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19/07/2016 "Como assim Kãgfér não é brasileiro?

": a luta de pais por nomes indígenas e africanos ­ BBC ­ UOL Notícias

"Como assim Kãgfér não é


brasileiro?": a luta de pais por
nomes indígenas e africanos
(http://www.bbc.co.uk/portuguese)

Fernanda da Escóssia
No Rio 18/07/2016 10h07

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Arquivo pessoal

Engenheiro enfrentou resistência ao registrar filhos com nomes da tribo indígena


kaingang, à qual ele pertence

Nas duas vezes em que foi registrar seus filhos, o engenheiro agrônomo Julio Cezar
Inácio ouviu o mesmo argumento: Kasóhn (pronuncia-se Kaxói) e Kãgfér
(pronuncia-se Konfer) não eram nomes brasileiros. Criou-se um problema, pois
Inácio não só é brasileiro, como é indígena da tribo kaingang. Na língua de seus
ancestrais, o nome do mais velho, hoje com 11 anos, significa árvore de espinhos.
O do segundo, de dois anos, significa orvalho.

"Como podem dizer que não é um nome brasileiro? Eu sou índio, essa é a língua
dos meus pais, e eu também sou brasileiro. Justamente porque me chamo Julio
Cezar quero que meus filhos tenham apenas nomes indígenas, para valorizar essa
identidade", diz o agrônomo, que vivia na terra indígena Serrinha, no Rio Grande
do Sul (http://noticias.uol.com.br/rio-grande-do-sul), e há oito anos mudou-se
para a cidade catarinense de Xanxerê.

Inácio insistiu e registrou os meninos com o nome tribal, direito garantido aos
indígenas pela resolução 3/2012, emitida pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo
Conselho Nacional do Ministério Público.

De acordo com essa norma, o indígena, viva em aldeia ou cidade, pode ser
registrado, se desejar, com seu nome de origem. A etnia pode ser lançada como
sobrenome, se a família assim quiser. Por exigência do cartório, o nome do

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segundo filho de Inácio perdeu o acento agudo no "e", para se adequar ao padrão
do português. "Descaracterizou um pouco, mas tudo bem", conforma-se Inácio, que
terá de retirar o acento no registro feito na Funai. Segundo ele, problemas assim
ainda são comuns na região.

Dúvidas

Criador do Instituto Kame, organização não-governamental que trabalha com


projetos de habitação para povos indígenas, Inácio é casado com uma italiana. Ela
aceitou bem os nomes kaingang para as crianças, que têm também o sobrenome
materno.

Inácio quer agora incluir em seu registro no cartório o nome indígena pelo qual é
chamado em família, M?g No (pronuncia-se Man Do e significa um tipo de abelha).
No Rio de Janeiro (http://noticias.uol.com.br/rio-de-janeiro), o casal Cizinho
Afreeka (nome adotado pelo funcionário público Moacir Carlos da Silva) e Jéssica
Juliana de Paula da Silva teve de recorrer à Justiça para registrar a filha como
Makeda (pronuncia-se Makêda) Foluke.

Segundo pesquisa feita pelos pais, Makeda vem do amárico, língua adotada na
Etiópia, e era como se chamava a rainha de Sabá, figura mítica mencionada na
Torá, no Velho Testamento e no Alcorão. Foluke, em iorubá, significa "colocada aos
cuidados de Deus".

O Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do 2º Distrito de São João de


Meriti entendeu que o nome Makeda suscitava dúvidas, de acordo com o previsto
na Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). Em seu artigo 55, a lei afirma que os
oficiais do registro civil não registrarão "prenomes suscetíveis de expor ao ridículo
os seus portadores". Caso os pais não aceitem a recusa, o assunto deve ser levado
ao juiz competente.

"Não houve preconceito. Entendemos que o nome poderia dar margem a uma
leitura errada, má queda, por exemplo. Suscitou dúvida, seguimos o que diz a lei,
consultamos o juiz", afirmou à BBC Brasil Luiz Fernando Eleutério Mestriner, titular
do cartório.

O Ministério Público sugeriu que fosse agregado outro prenome. A decisão judicial
indeferiu o registro de Makeda Foluke, permitindo que ele fosse usado desde que
houvesse outro prenome.

Os pais não cederam. O advogado Hédio Silva Júnior, especializado na questão


racial, recorreu ao Conselho de Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro. Argumentou que o nome resultava do desejo dos pais e, embora incomum,
nada trazia de ilícito, grotesco, aberrante ou vexatório. O Conselho deu ganho de
causa à família. Em 16 de junho, três meses depois de seu nascimento, Makeda
Foluke foi registrada com o nome escolhido pelos pais.

Estudiosa do tema, Maria Celina Bodin de Moraes, professora de direito Civil na


PUC-Rio e na Uerj, entende que não há preconceito na reação do cartório ao nome
Makeda. Ao contrário, percebe preocupação em seguir a lei para evitar a repetição
de casos que, no passado, transformavam as crianças em alvo de chacota.

"Considero importante que haja algum tipo de controle legal sobre isso, e foi essa a
intenção do legislador: evitar casos absurdos e proteger a criança, que não pode
ser entendida como propriedade dos pais", afirma.

Homenagem

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A advogada Makeda Soares, de 26 anos, ainda se lembra do tempo em que, na


escola, os professores estranhavam e usavam seu outro prenome, Luanna. Hoje
quem manda no próprio nome é ela, que só se apresenta como Makeda. "Meu pai
conta que queria homenagear a mãe África. Adoro esse nome", diz a advogada,
que foi procurada pela família da recém-chegada Makeda.

A homenagem à rainha de Sabá também motivou as empresárias negras Shirley e


Sheila Oliveira a batizarem como Makeda Cosméticos sua empresa de produtos
para cabelos crespos. Sheila até incorporou Makeda a seu nome social.

"O que ficou flagrante nesse caso foi a associação do nome africano como algo
distante da brasilidade, nesse país que tem a maioria de sua população negra. É
uma flagrante negação da nossa identidade. Também destaco a associação do
nome de origem africana à molecagem, às coisas ruins, como má queda, ou até de
duplo sentido", argumenta Silva Júnior, que citou em seu recurso o direito dos
indígenas de usarem nomes de sua etnia. Militante do movimento negro, Silva
Júnior também teve dificuldades para registrar o filho como Kayodê - que, em
iorubá, significa "aquele que traz honra e alegria". Mas conseguiu.

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