dizagem, a socialização – apropriação do máximo
a concepção de educação e escola que estamos de conhecimento possível e necessário, do ponto
teórica e praticamente produzindo, num exercício de vista individual e socialmente significativos, e, de
permanente de ação – reflexão – ação. modo satisfatório.
Fazemos agora algumas indicações de caráter
bastante genérico para uma proposta de avaliação • A avaliação significando a identificação dos
do processo ensino-aprendizagem, tomando limites e possibilidades, subsidiará a tomada de
como referência, principalmente, as contribuições decisão na direção da busca das condições neces-
de Luckesi (1995), Freitas (1995), Vasconcellos sárias ao encaminhamento de ações adequadas para
(1994, 1998a., 1998b.), Santa Catarina – SEE (1998), a superação daqueles limites, fragilidades, dificul-
Florianópolis – SME (1996). dades e explorar as possibilidades, as situações que
Lembramos que os textos de cada uma das favoreçam a inclusão de todos os educandos no
áreas de conhecimento trazem contribuições processo de aprendizagem e desenvolvimento satis-
para avançarmos na compreensão-solução desta fatórios.
questão, bem como trazem as indicações conside-
rando as suas especificidades. • Avaliação significando a compreensão do curso
Nós educadores precisamos ter posicionamentos da ação educativa, que em se revelando insatisfa-
teóricos e práticos claros a respeito do projeto histó- tória deve buscar encaminhamentos para dar conta
rico-social e do projeto político pedagógico que o do seu compromisso, ou seja, a aprendizagem e
traduz e com os quais nos comprometemos. o desenvolvimento do educando, sua formação
Precisamos ter clareza também que a proposta enquanto sujeito individual e coletivo, que passa
de avaliação deve guardar coerência com os projetos pela apropriação ativa, crítica e criativa do conheci-
e propostas mais amplos dos quais é um elemento mento, dos conteúdos sócio-culturais significativos,
constitutivo. o aprendizado de todas as condutas, habilidades,
Considerando a visão de escola, a concepção do hábitos e convicções indispensáveis para viver,
conhecimento (ciência, filosofia, arte, técnica) e seu exercer a cidadania, participar da realização de um
ensino anteriormente indicados e considerando o projeto histórico-social que busque a humanização
princípio de que estamos interessados que nossos de todos.
educandos efetivamente aprendam e se desen-
volvam, propomos que a avaliação, para que reflita • Precisamos aprofundar/avançar em nossa con-
sua essência ontológica constitutiva, seja entendida cepção de avaliação do processo ensino-aprendiza-
como instrumento dialético de diagnóstico. gem a partir de um feixe de categorias que entre
outras o caracterizem como PROCESSUAL, DIAG-
NÓSTICO, DINÂMICO, PARTICIPATIVO, QUALITATI-
VO, INCLUSIVO e EMANCIPATÓRIO, que reflitam o
A concepção de avaliação mais significativamente possível o trabalho educa-
diagnóstica se explicitaria a partir tivo, a prática pedagógica como um processo vivo,
de algumas características: forte, intenso, dialético, de mediação – interação
– dialogicidade.
• A avaliação é sempre um
processo de julgamento de Num esforço de coerência com os fundamentos
qualidade sobre dados relevantes da realidade, que decorrem do referencial teórico que sustenta
tendo em vista uma tomada de decisão que aponta a Proposta Curricular, primeiramente indicamos
para a transformação. que cotidianamente busquemos a superação
dos resquícios ainda presentes em nossa prática

8 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


pedagógica, da concepção de avaliação autoritária, Que a avaliação tenha um caráter participativo,
classificatória, domesticadora e excludente. Para significando a oportunidade em que o educando, o
tanto assumamos o compromisso com o aprofun- educador, os pais, a escola e as demais estruturas
damento da reflexão, da pesquisa e ousemos do sistema educacional, de posse dos resultados,
experimentar novas práticas que venham forta- discutam, reflitam e se autocompreendam como
lecer a concepção da avaliação como diagnóstico, responsáveis pelo processo ensino-aprendizagem.
processo e instrumento, que subsidie nossa ação no Os resultados dos processos de avaliação sejam
sentido da emancipação, da autonomia, da humani- de fato norteadores de atividades mobilizadoras,
zação, ou seja, da inclusão de cada um e de todos os motivadoras para a socialização-apropriação do
nossos educandos num processo de aprendizagem conhecimento como elemento vital para a humani-
e desenvolvimento satisfatórios. zação do homem.
Secundariamente ousaremos fazer outras
indicações, provisórias talvez que pretendam
contribuir já, para as novas práticas: COMO A PROPOSTA CONCEBE O PROCESSO DE
• As notas, conceitos e médias devem significar ALFABETIZAÇÃO
qualitativamente a aprendizagem máxima possível
de conhecimentos necessários em todas as posturas
que são indispensáveis para viver, que representem APRENDIZAGEM E LINGUAGEM: ESCOLHAS
TEÓRICAS
a apropriação das informações e a capacidade de
estudar, pensar, refletir e dirigir as ações de modo Quando os professores da rede municipal de São
adequado. José fazem uma reflexão sobre sua ação docente,
• Aqueles educandos que demonstrarem consideramos importante, antes de mais nada,
apropriação insuficiente dos mínimos necessários destacar que uma proposta pedagógica não se
devem ser constantemente orientados buscan- produz sem que se assuma um entendimento de
do-se as condições e as oportunidades necessárias currículo, tanto se considerada no geral quanto nas
para que a aprendizagem e o desenvolvimento áreas do conhecimento que a constituem. Assim,
ocorram e também eles sejam incluídos, promovidos antes de falarmos especificamente sobre o processo
num esforço permanente de superar a “cultura do de ensino e de aprendizagem da língua materna,
fracasso”. chamaremos a atenção para a compreensão de
currículo que estamos assumindo, pois entendemos
• As atividades, os instrumentos de avaliação que esse é um dos conceitos que orienta a ação
exigem seriedade e rigor técnico na elaboração e docente.
aplicação e se pautar em alguns princípios:
No âmbito deste texto, no processo de ensinar e
aprender a língua como um conhecimento escolar,
(1) São sempre mais uma oportunidade de
compartilhamos da concepção que assume o
aprendizagem;
currículo como uma construção histórica e, como
(2) Implicam clareza de comunicação, evitando sub-
tal, não é um elemento inocente e neutro de trans-
terfúgios que dificultem, para o educando, a
missão desinteressada do conhecimento social.
compreensão do que se solicita;
(3) Sejam significativas e instigantes, em respeito a
Para Moreira e Silva (1995), o currículo está implica-
capacidade dos educandos;
do em relações de poder, transmite visões sociais
(4) Impliquem o envolvimento ativo do educando e particulares e interessadas, produz identidades in-
que estabeleçam a relação constante entre o dividuais e sociais. “O currículo não é um elemento
conteúdo aprendido e solicitado e a vivência do transcendente e atemporal - ele tem uma história,
educando; vinculada a formas específicas e contingentes de
(5) Propiciem a elaboração e expressão de posicion- organização da sociedade e da educação” (Moreira
& Silva, 1995, p.7-8).
amento dos educandos;
(6) As atividades de avaliação não devem se restrin-
gir a momentos especiais (dia de prova), mas
Neste sentido, o conhecimento não se constitui em
oportunizar aos educandos muitos momentos
verdades prontas, mas numa produção humana,
de expressar a aprendizagem, suas ideias.
histórica e culturalmente elaborada e reelaborada
pelos sujeitos, nas e pelas interações sociais. Ao

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 9


professor, como sujeito mais experiente, cabe o 36% dos professores enquanto que apenas 18%
papel de mediador, interagindo com os diferentes dizem que essa função seria a de socializar entre as
sujeitos na elaboração e apropriação dos conheci- gerações mais jovens os conhecimentos historica-
mentos científicos. mente produzidos, já que está se constitui também
na principal função da escola na concepção socioin-
teracionista, evidenciada na fala da maioria dos
professores.
Porém, se considerarmos as posições dos profes-
sores em relação a essas duas questões com a que
se refere ao espaço de busca desse referencial, é
possível dizer que essas respostas expressam uma
contradição teórico-prática, resultado do caminho
que os professores vêm percorrendo no sentido
de pensar e refazer a sua prática pedagógica. Para
que possamos compreender melhor essa reflexão,
vejamos o que disseram os professores: 78% deles
buscaram o referencial para a efetivação de sua
ação docente em cursos de capacitação, 56% em
leituras autônomas, 50 % em seu curso de formação
para professor e apenas 10% em outras fontes tais
como revistas, reportagens, troca experiências dos
PROFESSOR COMO MEDIADOR
colegas, internet, entre outras. Estabelecendo uma
relação dessa nossa reflexão com o que já dissemos
Além de um entendimento de currículo, podemos
sobre a constituição da rede municipal de ensino de
dizer que é também a maneira de compreender o
São José, é possível dizer que os professores estão
processo ensino-aprendizagem que orienta as
construindo uma “nova” forma de entender e de
ações em sala de aula, mesmo que o professor não
concretizar o processo de ensino-aprendizagem
tenha tomado consciência disso. Com o objetivo de
escolar e esse é um processo longo, sujeito a idas
perceber essa relação teórico-prática, propusemos
e vindas, que não se realiza no espaço apenas de
alguns questionamentos aos professores, de modo
um curso de capacitação. Daí a importância de
que permitissem visualizar o entendimento que eles
discutirmos nesse espaço os fundamentos teórico-
mesmos têm de sua ação docente.
-metodológicos que queremos assumir para a nossa
Quando perguntados sobre o referencial a partir
prática pedagógica.
do qual procuravam pautar a efetivação de seu
trabalho no processo pedagógico, 78% dos profes-
sores dizem que o fazem a partir de um referencial
REFLETIR SOBRE AS CONCEPÇÕES DE ENSINO –
sociointeracionista, 32% tomam como referência
BUSCA POR UMA COERÊNCIA ENTRE TEÓRIA E
o construtivismo, 10% o ambientalismo e 2% o
PRÁTICA
inatismo. Cabe ressaltar, aqui, que se somarmos os
percentuais teremos um valor superior a 100%, pois
Tentando superar as dificuldades do processo
vários professores responderam que assumem mais
ensino-aprendizagem ainda presentes em nossa
de uma concepção para a efetivação de sua prática
realidade educacional, buscamos o pensamento
pedagógica.
de Vygotsky para melhor compreender e realizar
Numa primeira análise, quando os professores
o complexo processo de ensinar e aprender. Na
falam do que entendem ser a principal função da
Concepção Histórico-Cultural (conhecida também
escola, aparecem posições contraditórias em relação
como sociointeracionista e sócio-histórica),
à teoria que assumem: 48% deles dizem que a função
fundamentada nos postulados desse autor, enten-
principal da escola é facilitar a cada aluno o processo
de-se o ensino e a aprendizagem como uma relação
autônomo de construção do conhecimento; para
que se estabelece entre o sujeito que aprende
42% é desenvolver as potencialidades naturais
(aluno) e o conhecimento a ser aprendido (objeto),
do aluno; ajustar o aluno ao meio social, para que
num processo que é mediado por outros sujeitos (no
saiba viver nele é a principal função da escola para
caso da escola, o professor e os colegas). No âmbito

10 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


dessa teoria, a mediação caracteriza-se por ser um provoca o desenvolvimento do sujeito pela relação
processo de intervenção que se realiza pelo uso de que este estabelece com o meio sócio-cultural do
instrumentos e signos. qual faz parte, sempre tendo presente que este é um
processo que não se desenvolve plenamente sem a
SIGNOS: SIGNIFICADO E SIGNIFICANTE ajuda dos outros.

Os instrumentos são elementos que se interpõem


nas relações que se estabelecem ao longo do INTERAÇÕES /INFLUÊNCIAS NA ZONA DE
processo de desenvolvimento dos sujeitos. Para DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
exemplificar: na escola, quando o professor utiliza
um rótulo para ensinar a leitura a seus alunos, está O professor, como sujeito mais experiente do
fazendo uso de um instrumento. Porém, aquilo processo ensino-aprendizagem, interfere na zona de
que esse rótulo representa, aquilo que ele significa desenvolvimento proximal dos alunos fornecendo
se constitui no signo. Os signos são, assim, instru- pistas, dando instruções, demonstrando e dando
mentos da atividade psicológica porque auxiliam assistência nas atividades desenvolvidas. Não se
nas atividades internas do sujeito como lembrar, pode deixar de considerar que a interação que os
comparar coisas, relatar, escolher, entre outras. alunos estabelecem entre si também provoca inter-
venções no desenvolvimento da turma e de cada
criança em particular.

No âmbito desta teoria, a linguagem, como


sistema simbólico, tem um papel fundamental no
processo de desenvolvimento dos sujeitos pelas
funções que assume: a de intercâmbio social, pois a
humanidade cria e utiliza sistemas que possibilitam a
comunicação; e a de pensamento generalizante, pois
permite ordenar o real, agrupar objetos diferentes
em uma mesma classe, eventos e situações distintos
BAKHTIM : UMA REFLEXÃO SOBRE LINGUAGEM
sob um mesmo conceito. São estas funções
que fazem da linguagem, ao mesmo tempo, um
Os estudos da linguagem apontada por Bakhtin,
fenômeno psicológico (mediadora da formação do
entendem que a linguagem compreende língua e
pensamento) e um fenômeno social, já que o seu
fala, estabelecendo, no entanto, uma dicotomia
funcionamento a mostra como um objeto que possi-
entre o aspecto social (língua) e o aspecto individual
bilita a interação humana. É pela apropriação dos
(fala) da linguagem. Sustentam que a linguística deve
significados veiculados pela linguagem, em situações
se preocupar com a língua e não com a fala porque
de intercâmbio social, que aprendemos o conheci-
esta última é individual e heterogênea. A língua
mento disponível em nossa cultura.
(sistema abstrato, homogêneo e social), ao contrário,
As reflexões aqui esboçadas acerca do desen-
se organiza em torno de sua estrutura, o que garante
volvimento e da aprendizagem nos permitem dizer,
unidade e compreensão. O sujeito falante não age
como uma primeira síntese, que é o aprendizado que

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 11


sobre o sistema linguístico, apenas o incorpora.
O objetivismo abstrato relaciona-se com a “Quem ouve ou lê adota para com o discurso alheio
concepção que vê a linguagem como instrumento uma atitude, ou seja: concorda, discorda, comple-
de comunicação, mas, na relação comunicativa, o ta, adapta, executa” (proposta Curricular de Santa
Catarina, Disciplinas Curriculares, 1998, p.61).
outro aparece apenas como ouvinte, como um desti-
natário passivo. Quando o professor tem como único
Nesse processo, “os sentidos possíveis são elabo-
objetivo mostrar o funcionamento da língua, ou
rados coletivamente; em parte eles são meus, em
seja, mostrar como se pode utilizar, sem alterar, as
parte do outro” (Ibid, p. 61) e, nesse movimento, é
habilidades linguísticas já adquiridas, pauta sua ação
que se dá a polifonia, uma vez que a nossa fala, de
nesta concepção. Isso é o mesmo que dizer que para
alguma forma, é a reelaboração da fala dos outros,
saber português, para entender o que se lê e para
por nós interiorizada. Há, portanto, uma multipli-
poder escrever, o aluno precisa aprender primeiro
cação do já dito, uma revitalização da ação do locutor
(ou apenas) a classificar substantivos, pronomes,
pelas recriações do interlocutor. Para Bakhtin, a
advérbios e orações, entre outros fatos da língua.
linguagem é um projeto inacabado que se completa
Esse modo de entender e de ensinar a língua é o que
na corrente da interação verbal, constituindo o
podemos chamar de ensino descritivo.
seu caráter de incompletude. Os vários sentidos
Concluindo sua análise sobre as duas correntes
que uma mesma palavra assume, considerando
que orientavam os estudos sobre a língua, Bakhtin
o contexto em que ela ocorre, é a outra dimensão
entende que o equívoco de ambas está no reducio-
da língua apresentada por Bakhtin. Esses sentidos
nismo que fazem: uma, quando considera a língua
estão, ao mesmo tempo, ocultos e evidentes no jogo
apenas como um sistema abstrato de formas e
do diálogo, caracterizando o que ele chama de polis-
a outra, quando reduz a língua à fala como ato
semia.
individual.
No jogo da interação verbal, Bakhtin vê a
enunciação como parte de um diálogo entre
O autor propõe que pensemos a linguagem, e
indivíduos organizados socialmente e o enunciado
em particular a língua, como o lugar da interação
lingüístico (textos orais e escritos) como a unidade
humana, em que o sujeito falante e o sujeito ouvinte
interacional, mas não como simples produto
interagem na e pela palavra, já que esta está sempre
acabado. Cada enunciado sempre pressupõe outros,
carregada de um sentido ideológico e vivencial.
que foram já produzidos ou que ainda serão produ-
zidos. A enunciação se produz, assim, num contexto
É no processo de interação verbal que os sujeitos
agem uns sobre os outros, ou seja, é ouvindo as sempre social.
falas da mãe, do pai, dos colegas, dos amigos, da
comunidade e da sociedade que nos constituímos Considerar essa forma de compreender a lingua-
como sujeitos. gem é fundamental quando paramos para pensar
e repensar o ensino de língua, no processo de Al-
Quando nos apresenta a linguagem humana, fabetização e na disciplina de Língua Portuguesa,
nas escolas municipais de São José, uma vez que
Bakhtin considera as suas características mais
entendemos que a língua está em constante trans-
profundas. Para ele, não é possível pensar a formação, da mesma forma que a sociedade que
linguagem sem considerar que ela é dialógica, dela se utiliza.
polifônica, incompleta e polissêmica.
O caráter dialógico constitui o princípio fundador
da linguagem como interação, pois cada ser é Pelos estudos que fizemos sobre o processo de
complemento necessário do outro na atividade de ensinar e aprender a língua na escola, pensamos ser
interação (o diálogo é a manifestação mais simples a concepção que entende a linguagem como forma
desse processo). Na interação, ao contrário de de interação (apontada por Geraldi e fundamentada
quando se pensa a linguagem a partir dos conceitos no pensamento de Bakhtin) a mais adequada para
de emissor (ativo) e receptor (passivo), há uma a escola de hoje. A prática pedagógica, nesse enten-
atitude responsiva ativa do interlocutor em relação dimento, preocupa-se com o ensino produtivo de
à palavra do locutor. língua, que tem como objetivo o ensino de novas
habilidades linguísticas para que o aluno possa fazer
uso da língua de maneira mais eficiente. No âmbito

12 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


do ensino produtivo, “o papel da escola não é o
ALFABETIZAÇÃO: UM PROCESSO DE
de ensinar uma variedade no lugar da outra, mas
CONSTITUIÇÃO DE SENTIDOS
de criar condições para que os alunos aprendam
também as variedades que não conhecem, ou com
Na discussão que vem sendo efetivada no contexto
as quais não têm familiaridade, aí incluída, é claro,
da escrita desta Proposta Curricular, de que o
a que é peculiar de uma cultura mais „elaborada�”
homem é um ser histórico, portanto sujeito de suas
(POSSENTI, 1996, p.83. Os destaques são do autor).
relações sociais, reafirmamos a concepção Histórico-
Trabalhar a partir da perspectiva do ensino
Cultural, que permite compreender como se efetiva
produtivo significa, ainda, tomar como conteúdo
o processo ensino-aprendizagem.
da aula de Língua Portuguesa a própria língua,
isto é, a fala, a escuta, a leitura e a escritura - ativi-
Nesta concepção, a criança é vista como um sujeito
dades interacionais que articulam visões de mundo,
concreto, histórico, que se desenvolve e aprende,
perpassadas pela dimensão da análise linguística. O
a partir das experiências vividas em seu cotidiano
texto se constitui no objeto empírico que possibilita o
e pelas trocas no processo de interação que deve
estudo desse processo; mas, ao estudá-lo, devemos
permitir a mediação de sujeitos mais experientes,
pressupor e analisar as condições e operações que
mediante uma intervenção pedagógica planejada
possibilitaram a sua emergência em dado momento
pela escola e pelo professor.
e em dado espaço.

É na interação com outros sujeitos que a criança


Considerando que se aprende a língua à medida
desenvolve as habilidades ditas humanas e passa
que se interage no grupo social do qual se faz par-
a participar do mundo simbólico do adulto, inter-
te, a escola não pode deixar de considerar que a
agindo com ele pela linguagem, compartilhando a
criança já realiza ações com a linguagem no âm-
história, os costumes e hábitos, ou seja, a cultura
bito das instâncias privadas de uso. Cabe à esco-
de seu grupo social, o que lhe possibilita a partici-
la provocar a criança no sentido de que ela pense
pação nos mais variados contextos sociais.
sobre as operações que realiza quando do uso da
linguagem nessas instâncias e encaminhá-la para
as interlocuções em instâncias públicas, o que vai
implicar o uso de estratégias diferentes das que já Isto faz com que se considere fundamental a
dominam (Hentz, 1998, p. 21). interação na elaboração do conhecimento. O papel
do educador nesse contexto passa, então, a ter um
À escola, portanto, cabe ampliar esses processos, significado essencial no processo ensino-aprendi-
proporcionando a maior diversidade possível de zagem, pois professores e alunos, como sujeitos
interações, uma vez que é o espaço onde, principal- com diferentes experiências, medeiam e interagem
mente, “se iniciam as interlocuções em instâncias com o conhecimento num processo dialógico, permi-
públicas, especialmente no que tange às possibi- tindo trocas no cotidiano de sala de aula por meio da
lidades de a criança assumir a posição de locutor palavra.
nesta instância” (Geraldi, 1996, p.44). As instâncias
públicas de uso da linguagem estão relacionadas à
compreensão do mundo num sentido mais amplo, o
CONCEPÇÃO DE ALFABETIZAÇÃO: O MUNDO É
que implica o domínio de conceitos que não apenas
LETRADO
os do cotidiano das crianças. As interações, normal-
mente, se dão à distância e privilegiam a modalidade
A partir da concepção de língua assumida nesta
escrita da língua (Ibid, p. 36-37).
proposta, alfabetizar não significa ensinar aos alunos
Concluímos, portanto, que um dos objetivos do
a repetição de palavras soltas, frases prontas e sem
ensino de língua é o de encaminhar o aluno para
significados ou simplesmente decodificar a escrita
as interlocuções em instâncias públicas de uso da
através de exercícios de coordenação motora, mas
linguagem.
estabelecer uma interação constituída de sentidos,
que implica em uma prática pedagógica efetivada
Para tanto, o processo de Alfabetização e a aula de
pelo trabalho de leitura e escritura. Nesta perspectiva,
Língua Portuguesa devem se constituir em lugar
de que a linguagem é histórica e social, situam-se a
de práticas com a linguagem, não para descrever
a língua, mas para aumentar o êxito dos alunos no fala e a escrita como atividades de representação e
uso que já fazem da língua. interlocução desenvolvidas na relação social.

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 13


As diferentes formas de linguagem, que tornam
em suas diferentes manifestações. Este processo
presentes e representam aquilo que está distante
de apropriação da linguagem escrita deverá pos-
ou ausente, principalmente pelo uso da fala, possi- sibilitar às crianças condições para dar conta das
bilitam expressar os sentimentos e as emoções, demandas sociais de leitura e de escritura, numa
por meio da narrativa, do jogo do faz-de-conta, dos atividade interativa, interdiscursiva presente em
desenhos, das mímicas, dos sons, dos gestos, dos todas as sociedades letradas.
sinais e de uma simples marca no papel. represen-
tações estabelecem uma relação imediata com o
objeto que se quer representar, o que se denomina
simbolismo de primeira ordem. Com relação à
escrita, por constituir-se um sistema particular de
signos e símbolos, ela representa as ideias e o signi-
ficado das relações efetivadas entre os sujeitos e
as diferentes linguagens, envolvendo abstrações
mais elaboradas e complexas, sendo considerada
simbolismo de segunda ordem, por não representar
diretamente o objeto a que se refere.

Para a compreensão do processo de escrita,


a criança precisa entender que escrever não é o Vygotsky (1995) entende que a apropriação da
mesmo que realizar a escrita da fala. Por essa razão, linguagem escrita representa um salto qualitativo
é importante que o professor trabalhe a ideia de no desenvolvimento do sujeito. Esse processo
representação desde o início do processo de alfabeti- tão complexo permite um novo instrumento para
zação, considerando sempre o que a criança já sabe. o pensamento, pois possibilita o aumento da
Para auxiliar nesse processo, o alfabetizador pode capacidade de memória e de registro de infor-
utilizar códigos existentes na sociedade, tais como: mações; propicia diferentes formas de organizar a
logotipos, placas de trânsito, marcas, bandeiras ação do sujeito e oportuniza o acesso ao patrimônio
de clubes e países, bandeiras de sinalização, entre da cultura humana, pela leitura de livros e de outros
outros. O importante é que o aluno entenda que a portadores de texto. Assim, cabe à escola a reali-
função do símbolo é a de representação. Este enten- zação de um trabalho com práticas significativas de
dimento da língua escrita confere à alfabetização um leitura e escritura. Alfabetizar é, pois, possibilitar aos
outro significado e uma outra função, reorientando sujeitos a capacidade de ler e escrever, interagindo
o papel do professor e da escola e determinando um com textos de diferentes gêneros e com diferentes
outro encaminhamento metodológico. Para tanto, funções na sociedade.
a escola deve intensificar, nas atividades de sala de
aula, a convivência constante com “as produções
gráficas utilizadas no meio cultural, conforme o
EDUCAÇÃO INFANTIL
contexto social em que foram produzidas - função
de registro, divulgação de informações e conheci- 1- INTRODUÇÃO/CONTEXTUALIZAÇÃO
mentos, lazer, comunicação, identificação, expressão
de sentimentos e vivências” (Proposta Curricular de A criança é feita de cem
Santa Catarina, Disciplinas Curriculares, 1998, p. 36). A criança tem cem mãos
Isso possibilita aos alunos perceber a função e a Cem pensamentos
importância da escrita na sociedade. Cem modos de pensar
De jogar e de falar
Alfabetizar, nessa concepção, é oportunizar às cri- Cem sempre cem
anças o uso da língua materna em contextos signif- Modos de escutar
icativos, pressupondo a apropriação de diferentes De maravilhar e de amar.
linguagens (da oral, da escrita, da matemática, das Cem alegrias
ciências naturais e sociais, das artes, do corpo, ...) Para cantar e compreender.
e o aprendizado de diferentes conhecimentos, na
relação que estabelecem entre si, com o professor
e sua intencionalidade e com a linguagem escrita

14 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA E SUAS olhar, redefinir o caminhar através de estudos,
INFLUÊNCIAS NO FAZER PEDAGÓGICO DA fazendo assim a relação teoria-prática. Embora com
EDUCAÇÃO INFANTIL alguns equívocos e atropelos, tentávamos resgatar
a criança enquanto sujeito, e foram iniciadas, então,
O presente documento é resultado de um discussões acerca de seus direitos.
processo de discussão com representantes dos Em 1998 e 1999, a Prefeitura Municipal de São
Centros de Educação Infantil (cerca de 20 profis- José respondeu a uma reivindicação antiga dos
sionais) e equipe técnico-pedagógica, coordenado trabalhadores da educação, a capacitação, vislum-
pela Prefeitura Municipal de São José, tendo como brando a elaboração de uma Proposta Curricular
objetivo iniciar um processo de construção das para a Rede Municipal de Ensino. Na Educação
diretrizes e ações pedagógicas para as instituições Infantil, os temas percorrem o que já se vinha
de Educação Infantil deste município. apontando nos anos anteriores, porém com olhares
Falar da Educação Infantil em São José é nos mais apurados sobre a criança enquanto sujeito de
remetermos aos atropelos das diferentes concepções direitos. Assim, a proposta busca dar movimento
que direcionaram o seu percurso. Até 1994, as orien- para o trabalho voltado para a infância, demarcando
tações pedagógicas que permeavam o trabalho com um outro tempo, que não está dado, mas que requer
as crianças tinham origem nas experiências vividas conquistas permanentes.
por cada profissional, as quais nem sempre vinham
de cursos e práticas voltadas para a educação. Assim, a história vivida pelo Município de São
Na busca por superar tais limitações, que naquele José não é muito diferente das muitas histórias
momento se instalavam, pensou-se na organização vivenciadas por outras instituições municipais de
educação infantil, pois esta vem sendo objeto de
de concurso público para ingresso de profissionais
discussão entre professores, pesquisadores e mov-
com formação específica nas diferentes áreas da imentos organizados da sociedade civil.
educação, tornando-se ponto de partida para outras
Neste processo de definição de diretrizes para a
passagens na história da Educação Infantil em nosso educação infantil, torna-se necessário considerar
Município. especialmente a trajetória e a função social dessas
Na continuidade, em 1995, 1996 e 1997, a capaci- instituições (creches e pré-escolas) no contexto da
tação dos profissionais em serviço conquistou sociedade brasileira.
espaço, movimentando-se agora ao ritmo de cursos,
de encontros quinzenais, de paradas pedagógicas
mensais, de reuniões de pais (que passaram de O interesse em redimensionar as práticas educa-
anuais para bimestrais), na tentativa de reflexão tivas na educação infantil associa-se às concepções
sobre a prática. de criança, de educação e de instituição e tomam
Resgatando o pensamento da época, a infância como base os pressupostos filosóficos, antropoló-
se revelava como inocência, fragilidade, docilidade gicos, 149 políticos, sociológicos e psicológicos que
natural, marcada pela homogeneidade, ou seja, situam a criança como sujeito social ativo na relação
como se todas as crianças fossem iguais, com as pedagógica nos diferentes contextos socioculturais.
mesmas possibilidades, mesma cultura. Além disso, A conquista deste espaço ampliou-se com seu
era apontada como um momento mágico, maravi- reconhecimento na Constituição Brasileira de 1988,
lhoso, onde não há desamor, dificuldades, violência, em que a educação infantil passou a ser definida
nem mesmo direitos violados. como dever do Estado e direito da criança.
Além desta conquista legal, houve também a
Neste sentido, pensava-se a instituição de edu- inclusão da educação infantil como parte integrante
cação infantil como um espaço organizado a partir da educação básica na Lei de Diretrizes e Bases da
unicamente do adulto, onde a este caberia decidir Educação (Lei no 9.394 / 1996).
e escolher, ficando para as crianças um espaço de-
limitado para viver seus sonhos e seus desejos.

O CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO,


ACOMPANHANDO O DEBATE ACADÊMICO
Remetendo-nos à trajetória de trabalho daquele E POLÍTICO, INSTITUIU DIRETRIZES PARA A
momento, principalmente no início, as expecta- EDUCAÇÃO INFANTIL NACIONAL:
tivas dos educadores centravam-se na busca por
soluções imediatas. Buscava-se construir um novo

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 15


As propostas pedagógicas das Instituições de VII – O ambiente de gestão democrática por parte dos
Educação Infantil devem respeitar os seguintes funda- educadores, a partir da liderança responsável e de
mentos norteadores: qualidade, deve garantir direitos básicos de cri-
a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, anças e suas famílias à educação e cuidados, num
da Solidariedade, e do Respeito ao Bem Comum; contexto de atenção multidisciplinar com profissio-
b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidada- nais necessários para o atendimento.
nia, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Or- VIII – As Propostas Pedagógicas e os regimentos das In-
dem Democrática; stituições de Educação Infantil devem, em clima de
c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, cooperação, proporcionar condições de funciona-
da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações mento das estratégias educacionais, do uso do es-
Artísticas e Culturais. paço físico, do horário e do calendário escolar, que
II – As Instituições de Educação Infantil, ao definir suas possibilitem a adoção, execução, avaliação e o
Propostas Pedagógicas, deverão explicitar o recon- aperfeiçoamento das diretrizes. 151
hecimento da importância da identidade pessoal de
alunos, (grifo nosso) suas famílias, professores e O entendimento do valor social e do caráter
outros profissionais, e a identidade de cada Uni- educativo das creches e pré-escolas em nível de
dade Educacional, nos vários contextos em que se legislação representa um avanço incontestável, se
situem. considerarmos que anteriormente predominava a
III – As Instituições de Educação Infantil, devem promov- tendência à assistência, guarda e recreação. Como
er, em suas Propostas Pedagógicas, práticas de ed- afirma Campos et alii:
ucação e cuidados que possibilitem a integração
entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cog- “A subordinação do atendimento em creches e
nitivo/lingüísticos e sociais da criança, entendendo pré-escolas à área da educação representa, pelo
que ela é um ser completo, total e indivisível. 150 menos ao nível do texto constitucional, um grande
IV – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Edu- passo na superação do caráter assistencialista
cação Infantil, ao reconhecer as crianças como predominante nos programas voltados para essa
seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consi- faixa etária. Ou seja, esta subordinação confere às
go próprias, com os demais e o próprio ambiente de creches e pré-escolas um inequívoco caráter educa-
maneira articulada e gradual, devem buscar, a par- cional (1993:18)”.
tir de atividades intencionais, em momentos de
ações, ora estruturadas, ora livres e espontâneas, a Esta concepção já havia sido indicada por profes-
interação entre as diversas áreas de conhecimento sores e pesquisadores da área ao longo dos últimos
(grifo nosso) e aspectos da vida cidadã, contribuin- anos, que apontavam para um redimensionamento
do assim com o provimento de conceitos básicos do papel social e pedagógico da instituição educativa
para a constituição de conhecimentos e valores. para crianças de 0 a 6 anos. Nesta perspectiva, a
V – As Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil criança tem sido concebida como sujeito de direitos,
devem organizar suas estratégias de avaliação, que possui necessidades próprias do momento que
através do acompanhamento e dos registros de eta- está vivendo.
pas alcançadas nos cuidados e na educação para
crianças de 0 a 6 anos, “sem objetivo de promoção, A este respeito, consultar documento do MEC (1995)
mesmo para o acesso ao ensino fundamental”. Critérios para um atendimento em creches que
VI - As Propostas Pedagógicas das Instituições de Edu- respeite os direitos fundamentais das crianças. No
cação Infantil devem ser criadas, coordenadas, su- documento são definidos os direitos considerados
pervisionadas e avaliadas por educadores com, fundamentais para as crianças, visando subsidiar a
pelo menos, o diploma de Curso de Formação de avaliação, organização e estruturação de programas
Professores, mesmo que da equipe de Profissionais que prestam atendimento à faixa etária de 0 a 6 anos
participem outros das áreas de Ciências Humanas, nestas instituições
Sociais, Exatas, assim como familiares das crianças.
Da direção das instituições de Educação Infantil
deve participar, necessariamente, um educador
com, no mínimo, o Curso de Formação de Profes-
sores.

16 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


DIREITOS DA CRIANÇA chega a modificar o cotidiano da instituição. Não
basta que a criança tenha direito a educação infantil.
É preciso que a instituição seja, também, o lócus da
vivência deste direito.

A INFÂNCIA COMO CATEGORIA SOCIAL, NÃO


MAIS COMO CATEGORIA FAMILIAR.

Não obstante, é preciso considerar a relevância


destas instituições que vêm se constituindo como um
espaço de educação coletiva no mundo contempo-
râneo. Se, em outros tempos, cabia à família cuidar
A criança tem, portanto, direito à brincadeira; di- de seus filhos pequenos e inseri-los no universo da
reito à atenção individual; direito a um ambiente cultura, hoje, com o processo crescente de industria-
aconchegante, seguro e estimulante; direito ao lização e urbanização, com a inserção cada vez mais
contato com a natureza; direito à higiene, à saúde intensa da mulher no mercado de trabalho, parece
e a uma alimentação sadia; direito a desenvolver ser a instituição que, cada vez mais, partilha com a
sua curiosidade, imaginação e capacidade de ex-
família esta tarefa. Como afirma ARROYO, (1994):
pressão; direito ao movimento em espaços amplos;
direito à proteção, ao afeto, à amizade e a expres- O trabalho feminino, seja por necessidade, seja
sar seus sentimentos; direito a uma atenção espe- por opção, traz como consequência, a necessidade
cial durante seu período de adaptação à creche; di- de tornar coletivo, o cuidado e a Educação da criança
reito a desenvolver sua identidade cultural, racial pequena. Surge portanto, a infância como categoria
e religiosa. social, não mais como categoria familiar. A repro-
dução da infância deixa de ser uma atribuição
Neste sentido, a instituição que atende meninos exclusiva da mulher, no âmbito privado da família.
e meninas de 0 a 6 anos vem sendo proclamada É a Sociedade que tem que cuidar da infância. É o
como um espaço de direitos que deve permitir a Estado que, complementando a família, tem que
vivência da cidadania e da infância. Já não se trata cuidar da infância (grifo nosso) (p. 89).
de preparar a criança para um dia vir a ser cidadã, e
sim de considerá-la como sujeito pleno de direitos. Assim, a responsabilidade social pela criança não é
Como expressa FRABONI, (1998) apenas da família. O Estado, bem como a sociedade
civil, precisa assumir um projeto econômico-políti-
co-social-cultural que contemple a infância como
A etapa histórica que estamos vivendo, forte-
categoria social.
mente marcada pela “transformação” tecnológi-
co-científica e pela mudança ético-social, cumpre
todos os requisitos para tornar efetiva a conquista Partindo deste princípio, para que possa atingir
do último salto na educação da criança, legitiman- concreta e objetivamente um grau mínimo de
do-a finalmente como figura social, como sujeito qualidade que respeite a dignidade e os direitos
de direitos enquanto sujeito social. (p.68) básicos das crianças no espaço educativo onde elas
vivem cotidianamente uma boa parte de sua infância,
Considerá-la assim implica na mudança de é necessário que tanto o espaço de educação infantil
condições políticas, econômicas e sociais neces- como a família tenham clareza dos seus papéis/
sárias para a concretização desses. Como afirma especificidades perante a função de complementa-
SARMENTO, “(...) em última análise, a inobservância ridade na educação da criança pequena.
dos aspectos fundamentais dos direitos das crianças
repousa no cruzamento de variáveis econômicas,
UM ESPAÇO QUE CONCILIA O EDUCAR E O
sociais e culturais. O nível de desenvolvimento
CUIDAR
econômico de um país, está, em geral, positivamente
correlacionado com a satisfação dos direitos básicos”
Isto significa entender a instituição de educação
(1997: p.18).
infantil não como um equipamento de favor, benefício
Neste sentido, o “avanço na conquista dos
ou de ajuda emergencial a uma determinada classe
direitos,” se é que podemos assim dizer, ainda não

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 17


social menos favorecida econômica e socialmente, centralizado nos conteúdos, nas atividades, nas
calcado na ideia de uma educação para a submissão. produções (principalmente as “prontas” e registradas
em papel) e nas ações dirigidas, caracterizando assim
uma prática centrada no professor, que só legitima
o seu papel na medida em que transmite conteúdos
às crianças.
Entendendo aqui o assistencialismo numa
perspectiva de educação apontada por Kuhlmann
(1999), uma educação para a submissão, para a não
criticidade, oferecida a uma determinada classe
social menos favorecida econômica e socialmente,
tendo subjacente a ideia de benefício, de prestação
de favor no atendimento à estas comunidades.
Se, num determinado momento, o cuidado foi
secundarizado, em outro momento as brincadeiras
infantis, as espontaneidades da criança também
As creches e pré-escolas são então reconhecidas
foram marginalizadas por serem compreendidas
como direito social e têm como tarefa compartilhar
como “práticas espontaneístas”.
com as famílias a função de educação e cuidado das
crianças pequenas. A marca da indissociabilidade
deste compartilhamento está em entender que uma
A INCLUSÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA
está articulada com a outra, esta moderna noção de
EDUCAÇÃO BÁSICA EM MOMENTO ALGUM
“cuidado” inclui todas as atividades que estão:
QUER PRESCREVER A PALAVRA “ENSINO
INFANTIL”
“(...) ligadas à proteção e apoio necessários ao
cotidiano de qualquer criança: alimentar, lavar,
Além do que a intencionalidade, o planejamento,
trocar, curar, proteger, consolar, enfim, „cuidar’,
a organização no trabalho educativo com as crianças
todas fazendo parte integrante do que chamamos
parecia não ser pertinente ao atendimento a esta
de ‘educar’, (grifo nosso) uma vez que o papel
faixa etária. A ideia presente no senso comum era
educativo articula-se com cada função assumida
(é) de que para trabalhar com crianças menores de
pela instituição, não restringindo-se apenas à
7 anos bastava ser mulher, gostar de crianças e ter
programação das atividades pedagógicas”. (Campos
uma inclinação para a maternagem. Neste sentido,
1994, p.33)
é fundamental que se tenha um olhar crítico no que
diz respeito aos princípios anteriores (CNE,1999).
O cuidado, enquanto uma dimensão educativa do
trabalho pedagógico, precisa ser pensado, planejado
Há que se superar, na educação infantil e nas insti-
e assumido pelo professor, sem interpretá-lo como
tuições que realizam este atendimento a crianças
algo menos relevante na relação com as crianças.
pequenas, um papel demarcado pela estrutura do
Tanto os educadores da creche e da pré-escola
ensino escolar tradicional. A inclusão da educação
como as famílias precisam compreender que se
infantil na educação básica em momento algum quer
complementam e se co-responsabilizam nas funções
prescrever a palavra “ensino infantil”, no sentido
de cuidado e educação, resultando, assim, em mais
restrito do ensino/aprendizagem; ao contrário, o
segurança para ambos, amenizando a dissociação
termo educação infantil quer justamente demonstrar
e descontinuidade entre estes contextos (a família
a diferença existente entre esta etapa da educação
e a instituição). Assim, é importante perceber que
das crianças menores de sete anos e as maiores de
a criança pertence, ao mesmo tempo, a estes dois
sete anos, como aponta ROCHA, (1999) :
mundos, vivendo sua história de socialização.
Para compreender esta relação, vale dizer que,
Enquanto a escola se coloca como espaço privi-
se por um lado a relação com o cuidado tem suas
legiado para o domínio dos conhecimentos básicos,
raízes numa perspectiva que concebe a prática
as instituições de educação infantil se põe sobretudo
pedagógica numa visão assistencialista, por outro é
com fins de complementaridade à educação da
muito presente a cultura de um trabalho educativo
família.

18 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


Portanto, enquanto a escola tem como sujeito o fundamental, distinto dos demais tempos e espaços
aluno, e como objeto fundamental o ensino nas (família, praças públicas, ruas, igrejas, entre outros),
diferentes áreas, através da aula; a creche e a
exigindo que seja pensado e discutido pelos profis-
pré-escola tem como objeto as relações educativas
sionais que nele atuam e pelas famílias que com
travadas no espaço de convívio coletivo que tem
como sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade ( ou ele se co-responsabilizam pela tarefa de cuidar e
até o momento em que entra na escola). (p.61) 155 educar seus filhos. Assim, é importante reconhecer
a relevância da educação infantil como contexto
Nesta perspectiva, a criança é vista como ser coletivo de cuidado e de educação.
social, cultural e histórico, e se constitui como tal nas Por estas razões, é necessário que busquemos
relações que estabelece com o mundo, desde que resignificar o seu papel social e construir sua
nasce. É um ser que aprende e, porque aprende, se identidade a favor da valorização da infância de
desenvolve. È um ser que deseja e, porque deseja, direitos, das suas competências e dos saberes que
age relacionado-se com a realidade na busca de lhe são próprios.
compreendê-la. Nesse processo, crianças e adultos
vão se apropriando e produzindo cultura, tecendo
histórias, significando e resignificando o mundo no DIFRENTES OLHARES NO FAZER PEDAGÓGICO :
qual estão inseridos. CRIANÇA COMO SUJEITO DA APRENDIZAGEM
Deste modo, a instituição de educação infantil
passa a ser um lugar privilegiado de interações, Para tanto, há que se conhecer a criança pequena,
de interlocuções e de mediações em torno da suas diferentes formas de atuar no mundo, seus
apropriação da cultura. diferentes olhares, seus diferentes jeitos de ser, suas
perguntas.
Assim, o trabalho pedagógico na educação infantil
EDUCAÇÃO INFANTIL: ESPAÇO DE VIVÊNCIA DA deve considerar que as crianças são sujeitos de
INFÂNCIA múltiplas dimensões, ou seja, suas práticas, seus
jeitos de vivenciar a cultura, a vida, as coisa do
Cem mundos para descobrir mundo, são constituídas por uma simultaneidade
Cem mundos para inventar de ações em que a participação corporal, gestual,
Cem mundos para sonhar cognitiva, emocional, motora, afetiva e individual se
A criança tem cem linguagens dão de forma indissociáveis.
(e depois, cem, cem, cem)
mas roubaram-lhe noventa e nove Reafirmamos que o aspecto cognitivo privilegiado
no trabalho com o conteúdo escolar, no caso da
educação infantil, não deve ganhar uma dimensão
O COTIDIANO INSTITUCIONAL EXERCE maior do que as demais dimensões envolvidas no
NA VIDA DA CRIANÇA UM PAPEL processo de constituição do sujeito-criança, nem
FUNDAMENTAL reduzir a educação ao ensino. ROCHA, 1999 (p.63).

Atualmente, a criança ingressa na instituição de


educação infantil quando ainda é muito pequena e
lá permanece, na sua maioria em tempo integral, REFLETINDO : ORGANIZAÇÃO DOS TEMPOS E
cada dia da sua infância, voltando para o convívio DOS ESPAÇOS
com a família somente no final do dia. É impor-
tante salientar que a grande maioria das crianças Propor um espaço para a vivência plena dessas
pequenas que frequentam esta instituição passam dimensões implica na redefinição dos tempos, dos
nela aproximadamente dez a doze horas por dia, espaços, das práticas, tendo a criança como ponto
sessenta horas por semana, duzentos e quarenta de partida para pensar e planejar o cotidiano,
horas por mês e duas mil e quatrocentas horas procurando, assim, observar o movimento do
por ano, durante os primeiros anos de sua vida. grupo, suas preferências, suas dificuldades, suas
O tempo de convívio com outras pessoas, outros alegrias, suas brincadeiras, a forma como ocupam
objetos, outros espaços, e outros tempos torna-se os mais diferentes espaços, como se organizam, se
muito reduzido. Este dado revela quanto o cotidiano conseguem organizar-se sozinhos ou se é necessária
institucional exerce na vida da criança um papel a intervenção do adulto ou de outro parceiro, como

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 19


resolvem os conflitos, por que os conflitos aparecem; A EDUCAÇÃO INFANTIL: AS AMPLIAÇÕES DE
enfim, observar e incluir-se como membro deste CONHECIMENTOS E EXPERIÊNCIAS DE VIDA
grupo, interagindo, aprendendo, desenvolvendo-se, A escola e cultura
mediando e propondo experiências que ampliem o Separam a cabeça do corpo
repertório vivencial das crianças. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos
A caracterização da instituição educação infantil De fazer sem a cabeça
como lugar de cuidado e educação adquire sentido De escutar e de não falar
quando segue a perspectiva de tomar a criança como De compreender sem alegrias
ponto de partida para formulação das propostas de amar e maravilhar-se
pedagógicas. (...) Se a criança vem ao mundo e se só na Páscoa e no Natal 158
desenvolve em interação com a realidade social,
cultural e natural, é possível pensar uma proposta As crianças pequenas vivem de forma intensa suas
educacional que lhe permita conhecer este mundo, experiências, descobertas; exploram os sentidos, os
a partir do profundo respeito por ela. Ainda não é o significados, as cores, a água, o ar, a terra, o fogo;
momento de sistematizar o mundo para apresentá-lo desejam tocar, mexer, desmanchar o que já estava
à criança: trata-se de vivê-lo, de proporcionar-lhe feito; fazem e refazem muitas e muitas vezes uma
experiências ricas e diversificadas. KUHLMANN, mesma coisa; significam e ressignificam o mundo
1999 ( p. 57 e 60). à sua moda; correm, pulam, contam e recontam a
mesma história; lêem, escrevem, cantam, dançam
e pintam ao mesmo tempo; choram e riem num
COMPREENDER A CRIANÇA, SEU JEITO DE curto espaço de tempo; vivem diferentes papéis: de
SER E DE ATUAR NO MUNDO É UM DOS mãe, pai, filho, avô, avó, médico; criam e recriam um
PRESSUPOSTOS PARA SE TRABALHAR COM ELA. mundo de fantasia e imaginação; pintam a realidade,
desenham o mundo; desejam, brincam de faz de
No entanto, esta não é uma tarefa fácil para os conta; transformam uma caixa de papelão num
adultos que, já na sua maioria, não se lembram mais tesouro, uma árvore numa floresta, um pneu num
de como foi ser criança pequena. Existe uma grande carro, um cabo de vassoura num cavalo, uma mesa
distância que separa o mundo do adulto do mundo numa casinha; conversam sozinhas sem se importar
da criança. O adulto já não brinca mais, agora ele com o mundo à volta delas, vivem no faz-de-conta
trabalha, tem responsabilidades, deveres, compro- a vida dos adultos... Para que a criança possa
missos que precisam ser cumpridos no dia adia, vive vivenciar tudo isso, é preciso que se criem condições
coisas que uma criança ainda não consegue viver, adequadas. O que confirma as observações de
estabelece outras relações com o mundo, mediadas BROUGÉRE (1995),
pelo conhecimento, pela cultura, pela religião, entre
outras. “A criança não brinca numa ilha deserta. Ela brin-
Esta é a razão pela qual o professor precisa se ca com as substâncias materiais e imateriais que
apropriar de algumas competências (teórico-prá- lhe são propostas. Ela brinca com o que tem à mão
ticas) para lidar com o universo infantil, recuperando, e com o que tem na cabeça. ...Só se pode brincar
com o que se tem, e a criatividade, tal como a
assim, sua capacidade lúdica, criativa, imaginativa,
evocamos, permite, justamente, ultrapassar esse
artística, literária. Daí a necessidade de resgatar ambiente, sempre particular e limitado. O educa-
estes aspectos na formação dos professores de dor pode, portanto, construir um ambiente que
educação infantil. estimule a brincadeira em função dos resultados
desejados (p.105)”.
As crianças, ao contrário do adulto, exercitam a
imaginação, a fantasia, o movimento, a obser-
vação, a cooperação. Desenvolvem ações conjun- PAPEL DO PROFESSOR E A ORGANIZAÇÃO
tas, brincam em parceria, comunicam-se através
DOS ESPAÇOS: CONTEMPLAÇÃO DAS
de gestos, transformam os espaços, vivem uma
temporalidade distinta da dos adultos. SINGULARIDADES – AMBIENTE DESAFIADOR

Pensar, organizar e planejar o espaço físico é um


dos papéis do professor da educação infantil. Um
espaço para a criança deve levar em consideração

20 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


a diversidade de ritmos, de culturas, de desejos, de “Quando se indica a necessidade de tomar a cri-
saberes. Para tanto, ele não pode ser único, igual ança como ponto de partida, quer se enfatizar a
importância da formação profissional de quem irá
para todos, como se todas elas tivessem os mesmos
educar esta criança nas instituições de educação
desejos, necessidades, sentimentos, fantasias. É
infantil. Não é a criança que precisa dominar con-
importante permitir a privacidade, o movimento, a teúdos disciplinares mas as pessoas que a educam.
segurança, o aconchego, o conforto, a autonomia, (...) tomar a criança como ponto de partida exigiria
o encontro entre parceiros, o compartilhamento, o compreender que para ela, conhecer o mundo en-
conflito, a diversidade de propostas das crianças, volve o afeto, o prazer e o desprazer, a fantasia,
o brincar e o movimento, a poesia, as ciências, as
a espontaneidade, a vivência dos seus medos, das
artes plásticas e dramáticas, a linguagem, a músi-
suas alegrias, das suas frustrações, dos conflitos,
ca e a matemática. Que para ela, a brincadeira é
enfim, das múltiplas dimensões que constituem o uma forma de linguagem, assim como a linguagem
ser humano. é uma forma de brincadeira. (1999:65)”.

ORGANIZAÇÃO DO FAZER PEDAGÓGICO E OS As crianças se mostram imprevisíveis, espon-


MÚLTIPLOS CONTEXTOS tâneas, lúdicas, singulares, plurais. Elas dinamizam o
ambiente, expressando-se das formas mais diversas,
Neste sentido, o espaço assume uma nova tornando o cotidiano plural.
condição, a de ambiente. Como afirma Mayumi Souza A pluralidade, o movimento, o sentimento, a
Lima in: FARIA : “O espaço físico isolado do ambiente imaginação, a fantasia e a criatividade são alguns
só existe na cabeça dos adultos para medi-lo, para dos elementos que constituem a infância de cada
vendê-lo, para guardá-lo. Para a criança existe o criança. A dinâmica vivida pelas crianças parece ser
espaço-alegria, o espaço-medo, o espaço-proteção, diferente da dos adultos, elas fazem muitas coisas
o espaço-mistério, o espaço-descoberta, enfim, os ao mesmo tempo. Uma organização do cotidiano
espaços de liberdade ou da opressão” (p.30,1989) pautada na formalidade, na impessoalidade, na
Assim sendo, a criança precisa considerar o espaço precisão de horários, na hierarquia dos conteúdos,
da instituição como seu. Este precisa ser usado por na aula didatizada, característica do modelo escolar
ela de forma participativa e autônoma, possibilitan- tradicional, não comporta a dinâmica vivida pelas
do-lhe realizar o exercício da escolha ,da decisão, crianças, uma vez que estas são sujeitos múltiplos,
da proposição, da solidariedade, da cooperação, vivem experiências temporais diversas, porque seus
da tolerância, da diferença, (de idade, gênero, raça, tempos próprios não são instituídos, mas vividos
etnia, cultura, credos, entre outras). e, dependendo do contexto em que se encontram,
conseguem vivê-lo de forma mais ou menos intensa
O que se quer no trabalho educativo com as
crianças é justamente respeitá-las enquanto crianças
no tempo real e presente de suas vivências, com O PLANEJAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
a especificidade de sua idade, em que o cuidado e
a educação estejam presentes e de forma indisso- Como então planejar na educação infantil? O que
ciável, ampliando seus conhecimentos em relação à planejar? Para que e para quem planejar? Para
cultura na qual estão inseridas. OSTETTO, (2000):

Assim sendo, o livro, as brincadeiras de roda, “Planejar na educação infantil é planejar um con-
de faz-de-conta, a arte, a natureza, a afetividade, o texto educativo, envolvendo atividades e situ-
corpo e o movimento, o folclore, os objetos, a escrita, ações desafiadoras e significativas que favoreçam
a oralidade, os brinquedos, enfim, “a vida que pulsa a exploração, a descoberta e a apropriação de con-
hecimento sobre o mundo físico e social.(p.193)”.
lá fora” deve ser o conteúdo da educação infantil,
porque as crianças estão inseridas neste contexto
social, como afirma KUHLMANN,
Para isso é preciso pensar um planejamento a
partir da criança e não a partir do adulto. Planejar
um cotidiano que comporte a diversidade, onde
a criança seja percebida como sujeito de múltiplas

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 21


dimensões. Isto exige que se pense no espaço físico, A elaboração de conceitos pela criança irá
nos materiais, nos tempos das crianças, nas suas depender da diversidade não só quantitativa, mas,
histórias de vida, na sua condição de criança, na especialmente, qualitativa, das experiências intera-
sua infância e em seus direitos. Exige também que cionais que vivenciará nos espaços institucionais nos
se oportunize a criação, a imaginação, o contato quais se encontrar. (p.37)
rico com as diferentes formas do sistema simbólico Percebendo o universo infantil desta forma, o
(a oralidade, a escrita, o desenho, a pintura, a planejamento assume um caráter de instrumento
dramatização, a música, o gesto, a imitação, enfim com o qual o professor(a) organiza o seu trabalho
as diferentes formas de linguagem), as relações educativo junto às crianças. É um momento de
geradoras de confronto, de intercâmbio, de compar- reflexão, de criação, de programação, de projeção,
tilhamento de ideias e do pensamento divergente. e, fundamentalmente, de avaliação e re-encaminha-
Assim, é preciso considerar que o jogo simbólico, mento de suas ações. Assim, o planejamento não
a brincadeira, a linguagem e as interações entre pode constituir-se em uma fôrma 8 na qual a flexibi-
adulto-criança e criança–criança são elementos lidade e a personalização do educador, sua forma de
fundamentais na constituição e apropriação do organizá-lo, de pensá-lo e de registrá-lo não estejam
conhecimento por ambos, sendo que este conhe- presentes. O planejamento deve conter a marca de
cimento é apreendido num processo que vai do quem o faz, devem estar presentes as expectativas
inter-psicológico (elementos retirados do meio e os limites das ações educativas, tendo como forte
sociocultural, nas relações estabelecidas com outros aliado o registro destas ações como indicadores de
parceiros) para o intra-psicológico7 (processos encaminhamentos e reflexões acerca do seu fazer
internos de cada indivíduo). Ademais, crianças e pedagógico.
adultos vão atuar, transformar e fazer deste cenário Neste contexto, a avaliação é também um instru-
um lugar onde a diversidade e as múltiplas linguagens mento de reflexão, por meio do qual o professor não
serão vivenciadas concretamente. O professor(a) só pensa sobre o seu trabalho, mas se inclui como
aqui assume uma dimensão importante na vida das um membro do grupo que está sujeito também a
crianças: ele deixa de ser o “centro” e passa a assumir avaliação por parte das crianças, trazendo elementos
o papel de “parceiro” mais experiente, o mediador no sentido de redimensionar o seu fazer com elas .
entre a criança e a cultura. Segundo MACHADO, Um fazer que não pode ser entendido somente pela
1994: ótica do adulto, do fazer para as crianças, mas princi-
Conceito apresentado por Vygotsky, 1989. Termo palmente pela ótica do coletivo, dofazer com as
usado pela Professora Luciana Esmeralda Ostetto em crianças, num processo de inclusão e compartilha-
seu livro Encontros e Encantamentos na Educação mento, gerando negociação entre criança-criança,
Infantil, Editora Papirus ,2000. professor(a)-criança, criança-família. É impor-
A interação de diferentes tipos de conhecimentos, tante salientar que o processo de avaliação não se
sua elaboração pelas crianças em temos de conceitos restringe ao professor e a seu grupo de crianças,
nas distintas sociedades e, especialmente, nas insti- mas deve considerar que a estrutura organizacional
tuições de carácter educativo, que se abrem novas da instituição deve ser pensada, discutida e avaliada
possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem pelo coletivo que compõe esta instituição (profes-
individuais e sociais, de transformação e superação sores, direção, famílias, crianças, entidade gestora).
dos níveis destes conhecimentos.

APONTANDO PERSPECTIVAS...
Dizem-lhe de descobrir um mundo que já existe
E de cem roubaram-lhe noventa e nove
Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho
A realidade e a fantasia
O céu e a Terra, a razão e o sonho
São coisas que não estão juntas
Dizem-lhe enfim:
Que as cem não existem.
A criança diz:
Ao contrário o cem existe.
(Loris Malaguzzi)

22 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3


Mais do que encaminhar uma proposta de específicos do cotidiano educativo das instituições:
educação infantil para o Município de São José, (rotina, alfabetização, formas de agrupamentos das
este texto representa o início de um processo de crianças com diferentes faixas etárias, a brincadeira,
discussão entre profissionais da rede municipal as diferentes linguagens, entre outros), conside-
(professores representantes, professores da rede, rando que nosso princípio fundamental é garantir
equipe pedagógica e consultoras) cuja intenção é a uma infância que se concretize na vivência de
de estabelecer princípios norteadores que possam seus direitos .
subsidiar a construção de projetos pedagógicos em
cada instituição, bem como a formação em serviço
tão necessária para a definição e a consolidação
destes projetos. Entendemos que a escrita deste
documento não é suficiente para que se garantam
as mudanças tão necessárias no cotidiano das insti- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
tuições; contudo, ele é um instrumento fundamental
para um processo de formação continuada nas ANPED. Parecer da ANPED sobre o documento
Referencial Curricular Nacional para a Educação
instituições da rede municipal, envolvendo todos
Infantil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo,
os profissionais que atuam direta e indiretamente
n° 7, 1998.
com as crianças neste espaço coletivo de cuidado
e educação. Consideramos, então, que a instituição
ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família.
educativa onde a criança passa grande parte de sua
Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
infância precisa estar em permanente processo de
reflexão, de discussão, de avaliação e de reestrutu-
ARROYO, M. G. O Significado Social da Infância.
ração do seu fazer pedagógico.
Anais do I Simpósio Nacional de Educação Infantil.
Ademais, preconizar novas formas de inter-
Brasília, MEC/SEF/DPE/COEDI/1994.
venção na educação infantil, diferenciadas do
modelo tradicional de educação fundamental e,
BRASIL, Senado Federal. Constituição da República
consequentemente, com sentido educativo próprio,
Federal do Brasil. Imprensa Oficial, Brasília, D.F,
exige condições muito diferentes das que estão
1988.
estabelecidas hoje, tanto para os adultos como para
as crianças. Exigem-se profundas mudanças nas
BRASIL, “Lei 9.394, de 20.12.96, Estabelece as
condições de trabalho, na organização dos tempos e
Diretrizes e Bases da Educação Nacional”. Diário
dos espaços das crianças e dos adultos, na estrutura
Oficial da União, Ano CXXXIV, n.248, 23.12.1996,
física da instituição (pensar esta construção para as
p.p.2.7833-27.841.
crianças, e não centralizada nos adultos), nos equipa-
mentos, etc.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil. Resolução Ceb. no 1, Conselho
Pensando dessa forma, a implementação de uma
proposta de caráter educacional-pedagógico que Nacional de Educação. Brasília, 7 de abril de 1999.
possibilite às crianças a vivência digna de seus di-
reitos e se contraponha ao caráter assistencialis- BATISTA, Rosa. A rotina no dia-a-dia da creche:
ta, espontaneísta e compensatório de educação, entre o proposto e o vivido. Florianópolis, 1998,
exige, além da vontade dos profissionais, o com- Dissertação (Mestrado em Educação) Centro de
prometimento político-pedagógico da instituição,
Ciências da Educação Universidade Federal de Santa
das agências formadoras e dos governantes, que
contam hoje com um vasto campo de atuação em Catarina.
aberto, principalmente no que diz respeito à am-
pliação do acesso à educação e à formação em CERISARA, Ana. B.. A educação infantil e as impli-
serviço, entre outros. cações pedagógicas do modelo Histórico-Cultural.
Cadernos dos CEDES, São Paulo, n.35, p.65-77, 1995.

Como perspectiva, o grupo que participou mais CERISARA, Ana. B. Educar e Cuidar: por onde anda a
diretamente da elaboração deste texto aponta para educação infantil? Perspectiva, ano, 19, n.especial,
a necessidade de continuidade deste processo p.11-21, jul./dez. 1999. 165
de discussão e aprofundamento de temas mais

Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3 23


FARIA, ANA LÚCIA. G. et al. Educação Infantil
Pós-LDB: Rumos e Desafios. São Paulo, Editores
Associados,1999.

KUHLMANN Jr. Moysés. Infância e Educação


Infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre:
Mediação,1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo:


Paz e Terra, 1996

MAISTRO, Maria Aparecida. As relações creche-


-família - um estudo de caso. Florianópolis, 1997,
Dissertação (Mestrado em Educação) Centro de
Ciências da Educação Universidade Federal de Santa
Catarina.

MEC/SEF/DPE/COEDI. Subsídios para a elaboração de


diretrizes e normas para educação infantil, Brasília,
1999.

MEC/SEF/COEDI. Critérios para um atendimento em


creches que respeite os direitos fundamentais das
crianças. Brasília,1995.

GALVÃO, I. Henry Wallon: uma Concepção


Dialética do Desenvolvimento Infantil. Petrópolis:
Vozes, 1995.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky. Aprendizado e


Desenvolvimento: Um Processo Sócio-Histórico.
São Paulo: Scipione, 1994.

OLIVEIRA, Z. de M. et al. Creches, Crianças, Faz de


Conta & Cia. Petrópolis: Vozes, 1993.

OLIVEIRA, Z. de M. et al. Educação Infantil: Muitos


Olhares. São Paulo: Cortez, 1994.

OSTETTO, Luciana Esmeralda (org). Encontros e


encantamentos na educação infantil, partilhando

24 Conhecimentos Gerais - Educação PARTE 3

Você também pode gostar