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A Família - Pio XII PDF
A Família - Pio XII PDF
Na ordem da natureza, entre as instituições sociais não há alguma que esteja tão
no coração da Igreja, como a família. Cristo elevou à dignidade de sacramento o
matrimônio, que é como que a raiz da família. E por isto ela sempre encontrou e
encontrará na Igreja defesa, proteção, apoio, em tudo que diz respeito aos seus
invioláveis direitos, sua liberdade, e ao exercício de sua alta função.
Há porém uma miséria ainda mais profunda, da qual ocorre preservar a família,
a saber: a aviltante escravidão em que a reduz uma mentalidade tendendo a
fazer dela puro organismo a serviço da comunidade social, para fornecer-lhe
massa suficiente de "material humano".
Outro perigo ainda ameaça a família, não de ontem, mas desde muito tempo, e
que porém no presente, crescendo à vista d'olhos, pode tornar-se funesto à
família, porque a ataca desde seu germe; queremos aludir à anarquia da moral
conjugal em toda sua extensão.
No curso dos últimos anos, colhemos todas as ocasiões para expor um e outro
ponto essencial desta moral, e mais recentemente para indicá-la em seu todo,
não somente refutamos os erros que a corrompem, mas também mostrando
positivamente o sentido da mesma, o papel, a importância, o valor para a
felicidade dos esposos, dos filhos e de toda a família, para a estabilidade e maior
bem social do lar doméstico até do Estado e da própria Igreja.
Este princípio vale para a vida da criança, como para a da mãe. Jamais e em
nenhum caso a Igreja ensinou que a vida da criança deve ser preferida à da mãe.
É errôneo colocar a questão com esta alternativa: ou a vida da criança ou a da
mãe. Não; nem a vida da mãe, nem a da criança, podem ser submetidas a um
ato de direta supressão. Para uma outra parte, a exigência não pode ser senão
uma; fazer todo esforço possível para salvar a vida de ambas, da mãe e da
criança.
É uma das mais belas e nobres aspirações da medicina o procurar sempre novas
vias para assegurar a vida de ambos. Que se, não obstante todos os progressos
da ciência, permanecem ainda, e permanecerão no futuro, casos nos quais se
deve contar com a morte da mãe, quando esta quer conduzir até o nascimento a
vida que traz consigo, e não a quer destruir, violando o mandamento de Deus:
"não matar", outra via não há para o homem, senão até o último momento
esforçar-se por ajudar e salvar-lhe a vida, e inclinar-se depois com respeito
diante das leis da natureza, e das disposições da divina Providência.
Mas - objeta-se - a vida da mãe, principalmente de uma mãe de numerosa prole,
é de um valor incomparavelmente superior à de uma criança que ainda não
nasceu. A aplicação da teoria da balança dos valores no caso que agora nos
ocupa já encontrou acolhimento nas discussões jurídicas. A resposta a esta
tormentosa objeção não é difícil. A inviolabilidade da vida de um inocente não
depende de seu maior ou menor valor. Desde mais de dez anos a Igreja
formalmente condenou a morte de um inocente, da vida chamada "sem valor";e
quem conhece os tristes antecedentes que provocaram tal condenação, quem
sabe ponderar as funestas consequências a que se chegaria, se se quisesse medir
a intangibilidade da vida inocente segundo o seu valor, bem sabe apreciar os
motivos que conduziram a tal disposição.
De resto, quem pode julgar com certeza qual das duas vidas em realidade é mais
preciosa? Quem pode saber qual caminho seguirá aquele menino e a que altura
de obras e de perfeição poderá ele chegar? Avaliam-se aqui duas grandezas, uma
das quais é completamente desconhecida.
Queremos a este propósito citar um exemplo, que talvez já é conhecido, mas que
não perde ainda por isto seu sugestivo valor. É de 1905. Vivia então uma jovem,
de nobre família e de ainda mais nobres sentimentos, mas frágil e delicada
saúde. Adolescente, fora vítima de uma pleurite apical, que parecia finalmente
curada; eis que, depois de ter contraído um feliz matrimônio, ela sentiu uma
nova vida desabrochar em seu seio, percebeu logo um especial mal-estar físico,
que consternou os dois últimos médicos, que velavam com amorosa solicitude
sobre ela. A antiga moléstia, aquele foco já cicatrizado havia-se reavivado;
segundo seus juízos, não havia tempo a perder; se se queria salvar a jovem
senhora, era preciso provocar, sem a menor indulgência o aborto terapêutico. O
esposo também compreendeu a gravidade do caso e declarou consentir no
doloroso ato. Mas quando o obstétrico anunciou-lhe, com toda a cautela a
deliberação dos médicos exortando-a a ceder aos seus pareceres, ela, com um
acento firme, respondeu: "Agradeço seus piedosos conselhos; mas não posso
truncar a vida desta minha criatura! Não posso, não posso! Sinto já que ela
palpita em meu seio, tem direito de viver. Ela vem de Deus e deve "conhecer a
Deus para amá-lo e gozá-lo". Também o marido pediu, suplicou, implorou; ela
permaneceu inflexível e esperou serenamente o acontecimento. Uma menina
nasceu regularmente; mas logo depois a saúde da mãe foi piorando. O foco
pulmonar se estendeu; o enfraquecimento tornou-se progressivo. Dois meses
depois ela estava nas últimas, reviu a pequenita, que crescia sã, junto de uma
robusta nutriz; seus lábios tentaram um doce sorriso e rapidamente expirou.
Transcorreram vários anos. Em um instituto religioso podia-se notar
particularmente uma jovem irmã, toda dedicada ao cuidado e à educação da
infância abandonada, que com olhos inspirando amor materno se inclinava
sobre pequenos enfermos, quase para dar-lhes a vida. Era ela a filha do
sacrifício que agora, com coração generoso, difundia o bem entre as crianças
abandonadas. O heroísmo da intrépida mãe não tinha sido em vão. Mas nós
perguntamos: é talvez o sentido cristão, até puramente humano, que se
entorpeceu tanto que não pode mais saber compreender o sublime holocausto
da mãe e a visível ação da Providência divina, que do holocausto fez nascer tão
esplêndido fruto?