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Kierkegaard como Pensador da Subjetividade:

Uma análise a partir do conceito de Reflexão

Resumo

Esta apresentação tem o intuito de pôr em evidência a concepção de reflexão em


Kierkegaard tendo como horizonte a sua interpretação da subjetividade, primeiramente em seu
sentido abrangente, no que se refere aos desdobramentos históricos da reflexão e à sua concepção
moderna em geral, que resulta em Kierkegaard no defrontamento com o idealismo absoluto, e em
particular, na sua apropriação existencial da subjetividade a partir de uma antropologia do religioso.
O conceito de reflexão é recuperado pelo filósofo dinamarquês com o intuito de apontar para uma
negatividade e uma insuficiência fundamental do pensamento objetivo típico do especulativo
idealista, e ganha, a partir disto, uma pretensão mais abrangente que se estende desde uma teoria do
indivíduo concebido eticamente até um diagnóstico de época, em que as estruturas e as relações
culturais são submetidas a um processo de esvaziamento e nivelamento, como consequência de uma
relação inadequada da subjetividade consigo mesma; relação esta que encontraria uma
harmonização no religioso. Nesse contexto, o conceito de reflexão é apropriado a partir de uma
duplicação, por meio da qual a subjetividade religiosa desponta como uma subjetividade elevada à
segunda potência, ou seja, uma subjetividade elevada às suas potencialidades efetivas, cujos
elementos constitutivos apontam para um ponto de vista que já enxerga insuficiências históricas no
conceito idealista de especulação. O conceito de dupla reflexão será especificamente explorado
como uma articulação de pensamento que possibilita à consciência uma apreensão de si mesma para
além da simples relação com a objetividade, o que consiste, no processo de sua constituição, num
movimento para além da apreensão abstrata, na qual o indivíduo vem a reconhecer a si mesmo
como um agente ético efetivo.
Palavras-chave: Reflexão, Subjetividade, Ética
Pretendo, com esta apresentação, explorar a concepção de reflexão em Kierkegaard tendo
como horizonte a sua interpretação da subjetividade, primeiramente em seu sentido abrangente, no
que se refere aos desdobramentos históricos da reflexão e à sua concepção moderna em geral, que
resulta em Kierkegaard no defrontamento com o idealismo absoluto, e em particular, na sua
apropriação existencial da subjetividade a partir de uma antropologia do religioso. O conceito de
reflexão é recuperado pelo filósofo dinamarquês com o intuito de apontar para uma negatividade e
uma insuficiência fundamental do pensamento objetivo típico do especulativo idealista, e ganha, a
partir disto, uma pretensão mais abrangente que se estende desde uma teoria do indivíduo
concebido eticamente até um diagnóstico de época, em que as estruturas e as relações culturais são
submetidas a um processo de esvaziamento e nivelamento, como consequência de uma relação
inadequada da subjetividade consigo mesma; relação esta que encontraria uma harmonização no
religioso. Nesse contexto, o conceito de reflexão é apropriado a partir de uma duplicação em que ele
reincide sobre si mesmo, numa articulação típica da filosofia transcendental, a ideia de uma
reflexão da reflexão, por meio da qual a subjetividade religiosa desponta como uma subjetividade
elevada à segunda potência, ou seja, uma subjetividade elevada às suas potencialidades efetivas,
mas cujos elementos constitutivos apontam para um ponto de vista que já enxerga insuficiências
históricas no conceito idealista de especulação. O conceito de dupla reflexão em específico será
abordado como uma articulação de pensamento que possibilita à consciência uma apreensão de si
mesma para além da simples relação com a objetividade, o que consiste, no processo de sua
constituição, num movimento que suplanta a apreensão abstrata e que permite ao indivíduo
reconhecer a si mesmo como um agente ético na atualidade.
Primeiramente, farei uma exposição sobre o significado do conceito de reflexão do ponto de
vista do sujeito especulativo em contraposição à concepção existencial de subjetividade, em que a
crítica de Kierkegaard aparece eu sua forma particular. Em seguida, buscarei mostrar como são
extraídas as consequências para a constituição de um ponto de vista histórico e de uma confrontação
com a época moderna, e como a ideia da dupla reflexão consiste na acepção da subjetividade
historicamente orientada, e que se torna, por meio de uma relação com o absoluto, a qual
Kierkegaard denomina o religioso, à altura de seu tempo.

1. Reflexão e subjetividade

Como um pensador que desde o início de sua jornada teve Sócrates como figura inspiradora,
pode-se dizer que Kierkegaard inicia sua reflexão sobre a própria ideia de reflexão a partir de uma
resposta à proposta socrática, aquela de que “uma vida não refletida não merece ser vivida”, e à
qual o dinamarquês retrucaria, “mas uma vida refletida pode tornar-se impossível de se viver”. Esta
resposta remete a temas especificamente caros à filosofia de Kierkegaard e que dão a ela o tom
melancólico e tempestuoso característico das produções filosófico-literárias da segunda metade do
séc. XIX, como a angústia e o desespero, temas estes que ganharam a forma de tratados sob a pena
de Kierkegaard, ainda que não diretamente sob sua assinatura. Para compreendermos por quê a
reflexão pode ter este caráter negativo na sua associação com a vida de um indivíduo, e, além disso,
por quê a tarefa de viver reflexivamente, uma tarefa socrático-religiosa, por assim dizer, põe o
sujeito reflexivo numa ponte entre “dois abismos perenes”, como nos mostra o comentador Howard
Hong, “o da superficialidade irrefletida e o da dissolução refletida”, caminho este cujos
desdobramentos são permeados pelos pathos já citados, devemos percorrer brevemente o caminho
que Kierkegaard perfaz na sua confrontação com o conceito idealista de reflexão, o qual, para ele,
não se encontra à altura da tarefa exigida pelo seu tempo.
A discussão idealista em que a posição de Kierkegaard assume seu lugar é a da oposição
entre o pensamento objetivo e o pensamento subjetivo. A definição idealista do conceito como
aquilo que conforma a própria realidade a partir de uma concepção concreta do universal adquire,
na sua forma mais desenvolvida – ou seja, na formulação de Hegel – um caráter absoluto, ou seja,
por meio da experiência da consciência, a totalidade da realidade é apreendida conceitualmente por
meio da acepção do Espírito, que se constitui como a unidade absoluta na qual são abolidas as
oposições entre forma e conteúdo, bem como entre sujeito e objeto. O caráter especulativo que
determina o decorrer desta experiência da consciência, que parte do imediato de si mesma para um
estranhamento reflexivo e que passa por uma reconciliação consigo mesma na consciência de si, é
interpretada por Kierkegaard, em sua leitura da filosofia idealista, como sendo realizada em dois
movimentos. O primeiro deles é um movimento retrospectivo de recordação (Erinnerung), em que
as etapas percorridas pela consciência são apreendidas por ela própria numa dialética de
estranhamento e reconhecimento, e em que a consciência vem a apreender a si mesma na sua
atualidade conceitual – pois o conceito possui a possibilidade de tornar-se um universal concreto na
medida em que passa a ser para a consciência uma designação efetiva da sua própria atualidade. O
segundo trata-se do movimento em que a consciência passa a um novo momento da experiência, no
que é necessário realizar uma mediação, ou uma superação (Aufhebung), do momento anterior, o
que consiste na própria superação do estranhamento e na identidade desta com seu outro, e, em
termos conceituais, numa superação da dualidade anterior numa nova articulação conceitual, em
que o exterior, a expressão abstrata do conceito, é posto numa identidade com o interior, ou seja, o
conteúdo a ser apreendido pelo conceito.
A possibilidade da identidade absoluta entre interior e exterior é o que se designa por
pensamento objetivo. A primeira crítica que poderíamos enumerar que é dirigida por Kierkegaard a
este aspecto é a de que, na medida em que se trata de uma exteriorização e um tornar-se objetivo
através do conceito, a substância fundamental da própria consciência desaparece durante o
processo. O pensamento objetivo seria, para Kierkegaard, um aviltamento da interioridade da
consciência, que seria forçada a exteriorizar-se e dessa forma sacrificar na forma do Logos absoluto
aquilo que a constitui interiormente, e com isso sua própria liberdade enquanto ser-aí, ainda que de
forma não refletida e não elaborada pela razão. Nesse sentido, o pensamento objetivo que é
criticado encontra seu limite na negação da tese de que “o interior é o exterior, e o exterior é o
interior” do idealismo absoluto. Para Kierkegaard, há, na consciência que é submetida à experiência
fenomenológica, um resquício último de inapreensibilidade, um substrato último de indizível, que
abre precedente para que esta tese seja posta em questão. A subjetividade irônica, que é para ele – e
também para Sócrates – mais do que uma pantomima retórica ou sofística, mas uma possibilidade
concreta do negativo ou da dúvida, que surge a partir da cisão desta identidade como uma ruptura
reflexiva da unidade substancial do “absoluto panteístico”, tão bem dramatizado por ele em seus
escritos estéticos. A imanência do conceito, ou da substância panteística nele encerrada, é para ele a
origem metafísica do tédio e da indiferença que caracteriza o romantismo estetizante, o estágio da
existência que precede a ironia e o ponto de vista ético. Estes últimos, por sua vez, já pressupõem
um lapso de transcendência, que foi também avistado previamente por Sócrates, e que se cumpriu
plenamente no advento de Cristo.
A subjetividade especulativa é, portanto, pautada por um tipo de reflexividade objetiva, que
pressupõe o télos do absoluto e a mediação deste como uma tarefa da reflexão, ou seja, tornar o
imediato infinitamente mediatizado, objetivamente concretizado no conceito. Aqui Kierkegaard
aponta mais uma insuficiência na formulação idealista de sistema, a saber, a de que, ainda que ele
seja capaz de apreender conceitualmente toda a conformação e a atualidade histórica de uma época,
o sistema carece de um registro ético fundamental que possa orientar a ação individual. O sistema
não pode possuir uma ética, pois esta diz respeito ao indivíduo e sua relação subjetiva com uma
prescrição, e essa relação subjetiva é suplantada pela reflexão objetiva. É nesse sentido que se
cumpre a assertiva kierkegaardiana de que a recordação, enquanto um movimento retrospectivo,
não é suficiente para tornar concreto o norteamento da liberdade humana, pois, ainda que seja
perfeitamente correto compreender a vida olhando-a para trás, deve-se vivê-la para frente. O
movimento que instaura a reflexão subjetiva é portanto o inverso do movimento especulativo, mais
exatamente, trata-se do mesmo movimento porém em direção oposta, como Kierkegaard afirma no
texto “Repetição”. A reflexão subjetiva, do ponto de vista abstrato, deve romper o limite do
desdobramento imanente do absoluto para delimitar o seu registro de verdade, e, por assim dizer,
sair de si mesma para que possa então retornar a si mesma numa auto-asserção. Dito de outro modo,
a reflexão é subjetiva quando é capaz de não esquecer a si mesma enquanto existente e enquanto
efetividade concreta, e de assim não ser obrigada a reencontrar-se na abstração da recordação. O
tipo mediativo de auto-reflexão termina por cancelar a si própria, segundo Kierkegaard, num
ceticismo aporético, pois a identidade absoluta, a identidade entre ser e pensar, é atingida apenas
abstratamente, ou seja, no puro pensar.
Este ceticismo representa, no registro do pensamento, o mesmo que o desespero corporifica
na existência; e é esse registro que antecede o momento em que a reflexão transcende efetivamente
os seus limites num movimento cujo operar não é uma mediação conceitual mas uma escolha, uma
decisão efetiva na atualidade. Trata-se, portanto, de um movimento de caráter ético, e não
simplesmente uma abstração teórica. Não se trata, por outro lado, de reduzir a nada o pensamento,
de cancelar a validade de toda relação especulativa com relação ao conhecimento. Trata-se, antes,
de saber que, diante de uma decisão de caráter individual, todo conhecimento termina por ser posto
em suspenso, e o que subsiste é a validade da verdade subjetiva. Quando Kierkegaard afirma que
“todo saber essencial diz respeito à existência”, ele pretende enfatizar que todo saber deve
permanecer relacionado àquele que sabe, aquele indivíduo existente que o profere, e não se pode
atribuir tal estatuto a um tipo de saber que não é apropriado pelo seu possuidor. O caráter prático do
saber permanece numa primazia, e a certeza interior que significa também a posse de si mesmo
nesse saber, um saber que sabe a si mesmo, é o que caracteriza uma transcendência subjetiva. Por
transcendência entende-se este movimento absolutamente subjetivo, que Kierkegaard interpreta de
modo religioso, e que constitui o cerne da sua filosofia. Desse modo, a vinculação do religioso com
a subjetividade é representada através de um entrelaçamento de conceitos que apontam, todos eles,
para o religioso como expressão nuclear do movimento interior. Cada pseudônimo lança mão de
uma articulação conceitual distinta que aponta para o mesmo movimento transcendente; entre eles
constam as expressões “movimento paradoxal em virtude do absurdo”, como em Temor e Tremor,
salto, repetição, reduplicação, redobramento, etc., e também dupla reflexão, que interessa a nós
imediatamente.
Dupla reflexão indica, nesse sentido, a subjetividade existente que sabe a si mesma como tal,
e que na sua atividade reflexionante “saltou” para além de si mesma e apreendeu a si própria como
tal reflexivamente, e por conseguinte esgotou a atividade reflexiva como tal, e foi capaz de atingir
um estágio posterior de agência para além da reflexão, ou seja, o ético, sem contudo abandonar a
própria reflexão, que passou a subsistir a ele subordinada. Tal movimento pode, na sua apreensão,
beirar os limites do impensável, e o fato de Kierkegaard nunca ter construído um sistema de
pensamento que realizasse objetivamente uma dissecação conceitual objetiva, indica que a sua
equivocidade é constitutiva e não pode prescindir desse caráter abstruso para a própria reflexão.
Cabe lembrar que a reflexão pode vir a tornar-se, do ponto de vista da existência, um “espinho na
carne”, e ainda assim subsistir enquanto tarefa, e por isso ela deve ser de alguma forma dominada
por um interesse prático. Mas o que importa a nós é como essa injunção possibilitou a Kierkegaard
lançar as bases para um diagnóstico do seu tempo que se vincula a todo instante com uma apreensão
ético-religiosa da existência e da liberdade humanas, sem que seja posta de lado a tarefa do filósofo
– num sentido socrático – de compreender a si mesmo como uma individualidade historicamente
orientada e à altura de seu tempo.

2. Dupla Reflexão e o sentido histórico da subjetividade

Kierkegaard realiza uma reconstrução do pensamento religioso em oposição ao idealismo


germânico não somente num sentido filosófico mas também teológico; a sua contenda com a
perspectiva do panteísmo imanente, a “religião não-oficial da Alemanha”, visa restaurar um ponto
de vista adequado da perspectiva cristã frente a secularização perpetrada por este “paganismo
moderno”. No entanto, a perspectiva religiosa vinculada a uma filosofia da subjetividade é encarada
por ele como uma decorrência histórica do espírito, cuja efetivação não se deu por uma plenitude,
mas por um esvaziamento no abstrato da especulação. Nesse sentido, a tarefa de compreender o
religioso em perspectiva cristã não se reduz a um dogmatismo histórico – ainda que a dogmática
enquanto disciplina possua um papel efetivo no próprio desdobramento da subjetividade após o
esgotamento histórico do idealismo – mas mantém-se num registro dialético, em que o indivíduo
existente em sua liberdade deve possuir resiliência o suficiente para manter-se numa relação com o
divino a cada instante do seu vir-a-ser de si mesmo.
É nesse contexto que aparece a categoria da Cristandade como uma categoria histórica sob a
qual incide o conceito de reflexão enquanto conceito histórico. A tese de seu texto Duas Eras: a
Era da Revolução e a Era Presente é de que a cultura geral de sua época, a época presente, era
marcada pela ausência de paixão, pelo nivelamento e pelo filisteísmo burguês, e principalmente, e
como causa de toda essa configuração, marcada pela categoria da reflexão, que adquire na
atualidade a forma política da ideia romântica da conversação infinita, tão típica da democracia
moderna. Preponderam aí duas formas distintas; a primeira é a da deliberação infinita que resulta
numa indecisão também infinita, e a segunda é a imagem latente da decadência das esferas privadas
e sociais dentro da própria cultura, que vem a ser reduzida a um atomismo individualista que cinge
os vínculos intersubjetivos da vida ética, para recuperar um termo de Hegel. Esse esvaziamento da
substância espiritual de uma época se orienta reflexivamente a partir de uma abstração, um
esvaziamento de todo conteúdo determinado, como no caso da época presente, a da “pura
humanidade”, que constitui para Kierkegaard uma unidade negativa concebida por meio da reflexão
que só pode vincular particulares carentes de qualquer determinação positiva. A categoria do
público, cuja contrapartida inseparável é a imprensa, surge na medida em que o indivíduo é
concebido carente de sua singularidade substancial na forma da verdade, e torna-se apenas mais um
átomo em meio a uma massa amorfa a ser modelada pela imprensa. “A dialética do presente”, diz
Kierkegaard, “é orientada para a igualdade, e sua mais lógica implementação, ainda que abortiva, é
o nivelamento, a unidade negativa da reciprocidade mútua negativa dos indivíduos”.
No entanto, é preciso salientar que Kierkegaard não considera a reflexão por si um mal,
ainda que ela seja uma categoria que se vincula imediatamente à abstração. O problema da era
presente é justamente o de uma estagnação na reflexão, o que caracteriza a indolência específica do
espírito de época, que posterga a urgência de uma escolha e adia portanto a tarefa fundamental da
própria reflexão, que não é senão o ético. Mas a figura do ético no pensamento de Kierkegaard traz
a figura da escolha como uma escolha absoluta que não pode ser outra que não a escolha de si
próprio. Escolher, em última instância, é sempre escolher a si mesmo. A tarefa reflexiva então se
transfigura num aprofundamento da subjetividade em si própria, mas não mais no sentido de
encontrar seu fundamento em si própria, como se se tratasse de uma situação de autonomia
determinada por uma razão abstrata. A tarefa da reflexão é aqui encontrar uma forma em que este
aprofundamento tome a forma de um tornar-se, de um devir – e nisso a reflexão deve incidir
duplamente sobre aquilo que se é e aquilo que se torna, o que não pode ocorrer sem uma elevação
mesma da potência da própria reflexão, ou seja, sem uma transcendência e sem uma fundação e um
repouso da subjetividade numa força maior do que ela própria. A mútua determinação do ser e do
vir-a-ser adere-se justamente ao caráter específico da escolha enquanto determinação e enquanto
atualidade: a forma ética da individualidade não pode portanto prescindir da operação de
duplicação, da dupla reflexão e da elevação da consciência acima de si mesma, ou seja, de uma
forma religiosa de transcendência.
Tornar-se indivíduo na era da reflexão – eis a tarefa da própria reflexão. Aqui já aparece o
redobramento ou a repetição kierkegaardiana. Note-se bem que, por se tratar de um movimento
dialético-reflexivo, a conformação passa ao largo do místico. No entanto, este movimento de
redobramento, a reflexão da reflexão como exigência da época, possui o caráter de um
aprofundamento na própria reflexão como um negativo que permeia os movimentos históricos da
própria época. O movimento paradoxal é um movimento de abandono extremo daquilo que mais
possui valor, ou seja, a verdade da subjetividade, o que deve ser perpetrado pela reflexão, mas
também o de recebê-la novamente na forma da graça e com valor eterno. Este último efeito a
reflexão não pode alcançar por si só, pois ela própria também é revertida e reintegrada à
subjetividade de forma reduplicada. Mas aqui ela aparece como justificada em sua tarefa, o que a
salva da condenação, juntamente com a própria subjetividade, a qual afundaria com ela na
dissolução absoluta, caso esta impossibilidade não fosse precisamente uma possibilidade.

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