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2016 Livro RCA DPLF Direito A Consulta Digital PDF
2016 Livro RCA DPLF Direito A Consulta Digital PDF
DIREITO À
tre outros direitos fundamentais, e tornam urgente o to prévio, livre e informado (CCPLI) está previsto na
aprofundamento da discussão para a mudança con- Garantir a participação efetiva de povos indígenas, quilombolas e comu- Convenção 169 da Organização Internacional do
creta dessa realidade.
nidades tradicionais em processos de tomadas de decisões do Estado que CONSULTA E CONSENTIMENTO Trabalho, na Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas e na Declaração dos Es-
De igual forma, o livro destaca as iniciativas de po- os afetam diretamente continua sendo um desafio no Brasil e no mundo.
tados Americanos sobre os Direitos dos Povos Indí-
vos indígenas e comunidades tradicionais para fazer O direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado tem sido sis-
genas, assim como tem sido amplamente reafirmado
avançar o exercício desse direito. Por meio de mani-
tematicamente violado no Brasil. Há desconhecimento, interpretações equi- em jurisprudências internacionais.
festações autônomas, como a elaboração e publica-
vocadas e falta de vontade política para efetivar esse direito.
ção de protocolos de consulta, os povos indígenas Este livro demonstra que, no entanto, esse direito
Este livro pretende contribuir para mudar essa situação.
explicam ao Estado, e a terceiros interessados, prin- está sendo continuamente violado no Brasil pelos
cípios e noções relacionados à suas distintas formas poderes Executivo e Legislativo e também encontra
de representatividade, e orientam sobre a forma e a sérios obstáculos no poder Judiciário.
apoio realização
oportunidade para a realização de consultas prévias,
Os desafios para a implementação do direito à con-
livres de pressão, devidamente informadas e cultural-
sulta e consentimento envolvem interpretações
mente adequadas. Dessa forma, são apontados cami-
equivocadas e até mesmo desconhecimento do refe-
nhos para que o diálogo do Estado brasileiro com os
rido direito de consulta no que se refere aos sujeitos
diferentes povos indígenas aconteça em um novo
do direito, ao objeto de aplicação, à oportunidade de
patamar, de reconhecimento e respeito.
sua implementação, ao modo e aos efeitos esperados
DIREITO À
tre outros direitos fundamentais, e tornam urgente o to prévio, livre e informado (CCPLI) está previsto na
aprofundamento da discussão para a mudança con- Garantir a participação efetiva de povos indígenas, quilombolas e comu- Convenção 169 da Organização Internacional do
creta dessa realidade.
nidades tradicionais em processos de tomadas de decisões do Estado que CONSULTA E CONSENTIMENTO Trabalho, na Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas e na Declaração dos Es-
De igual forma, o livro destaca as iniciativas de po- os afetam diretamente continua sendo um desafio no Brasil e no mundo.
tados Americanos sobre os Direitos dos Povos Indí-
vos indígenas e comunidades tradicionais para fazer O direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado tem sido sis-
genas, assim como tem sido amplamente reafirmado
avançar o exercício desse direito. Por meio de mani-
tematicamente violado no Brasil. Há desconhecimento, interpretações equi- em jurisprudências internacionais.
festações autônomas, como a elaboração e publica-
vocadas e falta de vontade política para efetivar esse direito.
ção de protocolos de consulta, os povos indígenas Este livro demonstra que, no entanto, esse direito
Este livro pretende contribuir para mudar essa situação.
explicam ao Estado, e a terceiros interessados, prin- está sendo continuamente violado no Brasil pelos
cípios e noções relacionados à suas distintas formas poderes Executivo e Legislativo e também encontra
de representatividade, e orientam sobre a forma e a sérios obstáculos no poder Judiciário.
apoio realização
oportunidade para a realização de consultas prévias,
Os desafios para a implementação do direito à con-
livres de pressão, devidamente informadas e cultural-
sulta e consentimento envolvem interpretações
mente adequadas. Dessa forma, são apontados cami-
equivocadas e até mesmo desconhecimento do refe-
nhos para que o diálogo do Estado brasileiro com os
rido direito de consulta no que se refere aos sujeitos
diferentes povos indígenas aconteça em um novo
do direito, ao objeto de aplicação, à oportunidade de
patamar, de reconhecimento e respeito.
sua implementação, ao modo e aos efeitos esperados
Secretário-Executivo
Luís Donisete Benzi Grupioni
Conselho Político
Maurício Tomé Rocha (Hutukara),
Francisca de Oliveira Costa (Opiac) e
Camila Barra (ISA)
Conselho Editorial
Bruce Albert, Dominique Gallois,
Nietta Monte e Regina Muller
16-08520 CDD-323.4
6 Introdução
49 Reflexões finais
50 O Poder Executivo: decisões não consultadas
51 Tentativa de Regulamentação da consulta administrativa: processo inconcluso e equivocado
52 Poder Legislativo: sem participação, sem consulta
53 Poder Judiciário: suspensão de liminar como instrumento para consolidar decisões inconsultas
58 Sobre os autores
Introdução
1
De acordo com dados obtidos junto ao Serviço de Informação
ao Cidadão do Governo Federal existiam até 2015, no âmbito da
Fundação Nacional do Índio-Funai, cerca de 3mil pedidos de licen-
ciamentos ambientais para projetos que afetariam povos indígenas;
e tramitavam na Fundação Cultural Palmares 198 licenciamentos
que afetariam comunidades quilombolas (43 linhas de transmissão,
35 rodovias, 17 ferrovias, 23 minerações, 18 aproveitamentos elé-
tricos, 12 gasodutos e 50 “empreendimentos diversos”) em. Não há
dados consolidados quanto a empreendimentos que afetam povos
e comunidades tradicionais.
Marco
normativo e
jurisprudencial
8
O direito à CCPLI foi previsto na Convenção nº.
169 da Organização Internacional do Trabalho
(doravante Convenção nº 169/OIT) como ferra-
© Gervásio Baptista/SCO/STF
menta para a superação do paradigma jurídico
integracionista vigente até o final da década de
80, e dispõe que os sujeitos interessados deve-
rão ser consultados pelos governos sempre que
forem previstas medidas administrativas ou le-
gislativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Supremo Tribunal Federal ouve sustentação da advogada
Joênia Batista de Carvalho (Wapixana de Roraima) durante o
julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, 2009
O direito à CCPLI recebeu proteção jurídica nacional
com a ratificação da Convenção nº. 169/OIT, no dia No plano jurisprudencial, a Corte Interamericana de
20 de junho de 20022, e que entrou em vigor em 25 Direitos Humanos (doravante Corte IDH), mediante
de julho de 20033. A Convenção Americana sobre Di- interpretação evolutiva do artigo 21 da CADH, defi-
reitos Humanos (CADH), em vigor no Brasil desde 25 niu o direito à CCPLI como “princípio geral do Direito
de setembro de 19924, e a Declaração da ONU sobre Internacional”.6 A jurisprudência do Sistema Intera-
os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP), assinada mericano de Direitos Humanos reforçou a necessi-
em 2007, também oferecem proteções internacio- dade de os Estados realizarem processos de consulta
nais, localizando o direito à CCPLI no rol dos direitos especiais e diferenciados, com respeito à organiza-
humanos fundamentais para povos indígenas e tri- ção social de cada povo ou comunidade tradicional.7
bais. Pelo fato de disporem sobre direitos humanos,
as citadas Convenções foram incorporadas à legisla- No mesmo sentido, os tribunais brasileiros, em diver-
ção brasileira na qualidade de normas supralegais, sas oportunidades, reconheceram o direito à CCPLI
possuindo aplicabilidade imediata, como tem reco- em casos envolvendo povos indígenas, comunida-
nhecido o Supremo Tribunal Federal (STF).5 des quilombolas e tradicionais.8
6
Corte IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs.
Ecuador. Sentencia Serie C Nº 245 del 27 de junio de 2012 (Fondo
y Reparaciones). Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/
2
Decreto Legislativo nº 143/2002. Disponível em: http://www. casos/articulos/seriec_245_esp.pdf
consultaprevia.org/#!/documento/135 7
Ib. Idem, p. 49.
3
Decreto Executivo nº 5051/2004. Disponível em: http://www. 8
Embora a Convenção nº 169/OIT empregue a expressão “povos
consultaprevia.org/#!/documento/136 indígenas e tribais”, preferimos utilizar “povos indígenas, comuni-
4
Decreto nº 678/1992. dades quilombolas e povos e comunidades tradicionais” por ser
5
Ver julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343/SP. Re- mais adequado à realidade brasileira. No item 2, “A”, discutiremos a
corrente: Banco Bradesco S/A. Recorrido: Luciano Cardoso Santos. pertinência das comunidades quilombolas e dos povos e comuni-
Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, 3 de dezembro de 2008. dades tradicionais na categoria “povos tribais”.
Quadro 1. Jurisprudência brasileira relativa ao direito à consulta e consentimento
Usina Hidrelétrica Belo Monte: em fase final de construção no médio curso do rio Xingu, Estado do Pará. O Tribunal
Regional Federal da 1ª Região desqualificou as reuniões informativas realizadas pelo governo enquanto consulta prévia
e ordenou a suspensão das obras para a consulta aos povos indígenas afetados (Arara, Juruna, Araweté, Parakanã, Xikrin,
Xipaya e Kuruaya). Ação Civil Pública nº. 2006.39.03.000711-8.
Educação Escolar Indígena no município de Santarém, Pará: a Justiça Federal ordenou à prefeitura municipal consultar os povos
indígenas em relação à Portaria nº 001 de 6 de janeiro de 2014, referente à organização e estruturação das escolas indíge-
nas no município. Ação Civil Pública nº. 378-31.2014.4.01.3902.
Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós: prevista para o médio curso do rio Tapajós, Estado do Pará. Em diversos momentos,
a Justiça Federal de Santarém, Pará, reconheceu a obrigação do governo brasileiro de consultar os povos indígenas Mun-
duruku e Sataré-Mawé, assim como as comunidades tradicionais de Montanha e Mangabal e outras. Ação Civil Pública nº.
9
3883-98.2012.4.01.3902.
Usina Hidrelétrica Teles Pires: em início de operação no rio Teles Pires, fronteira dos Estados do Pará e Mato Grosso. A Justiça
Federal ordenou a suspensão das obras a fim de serem realizadas consultas aos povos indígenas Munduruku, Kayabi e
Apiaká. Ação Civil Pública nº. 3947-44.2012.4.01.3600.
Usina Hidrelétrica São Manoel: em início de construção no rio Teles Pires, fronteira dos Estados do Pará e Mato Grosso. A
Justiça Federal ordenou ao governo brasileiro consultar os povos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká. Ação Civil Públi-
ca nº. 14123-48.2013.4.01.3600.
Polo Naval do Amazonas: projeto que envolve construção de portos, exploração mineral e transporte de cargas, previsto
para ser construído na margem do rio Amazonas, orla da cidade de Manaus. A Justiça Federal ordenou que o Estado do
Amazonas consulte previamente as mais de vinte comunidades tradicionais de pescadores e ribeirinhos afetadas pelo
projeto. Ação Civil Pública nº. 6962-86.2014.4.01.3200.
Parque Nacional de Superagui: a Justiça Federal de Paranaguá, Estado do Paraná, reconheceu a obrigação de consultar os
pescadores artesanais para a elaboração do Plano de Manejo da conservação federal no estado do Paraná. Ação Civil
Pública nº. 742-88.2015.4.04.7008.
Duplicação da Estrada de Ferro Carajás: em construção nos Estados do Pará e Maranhão. A Justiça Federal reconheceu a
obrigação de o governo consultar o povo indígena AwáGuajá. Ação Civil Pública nº. 61827-77.2015.4.01.3700.
Linhão Manaus-Boa Vista: linhão de energia elétrica que corta os Estados do Amazonas e Roraima. A Justiça Federal reco-
nheceu a obrigação de o governo consultar o povo indígena Waimiri Atroari, afetado pelo projeto. Ações Civis Públicas nº
18408-23.2013.4.01.3200 e 18032-66.2015.4.01.3200.
Projeto de Lei que altera a Lei Estadual nº 892/2013, Estado de Roraima: a Justiça Federal determinou que o Poder Executivo
do Estado de Roraima consulte os povos indígenas antes de propor o Projeto de Lei que altera a Lei nº 892/2013, acerca
do Plano de Cargos, Carreiras e Remunerações dos Servidores da Educação Básica do Estado de Roraima (PCCREB), no que
diz respeito aos professores indígenas. Ação Civil Pública nº. 5543-04.2015.4.01.4200.
Exploração de Hidrocarbonetos (Petróleo e Gás de Xisto) na Bacia Sedimentar do Acre: a Justiça Federal ordenou a suspensão
de “qualquer atividade” relacionada à exploração de hidrocarbonetos enquanto não fosse realizada consulta prévia, livre e
informada aos povos indígenas afetados. Ação Civil Pública nº. 1849-35.2015.01.3001.
Construção de Porto no Lago do Maicá, em Santarém, Estado do Pará: a Justiça Federal ordenou a suspensão do licenciamento
ambiental do porto da Empresa Brasileira de Portos de Santarém até que sejam consultadas as comunidades quilombolas
e comunidades tradicionais ribeirinhas afetadas pelo projeto. Ação Civil Pública nº. 377-75.2016.4.01.3902.
Apesar de quase sempre as decisões judiciais reco- ainda pouco debatido; e b) o uso do instrumento da
nhecerem que o direito à CCPLI é vigente no Brasil e Suspensão de Liminar e Antecipação de Tutela (SLAT),
com aplicabilidade imediata, podem ser destacadas que termina por converter projetos ou empreendi-
algumas contradições no âmbito do próprio Poder Ju- mentos mal planejados em fatos consumados, sem a
diciário, notadamente: a) as limitações colocadas pelo possibilidade de consulta. Em ambos os casos, nega-se
STF ao referido direito no caso Raposa Serra do Sol, o acessodas comunidades afetadas à justiça.
O caso
Raposa Serra do Sol
e o direito à consulta
10
9
Guido Fernando Silva Soares em sua obra Common Law:
Introdução ao Direito dos EUA (1ª ed., 2ª tir., RT, 1999, 40-42p.)
ensina que o leading case é “uma decisão que tenha constituído
em regra importante, em torno da qual outras gravitam” que “cria o
precedente, com força obrigatória para casos futuros”.Fonte: http://
www.jusbrasil.com.br/topicos/371143/leading-case
10
Ementa do acórdão disponível em:
http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosU- 11
YAMADA, E. e VILLARES, L. “Julgamento da Terra Indígena
pload/15451/material/Acordao_STF_-_Pet._3388_-_Raposa_Ser- Raposa Serra do Sol: todo dia era dia de índio”, revista Direito GV, V.6,
ra_do_Sol.pdf p.145, 2010.
Com a publicação do acórdão, seguiu-se a dúvida se consulta aos povos afetados da região. Porém, ainda
as salvaguardas estipuladas teriam efeitos vinculan- de acordo com o STF, o mesmo entendimento não
tes para todos os casos de direitos indígenas (ou seja, poderia ser estendido a outros projetos como, por
eficácia erga omnes) ou se estariam restritas às par- exemplo a construção de uma estrada, mesmo que
tes do caso concreto julgado (eficácia inter partes). O estrategicamente importante. A decisão da Suprema
Ministério Público Federal e organizações indígenas Corte brasileira dispôs que os resultados da consulta
apresentaram embargos de declaração12 argumen- “devem ser honesta e seriamente considerados”, afir-
tando que algumas das salvaguardas violavam direi- mando ainda que tal recomendação não significava
tos previstos na Constituição e na Convenção 169/ que a decisão final do Poder Público dependeria de
OIT (especialmente, o direito ao usufruto exclusivo aquiescência dos indígenas. 11
dos recursos naturais e o direito à consulta prévia).
Ainda sobre as condicionantes para o caso Raposa
Em 2013, o STF decidiu sobre os embargos de decla- Serra do Sol, o STF afirmou que: o usufruto das rique-
ração, considerando que as condicionantes previstas zas do solo, rios e lagos poderia ser relativizado diante
são vinculantes apenas quanto às partes envolvidas de “relevante interesse público”; que ele não abran-
no processo.13 Sendo assim, de acordo com o STF, os geria os recursos hídricos e os potenciais energéticos,
juízes e tribunais podem decidir de maneira diversa nem pesquisa e lavra de riquezas minerais; admitiu
em outros casos. Não obstante, jurisprudência pos- ainda a possibilidade de instalação de bases, unida-
terior afirmou que o caso Raposa Serra do Sol anali- des e postos militares, sem consulta aos povos indí-
sou o regime constitucional da demarcação de terras genas envolvidos; bem como a atuação das Forças
indígenas e, portando, definiu diretrizes constitucio- Armadas e da Polícia Federal, também independente
nais para aquele assunto.14 Essa incongruência segue de consulta aos povos indígenas; e, finalmente, que
em debate e ainda não foi tratada com relação ao di- o usufruto exclusivo dos índios sobre seus territórios
reitos de consulta e ao usufruto exclusivo dos povos não impediria a instalação de equipamentos públi-
indígenas sobre suas terras. cos, redes de comunicação, estradas e vias de trans-
porte, inclusive sem qualquer processo de consulta.
No que diz respeito à consulta, no caso Raposa Ser-
No entanto, não fica claro se o entendimento do STF
ra do Sol, o STF entendeu que não se trata de um
no que tange à CCLPI, dentro das condicionantes do
direito absoluto, podendo ser excepcionado quan-
caso Raposa Serra do Sol, constitui diretriz geral apli-
do estiverem em jogo outros bens constitucionais
cável a outros casos ou não.
relevantes, como a defesa nacional. Significa que a
corte constitucional brasileira compreendeu que De toda forma, mesmo para o caso Raposa Serra do
operações militares não gerariam a obrigação de Sol, apesar de reconhecer o caráter obrigatório da
12
Recurso processual que tem como finalidade solucionar obs- consulta prévia no país, o precedente desconsidera
curidade, omissão ou contradição de decisão judicial (Código de o corpus iuris internacional aplicável, sobretudo ao
Processo Civil, artigo 535).
13
Decisão disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/do-
excetuar as operações militares da obrigação de con-
cumento/122 sultar e ao não prever os casos em que é exigida a
14
RMS 29542/DF - STF (TI Porquinhos), Voto do Relator: para. obrigação adicional do consentimento prévio, como
6. Na assentada de 19.3.2009, este Supremo Tribunal concluiu o
julgamento do Caso Raposa Serra do Sol (Petição n. 3.388/RR). Pela será explanado durante o texto.
“superlativa importância histórico-cultural da causa”, examinou-se o
regime jurídico constitucional de demarcação de terras indígenas
no Brasil e fixaram-se as balizas a serem observadas naquele pro-
cesso demarcatório. Erigiram-se, naquela oportunidade, salvaguar-
das institucionais intrinsecamente relacionadas e complementares
que assegurariam a validade daquela demarcação e serviriam de
norte para as futuras.
Uso da suspensão de
liminar e antecipação
de tutela contra o
direito à consulta
12
© Mário Vilela/Funai
Representantes indígenas fazem protesto durante coletiva da
presidente do Ibama, Marilene Ramos, sobre a Licença de Operação
(LO) concedida pelo órgão, para o enchimento do reservatório
da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, 2015
Em que pesem as decisões judiciais que reco- A SLAT permite ao presidente de um tribunal sus-
nhecem a exigibilidade do direito à CCPLI, em pender a execução de sentenças e liminares assina-
casos envolvendo impactos por empreendi- das por juízes de instância inferior para evitar “grave
mentos ou projetos de governo, o instrumento lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
processual da Suspensão de Liminar e Antecipa- públicas”15 (Lei nº 8.437/92, artigo 4º). As decisões em
ção de Tutela (doravante SLAT) vem sendo uti- SLAT permanecem vigentes até o trânsito em julga-
lizado para suspender decisões que ordenam do de decisão no processo principal, sem a neces-
a realização de consultas a povos indígenas sária coerência ou justificativa de se evitar grave le-
afetados por empreendimentos. Nesses casos, são social. Na prática, em casos envolvendo grandes
geralmente ordena-se em primeira instância empreendimentos, a Suspensão de liminar permite
a suspensão das autorizações ambientais de que projetos mal planejados se convertam em fatos
tais projetos até que se cumpra o requisito da consumados, sem a possibilidade de consulta, o que
consulta prévia, livre e informada. Contudo tais configura uma verdadeira negação de acesso à justi-
decisões costumam ser suspensas por meio de ça das comunidades afetadas.
pronunciamentos de tribunais superiores, que
acolhem os argumentos do governo no sentido
de classificar os empreendimentos como estra-
tégicos para a ordem econômica do país.
15
“Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o
conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho
fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra
o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério
Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em
caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade,
e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à econo-
mia públicas.” (BRASIL. Lei Federal nº 8.437 de 1992. Dispõe sobre a
concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e
dá outras providências. Brasília: 30 jun. 1992).
Atualmente, existem ao menos três projetos de usi-
© Rafael Salazar
nas hidrelétricas na Amazônia brasileira que cami-
nham nesse sentido graças à suspensão, via SLAT,
das decisões que ordenaram a realização de consul-
tas prévias: Belo Monte16, Teles Pires17 e São Manoel18.
Recentemente, a sentença do caso do Linhão Ma-
naus-Boa Vista também foi suspensa por SLAT. As das
suspensões de liminar nesses casos consideram que
a consulta prévia lesaria a ordem e a economia pú-
blicas por, supostamente, atrapalhar o planejamento 13
energético nacional19.
Guerreiros Parakanã se juntam aos Xikrin, Juruna e Arara que
ocupam o sítio Pimental, 50 km distante do local
Destaque-se que a SLAT é um instrumento proces- de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte,
sual de uso exclusivo de pessoa jurídica de direito em protesto que demanda cumprimento de
condicionantes indígenas do empreendimento, 2012
público, fato que gera desequilíbrio entre as partes
envolvidas na controvérsia judicial. Estudo recente
demonstrou que, no universo das ações judiciais
referentes às hidrelétricas previstas para a bacia do
© Todd Southgate
rio Tapajós, “as liminares [contrárias ao Estado] demo-
raram em média 160,3 dias para serem decididas, en-
quanto as decisões em Suspensão de Liminar [favorá-
veis] apenas 3,9 dias”20. Estes e outros aspectos foram
apresentados à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos durante a audiência “Situação do direito
ao acesso à justiça e a suspensão de decisões judiciais
(ação de suspensão de segurança) no Brasil”, em 28 de
março de 201421.
© Todd Southgate
16
Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/documen-
to/157
17
Disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2014/arqui-
vos/Suspensao_Liminar.pdf/view
18
Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B5j1BfJM-
6nwPNDVEUnVVOE5BaDA/view?usp=sharing
19
OLIVEIRA, Rodrigo; VIEIRA, Flávia. “Suspensão de Liminar e
usinas hidrelétricas: a flexibilização do licenciamento ambiental por
via judicial” In MILLIKAN, Brent; ALARCON, Daniela; TORRES, Mauri-
cio. Ocekadi: Hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência
na bacia do Tapajós. Brasília, International Rivers. No prelo.
20
Idem., p. 3.
21
Vídeo da audiência está disponível em: https://www.youtube. Usina Hidrelétrica de Belo Monte em operação, 2016
com/watch?v=PSRkh1ZFwsw
Tentativa de
regulamentação do
direito à consulta
para medidas
administrativas
14
Em 2010, por meio da Central Única dos Tra-
© Mário Vilela/Funai
balhadores (CUT), organizações indígenas e
quilombolas22 denunciaram o Estado brasileiro
à Organização Internacional do Trabalho (OIT)
por descumprimento sistemático da obrigação
Seminário de Preparação para o processo de Regulamentação
de consultar. Em meio às pressões da sociedade da Convenção 169 da OIT no Brasil, 2012
civil e à inclusão do Brasil na lista preliminar da
OIT, o governo brasileiro tomou a iniciativa de
constituir, em 27 de janeiro de 2012, um Grupo Em 16 de julho de 2012, a Advocacia Geral da União
de Trabalho Interministerial (GTI) com o obje- (AGU) – órgão que tem a incumbência de defender
tivo de elaborar proposta de regulamentação juridicamente a administração pública federal e a de-
administrativa do direito à consulta prévia.23 fesa dos direitos coletivos indígenas – editou a Por-
Isso porque um dos argumentos do governo taria nº. 303/AGU.24 Essa Portaria incorporou todas as
para o não cumprimento adequado do direito à condicionantes do Caso Raposa Serra do Sol como
consulta era a falta de uniformização de proce- orientação geral para a AGU atuar restritivamente em
dimentos e orientações que traduzissem admi- outros casos referentes à demarcação de territórios
nistrativamente o direito normatizado na Con- indígenas. Embora a Portaria não tenha status de lei,
venção 169/OIT. Em resposta a este argumento, ela reflete posicionamento institucional da AGU e
representantes indígenas, quilombolas, de acaba por restringir diversos direitos indígenas à me-
comunidades tradicionais, juristas e represen- dida em que limita a linha de defesa pelos Advoga-
tantes do Ministério Público Federal já haviam dos da União nos casos judiciais e extrajudiciais.
se posicionado pela aplicabilidade imediata
da CCPLI, independentemente de regulamen-
tação, visto que a Convenção 169/OIT trata de
direitos fundamentais autoaplicáveis.
22
Segundo o Decreto 4887/2003, que regulamenta artigo 68 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
Federal, são consideradas comunidades quilombolas “os grupos
étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à
opressão histórica sofrida”.
23
Portaria que constituiu o Grupo está disponível em: http://
www.consultaprevia.org/#!/documento/115 Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/documento/416
24
Com a publicação da Portaria, a Articulação dos Po- A proposta, todavia, vem sendo bastante critica-
vos Indígenas do Brasil (APIB) anunciou a saída do da pelos sujeitos interessados, tanto em termos de
movimento indígena do processo de diálogo sobre processo27 (insuficiente participação e mudança de
uma possível regulamentação do direito à consulta, escopo, sem aviso prévio, das reuniões que eram
alegando a inexistência de boa-fé por parte do Go- meramente informativas) quanto de conteúdo (limi-
verno que, com tal atitude, se contradizia na defesa tação das garantias previstas nos documentos inter-
dos direitos territoriais indígenas.25 Nesse contexto, nacionais).
APIB exigiu a revogação da Portaria nº. 303 como
As críticas à forma da regulamentação evidenciam
condição indispensável para retomar a participação
nos trabalhos do GTI. Apesar de suspensa, até outu-
que os desafios para implementar o direito à con-
sulta vão além do seu descumprimento. Em muitos
15
bro de 2016, essa Portaria não havia sido revogada
casos, são realizadas pretensas consultas, que não
ameaçando restringir direitos territoriais mediante
observam os padrões internacionais normatizados e
interpretação contrária à jurisprudência do STF sobre
resultam em processos que não garantem aos povos
os alcances do caso da Raposa Serra do Sol.
interessados autonomia e poder de decisão.
Entre 2013 e 2014, o debate sobre a regulamentação
Mais do que uma mera regulamentação de direito ou
do direito à consulta seguiu sem a participação dos
uniformização de procedimentos de consulta entre
representantes indígenas. Em dezembro de 2014, foi
os órgãos federais e povos interessados, em detri-
consolidada uma proposta de regulamentação ad-
mento das especificidades destes, é necessário que
ministrativa que se limitava a dispor parâmetros para
haja um entendimento por parte do Estado brasileiro
as comunidades quilombolas. Não se sabe ao certo
sobre o espírito e o alcance prático de uma consulta
se ela será publicada ou arquivada. Segundo infor-
realizada de boa-fé, conforme estabelece a Conven-
mações do governo26, a proposta seguiu para avalia-
ção nº 169/OIT.
ção dos Ministros da Secretaria Geral da Presidência
da República, da Secretaria de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial, do Ministério do Desenvolvi-
mento Agrário e do Ministério da Cultura.
27
“Los Estados también tienen la obligación general de con-
sultar a los pueblos indígenas sobre las medidas legislativas que
les pueden afectar directamente, particularmente en relación
con la reglamentación legal de los procedimientos de consulta.
El cumplimiento del deber de consultar a los pueblos indígenas y
tribales sobre la definición del marco legislativo e institucional de la
consulta previa, es una de las medidas especiales requeridas para
promover la participación de los pueblos indígenas en la adopción
de las decisiones que les afectan directamente” (ONU – Consejo de
Derechos Humanos – Informe del Relator Especial sobre la situa-
25
Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/documen- ción de los derechos humanos y las libertades fundamentales de
to/166 los indígenas, James Anaya. Doc. ONU A/HRC/12/34, 15 de julio de
26
Obtidas através do Serviço de Informação ao Cidadão. 2009, par. 67).
Desafios para a
implementação do
direito à consulta e
consentimento
16
17
30
Petição inicial da ADIN disponível em: http://conectas.org/
arquivos/editor/files/ADI3239.pdf
31
A maioria dos ministros sinalizou que acompanhará o voto da
Min. Rosa Weber. No plano político porque foram convocadas pelo próprio go-
33
32
Voto disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticia- verno federal para discutir a proposta de regulamentação da CCPLI
NoticiaStf/anexo/ADI3239RW.pdf em 2012.
Quadro 2. Comparação dos critérios de autoidentificação.
Pode-se afirmar que, para a legislação brasileira, (II) No âmbito do governo federal, o compromisso
os povos e comunidades tradicionais são povos firmado entre o Ministério Público Federal e o ICMBio
tribais. Primeiro, por força do direito à autoiden- (órgão responsável pela gestão das unidades de con-
tificação, como a própria Ministra Rosa Weber servação federais) para consultar as comunidades da
esclareceu: “nenhum Estado tem o direito de negar Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no Estado do
a identidade de um povo indígena ou tribal que se Pará, quanto a um projeto de comercialização de cré-
reconheça como tal” (p. 38). Segundo, pela coinci- ditos de carbono florestal35.
dência de critérios entre o Decreto nº 6.064 e o Art.
A jurisprudência brasileira também tem avançado na
2º da Convenção 169/OIT.
direção de reconhecer as comunidades tradicionais
Corroborando esse entendimento, encontramos como sujeitos do direito à CCPLI. Como antecipamos
pelo menos dois casos de reconhecimento dos po- no Quadro 1, a Justiça Federal reconheceu a necessi-
vos e comunidades tradicionais como sujeitos do dade de consultar os pescadores artesanais (comu-
direito à consulta por parte do Estado brasileiro em nidade tradicional) para a elaboração do Plano de
seus atos administrativos: Manejo do Parque Nacional de Superagui, Estado do
Paraná. Igualmente, obrigou o Estado do Amazonas
(I) O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), es-
a consultar as 19 comunidades ribeirinhas afetadas
pécie de acordo administrativo celebrado entre o
pelo projeto do Polo Naval e esclareceu que as nor-
Ministério Público Estadual e o Ideflor-bio (órgão
mas da Convenção 169/OIT são aplicáveis às comu-
do Estado do Pará encarregado da gestão das uni-
nidades tradicionais em vista do alcance da expres-
dades de conservação estaduais) para a consulta
são “povos tribais”. Os réus recorreram, mas o Tribunal
a comunidades agroextrativistas referente ao “Re-
Regional Federal da 1ª Região manteve a decisão,
dimensionamento, Requalificação e Recategori-
afirmando que: “a ausência de consulta prévia e livre
zação” do Parque Estadual Chapucuru, na ilha do
e consentimento claro das comunidades tradicionais
Marajó. A consulta foi finalizada nos dias 11 e 12 de
envolvidas no processo expropriatório torna a implan-
setembro de 201534;
tação ilegal e ilegítima”36.
35
Informações disponíveis em: http://www.prpa.mpf.mp.br/
news/2015/mpf-pede-e-icmbio-aceita-fazer-consulta-previa-para-
-projeto-de-carbono-na-resex-tapajos-arapiuns
34
Informações disponíveis em: http://www.agenciapara.com.br/ 36
Acórdão disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/
noticia.asp?id_ver=116919 documento/545
Nós não somos invisíveis e não abrimos mão
do nosso lugar. No passado, os grileiros di-
ziam que ninguém vivia em Montanha e
Mangabal, mas lutamos e conseguimos que
nosso direito à terra fosse reconhecido. Ago-
ra, é o governo quem diz que não existimos
© Helena Palmquist/MPF-PA
e planeja construir barragens no rio Tapajós
20 sem nem nos consultar. Mas sabemos que
a lei garante nosso direito à consulta prévia
e exigimos que ele seja cumprido. Aqui, nes-
Representantes do Povo Munduruku
te beiradão, nós nascemos e nos criamos.
em ato de protesto na frente do Palácio do Planalto, 2013 Pegamos malária, enfrentamos as cachoeiras,
cortamos seringa, caçamos gato, pescamos,
As decisões referentes à Usina Hidrelétrica do Tapajós fizemos nossas roças. Foi assim nossa lida. À
também asseguram o direito à consulta das comuni- beira do Tapajós, enterramos nossos pais e
dades tradicionais afetadas pelo projeto. O Estudo de nossos filhos.38
Impacto Ambiental aponta que a obra irá afetar de
maneira grave o povo Munduruku e dezenas de co- A mencionada UHE de São Luiz do Tapajós teve seu
munidades tradicionais, como Montanha e Manga- licenciamento negado pelo órgão ambiental Federal
bal, São Luis e Pimental. O mesmo estudo,no entan- em agosto de 2016 devido à insuficiência técnica dos
to, adota a heteroidentificação e não reconhece São estudos de impacto ambiental apresentados. Adicio-
Luis e Pimental como comunidades tradicionais37. nalmente, a Funai manifestou-se pela inconstitucio-
Por isso, as decisões judiciais reconheceram o direito nalidade do projeto. Mesmo assim, o governo federal,
de estas comunidades tradicionais terem processos interessado no leilão do empreendimento, continua
específicos de consulta. Importante destacar que as ignorando o direito à consulta das comunidades tra-
comunidades de Montanha e Mangabal tiveram a dicionais e não adotou qualquer medida para dar
ocupação tradicional do território reconhecida pelo início ao processo de diálogo. De fato, ao anunciar o
governo federal por meio da criação de um projeto arquivamento do processo de licenciamento ambien-
agroextrativista (PAE). tal, representantes do estado brasileiro afirmaram ter
sido realizada consulta livre, prévia e informada com o
As próprias comunidades de Montanha e Mangabal
povo Munduruku39, fato duramente rechaçado pelos
entendem que devem ser reconhecidas como sujei-
indígenas. No final de 2014, em reunião com lideran-
tos coletivos dos direitos estabelecidos na Conven-
ças de Montanha e Mangabal, funcionários da então
ção 169/OIT e, em exercício de sua autonomia, ela-
Secretaria Geral da Presidência da República admiti-
boraram e publicaram seu “Protocolo de Consulta”,
ram que o governo não consultaria as comunidades
no qual reivindicam sua condição e estabelecem os
tradicionais afetadas:
procedimentos que o governo deve respeitar para
desenvolver processos de consulta com eles: 38
Íntegra do Protocolo está disponível em: http://www.consulta-
previa.org/#!/documento/321
“Porém, não se pode afirmar que são populações tradicionais
37 39
Relatório do Governo Brasileiro apresentado durante a 33a
nos termos da Lei Nº 111.284 (Lei de Gestão de Florestas Públicas)... Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em resposta ao
ou como define o Decreto Nº 6.040, Art. 3º, Inciso 1, Povos e Comu- Relatório da Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos
nidades Tradicionais...” (EIA, Vol. 7, pág. 120). Indígenas sobre sua visita ao Brasil.
© Helena Palmquist/MPF-PA
[...] a consulta atende às comunidades indíge-
nas, o que a gente tá discutindo é um processo
de informação lá com Mangabal [comunidade
tradicional], mas que não seria consulta. O en-
tendimento do governo federal, hoje, [...] quem é
ouvido na 169 são os indígenas e quilombolas,
que isso já tem referência. Comunidades tradi-
cionais ainda não chegou a esse acordo dentro 21
do governo40.
40
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nYbR6ej- 42
Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/documen-
V0ao to/116
41
Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/documen- 43
A conclusão parte da leitura das atas e memórias das reuniões
to/165 do GTI, obtidas via o Sistema de Acesso de Informação ao Cidadão.
Objeto
22
O artigo 6º da Convenção 169/OIT prevê que
© Todd Southgate
devem ser consultadas todas as medidas ad-
ministrativas44 e legislativas45 que afetem di-
retamente povos indígenas e tribais. Trata-se
de oportunidade para o diálogo intercultural Usina Hidrelétrica de Belo Monte construída
influenciar a decisão de governo. Assim, não sem consulta aos povos afetados, 2016
Projeto de Lei sobre reconhecimento e demarcação de terras indígenas – Projeto de Lei nº. 1.216/2015: revoga o Decreto
nº1.775/1996 - que regulamenta o artigo 231 da Constituição Federal e estabelece procedimento administrativo para de-
marcação de terras indígenas –propõe nova regulamentação de acordo com o que dispõe a Portaria nº 303 da AGU, restrin-
gindo de sobremaneira direitos territoriais indígenas. Fixa o marco temporal de 5 de outubro de 1998 (data da promulgação
da Constituição Federal) como referência para definir a ocupação tradicional dos povos indígenas. Não teriam direito ao ter-
ritório os povos indígenas que, por razão de expulsão ou esbulho, não ocupassem suas terras à época do marco temporal.
No quadro da página anterior, reunimos as principais mais de 50% em outras 74 terras indígenas.65 A de-
propostas legislativas em tramitação que afetam os finição das regras para a exploração minerária em
sujeitos interessados, seus direitos territoriais e seu de- terras indígenas é um assunto que indiscutivelmente
senvolvimento sustentável, sem que conste qualquer deve ser consultado com todos os povos indígenas
procedimento de consulta no processo legislativo. do Brasil, observando-se as especificidades dos po-
vos afetados. Não obstante, o Congresso Nacional
A maior parte dos projetos de lei e de emendas cons-
se nega a implementar um processo de CCPLI para
titucionais supracitados representa a mais grave
discutir o tema com aqueles diretamente afetados.
ofensiva legislativa aos direitos de povos indígenas,
28 comunidades quilombolas e povos e comunidades
tradicionais desde a promulgação da Constituição
O relator do projeto de lei de mineração em ter-
ras indígenas, Deputado Édio Lopes (PMDB-RR),
Federal de 1988, e responde ao crescente interes- manifestou, em julho de 2015, que a consulta pré-
se público e privado em torno nos recursos natu- via sobre essa matéria já teria sido realizada com
rais disponíveis nos seus territórios (construção os povos indígenas de todo o país no contexto
de hidrelétricas, hidrovias, projetos de mineração, de debate e consulta sobre o Projeto de Lei nº.
expansão da fronteira agropecuária etc.), sem con- 2.057/1991, que inclui disposições sobre minera-
siderar os direitos e os modos de vida destes gru- ção em terras indígenas. Segundo o Deputado, o
pos diferenciados. Mesmo nos casos dos projetos debate realizado pela Comissão Nacional de Polí-
que buscam regulamentar normas constitucionais, tica Indigenista (CNPI) sobre o Projeto de Lei que
observa-se que o objetivo é tão somente garantir trata do novo “Estatuto das Sociedades Indígenas
uma regulação favorável à exploração dos recursos do Brasil” (PL nº .2.057/1991) esgotou a consulta
naturais, sem qualquer preocupação em resguardar necessária sobre o tema.66
os direitos dos povos afetados, contrariando assim
Transportar posicionamentos e opiniões dos povos
o espírito dos direitos assegurados na Convenção
indígenas de um projeto de lei para outro, como se
169/OIT e reafirmado em várias instâncias interna-
fossem situações equivalentes, constitui inegável
cionais de direitos humanos, como a Comissão e
intenção de enganar aqueles que de boa fé partici-
Corte Interamericana de Direitos Humanos.
param dos processos de consulta convocados sobre
Entre as mencionadas iniciativas legislativas, vale a o PL nº. 2.057/1991. E este último é de uma iniciativa
pena destacar o Projeto de Lei nº. 1.610/96, que au- que pretende atualizar e harmonizar a legislação in-
toriza mineração em terras indígenas e a proposta de digenista vigente no Brasil com o marco constitu-
Emenda Constitucional PEC nº. 215/2000. cional de 1988. Apesar da notória necessidade de
sua aprovação, há mais de 20 anos que o referido PL
O PL nº. 1.610/1996 representa grave ameaça aos
permanece parado no Congresso Nacional.67
direitos territoriais dos povos indígenas, principal-
mente na região amazônica. Segundo levantamen- Outra iniciativa de significativo impacto nos direitos
to realizado pelo Instituto Socioambiental em 2013, indígenas e de populações tradicionais que atual-
existem 4.220 processos de requerimento minerário 65
Íntegra do estudo disponível em: https://www.socioambien-
incidentes em 152 Terras Indígenas na Amazônia Le- tal.org/sites/blog.socioambiental.org/files/publicacoes/minera-
cao2013_v6.pdf
gal. Os processos de requerimento minerário supe- 66
Íntegra da entrevista disponível em: http://www.socioambien-
ram 90% do território total de 32 Terras Indígenas e tal.org/pt-br/noticias-socioambientais/relator-de-mineracao-em-
-terra-indigena-vai-reapresentar-parecer-e-diz-que-consulta-ja-foi-
-feita.
67
A tramitação legislativa do PL nº 2057/1991 está disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?i-
dProposicao=17569>.
mente tramita no Congresso Nacional, à margem de “[...] o reconhecimento de 1.611 territórios [qui-
qualquer processo de consulta, é o Projeto de Emen- lombolas] que se encontram em andamento
da Constitucional nº. 215 (PEC 215). Como vem sen- nas diferentes regiões do país, impactando
do denunciado pelo movimento indígena nacional uma área de 2.552.784 hectares e uma popula-
e organizações da sociedade civil, trata-se de uma ção de pelo menos 37.056 famílias”.70
reforma constitucional que pode significar a parali-
sação total dos processos de demarcação destes ter- O Poder Legislativo não dá nenhum sinal de que vai
ritórios no país, a revisão da titulação de territórios já levar a proposta à consulta, apesar de ela afetar di-
reconhecidos e a remoção forçada de comunidades reta e negativamente direitos de povos indígenas e
de territórios tradicionais para dar lugar a obras de comunidades quilombolas. 29
infraestrutura, ou projetos de exploração de recursos Embora os regimentos internos das casas do Poder
naturais por parte de terceiros. Legislativo prevejam instrumentos de participação
No início de 2015, foi desarquivadaa PEC nº. 215/2000 direta da sociedade civil – como as audiências pú-
epara analisá-la constituiu-se uma comissão especial, blicas, reuniões espontâneas e comissões mistas -,
com 60% das cadeiras ocupadas por deputados da estes não se confundem com a CCPLI, muito menos
chamada “bancada ruralista”. Tal bancada é composta elidem a obrigatoriedade desta. Vem daí a importân-
por representantes da agricultura extensiva, que são cia do Congresso Nacional dispor sobre o tema em
abertamente contrários aos direitos territoriais dos seu regimento conjunto – e/ou no regimento inter-
grupos etnicamente diferenciados e defendem o fim no de cada uma das Casas (Câmara dos Deputados
dos regimes de posse e propriedade coletiva. No final e Senado Federal), reafirmando a CCPLI como etapa
de outubro de 2015, a comissão especial aprovou o imprescindível do processo legislativo.
parecer dessa PEC.68 A previsão contida na proposta É preciso esclarecer, todavia, que esta inclusão não
de transferência de competência ao Poder Legislati- é indispensável à efetivação da CCPLI, seja porque a
vo irá prejudicar: Convenção 169/OIT possua aplicabilidade imediata
ou porque os regimentos internos de ambas as Casas
“[...] processos de demarcação de 228 terras (Câmara dos Deputados e Senado Federal) preveem
[indígenas] ainda sem homologação, os quais mecanismos para auferir a compatibilidade dos pro-
devem ser paralisados. Essas terras representam jetos de leis e emendas constitucionais com o orde-
uma área de 7.807.539 hectares com uma po- namento jurídico brasileiro, o que inclui os tratados
pulação de 107.203 indígenas. Devem ser afeta- internacionais de direitos ratificados pelo País.
das ainda 144 terras cujos processos de demar-
Referimo-nos especialmente às Comissões de Consti-
cação estão judicializados, que totalizam uma
tuição, Justiça e Cidadania (doravante, CCJs) da Câma-
área de 25.645.453 hectares, com uma popula-
ra de Deputados e do Senado, que possuem o dever
ção de 149.381 pessoas”.69
de analisar a compatibilidade do projeto de lei com a
Constituição brasileira e, no caso de emenda constitu-
cional, de verificar se a proposta não ofende as “cláu-
68
Disponível em: <http://www.socioambiental.org/pt-br/noti- sulas pétreas”71, trechos do texto constitucional que
cias-socioambientais/comissao-da-camara-aprova-parecer-da-pec-
-215-com-novas-alteracoes>. 70
Idem, p. 21.
69
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Impactos da PEC 215/200 sobre 71
Constituição Federal de 1988: “Art. 60. A Constituição poderá ser
os povos indígenas, populações tradicionais e o meio ambiente. emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação
Brasília: ISA, set. 2015, p. 10. Disponível em: <http://www.socioam- a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de
biental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/isa_re- Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separa-
latoriopec215-set2015.pdf>. ção dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”.
não podem ser alterados/restringidos/suprimidos. O Dito de outra forma, entendemos ser obrigação da CCJ
exercício deste “controle político preventivo de consti- explicitar no parecer do exame de admissibilidade se o
tucionalidade”72 está inserido em uma atribuição mais direito à CCPLI foi ou não observado, já que em seguida
ampla das CCJs de verificar a conformidade do projeto a proposta será enviada ao plenário para deliberação. A
de medida legislativa com todo o ordenamento jurídi- não observância da CCPLI implica em um juízo negati-
co brasileiro, sob os aspectos da constitucionalidade, vo de admissibilidade por violação da Convenção 169/
legalidade, juridicidade e regimentalidade.73 OIT e a proposta deverá ser considerada prejudicada76, o
que impede seu encaminhamento ao plenário.
Considerando que este exame de admissibilidade
30 deve ocorrer antes que o projeto seja enviado ao
plenário da respectiva Casa74 e deliberado, também
Destacamos também a obrigatoriedade, em casos de
iniciativas legislativas oriundas do Poder Executivo, de
cabe às CCJs apreciar a conformidade da proposta de que o texto base da medida legislativa seja elabora-
medida legislativa com a Convenção 169/OIT75 e, por do de maneira conjunta com os povos interessados.
conseguinte, verificar se foi ou não realizada a CCPLI. Cabe ainda uma nota sobre a proposta brasileira de
regulamentação da CCPLI no que tange às medidas
72
Diz-se que o controle é “político” por ser realizado pelas casas legislativas. A controversa proposta de regulamenta-
do Poder Legislativo (em oposição ao controle judicial, realizado ção foi debatida somente no âmbito do Poder Execu-
nas instâncias do Poder Judiciário) e “preventivo” porque deve ser
feito antes da aprovação da medida legislativa (em oposição ao tivo (sem participação do Legislativo) e, se aprovada,
controle repressivo, empreendido após a promulgação da medida não irá dispor sobre o procedimento de consulta.
legislativa).
73
Regimento Interno da Câmara dos Deputados (artigo 32, IV,
dispõe sobre as atribuições da CCJ de analisar os: “a) aspectos
constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de CCPLI e oitiva constitucional
projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara
ou de suas Comissões”); Regimento Interno do Senado (“Art. 101. À No Brasil, além das leis federais ou reformas constitu-
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania compete: I - opinar cionais que devem ser submetidas a consultas junto
sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das
matérias que lhe forem submetidas por deliberação do Plenário,
aos povos indígenas, quilombolas e tradicionais, a
por despacho da Presidência, por consulta de qualquer comissão, Constituição Federal de 1988 estabeleceu a obriga-
ou quando em virtude desses aspectos houver recurso de decisão
ção de o Congresso Nacional autorizar, mediante a
terminativa de comissão para o Plenário”).
74
Regimento Interno da Câmara dos Deputados (“Art. 53. Antes edição de um Decreto Legislativo, o aproveitamento
da deliberação do Plenário, ou quando esta for dispensada, as pro- da exploração de recursos minerais e do potencial hi-
posições, exceto os requerimentos, serão apreciadas: III – pela Co-
missão de Constituição e Justiça e de Cidadania, para o exame dos drelétrico dos rios em terras indígenas, ouvindo as co-
aspectos de constitucionalidade, legalidade, juridicidade, regimen- munidades afetadas.77 Trata-se da oitiva constitucional,
talidade e de técnica legislativa, e, juntamente com as Comissões
técnicas, para pronunciar-se sobre o seu mérito, quando for o caso;” 76
Regimento Interno da Câmara dos Deputados (“Art. 163. Con-
e “Art. 202. A proposta de emenda à Constituição será despachada sideram-se prejudicados: II – a discussão ou a votação de qualquer
pelo Presidente da Câmara à Comissão de Constituição e Justiça projeto semelhante a outro considerado inconstitucional de acordo
e de Cidadania, que se pronunciará sobre sua admissibilidade, no com o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cida-
prazo de cinco sessões, devolvendo-a à Mesa com o respectivo dania”; artigo 164, §4º A proposição dada como prejudicada será
parecer”); Regimento Interno do Senado (“Art. 356. A proposta [de definitivamente arquivada pelo Presidente da Câmara.); Regimento
emenda constitucional] será despachada à Comissão de Constitui- Interno do Senado (“Artigo 300, XVIII - não será submetida a votos
ção, Justiça e Cidadania, que terá prazo de até trinta dias, contado emenda declarada inconstitucional ou injurídica pela Comissão
da data do despacho da Presidência, para emitir parecer”). de Constituição, Justiça e Cidadania, salvo se, não sendo unânime
75
A conformidade do projeto de medida legislativa com a Con- o parecer, o requererem líderes que representem, no mínimo, a
venção nº 169/OIT é analisada sob o aspecto da “legalidade”, uma maioria da composição do Senado”).
vez que os tratados internacionais de direitos humanos possuem 77
O artigo 231 da CF dispõe no seu §3 o que: “O aproveitamento
status supralegal segundo a jurisprudência do STF. Porém, especi- dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pes-
ficamente no que tange ao direito à CCPLI, entendemos ser uma quisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem
análise de “constitucionalidade”, pois o consideramos um direito ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
fundamental com status constitucional, conforme será discutido no comunidades afetadas, ficando-lhes assegurado participação nos
subitem “Acesso à justiça e CCPLI”. resultados da lavra, na forma da lei” (grifos nossos).
figura jurídica totalmente inédita no continente, que medida administrativa. Portanto, quando forem previs-
outorga ao Poder Legislativo um papel fundamental tos empreendimentos hidrelétricos ou minerários em
na interlocução do Estado com os povos indígenas no Terras Indígenas, duas consultas devem ser realizadas:
que se refere à exploração de recursos naturais especi- uma conduzida pelo Congresso Nacional antes da
ficamente das terras indígenas. emissão do Decreto Legislativo autorizador (oitiva); ou-
tra conduzida pelo órgão público interessado no em-
Entendemos que a oitiva constitucional é uma espé-
preendimento e responsável pela autorização.
cie do gênero consulta a medidas legislativas. Embo-
ra a oitiva seja um instituto mais antigo que a CCPLI Apesar do exposto, há jurisprudência que indica que
– pois foi criada pela Constituição Federal no ano de
1988 -, a Convenção 169/OIT pode ser utilizada como
o artigo da Constituição que prevê a possibilidade de
exploração hidrelétrica ou minerária em terra indíge-
31
vetor interpretativo da norma constitucional. Aliás, na possui eficácia limitada, ou seja, demanda regula-
um dos efeitos da tese da supralegalidade dos trata- mentação legal para que tenha aplicabilidade.78
dos de direitos humanos é justamente servir de viés
O artigo 176, parágrafo 1º, prevê que a pesquisa e a
interpretativo para ampliar o conteúdo e o alcance
lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos
das normas constitucionais relativas a direitos e ga-
potenciais hidrelétricos em Terra Indígena deverão
rantias fundamentais, conforme estabelecido pela
observar condições específicas estabelecidas por lei
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
[complementar].79 Considerando que até o momen-
Assim, a oitiva constitucional deve ser compreendida to o dispositivo não foi regulamentado e inexistem
como um tipo de consulta prévia, livre e informada estas “condições específicas”, atualmente estes em-
aos povos indígenas em relação a uma medida le- preendimentos são considerados inconstitucionais
gislativa bastante específica: Decreto Legislativo edi- (Ver Projeto de Lei Complementar nº. 1.610/1996 no
tado pelo Congresso Nacional (Constituição Federal, Quadro nº 3).80
artigo 49, XVI) para autorizar a exploração e o apro-
Embora empreendimentos hidrelétricos estejam pla-
veitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra
nejados e em execução em rios localizados em terri-
de minérios em terras indígenas.
tórios indígenas, como os casos do complexo de hi-
Sendo a oitiva constitucional uma hipótese de consulta
à medida legislativa, ela não se confunde com a CCPLI 78
Decisão da Justiça Federal do Amapá anulando mineração em
Terra Indígena por ausência de regulamentação do art. 176, §1º
do empreendimento em si, hipótese de consulta sobre da Constituição Federal. Disponível em: https://drive.google.com/
file/d/0B5j1BfJM6nwPb3M5UGkzTEtzWG8/view?usp=sharing.
© Luis Donisete Benzi Grupioni/Iepé
79
Sem consultar os indígenas, governo federal prepara regula-
mentação alternativa ao artigo 176, §1º. Ver “Governo prepara MP
que cria compensação financeira para explorar Terras Indígenas”.
Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,go-
verno-prepara-mp-que-cria-compensacao-financeira-para-explo-
rar-terras-indigenas,10000003615.
80 Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos mine-
rais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade
distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento,
e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade
do produto da lavra. § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais
e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o “caput” deste
artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização
ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou
empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as con-
dições específicas quando essas atividades se desenvolverem em
Acampamento Terra Livre , 2013 faixa de fronteira ou terras indígenas.
drelétricas na bacia do Tapajós e a Usina Hidrelétrica Quadro 4. Audiência Pública Ambiental, Oitiva Constitucional
de Belo Monte no rio Xingu, a oitiva nunca foi respei-
tada. São poucas as decisões judiciais que discutem
especificamente a oitiva constitucional. A principal Audiência Pública Ambiental
decisão foi o Acórdão do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região81, que reconheceu a omissão da oitiva/
Legislação
consulta que deveria anteceder o Decreto Legislativo Constituição Federal, artigo 225, §1º, IV; Lei nº 9784/99;
nº. 788/2005, que autorizou o aproveitamento hidre- Resoluções CONAMA 001/86 e 009/1987.
létrico do rio Xingu pela Usina Hidrelétrica de Belo
32 Monte. Apesar da mencionada hidrelétrica desviar o
Sociedade civil de modo geral. Em se tratando de
rio Xingu entre duas terras indígenas (Paquiçamba empreendimentos previstos para Terras Indígenas, é
Sujeitos
e Arara da Volta Grande), o Congresso Nacional au- recomendável que sejam feitas também audiências
torizou o aproveitamento do rio sem ouvir os povos exclusivas e culturalmente apropriadas aos povos
indígenas, comunidades quilombolas e comunidades
diretamente afetados, tal e como disposto na Consti- tradicionais.
tuição Federal de 1988.
Condutor
A decisão que ordenava a realização da oitiva/CCPLI Órgão de meio ambiente responsável pelo licenciamen-
ainda não foi implementada devido a uma Suspen- to ambiental (Resolução CONAMA 001/1986, art. 3º).
são de Liminar (Ver Quadro nº. 1) desse mesmo ano.
Após 11 anos de tramitação, com a Usina já em ope- Hipóteses
ração, o processo ainda aguarda julgamento definiti- Toda atividade modificadora do meio ambiente (Reso-
lução CONAMA 01/1986, art. 2º c/c art. 11, §2º).
vo do Supremo Tribunal Federal.
No caso do complexo de hidrelétricas planejadas para a
Critério de
incidência
bacia do Tapajós, o Governo Federal sequer solicitou au- Sempre que o órgão licenciador julgar necessário e
torização ao Congresso Nacional para o aproveitamen- quando for solicitado por entidade civil ou pelo Minis-
tério Público (Resolução CONAMA 01/1986, art. 2º).
to do potencial hidrelétrico da bacia, embora a principal
Usina do Complexo, a Usina de São Luiz do Tapajós,
Momento
alague 7% do território Sawré Muybu, Terra Indígena do Após o recebimento do RIMA pelo Órgão licenciador
povo Munduruku, cujo processo de reconhecimento (Resolução CONAMA 01/1986, art. 2º, §1º).
oficial chegou a ser paralisado no governo federal por
incompatibilidade com o projeto da usina.
Metodologia
Oitiva Constitucional
(Consulta ao Decreto Legislativo que autoriza um CCPLI Consulta ao empreendimento (*)
empreendimento)
Constituição Federal, artigo 231, §3º c/c Convenção nº 169/ Convenção 169/OIT, artigos 6 e 15 e Declaração das
OIT, artigos 6 e 15. Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
33
Todos os sujeitos da Convenção 169/OIT (povos in-
Povos indígenas dígenas, comunidades quilombolas e comunidades
tradicionais).
Decreto Legislativo que poderá autorizar o aproveitamento Medidas administrativas (projetos de empreendimentos)
dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, suscetíveis de afetar diretamente determinado grupo
pesquisa e lavra das riquezas minerais em terras indígenas. (Convenção 169/OIT, art. 6º, 1, a).
O Congresso Nacional deverá compor comissão mista para Será definido um Plano de Consulta respeitando
ir ao território indígena realizar a oitiva (Constituição Federal, regras, protocolos e procedimentos apropriados, a
art. 58, § 2º e TRF1, AC 2006.39.03.000711-8, UHE Belo Monte) serem definidos pela própria comunidade consultada
e respeitar regras e protocolos indígenas para o diálogo. (Convenção 169/OIT, art. 6º, 1, a).
(*) O direito CCPLI se aplica também com relação a medidas legislativas sobre outras matérias. Nesses casos, o condutor da consulta é a instância
legislativa proponente da medida e a consulta deve ocorrer antes do envio do projeto para aprovação. O obejtivo é incorporar os pontos de vistas
dos povos indígenas e outros sujeitos, chegar a um acordo sobre a proposta de lei e conseguir o consentimento nos casos cabíveis. O regimento
interno das casas legislativas (Senado e Câmara dos Deputados) pode detalhar procedimentos.
Oportunidade
34
Como a própria expressão CCPLI sugere, a con-
© Todd Southgate
sulta deve ser prévia à adoção da medida. O ar-
tigo 6º da Convenção 169/OIT determina que é
preciso consultar cada vez que sejam previstas
medidas legislativas ou administrativas que afe- Cacique Giliarde Juruna, da Terra Indígena Paquiçamba,
tem povos indígenas, quilombolas, povos e co- mostra área de impacto da hidrelétrica de Belo Monte para
Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da Organização das
munidades tradicionais. O artigo 15 acrescenta Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas, 2016
a necessidade de se “estabelecer ou manter pro-
influenciar a adoção das decisões.84 Ao decidir o caso
cedimentos com vistas a consultar os povos inte-
Comunidade Garifuna de Punta Piedra e seus membros
ressados [...] antes de se empreender ou autorizar
contra Honduras, a Corte constatou que o Estado de-
qualquer programa de prospecção ou exploração
mandado possui uma Lei Geral de Mineração que exige
dos recursos existentes nas suas terras”. Para ter
um processo de consulta prévia somente a partir da
algum grau de influência ou vinculação, a con-
etapa de extração, excluindo tal garantia nas etapas de
sulta precisa ocorrer necessariamente antes de
prospecção. A Corte ordenou a Honduras modificar a
a decisão ser tomada. Podem surgir, no entan-
referida lei, nos termos da obrigação de harmonizar o
to, alguns elementos complicadores. No caso de
ordenamento jurídico interno à Convenção Americana,
medidas administrativas complexas que envol-
disposta no artigo 2 deste instrumento internacional.85
vam múltiplas decisões e autorizações, surge a
pergunta sobre o momento exato da consulta. No Brasil, observamos que as consultas são poster-
gadas ao máximo, e até repassadas para momentos
A jurisprudência do Sistema Interamericano ajuda a res-
posteriores à execução das decisões que deveriam
ponder à questão. A Comissão Interamericana de Direi-
ser consultadas. Entre vários exemplos, a consulta
tos Humanos (CIDH) esclareceu que, para ser prévia, a
proposta pelo governo federal aos Munduruku, dis-
consulta deve ser feita na fase de planejamento do pro-
cutida anteriormente, ocorreria após diversas mani-
jeto, plano ou medida correspondente, com suficiente
festações do governo, revelando que a decisão de
antecedência ao começo das atividades de execução.83
construir as usinas hidrelétricas que impactam dire-
A CIDH enfatiza que é preciso consultar desde as pri-
tamente seus territórios já estava tomada no planeja-
meiras etapas de planejamento da proposta, permitindo
mento do setor elétrico.
que os povos participem verdadeiramente e possam
84
Corte IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs.
Ecuador, op. cit., p. 50.
85
Corte IDH.Caso Comunidad Garífuna de Punta Piedra y sus
83
CIDH. Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el miembros vs. Honduras, Excepciones Preliminares, Fondo, Reparacio-
fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. nes y Costas. Serie C Nº 304 del 8 de octubre de 2015. Disponible en:
34, 28 de junio de 2007, párr. 249. http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_304_esp.pdf
Durante a execução dos projetos, e especificamente em até 80% com a entrada em operação da Usina Hi-
no decorrer do processo de autorização ambiental drelétrica de Belo Monte. Inclusive, o licenciamento
do mesmo, o direito à CCLPI tampouco é adequada da UHE Belo Monte prevê o monitoramento da Volta
e oportunamente respeitado. A obrigatoriedade de Grande durante os seis anos seguintes à operação
realização de consulta é relativamente reconhecida em razão da magnitude dos impactos, fato desconsi-
pelo governo no processo de licenciamento ambien- derado pela Belo Sun.
tal, mas sua realização está prevista para acontecer
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Ministério
somente após a tomada de decisões estratégicas na
Público Federal (MPF) recomendaram o não licen-
viabilização de projetos, como a aprovação da pri-
meira licença ambiental. É o caso, por exemplo, do
ciamento do Projeto Volta Grande sem a realização
de consulta, e enquanto não transcorrerem os seis
35
“Projeto Volta Grande – Mineração de Ouro” da em-
anos de monitoramento dos impactos da UHE Belo
presa canadense Belo Sun Mining Corporation, vin-
Monte89. O órgão licenciador, Secretaria de Estado de
culada ao banco Forbes & Manhattan Inc.
Meio Ambiente do Estado do Pará (SEMA)90, ignorou
Prevista para ser instalada na Volta Grande do Xin- os pedidos e concedeu Licença Prévia sem nenhu-
gu– região de maior incidência de impactos diretos ma consulta a indígenas ou ribeirinhos, e sem exigir
da Usina Hidrelétrica de Belo Monte -, o projeto irá a avaliação de impactos sobre os povos indígenas
impactar os povos indígenas Juruna (Yudjá) e Arara (chamado “Estudo do Componente Indígena”), o
das Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta que foi incluído como condicionante da Licença de
Grande, respectivamente. Também irá afetar famílias Instalação91. Em outras palavras, para conseguir a
ribeirinhas e povos indígenas de variadas etnias que autorização de construção do empreendimento, a
vivem na Volta Grande em territórios não reconheci- mineradora canadense teria que realizar estudo de
dos pelo Estado.86 impacto sobre os povos indígenas.92 Estes, por sua
vez, decidiram não permitir a entrada dos técnicos
O Projeto implica risco de contaminação dos corpos
da empresa em seus territórios antes de realizada a
de água subterrâneos e superficiais, incluindo o rio
Xingu, por arsênio, componente químico que causa 89
Disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2012/mpf-
graves problemas de saúde. A extração do ouro a -investiga-projeto-de-mineracao-de-ouro-na-volta-grande-do-xin-
gu-ao-lado-de-belo-monte
partir de toneladas de terra e rocha libera o arsênio. A 90
MPF apresentou ação judicial questionando a atribuição da
cada 1 grama de ouro extraído são liberados 7 quilos SEMA para conduzir o licenciamento, pois segundo a legislação
de arsênio.87 O arsênio será contido em duas pilhas brasileira a atribuição cabe ao órgão licenciador federal (Iba-
ma). Ação judicial disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/
de rejeito de 75 e 85 metros de altura cada uma, lo- news/2014/mpf-pede-que-o-licenciamento-da-belo-sun-seja-
calizadas a 1.200 metros do rio Xingu.88 -transferido-para-o-ibama
91
MPF propôs ação judicial pedindo a nulidade de Licença Prévia
O risco de contaminação é intensificado pelo fato de em razão da ausência de Estudo do Componente Indígena. A
Justiça Federal de Altamira proferiu sentença julgando procedente
o empreendimento estar previsto para a Volta Gran- a denúncia do MPF. A sentença foi suspensa provisoriamente até o
de em trecho do rio Xingu que terá a vazão reduzida julgamento final da ação. Ação judicial disponível em: http://www.
prpa.mpf.mp.br/news/2013/indios-juruna-da-volta-grande-do-xin-
gu-querem-consulta-previa-sobre-projeto-belo-sun Disponível
86
Para maiores informações, acessar “Projeto Volta Grande – Mi- em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2014/arquivos/Senten-
neração de ouro”. Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/ ca_Belo_Sun_suspensao_licenciamento_anulacao_licenca_previa.
item/11 pdf/at_download/file
87
Ver o RIMA do projeto de Belo Sun na integra em: http://www. 92
Licença Prévia nº 1312/2014. Projeto Volta Grande. Item 26:
sema.pa.gov.br/download/2BSML001-1-EA-RIM-0002_RIMA_REVI- “Desenvolver, de acordo com o Termo de Referência da FUNAI,
SADO.pdf o Estudo de Componente Indígena para as TI’s de Paquiçamba
88
Disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/indios- e Arara da Volta Grande do Xingu. Após a conclusão do mesmo,
-yudja-pedem-consulta-sobre-mineracao-canadense-belo-sun- encaminhar a esta SEMA cópia do presente estudo protocolado na
-que-quer-extrair-ouro-no-xingu referida fundação”.
consulta sobre a própria viabilidade do projeto de genas afetados não manifestaram seu consentimento
mineração, ou seja, sobre a licença prévia da obra. livre prévio e informado após os estudos participativos
de impactos social, ambiental e de direitos humanos e
O órgão licenciador estadual autorizou o empreen-
as consultas de boa-fé”.93
dimento e decidiu sobre sua viabilidade sem con-
sultar os povos indígenas afetados, declarando que Sobre a oportunidade adequada para realizar proces-
a consulta será realizada antes da próxima fase do sos de consulta prévia, no âmbito do licenciamento
licenciamento ambiental, que consiste na discussão ambiental, recentemente foi emitido precedente
sobre o processo de instalação da mineradora, e não judicial expressivo a respeito no Supremo Tribunal
36 mais sobre sua viabilidade. Isso faz com que a própria
consulta torne-se inócua quanto à garantia do direito
de Justiça. No Agravo Regimental na Suspensão de
Liminar nº. 1745/PA, o Ministro Felix Fischer afirmou
territorial dos povos indígenas e comunidades tradi- que nenhuma licença ambiental pode ser concedida
cionais duplamente impactados pela Usina de Belo antes de realizada a consulta livre, prévia e informada:
Monte e pela mineradora Belo Sun. Sem a oportuni-
dade de influenciar qualquer das duas decisões, essa “para se dar fiel cumprimento aos dispositivos
prática provoca impactos irreversíveis para os povos da Convenção, o Governo Federal deverá pro-
afetados e seus territórios. mover a participação de todas as comunida-
Tal fato levou à decisão judicial em 2013 determi- des, sejam elas indígenas ou tribais, a teor do
nando a suspensão do licenciamento ambiental da art. 1º do texto convencional, que podem ser
mineradora, que já entrava na fase de emissão de afetadas com a implantação do empreendi-
licença prévia pelo órgão ambiental estadual, mas mento, não podendo ser concedida a licença
em seguida foi revertida em favor da empresa cana- ambiental antes das suas oitivas”94.
dense. Em 2016, ainda sem a realização de consultas,
É indispensável que durante o licenciamento am-
o governo do Estado do Pará decidiu por adiar a au-
biental, em especial antes da emissão de cada licen-
torização de funcionamento da mineração.
ça ambiental, seja realizada a consulta livre, prévia e
O caso do Projeto Belo Sun na Volta Grande é reve- informada de forma a garantir a participação efetiva
lador da negligência dos governos em diversas ins- de povos e comunidades afetadas. Participação esta
tâncias (municípios, estados e união) que postergam que deve ser direta, transversal e permanente ao pro-
a consulta ao máximo, ao ponto de tentar torná-la cesso de licenciamento ambiental e que precisa ser
ineficaz. Também mostra que a indisposição dos go- renovada a cada nova decisão.
vernos em efetivarem o direito de consulta no seu
momento adequado (anterior à tomada de decisão)
gera um contexto de desconfiança e insatisfação
que impossibilitam diálogos, acordos e consensos.
Sobre esse caso a Relatora Especial da ONU sobre os
direitos dos povos indígenas recomendou ao Estado
brasileiro: “Considerando as alegações de etnocídio no
caso Belo Monte trazidas pelo Ministério Público, extre-
ma cautela deveria ser exercida com relação à minera-
dora Belo Sun e o projeto de hidrelétrica Tapajós. Esses
projetos não deveriam ser considerados se existe po-
tencial para impactos semelhantes ou se os povos indí- A/HRC/33/42/Add.1, para.99(b)
93
37
A Convenção 169/OIT deve ser compreendida a
partir de seu contexto internacional de reconhe-
cimento formal da necessidade dos Estados supe-
rarem ideários assimilacionistas e de colonização
de povos culturalmente diferenciados. O direito à
Assembleia Geral do Povo Munduruku, Aldeia Restinga , 2013
consulta e consentimento pressupõe que as auto-
ridades estatais sejam capazes de conversar, ouvir
e considerar a presença, os planos de vida e os di- Caráter culturalmente apropriado
reitos de populações culturalmente diferenciadas.
A Convenção 169/OIT prevê que as consultas devem
Esse direito não se confunde nem exclui o direito ser realizadas “mediante procedimentos apropriados” e
de participação cidadã, resguardado por outros ins- por meio das “instituições representativas” dos sujeitos
trumentos e procedimentos de participação da so- interessados (artigo 6º). A Corte IDH fixou o entendi-
ciedade civil, como audiências públicas e conselhos mento de que os governos precisam garantir o cará-
paritários. Tais espaços costumam ser ambientes hos- ter “culturalmente apropriado” das consultas, em con-
tis à participação de povos indígenas, comunidades formidade “com os costumes e tradições” dos sujeitos
quilombolas e tradicionais, pois com frequência não interessados, particularmente quanto aos seus méto-
respeitam as especificidades culturais de cada sujeito dos tradicionais de decisão95, cabendo aos próprios
coletivo (como a necessidade de tradução, formas sujeitos decidirem sobre sua forma de representação,
particulares de representação e deliberação, dentre e não ao Estado.96
outros aspectos). A consulta prévia, diferentemente
disso, se propõe a garantir o diálogo intercultural. No já citado caso brasileiro de tentativa de regula-
mentação da consulta, verificamos que o artigo 8º da
Dessa maneira, o direito à CCPLI não deve ser trans- minuta regulamentadora propõe que as consultas
formado em instrumento para referendar decisões serão dirigidas às instâncias colegiadas, às institui-
governamentais, nem em um espaço burocrático ções representativas ou diretamente às comunidades
que inviabilize a participação efetiva dos sujeitos quilombolas, de acordo com a análise da Comissão
interessados. Discutir o modo como deve ocorrer a de Consulta Prévia (composta exclusivamente por
consulta é tão importante quanto discutir seus sujei- membros da Administração Pública) e pautando-se
tos, objetos e oportunidade. No próximo item, abor-
95
Corte IDH. Saramaka vs. Suriname, op. cit., p. 42-43
daremos três dimensões que ajudam a responder à 96
Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam. Sentencia Se-
pergunta sobre como consultar, tratando especifica- rie C Nº 185 del 12 de agosto de 2008 (Interpretación de la Senten-
cia de Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas), p.
mente de seu caráter “culturalmente apropriado”, “de
2-3. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/
boa fé” e “livre”. seriec_185_esp.pdf
“pelos critérios de razoabilidade e economicidade”97.
Segundo o documento, caberia ao governo decidir
qual seria a forma de representação dos sujeitos inte-
ressados e o que orientaria essa decisão seria apenas
a conveniência da administração pública, sem con-
sideração às especificidades sociais e culturais que a
Convenção resguarda. Por isso, caso seja aprovada,
tal regulamentação negaria um processo de consulta
© Bruno Caporrino/Iepé
culturalmente adequado.
38 Em contraponto à iniciativa governamental de pro-
duzir uma regulamentação geral, alguns sujeitos co-
letivos vêm construindo seus Protocolos próprios de Lideranças wajãpi em oficina de discussão e construção de
seu protocolo próprio de consulta, 2014
Consulta Prévia. São documentos nos quais os povos
“regulamentam” a consulta de maneira específica, de Há notícias de que outros povos estão em processo
acordo com seus usos, costumes e tradições. Nesses de elaboração de seus próprios protocolos.
protocolos, povos indígenas, comunidades quilom-
bolas, povos e comunidades tradicionais expõem Os protocolos próprios de consulta constituem um
ao governo como estão organizados politicamente, marco de regras mínimas de interlocução entre o
como se fazem representar, quem fala em nome de- povo, ou comunidade interessada, e o Estado. A partir
les, como esperam que as informações sejam repas- dos protocolos próprios, é possível construir o plano
sadas e como tomam decisões autônomas levando de consulta de cada processo. O plano de consulta
em consideração a coletividade. constitui o primeiro acordo necessário entre as par-
tes sobre as regras da cada consulta definidas con-
Os Wajãpi do Amapá foram o primeiro povo indígena juntamente entre o Estado e a comunidade consulta-
do País a elaborar um protocolo próprio de consulta: da. No Plano de Consulta precisam ser acordados os
Wajãpi kõ oõsãtamy wayvu oposikoa romõ ma´ë – Pro- interlocutores do processo, o local, a metodologia, o
tocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi98, que, pu- tempo e os recursos necessários para sua realização.
blicado em 2014, serviu de inspiração para a elabora-
ção de dois outros protocolos de consulta, na região Vale a pena destacar que a própria jurisprudência
do Tapajós: o dos Munduruku99 e da comunidade tra- brasileira também tem reconhecido a necessidade
dicional Montanha e Mangabal100 e do Protocolo de de definir as regras do processo de consulta entre as
Consulta do Xingu, aprovado em outubro de 2016. partes antes de dar início à sua execução. Em decisão
da quinta turma do Tribuna Regional Federal da 1ª
97
Minuta da regulamentação do direito à consulta prévia no Bra-
sil. Artigo 8. As consultas serão dirigidas, de acordo com a análise Região, ainda sobre a ausência de consulta no caso
da Comissão de Consulta Prévia, às instâncias colegiadas, às institui- de Belo Monte, a Desembargadora Selene Almeida
ções representativas ou diretamente às comunidades quilombolas.
Parágrafo Único. A decisão sobre a quem se dirigirá a consulta
menciona a necessidade de realizar uma “pré-con-
deverá considerar a natureza do objeto e as condições operacionais sulta sobre o processo de consulta, tendo em vista
para a realização da consulta, devendo orientar-se, em especial, a escolha dos interlocutores legitimados, o processo
pelos critérios de razoabilidade e economicidade.
98
Disponível em: http://www.rca.org.br/wp-content/ adequado, a duração da consulta, o local da oitiva,
uploads/2016/01/2014_protocolo_consulta_consentimento_waja- em cada caso, etc”101.
pi.pdf
99
Disponível em: http://www.consultaprevia.org/files/biblioteca/
fi_name_archivo.326.pdf 101
Voto Desembargadora Selene Almeida na EDAC 0000709-
100
Disponível em: http://www.consultaprevia.org/files/biblioteca/ 8.4.01.3903/PA, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, quinta
fi_name_archivo.321.pdf turma TRF1, e-DJF1. de 27/08/2012p. 316
sobre a consulta”), consultiva (para “construir consen-
De boa fé
sos acerca do tema da regulamentação da consulta,
A Convenção 169/OIT também dispõe que as con- de forma a produzir, no final do processo, instrumento
sultas devem ser efetuadas de boa fé (artigo 6º, 2). de consulta que reflita os posicionamentos dos parti-
A boa-fé é entendida como a confiança entre as cipantes do processo”) e devolutiva (para a “apresen-
partes, transparência, honestidade e respeito mú- tação, concertação e devolução de todo o processo,
tuo. O descumprimento deste requisito é recorrente principalmente da proposta de regulamentação dos
nas poucas tentativas de consultas apresentadas no mecanismos de consulta prévia”). Também definia o
Brasil. Para demonstrar essa afirmação, abordaremos número de encontros previstos e os períodos (meses)
alguns aspectos de dois casos relevantes já mencio- em que deveriam ocorrer.104 39
nados ao longo do documento: a proposta de regu-
No entanto, esse planejamento não foi cumprido
lamentação geral do direito à consulta e a tentativa
e, embora a pactuação previsse 32 reuniões (sen-
de iniciar o processo de consulta ao povo indígena
do 27 informativas e 5 consultivas), foram realizadas
Munduruku referente ao projeto da Usina Hidrelétri-
apenas 11. Considerando as dimensões do país, a
ca São Luiz do Tapajós.
quantidade de povos indígenas e comunidades
Já alertamos que a proposta de regulamentação do quilombolas (os povos e comunidades tradicionais
direito à consulta feita pelo governo federal foi criti- foram excluídos destas etapas), e as dificuldades de
cada não somente por seu conteúdo, mas também acesso, é fácil deduzir que o número de reuniões
por seu processo de elaboração, pois não garantiu realizadas não garantiu a representatividade de di-
a participação efetiva dos sujeitos interessados. O versidade necessária ao processo, além de não ter
governo surpreendeu o movimento indígena ao pu- atendido ao pactuado. Em suma, o processo de
blicar a Portaria nº. 303 da AGU, conforme já discu- regulamentação da consulta prévia não observou
tido. Ademais, tornou simples reuniões e atividades o elemento da boa fé por parte do governo em
informativas em reuniões consultivas do processo diversas oportunidades, o que culminou em uma
de regulamentação. Rompeu, sem justificativa, o que proposta de regulamentação restritiva.
havia sido pactuado previamente com representan-
Outro caso que ilustra a má fé do governo federal é o
tes quilombolas e indígenas.102
processo de consulta proposto ao povo Munduruku
O documento “Metodologia e Agenda do Grupo de em razão do projeto da Usina Hidrelétrica São Luiz do
Trabalho Interministerial sobre a regulamentação dos Tapajós. Importante esclarecer que até o momento a
mecanismos de consulta previstos na Convenção 169/ consulta ao povo Munduruku não foi sequer iniciada.
OIT”103 estabelecia como principal método de traba- Por isso, quando mencionamos “consulta aos Mun-
lho do GTI “o diálogo permanente e qualificado com a duruku” nos referimos às iniciativas mal sucedidas do
sociedade civil, povos indígenas, comunidades quilom- governo em dar início ao processo, que por sua vez
bolas e povos e comunidades tradicionais”. O mesmo marcam a relação de falta da “confiança mútua” que
documento dividia o processo consultivo da regula- deveria existir entre o governo e os Munduruku para
mentação (chamada de consulta da consulta) em três a implementação de processo de consulta.
etapas, com metodologias diferenciadas para cada
uma delas: informativa (para “difundir informações
“Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais partici-
104
124
Termo na língua Munduruku que se refere aos não indígenas.
125
Reuniões que aconteceram entre os dias 15 a 17 de abril de 2008.
126
Para maiores informações, ler ANDRADE, Lúcia. O direito à
consulta livre, prévia e informada: os limites da “consulta aos qui-
lombolas”. Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/docu- Idem, p.6-7
127
44
Outro elemento chave do direito à CCLPI diz
© Laticia Leita/ISA
respeito aos seus efeitos jurídicos, que definem
a implementação ou não do direito à consulta e
consentimento. Ao olhar os efeitos produzidos
num processo de consulta e a incidência deste Yabaiwa Juruna entrega Dossiê sobre as condicionantes de Belo
sobre a decisão governamental, legislativa ou Monte a João Pedro Gonçalves da costa (presidente da Funai), 2015
141
Para uma discussão mais aprofundada acerca da regulamen-
tação da consulta prévia na Colômbia, Peru, Bolívia e Chile, ler:
BAQUERO DÍAZ, Carlos Andrés. Contested lands, Contested Laws.
Disponível em: http://www.consultaprevia.org/#!/documento/442
e Regulating Prior Consultation in South America. Disponível em:
http://dejusticiablog.com/2014/03/25/regulating-prior-consulta-
tion-in-south-america/
Reflexões finais
49
©Rafael Govari/ISA
Manifestação dos xinguanos contra a PEC 215 em Por isso, povos indígenas, comunidades quilom-
Canarana - MT, 2015 bolas, povos e comunidades tradicionais vêm de-
nunciando o reiterado descumprimento do direito
Apesar do reconhecimento formal, inclusive à CCPLI pelo Estado brasileiro, destacadamente
pelo Poder Judiciário, e do crescente debate na com relação a empreendimentos e outras medidas
sociedade brasileira, o direito à CCPLI enfrenta de grandes impactos sobre suas terras, suas vidas
vários problemas para sua implementação efeti- e seus direitos. Além do plano administrativo, no
va no Brasil, conforme reafirmado também pela âmbito legislativo as medidas são também frequen-
Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos temente aprovadas sem qualquer participação dos
Povos Indígenas, Victória Tauli-Corpuz, após sua sujeitos diretamente afetados. É nesse sentido que
visita oficial ao país.142 Esses problemas decor- se pode afirmar que o reconhecimento formal do
rem, muitas vezes, de entendimentos e interpre- direito à consulta contrasta com o seu reiterado
tações limitadas ou contraditórias sobre o con- descumprimento por parte do Estado brasileiro, o
teúdo, o alcance e os requisitos de uma consulta que tem provocado crescente judicialização e de-
prévia, livre e informada, que não se encaixam núncias internacionais.144
nos padrões normativos e jurisprudenciais defi-
nidos internacionalmente e especialmente pelo 144
A ausência de consulta prévia aos povos indígenas Arara da
Sistema Interamericano de Direitos Humanos. A Volta Grande do Xingu, Juruna, Juruna do km 17, Xikrin, Asurini,
Kararaô, Parakanã, Araweté e Arara de Cachoeira Seca foi objeto
Relatora Especial da ONU destacou sua preocu-
da Medida Cautelar nº 382/2010 da Comissão Interamericana de
pação com a interpretação do Estado brasileiro Direitos Humanos, que ordenou a suspensão das obras da Usina
acerca dos casos em que o dever de consultar Hidrelétrica de Belo Monte. Após pressão do governo brasileiro,
que ameaçou suspender o repasse anual destinado ao custeio e a
corresponde à exigência de se obter consenti- retirar a nomeação do advogado Paulo Vannuchi, a CIDH reviu sua
mento dos povos consultados.143 decisão. A íntegra da Medida Cautelar está disponível em: http://
www.consultaprevia.org/#!/documento/123. Para uma discussão
aprofundada a respeito dos efeitos da postura do governo bra-
sileiro sobre o Sistema Interamericano, recomenda-se assistir o
Seminário “The Belo Monte Case: Challenges and Opportunities
for the Protection of Human Rights and the Environment in the
142
Ver: http://unsr.vtaulicorpuz.org/site/index.php/es/documen- Inter-American Human Rights System”. Disponível em: http://media.
tos/country-reports/154-report-brazil-2016 wcl.american.edu/Mediasite/Play/7e2dc4f20e0a468b9ac31c1c-
143
A/HRC/33/42/Add.1, para.66 7dba2a4a1d
© Edison Bueno/Funai
O Poder Executivo:
decisões não
consultadas
50
No âmbito do Poder Executivo, evidencia-se a in-
congruência entre o reconhecimento formal do
direito à CCPLI e sua garantia efetiva. Se por um
lado foi reconhecido o cabimento da consulta
por diversos órgãos da administração pública, por
Audiência da Presidente da República, DilmaI Rousseff,
outro, há dificuldades em se conceber de forma com representantes indígenas, 2015
integral o conteúdo e alcance do direito à CCLPI.
Encarada como mera formalidade burocrática, a Nesse sentido,após sua visita ao Brasil em 2016, a Re-
consulta muitas vezes aparece como um acessório latora Especial da ONU sobre os direitos dos povos
prescindível em decisões já tomadas. Além disso, indígenas se manifestou: “(…) consultas prévias não
há disputas quanto ao entendimento do alcance foram conduzidas com os povos indígenas afetados
desse direito aos povos e comunidades tradicio- com relação a mega projetos como a mineração de
nais (sujeitos), bem como do alcance dos casos ouro Belo Sun no Pará, e a linha de transmissão Ma-
de exigência também de consentimento (efeitos), naus-Boa Vista em Roraima. Ela também está preocu-
para além dos aspectos que garantam de boa-fé pada que, com relação às hidrelétricas de Belo Monte e
uma consulta livre, prévia e informada (modo). São Luiz do Tapajós, meras audiências públicas foram
Ao longo do estudo abordamos o caso da Usina Hi- consideradas como suficientes para atender à obriga-
drelétrica (UHE) de Belo Monte como exemplar dos ção de consultar. De um modo geral, inexiste mecanis-
vários processos de licenciamento ambiental de em- mo adequado de consulta com os povos indígenas com
preendimentos de grande porte sem a observância relação a grandes projetos de desenvolvimento.”145
do direito à CCPLI. Belo Monte não é um caso isolado, Ao caso de São Luiz do Tapajós, somam-se outros
muito pelo contrário, a história parece se repetir em exemplos de usinas em construção na mesma ba-
todos os grandes empreendimentos de infraestrutura cia hidrográfica sem qualquer consulta aos Mun-
planejados pelo governo federal no âmbito do plano duruku, Apiaká e Kayabi, diretamente afetados pe-
governamental. Abertura e implementação de novas las Usinas Hidrelétricas de São Manoel, Teles Pires,
estradas e ferrovias, principalmente na região norte do Sinop e Colíder. Apesar de o direito à CCLPI ser um
país, são licenciadas e construídas sem nenhum tipo direito fundamental e portanto autoaplicavel, no
de consulta às comunidades indígenas e tradicionais Brasil ainda é alegada a ausência de regulamenta-
afetadas, mesmo nos casos em que o projeto é imple- ção nacional como impedimento para seu reconhe-
mentado no interior de terra indígena, como é o caso cimento e aplicação em casos específicos.
da construção da Linha de Transmissão Manaus-Boa-
vista na Terra Indígena Waimiri-Atroari.
A/HRC/33/42/Add.1, para. 63
145
© Mário Vilela/Funai
Tentativa de
Regulamentação
da consulta
administrativa:
processo inconcluso
e equivocado 51
Em 2012, após pressão da sociedade civil e sob
o argumento de que era preciso uniformizar o
entendimento das instituições federais, foi ini-
ciada uma tentativa, frustrada, de regulamen- Índios e quilombolas juntos na defesa de seus direitos, 2012
tação da consulta pelo governo federal. Con-
forme aprofundado no documento, a tentativa
de regulamentação demonstrou a dificuldade Caso o governo pretenda retomar a discussão,
de uma posição coesa do governo para agir de recomendamos a necessidade de recuperar a
boa-fé com os sujeitos interessados. A regula- confiança do movimento indígena por meio
mentação do direito à consulta deveria garan- de manifestações objetivas de defesa dos direi-
tir um processo de consulta exemplar, o que tos indígenas, como a revogação da Portaria nº.
não ocorreu. 303/2012. Outra demonstração de boa fé seria
oferecer garantias institucionais para o exercício
Sem a participação do movimento indígena no
deste direito a partir do respeito aos protocolos de
processo de regulamentação, o governo buscou
consulta. Aliás, o governo deveria não só respeitar,
avançar elaborando uma proposta específica para
mas estimular e apoiar a produção dos protoco-
a consulta às comunidades quilombolas. Porém,
los autônomos de consulta em todo o país, uma
os representantes quilombolas denunciaram que
vez que esses são a definição explícita e pública
as reuniões e seminários promovidos pelo gover-
de regras de representação, organização e acom-
no tinham caráter meramente informativo, não
panhamento de processos de tomada de decisões
havendo oportunidade, informação adequada e
de cada povo, organização ou comunidade.
tempo hábil para a manifestação dos quilombolas
num verdadeiro processo de consulta. O conteúdo
dessa proposta de regulamentação da consulta às
comunidades quilombolas, como demonstrado,
retrocede em diversos parâmetros internacionais
do direito à consulta.
Se aprovada, a PEC 215/2000 significará a paralisação
dos processos de demarcação destes territórios no
Poder Legislativo: País, a revisão da titulação de territórios já reconheci-
sem participação,
dos e a remoção forçada de comunidades de territó-
rios tradicionais para dar lugar a obras de infraestrutu-
sem consulta ra ou projetos de exploração de recursos naturais por
parte de terceiros. A PEC 215 é considerada a iniciativa
legislativa mais perniciosa aos direitos dos povos in-
dígenas e comunidades quilombolas, implicando em
52 grave restrição a direitos coletivos. Apesar disso, tem
No que diz respeito às medidas legislativas, en- avançado no trâmite legislativo sem nenhuma iniciati-
contramos a mais grave situação de violação do va para realização de consulta prévia, livre e informada.
direito à consulta. No Congresso Nacional, está
Embora os regimentos internos do Senado Federal
em curso a maior ofensiva legislativa aos direitos
e da Câmara dos Deputados prevejam instrumentos
indígenas, quilombolas e de povos e comunida-
de participação direta da sociedade civil – como as
des tradicionais desde o marco constitucional
audiências públicas, reuniões espontâneas e comis-
de 1988. Protagonizada pela bancada ruralista, a
sões mistas -, estes não se confundem com a CCLPI,
ofensiva busca limitar direitos territoriais e a auto-
muito menos retiram a obrigatoriedade desta.
nomia dos grupos, abrindo territórios tradicionais
à exploração econômica, sem respeitar os direitos Reitera-se a importância de identificar mecanismos
territoriais destes povos e muito menos consul- vigentes que façam com que seja acatada a obriga-
tando seus planos de desenvolvimento econô- ção de consulta no âmbito legislativo. Sugere-se que
mico e social, como manda a Convenção 169/OIT. seja obrigação da CCJ explicitar no parecer do exame
de admissibilidade se o direito à CCPLI foi ou não ob-
De acordo com a Relatora Especial da ONU sobre
servado, já que em seguida a proposta será enviada
os direitos dos povos indígenas: “(…) nenhum pro-
ao plenário para deliberação.
cedimento de consulta foi estabelecido com relação a
políticas ou medidas legislativas e administrativas que Destaca-se também a obrigatoriedade, em casos de
impactam diretamente os povos indígenas. Essa falta iniciativas legislativas oriundas do Poder Executivo,
de consulta é extremamente problemática, consideran- de que o texto base da medida legislativa seja ela-
do-se as contínuas tentativas no Congresso Nacional, borado de maneira conjunta com os povos interes-
onde os povos indígenas tem pouca ou nenhuma repre- sados, de forma a superar a fase de consulta admi-
sentação, de propostas para enfraquecer as proteções nistrativa sobre a iniciativa por meio de processo de
constitucionais e legislativas de seus direitos. Tais in- consulta prévia com todos os afetados.
cluem propostas de emenda constitucional PEC215, que
É necessário que o Congresso Nacional disponha so-
alteraria o processo técnico de reconhecimento de direi-
bre o tema em seu regimento interno, reafirmando o
tos territoriais para um processo político, e de legislação
direito à consulta como etapa imprescindível do pro-
como o Novo Código de Mineração, e as mudanças nos
cesso legislativo e de modo a evitar novas violações a
procedimentos de licenciamentos para mega projetos,
esse direito por parte do Legislativo. É preciso esclare-
que prejudicam os direitos dos povos indígenas às ter-
cer, todavia, que a inclusão de tal previsão regimental
ras, territórios e recursos e não incluem salvaguardas.”146
não é indispensável para a imediata efetivação do di-
reito. Isso porque a Convenção 169/OIT possui, como
146
A/HRC/33/42/Add.1, para.64 demonstrado, aplicabilidade imediata.
© Mário Vilela/Funai
Poder Judiciário:
suspensão de liminar
como instrumento
para consolidar
decisões inconsultas
53
No Judiciário, os tribunais brasileiros têm reco-
nhecido a aplicabilidade direta e imediata do
direito à consulta, sobretudo quando associada
a medidas administrativas que envolvem afe-
tações de direitos coletivos. Um número cres-
Julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no
cente de decisões judiciais reafirma a necessi- Supremo Tribunal Federal, 2013
dade de consulta pelos órgãos tomadores de
decisões, ainda que sem o detalhamento ou as
Graças à Suspensão de Liminar, foi possível a
orientações basilares para tal implementação.
continuidade de vários empreendimentos sem
Por outro lado, o posicionamento do Supremo
qualquer consulta: Usinas Hidrelétricas de Belo
Tribunal Federal (STF) no caso de demarcação
Monte, Teles Pires e São Manoel, a duplicação da
da Terra Indígena Raposa Serra do Sol aponta
Estrada de Ferro Carajás, e o Linhão Manaus-Boa-
sérios obstáculos de entendimento desse direi-
vista, dentre outros.
to pela máxima corte constitucional do país. As
interpretações não vinculantes, porém orien-
tadoras, que advém das condicionantes colo-
cadas no caso citado fragilizam a obrigação do
Estado de consultar e em algumas passagens
contrariam a norma supralegal em vigor.
Outro obstáculo verificado na atuação do Poder Ju-
diciário é a utilização generalizada do instrumento
de Suspensão de Liminar e Antecipação de Tutela. O
instrumento processual, de uso exclusivo do Poder
Público, permite que presidentes de tribunais sus-
pendam qualquer decisão de mérito quando incidi-
rem os motivos políticos autorizadores (grave lesão
à ordem, economia e administração públicas). Na
prática, o instrumento tem permitido o seguimento
de empreendimentos sem que tenha sido garantido
o direito à consulta, transformando projetos mal pla-
nejados em fatos consumados.
Recomendações em
prol da efetivação
do direito à consulta
prévia no Brasil
147
A/HRC/WG.6/13/BRA/2
148
A/HRC/15/37/Add.1 e A/HRC/33/42/Add.1
149
A/HRC/32/45/Add.1
fossem consideradas e recomendadas ao governo sos de demarcação de terras indígenas, revertendo
brasileiro150: o quadro de quebra de confiança para a retomada
do diálogo entre o Estado e os povos indígenas
• Que o Estado não mais ignore o dever de se realizar
acerca da implementação do direito à consulta;
consultas prévias, livres e informadas sobre medidas
administrativas e legislativas que afetem povos indí- • Que se defina com urgência o rito no processo le-
genas, quilombolas e comunidades tradicionais; gislativo para a realização de consultas ao Projeto
de Lei nº. 1610 (mineração em terras indígenas);
• Que o governo federal se abstenha de utilizar sub-
na Proposta de Emenda Constitucional nº. 215 (al-
terfúgios judiciais, como no caso da suspensão de
liminar e da antecipação de tutela, para evitar a
terações nos processos de demarcação de terras
indígenas, quilombolas e unidades de conserva-
55
aplicação do direito à consulta como requisito
ção) e demais projetos de leis que tramitam ou
iniludível do processo de tomada de decisão ad-
que venham a tramitar;
ministrativa;
• Que o Estado esclareça seu entendimento sobre
• Que os processos de implementação do direito à
consulta a partir da interpretação específica do
consulta a povos indígenas, quilombolas e comu-
julgamento do caso Raposa Serra do Sol no Su-
nidades tradicionais acerca de obras e projetos de
premo Tribunal Federal e das orientações da Ad-
desenvolvimento que os afetem diretamente sejam
vocacia Geral da União;
considerados em todas as etapas de tomada de de-
cisão pública, desde o planejamento, o licenciamen- • Que qualquer eventual normativa reguladora do
to, a execução e o monitoramento das obras; direito à consulta prévia, livre e informada passe,
necessariamente, por um processo de consulta
• Que as comunidades tradicionais sejam reconhe-
exemplarmente prévio, livre e informado, com
cidas como sujeitos do direito à consulta livre,
base num Plano de Consulta pactuado com os po-
prévia e informada;
vos indígenas, comunidades quilombolas e povos
• Que o Estado considere a necessidade de primei- e comunidades tradicionais titulares deste direito;
ramente normatizar regras uniformizadoras de
• Que a regulamentação dos processos de consulta
sua própria atuação e processos internos, eviden-
não restrinja o exercício do direito, nem seja con-
ciando seu compromisso com o dever de consul-
trária aos princípios de pluralidade e autonomia
tar povos indígenas e tribais, antes da tomada de
dos povos;
decisões que possam afetá-los;
• Que a discussão sobre a regulamentação ou nor-
• Que as violações de direitos decorrentes da não-
matização seja dialogada e consultada e restrinja-
-realização, do atraso ou de outros vícios relaciona-
-se a orientar a administração, gerar melhores con-
dos à implementação de processos de consultas
dições para a efetiva implementação do direito, e
efetivamente livres, prévias e informadas sejam pu-
respeitar a autonomia dos grupos, inclusive quanto
blicamente reconhecidas, reparadas e indenizadas;
a seus protocolos de consulta, quando for o caso;
• Que sejam revogadas a Portaria nº. 303 e subse-
• Que sejam consideradas as expertises de órgãos
quentes da AGU, bem como retomados os proces-
técnicos como a Fundação Nacional do Índio e
http://www.rca.org.br/2016/03/o-governo-brasileiro-nao-cum-
150 a Fundação Palmares, bem como a interlocução
pre-com-o-dever-de-consultar-os-povos-indigenas-denunciaram- com representantes indígenas e quilombolas e
-organizacoes-indigenas-e-indigenistas-a-relatora-da-onu/ da Comissão Nacional de Povos e Comunidades
Ver também: http://rca.org.br/wp-content/uploads/2016/08/iep%-
C3%A9-RCA-consulta-portugu%C3%AAs.pdf Tradicionais – CNPCT, do Conselho Nacional de
Direitos Humanos e do recém criado Conselho Finalmente, sobre o tema do direito à consulta ob-
Nacional de Política Indigenista, nos processos de jetivando alcançar o consentimento livre, prévio e
implementação do direito à consulta, inclusive na informado, a Relatora Especial da ONU sobre os di-
discussão sobre eventual regulamentação; reitos dos povos indígenas recomendou ao Estado
Brasileiro em setembro de 2016:
• Que o Estado assuma sua responsabilidade e seu
dever em apoiar processos indígenas de entendi-
mento, discussão e elaboração com autonomia “b) Implementar o dever do Estado de consultar
de protocolos próprios de consulta, conforme as os povos indígenas com relação a projetos, po-
líticas e medidas legislativas e administrativas
56 formas de organização social dos povos indígenas
e das comunidades tradicionais; que tenham um impacto sobre seus direitos.
Tais consultas deveriam ser realizadas a fim de
• Que todo processo de consulta seja precedido obter o consentimento livre, prévio e informado
pela definição conjunta, entre Estado e povos e de maneira a levar em conta as especificida-
interessados, de um plano de consulta que esta- des de cada povo indígena, como afirmado
beleça as regras do processo, seus interlocutores na Convenção 169 da OIT, na Declaração da
legítimos, o tempo, metodologia, recursos e locais ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e
de execução, a partir dos protocolos próprios de no projeto de Declaração da Organização dos
consulta de cada povo ou comunidade. Estados Americanos sobre os Direitos dos Povos
Indígenas. No caso de projetos de desenvolvi-
mento, as consultas devem ser informadas por
© Luis Donisete Benzi Grupioni/Iepé
A/HRC/33/42/Add.1, para.98
151
© Luis Donisete Benzi Grupioni/Iepé
Protocolos autônomos
de consulta
58
Erika Magami Yamada é doutora em Direito e Po- Rodrigo Magalhães de Oliveira é mestre em Direitos
lítica Indígena pela Universidade do Arizona, perita Humanos pela Universidade Federal do Pará, assessor
da América Latina e Caribe no Mecanismo de Peritos jurídico do Ministério Público Federal em Santarém e
sobre Direitos dos Povos Indígenas da Organização colaborador do Centro de Información de la Consulta
das Nações Unidas e Relatora de Direitos Humanos e Previa. Desenvolve pesquisa nos campos da Antro-
Povos Indígenas da Plataforma Dhesca. Apoiou tecni- pologia Jurídica e Ecologia Política, especialmente
camente as visitas (2008 e 2016) dos Relatores Espe- sobre temas como pluralismo jurídico, direitos étni-
ciais da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas cos e raciais e conflitos socioambientais.
ao Brasil e a discussão com organizações indígenas,
indigenistas e de direitos humanos sobre a amplia-
ção da inserção da temática indígena no 3o Ciclo do
mecanismo de Revisão Periódica Universal do Con-
selho de Direitos Humanos da ONU (2016). Trabalhou
na FUNAI, sendo representante do órgão indigenista
no Grupo Interministerial sobre Consulta Livre, Prévia
e Informada. Desenvolve atividades de consultoria e
pesquisas sobre temas de direitos humanos e pro-
cessos internacionais, direitos dos povos indígenas e
políticas públicas.
60
Consulta RCA DPLf_CAPA.indd 2 05/12/2016 11:05:16
Casos emblemáticos, como o de Raposa Serra do Sol, No Brasil e no mundo, continua sendo um desafio
DIREITO À
tre outros direitos fundamentais, e tornam urgente o to prévio, livre e informado (CCPLI) está previsto na
aprofundamento da discussão para a mudança con- Garantir a participação efetiva de povos indígenas, quilombolas e comu- Convenção 169 da Organização Internacional do
creta dessa realidade.
nidades tradicionais em processos de tomadas de decisões do Estado que CONSULTA E CONSENTIMENTO Trabalho, na Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas e na Declaração dos Es-
De igual forma, o livro destaca as iniciativas de po- os afetam diretamente continua sendo um desafio no Brasil e no mundo.
tados Americanos sobre os Direitos dos Povos Indí-
vos indígenas e comunidades tradicionais para fazer O direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado tem sido sis-
genas, assim como tem sido amplamente reafirmado
avançar o exercício desse direito. Por meio de mani-
tematicamente violado no Brasil. Há desconhecimento, interpretações equi- em jurisprudências internacionais.
festações autônomas, como a elaboração e publica-
vocadas e falta de vontade política para efetivar esse direito.
ção de protocolos de consulta, os povos indígenas Este livro demonstra que, no entanto, esse direito
Este livro pretende contribuir para mudar essa situação.
explicam ao Estado, e a terceiros interessados, prin- está sendo continuamente violado no Brasil pelos
cípios e noções relacionados à suas distintas formas poderes Executivo e Legislativo e também encontra
de representatividade, e orientam sobre a forma e a sérios obstáculos no poder Judiciário.
apoio realização
oportunidade para a realização de consultas prévias,
Os desafios para a implementação do direito à con-
livres de pressão, devidamente informadas e cultural-
sulta e consentimento envolvem interpretações
mente adequadas. Dessa forma, são apontados cami-
equivocadas e até mesmo desconhecimento do refe-
nhos para que o diálogo do Estado brasileiro com os
rido direito de consulta no que se refere aos sujeitos
diferentes povos indígenas aconteça em um novo
do direito, ao objeto de aplicação, à oportunidade de
patamar, de reconhecimento e respeito.
sua implementação, ao modo e aos efeitos esperados
DIREITO À
tre outros direitos fundamentais, e tornam urgente o to prévio, livre e informado (CCPLI) está previsto na
aprofundamento da discussão para a mudança con- Garantir a participação efetiva de povos indígenas, quilombolas e comu- Convenção 169 da Organização Internacional do
creta dessa realidade.
nidades tradicionais em processos de tomadas de decisões do Estado que CONSULTA E CONSENTIMENTO Trabalho, na Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas e na Declaração dos Es-
De igual forma, o livro destaca as iniciativas de po- os afetam diretamente continua sendo um desafio no Brasil e no mundo.
tados Americanos sobre os Direitos dos Povos Indí-
vos indígenas e comunidades tradicionais para fazer O direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado tem sido sis-
genas, assim como tem sido amplamente reafirmado
avançar o exercício desse direito. Por meio de mani-
tematicamente violado no Brasil. Há desconhecimento, interpretações equi- em jurisprudências internacionais.
festações autônomas, como a elaboração e publica-
vocadas e falta de vontade política para efetivar esse direito.
ção de protocolos de consulta, os povos indígenas Este livro demonstra que, no entanto, esse direito
Este livro pretende contribuir para mudar essa situação.
explicam ao Estado, e a terceiros interessados, prin- está sendo continuamente violado no Brasil pelos
cípios e noções relacionados à suas distintas formas poderes Executivo e Legislativo e também encontra
de representatividade, e orientam sobre a forma e a sérios obstáculos no poder Judiciário.
apoio realização
oportunidade para a realização de consultas prévias,
Os desafios para a implementação do direito à con-
livres de pressão, devidamente informadas e cultural-
sulta e consentimento envolvem interpretações
mente adequadas. Dessa forma, são apontados cami-
equivocadas e até mesmo desconhecimento do refe-
nhos para que o diálogo do Estado brasileiro com os
rido direito de consulta no que se refere aos sujeitos
diferentes povos indígenas aconteça em um novo
do direito, ao objeto de aplicação, à oportunidade de
patamar, de reconhecimento e respeito.
sua implementação, ao modo e aos efeitos esperados