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Cottington

O que dizem os jornais:


Política e Ideologia nas Colagens de Picasso de 1912

David Cottington

As histórias do cubismo esquematizaram esmeradamente o afastamento de Picasso, em


1912, da austeridade do cubismo hermético e sua aproximação de um reconhecimento explícito
da vida fora do ateliê. Mais recentemente, Pierre Daix apontou sua troca de companheira, Eva
por Fernande, e de local, os café-terrasses de Montparnasse pela aldeia boêmia de Montmartre,
como fatores que contribuíram para o desenvolvimento de uma arte do cotidiano, com uma
iconografia emprestada às mesas dos cafés.1 Pouco tempo depois de se mudar para seu novo
ateliê no Boulevard Raspail, em outubro, Picasso começou a explorar as possibilidades pictóricas
dos papiers collés em uma série de pequenos desenhos a carvão sobre papel que, com um novo
frescor, tratavam de temas da vida citadina, empregando, com habilidade e leveza, jornais, rótulos
de alimentos e bebidas e partituras.
Já se passaram mais de vinte anos desde que Robert Rosenblum sugeriu pela primeira
vez que outras leituras dessas obras, além das puramente formalísticas e convencionais, eram
possíveis; leituras que reconheceriam o tema contido nos fragmentos do material colado e que
versariam sobre o confronto entre os significantes visuais e verbais. Rosenblum falava de três
pontos principais: primeiro, que um exame detalhado mostrava ser inconcebível que Picasso,
nesses papiers collés, não estivesse fazendo um uso direto e repetido do tema dos fragmentos;
segundo, que ele apreciava enormemente o potencial que descobrira para trocadilhos visuais e
verbais de um tipo, segundo Rosenblum, comparável à escrita de Joyce; terceiro, que essas obras
“estabelec[iam] com espantosa vivacidade as conexões do Cubismo com as novas imagens do
mundo moderno”, que sob essa luz, a sensibilidade cubista à agressão caleidoscópica de palavras
e imagens publicitárias encontradas nas mais banais situações urbanas representa a primeira
absorção em larga escala, pela alta arte, do ambiente tipográfico de nosso século.2

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As sugestões de Rosenblum abriram um campo de pesquisa posteriormente cultivado


com assiduidade por outros estudiosos; salvo duas exceções, até há pouquíssimo tempo esse
trabalho elaborara suas ideias sem fazê-las progredir ou refletir a respeito delas. As exceções –
Françoise Will-Levaillant em 1976 e Rosalind Krauss em 1981 – ofereciam leituras semiológicas
da colagem que o faziam de maneira significativa, tanto que no último caso elas serviram como
veículo para uma crítica das próprias premissas da abordagem de Rosenblum.3
Apesar desses desdobramentos, todos os colaboradores compartilharam o pressuposto
modernista fundamental, familiar e profundamente questionável da autonomia da prática
artística de Picasso. Do estruturalismo da semiótica de Krauss ao subjetivismo dos trocadilhos
de Rosenblum, considera-se que esta prática existia independentemente da experiência social de
Picasso; sejam, como na primeira, o produto de um sistema linguístico ou, no último, a expressão
da sensibilidade de Picasso, os papiers collés são desconectados de qualquer tipo de contexto
social. Para Rosenblum, com efeito, eles são evidentemente, sem discussão, “alta arte”. Entretanto,
a noção de alta arte não é um dado imutável; trata-se de uma construção social, e as práticas que
se entendem serem por ela englobadas são práticas sociais, por mais individuais que possam
parecer. Muitas obras recentes de história da arte sobre o período moderno ou outros já fizeram
essa afirmação repetidamente, desenvolvendo suas complexas implicações. Mas não quanto ao
Cubismo, até recentemente; e assim o surgimento, nos últimos dois ou três anos, de estudos
de aspectos do Cubismo que exploram problemas de contexto é muito bem-vindo. Dentre eles,
o artigo de Patricia Leighten de dezembro de 1985 sobre as colagens feitas por Picasso em
1912-13 talvez tenha sido o mais interessante até o momento, por sua ênfase na relevância dos
eventos e ideologias políticas para a prática artística de Picasso e sua tentativa de leitura política
desses trabalhos em particular. Indicando provas da imersão juvenil do artista no anarquismo da
Barcelona dos anos 1890, Leighten argumenta que as colagens representam um compromisso
da parte de Picasso com o antimilitarismo, o que é consistente não apenas com essa antiga
experiência mas também com o – em termos anarquistas – radicalismo implicitamente social do
próprio projeto cubista.4
Essa insistência na relevância, para Picasso, do mundo exterior a seu próprio meio social
é valiosa em si, e o artigo de Leighten, sob aspectos específicos, é esclarecedor e informativo,
primeiro por retraçar as afiliações e alianças de Picasso dentro do movimento anarco-simbolista,
e segundo (e particularmente) em sua demonstração de que a preponderância de notícias sobre
a Guerra dos Bálcãs nos papiers collés do artista não era, quase certamente, uma coincidência.
Dentre os cinquenta e dois trabalhos de 1912 e 1913 que contêm texto de jornal, ao menos
metade trata da Guerra dos Bálcãs em curso na época e do estado econômico e político da Europa,
e a maioria deles foi produzida no outono e no inverno de 1912; em outras palavras, a maior
parte desses papiers collés que resultaram das primeiras experiências de Picasso com a técnica
apresentavam esse tema.5 Além disso, esses recortes teriam sido cuidadosamente selecionados
por Picasso, recortados e posicionados com uma consideração pelo assunto específico de que
tratavam. O que não pode ser deduzido apenas a partir desses fatos, porém, é a natureza de seu
interesse por essas notícias e seu tema identificável. Como esses recortes são significativos em
cada obra como um todo? E como eles o eram para Picasso em 1912? Se temos de responder a
essas questões, precisamos antes de tudo propor outras que levem em conta os contextos mais
amplos, dentro dos quais não apenas a prática de Picasso como seu meio cultural se situavam.
Como esse meio se relacionava à vanguarda parisiense? E essa vanguarda à formação social como
um todo? Por que critérios o primeiro se distinguia? Quais eram seus discursos preponderantes?
E como eles se relacionavam ao Cubismo de Picasso?
Por trás dessas questões reside o reconhecimento de que o mais importante é o tipo de
contextualização oferecida. Na década passada, os estudos cubistas foram consideravelmente

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enriquecidos pelo exame da influência sobre o Cubismo de, inter alia, a filosofia de Bergson,
a poética neo-simbolista, o Futurismo e a simultaneidade. Mas o elemento imprescindível que
ainda nos falta é um relato detalhado daquilo que poderíamos chamar de termos médios nas
equações assim traçadas entre aspectos do Cubismo e as principais correntes intelectuais da
época: os fatores materiais de discurso, ideologia, relações de produção, dentro e através dos
quais, na conjuntura histórica da década pré-guerra, o Cubismo foi constituído. O que vem a
seguir é uma tentativa de esboçar esse relato e de indicar como ele pode ter tido um peso na
experimentação de Picasso com a colagem. Ele sugere não apenas uma leitura da obra de 1912-
13 de Picasso que se afasta das teorias de Leighten em aspectos fundamentais, mas também
algumas conclusões mais amplas em relação a Picasso em 1912 e, mais que isso, em relação à
natureza da “relativa autonomia” do Cubismo em geral.6
Como escreveu Antonio Gramsci, o nacionalismo é a religião popular das sociedades
modernas, “a forma particular em que o elemento ético-político hegemônico se apresenta na
vida do Estado e do país”. Como tal, ele era o terreno ideológico sobre o qual a luta entre os
elementos hegemônicos rivais na década anterior à Primeira Guerra Mundial foi travada.7 Em
ascensão desde a primeira crise marroquina de 1905, o status do nacionalismo como religião
popular foi inequivocamente estabelecido pela retomada desse acidente diplomático, que
ocorreu em 1911. Com algumas exceções significativas, uma febre patriótica dominava, desde o
final de 1911, todos os aspectos da vida pública francesa. O correspondente parisiense do Daily
Telegraph apontou esse desdobramento; em março de 1912, ao descrever a revista de primavera
dos reservistas da guarnição de Paris, um evento anual normalmente ignorado pelos habitantes
da cidade, ele declarou:

A mais extraordinária demonstração de patriotismo que me lembro de já ter


visto por aqui ocorreu hoje. Esta tarde, ouvi por duas horas, em intervalos
frequentes, o trepidar de botas, o rufar dos tambores das bandas regimentais
e o rumor das ovações ao longo dos bulevares sob minhas janelas... Repito
que nunca havia visto tal demonstração de patriotismo militar em Paris. A
mudança no temperamento nacional francês é um dos eventos mais notáveis
na Europa de hoje.8

A sociedade francesa, todavia, não era monolítica, e a religião popular do nacionalismo


belicoso não penetrara uniformemente em todos os seus setores na década pré-guerra. Por um
lado, existiam noções rivais a ele; por outro, havia meios sociais em que ele não era visto com
simpatia. Dentro da classe operária politicamente organizada, em particular, o antimilitarismo
era profundo até os últimos dias de paz; isso se refletiu, primeiro, no sucesso, nas eleições
parlamentares de 1914, dos socialistas da SFIO (Section Française de l’Internationale Ouvrier),
cuja campanha tinha como carro-chefe a rejeição da extensão do serviço militar, e em segundo,
de maneira mais consistente, dentro do movimento sindicalista, onde o patriotismo era rejeitado
como uma propriedade e uma arma da burguesia; o argumento de que o proletariado não
tem país foi repetidamente publicado nas páginas de La Guerre Sociale.9 Dentro da vanguarda
estética parisiense também existiam círculos que, ao menos até 1913, compartilhavam pouco do
sentimento prevalente de nacionalismo; ao contrário dos socialistas e sindicalistas, entretanto,
ele era rejeitado, aqui, não por razões conscientemente políticas, mas como parte de um
afastamento das responsabilidades políticas que começara por volta de 1906 em favor de uma
entrega ao estetismo, uma crença na verdade superior da arte.
Em 1905-6 teve início um deslocamento para a direita no temperamento político da
França, de tal importância, tanto para a vida cultural quanto para a vida política da nação, que

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ele é considerado um verdadeiro divisor de águas histórico.10 Sob a forma de realinhamentos de


forças parlamentares e de uma mudança na disposição pública, expressa pelo apoio ao governo
autoritário e pelo crescimento de grupos de direita como a Action française, ele foi precipitado
em parte pela primeira crise marroquina de 1905 e, mais fundamentalmente, pelo colapso,
no mesmo ano, da aliança parlamentar do Bloc des Gauches e o crescimento concomitante do
autonomismo sindicalista. Antes de 1905, existira uma década de colaboração entre a classe
operária e a burguesia liberal, expressa em termos estritamente políticos por uma aproximação
entre o sindicalismo e o socialismo parlamentar, e (a partir de 1899) entre este último e os
Radicais; e, em termos mais amplos, em movimentos como as Universités populaires e as ligas
jovens anticlericais;11 ele encontrou seu símbolo mais eloquente na causa Dreyfusarde.
Após 1905, o movimento sindicalista, desiludido com os resultados de sua colaboração
com o parlamentarismo, reafirmou seu compromisso com o economismo (e com a greve
geral como instrumento principal de revolução) e sua desconfiança em relação aos partidos
políticos. Na mesma época, rompeu significativamente com o anarquismo.12 Foi um duplo golpe
para muitos intelectuais liberais, dentre eles membros da vanguarda artística e literária, pois
ao mesmo tempo isso sinalizava o toque de finados para as Universités populaires e outras
instituições de colaboração de classes (das quais futuros membros do círculo cubista como
Gleizes, Leger, Mercereau e Apollinaire haviam participado) e dava fim a uma era de parceria
– ou quase – no anarco-simbolismo entre os revolucionários estéticos e políticos, quando, para
muitos dos primeiros, os dois termos poderiam de fato ser considerados sinônimos. Como
Camille Mauclair relembra com carinho em um artigo essencial de 1905, uma geração inteira
lutara pelo Impressionismo, Simbolismo, internacionalismo, anarquismo; “todo mundo se atirou
na vida pública”.13
Um número significativo de jovens radicais da estética retribuiu afastando-se do
engajamento político. A adoção de uma atitude de vanguardismo artístico compensava sua
desilusão com as tentativas de colaboração entre classes: seu idealismo, frustrado no mundo
político pelas contradições ali encontradas, foi transferido para a estética, onde poderia funcionar
sem barreiras.
O início da carreira de Henri-Martin Barzun, cuja revista Poeme et Drame constituía um
ponto central de referência para uma divisão da vanguarda literária e artística em 1912-14,
oferece um bom exemplo dessa transferência, pois ele se posicionava estrategicamente entre os
mundos da política e da literatura em 1905-6. Naquele tempo, Barzun era secretário particular
de Joseph Paul-Boncours, um deputado radical-socialista em ascensão – e assim, estava ligado ao
Bloc e à aliança entre a burguesia liberal e a classe operária. Também tinha ambições literárias,
e planejava, em 1906, a fundação de uma revista que levaria o espírito da reforma para a arena
estética: a Revue rouge seria “o órgão da jovem literatura... o refúgio da crítica independente, o
esteio de uma política de reforma”.14
Com o colapso do Bloc e o fim da aliança de classes, porém, o otimismo de Barzun
esmoreceu, e sua atitude no final de 1907, registrada em um artigo intitulado “Le Rôle des
Intellectuels”, era diferente.15 Relembrando com tristeza os anos do Caso Dreyfus, os “anos de
heroísmo e fé”, da união dos “operários das mãos e do cérebro”, ele reconhecia que eles haviam
terminado. A justiça fora feita, leis foram alteradas, e elas “fraturaram o valente espírito que
animara toda esta jovem geração... A coesão e a ação coletiva, com tanto vagar forjadas, não
mais pareciam úteis.” A ação sindicalista separara o intelectual e o operário, e “a luta de classes,
observada em dois primeiros de maio e vinte greves, transforma em espectadores impotentes
e angustiados todos aqueles que não possuem interesses que dependam desses conflitos.”
Pior, o novo espírito doutrinário forçava os participantes a escolher um campo, sufocando o
individualismo, e evitando que os “espíritos livres” expressassem seu ponto de vista; quanto

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aos que permaneciam acima do conflito, “mesmo a totalidade de seus trabalhos dispersos
ainda será incapaz de reviver a alma coletiva deste país.”
A reação de Barzun a seu próprio prognóstico foi afastar-se de qualquer tentativa de
trabalhar com as organizações da esquerda e substituir a ação política pela estética; em 1912,
ele era o articulador de um vanguardismo esteticista plenamente desenvolvido. No outono do
mesmo ano fundou Poème et Drame, cujos objetivos declarados, em comparação com os do
esforço abortado de 1906, indicam a extensão de sua conversão. A finalidade da revista era
“confederar intelectualmente todas as jovens elites criativas do mundo inteiro”.16 Barzun atacava
“esses ‘revolucionários’ que, infelizmente, se sentem obrigados a fazer declarações sociais,
que confundem a busca estética com os partidos políticos e praticam uma arte dilapidada”, e
declarava que “a única força criativa a avançar pode surgir somente do instinto poético, como
testemunham as maiores obras-primas de todas as artes”.17
O vanguardismo e o estetismo eram, obviamente, parte integrante do Simbolismo dos
anos 1880 e início dos 1890, embora este fosse sobretudo um vanguardismo da arte em si, mais
que uma elite dentro da arte. Em uma reação contra o positivismo dominante que demovera a
arte a um status de brincadeira, os Simbolistas declaravam que a arte era, ao contrário, a única
maneira de chegar a uma compreensão da realidade. A realidade era misteriosa, inacessível à
razão, e residia por trás do objeto de percepção; ela podia ser penetrada pela intuição e pela
imaginação do poeta, pelo cultivo de sua visão interior ou gênio. Mais ou menos após 1895, essa
estética introspectiva, embora ainda influente sob certos aspectos, foi deslocada por movimentos
que preferiam enfatizar a ligação do indivíduo com algum tipo de ordem coletiva: o Romanismo,
liderado por Moréas, e o Naturismo – o primeiro reminiscente da arte clássica, o segundo com o
desejo de aproximar mais a poesia da vida cotidiana.
Por volta de 1905, todavia, houve uma ressurgência de interesse pelo Simbolismo e
sua estética voltou aos holofotes. O Naturismo, alimentado pelo espírito do Bloc, perdeu sua
impulsão com o colapso deste último. Barzun alegava, em seu artigo de 1907, que seus teóricos
haviam perdido, nas condições da luta de classes renovada, aquele contato com “as multidões
no fórum” que sempre lhe servira de esteio. O surgimento do movimento neo-Simbolista foi
amplamente notado: Marcel Raymond, em sua pesquisa sobre a poesia francesa de Baudelaire ao
Surrealismo, isolou um fantaisisme de orientação simbolista como uma das principais correntes
do período pré-guerra; Leroy Breunig, ao mapear a cronologia dos Alcools de Apollinaire,
descreve “um vigoroso movimento neo-simbolista em Paris” nos anos 1905-8; Michel Decaudin
revelou a disseminação da estética simbolista nas pequenas publicações literárias.18 Decaudin
notou também que a poesia de Mallarmé naquele momento representava, mais uma vez, a
pedra de toque de muito debate literário. Em um artigo influente, Gide (que na época afirmava,
na Nouvelle Revue Française, a autonomia da estética, e deplorava a maculação da arte com a
política) defendeu Mallarmé contra as alegações de que seu trabalho era estéril e elitista; isso
pode ser verdade, argumentou, mas ele também é belo, e isso já lhe basta como justificativa.19
O movimento neo-Simbolista tinha como base material duas revistas literárias fundadas
na época. Vers et Prose, iniciada na primavera de 1905, rapidamente ganhou uma importância
que só foi superada, após 1909, pela da NRF, tendo atraído um grande número de leitores e uma
ampla seleção de colaboradores; suas noites de terça-feira na Closerie des Lilas, em Montparnasse,
eram famosas. Apesar da amplitude de seu alcance, a revista possuía uma orientação definida:
dirigia-se aos heróis da geração de 1885 e, ao mesmo tempo, aos jovens poetas que podiam ser
considerados herdeiros de seu manto simbolista. A segunda revista, La Phalange, estreou no verão
de 1906 e era ainda mais estreitamente orientada ao Simbolismo: seu editor, Jean Royere, era um
Mallarmista, para o qual a poesia era uma “experiência do absoluto, uma descoberta da Ideia, do
Eterno.” Decaudin descreve La Phalange como a publicação neo-simbolista por excelência.

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O secretário editorial de Vers et Prose era André Salmon, um dos mais promissores dentre
os jovens poetas simpáticos ao Simbolismo e um membro do grupo de poetas fantaisistes de
Montmartre, cujo líder não-oficial, de acordo com André Billy, era Apollinaire. Por iniciativa deste
último, a revista fantaisiste, Le Festin d’Esope, foi fundada em 1903 e durou nove meses. Billy
descreveu a poesia do grupo como “feita de ironia, despreocupação, melancolia, improvisação,
de uma certa maneira de nada considerar como trágico”; era “contrária àquelas tendências (…) que
eram sérias, sociais, humanitárias.” A moralidade fantaisiste era o noctambulismo e a indolência,
suas amizades se construíam no bar e no ateliê.20 Não por acaso, sua base era Montmartre: La Butte
estava então no auge de sua reputação de boemia artística em que, como descreveu André Warnod,
“uma mistura de vigaristas, falsificadores e ladrões de verdade, jovens desgraçadas e libertinos
foragidos de suas famílias respeitáveis compunha o pano de fundo” para os artistas humouristes
como Forain, Willette, Léandre, Steinlen. Artistas e bandidos confraternizavam naquilo que Warnod
chamou de “esnobismo do esgoto”.21 Essa imagem boêmia atraía muitos radicais da estética como os
fantaisistes, jovens da classe média ansiosos para escapar às constrições da convenção social.
Claro, não foram apenas essas associações que atraíram a burguesia descontente a
Montmartre; muitos vieram também por sua arte. Mais ou menos a partir de 1903, a região passou
a ser frequentada por um tipo relativamente novo de colecionador de arte, o dénicheur. Embora
alguns amadores resolutos tenham apadrinhado os impressionistas e pós-impressionistas nas
décadas de 1880 e 1890, a partir da virada do século a especulação sobre o trabalho de artistas
novos ou desconhecidos tornou-se mais viável no mercado parisiense – um fato que se refletiu
na fundação em 1904, por motivos primariamente especulativos, do grupo de colecionadores de
André Level, La Société de la Peau de l’Ours.22 Ela trazia ao mercado um número crescente de jovens
colecionadores, com meios relativamente modestos, preparados para depositar sua confiança
em artistas de sua própria geração e para declarar sua independência em relação ao gosto
predominante. Muitos deles vinham de fora da França, atraídos a Paris por sua reputação artística
e menos constritos pela convencionalidade que dominava o gosto do público francês: Gertrude
e Leo Stein dos Estados Unidos; Wilhelm Uhde, Adolphe Basler, Alfred Flechtheim da Alemanha;
Hermann Rupf da Suíça; Vincenc Kramar de Praga. Os franceses que colecionavam a obra de jovens
desconhecidos geralmente vinham de contextos burgueses confortáveis – Andre Level, Roger
Dutilleul e Georges Aubry pertenciam a famílias profissionais, o pai de Frank Haviland era um
industrial – e, seguros em seu domínio dos valores sociais existentes, estavam livres para afirmar
sua própria individualidade com aquisições artísticas pouco ortodoxas. Para esses colecionadores,
a relativa falta de recursos financeiros era um desafio, forçando-os a colecionar o trabalho de artistas
pouco familiares e a confiar em seu próprio julgamento ao fazê-lo; o prazer de “dénicher” uma pechincha
era muitas vezes comparável, como reconheceu Uhde, ao da contemplação estética do prêmio.23
As obras de arte nesse nível do mercado claramente não podiam ser encontradas nas
principais galerias ou mesmo nos Salons (com a exceção dos injuriados Indépendants), mas
sim em galerias menores, fora de mão, e no ateliê dos próprios artistas – se eles pudessem ser
localizados – ambos os quais proliferavam na Montmartre da virada do século. Assim, Wilhelm
Uhde, embora tenha comprado todas as pinturas que Braque expôs nos Indépendants de 1906
e mais cinco ou seis que entraram na mostra de 1907, preferia explorar as pequenas galerias
e lojas de quinquilharias nos quartiers artísticos. Foi em uma dessas explorações que ele
encontrou a loja de roupas de cama do Père Soulier na rue des Martyrs e comprou de suas mãos
o Tub de Picasso por dez francos.24 Léo Stein também começou comprando no Salon d’Automne
e nos Indépendants, mas tendo criado relações com os artistas que apadrinhava, além de seus
agentes e seu círculo de amigos, passou a preferir esses canais para suas aquisições.25 André
Level admitia ter se atordoado com a vitalidade do Salon d’Automne de 1903, mas também fazia
suas aquisições diretamente das mãos dos artistas ou nas pequenas galerias que abrigavam suas

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obras, visitando para isso Montmartre “duas ou três vezes a cada quinze dias”. Roger Dutilleul
comprava inicialmente em pequenas galerias da margem esquerda, e mais tarde exclusivamente
de Kahnweiler; Olivier Saincère fazia visitas regulares aos artistas de Montmartre.26
Os interesses estéticos desses dénicheurs tinham uma correlação com seu prazer em
dénicher: embora buscassem obras que afirmassem sua independência em relação ao gosto
dominante – em particular o da vanguarda respeitável – e fossem formalmente inovadoras, eles
só adquiriam criações que ainda estivessem anexadas àquilo que viam como A Grande Tradição
da Pintura Francesa. A intenção desses colecionadores não era, de maneira nenhuma, desafiar os
valores estéticos tradicionais. “O que me interessava enquanto colecionador”, escreveu mais tarde
Uhde a respeito de Picasso e Braque, “era a grande peinture com a qual esses pintores mantinham
a tradição do Louvre”.27 Level igualmente admitia a importância que tinha a seus olhos o legado
cultural francês; por mais que valorizasse a juventude e a ousadia encontrada na arte que adquiria
para a Peau d’Ours, essa arte partilhava ainda de uma estética distinta que declarava “um retorno
acentuado à solidez, à composição, a uma tradição concebida com altivez”.28 Ele reconhecia
as mesmas predileções estéticas da parte de Kahnweiler, que “sabia como encontrar, dentre os
artistas desprezados pelos principais agentes parisienses, os melhores praticantes da arte jovem,
independente e ainda assim tradicional dos primeiros anos do século vinte”.29 Esses colecionadores-
negociantes compartilhavam assim com outros membros da comunidade de Montmartre certas
crenças e engajamentos estéticos que, no contexto da década pré-guerra, podem ser considerados
elementos de um discurso ideológico distinto, cujos principais pontos de articulação eram um
compromisso com o vanguardismo esteticista, uma indiferença proporcional (ao menos até 1913)
em relação à hegemonia do nacionalismo e uma adesão aos valores estéticos tradicionais. Esse
discurso estabelecia um dos níveis de contexto para a prática artística de Picasso.
Ele foi acompanhado por um outro – o do mecenato. A partir de 1905, a atenção que Picasso
recebia dos dénicheurs era suficientemente regular para permitir-lhe evitar a necessidade de
divulgar seu trabalho junto aos galeristas ou de expor em salões. Seu ritmo de trabalho e a escala
de suas pinturas ainda estavam, porém, em um modo “salão”. Seu progresso era pontuado por
obras de grande formato que resumiam sua temática e interesses formais em cada uma das fases
que atravessou, obras essas precedidas por numerosos estudos; assim, temos os Saltimbancos em
1905, os Dois Nus em 1906, as Demoiselles d’Avignon em 1907, as Três Mulheres em 1908-9. Essas
pinturas eram orientadas ao público: embora fossem vistas, no momento de sua conclusão, por
um número relativamente pequeno de pessoas, elas eram destinadas a um círculo estratégico,
influente e crescente de artistas, críticos e connaisseurs. Estes eram, entre outras coisas, veículos para
o crescimento da reputação do artista, e o sucesso dessa abordagem reflete-se na rapidez com a qual as
notícias sobre o início da execução de cada obra grande se espalhava pelos vinhedos de Montmartre.30
Porém, após Pães e fruteira sobre uma mesa, no início de 1909, houve uma mudança
abrupta tanto no ritmo quanto na escala da produção de Picasso: ele deixou de pintar obras
grandes precedidas por estudos daquela maneira até o projeto de Mulher na poltrona de 1913;
de fato, houve pouquíssimas obras em grande formato nesse meio tempo. Essa mudança ocorreu
exatamente no mesmo momento de uma evolução igualmente notável em sua situação de
mecenato. Primeiro, Vollard que, alarmado pelo Cubismo inicial do artista, deixara de comprar
de Picasso em 1907 e 1908, começara a adquirir novamente: no início de 1909 os Pães e fruteira
e duas outras obras, e mais cinco quando Picasso voltou de Horta no final do verão. Segundo,
os Steins adquiriram ainda mais obras importantes que nos anos anteriores: oito em 1908,
seis em 1909. Terceiro, outros colecionadores se juntaram ao círculo: Sergei Shchukin, Frank
Haviland, Roger Dutilleul fizeram suas primeira aquisições durante esses meses.31 Quarto, e mais
importante, Kahnweiler começou, no início de 1909, a comprar uma quantidade cada vez maior
de pinturas dele: tendo adquirido doze em 1908, ele arrematou ao menos trinta e cinco em 1909,

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algumas delas criações de 1906 e 1907 que ignorara anteriormente. A partir dessa data até a
guerra, auxiliado e parcialmente financiado pelos outros mecenas, ele tomou a seu cargo toda a
produção de Picasso, tornando-se assim mediador entre o artista e o público e libertando-o da
necessidade de buscar vendas, sucesso e renome por sua própria conta.
Essa evolução de sua situação trouxe diversas consequências para Picasso. Para começar,
ela significava que, pela primeira vez, ele dispunha de conforto financeiro, um fato que assinalou
com sua mudança, ao voltar de Horta no outono de 1909, do bairro boêmio do Bateau-Lavoir
para um elegante apartamento no Boulevard de Clichy. Além disso, nesse mesmo momento ele
entraria em um estreito relacionamento de empréstimos artísticos com Braque que perduraria
até 1912 e passaria a gravitar em direção a um ambiente social diferente, visitando regularmente
os compradores e comparecendo aos serões vanguardistas da moda, promovidos pelos Steins,
Paul Poiret e Haviland em particular.32 Essas alterações em seu modo de vida poderiam talvez
ser caracterizadas, como implica Daix, como um processo de aburguesamento do artista; mas
existem maneiras mais úteis de considerá-las. As evoluções aqui delineadas resultaram em uma
alteração no modo de produção de Picasso, com uma dupla consequência para sua arte.
Em primeiro lugar, elas contribuíram para uma intensificação de certas características de
sua identidade artística e para a confirmação e esclarecimento de seus compromissos ideológicos.
A partir de 1909, Picasso contava mais do que nunca com um círculo ideologicamente homogêneo
de amigos e mecenas. Fossem negociadores e colecionadores (como Kahnweiler, Uhde, os
Steins e Dutilleul) que se dedicavam à descoberta dos mestres contemporâneos, ou poetas (a
exemplo de Apollinaire, Salmon e Jacob) fiéis aos princípios do neo-Simbolismo ou ainda (como
Braque) a um formalismo extrapolado da obra tardia de Cézanne, os membros desse círculo
compartilhavam uma ligação profunda com o estetismo descrito anteriormente, cujas principais
características eram uma crença na autonomia social e na verdade superior da arte e uma fidelidade
aos valores estéticos tradicionais. Esse círculo, assim, não apenas confirmava a percepção que Picasso
tinha de suas próprias capacidades, acalmando a necessidade de reconhecimento que impulsionara
o ritmo anterior de seu trabalho, como também representava um agrupamento coeso e distinto
dentro da vanguarda artística. Em si mesmo tímida e defensivamente vanguardista em relação à
incompreensão tanto desta última quanto do público da arte, o grupo oferecia um apoio proporcional
à preocupação de Picasso quanto à natureza e aos mecanismos de sua imaginação pictórica.
E em segundo lugar, a mudança no modo de produção de Picasso determinou, sob aspectos
fundamentais, a própria aparência e as qualidades específicas de suas pinturas. Vale a pena
ressaltar esse ponto: essas mudanças não permitiram simplesmente que Picasso perseguisse
suas inquietações pictóricas de tipo técnico e formal em uma escala menor e mais privada, mas
sim acarretaram essa busca. Como argumentou Terry Eagleton, ao discutir a produção literária:

Se os modos de produção literários são historicamente extrínsecos aos textos


particulares, eles são, igualmente, internos a eles: o texto literário porta em si a
impressão de seu modo histórico de produção, da mesma forma que qualquer
produto secreta, em suas formas e materiais, a maneira de sua fabricação...
E poder-se-ia adicionar, também, que todo texto literário, em certo sentido,
internaliza suas relações sociais de produção – que todo texto intima, por suas
próprias convenções, a maneira como deve ser consumido, codifica dentro
de si mesmo sua própria ideologia de como, por quem e para quem ele foi
produzido. Cada texto, obliquamente, pressupõe um leitor putativo, definindo
sua viabilidade em termos de uma certa capacidade para o consumo.33

A observação é aplicável a Picasso. Seu modo de produção artística anterior a 1909


deu origem, nos modos descritos acima, a grandes pinturas comparáveis às dos Salões, como

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as Demoiselles. Depois de 1909 o público de suas pinturas passou a ser privado, uma pequena
elite selecionada de cognoscenti sensíveis à inovação formal pictórica e aos jogos intertextuais,
mas comprometidos com uma estética fundamentalmente conservadora: por um lado,
colecionadores discretamente celebrados pela galeria sem ostentação de Kahnweiler; por outro,
os poetas habitués do Bateau-Lavoir e, crucialmente, seu associado próximo, Braque. As pinturas
apresentavam então uma orientação proporcionalmente intimista, eram estilisticamente densas
e difíceis de ler, cheias de referências elípticas e jocosas, acessíveis apenas aos iniciados. Em
vez do antigo ritmo de progressão de projeto a projeto, após o início de 1909 Picasso trabalhou
em uma série aberta de pinturas, tratando cada nova tela como um ponto de partida para o
desenvolvimento de um conjunto relativamente consistente de ideias pictóricas e como o local
de uma prolongada experimentação técnica, engendrando dessa forma uma complexidade de
estrutura pictórica distinta daquela que caracterizava sua obra anterior.
Essas ideias e experimentos traziam em seu âmago um projeto de interrogação das
convenções do realismo pictórico, uma preocupação com a busca de meios mais adequados para
representar a experiência social dele próprio e de Braque. A textura dessa experiência pode ser
lida nas pinturas criadas pelos artistas nesse período, nas repetidas referências semiveladas
a símbolos da cultura popular, como a Mulher com Guitarra (“Ma Jolie”) (1911-12), e duplos
sentidos sexuais dissimulados, como o do espelho e da fechadura em A Penteadeira (1910).34
Mas ela era deslocada no processo pictórico, refratada pelas circunstâncias da prática artística
de Picasso e sua absorção em um jogo linguístico de dispositivos de ilusionismo que se tornava
cada vez mais Mallarmista:

Para evocar propositalmente em uma sombra o objeto silencioso, com palavras


que nunca são diretas mas alusivas, reduzidas a um silêncio semelhante, é
necessário um esforço próximo à criação; ele se torna crível dentro dos limites
da ideia que entra em jogo exclusivamente pela magia das letras até que, claro,
lampeje alguma ilusão visual. Poesia, esse raio arrebatador!35

Tendo assim apresentado uma reconstrução abreviada do campo de força cultural que
rodeava o Cubismo de Picasso – a pressão das forças materiais pelas quais e através das quais era
constituída sua prática artística – retorno agora aos papiers-collés. Dentre os trinta e um papiers-
collés realizados por Picasso em novembro e dezembro de 1912 usando apenas recortes de jornal,
carvão e nanquim, quase todos cuidadosamente recortados e posicionados de maneira a fazer
uso do conteúdo do recorte, ao menos quatorze têm, como conteúdo, artigos sobre a Primeira
Guerra dos Bálcãs, cuja evolução era ansiosamente acompanhada na França e amplamente
temida como a centelha que incendiaria uma conflagração europeia.36 A menos que ele escolhesse
quaisquer itens que estivessem na primeira página do Le Journal, o que é improvável por razões
que discutirei a seguir, Picasso selecionava esses artigos (além de, ocasionalmente, relatos sobre
assuntos econômicos) deliberadamente, lançando mão de seu conteúdo de diversas maneiras.
O caráter claramente público, nacional-político desses dois temas contrastava agudamente com
a intimidade das naturezas-mortas em uma mesa de café nas quais eram empregados. Muitas
vezes Picasso estabelecia uma correlação entre esse “pano de fundo de acontecimentos”, contra
o qual a vida cotidiana prosseguia nos cafés, e as relações entre o plano de fundo e o primeiro
plano do espaço pictórico. Em Copo e garrafa de Suze, por exemplo, os recortes dispostos nas
bordas do retângulo, no plano de fundo do espaço cubista, são artigos sobre a guerra dos Balcãs
e uma demonstração socialista anti-militarista.37 Na mesinha oval do centro e no primeiro plano
vemos uma garrafa de Suze e um copo. Seria coincidência que os recortes de jornal escolhidos
por Picasso para descrever esses objetos, em vez de formar o fundo, contenham o que parecem

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ser trechos do roman-feuilleton do momento, falando de amor e assuntos pessoais? Pois eles
fazem então parte do mundo mais íntimo do tema da obra, do autor, Picasso (ou do nosso, como
espectadores; a ideia permanece a mesma). Porém, esse não é o principal nível de significado
dessa obra. No contexto da obra imediatamente anterior de Picasso, o conteúdo dos recortes de
jornal é secundário; o mais importante é a substituição das superfícies e referências prontas a
objetos por desenhos e pinturas desses mesmos objetos – e as possibilidades criadas por essa
substituição para a ambigüidade espacial e a contradição, para manipular a percepção sobre o
fato das duas dimensões e a ilusão de uma terceira. Antes de decifrarmos os objetos – e assim, a
partir deles, o ambiente e o “pano de fundo de acontecimentos” – nos conscientizamos de como
isso tudo depende do ilusionismo e da prestidigitação empregados por Picasso. Sua própria
presença criativa é essencial à obra. Em Copo e garrafa de Suze, essa presença talvez fosse velada
e abafada pela riqueza visual, as cores e texturas. Nas obras que se seguiram a esta, porém, esse
não era o caso. Como reconheceu Daix a respeito dos papiers-collés produzidos por Picasso no
final de novembro e início de dezembro:

nunca antes o pintor havia tão completamente destruído o mistério de seu


trabalho, nunca antes ele se apresentara ao escrutínio do espectador, não apenas
sem os truques do ofício mas usando recursos que estão ao alcance de qualquer
pessoa. E nunca antes um pintor afirmara seu poder como criador, como poeta
no sentido mais forte do termo.38

Exemplo disso é a Mesa com garrafa, taça e jornal. Sobre um pedaço de papel, linhas raras,
fortes e graciosas descrevem os objetos. Elas o fazem de um modo que deriva das primeiras
pesquisas cubistas de Picasso e que incorpora tanto um desnudamento sucinto do significante
quanto um nível abstrato de harmonia formal entre as linhas e formas. No centro dessa composição,
e articulando-a por seu tamanho, forma e cor, há um recorte do Le Journal de 4 de dezembro
de 1912. Ele traz um trocadilho com “un coup de the[atre]”, sugerindo coupe de thé (xícara
de chá)*, contrabandeando assim, por procuração, um quarto objeto para dentro da imagem,
contradizendo sorrateiramente a forma da garrafa à qual ele se refere, tal um rótulo. Esse jogo,
e sua sagacidade, são as características mais evidentes da obra, e formam um mundo fechado de
inter-referência. Ou quase fechado; pois o recorte de jornal se refere (e muito deliberadamente,
ou Picasso teria cortado essa parte fora) à guerra dos Bálcãs,39 o que nos leva às associações
com sentar-se em um café lendo um jornal. Mas o próprio interesse e a presença do trocadilho e
do enigma formal distanciam essa associação; mais ou menos como a guerra é distanciada pela
mídia através da qual nos informamos a respeito dela.
Existem outros exemplos semelhantes. Em Guitarra, partitura e copo, uma obra do início
da série e texturalmente mais rica que as outras, Picasso indica a presença de um jornal e do
plano de fundo dos acontecimentos que ele mediava. Mais uma vez trata-se de um artigo sobre
os Bálcãs, novamente recortado e posicionado de maneira a distanciar esse fato e reforçar tanto
os aspectos mais imediatos e íntimos da experiência do café quanto o artifício formal de Picasso
na consciência do espectador putativo. O recurso funciona, seja visualmente, pois o recorte está
no canto da obra, exterior ao agrupamento próximo das formas e papéis que engenhosamente
constituem a natureza-morta, seja verbalmente, ao proporcionar a base para uma série de
associações pessoais e privadas com jogos de palavras.40 Em Mesa com garrafa e taça, uma das
últimas e mais esquemáticas do grupo, um único recorte que cumpre o papel de jornal e de
rótulo traz em si mesmo a divisão entre fundo e primeiro plano. A justaposição da crise pública
(“La Negociation .../es sont à Londres”) à sugestão de um drama privado (“Un dra/Parisien/”)
assinala a rica polaridade de significados com uma economia de meios consistente com o resto

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do desenho, e é uma de suas qualidades fundamentais.41 Em contraste a isso, finalmente, temos


um par de obras, ambas chamadas Mesa com garrafa, associadas por uma óbvia reciprocidade
formal, cujo significado integral reside no conteúdo dos recortes respectivos. Na primeira, o
jornal – que cobre o papel inteiro, exceto pela forma da garrafa recortada no centro, e constitui
tanto o fundo da natureza-morta quanto o suporte sobre o qual Picasso a desenhou – é a página
inteira do caderno de economia do Le Journal de 8 de dezembro de 1912. Na segunda o recorte
– que isola e põe no primeiro plano a garrafa – dedica-se a um item sobre “La G[uerre contre]
l’Avarie” (a guerra contra a sífilis), do mesmo jornal, mas não, como revela um exame atencioso,
da mesma folha de papel.42 A relação particular aqui proposta entre fundo/eventos públicos
e primeiro plano/preocupações privadas, e o papel representado pela imaginação criativa de
Picasso no estabelecimento dessa relação, dificilmente poderia ter sido tão bem indicada.
Desse modo, argumentar, como Daix, que os papiers collés de Picasso “expressavam uma
profunda necessidade interna de abalar os limites da pintura tradicional, a nobre concepção da
arte”, e como Rosemblum, que “Picasso abraçava o realismo da palavra impressa que abundava
na cidade”, é enganoso. Por outro lado, ler as referências à guerra e às demonstrações pacifistas
como indicativas do antimilitarismo de Picasso, como faz Leighten, é atraente mas em última
análise insatisfatório, pois essa leitura ignora as questões de como os recortes significam em
relação a cada obra como um todo e dos termos nos quais Picasso incorporou esses materiais
forasteiros a sua arte. A comparação com Joyce, oferecida por Rosenblum, é aqui bastante
instrutiva. Pois Ulisses talvez seja a mais extensa e memorável tentativa de nossa literatura em
representar a linguagem e a consciência características da experiência urbana moderna. Como
observou Raymond Williams:

Em Ulisses (...) não há apenas busca, mas descoberta: de uma linguagem


ordinária, ouvida mais claramente que em qualquer outro lugar do romance
realista anterior a ele; um fluxo positivo desse discurso humano mais amplo, que
fora peneirado e escorrido pelas convenções sociais prevalentes (...) a grandeza
de Ulisses é essa comunidade de discurso.43

No tema de seus papiers collés do final de 1912 Picasso introduziu o equivalente visual
“desse discurso humano mais amplo” na arte. E em certo sentido seu rompimento – nos materiais
que empregou nestas colagens – com as convenções do que podia ou não ser usado como
material artístico comportava a possibilidade de descobrir para a arte a “linguagem ordinária”
da cultura visual urbana de todos os dias. Mas na utilização feita por Picasso desses novos
materiais e liberdades, essa cultura e – nas obras com referência à Guerra dos Bálcãs – suas
preocupações políticas do momento eram distanciadas, mediadas, usadas como plano de fundo
nas formas descritas acima. Assim, a possibilidade que ele abria estava, desde o início, vedada a
ele: o importante, para Picasso, era realizar a mágica, fazer arte a partir do nada. O que Picasso
empreendeu foi uma expansão do império da arte pela colonização de outras áreas anteriormente
independentes, e não o rompimento das fronteiras entre elas. Por mais radicalmente inovadores
que fossem esses papiers collés, eles ainda constituíam, em termos ideológicos, representações
de um individualismo esteticista que sustentava atitudes convencionais – e, no contexto dos
debates de 1912, fundamentalmente conservadoras – quanto às relações entre as belas-artes e
uma cultura visual mais ampla.
Esta é, necessariamente, uma descrição sumária dos determinantes materiais da prática
artística de Picasso em 1912, e de como um entendimento deles poderia ser aplicado à leitura de
um corpo de trabalho específico. Como tal, indubitavelmente levanta mais questões do que tenta
responder; com efeito, duas questões bastante fundamentais surgem de imediato. A primeira diz

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respeito à aplicabilidade desta abordagem ao desenvolvimento do próprio movimento cubista.


Até o presente momento, os estudos sobre o Cubismo vêm ignorando largamente a questão
das bases sociais de suas práticas, seja representando-as em termos dos clichês da rebeldia
artística da Belle Époque ou, como em um trabalho recente, limitando o exame dessas bases a um
entendimento da vanguarda estética parisiense como uma comunidade intelectual impermeável
aos choques e pressões da vida social e dos eventos cotidianos, exceto de maneiras muito
indiretas. O que este artigo tentou demonstrar é a importância, para qualquer entendimento
histórico do Cubismo, de se reconstruir os discursos da vanguarda, revelando seus subtextos
ideológicos e sustentáculos materiais. A Paris anterior à Primeira Guerra Mundial na qual esses
discursos foram elaborados precisa, assim, ser objeto de estudos muito mais aprofundados pelos
historiadores do Cubismo: precisamos saber mais sobre os componentes e as origens tanto do
nacionalismo hegemônico como da vanguarda estética, sobre a relação entre os dois e entre
esta última e os grupos intelectual e moralmente dominantes dentro da formação social.44 Tal
estudo deveria incluir um exame da esquerda cultural nos anos pré-guerra e suas relações com o
movimento cubista; embora mais complexa do que Leighten parece sugerir, essa relação existia,
e foi significativa para o subsequente desenvolvimento do modernismo.45
A segunda questão tem a ver com os pressupostos teóricos deste artigo, que podem ser
considerados como indevidamente mecanísticos em sua correlação da prática da arte com a
ideologia. Não estou sugerindo que a prática de Picasso fosse inquestionavelmente ideológica,
ou que os papiers-collés se “expliquem” pelas, ou signifiquem apenas em relação às, afiliações
ideológicas aqui traçadas – muito menos que eles reflitam a ideologia de Picasso. Tais alegações
grosseiras são claramente indefensáveis. De fato, o atual debate teórico pós-estruturalista
vem destacando a complexidade da relação entre noções de ideologia e subjetividade,46 e as
implicações dessa discussão para um novo olhar sobre a obra de Picasso são fascinantes. O que se
sugere, simplesmente e principalmente, é que, para que nosso entendimento do Cubismo possa ir
além do subjetivismo, não apenas o das leituras formalistas, mas também o da contextualização
idealista, temos de desvendar suas determinantes materiais, seus discursos ideológicos. A forma
como as pinturas de Picasso se afastam dessas limitações discursivas talvez seja a próxima
questão; mas a forma como elas se relacionam a estas últimas é, sem dúvida, a primeira.

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1. DAIX, Pierre, e ROSSELET, Joan. Picasso: The Cubist Years, 1907-1916, Londres, 1979, pp. 89-91.

2. ROSENBLUM, Robert. “Picasso and the Typography of Cubism.” In: Picasso, 1881-1973. Londres: ed. John
Golding and Roland Penrose, 1973, p. 75. O artigo foi baseado em uma conferência dada na Reunião Anual da College
Art Association of America em 1965.

3. WILL-LEVAILLANT, Françoise. “La Lettre dans la peinture Cubiste.” In: Université de St. Etienne, Travaux IV:
Le Cubisme. St. Etienne, 1973; KRAUSS, Rosalind. “In the Name of Picasso,” October, 16 (Primavera de 1981).

4. LEIGHTEN, Patricia. “Picasso’s Collages and the Threat of War, 1912-13.” Art Bulletin, 67:4 (Dezembro
de 1985), pp. 653-72. Para outras explorações contextuais, ver LEJA, Michael. “’Le Vieux Marçoeur’ and ‘les deux
risques’: Picasso, Prostitution, Venereal Disease, and Maternity, 1899-1907,” Art History, 8:1 (Março de 1985),
pp. 66-81; e COTTINGTON, David. “Cubism, Law, and Order: the Criticism of Jacques Riviere,” Burlington, 126:981
(Dezembro de 1984), pp. 744-50.

5. LEIGHTEN (op. cit. nº 4), p. 667. Ver também nº 36 abaixo.

6. Para uma descrição mais aprofundada, ver: COTTINGTON, David. “Cubism and the Politics of Culture in
France, 1905-1914” (Dissertação de doutorado, London University, 1985).

7. GRAMSCI, Antonio. Quaderni dal Carcere. Turim: ed. V. Gerratana, 1975, p. 1084; WEBER, Eugen. The
Nationalist Revival in France, 1905-1914. Berkeley, 1959. Sobre os nacionalismos rivais, ver: COTTINGTON (op. cit.
nº 6), caps. 2 e 7.

8. Daily Telegraph (10 de março, 1912), p. 8.

9. A melhor descrição em inglês da política do período é a de MAYEUR, J. M. E RÉBÉRIOUX, M. The IIIrd French
Republic from Its Origins to the Great War, 1871-1914. Cambridge, 1984. Sobre o sindicalismo, ver: JUILLARD, J. “La
CGT devant la guerre, 1900-1914.” Le Mouvement Social (Outubro-Dezembro 1964).

10. THOMSON, D. Democracy in France since 1870. Oxford, 1969.

11. DINTZER, L., ROBIN, F. E GRELAUD, L. “Le Mouvement des Universités populaires.” Le Mouvement Social, 35
(Abril-Junho 1961), pp. 3-29.

12. Na Carta de Amiens de 1906. Ver: In the 1906 Charter of Amiens. Ver: RIDLEY, F. F. Revolutionary Syndicalism
in France. Cambridge, 1968.

13. MAUCLAIR, Camille. “La réaction nationaliste en art,” La Revue (15 de janeiro, 1905), pp. 151- 74.

14. Henri-Martin (sic), L’Action Intellectuelle: Notations d’Esthetique, Paris, 1908, p. 18.

15. Ibidem.

16. Poeme et Drame, 1 (Outubro 1912).

17. Ibidem, 1:4 (Maio 1913) pp. 13-14.

18. RAYMOND, Marcel. De Baudelaire au Surrealisme. Paris, 1933; BREUNIG, Leroy C. “The Chronology of
Apollinaire’s Alcools,” Publication of the Modern Language Society, 67 (Dezembro 1952) pp. 907-26; DÉCAUDIN,
Michel. La Crise des Valeurs Symbolistes, Toulouse, 1960.

19. GIDE, Andre. “Contre Mallarmé.” La Nouvelle Revue Francaise, 1 (Fevereiro 1909), pp. 96-8.

20. BILLY, André. L’Epoque Contemporaine. Paris, 1956, p. 133.

21. WARNOD, André. Les Berceaux de la Jeune Peinture. Paris, 1950, pp. 23-24, 165. Sobre o caráter cultural de
Montmartre na época, ver também: SALMON, André. Souvenirs Sans Fin (1): L’Air de La Butte. Paris, 1945; WARNOD,
Jeanine. Le Bateau-Lavoir, 1892-1914. Paris, 1975.

22. Sobre a Société de la Peau de l’Ours, ver: LEVEL, André. Souvenirs d’un Collectionneur. Paris, 1959;
HABASQUE, Guy. “Quand on vendait La Peau de l’Ours,” L’Oeil (Março 1956). Sobre o mercado artístico parisiense
no pré-guerra, ver: GEE, Malcolm. “Dealers, Critics, and Collectors of Modern Painting: Aspects of the Parisian Art
Market, 1910-30” (Dissertação de mestrado, London University, 1977); COTTINGTON (op. cit. nº 6), cap. 3.

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23. UHDE, Wilhelm. Von Bismarck bis Picasso. Zurique, 1938, pp. 127-28.

24. Ibidem.

25. STEIN, Leo. Appreciation. Nova York, 1947, pp. 166-69.

26. BERTHIER, F. “La Collection Roger Dutilleul,” (tese, Sorbonne, 1977) p. 23. Para Level (op. Cit. nº 22), p. 18,
Mortmartre era, nesse período, “o centro inconteste para os artistas”.

27. UHDE, Wilhelm,, “Le Collectionneur,” Style en France 5:2 (Janeiro-Março 1947), p. 62.

28. LEVEL, Andre. Prefácio ao catálogo de vendas. Collection de la “Peau de l’Ours”. Paris: Hotel Drouot, 1914.

29. LEVEL (op. cit. nº 22), p. 71.

30. Ibidem, p. 23.

31. DAIX, in DAIX e ROSSELET (op. cit. nº 1), p. 67; OLIVIER, Fernande. Picasso and His Friends. Londres, 1964,
p. 116. A primeira aquisição cubista de Dutilleul junto a Kahnweiler foi feita em novembro de 1908; a Casa entre
árvores de Braque, uma obra do verão do mesmo ano, exposta na galeria de Kahnweiler, nº 13. Ele pagou 100 francos
por ela. Doação Masurel. Paris: Musée du Luxembourg, 1980, p. 58.

32. OLIVIER (op. cit. nº 31), p. 135.

33. EAGLETON, Terry. Criticism and Ideology. Londres, 1976, p. 48.

34. DAIX e ROSSELET (op. cit. nº 1), Cat. 430 e 356.

35. De Magie, de Mallarmé, 1893; citado por KAHNWEILER, Daniel-Henry. “Mallarmé et la Peinture”. Les Lettres
3:3, Paris, 1948.

36. Ver: DAIX e ROSSELET (op. cit. nº 1), pp. 287-95, Cat. 513, 517, 523-30, 532-39, 542-54. É possível que
mais de quatorze sejam a respeito do conflito balcânico; parte dos textos nas reproduções de Baix et Rosselet estão
ilegíveis. Ao compará-las com cópias dos jornais do período, pude confirmar, com poucas exceções, as deduções de
Daix sobre a datação baseadas em indícios internos dos recortes. Sobre a reação ao conflito nos Bálcãs, ver: WEBER
(op. cit. nº 7); e CARROLL, E. Malcolm. French Public Opinion and Foreign Affairs, 1870-1914. Londres, 1931, cap. XII.

37. DAIX e ROSSELET (op. cit. nº 1), Cat. 523. Daix afirma que a escolha deste último item por Picasso “foi
provavelmente intencional”, p. 289.

38. Ibidem, p. 128. Daix argumenta que “os jornais eram usados muito rapidamente depois que Picasso os
recebia. A ordem das datas corresponde a uma ordem estilística lógica”, p. 188.

*(N.T.) A tradução do trocadilho “Coup de thé” seria, mais exatamente, “gole de chá”; além disso, a palavra francesa
coupe significa “taça, cálice”, mas dificilmente “xícara”, como sugerido pelo autor.

39. Ibidem, Cat. 542. A manchete “UN COUP DE THEATRE” (desdobramentos imprevistos) se refere à guerra
dos Bálcãs; Picasso manteve no recorte o subtítulo “La Bulgarie, la Serbie, le Montenegro sign[ent],” de forma que,
mesmo o trocadilho estando na posição principal, a referência à Guerra dos Bálcãs (especificamente, o armistício)
permanece clara. Sobre o trocadilho descrito acima, ver também: ROSENBLUM (op. cit. nº 2), p. 52.

40. DAIX e ROSSELET (op. cit. nº 1), Cat. 513. O recorte vem do Le Journal de 18 de novembro, 1912, e não,
como afirma Daix, de 10 de novembro. Picasso cortou ao meio uma manchete à esquerda, que dizia “Aux portes
de Constantinople/un cortege/de cholériques,” mantendo apenas “Constantinople,” o que inegavelmente entrega a
referência aos Bálcãs. Sobre o trocadilho e as associações em torno de “Le Jou[rnal],” ver: ROSENBLUM (op. cit. nº
2), p. 51. “La bataille s’est engagée” pode ser, dentre outros significados, uma referência ao desafio apresentado (e
claramente entendido como tal por Picasso) pelo Salon de la Section d’Or.

41. DAIX e ROSSELET (op. cit. nº 1), Cat. 554.

42. Ibidem, Cat. 551 and 552. A seção de Economia do Le Journal de 8 de dezembro de 1912 saiu na página sete,
ao passo que o item sobre a sífilis saiu na página cinco.

43. WILLIAMS, Raymond. The Country and the City. Londres, 1973, p. 294.

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44. Para uma visão geral sobre a última dessas relações, ver: LAURENT, Jeanne. Arts et Pouvoirs em France de
1793 a 1981: Histoire d’une Démission artistique. St. Etienne, 1982.

45. Ver: REBERIOUX, Madeleine. “Avant-garde esthétique et avant-garde politique: Le socialisme français entre
1890 et 1914.” In: Esthetique et Marxisme. Paris, 1974; e COTTINGTON (op. cit. nº 6), cap. 10.

46. Para um estudo sobre esse debate, em particular a contribuição de Julia Kristeva, ver: BURNISTON, Steven,
e WEEDON, Christopher. “Ideology, Subjectivity, and the Artistic Text.” In: On Ideology. Birmingham (UK): Centre for
Contemporary Cultural Studies, 1983.

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