Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Este artigo introduz algumas análises reflexivas a cerca da tragédia grega, não somente
como uma forma de representação do mito, de imitação ou puramente encenação, mas
como um modo de purificação, de Katarsi, e de “aceitação da vida de forma entusiasta”,
buscando em sua gênese e em seu conteúdo os ritos religiosos que a permeavam.
Refletindo a partir da visão do trágico em Nietzsche, apreciando o desfecho e o
desenrolar da encenação grega como uma aceitação, que não significava submissão ao
destino, mas uma aceitação também da vida, sem rancor ou temor do fado. Para isso se
faz necessário o estudo da sua origem nos cultos a Dioniso, o conhecimento dos seus
principais autores e a relação do povo grego com a tragédia numa análise para além da
efêmera aparência da encenação.
Abstract
This article introduces some reflective analysis about of Greek tragedy, not only as a
form of representation of the myth, of imitation or theatrics, but purely as a way of
purification, Katarsi, and "acceptance of life enthusiastically", seeking in its genesis and
the contents within the religious rites that permeated. Reflecting from the tragic vision
in Nietzsche, enjoying the outcome and the course of the Greek scenario as an
acceptance, that did not mean submission to fate, but also acceptance of life, without
resentment or fear of fade. For this it is necessary the study of their origin in the cults of
Dionysus, the knowledge of its main authors and the relation of the Greek people with
the tragedy on an analysis beyond the fleeting appearance of the Act.
1
Daiana Lima Raposo 2013015588: acadêmica do 2º período do curso de História Licenciatura da UFMA
1.Introdução
Este artigo tem por finalidade levar a uma reflexão sobre diversos aspectos da
tragédia grega enquanto parte da cultura. Nascendo a tragédia do culto a Dioniso (deus
do entusiasmo e do êxtase) sua constituição encontra-se entrelaçada ao mito e as
relações dos homens com os deuses, com a sociedade e suas normas de conduta, e
também deste com a moira, o destino. A figura do ator se faz presente na tragédia de
forma essencial, ele realiza as ações, ou melhor, as imitações de determinado fato,
sendo este um personagem da trama. Apesar de ser a tragédia permeada pela imitação e
a imitação, segundo Platão, faz parte do plano material e sensível, desse modo afastando
o homem da verdade, a tragédia tem o caráter de causar deleite, entusiasmo e prazer,
segundo Aristóteles, causando assim compreensão e purificação por meio da dor. O que
nos pode causar espanto e ao mesmo tempo parecer contraditório se julgarmos a visão
de Aristóteles utilizando o conceito e a visão contemporânea de “tragédia”. Mas os
gregos aceitavam a tragédia, o terror e o sofrimento que eram transmitidos por meio dos
personagens funcionavam como uma katarsi ao público, uma purificação, a tragédia não
era um mero entretenimento, não era simplesmente uma distração, esta era parte
significante da cultura e dos rituais religiosos. Os gregos possuíam grande sensibilidade
à dor, negar o sofrimento seria negar a própria vida, o relacionamento do homem com o
sofrimento mediado pela arte o tornaria suportável, aceitável, e até mesmo prazeroso, é
aí então que vemos quão necessária se faz a tragédia enquanto “arte da vida” para o
povo grego.
2
O primeiro Dioniso foi Zagreu, que foi devorado pelos titãs a mando da ciumenta Hera, já que este era
o filho preferido de Zeus, fruto de sua união com Perséfone (filha de Demeter). Este sofreu as mais
diversas provações por conta do ciúme de sua madrasta. Ao ser devorado pelos titãs sobrou-lhe apenas
o coração, que foi salvo pelo seu pai e, usado para fecundar a princesa Sêmele. O Dioniso nascido dessa
união foi criado pelas Ninfas e pelos Sátiros no monte Nisa.
vertiginosamente, ao som dos címbalos. Embriagados ao delírio báquico, todos caíam
por terra desfalecidos.”(BRANDÃO, 1985, p.10) Assim festejava-se a festa do vinho
novo, em que os participantes repetiam as ações de Baco e seus companheiros. Podemos
conferir a origem do nome tragédia – de tragoidía= trágos, bode + oidé, canto – a esse
momento, já que os praticantes eram disfarçados em sátiros, homens-bodes. Nesses
rituais eram realizados vários cânticos e poesias, danças e músicas em forma de um
drama satírico, que procuravam expressar os transes dionisíacos, o ditirambo3. Ocorre
nos séculos VII e VI a.C uma evolução ditirambo, de maneira a tornasse uma
competição literária, a tragédia surge então de forma mais consistente nesse momento.
O culto a Dioniso em muito se difere dos cultos das demais divindades, pois
enquanto estes tinham um caráter cívico, de integrar o praticante do rito a comunidade
ao qual faziam parte, e distinguir o lugar do deus e do humano, tendo a potência
sobrenatural como algo a que se pode ligar-se mais nunca superar ou unir-se; já nos
cultos a Dioniso, apesar de manter-se o caráter cívico, a divindade (Dioniso) era
assimilada aos praticantes, as atmosferas do real e do fantástico chegavam a confundir-
se.
3
Hino sacro em que um coro cantava e dançava em torno de uma estátua de Dioniso. Era executado
como um canto coral, constituído de uma parte narrativa, recitada pelo cantor principal, ou corifeu, e de
outra propriamente coral, executada por personagens vestidos de faunos e sátiros, considerados
companheiros do deus Dionísio, em honra do qual se prestava essa homenagem ritualística.
A política estabelecida por Pisístrato4 buscava um nivelamento entre as classes
sociais existentes da época e uma concórdia entre os cultos aos deuses. Foi a partir dele
que “em Atenas se celebraram quatro grandes festas em honra do deus do vinho:
Dionísias Rurais5, Lenéias6, Dionísias Urbanas7 ou Grandes Dionísias e Antestérias8”
(BRANDÃO, 2008, P.126).
3. Despi-se do individual
4
Governador e tirano grego de Atenas (561-556 a. C./546-527 a. C.). Promoveu o comércio e as artes e
foi o fundador das Palatenéis e das Grandes Dionisíacas, esforçou-se para emprestar esplendor a essas
festividades públicas. (BERTHOLD, 2008, p.104)
5
Celebravam-se no mês de Posídeon, o que corresponde mais ou menos, e segunda metade de
dezembro. São as mais antigas das festas áticas a Dioniso, mas pouco se sabem, até o momento, a
respeito das mesmas.(BRANDÃO, 2008, p.126)
6
Eram celebradas em pleno inverno, no mês Gamélion, correspondentes aos fins de janeiro e inícios de
fevereiro[...].(BRANDÃO, 2008, p.127)
7
Celebravam-se na primavera, no mês Elafebólion, fins de março, e a elas acorriam todo o mundo grego
e embaixadores estrangeiros. Durantes seis dias. (BRANDÃO, 2008, p.127-128)
8
A quarta grande festa dionisíaca e a mais antiga delas, [...] Anthestéria, isto é, a “festa das flores”, que
se celebravam nos dias 11, 12 e 13 do mês Antestérion, fins de fevereiro, inícios de março. Trata-se,
como o próprio nome expressa, de uma festa primaveril, em que se aguardava, portanto, a nova
brotação, o rejuvenescimento da natureza. (BRANDÃO, 2008, p.133)
cegando-lhe a razão (áte), os levando a sua Moira. É necessário à tragédia que seja
ultrapassado o Métron, é necessário que o “eu” seja suprimido e superado, para que o
“Uno primordial” possa eclodir.
Suas tragédias não estão centradas essencialmente nos conflitos humanos, sendo
muitas vezes um herói seu personagem central, havendo um conflito entre forças
opostas e, ao mesmo tempo a busca de uma conciliação entre estas. A moira rege a vida
de seus personagens e o desenrolar de sua trama, o destino é algo absolutamente
inevitável e, todas as “escolhas” tomadas pelo personagem culminam no que já estava
pré-destinado. Geralmente a desgraça do personagem se dá porque este desafia a ordem
cosmológica, a ordem dos deuses, ou até mesmo uma ordem social.
“Eis aí a ideia, a filosofia básica do teatro esquiliano: a moira, a
fatalidade cega, esmaga o homem, mas esse mesmo homem tem uma
parcela grande de responsabilidade em sua própria tragédia, uma vez
que ultrapassou o métron: é, ao menos, uma ponta do véu da Dìke, da
Justiça, que o trágico de Elêusis, procura levantar.” (BRANDÃO,
1985, p.18)
Mesmo que de forma sutil, ele nega os deuses, pois em sua tragédia. Em sua
principal obra (considero eu): Medéia, ele nos apresenta uma mulher forte e não
submissa – que se difere totalmente dos modelos femininos de sua época – suas
principais protagonistas são mulheres, mostrando uma certa valorização das mulheres
em sua obra. Ele é responsável por suprimir o coro, Nietzsche considera que quando o
coro é extinto da tragédia, esta perde seu real sentido: o fim do coro é também o fim da
tragédia. Então podemos considerar a partir de uma visão nitzschiana que há um
declínio da tragédia grega com as obras de Eurípides.
9
Catarse, Katarsi, significa na linguagem médica grega, de que se originou, purgação, purificação.
(BRANDÃO, 1985, p. 13)
10
Epopeia é um conjunto de acontecimentos históricos narrados em verso e que podem não
representar os acontecimentos com fidelidade, porém, apresenta fatos com relevante conceito moral e
atos heroicos, por exemplo, transcorridos durante guerras, ou relativo a fenômenos históricos, lendários
ou míticos e que são representantes de uma determinada cultura. Epopeia também é chamada de
poesia lírica, poesia épica ou poesia heroica, sendo esta designação de origem grega e onde são
narrados feitos históricos, que podem ser de um indivíduo ou de vários, fatos reais, lendários ou
mitológicos, caracterizados por ações titânicas, no enfrentamento de obstáculos sobrenaturais e por
elevados ideais. A epopeia eterniza lendas e tradições ancestrais que são preservadas através dos
tempos pela tradição escrita ou oral. (disponível em: http://www.significados.com.br/epopeia/)
O sofrimento demonstrado na tragédia não é próprio de quem o assiste, o
espectador não vive verdadeiramente esses sentimentos – nem os atores o vivem num
sentido literal – o sofrimento pertence ao personagem, assim sendo é muito mais fácil
contemplar e obter algum tipo de prazer advindo de tais sentimentos. O sofrimento
próprio da condição humana passa pela “maquiagem” da dramaturgia, o espectador
ainda assim se identifica com o personagem, porque sabe que aquele sofrimento –
embora não seja real – pode ser seu, ele é suscetível ao sofrimento e as incertezas do
destino. Esses sentimentos são incorporados pelo público e pelos atores, tornando-se
parte destes, o com o sacrifício do “herói trágico” o espectador além de sentir-se
purificado, senti-se perdoado por suas falhas.
Uma força complementa a outra – mesmo estando sempre em constantes conflitos – até
chegarem por fim a construção do drama. Nietzsche compreende a tragédia grega como
um coro dionisíaco que se transborda num mundo apolíneo de imagens.
11
Quando Nietzsche fala em visão homérica ele refere-se à construção de uma visão fantástica, que se
reflete na literária de Homero sobre a guerra entre Grécia e Tróia em sua obra Ilíada, uma guerra que
poderia ser tratada como algo totalmente penoso, porém é demonstrada na literatura como um
“espetáculo”. A visão de Homero é a representação de um sonho Ideal segundo Nietzsche, sua poesia é
muito mais aplicável no plano visual, pois sua descrição é inteiramente nítida. Tornado-se, desse modo,
representação da força apolínea.
O mito trágico transmitido pela tragédia gera um prazer só comparável à
embriaguez advinda do ritual durante o culto a Dioniso. Os gregos são artistas da vida,
não negaram a dor, pelo contrário, a aceita em toda a sua plenitude, pois negar a dor
seria negar a própria vida. A tragédia grega é na verdade uma bela exaltação da vida,
quando o individual é suprimido diante do coro é como se a unidade que nascesse a
partir desse momento se tornasse a própria vida em caráter indestrutível. Assim a visão
do trágico não é algo que deve ser repelida, mas aceita e transformada.
Conclusão
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. 4ª. ed. São Paulo: Perspectiva,
2008.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega, volume II. 17ª. ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 2008.
TANNER, Michael. Nietzsche. trad. Luiz Paulo Rouanet. 1ª ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2004.