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encontros e
Erico Verissimo:
desencontros
da ficção com
a história SANDRA JATAHY
PESAVENTO
é historiadora e professora
da UFRGS.
O
tenha sido dito? Como não
se repetir em lugares-comuns
da experiência do vivido. Dada a impossi- através do uso das fontes. Versões veros-
tempo físico escoado, o historiador constrói parte do historiador. Tudo, pois, convergindo
a sua narrativa, refigurando o passado no para o tempo verbal consagrado para o uso
presente através do tempo histórico, criado da literatura: tudo teria acontecido de tal e
presente, esse tempo sui generis, que se Cheguemos a Erico Verissimo, esse
coloca no lugar daquilo que se passou, só é escritor que traçou um exemplar romance
dado a ver pela força da imaginação. histórico sobre o Rio Grande, cometendo a
Por estas alturas, o leitor estará a inda- façanha de chegar a ser mais aceito na sua
gar: mas então, história e literatura são a versão ficcional do passado que os textos
mesma coisa, são atividades de pura ficção, dos historiadores tout court de sua época.
invenção? Tudo, a rigor, fica no domínio Por que tal recepção? Ora, um romance
de um poderia ter acontecido? Não, caro histórico, tal como o texto de história,
leitor, pois o historiador tem, como dever discorre sobre fatos e personagens de um
tação da realidade passada: tudo precisa ter não existiram de fato, a trama se dá em um
e ter deixado rastros (as fontes ou marcas No caso de Erico, trata-se da formação
de historicidade), sob o risco de esse his- do Rio Grande do Sul, em saga de cerca
toriador não ser considerado historiador e de 200 anos, a partir da conquista da terra,
sim… um escritor de literatura? Talvez, mas no século XVIII, até a queda de Getúlio
prossigamos neste raciocínio, para poder Vargas, no final do Estado Novo, em 1945.
Paul Veyne na aurora dos anos 70 do século como verossimilhança na narrativa dos
XX, no sentido de que tudo que aconteceu um acontecimentos e no perfil e proceder dos
dia pode vir a ser contado de forma diferente, personagens. A liberdade ficcional do autor
mas precisando ter realmente acontecido. permite a criação de personagens, tal como
Logo, a história pressupõe versões múltiplas de fatos e peripécias, mas o enredo deve
com relação ao passado, cabendo ao historia- convencer o leitor, indo ao encontro daquilo