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DEUS É “EX-LEX”: Explicado e defendido contra falácias

Daniel Gomide da Silva1

RESUMO

Este artigo tem como objetivo explicar o argumento de que Deus é “Ex-Lex” conforme
apresentado na teodicéia calvinista do filósofo cristão Gordon H. Clark e apresentar uma defesa
contra recentes espantalhos e falácias, demonstrando sua base bíblica. Na primeira seção
discutiremos a relação entre a vontade e a essência divina na perspectiva do Dr. Clark. Na
segunda seção buscaremos esclarecer o contexto e a definição da expressão Deus é Ex-Lex. Na
terceira seção lidaremos brevemente com a crítica de John Frame. A quarta seção lida com a
definição de voluntarismo. E a última seção procura esclarecer a Teoria do Comando Divino
endossada pelo Dr. Clark.
Palavras-Chave: Teoria do Comando Divino Não-Voluntarista; Voluntarismo; Soberania Divina.

ABSTRACT

This article aims to explain the argument that God is "Ex-Lex" as presented in the Calvinist
theodicy of Christian philosopher Gordon H. Clark and present a defense against recent
scarecrows and fallacies, demonstrating their biblical basis. In the first section we will discuss
the relationship between the will and the divine essence in Dr. Clark's perspective. In the second
section we will seek to clarify the context and definition of the expression God is Ex-Lex. In the
third section we will deal briefly with John Frame's criticism. The fourth section deals with the
definition of voluntarism. And the last section seeks to clarify the Divine Command Theory
endorsed by Dr. Clark.

Keywords: Non-Voluntarist Divine Command Theory; Voluntarism; Divine Sovereignty.

INTRODUÇÃO

A ascensão do humanismo tem íntima relação com a absolutização da ética. A título de


exemplo recomenda-se a análise feita por Jean-Marc Berthoud em Uma Religião sem Deus: Os
direitos humanos e a Palavra de Deus. No primeiro capítulo Berthoud mostra a insuficiência da
obra de Michel Villey, que ignora a “importância essencial, para o exercício concreto da justiça,
da lei divina transcendente [...]” (BERTHOUD, 2018, p. 27). De acordo com Berthoud, o
modelo de Villey é “marcado pelo método sociológico realista de Aristóteles”. E continua
dizendo que: “No século XIII, o método foi recuperado por Tomás de Aquino que, segundo

1
Bacharel em Teologia Reformada pela Sociedade de Estudos Bíblicos Interdisciplinares - SEBI.
Villey, sob a influência de Aristóteles e do direito romano e para a prática verdadeira do direito,
teria restabelecido a necessária autonomia em relação à revelação” (BERTHOUD, 2018, p. 27-
28). Essa dissociação da lei divina como referência para alcançar a justiça e definir a ética e a
transferência de foco para o direito natural é um dos fatores, de acordo com Berthoud, que
contribui para a secularização do direito.

Conforme Berthoud explicita nessa obra, há um vínculo indissociável entre ética e


política. E o processo de secularização envolve a absolutização da ética sem referência ao
Criador e à Lei divina. Em uma análise semelhante, o filósofo contemporâneo Charles Taylor, ao
perguntar-se o que significa viver em uma era secular, arrazoa que uma das caracterizações da
secularidade tem relação com as instituições e práticas comuns do mundo moderno enquanto
desagregadas de Deus ou de uma ordem transcendente. Ele alega que “nas nossas sociedades
‘seculares’, podemos envolver-nos totalmente na política sem nunca encontrar Deus, isto é, sem
nunca chegar a um ponto em que a importância crucial do Deus de Abraão para toda essa
empresa é entendida de forma imposta e inequívoca” (TAYLOR, 2012, p. 13).
Se a análise de Berthoud e de Taylor não nos permite concluir que a crença em Deus
seja condição necessária para viver uma vida decente, a análise do primeiro permite ao menos
concluir que não podemos ter um entendimento coerente da moralidade sem referência a Deus:
“A lei de Deus define, de maneira exata e detalhada, a diferença entre o bem e o mal. É em
consequência dessa lei, e só dela, que a atitude em relação ao bem e ao mal deve ser
determinada” (BERTHOUD, 2018, p. 62).
No entanto, a lei divina cada vez mais é compelida para um ponto limítrofe enquanto o
escopo central nos assuntos éticos é colocado sob o frágil fundamento da razão autônoma.
Murray Rothbard (1926 – 1995), economista, historiador e filósofo político, traça sua abordagem
no âmbito da ética alicerçado em seus estudos da filosofia aristotélica e tomista. Ele afirma que:
A tradição tomista, ao contrário, era precisamente o oposto: defende uma
filosofia independente da teologia e proclama a capacidade da razão humana de
compreender e alcançar as leis da ordem natural, sejam físicas ou éticas [...] A
afirmação de uma lei natural absolutamente independente da questão da
existência de Deus havia sido sustentada por São Tomás de Aquino de um
modo mais implícito que explícito; mas como tantas implicações do tomismo,
ela foi revelada por Suarez e outros escolásticos espanhóis brilhantes do fim do
século XVI. O jesuíta Suarez indicou que muitos escolásticos tomaram a
posição de que a lei ética natural, a lei que define o que é bom e mau para o
homem, não depende da vontade de Deus (ROTHBARD, 2010, p. 58).
Dessa forma, enquanto se presume a capacidade da razão autônoma para descobrir por
si só a distinção entre o bem e o mal, a ética assume o primeiro plano e a vontade divina passa a
ser, senão irrelevante, ao menos indiferente quanto aos assuntos éticos e políticos. E conforme a
análise de Taylor, essa é pelo menos uma das caracterizações da secularidade. Já foi mencionado
também o estudo de Berthoud cuja conclusão é similar. Contudo, a relação entre a absolutização
da ética e a consequente secularização não é uma hipótese isolada de Berthoud. Já na década de
60 o Dr. Gordon Haddon Clark (1902-1985), filósofo calvinista, havia esboçado discernimento
do tópico nessa mesma direção. Em sua obra intitulada Religion, Reason and Revelation ele
escreveu:
Ninguém com qualquer formação cristã iria, suponho, querer depreciar a
moralidade. No entanto, é bem possível exagerar sua importância e então
entender mal o seu lugar relativo na filosofia, que não só pode resultar em
confusão moral como também teórica. Essa ênfase excessiva na moralidade,
assim parece, é uma importante causa contributiva na ascensão do modernismo
(CLARK, 2012a).

Quando Clark faz alusão ao locus da ética na filosofia ele não pretende dizer que o
assunto é meramente técnico. Desde que a cosmovisão é inevitável, mesmo aqueles que
enfatizam a prática em detrimento da teoria adotam a teoria de que a prática deve preceder a
teoria. Dessa forma, todos tem uma visão de mundo, uma filosofia, e é possível que a ética
esteja deslocada de seu locus adequado em sua filosofia.
Os principais exemplos que Clark usa para clarificar a questão vem de Platão e do
filósofo alemão Immanuel Kant.
No diálogo Eutífron Platão, utilizando-se de Sócrates como personagem, levanta uma
questão cuja importância não ficou restrita à filosofia, mas foi discutida amplamente na teologia.
Assim foi colocada a questão: “Dentro em breve, amigo, compreenderemos melhor; ora, pensa
nisto. Então, a piedade é amada pelos deuses porque é piedade, ou é piedade porque é amada
pelos deuses?”.
A conclusão de Platão é que a piedade é amada pelos deuses porque é piedade, mas não
é piedade porque a amam. A resposta de Platão está em consonância com a Teoria das Formas
ou com o Mundo das Ideias, como também é designada a teoria platônica.
Platão concebe um Mundo das Ideias que existe de forma independente. Ou, conforme a
expressão usada no diálogo Fédon, essas ideias ou essências são “existentes por si mesmas”
(PLATÃO, 2013, p. 143). Assim, a ideia de Bom, de Belo, de Justiça, de Amor, e assim por
diante, constituem um Mundo das Ideias autoexistente e independente. No Timeu, Platão
descreve a formação do mundo físico como o empreendimento de uma atividade mimética da
divindade (Demiurgo) cujo plano de operação depende do arquétipo autoexistente, isto é, um
modelo inteligível externo em relação à divindade: “Deste modo, o demiurgo põe os olhos no
que é imutável e que utiliza como arquétipo, quando dá a forma e as propriedades ao que cria”
(PLATÃO, 2011, p. 94).
A implicação do dilema de Eutífron é resumida da seguinte maneira: “[...] segundo
Platão, deus, o artífice do céu e da terra, não é soberano; acima do demiurgo está um Mundo de
Ideias imutável ao qual até deus deve se submeter” (CLARK, 2018a, p. 141). E após explicar a
teoria dos mundos possíveis de Leibniz, na qual Deus “escolhe o melhor esquema no momento
da criação”, ele acrescenta: “Isso segue exatamente Platão, que em seu Eutífron afirma que o
bem não é bom porque Deus o aprova, mas Deus aprova o bem porque este é antecedente e
independentemente bom” (CLARK, 2018a, p. 141).
Para o Dr. Clark, se a aplicação do método indutivo utilizado por Platão no Eutífron
fosse consistente ele teria chegado a uma conclusão oposta. Seja como for, no esquema platônico
a divindade precisa se submeter a um padrão externo independente e autoexistente.
O próximo exemplo de deslocamento da ética de seu locus no sistema é proveniente do
formalismo lógico de Immanuel Kant. O Dr. Clark descreve sucintamente a visão de Kant: “Com
seu imperativo categórico, ele esperava distinguir entre um ato moral e um imoral por uma
análise puramente lógica da máxima do ato” (CLARK, 2012a). Assim Kant acreditava que a
teologia não pode “servir de base para a ética” (CLARK, 2012a).
Embora esse resumo de Kant não exponha os detalhes intrincados de sua ética, ele serve
para o presente propósito, isto é, apontar os exemplos utilizados por Clark para mostrar como o
locus da ética pode ser mal compreendido.
Além disso, a discussão precedente fornece um pano de fundo para a correta
compreensão da expressão “Deus é Ex Lex” inserida na teodicéia calvinista do Dr. Clark. Vale
ressaltar que o foco desse artigo é a explicação e a defesa dessa expressão e não propriamente
fornecer um estudo sobre a teodicéia do autor supracitado.2

1. VONTADE E ESSÊNCIA DIVINA

De acordo com o Dr. Clark, a “solução” platônica para o dilema de Eutífron é


incompatível com o cristianismo. Na visão cristã, “justiça ou retidão não é um padrão externo a
Deus, ao qual ele está obrigado a se submeter” (CLARK, 2014, p. 81). Aqui o Dr. Clark faz
alusão ao demiurgo platônico para quem a Justiça residia em um Mundo Inteligível independente
dele. O Deus do cristianismo não se submete a um mundo inteligível independente Dele. Na

2
Veja: ARAÚJO NETO, Felipe Sabino de. Teodiceia calvinista: a resposta de Gordon Clark ao problema do mal.
Brasília: [s.n.], 2015. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade de Brasília.
realidade, apenas o Deus cristão é autoexistente e independente. Tudo o mais depende Dele!
Em virtude disso, a vontade de Deus não é determinada por uma lei superior e
independente Dele mesmo. A vontade de Deus é autodeterminada. Além disso, o Ser de Deus
não é anterior a Sua própria vontade, como se Deus fosse composto por um Ser e uma vontade
consequente determinada por esse Ser. Vontade e Ser coincidem em Deus. É por isso que o Dr.
Clark alegou que Duns Scotus3 precisava abandonar a distinção formal entre intelecto e vontade
em Deus. Ele escreveu: “De fato, as características de infinidade, onipotência e liberdade que
Duns Scoto enfatizou, deveriam tê-lo levado a negar a distinção entre intelecto e vontade, em
Deus, e a se aproximar da posição de que Deus é vontade” (CLARK, 2012b, p. 243). Em outras
palavras, embora Clark utilize os termos vontade e intelecto, ele considera ambos
indistinguíveis: “O resultado disso é que o autoconhecimento e o autodesejo de Deus se tornam
indistinguíveis” (CLARK, 2012b, p. 244). Isso serve de alerta aos que, equivocadamente,
confundem o Dr. Clark com um voluntarista. Em seu artigo Faith and Reason, o Dr. Clark
declara que: “Intelecto e vontade não são duas ‘faculdades’ separadas; em vez disso, eles se
interpenetram em um único estado mental que é difícil e talvez impossível não apenas separá-los
no tempo, mas até mesmo em definição” (CLARK, 2015a). Ele aplica igualmente essa visão em
sua teoria da personalidade: “A Bíblia não sugere uma psicologia das faculdades. Embora
discussões como essas dificilmente possam evitar usar a palavra intelecto, deixemos claro que
não há nenhum ‘intelecto’; há atos intelectuais; não há ‘emoções’; há oscilações flutuantes de
temor, ira, tristeza e exaltação. Similarmente, não há nenhuma ‘vontade’, nenhum ‘id’, nenhum
‘superego’; mas uma pessoa unitária” (CLARK, 2018b).
Levando em consideração a tendência do ser humano para distorcer aquilo que não
compreende, esclarecemos que o Dr. Clark não nega a existência de atos volitivos e intelectivos
na mente. O que ele está contrapondo aqui é uma teoria das faculdades que compromete a
unidade da pessoa. E isso não é diferente em relação ao próprio Deus. Tendo em vista a
simplicidade do ser de Deus, quando falamos da vontade ou do intelecto divino isso não equivale
ao endosso de uma teoria das faculdades mentais. E é por rejeitar uma psicologia das faculdades
que o Dr. Clark não pode ser considerado um voluntarista, pois como foi visto, ele entende que o
autoconhecimento (intelecto) e o autodesejo (vontade) de Deus se tornam indistinguíveis. Deus
não deseja a si mesmo e conhece a si mesmo em atos distintos. O conhecimento de Deus não é
progressivo. Conforme o Dr. Clark expõe, “Seu conhecimento é eterno. Tal conhecimento
imediato e ininterrupto foi frequentemente designado como intuitivo. Deus vê todas as coisas de
3
Também é usualmente chamado de Duns Escoto ou Duns Scot. Utilizaremos Duns Scotus no corpo do texto,
exceto nas referências.
relance, por assim dizer. Ele não aprende. Ele nunca foi ignorante, e ele nunca pode vir a saber
mais” (CLARK, 2015b).
Assim também a vontade de Deus não é uma operação sucessiva subsequente ao
conhecimento de Deus, como se Deus fosse um ser temporal. Deus não conhece primeiro e só
então deseja; ou, contrariamente, Deus não deseja primeiro e só então conhece. Assim como Seu
conhecimento, Sua vontade é eterna.
Essa noção de que a vontade de Deus não pode ser dissociada da natureza de Deus foi
exposta pelo Dr. Clark em uma carta direcionada a J. Oliver Buswell. Ao escrever que, no ser
humano, a atividade do intelecto parece envolver volição e que isso parece confirmar que
intelecto e vontade se interpenetram, o Dr. Clark continua dizendo que:
No caso de Deus, a simplicidade de sua realidade deveria favorecer ainda
mais essa identificação, em vez de um desenvolvimento da psicologia da
faculdade divina. Se uma visão como essa puder ser trabalhada em detalhes, o
resultado pode ser que a natureza de Deus é sua vontade e a pergunta original,
se não for respondida, pode ser, até esse ponto, esclarecida. Seria então possível
falar da natureza da vontade de Deus, mas não mais de uma "natureza"
independente e distinta da vontade de Deus. Isso me atrai porque Deus é um
Deus vivo, não um axioma plotínico ou espinosista (CLARK, 2017, ênfase no
original).

Como pode ser observado nessa citação, o Dr. Clark acreditava que a doutrina da
simplicidade divina implica que não podemos conceber um Deus composto. E isso se aplica à
vontade divina de forma que não poderíamos mais falar de “uma ‘natureza’ independente e
distinta da vontade de Deus”. Em outras palavras, a vontade de Deus não poderia ser considerada
algo a parte da essência divina. A simplicidade divina também foi asseverada quando o Dr. Clark
se debruçou sobre a teologia de Anselmo, especificamente na questão dos atributos divinos:
Ele [Deus] é vivo, justo, sábio, poderoso e eterno. Ao mesmo tempo, Anselmo
foi cuidadoso em indicar que Deus não é sábio ou justo por causa da
participação em uma Ideia superior. O próprio Deus é justiça. Isso é o que ele é.
À medida que essa linha de raciocínio é aplicada a todos os atributos, por meio
deles, nós sabemos não apenas que tipo de ser Deus é, mas o que Deus é [...]
Uma vez que Deus é um, sem qualquer composição, Justiça é Vida, Poder é
Eternidade, e todos os atributos são os mesmos. Obviamente, se Justiça é da
essência de Deus, e se a essência de Deus é Poder, Justiça e Poder são atributos
idênticos. Cada atributo exaure cada um dos outros, “porque qualquer que seja a
essencialidade de Deus, isso é o que ele é” (CLARK, 2012b, p. 218).

Reforçamos, pois, que, de acordo com o Dr. Clark, a simplicidade do ser divino impede
que se postule que a vontade de Deus seja algo dissociado de sua natureza. E sendo esse o caso, a
vontade de Deus é indissociável de Sua Justiça, o que seria outra forma de dizer que a vontade
divina é indissociável de Sua natureza. Por outro lado, falar da vontade de Deus sendo
determinada antecipadamente por sua natureza é dissociar a natureza e a vontade de Deus, sendo,
nesse caso, a vontade divina antecipada pela natureza divina. E isso, por sua vez, resulta em uma
negação da simplicidade divina. Para colocar em outros termos, falar de algo anterior à vontade
divina é supor que a natureza de Deus consiste em partes, sendo sua natureza uma parte
antecedente e sua vontade uma parte consequente. Mas para enfatizar mais uma vez, o Dr. Clark
nega essa separação entre a vontade e a natureza divina.

2. DEUS É “EX LEX”: A AFIRMAÇÃO DA SOBERANIA DIVINA


As seções precedentes apresentaram brevemente o pano de fundo filosófico do tema em
pauta e um resumo da teologia sustentada pelo Dr. Clark. Isso nos permite retomar a expressão
“Deus é Ex Lex” com o propósito de explicar de modo claro e inequívoco o seu significado.
A expressão foi utilizada pelo Dr. Clark em sua discussão sobre o decreto divino. Para
ser mais exato, o Dr. Clark estava defendendo o determinismo calvinista contra as objeções mais
frequentes. E a questão que ele enfrentava pode ser descrita nestes termos: se Deus decreta o
pecado, isso não faz Dele o autor do pecado? Sendo pastor presbiteriano confessional, o Dr.
Clark se utiliza da distinção contida na Confissão de Fé de Westminster entre causa primária e
causa secundária para responder a questão. Deus é a causa primária ou a causa suprema de todas
as coisas. Mas a causalidade divina não elimina as causas secundárias. Por causa secundária o
Dr. Clark quer expressar a causa imediata de um evento, ação, etc. Ele explica, então, que o
termo “autoria” é um tipo de causa, mas não o único tipo. O autor seria a causa imediata do
evento ou da ação. Assim, embora Deus seja a causa suprema ou a causa primária de todas as
coisas, Ele não é o autor do pecado. O Dr. Clark assevera: “O pecador, portanto, e não Deus, é
que é responsável; o pecador por si só é o autor do pecado” (CLARK, 2014, p. 83). Para dizer de
outro modo, Deus é a causa suprema do pecado, mas o pecador é a causa imediata, isto é, o
autor.
No entanto, o oponente do determinismo calvinista pode insistir, se Deus é a causa
primária do pecado isso não torna Ele um ser pecaminoso? Aqui incluímos a resposta mais
extensa do Dr. Clark:
Deus não é responsável nem pecaminoso, embora seja a única causa suprema de
tudo. Ele não é pecaminoso porque, em primeiro lugar, tudo quanto Deus faz é
justo e reto. É justo e reto simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz.
Justiça ou retidão não é um padrão externo a Deus, ao qual ele está obrigado a
se submeter. Retidão é aquilo que Deus faz. Uma vez que Deus causou Judas a
trair Jesus, esse ato causal é reto e não pecaminoso. Por definição, Deus não
pode pecar. Neste ponto deve ser particularmente indicado que Deus causar um
homem a pecar não é pecado. Não há lei, superior a Deus, que o proíba de
decretar atos pecaminosos. O pecado pressupõe uma lei, pois o pecado é
ilegalidade. Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou
qualquer transgressão dessa lei. Mas Deus é “Ex-lex” (CLARK, 2014, p. 81).

Esse é o contexto imediato no qual a expressão “Ex-lex” aparece. Embora o trecho em


sua inteireza seja substancialmente ortodoxo, a propensão das pessoas para julgar mal aquilo que
não compreendem requer um comentário detalhado para elucidar a expressão. Em primeiro
lugar, o sentido de “Ex-lex” pode ser algo próximo de “fora da lei” ou “acima da lei”. Antes de
escolher arbitrariamente o significado e alegar que tal é o significado que o autor pretendia dar a
expressão, é preciso prestar atenção aos detalhes que o próprio autor fornece para “entrar em
acordo” com o autor no que diz respeito à sua terminologia. Mas antes disso, o que vem a ser um
termo? Embora todo termo seja uma palavra, nem toda palavra é um termo:
Um termo [...] é uma palavra usada de maneira não ambígua. O dicionário está
cheio palavras. Quase todas são ambíguas, no sentido de que quase todas têm
vários sentidos. Mas uma palavra que tenha vários sentidos só pode ser usada
com um sentido de cada vez. Quando escritor e leitor usam, em determinado
período, uma palavra com o mesmo sentido, então, durante esse período, eles
terão entrado em acordo sobre os termos do contrato. Você nunca encontrará
termos em dicionários, embora os materiais para produzi-los estejam todos ali.
Os termos só ocorrem durante o processo de comunicação. Eles ocorrem
quando um escritor tenta evitar ambiguidades e o leitor o ajuda buscando seguir
o uso que o autor deu às palavras (ADLER e DOREN, 2010, p. 112).

O trecho acima descreve uma das regras da leitura analítica. Há outras regras para
desenvolver uma leitura nesse nível, mas essa regra é de suma importância. Se o autor fornece
um sentido a um termo e o leitor fornece outro sentido o processo de comunicação é rompido.
Dessa forma, temos diante de nós a tarefa de compreender a terminologia do Dr. Clark e não
simplesmente consultar o dicionário e fornecer um sentido aleatório ao seu vocabulário. Se
quisermos ir além da leitura elementar e desenvolver a leitura analítica, não poderemos ignorar
essa regra. Além disso, há regras de etiqueta intelectual. Para citar apenas uma: “Você tem de
dizer com razoável grau de certeza ‘eu entendo’ antes que possa dizer ‘concordo’ ou ‘discordo’
ou ‘suspendo o julgamento’” (ADLER e DOREN, 2010, p. 154). Esse é o terceiro estágio da
leitura analítica, de modo que para dizer com razoabilidade “eu entendo” é necessário cumprir
com os estágios anteriores da leitura em nível analítico. A regra acima é expressa de maneira
sintética como segue: “Não critique até que tenha completado o delineamento e a interpretação
do livro” (ADLER e DOREN, 2010, p. 174)
Pois bem, o que o Dr. Clark pretendia alegar com o uso da expressão Deus é “Ex-lex”?
Em primeiro lugar, o Dr. Clark pretende elucidar qual é a relação de Deus com sua própria lei.
Seria a relação de Deus para com a sua lei semelhante àquela relação da criatura para com ela?
Antes de responder a essa questão é preciso dar um passo atrás e analisar o que o autor
significa com o termo lei. As leis são, por assim dizer, requisitos de moralidade. Elas são a
expressão da vontade normativa de Deus. Outros autores denominam vontade preceptiva, como
será visto em momento apropriado. Em outras palavras, “ordenam aos homens que façam isso e
abstenham-se daquilo; declaram o que deve ser feito, mas não declaram nem causam o que é
feito” (CLARK, 2014, p. 57). Dessa forma, “denominem-se os requisitos de moralidade de
mandamentos, preceitos ou leis [...]” (CLARK, 2014, p. 57).
Tendo essa definição de lei em mente, retomemos a pergunta: qual é a relação de Deus
para com a lei? O Dr. Clark toma como eixo bíblico-teológico para responder a essa questão a
distinção Criador-criatura. Após afirmar “Deus é o criador; o homem é uma criatura” (CLARK,
2014, p. 82), ele prossegue então em direção à resposta: “[...] a relação de um homem com a lei é
igualmente diferente da relação de Deus com a lei. O que vale numa situação não vale na outra.
Deus tem direitos absolutos e ilimitados sobre todas as coisas criadas” (CLARK, 2014, p. 82).
Então, considerando que as leis são requisitos de moralidade direcionados aos seres humanos,
Deus é, nesse sentido, Ex-lex. Isto é, Deus está acima das leis que Ele mesmo concede às
criaturas. Assim, embora fosse pecaminoso para um homem planejar a morte de Cristo, não foi
algo pecaminoso que Deus assim o fizesse.
Para usar outro exemplo, se estiver em poder de um político decretar que uma pessoa
peque, tal político pratica algo pecaminoso. Mas Deus não peca ao decretar o pecado:
“Realizaram tudo o que, em teu poder e sabedoria, já havia predeterminado que aconteceria”
(Atos 4:28). Talvez seja instrutivo transcrever outra maneira que o Dr. Clark busca elucidar a
questão:
A ideia de que Deus está acima da lei pode ser explicada em outro particular. As
leis que Deus impõe aos homens não se aplicam à natureza divina. Elas são
aplicáveis somente a condições humanas. Por exemplo, Deus não pode roubar,
não somente porque tudo quanto ele faz é certo, mas também porque ele é o
dono de tudo: não há ninguém de quem roubar (CLARK, 2014, p. 82).

No exemplo acima o Dr. Clark faz referência ao mandamento expresso em Êxodo


20:15: “Não furtarás”. Ele elenca dois motivos pelos quais tal mandamento não se aplica a Deus.
O primeiro motivo é expresso da seguinte maneira: “Deus não pode roubar [...] porque tudo
quanto ele faz é certo [...]”. Alguém poderia objetar que eu omiti a expressão “não somente” da
frase. Embora a omissão mude o texto, ela não muda o sentido do texto. Deus não pode roubar
não somente pelo primeiro motivo (tudo quanto Ele faz é certo), mas também pelo segundo
motivo (tudo lhe pertence). Podemos dizer que o segundo motivo é factual, enquanto o primeiro
está relacionado à natureza divina. Então enquanto Deus está acima da lei que concedeu aos
homens, Ele não está absolutamente sem lei! Sua natureza é uma lei para Si mesmo. É por isso
que o Dr. Clark diz que tudo quanto Deus faz é certo! Ele não pode fazer nada injusto ou que
contrarie sua natureza. Como diz o apóstolo Paulo: “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não
pode negar-se a si mesmo” (2 Tm 2:13).
O Dr. Clark achava que esse era um tema tão sério, que ele repetiu nas páginas finais do
livro que estamos analisando agora as mesmas verdades de maneira distinta. Embora desejasse
afirmar que Deus é soberano, o Dr. Clark não desejava ofender a santidade de Deus. Por isso ele
insiste: “Deus não é responsável nem pecaminoso, embora seja a única causa suprema de tudo.
Ele não é pecaminoso porque, em primeiro lugar, tudo quanto Deus faz é justo e reto” (CLARK,
2014, p. 81).
Para selecionar outro exemplo no qual pode ser percebida a insistência do Dr. Clark
nesse ponto observe atentamente a seguinte citação: “Por definição, Deus não pode pecar”
(CLARK, 2014, p. 81). Qualquer leitor desatento provavelmente prosseguiria a leitura sem se
preocupar com o que o autor quis dizer aqui e esqueceria essa frase quando logo abaixo se
deparasse com a seguinte: “Deus é ‘Ex-lex’”! As duas frases estão no mesmo parágrafo, mas
uma não pode ser ignorada enquanto a outra é criticada se quisermos fazer justiça ao autor.
Quando o Dr. Clark escreveu que, por definição, Deus não pode pecar, a expressão “por
definição” é equivalente aos atributos divinos. Já foi mencionado que o Dr. Clark manteve a
doutrina da simplicidade divina. Da mesma forma, foi demonstrado que para o Dr. Clark os
atributos de Deus não formam uma composição no ser de Deus. Os atributos de Deus revelam
quem Deus é: “Substância e atributos são inseparáveis. Um é conhecido no outro. Uma
substância sem atributos não é nada, ou seja, não possui existência real” (HODGE, 2001, p. 280).
Ao comentar sobre a doutrina da simplicidade divina Bavinck assevera: “Essa doutrina da
simplicidade de Deus foi o meio pelo qual a teologia cristã se afastou do perigo de separar os
atributos de Deus de sua essência e torná-los mais ou menos independentes e opostos à sua
essência” (BAVINCK, 2012, p. 121). Por isso o Dr. Clark escreveu: “Este tratado já sugeriu que
os atributos são a essência, e que seria melhor deixar a palavra essência e usar a palavra
definição. Os atributos constituem a definição de Deus” (CLARK, 2010).
Assim, quando o Dr. Clark diz que “por definição, Deus não pode pecar” isso equivale a
dizer que em virtude de Deus ser quem Ele é segue-se que Ele não pode pecar. Ou, para dizer de
outro modo, os atributos de Deus são, por assim dizer, sua própria essência, e Deus não é
somente onipotente, Ele também é justo e santo. E por ser justo e santo, sua onipotência significa
que Deus pode fazer tudo aquilo que não contraria sua essência. E como Deus jamais pode
contrariar sua essência, visto que Ele é imutável, por consequência “tudo quanto Deus faz é justo
e reto. É justo e reto simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz” (CLARK, 2014, p.
81).
Aqui o Dr. Clark ao mesmo tempo em que mantém a impossibilidade de Deus pecar,
mostra que os atos de Deus não são justos em virtude de se conformarem a um padrão externo
independente do Criador. Enquanto os atos do demiurgo eram bons porque se baseavam em um
modelo independente e autoexistente, isto é, o Mundo das Ideias, Deus não tem nenhum padrão
externo e superior ao qual deva se conformar. Seus atos são bons “simplesmente em virtude do
fato de ser ele quem faz”. Ou seja, Deus mesmo é o padrão de Justiça, de Bondade, de Retidão:
“Justiça ou retidão não é um padrão externo a Deus, ao qual ele está obrigado a se submeter.
Retidão é aquilo que Deus faz” (CLARK, 2014, p. 81).
Assim, dizer que Deus é Ex-lex não significa dizer que Deus age sem referência a
qualquer padrão, podendo inclusive pecar ou cometer injustiça. De fato, sua ação não tem como
referência um padrão externo. Mas isso não significa ausência de padrão. Embora não haja
nenhum padrão superior e externo a Deus, Ele mesmo constitui o padrão de sua ação. Tudo
quanto Ele faz é justo e reto, e jamais Deus poderá fazer qualquer injustiça: “Uma vez que Deus
não pode pecar, por conseguinte, Deus não é responsável pelo pecado, mesmo que o decrete”
(CLARK, 2014, p. 82).
Isso tem reflexo sobre o locus da ética no sistema. Para Platão, a Justiça faz parte de um
Mundo Inteligível autoexistente e independente do demiurgo. Assim, a ética deve anteceder a
teologia e Deus deve se submeter a esse padrão externo. A ética é base para a teologia. Deus não
é o padrão de julgamento. Ele deve ser julgado a partir de um padrão exterior, devendo seus atos
serem limitados por esse padrão. Por isso Kierkegaard concluiu que a ordem de Deus para que
Abraão sacrificasse a Isaque era antiética.
Para o cristianismo o locus da ética é distinto. A ética não é base para a teologia. Antes,
a teologia é o fundamento da ética. Deus não tem nenhum padrão externo ao qual deva se
submeter. Ele é o padrão. Tudo o que Ele faz é justo e, portanto, algo é bom porque Deus ordena.
A ordem de Deus para que Abraão sacrificasse Isaque não é antiética, pois Deus não tem uma lei
superior a si mesmo que o proíba de dar tal ordem. Tampouco Ele teria dado tal ordem se isso
fosse contrário à sua essência. Mas em virtude de ser quem Ele é, tudo o que Ele faz é justo:
Consequentemente, Abraão considerou justa a ordem para matar seu filho
inocente. Por que ele teve tal estima por essa ordem? Terá sido porque a lei de
Deus autorizou o assassinato? Não; porque, ao contrário, a lei de Deus e a lei da
natureza proibiu peremptoriamente o assassinato; mas o santo patriarca bem
sabia que a vontade de Deus é a única regra de justiça, e que o que Ele quer
mandar é, nesse exato relato, justo e reto [...] Tampouco a Deidade sempre
abençoada cai sob a segunda noção de um tirano, a saber, como alguém que
abusa de seu poder ao agir contrário à lei, pois a qual lei exterior Ele está
subordinado, Ele que é o supremo Legislador do universo? As leis promulgadas
por Ele são projetadas para a regra de nossa conduta, não da Sua conduta
(ZANCHIUS, V, Position three; IV, Position Eight).

Aqui Zanchius ecoa o próprio Calvino ao alegar que a vontade de Deus é a única regra
de justiça:
[...] se refletirem sobre quão grande improbidade é meramente indagar as causas
da vontade divina, quando ela mesma é a causa de tudo quanto existe, e com
razão deve ser assim. Ora, se houvesse algo que fosse a causa da vontade de
Deus, seria preciso que fosse anterior e que estivesse atada a tal causa, o que
não é procedente imaginar-se. Pois a vontade de Deus é a tal ponto a suprema
regra de justiça, que tudo quanto queira, uma vez que o queira, tem de ser justo.
Quando, pois, se pergunta por que o Senhor agiu assim, há de responder-se:
Porque o quis. Porque, se prossigas além, indagando por que ele o quis, buscas
algo maior e mais elevado que a vontade de Deus, o que não se pode achar
(CALVINO, 2003, p. 411).

Logo, não é próprio da teologia cristã imaginar um padrão externo que sirva como causa
da vontade divina. E também é impróprio supor que a vontade de Deus é antecedida pela
essência divina. Ora, já foi afirmado que Deus não é um ser composto. Dessa forma, a vontade
de Deus não é algo a parte da essência divina. Querer postular que a essência divina é
antecedente à vontade divina é cair no erro de conceber composição em um ser simples. Assim,
dizer que a vontade de Deus é a suprema regra de justiça é reconhecer que a vontade divina é
indissociável de sua essência. Repita-se, portanto, que a ética não antecede à teologia. A teologia
é o fundamento da ética. Permite-se aqui fornecer uma citação mais extensa para mostrar que tal
é o posicionamento do Dr. Clark:
Deus não é somente o criador do universo físico, não é somente o governador e
juiz dos homens, é também o legislador moral. É a sua vontade que estabelece a
distinção entre o certo e o errado, entre a justiça e a injustiça; é a sua vontade
que prescreve as normas para a justa conduta [...] por alguma razão peculiar, as
pessoas hesitam em aplicar o mesmo princípio de soberania na esfera da ética
ordinária. Em vez de reconhecerem Deus como soberano na moral, elas
pretendem sujeitá-lo a alguma lei ética independente e superior, uma lei que
satisfaz as suas opiniões pecaminosas acerca do certo ou errado [...] Deus é
soberano. Tudo quanto ele faz é justo, exatamente por esta razão: porque ele o
faz [...] Calvino rejeitou a visão do universo que produz leis, de justiça ou de
evolução, em lugar de um Legislador supremo. Esse tipo de visão é semelhante
ao dualismo platônico, que postulava um mundo de ideias superior ao Artífice
divino. Num sistema desses, Deus é finito ou limitado, obrigado a seguir ou
obedecer o padrão independente. Mas aqueles que se apegam à soberania de
Deus determinam o que é justiça pela observação daquilo que Deus realmente
faz. Tudo quanto Deus faz é justo. Aquilo que ele ordena aos homens para que
façam, ou não façam, é semelhantemente justo ou injusto (CLARK, 2014, p. 70-
72).
3. RESPOSTA À CRÍTICA DE JOHN FRAME

Se a seção anterior for cuidadosamente lida poderá ser notado como o Dr. Clark
antecipou a maioria das críticas que poderiam ser levantadas contra o Ex-lex. Se a crítica é que o
Ex-lex faz de Deus um tirano que não segue qualquer padrão, a resposta é que Deus é o próprio
padrão e que sendo Deus quem Ele é, Deus não pode pecar. A crítica de John Frame é, no
máximo, irrelevante. Após descrever brevemente o argumento do Dr. Clark, Frame escreve: “Há
alguma verdade nessa aproximação [...] É verdadeiro também que Deus tem prerrogativas que
nos são proibidas, como a liberdade para tirar a vida humana” (FRAME, 2010, p. 129). E
termina escrevendo o seguinte: “Assim, não podemos concordar com a defesa ex Lex de Clark.
Ela simplesmente não é bíblica” (FRAME, 2010, p. 130). Mas além do reconhecimento inicial
de Frame de que “há alguma verdade” no Ex-lex, e que é verdadeiro que Deus tem prerrogativas
que a criatura não tem – o que confirma que o Ex-lex é bíblico – é preciso destacar que as razões
fornecidas pelo Frame não mostram que a defesa do Dr. Clark do Ex-lex “simplesmente não é
bíblica”.
Por exemplo, uma das razões apresentadas por Frame é: “Clark, porém, se esqueceu,
talvez negue a máxima bíblica e reformada de que a lei reflete o próprio caráter de Deus”
(FRAME, 2010, p. 129). A réplica é que Frame se esqueceu de fazer o dever de casa: “Você tem
de dizer com razoável grau de certeza ‘eu entendo’ antes que possa dizer ‘concordo’ ou
‘discordo’ ou ‘suspendo o julgamento’” (ADLER e DOREN, 2010, p. 154). Ora, se o Dr. Clark
diz que tudo quanto Deus faz é justo, e se uma das coisas que Deus faz é conceder a lei, segue-se
que a lei é justa, ou seja, reflete o caráter de Deus. Dizer que Deus não pode honrar pai e mãe –
pelo fato de que Deus não tem pai e mãe tal lei não se aplica a Ele – não é negar que a lei reflete
Seu caráter.
Além disso, Frame, ao afirmar que o Ex-lex nega a máxima bíblica e reformada, dá a
indicar que os próprios reformadores se distanciam do Ex-lex. Mas conforme as citações de
Calvino e de Zanchius na seção anterior indicam, esse é outro equívoco de Frame. Embora se
distanciasse da teoria do poder absoluto dos papistas, o próprio Calvino manteve o Ex-lex:
[...] pois embora Seu poder esteja acima de todas as leis, ainda assim, porque
Sua vontade é a mais certa regra de perfeita equidade, o que quer que Ele faça
deve ser perfeitamente certo; e, portanto, Ele está livre das leis, porque Ele é
uma lei para Si mesmo e para todos (CALVINO, p. 50).

Quando comentou o texto de 1 Timóteo 2:12 novamente Calvino reforçou esse ponto:
Paulo não está falando das mulheres em seu dever de instruir sua família; está
apenas excluindo-as do ofício do sacro magistério [a munere docendi], o qual
Deus confiou exclusivamente aos homens. Esse é um tema que já introduzimos
em relação a 1Corintios. Se porventura alguém desafiar esta disposição, citando
o caso de Débora [Jz 4.4] e de outras mulheres sobre quem lemos que Deus, em
determinado tempo, as designou para governar o povo, a resposta óbvia é que os
atos extraordinários de Deus não anulam as regras ordinárias, às quais ele quer
que nos sujeitemos. Por conseguinte, se em determinado tempo as mulheres
exerceram o ofício de profetisas e mestras, e foram levadas a agir assim pelo
Espírito de Deus, Aquele que está acima da lei pode proceder assim; sendo,
porém, um caso extraordinário, não se conflita com a norma constante e
costumeira (CALVINO, 2009, p. 70).

Embora Turretini (1623 -1687) defenda a sua própria maneira o Ex-lex, seu
posicionamento precisa de análise mais detalhada por conter um material excelente, porém
misturado com algumas incoerências. Turretini inicia a discussão de teologia propriamente dita
em seu terceiro tópico. As considerações acerca da vontade de Deus aparecem na pergunta XIV e
prosseguem até à pergunta XVIII. Na pergunta XV ele trata da distinção entre vontade decretiva
e vontade preceptiva, introduzindo a resposta com a seguinte observação:
Embora a vontade em Deus seja apenas uma e simplíssima, pela qual ele
compreende todas as coisas por um ato singular e simplíssimo, de modo que vê
e entende todas as coisas como num relance; visto que se ocupa de vários
objetos, em nossa concepção, pode ser apreendida como múltipla (não em si e
intrinsecamente da parte do ato de querer, mas extrínseca e objetivamente da
parte das coisas determinadas) (TURRETINI, 2011, p. 297-298).

Após essa admissão de que a multiplicidade da vontade divina se relaciona apenas com
a nossa apreensão, sendo que considerada em si mesma a vontade de Deus é una, Turretini
começa a tratar das várias distinções da vontade de Deus. A primeira distingue a vontade de
Deus entre decretiva e preceptiva. Enquanto a vontade decretiva é aquela que “determina a
concretização das coisas”, a vontade preceptiva é “aquela que prescreve ao homem seu dever”
(TURRETINI, 2011, p. 298). Em outras palavras, os preceitos divinos constituem a norma de
conduta dos homens, não de Deus. Pulando algumas páginas nos deparamos com a pergunta
XVIII e com a seguinte afirmação:
Deus não está sob nenhuma obrigação moral externa, porque ele não é devedor
a ninguém, e não existe nenhuma causa fora dele que possa pô-lo sob obrigação
[...] Deus não está obrigado à lei que ele impõe ao homem (ou seja,
formalmente, tomando a lei como lei), porém não está livre e isento de toda a
matéria da lei, como se pudesse ordenar ou ele mesmo fazer o que é oposto a ela
(por exemplo, crer que ele não é Deus e ordenar que outros creiam nisso – o que
soa horrível aos ouvidos piedosos) (TURRETINI, 2011, p. 314).

Então Turretini admite que Deus está formalmente desobrigado da lei, enquanto
materialmente Ele não está livre para praticar certos atos. Já vimos como o Dr. Clark está de
acordo com isso quando ele escreveu que “por definição, Deus não pode pecar”. Mas a lei
enquanto lei, isto é, formalmente, não obriga a Deus. Turretini também mantém que não há um
padrão externo a Deus, ao qual Ele deva se submeter:
Se a vontade de Deus é a causa de todas as coisas, ela não pode ter nenhuma
causa. É tão certo que não pode haver nenhuma causa para a vontade de Deus
fora dele mesmo como é certo que nada pode ser anterior a ele. Pois, se a
vontade tem uma causa, existe algo que a precede. E assim ela seria uma causa
secundária, não primária; a coisa governada, não a coisa que governa
(TURRETINI, 2011, p. 311).

Sendo a vontade de Deus livre de qualquer causa externa, visto não haver nada anterior
e superior ao próprio Deus, segue que a vontade de Deus é a regra primária de justiça:
Assim é com respeito a nós porque a fonte da justiça não deve ser buscada em
nenhuma outra parte senão na vontade de Deus que, como é perfeitíssimamente
justa em si mesma, é, então, a norma de retidão e justiça, pois o primeiro, em
todo gênero, é a norma de todo o resto. Nesse sentido, os teólogos dizem que a
vontade de Deus é a suprema norma da justiça e, consequentemente, tudo
quanto Deus quer é justo e bom, porque ele quer (TURRETINI, 2011, p. 313).

Talvez por temor de cair no erro da teoria papista do poder absoluto, Turretini quis
vincular intrinsecamente a vontade e a essência divina. Ora, vimos na primeira seção como para
o Dr. Clark a vontade de Deus era indissociável da essência divina. Assim, o ideal de Turretini
não constitui nenhum problema. O problema é a maneira que ele propõe a solução. Ao afirmar
que “a vontade divina não pode ser determinada com base em si mesma” (TURRETINI, 2011, p.
314), ele comete o equívoco de conceber a essência divina como algo antecedente à vontade
divina. E isso, como já foi visto na seção anterior, compromete a simplicidade divina. Seja como
for, o material aqui citado deve ser suficiente como resposta à crítica de Frame.

4. O DR. CLARK ERA VOLUNTARISTA?


A ênfase do Dr. Clark na soberania divina tem levado alguns de seus críticos a alegarem
que ele adotou o voluntarismo. A resposta mais direta é que ou seus críticos não conhecem o
pensamento do Dr. Clark ou não conhecem o voluntarismo ou desconhecem ambos. Alguns dos
críticos do Dr. Clark têm confundido sua resposta ao dilema de Eutífron com o voluntarismo.
Assim, quando o Dr. Clark mantém a prioridade da teologia sobre a ética e afirma que algo é
bom porque Deus ordena, seus críticos concluem que isso é cair no voluntarismo.
Essa acusação demonstra algumas confusões em nível básico e carece de uma definição
clara do que é voluntarismo. Assim, comecemos apontando a confusão básica que tem sido feita.
Quando o Dr. Clark, em resposta ao dilema de Eutífron, alega que algo é bom porque
Deus ordena tal afirmação tem uma categoria muito específica: esfera ética. Aqui o Dr. Clark
não está fazendo uma afirmação cuja esfera é propriamente teológica. No âmbito teológico, o Dr.
Clark tem mantido que Deus não apenas tem justiça, mas que Ele é Justiça. De fato, quando
falamos brevemente da doutrina da simplicidade divina vimos como o Dr. Clark manteve que em
Deus Justiça e Poder são idênticos. E pelo fato de que Deus é justiça (uma afirmação de esfera
teológica), algo é bom porque Ele ordena (uma afirmação de esfera ética). Assim, supor que a
segunda afirmação significa que a vontade de Deus determina o que é bom sem qualquer padrão
– inclusive, independente de sua essência – é cometer um erro categórico. Ou seja, a confusão
reside em supor que a afirmação em esfera ética é idêntica a uma afirmação em esfera teológica.
Embora isso seja verdade no caso do voluntarismo, não é verdade em todo o caso onde a
afirmação aparece. Isso significa que a identidade do vocabulário não significa necessariamente
identidade no pensamento.
Para ilustrar o ponto acima, podemos pegar diferentes religiões que mantém o mesmo
vocabulário. O fato de que judeus usem em seu vocabulário o título “Deus” não significa que os
cristãos são judeus por usarem em seu vocabulário o título “Deus”. O vocabulário coincide, mas
o significado é distinto. Outros exemplos poderiam ser dados, mas penso que o ponto está claro.
Assim, embora o Dr. Clark afirme que na esfera ética algo é bom porque Deus ordena
isso não significa que na esfera teológica algo é bom porque Deus deseja. Antes, na esfera
teológica Deus é a própria bondade e justiça. Deslocar a afirmação que o Dr. Clark faz na esfera
ética para um âmbito teológico é, portanto, um erro categórico. Como o Dr. Clark assevera: “A
base de todas as diferenças entre a cosmovisão hebraico-cristã ou bíblica e todos os outros
sistemas é a natureza de Deus” (CLARK, 2018, p. 189). A natureza de Deus não é subsumida
sobre a vontade de Deus. Antes, a vontade de Deus é indissociável de sua natureza. É a natureza
de Deus o fundamento que distingue entre a religião cristã e qualquer outro sistema oponente.
Isso tem implicações no âmbito ético: “Como Deus é soberano, o ‘Mundo das Ideias’ deve ser o
resultado do pensamento de Deus. Na esfera moral (para contradizer Platão) o Bem é bom
porque Deus o escolhe” (CLARK, 2018, p. 189).
A natureza de Deus tem implicações no âmbito moral. A base do certo e errado não é
um padrão externo a Deus, mas aquilo que Ele determina: “A visão que um homem tem da
moralidade depende da sua visão de Deus ou daquilo que é o seu princípio primeiro. Diferentes
tipos de teologia produzem diferentes tipos de moralidade” (CLARK, 2018, p. 262). E
novamente: “A teologia é o cerne da questão, pois a ética depende da teologia” (CLARK, 2018,
p. 266).
Mas se o bem é aquilo que Deus escolhe Deus não poderia ter ordenado algo distinto
dos Dez Mandamentos? A questão mais propriamente formulada é se os Dez Mandamentos são
eternamente necessários. Considerando a soberania divina, a resposta do dr. Clark é dada em
nível hipotético, assim como a resposta de Turretini. Não há nenhum padrão externo que obrigue
Deus a escolher um conjunto de ordenanças no lugar de outro. O conjunto de ordenanças
factualmente dado, portanto, depende da vontade divina. Nenhum padrão externo obrigou Deus a
conceder Dez Mandamentos no lugar de Vinte ou Mil Mandamentos. Isso leva algumas pessoas
piedosas a achar que Deus poderia então a ordenar o adultério no lugar de proibi-lo. Ora, embora
talvez esse tenha sido o exemplo de Duns Scotus e de Guilherme de Occam, tal não foi o
exemplo do Dr. Clark.
Caso Deus quisesse ordenar algo distinto de “não adulterarás” isso não significa que a
única possibilidade seria ordenar o oposto. Na realidade, Deus poderia, se quisesse, criar o
homem como os anjos e assim eles não se casariam. Por conseguinte, uma ordenança proibindo o
adultério seria desnecessária:
Nenhum cristão devoto sustenta que algo externo a Deus o compeliu ou induziu
a criar certo número de satélites solares em vez de um número diferente deles.
Deus poderia ter criado água com um diferente ponto de congelamento. Da
mesma forma, não houve uma causa externa à escolha de Deus dos detalhes do
ritual mosaico. Não poderia ele ter desejado que o Tabernáculo fosse hexagonal
em vez de retangular? Assim também, não poderia ter imposto ao homem
outros mandamentos em vez dos dez? (CLARK, 2018, p. 142-143).

Observe como o objetivo do Dr. Clark é ressaltar a soberania divina ao alegar que Deus
está livre de qualquer causa externa:
Os teólogos não se incomodam com a suposição de que Deus pudesse ter
exigido requisitos cerimoniais diferentes. Em vez de ter ordenado que os
sacerdotes transportassem a arca nos ombros, Deus poderia ter proibido isso e
ordenado que ela fosse colocada numa carroça puxada por bois. Mas, por
alguma razão peculiar, as pessoas hesitam em aplicar o mesmo princípio de
soberania na esfera da ética ordinária (CLARK, 2014, p. 71).

Dessa forma, fica claro que na esfera da ética a soberania divina não encontra limites
em um padrão externo e superior, tal como ocorre com o demiurgo de Platão. Se temos dez
mandamentos ao invés de mil isso se deve ao fato de que Deus quis que fosse assim:
“O Senhor faz tudo o que lhe apraz, no céu e na terra, no mar e nas profundezas
das águas” ~ Salmos 135:6.

“Nosso Deus está nos céus; ele faz tudo o que lhe apraz” ~ Salmos 115:3.

“Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados,
conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o conselho da sua
vontade” ~ Efésios 1:11

A afirmação de que Deus poderia ter escolhido um conjunto de mandamentos diferente


daquele que Ele nos revelou parece entrar em conflito direto com a imutabilidade divina. Ora, o
conflito aqui é apenas aparente. A solução reside em perceber que a afirmação é feita ao tratar
sobre a onipotência divina. O objetivo é ressaltar a liberdade da vontade de Deus em relação a
qualquer causa externa. Não havendo nenhum padrão externo que obrigue a Deus, por
conseguinte Ele pode fazer tudo o que lhe apraz e Ele faz todas as coisas conforme o conselho da
sua vontade. O ponto aqui é que Ele poderia ter escolhido um conjunto de normas distintas se
assim quisesse. A cláusula “se assim quisesse” caracteriza o teor hipotético da resposta.
Estaremos diante de outra situação se a pergunta for: Deus poderia de fato ter escolhido
diferente? Aqui já não se trata da soberania e onipotência divina, não podendo a resposta ser
dada em nível hipotético. A última questão diz respeito à imutabilidade divina. E quanto a isso o
Dr. Clark já havia deixado claro seu posicionamento para evitar distorções sobre aquilo que ele
defendia:
Uma palavra de cautela é necessária aqui. Essa discussão não tem particular
importância na imutabilidade divina. Argumentou-se que Deus poderia ter
criado um mundo físico diferente, se assim o desejasse. Nada foi dito, de um
jeito ou de outro, sobre se Deus poderia desejar. Possivelmente, a imutabilidade
do propósito e a eternidade dos decretos implicam que este é o único mundo
possível – uma reviravolta calvinista para uma frase espinosista. Contudo, se é
assim, e se não faz sentido supor que Deus poderia pensar de forma diferente,
permanece o argumento de que a moralidade, tanto quanto a física, é o que é
porque Deus pensa assim (CLARK, 2012)

Assim também ele deixou claro em outro ponto que sob o enfoque da imutabilidade
divina a moralidade é invariável:
A noção de uma moralidade variável pressupõe a crença em um deus variável e
levanta questões teológicas. Se, por outro lado, os homens aceitam os Dez
Mandamentos como obrigações permanentes, também devem aceitar o conceito
bíblico de um Deus imutável. A moralidade bíblica e a teologia bíblica são
inseparáveis (CLARK, 2018, p. 140).

A primeira citação do Dr. Clark nessa página mostra que ele não se apegaria ao fato de
que Deus pudesse mudar esse ou aquele mandamento, pois não é isso o que ele queria enfatizar.
O ponto dele é que a ética está fundamentada na vontade de Deus: “Contudo, se é assim, e se não
faz sentido supor que Deus poderia pensar de forma diferente, permanece o argumento de que a
moralidade, tanto quanto a física, é o que é porque Deus pensa assim” (CLARK, 2012). Mas
ainda que se afirme que a ética é inalterável sob o enfoque da imutabilidade divina, o fato de que
o Dr. Clark considere a ética fundada na vontade de Deus não faria dele um voluntarista?
Para responder a essa questão é preciso definir voluntarismo e comparar com o
posicionamento do Dr. Clark. Não basta, como já foi dito, observar a semelhança no vocabulário
e concluir que há uma semelhança substancial. Se esse fosse o caso, a Bíblia seria voluntarista,
pois afirma que Deus faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade!
O que é, pois, voluntarismo? A definição abaixo destaca os termos centrais:
As teses características do voluntarismo: a vontade é a causa determinante do
ato livre e a ela pertence, e não a razão, o ato do império [...] a vontade é livre
de toda determinação vinda de qualquer faculdade que não seja ela mesma,
incluindo o intelecto, a conclusão óbvia é que é autodeterminante e que o ato do
império é próprio da vontade e não da razão, porque a vontade compete mover a
si mesma a querer e, portanto, move todos os outros poderes, inclusive a
inteligência; dessa forma, ela se move, sem ter como base algo superior ou
inferior (WIDOW, 2001, p. 126-129).

Conforme se infere do texto acima, o voluntarismo, ao contrário do intelectualismo,


coloca a primazia na vontade e não no intelecto. Nem mesmo a razão pode determinar a vontade,
sendo esta causa de si mesma.
Essa é a característica distintiva do voluntarismo. Muitos tendem a confundir a Teoria
do Comando Divino com voluntarismo. Mas em uma seção apropriada veremos que a Teoria do
Comando Divino não precisa necessariamente de uma base voluntarista. Embora o Dr. Clark
mantivesse a Teoria do Comando Divino, ele não articulou sua defesa em um alicerce
voluntarista, como equivocadamente alguns concluem. Antes, ele endossa uma Teoria do
Comando Divino Não-Voluntarista. Também podemos denominar Essencialismo do Comando
Divino.
Contudo, antes de abordar mais detalhadamente esse tópico precisamos enfatizar um
pouco mais a definição de voluntarismo para assim ter uma base sólida de comparação entre o
voluntarismo e a visão do Dr. Clark.
Embora o termo voluntarismo tenha sido cunhado apenas no século XIX pelo sociólogo
alemão Ferdinand Tönnies, não é incomum encontrar na lista de voluntaristas os nomes de Santo
Agostinho, Santo Anselmo, João Duns Scotus e Guilherme de Ockham. Os dois últimos
aparecem mais frequentemente.
Duns Scotus (1266-1308) foi um filósofo escolástico e um dos defensores do primado
da vontade. Ainda que possa ser considerado um voluntarista, Scotus não defende um
voluntarismo radical (WILLIAMS, 1997). A própria designação de Scotus como voluntarista
tem sido alvo de debate acadêmico, embora eu esteja inclinado a pensar que os argumentos do
Dr. Williams sejam convincentes no sentido de que Scotus manteve um voluntarismo moderado
em seus escritos. A definição de voluntarismo apresentada pelo Dr. Williams é a seguinte:
voluntarismo é a visão de que (i) a bondade de quase todas as coisas, assim
como a retidão de quase todos os atos, dependem inteiramente da vontade
divina e (ii) o que Deus quer com relação a essas coisas e esses atos não devem
ser explicados por referência ao intelecto divino, à natureza humana, ou
qualquer outra coisa (WILLIAMS, 1998).

Por explicação o Dr. Williams refere-se à causa. Nesse sentido, a primeira parte da
definição combinada com a segunda afirma que nem o intelecto divino, nem a natureza divina e
tampouco qualquer coisa externa em relação a Deus pode ser causa da vontade divina. Além
disso, essa definição reforça um ponto previamente mencionado, isto é, de que o voluntarismo
requer a distinção entre intelecto e vontade, não podendo, portanto, o intelecto divino ser
invocado como causa para a vontade divina.
Faz-se mister enfatizar que embora a Teoria do Comando Divino seja elaborada
geralmente em uma base voluntarista não é necessário que tal teoria receba suporte
exclusivamente nessa base. Assim, o objetivo dessa seção é deixar bastante claro que a
característica central do voluntarismo é a primazia da vontade, sendo pressuposto a distinção
entre vontade e intelecto em Deus. A definição do Dr. Williams supracitada realça com precisão
esse ponto. Mas para não haver dúvidas, vejamos mais uma citação: “[...] é impossível manter
uma leitura libertária radicalmente voluntarista de Scotus sem fazer uma separação bastante
gritante entre a vontade divina e o intelecto divino” (WILLIAMS, 2009). O Dr. Williams
confirma nesse último artigo que a essência divina também não foi tomada como causa da
vontade divina por Scotus. Dessa forma, começa a adquirir força o ponto de que para Scotus nem
o intelecto e nem a natureza divina determinam a vontade divina: “Essa afirmação do primado da
vontade sobre a inteligência já nos deixa prever uma concepção da liberdade mais voluntarista
do que intelectualista, e é de fato isso que encontramos no sistema de Duns Scotus” (GILSON,
1995, p. 747-748).
O teólogo holandês Herman Bavinck (1854-1921) também destaca a predominância da
vontade sobre o intelecto no pensamento de Duns Scotus. Após asseverar que, para Scotus, “o
caráter acidental do mundo [...] não pode ser devido ao intelecto de Deus”, Bavinck prossegue
asseverando que “Scotus, de fato, reconhece que o conhecimento de Deus é anterior à sua
vontade e que as ideias, em Deus, embora distintas de sua essência, existem antes de seu decreto.
No entanto, é a vontade que faz uma seleção de todas as ideias possíveis e determina qual delas
será realizada” (BAVINCK, 2012, p. 242).
A distinção entre intelecto e vontade em Deus pode ser claramente percebida no
comentário de Bavinck acerca de Scotus. Não apenas a distinção é desvelada como também é
enfatizada a prioridade da vontade em relação ao intelecto. Se vontade e intelecto forem
equivalentes, um não poderá ter preeminência sobre o outro. Assim, vejamos outra definição de
voluntarismo para comparar com o que foi dito até aqui:
O voluntarismo é uma tese na filosofia da ação segundo a qual um ato da
vontade nunca é determinado por qualquer objeto que o intelecto apresente a
ele. O voluntarismo é contrastado com o que às vezes é chamado de
intelectualismo, que é a tese de que um ato da vontade, sempre ou apenas em
alguns casos, é determinado por um objeto que o intelecto apresenta a ele
(WARD, 2015).

O que perpassa cada uma das citações acima é a tese de que para Scotus a vontade
divina é indeterminada, não encontrando causa nem no intelecto e nem na natureza divina
(COOLMAN, 2018). Agora como o Dr. Williams enfatizou em suas várias publicações acerca
do pensamento de Scotus, dizer que o intelecto não é causa da vontade não significa dizer que a
vontade é oposta à razão. Tampouco a ideia de que Deus poderia ordenar justamente o estupro,
uma vez que ele poderia ter ordenado algo diferente no que tange a segunda tábua da lei, faz
justiça ao pensamento de Scotus. A objeção, na realidade, é tão tola que só se pode concluir ser
fruto da ignorância quanto ao pensamento de Scotus. No entanto, não é nosso foco aqui defender
o voluntarismo de Scotus. O ponto é apenas alertar aos que seguem essa linha de objeção que
estão se expondo ao ridículo.
A questão em relação à segunda tábua da lei em Scotus flui diretamente de sua
contingência causal – distinção modal (BORLAND e HILLMAN, 2017). Para Scotus, uma
compreensão clara da estrutura da realidade não pode ser obtida sem uma compreensão clara dos
vários tipos de identidade e de distinção. Ele postula ao menos quatro tipos de distinção: 1)
distinção real; 2) distinção conceitual; 3) distinção formal; 4) distinção modal.
Retomando a questão da contingência causal, o próprio Scotus esclarece o que significa
com isso: “Algo é causado contingentemente; consequentemente, a causa primeira causa
contingentemente; consequentemente, causa querendo [...] não chamo aqui contingente ao que
não é necessário nem sempiterno, mas àquilo cujo oposto poderia ser causado ao ser ele
causado” (SCOT, 2015, p. 87-89).
Essa noção de contingência é conectada à vontade em Scotus (“causa querendo”) em
virtude de a liberdade ser fundada na própria vontade e não derivar do intelecto, pois a natureza
do intelecto divino é agir necessariamente e não contingentemente: “O intelecto do Primeiro
Princípio intelige atualmente, sempre, necessariamente e distintamente todo e qualquer
inteligível, antes, naturalmente, que este exista em si” (SCOT, 2015, p. 101).
Esse próprio ato de inteligir é, de acordo com Scotus, anterior à vontade:
Mas, anteriormente ao ato de querer algo por um fim, concebe-se o ato de
inteligi-lo; portanto, antes do primeiro momento em que se concebe a causa
como causando ou querendo A, ela é concebida necessariamente como
inteligindo-o, e sem esta intelecção ela não pode causar per se A nem os outros
efeitos (SCOT, 2015, p. 99).

Contudo, a anterioridade do ato de inteligir não age como causa da vontade, conforme já
foi asseverado: “[...] a vontade é idêntica à natureza primeira, porque o querer é um ato de
vontade; portanto, a vontade é incausável” (SCOT, 2015, p. 97). O intelecto, pois, conhece todas
as potências, mas cabe à vontade decidir qual atualizará:
Além disso, digo que, conquanto os entes outros que Deus sejam atualmente
contingentes com respeito ao ser atual, não o são, contudo, com respeito ao ser
potencial. Daí que os que se dizem contingentes com respeito à existência atual
sejam necessários com respeito à potencial, de sorte que, conquanto seja
contingente que o homem seja, que porém seja “possível ser” é necessário,
porque não inclui contradição ao ser; portanto, que algo seja “possível ser”,
outro que Deus, é necessário, porque o ente se divide em possível e em
necessário, e, assim como ao ente é necessário que a necessidade provenha de
sua habitudo ou quididade, assim também ao ente possível a possibilidade
provém de sua quididade (SCOT, 2017, p. 53).

Desse trecho se extrai o raciocínio de Scotus em relação à indeterminação da vontade


divina. Se o intelecto, que intelige necessariamente, agisse como causa da vontade segue-se que
a vontade causaria necessariamente e o ente atual – outro em relação a Deus – seria igualmente
necessário. Essa é justamente a conclusão que Scotus deseja evitar. Daí Scotus dizer que os entes
– outros em relação a Deus – sejam atualmente contingentes.
Sendo a contingência pressuposta, e tendo em vista a ordenação causal, Scotus procura
a origem da contingência dos entes contingentes na causação divina. Tal contingência não pode
ser encontrada na causa secundária: “E digo que é necessário assinalar a causa dessa
contingência da parte da causalidade de Deus, porque não pode um efeito provir
contingentemente de uma causa segunda, a não ser que uma causa primeira, naquela ordem,
mova contingentemente” (SCOTUS, 2008, p. 106). Mas se a contingência é oriunda da
causalidade divina, ela não pode ser encontrada no intelecto divino que, conforme afirmado pelo
próprio Scotus, intelige necessariamente. Aqui, novamente, se apresenta de modo gritante (para
tomar a expressão do Dr. Williams) a distinção entre intelecto e vontade em Deus. Deixemos o
próprio Scotus falar por si:
Mas, essa contingência não é da parte do intelecto divino enquanto mostra algo
à vontade, porque aquilo que ele conhece, antes do ato da vontade, conhece
necessariamente, e naturalmente, de modo que não existe, ali, contingência para
opostos [...] Portanto, é preciso assinalar a causa da contingência nas coisas
[como sendo] da parte da vontade divina (SCOTUS, 2008, p. 107-108).
Já vimos acima como Scotus define contingente, isto é, aquilo cujo oposto poderia ser
causado ao ser ele causado. Para demonstrar que a causa da contingência reside na vontade
divina Scotus fornece primeiramente uma análise da vontade humana como causa de algumas
coisas contingentes. De acordo com ele, “a nossa vontade, pois, é livre para atos opostos (como
para querer e para desquerer, para amar e para odiar), e, em segundo lugar, por meio de tais atos
opostos, ela é livre para objetos opostos enquanto tende livremente para eles” (SCOTUS, 2008,
p. 108-109). Ele acrescenta que nossa vontade é livre com relação aos efeitos que produz, quer
imediatamente ou por mediação.
Agora o ponto em que Scotus se concentra é na liberdade da vontade humana para atos
opostos. A primeira possibilidade é quando a vontade se rende sucessivamente a objetos opostos:
“Segundo esta possibilidade, são distinguidas proposições de possibilidade que são feitas de
[termos] extremos contrários e opostos [...] e segundo o sentido de divisão, [esta] é uma
proposição verdadeira” (SCOTUS, 2008, p. 110). No sentido de composição a proposição
desmorona em contradição real. No sentido de divisão, o extremos são possíveis em tempos
distintos: “E assim também esta [proposição] ‘a vontade que ama algo pode odiar [esse] algo’ é
verdadeira, no sentido de divisão” (SCOTUS, 2008, p. 110).
A segunda possibilidade não diz respeito a atos sucessivos da vontade, mas sim a atos
que podem se dar no mesmo instante. Tal possibilidade é uma possibilidade lógica. Nesse caso, a
vontade humana seria anterior à volição humana. A vontade divina, no entanto, não tem
liberdade para atos opostos. Possui tão somente liberdade para objetos opostos. Dessa forma, a
vontade divina não precede sua volição, pois “a vontade divina, porém, não pode ter senão uma
única volição, e, por isso mesmo, por uma única volição ela pode querer objetos opostos”
(SCOTUS, 2008, p. 113). Assim, enquanto Scotus considera a vontade humana livre no modo de
operação (atos opostos) e livre em relação ao objeto (objetos opostos), a vontade divina, de
acordo com ele, não é livre no modo de operação, mas tão somente em relação aos objetos
opostos. E é livre em virtude de sua indeterminação, diferentemente do intelecto que conhece
necessariamente:
Ora, se é entendido racional, isto é, com razão, então a vontade é propriamente
racional. Ela é ˂potência˃ para opostos, tanto em relação ao ato próprio quanto
em relação ao ato das ˂potências˃ inferiores; e não é ˂potência˃ para opostos a
modo da natureza, como o intelecto, que não pode se determinar
diferentemente, mas de modo livre, podendo se determinar. E assim é potência,
pois ela pode algo, com efeito, pode se determinar. Mas o intelecto
propriamente não é potência em relação ao que é exterior, pois ele, se é para
opostos, não pode determinar qual deles, e caso não seja determinado nada pode
fora (SCOTUS, 2010, p. 82, Met. IX, q. 15).
Essa indeterminação não é uma indeterminação de insuficiência (indeterminatio
insufficientiae), mas a “indeterminação a ser assumida para a vontade tem de ser entendida, para
poder passar a si mesma para determinação, como uma indeterminação de atualidade ilimitada
(indeterminatio actualitatis...)” (HONNEFELDER, 2010, p. 162). Embora Honnefelder tente
distanciar o voluntarismo de Scotus daquele defendido por Henrique de Gand, ainda é possível
notar uma aproximação entre ambos: “Por uma vontade livre, de forma nenhuma ligada à
necessidade da natureza, quer aquilo que é exterior a si, porque, em rigor, Deus não quer nada de
maneira necessária senão a si próprio e às [Pessoas] que lhe são consubstanciais” (GAND, 1996,
p. 102).
Retomando a possibilidade lógica proposta por Scotus, que simultaneamente sustenta
uma necessidade formal e uma contingência efetiva (HONNEFELDER, 2010), nos deparamos
com algumas questões:
Primeiro, é preciso saber se a existência de uma potentia logica, isto é, de uma
não repugnância entre os termos basta para a possibilidade independentemente
de qualquer potência “real” para realizar o estado de coisas em questão. Uma
segunda questão é se essa potentia logica pressupõe ou não, se ela mesma
envolve ou não qualquer potência real (NORMORE, 2013, p. 192).

A resposta a essas questões exigiria desviar o foco do presente artigo para questões
lógicas e metafísicas por demais intrincadas. O que, por ora, nos interessa é como tal potência
lógica serve de base para a distinção entre potência absoluta (potentia absoluta) e potência
ordenada (potentia ordinata): “De acordo com sua potência absoluta, a vontade de Deus se
relaciona com todo possível e tem seu limite somente no princípio da não-contradição [...]”
(HONNEFELDER, 2010, p. 173). O professor Möhle (2013, p. 401) corrobora essa ideia: “E a
única restrição sobre o poder absoluto de Deus é a exigência de ausência de contradição”.
Esse tema da potência absoluta ou poder absoluto também está presente no
voluntarismo de Guilherme de Ockham de tal forma que é possível dizer que ele estava
“interessado em exaltar a liberdade e a onipotência divinas e deduzir o que considerava ser as
consequências lógicas da onipotência divina” (COPLESTON, 2017, p. 135).

5. TEORIA DO COMANDO DIVINO NÃO-VOLUNTARISTA


A resposta do Dr. Clark ao Dilema de Eutífron caracteriza-se pelo que é denominado
Teoria do Comando Divino. Essa teoria é frequentemente descrita como se o seu fundamento
monolítico fosse o voluntarismo. Por esse motivo nos desgastamos na seção anterior para
esclarecer a definição de voluntarismo. Se o teórico do Comando Divino não adota em seu
sistema o voluntarismo teológico não seria sensato caracterizar sua Teoria do Comando Divino
como voluntarista. Embora o vocabulário seja idêntico, a base da teoria não é a mesma.
Poderíamos denominar o segundo caso de Teoria do Comando Divino não-voluntarista.
A confusão de classificar toda e qualquer Teoria do Comando Divino como voluntarista
surge então de um uso não esclarecido do termo voluntarismo. Se a característica central do
voluntarismo é a primazia da vontade incausada, a resposta ao Dilema de Eutífron que adota a
Teoria do Comando Divino não deveria ser caracterizada como voluntarista até que se prove que
o teórico que a endossa utiliza uma base de termos claramente voluntaristas. Agora o crítico deve
estar ciente de seu dever de compreender a terminologia de um autor antes que possa exercer o
juízo. Em virtude disso, prosseguiremos para demonstrar que a base da Teoria do Comando
Divino adotada pelo Dr. Clark é não-voluntarista.
O Dilema de Eutífron levanta um desafio que não fica restrito ao campo da filosofia,
mas requer cuidadosa reflexão por parte de teístas cristãos. No âmbito da filosofia, o desafio
pode ser compreendido como uma questão metaética ou questões tipicamente levantadas pela
ética analítica. A metaética se concentra em duas áreas de investigação, sendo a primeira relativa
ao significado e à referência de termos éticos, e a segunda relativa à “questão da estrutura e da
justificativa do raciocínio moral” (MORELAND e CRAIG, 2005, p. 487). A ética analítica
“tenta desenvolver uma teoria acerca do significado dos juízos de valor e de sua possível
justificação” (GRENZ, 2006, p. 30).
O interesse central no Dilema de Eutífron é responder se os valores, as obrigações e os
deveres morais podem ser fundados na afeição dos deuses ou se existe um padrão de moralidade
independente que se aplica tanto aos deuses como aos homens. Considerando o predomínio de
uma cosmovisão politeísta, Platão parece recusar a primeira hipótese sem sentir a necessidade de
fornecer argumentos para rejeição. No Canto XIV da Ilíada (HOMERO, 2015, p. 305) vemos
como a esposa de Zeus é capaz de adormecê-lo para ajudar os gregos:
Do alto de um pico do Olimpo, Hera Augusta, do trono dourado, o que
passava no plaino admirava. De pronto a Posido reconheceu na peleja
que aos homens dá glória. Cunhado e ao mesmo tempo irmão lhe era.
A essa vista alegrou-se-lhe o peito. A Zeus percebe, porém, logo após,
no Ida augusto sentado, de muitas fontes, turvando-se-lhe a alma com
fundo desgosto. A deusa de olhos bovinos se pôs a pensar na maneira
como lhe fosse possível a Zeus iludir poderoso (150-160).

O ponto aqui não é tanto mostrar que Zeus é um deus limitado que pode ser iludido.
Antes, o intuito é chamar atenção para como o politeísmo da Grécia Antiga permite a noção de
desejos opostos ou conflitantes entre os deuses. Ora, como então a moralidade poderia estar
alicerçada na afeição dos deuses se os próprios deuses podem ter desejos conflitantes entre si?
Esse problema é colocado por Sócrates no decorrer do diálogo com Eutífron. A
investigação não é sobre quais atos são piedosos (ética normativa), mas o que faz de um ato algo
piedoso (metaética). Em outras palavras, a pergunta do diálogo pode ser claramente descrita
como segue: “O que é piedade?”. O problema surge porque Eutífron, que movia um processo
contra seu pai, estava sendo considerado ímpio em virtude de acusar o próprio pai de ter
cometido um crime. E Eutífron alega que os acusadores mal sabem o que vale para os deuses,
“relativamente ao que é piedoso e ao que é ímpio” (PLATÃO, 1993, p. 35). Tal alegação parece
indicar que Eutífron era versado acerca das coisas divinas. Isso desencadeia uma série de
questões por parte de Sócrates para saber que aspecto é esse presente em todos os atos piedosos
que os fazem tais: “Ensina-me”, diz Sócrates, “que aspecto é esse. Para que, olhando para ele e
usando-o como paradigma, eu possa declarar se qualquer acção conforme a este modelo,
praticada por ti ou por qualquer outro, é ou não piedosa” (6e). Eutífron responde dizendo que a
piedade é aquilo que é agradável aos deuses. Mas então Sócrates alega que não há um consenso
entre os deuses sobre o que é justo e o que é injusto. Assim, um determinado deus poderia
considerar justa uma ação que desagrada a outro deus:
De modo que, Êutifron, o que tu agora fazes, ao punires teu pai, não é de
espantar se, fazendo isto para ser, por um lado, querido por Zeus, por outro, te
fazes inimigo de Cronos e de Úrano; ou ainda, ao fazeres-te querido por
Hefesto, te fazes odiado por Hera. E, se algum dos outros deuses discorda de
outro acerca de ti, a discordância persiste sobre as mesmas coisas (9b).

Por esse raciocínio, pois, Platão discorda que a justiça ou piedade pode encontrar
fundamentação na afeição ou na vontade dos deuses. Outras tentativas são feitas por Eutífron
para definir piedade, mas podemos sintetizar o dilema da seguinte maneira: “Então, a piedade é
amada pelos deuses porque é piedade, ou é piedade porque é amada pelos deuses?”. No primeiro
caso, a piedade é um padrão superior e independente da vontade dos deuses. No segundo caso, a
piedade tem fundamento na vontade ou na afeição dos deuses. Enquanto o politeísmo constituiu
um problema para a definição de Eutífron, pois sua definição fazia da piedade algo dependente
da vontade conflitante de múltiplos deuses, o teísmo cristão permanece intacto em face desse
problema, porquanto não sustenta uma multiplicidade de vontades divinas conflitantes entre si.
Ao mesmo tempo, o dilema precisa ser modificado para o contexto da cosmovisão cristã. O
dilema modificado então assumiria a seguinte forma: “Deus ordena/quer algo porque é
moralmente bom ou algo é moralmente bom porque Deus ordena/quer?”.
A primeira opção, quando consideramos o sistema platônico, resulta em um padrão
externo a Deus independente dele ao qual ele deve se submeter. Nesse caso, o bem seria uma
Forma (ιδέα) abstrata e impessoal e as ações de Deus e dos homens deveriam ser julgadas a
partir desse modelo. A segunda opção implica que os valores, deveres e obrigações morais
dependem, em última análise, da vontade de Deus. De acordo com o Dr. Clark, não há um
padrão externo ao qual Deus deva se submeter. Antes, algo é moralmente bom porque Deus
quer/ordena. Já vimos na seção quatro como o Dr. Clark caracteriza essa alegação em uma esfera
ética.
A pergunta que surge é: o endosso à Teoria do Comando divino faz do Dr. Clark um
voluntarista? A pergunta foi levantada na seção anterior, mas era necessário esclarecer a
definição do termo antes de fornecer uma resposta. Como vimos, o voluntarismo pressupõe uma
distinção entre vontade e intelecto. Além disso, dissocia a vontade da essência divina. O primeiro
ponto a ser destacado, pois, é que o Dr. Clark se distanciou de uma psicologia das faculdades. De
acordo com ele, essa psicologia resulta em uma desintegração da pessoa humana. Ainda que
mantivesse a terminologia, ele esclarece, ao tratar sobre a atividade religiosa do ser humano, que
“emoção, vontade e intelecto não são três coisas, cada uma independente da outra, misteriosa e
acidentalmente habitando um corpo. Estes três são simplesmente três atividades de uma única
consciência que às vezes pensa, às vezes sente e às vezes deseja” (CLARK, 1943, p. 182). É
preciso enfatizar que a citação anterior é referente à atividade consciente do ser humano. Para o
Dr. Clark, não havia esse lapso temporal na atividade mental divina. Por outro lado, destacamos
que ele também rejeitou essa compartimentação no ser divino. Embora falasse do intelecto ou da
vontade divina, o Dr. Clark não adotava uma psicologia da faculdade. Ele considerava essa
rígida separação entre intelecto e vontade em Deus fruto de uma influência platônico-aristotélica
no cristianismo: “Embora essa separação tenha uma história antiga e honrosa, receio que seja um
dos remanescentes platônico-aristotélico de que o cristianismo deveria se livrar” (CLARK, 2017,
Locais do Kindle 1055-1057).
O segundo ponto, em íntima relação com o anterior, é que para o Dr. Clark a separação
entre vontade e intelecto parece inserir um lapso temporal na atividade divina e,
consequentemente, fazer de Deus um ser temporal. Esse foi outro motivo para que ele se
distanciasse dessa rígida separação entre intelecto e vontade em Deus. Postular que o
conhecimento divino antecede a vontade divina e que a vontade divina pode ter uma liberdade de
indiferença – tal como propôs Scotus – parecia fazer de Deus um ser que oscila entre um objeto e
outro. Tal oscilação do ser divino contraria o testemunho bíblico de que não há em Deus
variação ou sombra de mudança (Tg 1:17). Nas palavras do Dr. Clark: “Não pode haver sucessão
de idéias na mente divina. Portanto, Deus não é um ser temporal. A onisciência exige a
eternidade e a eternidade é atemporalidade” (CLARK, 2016, p. 11).
O terceiro ponto mantém íntima relação com os antecedentes, a saber, para o Dr. Clark
o título “Deus” não é um mero nome, signos sem conteúdo real. Antes, deve ser tomado de modo
analítico. Assim, quando o Dr. Clark diz que a ética está fundada na vontade de Deus tal vontade
não deve ser tomada como moralmente neutra. Para o Dr. Clark, a vontade de Deus não é um
tipo de compartimento separado do ser de Deus, uma faculdade distinta e separada do intelecto.
Como já foi dito, ele rejeitou falar de Deus em termos de uma psicologia da faculdade. Assim,
pois, a vontade de Deus é indissociável do seu ser. Não é como se o ser de Deus fosse uma coisa
anterior e independente da vontade de Deus que precisasse determiná-la para que ela se tornasse
boa. A vontade de Deus é, em si mesma, boa e perfeita (Rm 12:2). E isso devido ao fato de que
ela é indissociável do ser de Deus. E que tal era a visão do Dr. Clark foi amplamente discutido na
primeira seção.
Além disso, o próprio Dr. Clark era defensor da onipotência divina, mas não nos termos
de uma potência absoluta tal como defendida por Scotus e Ockham: “Talvez a ideia de poder
absoluto postulada por Occam não esteja certa, todavia Berkouwer admite que não há lei
superior a Deus e que, nesse sentido, Deus é de fato ‘Ex-lex’” (CLARK, 2014, p. 74-75). No que
diz respeito à relação entre necessidade e volição, o Dr. Clark novamente se distancia de Scotus.
Devido à imutabilidade divina, a ação voluntária de Deus não implica lidar com eventos incertos
e indeterminados ou com futuros contingentes. Embora o mundo criado não seja consubstancial
com a divindade, ele não pode ser considerado voluntário se “esse termo for usado para denotar
alguma liberdade não-necessária e irracional” (CLARK, 2010, Locais do Kindle 2138-2141).
Mas o Dr. Clark sustenta que o necessitarismo filosófico, entendido de modo lógico, não factual,
é compatível com as Escrituras e não exclui a ação voluntária racional por parte de Deus. Ele
mantém que a ação divina permanece voluntária, mas repudia toda noção de mundos possíveis:
“Qualquer outro mundo, nesta visão, pode ser imaginado apenas por falhar em ver que ele
contém uma contradição lógica ou impossibilidade [...] Como a mente de Deus é imutável, uma
vez que seu decreto é eterno, segue-se que nenhum outro mundo além desse é possível ou
imaginável” (CLARK, 2010, Locais do Kindle 2171-2187). Aqui vemos como o Dr. Clark
mantém a ação voluntária de Deus em íntima conexão com a essência divina.
O professor de filosofia Holmes, ao lidar com a questão metaética aqui levantada,
descreve o desafio platônico da seguinte forma: “Em seu livro Eutífron, Platão pergunta se os
deuses ordenam algo porque é certo, ou se algo é certo porque eles o ordenam. A filosofia de
Platão declara que os ideais morais, assim como outras formas, existem independentemente, os
quais dirigem tanto os homens como os deuses” (HOLMES, 2000, p. 89-90). Holmes também
propõe que a fundamentação da ética dever ser a vontade de Deus. Ele denomina isso de ética
teonômica. Mas ele, assim como o Dr. Clark, não achou necessário manter a Teoria do Comando
Divino em um alicerce voluntarista. Ele escreveu: “A vontade de Deus não pode ser separada de
sua natureza. Ele quer o que deseja, por ser o Deus que Ele é” (HOLMES, 2000, p. 90). Dessa
forma, fundamentar a ética na vontade divina envolve considerar tal vontade como indissociável
do ser de Deus. Em adição, rejeita subordinar o ser de Deus a um padrão externo impessoal: “Na
filosofia platônica, a realidade última é um ideal que existe independente de qualquer pessoa
humana ou divina. No cristianismo, a realidade última é um Deus pessoal. São pessoas e não
ideais que ordenam” (HOLMES, 2000, p. 82).
O Deus pessoal do cristianismo é a realidade última. Esse título, como foi dito, não é
um mero som. Para o Dr. Clark os signos podem ser denominativos da realidade. Em sua
filosofia da linguagem ele se aproxima da visão agostiniana ao sustentar que a linguagem pode
expressar a realidade: “[...] a linguagem foi concebida por Deus, isto é, Deus criou o homem
racional para o propósito de expressão teológica” (CLARK, 2016, Locais do Kindle 997-998).
Assim, ao falar que a ética tem seu alicerce na vontade de Deus, o título Deus deve expressar a
realidade revelada dessa denominação. Como asseverou Agostinho:
Quando eu digo “Deus” pronuncio uma palavra. Palavra breve é esta,
constituída apenas por quatro letras que formam duas sílabas. Mas Deus é
apenas isto? Quatro letras e duas sílabas resumem tudo o que Deus é? Ou o
pensamento traduzido por uma expressão é tanto mais sublime quanto menor
for o valor da mesma expressão? Que se passou no vosso coração quando
ouvistes dizer Deus? Que se passava no meu coração quando eu dizia Deus?
Pensamos a substância excelente, suma, que transcende toda a criatura mutável,
carnal e animal (AGOSTINHO, 2017, p. 19-20).

O desenvolvimento daquilo que foi expresso na citação acima pode ser encontrado na
conhecida obra de Agostinho, De Magistro (O Mestre). O ponto é aqui é destacar que ao
fundamentar a ética na vontade de Deus, o “nome” Deus significa para o Dr. Clark a
simplicidade da realidade divina. A ética permanece em um locus adequado, isto é, alicerçada na
teologia: “A moral de Israel não se fundamentava em análise da natureza humana, mas provinha
imediatamente da vontade de Javé” (AZPITARTE, 1995, p. 56). Não há um padrão externo ao
qual Deus deva se submeter: “no caso de Deus, não se pode imaginar uma lei que esteja acima
dele e à qual ele tenha de obedecer, pois sua vontade é a lei suprema” (BAVINCK, 2012, p.
233).
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