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Apelação Cível Nº 1.0702.11.

042430-7/001

<CABBCAABDCBCAADCABBCABCADBBCACAACDBA
ADDADAAAD>
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – SEGURO
DPVAT - SENTENÇA SUJEITA A RECURSO DE APELAÇÃO –
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO INOMINADO, COM FUNDAMENTO NA
LEI N. 9.099/95 - ERRO GROSSEIRO – SEGUNDO RECURSO NÃO
CONHECIDO - FALTA DE PROVA INDISPENSÁVEL AO JULGAMENTO
DO FEITO – NECESSIDADE DE VERIFICAÇÃO SEGURA DO GRAU DE
INVALIDEZ DA AUTORA – SENTENÇA CASSADA PARA REALIZAÇÃO
DE PERÍCIA MÉDICA –SENTENÇA CASSADA.
Não havendo dúvida objetiva sobre qual é o recurso cabível, a
interposição de recurso inominado impõe o não conhecimento deste,
vez que não se aplica o princípio da fungibilidade nos casos de erro
grosseiro.
O julgador é o destinatário da prova, pelo que deve determinar a
produção das provas indispensáveis à formação do seu livre
convencimento.
Tratando-se de ação em que se pleiteia o recebimento do seguro
DPVAT, em virtude de suposta invalidez total advinda de acidente
automobilístico, deve ser cassada a sentença, determinando-se a
realização de perícia médica, para averiguar se a invalidez da autora é
total ou parcial e, nesta hipótese, em que percentual.
Segundo recurso não conhecido; Preliminar, suscitada de ofício,
acolhida; sentença cassada.
Apelação Cível Nº 1.0702.11.042430-7/001 - COMARCA DE Uberlândia
- 1º Apelante: SEGURADORA LIDER DOS CONSORCIOS DO SEGURO
DPVAT S/A - 2º Apelante: M.A.S.P.S. representado(a)(s) p/ mãe M.P.S. -
Apelado(a)(s): M.A.S.P.S. representado(a)(s) p/ mãe M.P.S.,
SEGURADORA LIDER DOS CONSORCIOS DO SEGURO DPVAT S/A

AC Ó R D ÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do


Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata
dos julgamentos em não conhecer do segundo recurso e acolher a
preliminar, suscitada de ofício, de nulidade da sentença, por falta de
prova indispensável, para cassá-la.

DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA

RELATOR.

Fl. 1/12
Apelação Cível Nº 1.0702.11.042430-7/001

DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA (RELATOR)

VOTO

Trata-se de recursos interpostos por SEGURADORA


LÍDER DOS CONSÓRCIOS DO SEGURO DPVAT S/A e MARIA ALINE
SANTANA PEREIRA DE SOUSA, representada por sua mãe, MARIA
PERPÉTUA DE SANTANA, em face da sentença proferida pelo MM.
juiz a quo, da 2ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia, que, nos autos
da ação de cobrança do seguro DPVAT movida pela segunda
recorrente contra a primeira, julgou procedente o pedido inicial,
condenando a ré ao pagamento de indenização, no valor de
R$6.750,00, acrescida de correção monetária, pelos índices da
Corregedoria Geral de Justiça, desde a data do sinistro (24.10.2010) e
juros de mora de 1% a.m, a contar da citação (29.07.2011).

Insurgiu-se a primeira apelante contra a procedência


do pedido inicial, ao argumento de que o laudo que se baseou o MM.
juiz a quo é unilateral – produzido por médico particular, não sendo
hábil a comprovar os fatos constitutivos do direito da autora. Disse que
já foi efetuado o pagamento da indenização na via administrativa, de
acordo com o grau de invalidez da autora. Alternativamente, pediu que
a correção monetária incidisse a partir da data do ajuizamento da ação.
Por fim, pugnou pela reforma da decisão primeva, visando à
improcedência o pedido inicial.

A autora aviou recurso inominado, combatendo o


pagamento da indenização securitária de acordo com o grau de
invalidez, defendendo, ainda, a inconstitucionalidade da Lei n.
11.945/09.

I – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO


SEGUNDO RECURSO:

Suscito, de ofício, preliminar de não conhecimento do


segundo recurso, em razão de sua manifesta inadequação.

Como cediço, é pressuposto para o conhecimento do


recurso que ele seja adequado e próprio para impugnar a decisão que
se pretende reformar.

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Sobre o tema, assevera Alexandre Freitas Câmara, in


Lições de Direito Processual Civil, v. II, 14ª ed., Rio de Janeiro, Lumen
Juris, 2007, p. 69-70:

"É preciso ainda, para que o recurso possa ser


admitido, que se tenha interposto o recurso adequado, ou
seja, que se tenha interposto o recurso cabível contra o tipo
de provimento impugnado. Como se verá com mais
atenção quando do estudo das diversas espécies de
recurso, nosso sistema processual é, quanto à adequação
dos meios de impugnação das decisões judiciais, bastante
simples, apesar do grande número de recursos existentes.
(...) Verifica-se, assim, que o campo de cada um dos
recursos previstos em nosso ordenamento processual é
bastante bem delimitado pela lei, não surgindo muito
espaço para dúvidas quanto ao recurso cabível em cada
hipótese".

Confira-se, ainda, a lição de Humberto Theodoro


Júnior:

"Há um recurso próprio para cada espécie de


decisão. Diz-se, por isso, que o recurso é cabível, próprio
ou adequado quando corresponda à previsão legal para a
espécie de decisão impugnada. Quem quiser recorrer, há
de usar a figura recursal apontada pela lei para o caso; não
pode substituí-la por figura diversa. (...) Em face do
princípio da adequação, não basta que a parte diga que
quer recorrer, mas deve interpor em termos o recurso que
pretende". (in Curso de Direito Processual Civil, v. I, 44ª
edição, Forense, Rio de Janeiro: 2006, p. 621-622)

Na hipótese dos autos, a autora, objetivando atacar a


sentença de primeiro grau, interpôs “RECURSO INOMINADO”, previsto
nos arts. 41 e seguintes da Lei n. 9.099/95, que dispõe sobre os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Ocorre que a presente demanda jamais tramitou no


Juízo Especializado, tendo sido proposta na Justiça Comum Estadual e
distribuída ao Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia (f. 03-
v), onde seguiu seu curso regular, até a prolação da sentença (f. 231-
241).

São totalmente inaplicáveis, portanto, as disposições


da Lei n. 9.099/90. Versa o caso dos autos, repita-se, sobre ação de
indenização, sujeita ao procedimento ordinário e com tramitação
perante a Justiça Comum (2ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia),

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não havendo dúvida alguma de que o recurso cabível contra a


sentença de f. 231-241 é a apelação, conforme dispõe o art. 513, do
Código de Processo Civil.

Com efeito, interposto “recurso inominado”, fundado na


Lei n. 9.099/95, contra decisão atacável por apelação, sua
inadequação é manifesta e, por tal motivo, não pode ser conhecido.
Aliás, a hipótese é de erro grosseiro, não havendo, pois, como se
aplicar o princípio da fungibilidade recursal e, consequentemente,
receber o “recurso inominado” como apelação.

Teresa Arruda Alvim, ao dissertar sobre a aplicação do


princípio da fungibilidade, em artigo intitulado "'Dúvida' Objetiva: único
pressuposto para a aplicação do Princípio da Fungibilidade", Revista de
processo, n. 65, doutrina que:

"Apesar de não haver previsão expressa quanto ao


princípio da fungibilidade no CPC, este princípio está, na
verdade, talvez em consonância muito mais afinada com a
visão que se tem, hoje, do processo e que veio tomando
corpo na segunda metade do século, fruto de uma postura
inspirada essencialmente no princípio da instrumentalidade
das formas, que com a abordagem que se fazia do
fenômeno processual no fim do século passado e na
primeira metade deste. Ademais, como se sabe, princípios
jurídicos nem sempre vêm expressamente previstos em lei,
e nem por isso, deixam de o ser."

Esclarece, quanto aos requisitos de sua aplicação:

"(...) para que um recurso possa ser recebido 'por


outro' é necessário que haja dúvidas (não unanimidade)
quanto ao cabimento de um ou outro recurso, dúvidas
essas demonstráveis, ou por convincentes argumentos (se
se tratar de hipótese nova) ou por citações doutrinárias, ou
por precedentes jurisprudenciais num e noutro sentido. É
evidente, pois, que se a dúvida há de ser objetiva, não há
de que se falar, propriamente, em erro. Só se fala em 'erro'
aos olhos daqueles que se filiam à corrente segundo a qual
o recurso cabível seria 'o outro'."

Conclui:

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"Quando há propriamente erro, a doutrina e a


jurisprudência têm chamado esse erro (incogitável e que
afasta a possibilidade de se aplicar o princípio da
fungibilidade) de erro grosseiro."

A jurisprudência a respeito é tranquila, tendo Theotonio


Negrão (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor",
Saraiva, 30ª ed., p. 392) anotado que:

"A adoção do princípio da fungibilidade exige sejam


presentes: a) dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser
interposto; b) inexistência de erro grosseiro, que se dá
quando se interpõe recurso errado quando o correto
encontre-se expressamente indicado na lei e sobre o qual
não se opõe nenhuma dúvida; c) que o recurso
erroneamente interposto tenha sido agitado no prazo do que
se pretende transformá-lo (RSTJ 58/209)."

Também:

"Para que seja aplicado o princípio da fungibilidade


recursal é necessário que o recorrente não tenha incidido
em erro grosseiro" (RSTJ 37/464).

Diante das lições de doutrina e jurisprudência acima


transcritas, não há dúvida de que, na hipótese vertente, é inaplicável o
princípio da fungibilidade recursal, vez que, malgrado tenha sido
observado o prazo de 15 dias, previsto no art. 508, do CPC, o primeiro
requerido incorreu em erro grosseiro, ao interpor recurso inominado,
contra decisão impugnável por meio de apelação.

Releva anotar, ainda, que não se trata de simples erro


material na grafia do nomen juris atribuído ao recurso. Isso porque,
remetendo-se à peça recursal, é possível aferir que foi postulada a
remessa dos autos “à Turma Recursal da Comarca de Uberlândia” (f.
255).

Por todo o exposto, não se deve conhecer do recurso


inominado interposto pela autora.

Em casos análogos, já decidiu esta Corte:

“EMENTA: RECURSO PRINCIPAL.


RESPONSABILIDADE CIVIL. INCLUSÃO DE NOME EM
CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO.
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO INOMINADO. ERRO
GROSSEIRO. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO.
PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE. NÃO APLICAÇÃO. NÃO

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CONHECIDO RECURSO PRINCIPAL. APELO ADESIVO


TAMBÉM NÃO CONHECIDO. ART. 500, CAPUT, DO CPC.

I - A interposição de recurso inominado direcionado à


Turma Recursal, quando o correto seria a apresentação de
recurso de Apelação a este colendo Tribunal, configura erro
grosseiro, não se aplicando o Princípio da Fungibilidade.

II - Face ao não conhecimento do apelo principal,


também não se conhece do adesivo, por estar subordinado
àquele.” (TJMG, 17ª Câmara Cível, Apelação Cível n.
0193473-78.2010.8.13.0707, Relator Des. LEITE PRAÇA, in
DJe de 27.01.2012)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. SENTENÇA.


RECURSO ADEQUADO. APELAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE
RECURSO INOMINADO. INAPLICABILIDADE DO
PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. ERRO
GROSSEIRO. - É pressuposto para o conhecimento do
recurso que ele seja adequado e próprio para impugnar a
decisão que pretende reformar. - Interposto 'recurso
inominado', fundado na Lei n. 9.099/95, contra decisão
atacável por apelação, inadequado é o recurso e, por tal
motivo, não pode ser conhecido. - A hipótese é de erro
grosseiro, não havendo, pois, como se aplicar o princípio da
fungibilidade recursal e, conseqüentemente, receber o
'recurso inominado' como apelação.” (TJMG, 14ª Câmara
Cível, Apelação Cível n. 0201649-96.2011.8.13.0000,
Relator Des. ROGÉRIO MEDEIROS, in DJe de 23.08.2011)

“RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO -


DANO MORAL - SENTENÇA SUJEITA A RECURSO DE
APELAÇÃO - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
INOMINADO, COM FUNDAMENTO NA LEI N. 9.099/95 -
ERRO GROSSEIRO - RECURSO NÃO CONHECIDO
JUROS DE MORA - TERMO A QUO. - Não havendo dúvida
objetiva sobre qual é o recurso cabível, a interposição de
recurso inadequado impõe o não conhecimento deste, vez
que não se aplica o princípio da fungibilidade nos casos de
erro grosseiro. - Os juros de mora devem incidir no
percentual de 1% (um por cento) ao mês, a partir da
citação, por se tratar de responsabilidade contratual.”
(TJMG, 17ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 6872096-
90.2005.8.13.0024, Relator Des. LUCAS PEREIRA, in DJe
de 12.04.2011)

“APELAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA -


DIFERENÇAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA DE
CADERNETA DE POUPANÇA - PLANOS COLLOR I E
COLLOR II - SENTENÇA SUJEITA A RECURSO DE
APELAÇÃO - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
INOMINADO, COM FUNDAMENTO NA LEI N. 9.099/95 -

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ERRO GROSSEIRO - RECURSO NÃO-CONHECIDO. Não


havendo dúvida objetiva sobre qual é o recurso cabível, a
interposição de recurso inadequado impõe o não
conhecimento deste, vez que não se aplica o princípio da
fungibilidade nos casos de ERRO grosseiro.” (TJMG, 17ª
Câmara Cível, Apelação Cível n. 0693918-
92.2008.8.13.0324, Relator Des. EDUARDO MARINÉ DA
CUNHA, in DJe de 05.03.2010)

Com essas razões de decidir, acolho a preliminar


suscitada de ofício e não conheço do segundo recurso, em virtude de
sua manifesta inadequação.

I – PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA.

Suscito, de ofício, preliminar de nulidade da sentença,


por falta de prova imprescindível para se julgar, adequadamente, a lide.

No caso em apreço, a autora alega ter-se tornado


inválida, permanentemente, em decorrência de acidente
automobilístico.

A ré, por sua vez, sustenta que a incapacidade da


autora não é total, tendo efetuado o pagamento da indenização
securitária, levando-se em conta o grau de invalidez efetivamente
apurado, por ocasião da liquidação do sinistro, não fazendo jus,
portanto, à complementação pretendida.

Examinando-se os autos, constata-se que, até o


presente momento, inexistem elementos de prova suficientes para que
se tire uma conclusão segura acerca do percentual de incapacidade da
autora, já que o laudo do IML (f. 14), além de não precisar o grau de
invalidez, foi elaborado de forma indireta, baseando-se exclusivamente
em relatório do médico particular da vítima, documento unilateral, não
submetido ao crivo do contraditório.

A toda evidência, constituindo o cerne da controvérsia


o grau de invalidez da autora, impõe-se a realização de prova pericial
médica, única hábil a comprovar as alegações deduzidas na inicial.

Diante de tal situação, não há dúvida de que deve ser


aplicado o disposto no art. 130 do CPC:

“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento


da parte, determinar as provas necessárias à instrução do
processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente
protelatórias.”

É de se considerar que o destinatário da prova é o Juiz


e que, se os elementos presentes nos autos não são suficientes para

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se desvendar a verdade dos fatos, deve ele determinar a produção das


provas necessárias.

Pontes de Miranda aponta a necessidade de


realização da prova técnica, sempre que a verificação de um
determinado fato, controvertido nos autos, depender de conhecimento
especial, que refoge ao campo especificamente jurídico:

“A perícia serve à prova do fato que dependa de


conhecimento especial, ou que simplesmente precise de ser
fixado, não bastando a inspeção do juiz, ou a fotografia, ou
a moldagem.” (Comentários ao Código de Processo Civil,
tomo IV. Rio de Janeiro, Forense, 1974, p. 441).
Não difere o posicionamento de Moacyr Amaral
Santos, deixando clara a necessidade de que um profissional habilitado
proceda à apreciação técnica dos fatos, quando isso for necessário
para garantir uma instrução probatória segura:

“Porque o juiz não seja suficientemente apto para


proceder direta e pessoalmente à verificação e mesmo à
apreciação de certos fatos, suas causas ou conseqüências,
o trabalho fixando tal objetivo se fará por pessoas
entendidas na matéria, quer dizer, a verificação e a
apreciação se operarão por meio de perícia. Assenta-se
esta, de conseguinte, na conveniência ou necessidade de
se fornecerem ao juiz conhecimentos de fatos que ele,
pessoalmente, por falta de aptidões especiais, não
conseguiria obter ou, pelo menos, os não obteria com a
clareza e segurança requeridas para a formação da
convicção, ou, ainda, que ele não poderia ou deveria
pessoalmente colher sem sacrifício ou desprestígio das
funções judicantes.” (Comentários ao Código de Processo
Civil, 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 331-332).

Comentando os arts. 436 e 437, do CPC,


esclarecendo o verdadeiro alcance do princípio da não-
adstrição ao laudo, explicam os já citados mestres que o
julgador apenas poderá deixar de basear sua decisão nas
conclusões do perito, caso as demais provas presentes nos
autos indiquem, com segurança, que os fatos não
ocorreram conforme descritos pelo experto:

“Se há outros elementos, bastantes, de convicção,


pode o juiz desprezar o laudo, em parte ou totalmente
(dictum expertorum nunquam transit in rem iudicatam); se
não os há, ou o juiz ordena outra perícia, ou, se é o caso,
por terem divergido o perito e o assistente técnico ou os
assistentes técnicos ou científicos, adota um deles. Não

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pode desprezar o laudo, sem haver algo que seja suficiente


ao seu convencimento...” (Pontes de Miranda, op. cit., p.
463).

“(...) por não estar vinculado às conclusões do laudo


não decorre possa o juiz arbitrariamente repeli-las, mas
insta que mui fortes razões tenha, e perfeitamente
justificadas, para deixar de acatá-las. Vem a propósito lição
de LESSONA, citando STOPPATO, conforme a qual não se
deve presumir que ‘um juiz culto, inteligente e sábio negue
aquilo que se acha científica e logicamente demonstrado,
ou que repila o que estiver iniludivelmente assegurado, ou
se subtraia arbitrariamente aos resultados de
conhecimentos específicos, quando a estes correspondam
os fatos.” (Moacyr Amaral Santos, op. cit., p. 375).

Saliente-se que esta Corte tem entendido que o


Julgador deve se pautar pelas conclusões do perito, quando o deslinde
do feito depender de conhecimento técnico que apenas este detém:

“PRELIMINAR - AÇÃO DE COBRANÇA -


DIFERENÇA DE SEGURO DPVAT - NECESSIDADE DE
VERIFICAÇÃO SEGURA DO GRAU DE INVALIDEZ DO
AUTOR - SENTENÇA CASSADA - REALIZAÇÃO DE
PERÍCIA. O julgador é o destinatário da prova, pelo que
deve determinar a produção das provas indispensáveis à
formação do seu convencimento. Tratando-se de ação em
que se pleiteia o recebimento de diferença de pagamento
de seguro DPVAT, em virtude de suposta invalidez parcial,
deve ser cassada a sentença, determinando-se a realização
de perícia médica, para realizar uma justa composição do
litígio.” (TJMG – 17ª Câmara Cível – Apelação Cível N°
1.0702.07.344667-7/001 – Relator: Des. Eduardo Mariné da
Cunha – Data do Julgamento: 6.12.2007)

Dessa forma, havendo nos autos fatos


controvertidos, deve-se oportunizar a realização da prova pericial, para
a elucidação da matéria, inclusive, de ofício, nos termos do art. 130, do
CPC.

Sobre o princípio da livre admissibilidade da prova,


preleciona Rui Portanova:

“Sinonímia: Princípio da livre investigação probatória.


Princípio da liberdade da prova.

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Enunciado: Uma prova deve ser admitida no


processo sempre que necessária à determinação da
verdade dos fatos e à formação da convicção do juiz.

Conteúdo: (...) Há um tendência universal para o


sistema da livre investigação probatória. E isso não se deve
as particularidades de regimes políticos. É conseqüência de
caráter publicístico do processo. Corresponde àquilo que se
convencionou denominar 'socialização do direito'.

A partir da análise de diversos dispositivos legais,


não é difícil concluir que nosso sistema processual
consagra o princípio da livre admissibilidade da prova.

Veja-se, por exemplo, o art. 130 do CPC. O


dispositivo legal é impositivo e obrigatório (caberá ao juiz).
Não fixa qualquer condição de tempo processual. Pelo
contrário, a prova poderá vir de ofício ou a requerimento da
parte. Por fim, também não há restrição de meio probatório,
basta que as provas sejam necessárias à instrução do
processo. (Rui Portanova, in “Princípios do Processo Civil”,
3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.
208/210).

Importante registrar, ainda, a lição de Barbosa Moreira,


acerca da possibilidade de o juiz ordenar a produção de provas de
ofício, a fim de compor o litígio de forma justa:

"(...) Falta enfrentar esta questão: quid iuris, se não


vem aos autos prova de algum fato relevante? Um modo de
lidar com tal situação é lançar as conseqüências
desfavoráveis da carência probatória sobre o litigante a
quem aproveitaria o fato não provado. Nessa perspectiva,
as leis costumam estabelecer regras sobre o chamado onus
probandi: v. g., no CPC brasileiro, o art. 333, distribui o
ônus entre o autor, para fato constitutivo do alegado direito,
e o réu, para os fatos impeditivos, modificativos ou
extintivos dele.

É essa a única possível solução? Não poderá o juiz,


por sua própria iniciativa, ordenar a realização de prova
destinada a suprir a lacuna? Sempre nos pareceu, e parece
a muitos outros, que a semelhante pergunta se há de
responder afirmativamente. Julgar segundo as regras de
distribuição do ônus não é atitude que tranqüilize de todo o
juiz consciente de sua responsabilidade: ele atira no escuro;
pode acertar o alvo, mas pode igualmente errar, e sua
sentença, injusta, produzirá na vida dos litigantes efeitos
diversos dos queridos pelo ordenamento, quando não
diametralmente opostos. Não será preferível que ele
procure fazer jorrar uma luz sobre os desvãos escuros da
causa - e, se possível, baseie o julgamento numa ciência
mais exata e completa do que realmente aconteceu?

(...)

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(...) Quem quer o fim, quer os meios. Se a lei quer


que o juiz julgue, não pode deixar de querer que ele julgue,
tanto quanto possível, bem informado; logo, não deve
impedi-lo de informar-se pelos meios que tenha à mão.

Quando o juiz determina realização de prova para


melhor esclarecimento dos fatos relevantes, não está, em
absoluto, usurpando função da parte; não está agindo no
lugar dela, fazendo algo que a ela, e só a ela, incumbia
fazer. Sua iniciativa não é, a rigor, um sucedâneo da
iniciativa da parte: é qualquer coisa de inerente à sua
missão de julgador. Ele não atua como substituto da parte,
atua como juiz - como juiz empenhado em julgar bem." (O
Neoprivatismo no Processo Civil. Revista de Processo, vol.
122. São Paulo: Revista dos Tribunais, abril de 2005, p. 15-
16)

Não se pode perder de vista que o Processo Civil


contemporâneo vem afirmando, cada vez com maior ênfase, o princípio
da verdade real, pelo que o julgador não pode se contentar com a mera
verdade formal, cumprindo-lhe deferir e determinar a produção de
quaisquer provas que possam contribuir para o esclarecimento dos
fatos narrados na exordial.

Com tais razões de decidir, acolho a preliminar,


suscitada de ofício, para cassar a sentença, por ser nula, em
virtude de não haver elementos probatórios nos autos
indispensáveis para a solução da lide. Determino volvam os
autos ao juízo de primeiro grau, a fim de que seja produzida
prova pericial médica. De ofício, formulo os seguintes quesitos,
que deverão ser respondidos pelo perito oficial:

I - Pode o sr. Perito descrever as sequelas que


advieram à autora, em razão do acidente automobilístico narrado
na inicial?

II - Houve debilidade permanente de órgão (s),


sentido (s) ou função (ões)? Qual (is)? Em que grau?

III - Queira o Perito apontar qual o percentual total


de incapacidade da autora em virtude do sinistro.

Não conheço do segundo recurso.

As custas recursais serão debitadas à parte que


sucumbir ao final da demanda.

DES. LUCIANO PINTO (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

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Apelação Cível Nº 1.0702.11.042430-7/001

DES. LEITE PRAÇA - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "SEGUNDO RECURSO NÃO


CONHECIDO; PRELIMINAR, SUSCITADA DE OFÍCIO, ACLHIDA;
SENTENÇA CASSADA."

Fl. 12/12

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