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Acesso à Informação

e Controle Social das


Políticas Públicas

Realização: ANDI | Artigo 19


Acesso à Informação
e Controle Social das
Políticas Públicas
Brasília, 2009

Realização: Apoio:

UK Department
for International
ARTICLE19 Development -
DFID
Expediente
ANDI - Agência de Notícias ARTIGO 19
dos Direitos da Infância Brasil
Presidente do Conselho Diretort Oscar Vilhena Vieira Diretora Executiva da ARTICLE 19 t Agnès Callamard
Secretário Executivo t Veet Vivarta Presidente do Conselho Internacional t Catherine Smadja
Diretora do Escritório Brasil t Paula Ligia Martins

SDS – Ed. Boulevard Center – Bloco A – sala 101 Rua Pamplona, 1197 casa 2, Jardim Paulista
CEP: 70391-900 – Brasília/DF CEP 01405-030 - São Paulo, SP
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Site: www.andi.org.br Site: www.artigo19.org

Ficha catalográfica (Catalogação na publicação)


A157 Acesso à informação e controle social das políticas públicas; coordenado por Guilherme Canela e
Solano Nascimento . Brasília, DF : ANDI ; Artigo 19, 2009.
132 p.

1. Direitos Humanos. 2. Acesso à informação. 3. Controle social. 4. Políticas públicas. I. Agência de Notícias dos
Direitos da Infância. II. Canela, Guilherme. III. Nascimento, Solano (Coords.)

CDD: 342.7 ISBN: 978-85-99118-17-7

Advertência: O uso de um idioma que não discrimine e nem marque diferenças entre homens e mulheres ou meninos e meninas é uma das preocupações
da ANDI e da Artigo 19. Porém, não há acordo entre os lingüistas sobre a maneira de como fazê-lo. Dessa forma, com o propósito de evitar a sobrecarga
gráfica para marcar a existência de ambos os sexos em língua portuguesa, na presente obra optou-se por usar o masculino genérico clássico na maioria
dos casos, ficando subentendido que todas as menções em tal gênero representam homens e mulheres.
Sumário

Apresentação 06
Introdução 08
Capítulo 1
Acesso a Informações no Cenário Nacional 32
Capítulo 2
Papel do Executivo 56
Capítulo 3
Papel dos Controladores 82
Capítulo 4
Papel da Imprensa 108
Bibliografia 128
Ficha técnica
Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Realizaçãot ANDI / Artigo 19

Supervisão Editorialt Veet Vivarta

Coordenação de Texto e Ediçãot Guilherme Canela e Solano Nascimento

Assistente de Conteúdot Fábio Senne

Assistente de Ediçãot Marília Mundim

Revisão de Textot Maria do Socorro Dias Novaes de Senne

Estagiáriast Ingred Castro e Isabela Ramos

Coordenação de Produçãot Tainá Frota

Projeto Gráfico e Capat Viviane Barros

Diagramaçãot Viviane Barros e Diogo Moraes


Apresentação
“Conhecimento é poder”, afirmou Francis Bacon nos idos de 1605. A aceitação desta má-
xima implica no reconhecimento de que o acesso ao poder está diretamente relacionado
ao acesso a informações. Difundir o conhecimento significa compartilhar e democratizar o
poder. Restringi-lo, por sua vez, resulta na concentração do poder nas mãos daqueles que
detêm o acesso a informações.
Assim, o exercício prático do princípio constitucional de que “todo poder emana do
povo” está condicionado ao acesso da população ao conhecimento e à informação. A noção
de democracia, consagrada pela Constituição Federal brasileira, está vinculada à capacida-
de dos indivíduos de participarem efetivamente do processo de tomada de decisões que
afetam suas vidas. Não existe democracia plena se a informação está concentrada nas mãos
de poucos.
De fato, as instituições provedoras de conhecimento e de informação sempre caminha-
ram lado a lado com a idéia de democracia. A escola, a imprensa e as bibliotecas foram sus-
tentáculos das democracias nascentes, e a ampliação de seu acesso à população resultou na
consolidação e no aprofundamento da democracia.
As sociedades modernas também ratificaram um conjunto de direitos que se vinculam à
disseminação do conhecimento e da informação. São os direitos à educação, à liberdade de
expressão, de imprensa e de manifestação do pensamento e à informação.
O direito à informação é o direito de todo indivíduo de acessar informações públicas, ou
seja, informações em poder do Estado ou que sejam de interesse público. Embora a Consti-
tuição Federal brasileira proteja a liberdade de informação, o exercício deste direito no País
é dificultado pela ausência de uma lei que regulamente obrigações, procedimentos e prazos
para a divulgação de informações pelas instituições públicas.
A presente publicação, portanto, busca apontar os principais elementos do debate sobre o
acesso à informação. Seus capítulos foram construídos com base nos conteúdos produzidos em
iniciativa anterior articulada pela ANDI e pela Artigo 19: o seminário Controle Social das Políti-
cas Públicas e Acesso à Informação: Elementos Inseparáveis, realizado em Brasília em agosto de
2007, com o apoio do UK Department for International Development - DFID (veja relação dos
participantes e temas discutidos na página ao lado).
O encontro reuniu jornalistas, atores da sociedade civil e representantes governamentais
para um rico diálogo a respeito dos desafios que se colocam para nosso país no sentido de ga-
rantir, de forma ampla, essa importante ferramenta de consolidação do Estado Democrático de
Direito. Além dos resultados das discussões ocorridas ao longo do evento, as páginas a seguir
oferecem também uma breve visão do caminho trilhado por outras nações no sentido de regular
o acesso à informação e uma série de artigos exclusivos assinados por especialistas na temática.
Esperamos que nosso documento venha a contribuir, de maneira efetiva, para avanços no
contexto desta importante agenda.

Veet Vivarta Paula Martins


Secretario Executivo Coordenadora
Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI Artigo 19 B rasil
Seminário Controle Social das Políticas Públicas
e Acesso à Informação: Elementos Inseparáveis
(09 agosto de 2007, Brasília - DF / Realização ANDI e Artigo 19)

Mesa redonda 1 t 1BUSÓDJB1FTTJ diretora do Departamento de Governo


A importância das leis de acesso à informação Eletrônico do Ministério do Planejamento, Orçamento
e o status quo brasileiro e Gestão
t Marcelo Beraba, jornalista, ex-ombudsman da Folha Mediadora: Paula Martins – Artigo 19
de S.Paulo, presidente da Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo (Abraji) Mesa redonda 3
t %FQVUBEP3FHJOBMEP-PQFT 15.(
Frente Sociedade Civil, Legislativo e
Parlamentar pelo Acesso à Informação Ministério Público: os fiscalizadores na busca
t 1SPG%S#FMJTÈSJP4BOUPT+S advogado e ex- por informações governamentais
secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do t +PTÏ"OUÙOJP.PSPOJ diretor do Instituto de Estudos
Estado de São Paulo Socioeconômicos (Inesc)
t %S'FSOBOEP"OUVOFT dirigente da ONG t "OUPOJP$BSMPT#JHPOIB presidente da Associação
Transparência Brasil e da União Nacional dos Nacional dos Procuradores da República
Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unicon) Mediadora:1SPGB%SB-ÞDJB"WFMBS Departamento
Mediadora: Ely Harasawa – Agência de Notícias dos de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)
Direitos da Infância (ANDI)
Mesa redonda 4
Mesa redonda 2 A imprensa como watchdog: o acesso à
O Estado está preparado para informação como ferramenta de trabalho
fornecer informações? t (VJMIFSNF$BOFMB Agência de Notícias dos Direitos
t "HOÒT$BMMBNBSE diretora executiva da Artigo 19 da Infância (ANDI)
t +PTÏ(FSBMEP-PVSFJSP3PESJHVFT diretor de Sistemas t (VTUBWP,SJFHFS jornalista do Correio Braziliense
e Informação da Controladoria Geral da União (GGU) t ,BUIFSJOF'VOLF jornalista de A Tarde
t 1SPG%S1BVMP5PEFTDBO.BUUPT pesquisador do Mediador:1SPG%S-VJ[(PO[BHB.PUUB Faculdade
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB)
Introdução
Acesso à informação como
direito humano fundamental
“Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo dirige-se a este porteiro e pede para entrar na
lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem reflete e depois pergunta
se então não pode entrar mais tarde. ‘É possível, mas agora não’. Uma vez que a porta da lei continua
como sempre aberta, e o porteiro se posta ao lado, o homem se inclina para olhar o interior através da
porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz: ‘Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição.
Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala, porém, existem
porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão do terceiro’. O
homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora,
pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande
nariz pontudo e a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a
permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica
sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e cansa o porteiro com seus pedidos.
Muitas vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito
da sua terra e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que costumam fazer
os grandes senhores, e no final repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que
se havia equipado bem para a viagem, lança mão de tudo para subornar o porteiro. Este aceita tudo,
mas sempre dizendo: ‘Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer alguma coisa’. Durante
todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros
e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos, amaldiçoa em
voz alta o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se
infantil, e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola
de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente, sua vista enfraquece e
ele não sabe se de fato está escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam. Contudo, agora
reconhece no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito
tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça
para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime,
pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se até ele. ‘O que você
ainda quer saber?’, pergunta o porteiro, ‘você é insaciável’. ‘Todos aspiram à lei’, diz o homem, ‘como
explicar que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?’ O porteiro percebe que o
homem já está no fim, e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: ‘Aqui ninguém mais
podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a”1.
1 KAFKA, Franz – O processo. Tradução de Modesto Carone. 2ª. Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989, pp. 230-232.
A
sufocante passagem de O Processo, do escritor checo Franz Kafka, é um
dos diálogos travados pelo personagem central do livro, Josef K.2, na tor-
turante busca por compreender as razões pelas quais está sendo proces-
sado por um Estado Nacional.
De forma dramática, ela representa como a tentativa frustrada de
acesso a informações que deveriam ser públicas pode ter conseqüências
da maior gravidade para o cidadão ou a cidadã. Não raro, os porteiros
da informação são o fiel da balança entre o alcance de pleitos legítimos
da cidadania e o seu malogro.
A longa espera de um cidadão ou cidadã pela decisão quanto a um
processo seu no INSS ou na justiça; a incansável busca pelos familiares de
desaparecidos durante o regime militar por informações quanto aos seus
entes queridos; a necessidade de compreender por que um pedido essen-
cial foi recusado por um órgão público; as tentativas sucessivas de se obter
uma informação qualquer junto a uma concessionária de serviço público;
o anseio de acionistas em entender as circunstâncias de uma decisão dos
executivos de uma empresa; e tantas outras situações, com muita freqü-
ência, aproximam-se do interminável labirinto kafkiano ilustrativo da
busca frustrada de uma informação específica.
Institucionalizar instrumentos para o acesso a informações é a
forma encontrada pelas democracias para impedir que os “porteiros
da informação”, em um claro abuso de poder, desrespeitem um direi-
to fundamental de todos os indivíduos, reconhecido e consagrado
por diversos instrumentos internacionais de direitos humanos: o arti-
go 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 19 do

2 O trecho aqui transcrito é a resposta de um sacerdote a uma das perguntas de K.


Introdução 11

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, estão vinculados à oferta do maior volume possível de
o artigo 13 da Convenção Interamericana sobre informações. No Brasil, por exemplo, criou-se a fer-
Direitos Humanos, o artigo 9 da Carta Africana sobre ramenta conhecida como Horário Eleitoral Gratuito
os Direitos Humanos e dos Povos e o artigo 10 da que permite aos candidatos expor suas idéias ao elei-
Convenção Européia sobre Direitos Humanos. Cada torado por meio das empresas de radiodifusão.
um deles reconhece o acesso a informações públicas No mundo das relações privadas, a exigência,
como direito humano fundamental. por exemplo, de que produtos que contenham ele-
mentos transgênicos explicitem isto ao consumidor
Relevância do acesso à é uma forma de garantir uma escolha informada por
informação: perspectiva individual parte do indivíduo, já que ele pode desejar ou rejeitar
As múltiplas relações sociais que caracterizam a vida consumir esse tipo de substância.
em uma sociedade democrática são marcadas por Além de permitir a realização de escolhas mais
um elemento fundamental: a necessidade de o indi- qualificadas, o acesso à informação é central, ainda
víduo fazer escolhas. na perspectiva individual, para a consecução de um
Essas escolhas serão tão mais próximas do ponto conjunto de direitos. Em outras palavras, o acesso à
ótimo almejado pelo indivíduo quanto mais informa- informação é um direito que antecede outros.
ções ele ou ela detiver sobre as opções, os caminhos, Uma família que tenha um filho com deficiência
as alternativas e as possibilidades disponíveis. O pres- somente terá condições de exigir o direito de matricu-
suposto desta idéia é que a tomada de decisões bem lar a criança em uma escola regular, caso tenha tido
informadas beneficiará o indivíduo, enquanto deci- acesso prévio à informação de que toda criança, inde-
sões tomadas no escuro serão prejudiciais. pendentemente de quaisquer características individu-
Os mais diferentes níveis de escolha na vida ais, tem o direito de matrícula em uma escola da rede
cotidiana estão relacionados ao acesso à informa- regular de ensino. O mesmo poderíamos dizer sobre
ção – desde a simples compra de um produto em um o acesso a medicamentos de distribuição gratuita, a
supermercado, até a decisão de votar neste ou naque- benefícios previdenciários, entre outros exemplos.
le candidato à Presidência da República.
No exercício da democracia, em que o processo Relevância do acesso à
eleitoral é parte fundamental do regime, mecanismos informação: perspectiva coletiva
institucionais devem possibilitar que o eleitorado Além de ser um direito de todo e qualquer indiví-
tome decisões bem informadas. Estes mecanismos duo, o acesso à informação é um direito difuso, ou
12 Acesso a Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Artigo 19, seja, que pertence à coletividade. Isso porque o acesso amplo a
Declaração Universal dos informações públicas resulta em ganhos para a comunidade de
Direitos Humanos maneira geral.
“Todo ser humano tem direito à liberdade de opi- Conhecer as informações em poder do Estado permite o
nião e de expressão; esse direito inclui a liberda- monitoramento da tomada de decisões pelos governantes – que
de de ter opiniões sem sofrer interferência e de
procurar, receber e divulgar informações e idéias
afetam a vida em sociedade. O controle social mais atento dificul-
por quaisquer meios, sem limite de fronteiras”. ta o abuso de poder e a implementação de políticas baseadas em
motivações privadas.
Ao mesmo tempo, decisões de políticas públicas tomadas
com base em informações amplas e de qualidade terão resulta-
dos mais eficientes. Um governante não pode tomar uma deci-
são adequada sobre a alocação de recursos na área de seguran-
ça pública, por exemplo, se não tem disponíveis informações de
qualidade sobre a ocorrência de crimes em uma região.
Ao direito do indivíduo de acessar informações públicas
contrapõe-se o dever de os atores públicos divulgarem informa-
ções e serem transparentes. O cumprimento desse dever contri-
bui para aumentar a eficiência do poder público, diminuir a cor-
rupção e elevar a accountability.

Mundo real e suas complexidades


Com o crescimento exponencial da população mundial, diversos
elementos da vida em sociedade passaram a ser executados por
intermediários ou representantes. Não é possível que todos parti-
cipem da gestão de um país, da mesma forma como não podemos
sobreviver a partir de trocas comerciais feitas exclusivamente com
pessoas conhecidas.
A todo momento, delegamos ações importantes e até mes-
mo centrais para nossa vida a terceiros. Delegamos aos represen-
tantes eleitos o governo da cidade, do estado e do país. Delegamos
Introdução 13

aos professores a educação de nossos filhos e filhas. te do acesso às informações que comprovem as causas
Delegamos ao mecânico o conserto de nosso veículo. apresentadas para a não- construção das escolas.
Esse processo de delegação gera inevitavelmen- Porém, as relações de confiança – que podem
te uma diferenciação entre os indivíduos: a especiali- e devem ser fortalecidas – não são suficientes para o
zação. E a especialização gera, por sua vez, assimetria alcance de escolhas de qualidade e para a efetivação
de informações. Quando os pais delegam a educação de outros direitos. É preciso, portanto, que o direito de
de seus filhos e filhas a uma instituição educacional, acesso à informação seja garantido na prática. O pri-
eles passam a ter menos informações do que a insti- meiro passo para isso é a construção de marcos regu-
tuição sobre o andamento do processo educacional latórios concretos que possibilitem a consecução deste
da criança, mesmo sem perder o poder originário de direito, conforme veremos ao longo desta publicação.
decidir sobre a educação dos seus filhos.
Quando elegemos um prefeito, novamente entra- Obstáculos intencionais à
mos em um processo de assimetria brutal de informa- garantia do acesso à informação
ções. Considere o exemplo de um chefe do Executivo A assimetria de informações entre os atores que com-
municipal que foi eleito com a plataforma de construir põem o jogo democrático gera riscos para a tomada
três novas escolas. Uma vez conduzido ao cargo, o de decisões qualificadas e para o exercício do contro-
governante vem a público salientar que, infelizmente, le democrático. Ações concretas devem, portanto, ser
os recursos da prefeitura são insuficientes para cum- empreendidas para superá-la ou minimizá-la.
prir a promessa. No entanto, o eleitorado não dispõe Porém, os atores que são beneficiados com a assi-
das mesmas informações que o Executivo para verifi- metria de informações se dão conta dos ganhos que
car a validade da informação. podem obter com a manutenção de um status quo
Existem duas formas não excludentes de redu- assimétrico. Isso vale para o prefeito que pode usar
zir os riscos e custos associados às assimetrias de o dinheiro para outros fins, o professor que pode ser
informação que caracterizam as nossas sociedades: o preguiçoso e o mecânico que pode cobrar mais do que
aprofundamento das relações de confiança e o esta- deveria, porque detêm mais informações que o indi-
belecimento de mecanismos institucionais de acesso víduo no qual o poder estava originariamente aloca-
às informações detidas pelos agentes especializados. do – mas que foi “forçado”, dadas as circunstâncias da
Por uma série de razões – afetivas, por exemplo modernidade, a delegá-lo.
–, um eleitor pode confiar no esclarecimento prestado As assimetrias são generalizadas na sociedade e,
pelo prefeito mencionado acima, independentemen- às vezes, atuam em cadeia. Por exemplo, o povo dele-
14 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Da Antiguidade ao Estado Moderno


Ao abordar o processo de construção da mídia mo- fundamental para solapar a ordem autoritária e abrir
derna, o professor de Princeton e ganhador do Prê- caminhos para a consolidação das democracias.
mio Pulitzer Paul Starr destaca que a restrição do
acesso à informação é uma preocupação presente em O exemplo sueco
sociedades das mais distintas épocas – dos escribas Na Suécia, a Lei de Liberdade de Imprensa prevê que
da Antiguidade até os modernos censores. todo indivíduo tem o direito de acessar documentos
Segundo alguns pesquisadores, o acesso a informa- públicos, salvo aqueles classificados como secretos. A
ções e às vias de comunicação foi crucial no processo antiqüíssima lei de acesso à informação daquele país
de constituição dos Estados Nacionais. De acordo está vinculada a uma profunda cultura de transparên-
com esses especialistas, a facilidade comunicativa – in- cia e controles cruzados das autoridades com funções
clusive física – foi determinante para o fortalecimento públicas. Seu êxito não pode ser desconectado de um
das nações e das potências comerciais. Não à toa, o amplo aparato de proteção do cidadão em relação ao
cientista político Karl Deutsch afirma que a comunica- governo, no qual o ombudsman geral desempenha um
ção representa “os nervos do governo”. papel-chave.
É nesse sentido que – especialmente para os go- O Parliamentary Ombudsman, eleito pelo Parla-
vernantes – permanece um dilema entre conhecimen- mento sueco (Riksdag), funciona há quase 200 anos
to e poder. Como sabemos, uma maior difusão de in- (desde 1809). Cabe a ele supervisionar a aplicação da
formações e de capacidades gera amplos benefícios lei pelos serviços públicos do país, estando aberto a
– como a disseminação de inovações técnicas que qualquer cidadão que identifique alguma injustiça.
podem promover maior crescimento econômico, por O posto de ombudsman, inicialmente ocupado
exemplo. Por outro lado, permitir que as pessoas se por apenas uma pessoa, teria sido criado a partir da
comuniquem e se organizem de forma independente idéia de um sistema de pesos e contrapesos. O ob-
pode também criar desestabilização do status quo. jetivo era constituir um órgão independente, pois o
Curiosamente, o fortalecimento dos Estados Na- Chancellor of Justice – que já ocupava a função de
cionais sempre passou pela ampliação dos instrumen- supervisão dos oficiais do Estado – possuía vincula-
tos de disseminação e acesso à informação – aspecto ção direta com o governo.
Introdução 15

ga poder aos parlamentares para legislarem sobre um Estados Nacionais sejam obrigados a ofertar todas as
conjunto de temas, como a regulação de serviços públi- informações em seu poder, com raras exceções.
cos, para citar um caso. Os parlamentares, por sua vez, No entanto é preciso reconhecer que, por von-
delegam poder às agências reguladoras para que façam tade própria, os governantes não têm incentivos
esse mesmo trabalho. Já as agências precisam regular suficientes para disseminar informações contrárias
empresas – as concessionárias – as quais, na ponta do aos seus interesses. A garantia do direito à informa-
processo, controlam as informações sobre suas ações. ção é feita, então, pela aprovação e implementação
Os parlamentares têm mais informações que o povo, de leis que definam procedimentos e prazos para a
as agências têm mais informações que os parlamenta- divulgação de informações, assim como responsabi-
res e as empresas mais informações que as agências. lidades pelo descumprimento desta obrigação.
Os indivíduos estão sempre em desvantagem nes- A primeira lei de acesso a informações de que
sa história? Nem sempre. Veja o caso dos seguros de se tem notícia no mundo foi promulgada pela Suécia
várias naturezas. Uma seguradora de saúde não tem há mais de 200 anos. A Lei de Liberdade de Imprensa
condições de saber se o indivíduo realmente necessita (Freedom of the Press Act), de 1766, tem um capítulo
fazer uso daquela consulta; uma seguradora de carros específico sobre a natureza pública dos documentos
não sabe se, uma vez feito o seguro, o indivíduo vai ter oficiais, que prevê que todo indivíduo tem o direito de
um comportamento de risco. Tudo isso em função da acessá-los, salvo aqueles classificados como secretos.
assimetria de informações. Voltando ao tema das assimetrias de informa-
ções, um estudioso afirma que a garantia legal do aces-
As soluções democráticas so a informações públicas na Suécia foi baseada jus-
Tendo em vista a relevância dos Estados Nacionais tamente na compreensão, pelos partidos políticos, de
na organização da vida contemporânea, a discussão que a abertura de informações ajudaria a promover
sobre as assimetrias informacionais vinculadas ao uma disputa de forças mais balanceada, quando eles
exercício do poder é particularmente pertinente. não estivessem no poder3. Mas a pioneira decisão sue-
A saída encontrada pelas democracias para garan- ca não foi seguida com a mesma velocidade pela maio-
tir a sua própria sobrevivência foi estabelecer instru- ria das nações.
mentos para diminuir as assimetrias informacionais.
3 No livro Freedom of Information: A Comparative Legal Survey, Toby
Esses instrumentos passam pela garantia dos direitos Mendel cita explicação do caso sueco feita por Swanström, K., em
de se expressar e manifestar, pela garantia da existên- Access to information – an efficient means for controlling public power.
MENDEL, Toby.. Freedom of Information: A Comparative Legal
cia de uma imprensa livre e pela exigência de que os Survey. 2ª.edição. Paris: UNESCO, 2008, p. 101.
16 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

A sociedade da informação Em 1990, somente 13 países haviam adotado leis


O acirramento dos conflitos bélicos, a ampliação nacionais relacionadas ao tema. Em 2008, mais de
dos limites à proliferação de armas nucleares, os 70 países já têm leis de acesso à informação5. Numa
conflitos ideológicos que marcaram o século XX e era na qual a informação adquire um papel defini-
o medo dos “estragos” que uma política ampla de dor da própria essência dos tempos em que vivemos,
transparência poderia causar ao poder dominan- não faz sentido que algumas nações se omitam na
te levaram até mesmo democracias consolidadas a garantia definitiva de tal direito, como ainda ocorre
garantir liberdades clássicas (como a liberdade de no Brasil.
expressão e de imprensa) mas postergar a criação de Como dito anteriormente, esta publicação é fru-
um sistema coeso de acesso à informação pública. to das discussões do seminário Controle Social das
A abertura de segredos militares e a “transparência Políticas Públicas e Acesso à Informação: Elementos
excessiva” poderiam ser corrosivas para os gover- Inseparáveis, co-organizado pela ANDI e pela Artigo
nantes de turno, ainda que salutares para cidadãos 19. Os capítulos que seguem respeitam a forma em
e cidadãs. que o seminário foi estruturado.
Felizmente, uma série de mudanças ocorridas O primeiro capítulo trata da importância das
no mundo, nas duas últimas décadas, contribuiu para leis de acesso à informação e apresenta o mar-
a aceitação crescente do direito de acesso a informa- co regulatório brasileiro nesse campo. O segundo
ções. A transição de diversos países para a democra- capítulo debate a capacidade de o Estado forne-
cia é um desses fatores. cer informações. O Capítulo 3 discute a importân-
Simultaneamente, o progresso nas tecnologias cia do acesso à informação para a sociedade civil
de informação mudou a forma pela qual as socieda- organizada, o Legislativo e o Ministério Público. O
des usam a informação e se relacionam com ela. volume se encerra com uma reflexão sobre as rela-
O avanço dessas tecnologias aumentou a capaci- ções da imprensa com a ampla garantia do acesso
dade de a população fiscalizar o poder público e par- à informação.
ticipar dos processos de tomada de decisão. Com isso, A mensagem central é de que o almejado contro-
a informação se tornou ainda mais importante para le das autoridades públicas e de suas decisões só pode
os cidadãos. O resultado foi o aumento na demanda ocorrer efetivamente com a garantia concreta do direi-
pelo respeito do direito de acesso à informação4. to de acesso às informações públicas.
4 MENDEL, Toby. Freedom of Information: A Comparative Legal Sur- 5 MENDEL, Toby. Freedom of Information: A Comparative Legal Sur-
vey. 2ª.edição. Paris: UNESCO, 2008, p. 4. vey. 2ª.edição. Paris: UNESCO, 2008, p. 3.
Introdução 17

O direito internacional e a liberdade de informação


Desde sua origem, a Declaração Universal dos Direitos que os indivíduos queiram divulgar ou publicizar. Esta
Humanos (DUDH), que completou 60 anos em 2008, re- interpretação, no entanto, não estabelece de forma
conhece e dá forte ênfase à liberdade de informação. Já clara o direito de receber determinados tipos de in-
em 1946, em sua sessão de abertura, a Assembléia Geral formações do governo ou de terceiros3;
da ONU declarava que ”a liberdade de informação é um t Obrigação de proteger: Segundo este enfoque, que
direito fundamental e a pedra de toque das liberdades ganhou importância nos anos de 1990, passou-se a
às quais a ONU está dedicada”1. Os Artigos 19 da DUDH aceitar que os governos estão sob uma obrigação po-
e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos sitiva de tomar medidas concretas para prevenir que
(PIDCP) garantem a todos ”a liberdade de ter opiniões e indivíduos ou grupos privados interfiram na comuni-
de procurar, receber e transferir informações e idéias por cação legal de informações4;
quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. t Obrigação de realizar: Finalmente, o direito à informa-
Tal direito é reconhecido, em termos semelhantes, pelos ção tem sido crescentemente compreendido como
principais tratados internacionais de cunho regional. impondo aos governos uma obrigação positiva de
No relatório de 1995 do Artigo 19 sobre O Direito fornecer informação, inclusive informação detida pelo
de Saber2, Sandra Coliver afirmou que o direito à liber- Estado. Nos últimos dez anos, ou há mais tempo, esta
dade de informação passou por algumas fases principais obrigação em particular passou a dominar o trabalho
de sua interpretação quanto às obrigações que impõe de muitos ativistas que têm defendido o acesso à in-
aos Estados: formação em poder do governo por meio da adoção
t Obrigação de respeitar: Tradicionalmente o direito de leis de liberdade de informação ou leis de acesso
à liberdade de informação tem sido compreendido FYQSFTTÜFTRVFBEPUBSFNPTBRVJDPNPTJOÙOJNBT

como a liberdade de receber e divulgar informações, A obrigação imposta aos governos de fornecer
livre da interferência do Estado. Segundo tal interpre- informação nem sempre foi interpretada em conjun-
tação, o governo está sob uma obrigação negativa de to com o Artigo 19 da Declaração, ou seja, como parte
não interferir na comunicação de informações e idéias integral do direito à liberdade de expressão. A Corte
3 Sandra Coliver, “The Right to information necessary for repro-
1 14 de dezembro de 1946. ductive health and choice under international Law”, em ARTICLE
2 ARTICLE 19, The Right to Know: Human Rights and access to re- 19, 1995, PP. 38 a 82.
productive health information, editado por Sandra Coliver, 1995. 4 Ibid, p. 61.
18 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Européia de Direitos Humanos, por exemplo, tem relutado às comunicações dos indivíduos. Faria sentido, portanto,
em introduzir uma obrigação expressa de fornecer acesso à interpretar a inclusão da liberdade de buscar informações,
informação, no contexto do Artigo 10, que garante a liberda- em especial o direito de recebê-las, como impondo ao go-
de de expressão e tem preferido relacionar esta obrigação verno uma obrigação de fornecer acesso à informação que
positiva a outros direitos, em especial ao direito à privaci- ele detém... Garantir a liberdade de expressão sem incluir a
dade e vida em família ou ao direito à vida. Outros direitos liberdade de informação seria mero formalismo, negando a
podem também justificar o direito à informação, como, por ambas efetiva expressão prática e um dos objetivos centrais
exemplo, o direito à saúde e o direito a um meio ambiente que a liberdade de expressão visa alcançar”6.
equilibrado. Tais interpretações simplesmente demonstram 03FMBUPSEB0/6QBSBB-JCFSEBEFEF&YQSFTTÍPF
a importância do direito de acesso não apenas como uma Opinião adotou, desde muito cedo, esta interpretação ao
garantia em si, mas também como ferramenta instrumental declarar que o direito de acesso à informação detida por au-
para realização de outros direitos. No campo ambiental, toridades públicas encontra-se protegido sob o Artigo 19 do
por exemplo, a Convenção de Aarhus de 19985 prevê tanto PIDCP7. Em 1999, a Comissão de Direitos Humanos da ONU
uma obrigação positiva, por parte dos Estados, de dar pu- acatou tal interpretação.
blicidade a certas informações, como o direito de todos de Em 2002, a Comissão Africana de Direitos Humanos
ter acesso a informações ambientais (duas faces da mesma F EPT 1PWPT BEPUPV B %FDMBSBÎÍP EF 1SJODÓQJPT TPCSF -J-
moeda, também comumente chamadas de obrigação ativa berdade de Expressão na África, interpretando o conteúdo
e obrigação passiva). do Artigo 9 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos
Existem fortes razões, no entanto, para argumentar que Povos. Tal declaração expressamente ratifica a existência do
a garantia da liberdade de expressão inclui o direito de aces- direito de acesso à informação detida pelos órgãos públicos,
so à informação detida pelo Estado. “Pode-se argumentar afirmando que:
que a liberdade de receber informações impede autoridades Órgãos públicos detêm informações não para si pró-
públicas de interromper o fluxo de informações para indiví- prios, mas como guardiões do bem público e todos têm
duos e que a liberdade para difundir informações aplica-se
6 Toby Mendel, “Freedom of Information as an internationally protec-
ted human right”, American Civil Liberties Union International Civil
5 Apesar de estar em vigor apenas nos países da Comunidade Eu- Liberties Report (2000, Los Angeles, ACLU), disponível em www.arti-
ropéia, a Convenção de Aarhus é considerada um modelo global de cle19.org/pdfs/publications/foi-as-an-international-right.pdf.
acesso à informação em matéria de meio ambiente. 7 UN Doc. E/CN.4/1999/64, parágrafo 12, citado por Toby Mendel, op cit.
Introdução 19

o direito de acessar tal informação, sujeitos apenas a A necessidade de adoção de legislação de acesso à
regras claramente definidas, estabelecidas por lei8. JOGPSNBÎÍPGPJUBNCÏNFOGBUJ[BEBQFMPT3FMBUPSFTQBSB-J-
berdade de Expressão da ONU, OEA e OSCE. Tais Relato-
Finalmente, em 2007, a Corte Inter-Americana de Di- res têm se reunido anualmente para elaboração e publica-
reitos Humanos, no caso Claude Reyes vs. Chile, decidiu ção de uma Declaração Conjunta sobre diferentes temas
que a liberdade de informação é um direito humano bási- relacionados à liberdade de expressão. Em sua declaração
co, implícito no direito à liberdade de expressão9. Esta foi de 2004, eles afirmaram que:
uma sentença pioneira que marcou a primeira vez que um
tribunal internacional confirmou a existência de um pleno O direito de acessar informação detidas pelas autori-
direito de acesso à informação detida pelo governo ou dades públicas é um direito humano fundamental que
por outros órgãos públicos10. deve ser efetivado no nível nacional através de legis-
lação abrangente (por exemplo, leis específicas sobre
liberdade de informação), baseada na premissa da
Características de um máxima abertura, estabelecendo a presunção de que
verdadeiro regime de acesso toda informação é acessível, sujeita apenas a um restri-
A jurisprudência internacional já deixou claro que as obriga- to sistema de exceções11.
ções dos Estados, destinadas a fazer valer os direitos prote-
gidos nos tratados de direitos humanos, englobam uma série Uma legislação de acesso, portanto, deve ir além da
de obrigações, tanto de cunho negativo (abster-se de), quan- mera proteção nominal do direito de acesso, definindo de
to positivo (tomar medidas concretas para). Entre as obriga- forma detalhada a estrutura de um regime de acesso à in-
ções positivas, os textos internacionais citam explicitamente formação efetivo e operacional.
a obrigação de adotar legislação adequada. São vários os padrões internacionais que fornecem va-
liosos subsídios para definição do conteúdo exato do direito
8 Princípio IV.
de acesso à informação, detalhando de forma mais extensa
9 Para ter acesso ao parecer apresentado por ONGs no caso, veja www.
article19.org/pdfs/cases/inter-american-court-claude-v.-chile.pdf. Para o
respectivo comunicado de imprensa, veja www.article19.org/pdfs/press/ 11 Adotada em 6 de dezembro de 2004. Disponível em: www.unhchr.
inter-american-court-a19-foi-amicus-brief.pdf. ch/huricane/huricane.nsf/0/9A56F80984C8BD5EC1256F6B005C47F0
10 www.justiceinitiative.org/db/resource2?res_id=103448 ?opendocument.
20 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

os princípios que devem reger um regime de acesso, para Humanos no caso Claude Reyes, de setembro de 2006, con-
além do texto expresso dos próprios tratados. No seu Rela- forme veremos no capítulo 1.
UØSJP"OVBMEF QPSFYFNQMP P3FMBUPSEB0/6QBSB-J- Embora regimes jurídicos específicos adotados em
berdade de Expressão apresentou uma série de padrões de- diferentes países variem de forma significativa, é possível
talhados aos quais uma lei de acesso deve se conformar12. Em identificar, igualmente, um considerável número de seme-
2002, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa emitiu lhanças, podendo-se dizer que já existe hoje uma prática
recomendações ainda mais detalhadas fornecendo, inclusi- consistente no trato da matéria. Também essas práticas po-
ve, uma lista dos objetivos que poderiam ser considerados dem ser utilizadas como importante fator indicador de pa-
legítimos para justificar exceções ao direito de acesso13. drões comuns na regulamentação do acesso à informação.
Outro documento bastante útil é a Declaração Con- Em 1999, a Artigo 19 preparou e publicou um grupo de
KVOUB EPT 3FMBUPSFT QBSB B -JCFSEBEF EF &YQSFTTÍP EF princípios com o objetivo de estabelecer clara e precisa-
2004, já citada acima. Também podem ser mencionadas mente as formas pelas quais os governos podem alcançar a
B %FDMBSBÎÍP EF 1SJODÓQJPT TPCSF -JCFSEBEF EF &YQSFT- abertura máxima das informações oficiais, de acordo com os
são na África14, a Declaração Inter-Americana de Princí- melhores critérios e práticas internacionais. Os princípios fo-
QJPT TPCSF -JCFSEBEF EF &YQSFTTÍP15, a Convenção de ram baseados nas normas e em padrões internacionais e re-
Aarhus16 e a decisão da Corte Inter-Americana de Direitos gionais, nas práticas estatais em desenvolvimento (legislação
12 Relator Especial, Relatório Promoção e proteção do direito à li- nacional e jurisprudência de tribunais nacionais) e nos prin-
berdade de opinião e expressão, Doc ONU E/CN.4/2000/63, 18 de cípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade das
janeiro de 2000, parágrafo 44.
13 Recomendação R(2002)2 do Conselho de Ministros dos Estados- nações. São o produto de um extenso processo de estudo,
Membro sobre acesso a documentos oficiais, 21 de fevereiro de 2002. análise e consultas sob a facilitação do Artigo 19 e utilizando
14 32ª Sessão Ordinária da Comissão Africana de Direitos Humanos e
dos Povos, 17 a 23 de outubro de 2002, Banjul, Gâmbia. Disponível em a vasta experiência e trabalho realizado por organizações
www.achpr.org/english/declarations/declaration_freedom_exp_en.html. parceiras em diversos países17.
15 Adotada pela Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos
em sua 108ª Sessão Ordinária, 19 de outubro de 2000. Disponível em
www.iachr.org/declaration.htm. 17 Os parágrafos a seguir constituem trechos retirados da publicação
16 Convenção sobre Acesso à Informação, Participação Pública em O Direito do Público a Estar Informado — Princípios sobre a Legis-
Processos Decisórios e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais, Doc lação de Liberdade de Informação, Artigo 19, Série Normas Interna-
UM ECE/CEP/43, adotada pela Quarta Conferência de Ministros no cionais, junho de 1999. O documento integral encontra-se disponível
processo “Meio Ambiente para a Europa”, 25 de junho de 1998, e que para consulta em www.article19.org/pdfs/standards/public-right-to-
entrou em vigor em 30 de outubro de 2001. know-portuguese.pdf.
Introdução 21

PRINCÍPIO 1. MÁXIMA DIVULGAÇÃO PRINCÍPIO 2. OBRIGAÇÃO DE PUBLICAR

A legislação sobre liberdade de informação deve ser Os organismos públicos devem estar obrigados
orientada pelo princípio de máxima divulgação. a publicar informação considerada essencial.

O princípio de máxima divulgação estabelece a premissa A liberdade de informação implica não só que os organis-
de que toda a informação mantida por organismos públicos mos públicos devem fornecer informações que lhe sejam
deve estar sujeita à divulgação e de que tal suposição só demandadas, mas também que eles publiquem e divulguem,
deverá ser superada em circunstâncias muito limitadas (ver de forma voluntária e proativa, documentos e informações
o Princípio 4). de essencial e significativo interesse público. Tal obrigação
O Princípio 1 fundamenta o próprio conceito de li- é sujeita apenas a limites razoáveis baseados em recursos e
berdade de informação que – numa forma ideal – deveria capacidades. Quais informações deverão ser publicadas de-
ser salvaguardada na Constituição, a fim de estabelecer penderá do organismo público em questão. A legislação deve
claramente que o acesso à informação oficial é um direito estabelecer tanto a obrigação geral de publicar como as cate-
básico. O objetivo primordial da legislação seria, então, o gorias essenciais de informação que devem ser publicadas.
de aplicar a máxima divulgação na prática. Os organismos Organismos públicos devem, no mínimo, ter a obriga-
públicos têm obrigação de divulgar informação, assim ção de publicar as seguintes categorias de informação:
como todo cidadão tem o direito correspondente de re- t Informação sobre como o organismo público opera, in-
ceber informação. cluindo custos, objetivos, contas já verificadas por peri-
Todas as pessoas presentes no território nacional de- tos, normas, empreendimentos realizados, etc., particular-
vem se beneficiar de tal direito, que não deve estar sujei- mente nas áreas onde o organismo presta serviços diretos
to à demonstração de interesse específico na informação. ao público;
Quando uma autoridade pública pretende negar o aces- t Informações sobre quaisquer solicitações, queixas ou ou-
TPËJOGPSNBÎÍP EFWFUFSPÙOVTEFKVTUJGJDBSBSFDVTBFN tras ações diretas que o cidadão possa levar a cabo con-
cada fase do processo. Em outras palavras, a autoridade tra o organismo público;
pública deve demonstrar que a informação, cuja divulgação t Orientações sobre processos por meio dos quais o ci-
pretende impedir, encontra-se abrangida pelo âmbito de dadão possa exercer sua participação, com sugestões
um limitado grupo de exceções, como adiante detalhado. para propostas políticas ou legislativas;
22 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

t O tipo de informação guardada pelo organismo e como sentação de obstáculos ainda a serem removidos, medidas
é mantida esta informação; e tomadas para se aumentar o acesso do público à informação
t O conteúdo de qualquer decisão ou política que afete e metas a serem alcançadas no ano seguinte.
o público, juntamente com as razões que motivaram a A legislação deve exigir que recursos e atenção ade-
decisão bem como o material relevante de análise que quados sejam destinados à promoção dos objetivos e fina-
serviu de apoio à decisão. lida-des da lei. Os organismos públicos devem ser encora-
jados a adotar códigos internos de conduta sobre o acesso
e abertura.
PRINCÍPIO 3. PROMOÇÃO DE UM GOVERNO ABERTO

Organismos públicos devem promover


PRINCÍPIO 4. ÂMBITO LIMITADO DAS EXCEÇÕES
ativamente um governo aberto.
Informar o público sobre os seus direitos e promover uma As exceções devem ser clara e rigorosamente de-
cultura de abertura no seio do governo são aspectos es- senhadas e sujeitas a rígidas provas de “dano” e
senciais, para que os fins de uma legislação de acesso à “interesse público”.
informação sejam alcançados. A experiência em vários paí- Todas as solicitações individuais de informação a organismos
ses demonstra que um serviço público indisciplinado pode públicos devem ser atendidas, a não ser que tal organismo
prejudicar gravemente a mais progressiva das legislações. possa demonstrar que a informação solicitada recaia sob o
As atividades de promoção são, por isso, um componente âmbito de um regime limitado de exceções, previamente pre-
essencial de um regime de liberdade de informação. Essas visto em lei. Além disso, a recusa na divulgação da informação
atividades vão desde educação pública, no sentido de disse- só poderá ser justificada se a autoridade pública puder de-
minar os elementos relacionados com o direito de acesso à monstrar que, naquele caso concreto, tal limitação atende ao
informação para o cidadão em geral, até o treinamento dos chamado “teste de três fases”, elaborado pela jurisprudência
próprios funcionários públicos sobre a importância e alcan- internacional. O teste de três fases tem por objetivo avaliar,
ce da liberdade de informação. em cada caso concreto, a relação custo (dano) / benefício
Outra possibilidade é a apresentação, por parte dos (interesse público) na divulgação de uma dada informação.
órgãos públicos, de relatórios anuais quanto ao estado do Segundo o teste de três fases, a determinação da
acesso à informação no âmbito daquele órgão, com apre- confi-dencialidade em um dado caso concreto só pode ser
Introdução 23

considerada legítima se estiverem presentes os requisitos prio órgão público ao qual a informação foi solicitada; em
a seguir: recurso a um órgão administrativo independente; e em re-
t A informação solicitada relaciona-se a um dos objetivos curso aos tribunais.
legítimos listados na lei; Sempre que necessário, devem ser, também, toma-
t A divulgação de tal informação poderá causar graves das providências para garantir a certos grupos específicos
danos a tal objetivo; e efetiva acessibilidade às informações, como, por exemplo,
t O prejuízo ao objetivo em questão deve ser maior do que o as pessoas que não sabem ler nem escrever, as que não
interesse público na liberação da informação específica. falam a língua usada nos documentos ou as que portam
Nenhum organismo público deve ser totalmente alguma restrição física, como aqueles com deficiência vi-
excluído do âmbito da lei, mesmo que a maioria das suas sual. Deve ser estipulado que todos os organismos públi-
funções se encontre na zona de exceções. Isto se aplica cos utilizem sistemas internos abertos e acessíveis para
a todas as áreas de governo (ou seja, executiva, legislati- garantir o direito do cidadão à informação.
va e judicial) bem como funções de governo (incluindo, De forma geral, os órgãos públicos devem designar
por exemplo, funções de segurança e organismos de de- funcionários para processar solicitações de informação e
fesa). Restrições com o objetivo de proteger os governos garantir que os termos da lei sejam cumpridos. Os funcio-
de situações de embaraço ou da divulgação de ilegali- nários públicos devem também ser incumbidos de ajudar os
dades ou irregularidades não deverão ser consideradas requerentes cujas solicitações se referem a informações já
legítimas e justificadas. publicadas, inclusive caso necessitem de reformulação. Por
outro lado, os organismos públicos devem ter a possibilida-
de de recusar solicitações consideradas fúteis ou vexatórias.
PRINCÍPIO 5. PROCESSOS PARA FACILITAR O ACESSO Os organismos públicos não devem ser obrigados a prestar
As solicitações de informação devem ser proces- informações já contidas em publicações, mas, nesses casos,
sadas rapidamente e com imparcialidade, e uma devem indicar ao requerente qual a publicação em questão.
revisão independente de quaisquer recusas deve A lei deve, ainda, estipular prazos curtos para o pro-
estar à disposição das partes. cessamento das solicitações e também estabelecer que
O processo decisório sobre qualquer pedido de informa- quaisquer recusas devam ser motivadas substantivamen-
ção deve dar-se em três níveis diferentes: no seio do pró- te e por escrito.
24 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

PRINCÍPIO 6. CUSTOS O aviso prévio para a realização de reuniões é neces-


sário, para que o público possa ter a oportunidade real de
Custos excessivos não devem impedir o cidadão
tomar parte nelas, e a lei deve estipular que o aviso adequa-
de solicitar informações.
do para as reuniões seja dado com a antecipação necessá-
O custo de ter acesso à informação mantida por órgãos pú- ria para assim permitir a presença do público. As reuniões
blicos não deve ser elevado a ponto de desestimular poten- podem ser realizadas a portas fechadas, em casos bastante
ciais requerentes, uma vez que a idéia fundamental, na base específicos, mas apenas de acordo com princípios estipu-
da liberdade de informação, é exatamente a de promover o lados e quando existirem razões relevantes para fazê-lo.
acesso aberto à informação. Está amplamente demonstrado Qualquer decisão de restringir a audiência dos cidadãos à
que os benefícios da abertura das informações oficiais, em reunião deve ser, em si, sujeita a escrutínio público.
longo prazo, superam grandemente os custos de tal abertura.
Sistemas diferentes têm sido empregados em todo o mundo
PRINCÍPIO 8. DIVULGAÇÃO TEM PRIMAZIA
para garantir que os custos não sirvam de empecilho aos pe-
didos de informação. Em algumas jurisdições, taxas mais ele- As leis que são inconsistentes com o
vadas são cobradas das solicitações comerciais como forma princípio de máxima divulgação devem
de subsidiar as solicitações de interesse público. ser alteradas ou revogadas.
A legislação sobre a liberdade de informação deve exigir que
outras leis sejam interpretadas, tanto quanto possível, de
PRINCÍPIO 7. REUNIÕES ABERTAS
forma consistente com as suas disposições. Quando tal não
Reuniões de organismos públicos for possível, a legislação que trata de informação restrita ao
devem ser abertas ao público. público deve estar sujeita aos princípios básicos da lei sobre
A liberdade de informação inclui o direito de o cidadão sa- a liberdade de informação. O regime de exceções estipulado
ber o que faz o governo em nome do público e de poder na lei da liberdade de informação deve ser abrangente e não
participar de seus processos de decisão. A legislação so- deve ser autorizado que outras leis criem mais exceções.
bre a liberdade de informação deve, por isso, estabelecer Em longo prazo, deve haver o empenho para que todas
como ponto assente que todas as reuniões de órgãos de as leis relacionadas com a informação sejam adaptadas aos
governança sejam abertas ao público. princípios que protegem a lei da liberdade de informação.
Introdução 25

Além disso, os funcionários públicos devem ser protegidos da mesmo quando a divulgação constitua transgressão de
contra sanções quando, de forma razoável e em boa fé, divul- exigências legais ou laborais.
gam informação em resposta a uma solicitação relacionada
com a liberdade de informação, mesmo que, posteriormen-
te, se conclua que tal informação não seria para divulgação. Tendências dos últimos 20 anos:
Se assim não for, a cultura de segredo que envolve muitos 62 novos países adotando o
organismos governamentais será mantida por funcionários acesso à informação pública
excessivamente cautelosos sobre as solicitações de informa- Só é possível falar no surgimento de um movimento da so-
ção, numa tentativa de evitarem riscos pessoais. ciedade civil de luta pelo acesso à informação pública após
B4FHVOEB(VFSSB.VOEJBM FNCPSBP"UPQFMB-JCFSEBEFEF
Imprensa da Suécia, já em 1766, incluísse o princípio de que
PRINCÍPIO 9. PROTEÇÃO DE DENUNCIANTES
os arquivos governamentais deveriam ser abertos ao públi-
Indivíduos que divulguem informações sobre irre- co e concedesse aos cidadãos o direito de demandar docu-
gularidades – denunciantes – devem ser protegidos. mentos de órgãos ambientais18. Dos anos 1950 até o início
O cidadão deve ser protegido de qualquer sanção legal, ad- dos anos 1980, nove países adotaram leis de acesso, embora
ministrativa ou empregatícia, por divulgar informação sobre nem sempre como resultado de campanhas ou movimentos
ações impróprias e irregularidades. “Ações impróprias e ir- específicos levados a cabo pela sociedade civil. Ainda assim,
regularidades”, no contexto deste princípio, incluem ações esse período pode ser considerado como o nascimento da
criminosas, não-cumprimento de obrigações legais, erro judi- advocacy pelo acesso a informações oficiais19.
ciário, corrupção ou desonestidade ou graves prevaricações Para a liberdade de informação, as décadas seguintes
relacionadas com um organismo público. Incluem, ainda, foram nada menos que excepcionais. Ocorreu uma explosão
ameaças graves contra a saúde, segurança ou ambiente, es- de leis de acesso à informação, adotadas nas mais diferen-
tejam ou não ligadas a ações individuais impróprias. tes partes do mundo, cujo objetivo primordial é fortalecer
Os denunciantes devem se beneficiar de proteção, a transparência dos governos, garantindo às pessoas acesso
desde que tenham atuado em boa fé e na crença de que a 18 David Banisar, op cit, 2006, p.18.
informação era substancialmente verdadeira e de que divul- 19 O direito de acesso à informação foi inserido no Ato sueco pela Li-
berdade de Imprensa, de 1766, e mencionado na Declaração Francesa
gava provas de irregularidades. Tal proteção deve ser aplica- dos Direitos Humanos de 1789.
26 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

à informação detida pelo Estado. Em 1987, eram 13 os países Além disso, vários países, em especial aqueles com
com leis de acesso, comparados a 75, apenas 20 anos mais Constituições mais recentes e os que passaram por tran-
tarde, em 2007. TJÎÜFT QBSB B EFNPDSBDJB  DPNP #VMHÈSJB  &TUÙOJB  1PMÙ-
São muitos, ainda, os países que possuem interpreta- nia, Romênia, África do Sul e Argentina, possuem dispo-
ções expressas de suas cortes superiores, afirmando que sitivos constitucionais específicos que asseguram o di-
disposições constitucionais referentes à liberdade de discur- reito de acesso a informações públicas. Essa tendência
so e expressão incluem o acesso à informação detida pelo pró-liberdade de informação nos âmbitos nacionais tem
Estado. Esse é o caso, por exemplo, do Japão, da Coréia do encontrado paralelo na adoção de políticas de liberação
Sul e da Índia. Neste último, a Suprema Corte julgou, em de informação em um número crescente de organizações
1982, um caso referente à recusa do governo a dar publicida- intergovernamentais. Um marco neste processo é a ado-
de a informações sobre a transferência e demissão de juízes ção, em 1992, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente
e decidiu que: e Desenvolvimento, que colocou enorme pressão sobre
instituições internacionais para implementar políticas de
O conceito de governo aberto é uma emanação direta participação pública e acesso à informação.
do direito a saber, que parece implícito no direito ao Desde a Declaração do Rio, o Banco Mundial e
livre discurso e expressão garantido sob o artigo 19(1) quatro bancos regionais de desenvolvimento – Banco
(a) [da Constituição indiana]. Portanto, a liberação Interamericano de Desenvolvimento, Grupo do Banco
de informação relativa ao funcionamento do governo Africano de Desenvolvimento, Banco Asiático de De-
deve ser a regra e o segredo uma exceção apenas jus- senvolvimento e o Banco Europeu para Reconstrução
tificável quando estritas demandas de interesse pú- e Desenvolvimento – adotaram políticas para liberação
blico assim o exigirem. A interpretação da Corte deve de informações.
dar-se a fim de atenuar a área de confidencialidade o Em 1997, o Programa das Nações Unidas para o De-
máximo possível, consistentemente às demandas de TFOWPMWJNFOUP 1OVE
UBNCÏNBEPUPVB1PMÓUJDBQBSB-J-
interesse público, tendo em mente todo o tempo que beração de Informação Pública, com fundamento no fato
a própria liberação também serve como importante de que a informação é a chave para o desenvolvimento
elemento do interesse público20. humano sustentável e também para a prestação de con-
20 Caso S.P. Gupta contra presidente da Índia, nota 109, página 234. tas (accountability) do Pnud.
Introdução 27

Em maio de 2001, o Parlamento Europeu e o Con- administração. Ele deve ser compreendido, tanto pelos
selho da União Européia adotaram uma norma sobre funcionários e agentes do Estado como pela população
acesso a documentos do Parlamento, Conselho e Co- em geral, como um direito fundamental do cidadão. Essa
missão europeus. Seu artigo 2(1) afirma que: “Qualquer visão exige uma política pública clara para o setor, políti-
cidadão da União e qualquer pessoa natural ou jurídica ca esta que pode ser lançada com a aprovação de uma
residindo ou tendo sua sede registrada em um Estado- lei de acesso aplicável a todos os órgãos de governo, em
Membro, tem o direito de acessar documentos das todas as suas instâncias.
instituições, sujeito aos princípios, condições e limites O direito de acesso à informação está previsto no
definidos nesta norma”. inciso XXXIII, do artigo 5º. na Constituição Federal, mas
ainda não foi regulamentado. Existe hoje um projeto de
lei sobre o tema parado no Congresso Nacional, aguar-
O Brasil e o Acesso à Informação dando análise pelo plenário, desde 2003. Um novo pré-
O Brasil tem tomado diversas medidas esparsas que vi- projeto de lei também está em elaboração no Execu-
sam ao aprimoramento da transparência administrativa, tivo e deve ser apresentado ao Congresso, em 2009.
como, por exemplo, a criação de websites que dispo- É necessário que atores da sociedade civil se mobili-
nibilizam informações sobre contas públicas e proces- zem para debater o conteúdo destas propostas e sua
sos legislativos, a criação de comissões de combate à adequação aos padrões internacionais. Existem já hoje
corrupção e o desenvolvimento de programas informa- inúmeras experiências sobre as quais podemos nos de-
tivos destinados ao público em geral. Estas iniciativas, bruçar para discutir sucessos e desafios daqueles que
no entanto, não são suficientes e devem ser fortaleci- BOUFTEFOØTTFWJSBNOBJNQPSUBOUFUBSFGBEFQÙSFN
das pelo estabelecimento de um verdadeiro regime de prática o direito à informação.
acesso à informação. O acesso a informações em poder
Paula Martins
do Estado não pode ser encarado como boa prática é advogada mestre em direitos humanos e coordena
administrativa ou ação progressiva desta ou daquela o escritório brasileiro da ARTIGO 19.
28 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Fernando Rodrigues

O padrão internacional para o


direito de acesso e o atraso brasileiro

Dois aspectos merecem ser incorporados de ma- foram consideradas as experiências e as restrições
neira mais vigorosa ao debate sobre uma lei am- existentes no planeta no início de 2008.
pla de direito de acesso a informações no Brasil. A Declaração de Atlanta sustenta de maneira
Primeiro, como são os padrões mundiais a respei- sólida e eloqüente que o acesso a informações tem
to do livre uso da informação. Segundo, a identifi- status idêntico ao de outros direitos humanos. Farta
cação das razões reais pelas quais o país resiste a jurisprudência a respeito pode ser encontrada em de-
ter uma legislação moderna nessa área – e o que cisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos
seria possível ter disponível no plano imediato. da Organização dos Estados Americanos (OEA), do
Entender a realidade de outros países tor- Conselho Europeu da União Européia e da Comissão
nou-se mais fácil com a publicação da Declaração Africana de Direitos Humanos e dos Povos2.
de Atlanta1. Trata-se de texto produzido em feve- Em resumo, os Estados democráticos têm a obri-
reiro de 2008 por 125 especialistas durante uma gação de implementar sistemas legais para facilitar
conferência internacional promovida pelo Carter o acesso a informações. É uma afronta aos direitos
Center, organização criada pelo ex-presidente dos humanos não permitir a uma sociedade ter acesso ao
Estados Unidos Jimmy Carter (Prêmio Nobel da seu passado e a conhecer o seu presente.
Paz de 2002). A Declaração de Atlanta vai além. De maneira
Representantes de 40 países redigiram o do- substantiva, demonstra como o direito de acesso a
cumento, compilando as melhores regras e con- informações aumenta as noções de cidadania, a boa
ceitos de transparência. Na confecção do texto, governança, a eficiência da administração pública, a
1 A Declaração de Atlanta foi produzida durante uma conferência internacio- 2 O juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA Diego Garcia-
nal no Carter Center, em Atlanta, na Geórgia (EUA), de 27 a 29 de fevereiro Sayan produziu um sumário da jurisprudência interamericana sobre acesso a
de 2008. A íntegra, em inglês, está disponível em www.informacaopublica. informações para uma conferência internacional, em fevereiro de 2008, no
org.br/files/Atlanta_Declaration_and_Plan_of_Action.pdf. A versão em Carter Center. A íntegra está disponível em: www.cartercenter.org/resources/
espanhol está em www.informacaopublica.org.br/files/Declaracion_de_ pdfs/peace/americas/garcia_sayan_speech_sp.pdf
Atlanta_y_Plan_de_Accion.pdf.
Introdução 29

fiscalização e o combate à corrupção, o desenvolvi- da África do Sul3, cuja lei de acesso é abrangente,
mento humano, a inclusão social e o êxito de outros a ponto de submeter a seu escrutínio empresas pri-
EJSFJUPTTPDJPFDPOÙNJDPT DJWJTFQPMÓUJDPT)ÈMJUF- vadas prestadoras de serviços públicos ou atuando
ratura abundante amparando essas conclusões no em uma esfera de amplo interesse da população. Se
mundo desenvolvido. há dinheiro público ou concessão pública, os atores
O texto de Atlanta também enfatiza o benefí- envolvidos estão obrigados a prestar contas de ma-
cio de uma lei de acesso para “a eficiência dos mer- neira detalhada à sociedade.
cados, para o investimento comercial, para a con- Como se observa, é grande a complexidade
corrência em licitações públicas, boa administração do direito de acesso a informações públicas. Vai
e cumprimento das leis e regulamentações”. além de divulgar espontaneamente na internet
Em palavras mais simples, o acesso amplo e os gastos e receitas de um governo, como ocorre
facilitado a dados públicos será positivo para uma no Brasil em algumas esferas. É necessário haver
sociedade como a brasileira, ainda em processo de uma legislação específica. Responsabilidades têm
adotar de maneira plena o sistema capitalista de li- de estar definidas, com punições adequadas para
vre mercado. Empresas e investidores hoje contra- quando a regra não for cumprida – preferencial-
tam lobistas, antes de tomar uma decisão estratégi- mente com uma agência ou órgão regulador inde-
ca. Com uma lei de acesso a documentos em pleno pendente supervisionando a aplicação e o pleno
WJHPS PTBHFOUFTFDPOÙNJDPTUFSÍPVNBGPSNBNBJT vigor da lei.
republicana e gratuita de obter dados vitais para
investir no país. O Brasil se tornaria um ambiente 3 A lei de informações da África do Sul, de 2000, é conhecida
como “PAIA (Promotion of Access to Information Act)” e pode
NBJTBNJHÈWFMQBSBFNQSFFOEJNFOUPTFDPOÙNJDPT ser lida na íntegra em www.gov.za/gazette/acts/2000/a2-00.pdf. A
A Declaração de Atlanta também é inovadora. Constituição da África do Sul, de 1996, trata do direito a informa-
ções em sua seção 32. A íntegra pode ser lida aqui: www.info.gov.
Recomenda experiências bem-sucedidas, como a za/documents/constitution/index.htm.
30 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Razões do atraso brasileiro inexpugnável da nossa história seria composta


Diante desse quase consenso no mundo desen- pela Guerra do Paraguai, pelo processo de de-
volvido, cabe uma pergunta: por que no Brasil não marcação das fronteiras internacionais e pela di-
se formou uma massa crítica a favor do direito de tadura militar (1964-1985).
acesso a informações logo depois do retorno do Essa é uma explicação possível, ouvida roti-
país à democracia, em 1985? Passaram-se mais de neiramente nos corredores do poder em Brasília.
vinte anos e o tema “acesso a informações” ain- Mas, nas últimas duas décadas de democracia, o
da não faz parte da agenda nacional. Pior ainda, cenário se tornou mais sofisticado. Não são apenas
viceja entre algumas autoridades brasileiras uma traficâncias e vergonhas do passado as preocupa-
atitude próxima do auto-engano. Muitos acredi- ções de governantes. Se assim o fosse, nada impe-
tam que a Constituição4 já garante esse direito EJSJBP&YFDVUJWPFP-FHJTMBUJWPEFDIFHBSFNBVN
– quando se sabe que o inciso 33 do artigo 5º é acordo para aprovar uma lei de acesso a informa-
apenas um falso brilhante, quase uma letra morta ções públicas, tratando do presente e do futuro – o
por falta de regulamentação. que não seria uma solução completa, muito pelo
É comum ouvir que um dos grandes obstá- contrário, mas certamente removeria o país do es-
culos para haver uma lei brasileira é a liberação UBEPDBUBUÙOJDPFNUFSNPTEFEJSFJUPEFBDFTTP
EFEPDVNFOUPTSFMFWBOUFTEPQBTTBEP"iUSPJLBw As 21 entidades que compõem o Fórum de Direi-
4 O Inciso 33 do Artigo 5º da Constituição Federal (Título II, Dos Di- to de Acesso a Informações Públicas5, criado em 2003,
reitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I: Dos Direitos e Deveres defendem de maneira enfática e completa a abertura
Individuais e Coletivos) de 1988 nunca foi plenamente regulamentado,
exceto nos casos em que o Estado quis especificar as restrições a docu- dos arquivos. Não há como relativizar nessa área.
mentos públicos. Eis o que diz o Inciso 33: “Todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse 5 O endereço do Fórum na internet é www.informacaopublica.org.
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de respon- br/. A declaração de princípios está aqui: www.informacaopublica.
sabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança org.br/?q=node/2. E a lista dos 21 integrantes do Fórum, aqui: www.
da sociedade e do Estado”. informacaopublica.org.br/?q=node/8.
Introdução 31

Mas o alarmante atraso brasileiro permite uma lei. Terceirizam a responsabilidade pelo seu
uma reflexão. Não é razoável o Brasil ser priva- imobilismo para o Itamaraty e/ou para as Forças
do de conhecer a si próprio no tempo presen- Armadas. No início de 2008, mais de 60 países já
te, porque existiriam pessoas melindradas com desfrutavam de algum tipo de lei específica garan-
a eventual revelação completa da campanha do tindo o acesso a informações6. Todos em estágio
Duque de Caxias em terras paraguaias, há mais mais avançado que o Brasil. As experiências inter-
de um século. A cada ano sem lei, mais uma par- nacionais foram mapeadas na Declaração de Atlan-
te da história do país vai sendo deixada de lado, ta. O Congresso tem um projeto de lei em condi-
na escuridão. Basta observar a patética discussão ções de ser votado. A sociedade brasileira não
política instalada no início de cada nova adminis- merece esperar mais para ficar em igualdade com
tração (nos planos federal, estadual e municipal). outras nas quais esse direito existe há décadas.
É quase uma praxe acadêmica governantes, ao
Fernando Rodrigues
tomar posse, ameaçarem seus antecessores com é jornalista. Trabalha na Folha de S.PauloFOPQPSUBM60-
uma devassa e abertura de arquivos. Falam como É vice-presidente da Abraji (Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo), ajuda a coordenar o Fórum de
se fossem eles os proprietários de algo que per- Direito de Acesso a Informações Públicas
tence a todos os brasileiros: as informações pro- (www.informacaopublica.org.br) e participou da redação da
duzidas no âmbito do Estado. Sem lei, o Brasil não Declaração de Atlanta, em fevereiro de 2008.

exclui do público apenas o conhecimento sobre


seu passado mais distante. O presente e o futuro
também caminham para o oblívio.
6 O estudo “Freedom of Information Around the World 2006 A Global
Vários presidentes da República em série se Survey of Access to Government Records Laws”, de David Banisar, apre-
acomodam na inércia retórica. São a favor do direi- senta um amplo painel sobre as leis de acesso a informações no mundo. A
íntegra em inglês do estudo pode ser lida aqui: www.informacaopublica.
to de acesso, mas não agem para a aprovação de org.br/files/Acesso%20Mundial-survey2006.pdf
1
Capítulo

Acesso a Informações
no Cenário Nacional
A importância das leis de acesso à informação
e o atual marco regulatório brasileiro
Nome do Capítulo 33

Em setembro de 2006, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu sentença fa-


WPSÈWFM BPT BNCJFOUBMJTUBT .BSDFM $MBVEF 3FZFT  4FCBTUJÈO $PY 6SSFKPMB F "SUVSP -POHUPO
Guerrero, em caso emblemático do reconhecimento do acesso a informações públicas como
um direito humano.
Os ativistas haviam requerido do Comité de Inversiones Extranjeras do Chile informações
sobre a ação da empresa florestal Trillium e sobre o Projeto Río Condor que envolvia o desma-
tamento de áreas específicas do país e, segundo argumentavam, poderia ser prejudicial ao meio
ambiente. Como as informações foram seguidamente negadas pelo governo chileno, o caso aca-
bou sendo enviado à Corte Interamericana. Esta determinou, dentre outras providências, a en-
trega das informações solicitadas e, grosso modo, a reforma da legislação daquele país no senti-
do de atender ao disposto na Convenção Interamericana – a qual, conforme visto em nossa In-
trodução, garante o direito de acesso às informações públicas.
O caso, recorrentemente citado quando o tema está em discussão mundo afora, é ilustrativo:
1) Da relevância que o acesso à informação tem assumido na arena internacional; 2) Da crescente
demanda de grupos organizados por informação, inclusive levando o pleito para instâncias que
extravasam as fronteiras nacionais; 3) Do tipo de enfrentamento jurídico que Estados nacionais
sonegadores de informação podem enfrentar.
O Brasil, como ocorre com outros temas, é um país curioso. Acrescentou em sua Carta Magna
a garantia constitucional do acesso à informação. Porém, antes de regulamentar o acesso, regula-
mentou o sigilo. Nesse sentido, a despeito de avanços localizados, mas sem dúvida importantes
– seja do ponto de vista legal (aspectos das leis que criaram algumas agências reguladoras, por
exemplo), seja do ponto de vista institucional (o Portal da Transparência, em um outro caso) –,
continuamos sem uma lei geral de acesso a informações públicas e, logo, sem contar com as insti-
tuições que por ela seriam criadas ou fortalecidas.
O presente capítulo buscará apresentar os principais contornos dessa discussão, bem como
o debate travado pelo jornalista Marcelo Beraba, o jurista Belisário dos Santos, o conselheiro
EB5SBOTQBSÐODJB#SBTJM'FSOBOEP"OUVOFTFPEFQVUBEPGFEFSBM3FHJOBMEP-PQFTBDFSDBEFTUB
temática, no âmbito do seminário Controle Social das Políticas Públicas e Acesso à Informação:
Elementos Inseparáveis.
H á mais de um século, historiadores tentam em vão conse-
guir informações oficiais sobre a atuação das tropas brasileiras
na Guerra do Paraguai e são rechaçados sob o argumento de que
o assunto pode prejudicar as relações do Brasil com países vizi-
nhos. Desde a década de 1960, familiares de presos políticos visi-
tam repartições públicas em busca de notícias sobre o destino de
dezenas de vítimas do regime militar e voltam para suas casas
depois de autoridades repetirem não dispor de tais registros.
Em 2006, um deputado federal nordestino requereu do governo
todas as notificações de mortes de pacientes da rede hospitalar
pública durante testes de novos medicamentos. Esperou meses
pela resposta e, quando ela chegou, se limitava a transcrever tre-
chos da legislação sobre o assunto e a explicar que o pedido era
abrangente demais para ser atendido. No mesmo ano, em um
município do interior do Piauí, um grupo de moradores se frus-
trou ao solicitar a lista de funcionários contratados pela prefeitu-
ra sem concurso, na qual havia dezenas de familiares de políticos.
No final de 2007, um jornalista solicitou a um ministério acesso à
íntegra de um processo de licitação suspeito de irregularidades, e
a documentação não foi liberada – isto depois de repetidos adia-
mentos justificados pela suposta dificuldade para reunir o mate-
rial em questão.
De naturezas muito diferentes e apresentados por agentes
muito distintos, os cinco tipos de pedidos esbarraram em nega-
tivas que, em sua base, têm a mesma origem: não há no Brasil
um arcabouço institucional e, logo, um sistema que garanta aos
Acesso a Informações no Cenário Nacional 35

cidadãos o acesso a informações produzidas por Sem embargo, é igualmente inegável que a
todos os Poderes da República e pelos mais dife- ausência de regulamentação específica que estabe-
rentes órgãos a eles vinculados – para não falar- leceria os detalhes das regras do jogo (fundamen-
mos dos demais entes da Federação, nos quais a talmente, as penalidades por descumpri-las), bem
situação de negligência de informações públicas, como o aparato institucional para que as informa-
salvo pontuais exceções, é muito mais dramática. ções possam ser devidamente armazenadas e ofer-
É uma lacuna que aparentemente surpreen- tadas, sempre que solicitadas, dificulta sobrema-
de, já que o artigo 5º da Constituição Federal afir- neira a implementação concreta desse direito no
ma em seu inciso 33 que todos “têm direito a rece- contexto brasileiro.
ber dos órgãos públicos informações de seu inte- Mais central do que isso, a existência de
resse particular, ou de interesse coletivo ou geral, uma lei geral de acesso a informações públicas
que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de que estabeleça um consistente arcabouço insti-
responsabilidade”. No entanto, passados quase 20 tucional e um conseqüente aparato estatal para
anos da promulgação da Carta Magna, esse artigo garantir, de fato, esse acesso tem um caráter fun-
ainda não foi regulamentado. damentalmente pedagógico. Se bem publiciza-
Não se pode ignorar que a presença de tal da, como ocorreu com o Estatuto da Criança e
dispositivo em nossa Constituição, conforme já do Adolescente, uma lei de acesso a informações
salientamos, é uma conquista que não pode ser poderá empoderar a população em geral e grupos
desprezada. Por outro lado, esse direito poderia específicos diante do Poder Público – tal como o
ser mais contundentemente conclamado pelos Código de Defesa do Consumidor empoderou os
diversos atores que desejam obter acesso a dife- consumidores diante das empresas. A população
rentes tipos de informações públicas. É esse arti- saberá que as informações públicas são um bem
go que, como veremos, dá sustentáculo às Ações de propriedade de todos os brasileiros e todas as
Diretas de Inconstitucionalidade que buscam brasileiras e não um instrumento de poder des-
sustar decretos que protegem com sigilos irrea- te ou daquele governante, deste ou daquele fun-
listas informações de caráter público. O mesmo cionário público. Os corruptores e corruptos que
artigo da Carta de 1988 permite a perpetração se escondem sob o manto da desinformação e do
de mandatos de segurança que têm por objetivo segredo serão expostos pelo dever da transparên-
conseguir no Poder Judiciário acesso a esse tipo cia, pela luz do dia. A ética e os éticos só tende-
de informações. rão a ganhar.
36 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

DEPOIMENTO

Fernando Antunes

Sigilo bancário em contas públicas


Vai se frustrar qualquer brasileiro ou brasileira que O acesso ao Siafi
chegar a uma agência bancária e pedir ao gerente: Temos no Brasil um sistema de informação pública
“Por gentileza, qual é o saldo bancário da conta do – o Sistema Integrado de Administração Financeira
órgão público tal?”. Como se trata de uma conta (Siafi) – que reúne dados sobre o uso de recursos
bancária de órgão público, abastecida por impostos do Orçamento da União – que é um dos melhores
e contribuições, por ela só transita dinheiro público. do mundo e pode ser acessado por parlamentares
Mesmo assim, o gerente vai se recusar a atender ao e funcionários do governo, mas que ainda não está
pedido alegando a necessidade de sigilo bancário. disponível aos cidadãos. A Transparência Brasil é
Isso é um absurdo. É usar a lei de forma contrária clara neste aspecto: 100% das informações sobre
ao espírito da lei. recursos públicos, reunidas pelo Siafi, precisam es-
Nesta questão de acesso à informação públi- tar disponíveis ao cidadão pela internet.
ca, é possível dizer que o Estado brasileiro é bem Já existem tentativas de se criarem variantes do
resolvido no que se refere ao arcabouço constitu- Siafi, como o Siafi Cidadão, e o Siafi Gerencial, entre
cional, mas os governos brasileiros são muito mal outros, mas não podemos deixar isso escorrer entre
resolvidos em relação a colocar isso em prática. E os dedos. Nós queremos ter acesso à base primária
nós, cidadãos, deixamos passar batido. A questão de dados do Siafi, à totalidade do que existe ali. Essa
da informação está relacionada a um direito do ci- tem sido uma luta cotidiana, tanto em seus aspectos
dadão. Por isso, deveríamos trabalhar a partir da legislativos – na busca de mudanças na legislação
ótica do dever do Estado de informar, e de fazer que garantam esse acesso – quanto na tentativa de
isso de forma clara. acumular forças junto à sociedade.

Fernando Antunes
é dirigente da ONG Transparência Brasil e da União Nacional
dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle.
Acesso a Informações no Cenário Nacional 37

Histórico da questão transparência e fiscalização de instituições públi-


Neste momento, é oportuno retomarmos e apro- cas. “Accountability se refere às relações nas quais
fundarmos alguns elementos que foram anuncia- representados têm a habilidade de exigir respostas
dos na Introdução ao presente volume. de seus representantes sobre intenções e compor-
A busca por notícias sobre as ações dos gover- tamento, de avaliar esse comportamento e impor
nantes é antiga e ampla. “Quem vigia os vigilantes?”, sanções nos casos em que esse comportamento
bradava Juvenal, poeta romano do primeiro século. for considerado insatisfatório”, detalha o estudio-
Ainda que colocada em uma época na qual a idéia de so norte-americano Robert Keohane2. No âmbi-
democracia não freqüentava sequer as utopias, a per- to do processo democrático, por meio do voto, a
gunta do mordaz Juvenal tinha em sua base a preo- sociedade elege representantes que, de forma dire-
cupação que quase 20 séculos depois se disseminaria ta ou indireta, estarão à frente de uma série de ins-
como a necessidade de os cidadãos exercerem algu- tituições públicas. O problema é como saber – ou
ma forma de controle sobre aqueles que detêm poder garantir – que uma vez revestidos do poder esses
sobre eles. James Madison, que presidiu os Estados governantes e seus subordinados irão de forma
Unidos no começo do século XIX, desestimulou ilu- efetiva respeitar a confiança que neles foi deposi-
sões: “Se os homens fossem governados por anjos, tada no momento do voto. Por isso é preciso criar
dispensar-se-iam os controles internos e externos. dispositivos que levem os detentores do poder a
Ao constituir-se um governo – integrado por homens prestar contas aos que lhes delegaram esse poder.
que terão autoridades sobre outros homens –, a gran-
de dificuldade está em que se deve, primeiro, habili- O foco na assimetria
tar o governante a controlar o governado e, depois, de informações
obrigá-lo a controlar-se a si mesmo. A dependência “Existe uma assimetria natural de informação
em relação ao povo é, sem dúvida, o principal con- entre aqueles que governam e aqueles para quem
trole sobre o governo, mas a experiência nos ensinou os governantes presumivelmente devem servir”,
que há necessidade de precauções suplementares”1. explica Joseph Stiglitz3 que em 2001 ganhou, com
A falta de vocação angelical de governantes outros dois colegas, o Prêmio Nobel de Economia
remete para a necessidade de accountability, pala- em função de seus estudos a respeito das impli-
vra que é traduzida para o português como ‘res- cações econômicas da assimetria de informações.
ponsabilidade’, mas envolve hoje conceitos como 2 KEOHANE, 2002, tradução dos autores.
1 HAMILTON; MADISON; JAY, 1984, p.418. 3 STIGLITZ, 2002, p.27, tradução dos autores.
38 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Stiglitz lembra que principalmente na área eco- sobre a decisão de cidadãos em relação à eleição de
nômica há muita divergência sobre se detalhes de seus representantes no Poder Legislativo:
determinadas políticas devem ou não ser torna-
dos públicos. “No entanto, muitos funcionários Em um exemplo no qual um litigante é representado
do governo vão além e tentam manter suas ações pelos melhores advogados que o dinheiro pode comprar,
em sigilo, isto é, longe do olhar e do escrutínio enquanto o outro é representado por um advogado ini-
públicos”4, alerta. ciante, os jurados podem ter problemas na descoberta
A relevância do tema, já trabalhado em nossa da verdade. De forma semelhante, legisladores que dis-
Introdução, demanda uma maior dissecação neste putam a reeleição têm mais oportunidade de publiciza-
primeiro capítulo. A idéia da assimetria de infor- ção dos seus feitos do que seus desafiantes e outros críti-
mações está muito ligada ao fato, aparentemen- cos têm para publicizar suas críticas, logo, os cidadãos
te simples, de governantes e seus subordinados serão menos capazes de avaliar a adequação daquele
deterem uma série de dados e registros que não legislador ao parlamento do que seriam se o fluxo de
estão à disposição dos governados. Assim, eles informação fosse mais balanceado. (Arnold, 2004: 13)
podem agir tendo como base informações que
não chegam àqueles a quem suas ações atingem A assimetria de informações entre duas par-
de forma direta. tes existe também em relações nas quais não há
A preocupação com a assimetria de informa- nenhum tipo de escrutínio ou representação. O pro-
ções não é, de forma alguma, conforme posto ante- fessor George Akerlof, em um de seus estudos, para
riormente, exclusiva da relação entre governantes exemplificar a desigualdade na retenção de infor-
e governados e, de maneira semelhante, aparece mações utiliza o processo de venda de carros usa-
em outros relacionamentos que envolvem eleições dos5. Como o vendedor possui informações sobre
e representação, como entre o conselho diretor de o veículo que o comprador não domina – como o
uma empresa e seus acionistas e entre o síndico e os envolvimento em algum acidente de trânsito, a falta
moradores de um edifício. de manutenção rigorosa, a existência de algum pro-
O cientista político e professor da Universidade blema legal envolvendo a propriedade do carro –, é
de Princeton, nos Estados Unidos, Douglas Arnold, necessária a existência de dispositivos que dêem ao
em Congress, the Press and Political Accountability adquirente do bem algum tipo de segurança. Isso
ilustra o problema da assimetria de informações pode ser feito por previsão de devolução do auto-
4 Idem, p.27. 5 AKERLOF, 1970, p.499 e 500.
Acesso a Informações no Cenário Nacional 39

móvel em determinado prazo, pela análise do histó- muitas situações funcionários do governo detêm
rico da concessionária que está fazendo a venda ou a maior parte ou a totalidade das informações.
por leis que exijam o respeito a promessas feitas em De forma geral, e não especificamente em relação
anúncios publicitários. a governos, a tendência à ocultação em relações
caracterizadas pela assimetria de informações tem
As conseqüências da uma série de razões. Muitas vezes detentores de
assimetria informacional informações não querem ser controlados, já que
Como um mau vendedor que tenta esconder do a assimetria impede a exigência de garantias ou
comprador um defeito no sistema de freios do veí- regras mais claras no momento de qualquer tran-
culo, governantes costumam evitar a criação de dis- sação – que poderiam ser solicitadas, seguindo o
positivos efetivos de acesso do público a informa- mesmo exemplo, se um comprador soubesse deta-
ções. “Em sociedades democráticas, cidadãos têm o lhes das condições de um veículo.
direito básico de saber, de se expressarem, de serem No caso específico de governantes, Stiglitz
informados sobre o que o governo está fazendo, por aponta essa espécie de “monopólio” da informa-
que motivo isso está sendo feito e debater o assun- ção por parte dos detentores do poder como um
to. Sociedades democráticas pressupõem de forma complicador adicional. O pesquisador menciona
vigorosa a transparência e abertura por parte dos que o sigilo de informações é usado inclusive para
governos. No entanto, há também o reconhecimen- dificultar o trabalho dos adversários políticos – de
to de que, em proveito próprio, governos e seus líde- forma que os governantes possam perpetuar-se no
res não incentivam a revelação, e a conseqüente dis- poder. Sem conhecer as informações oficiais guar-
seminação, de informações contrárias a seus inte- dadas em repartições públicas sobre o sucesso de
resses”, assinala Stiglitz6. políticas, os problemas de determinadas parcelas
O estudioso afirma que, ao se opor à cria- da população e a situação financeira da adminis-
ção de dispositivos legais garantidores do acesso a tração pública, competidores ficam em desvanta-
informações, alguém poderia argumentar que em gem ao disputar o poder com seus atuais detento-
uma sociedade com imprensa livre e instituições res, pois terão mais dificuldade para definir pla-
funcionando de forma independente muito pou- taformas de governo. “Segredos foram a marca
co efetivamente poderá ser mantido em sigilo pelo principal dos Estados totalitários que arruinaram
governo. O problema, ressalta Stiglitz, é que em o século XX e, ainda que o público tenha interesse
6 STIGLITZ, 2002, p.29, tradução dos autores. na transparência, funcionários públicos são incen-
40 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

DEPOIMENTO

José Antonio Moroni

Os cinco eixos do controle social


O debate sobre o controle social das políticas públi- participar da vida pública para além do já consolida-
cas e o acesso à informação é uma agenda que está do direito à representação.
sendo colocada à sociedade brasileira de forma Quando falamos em controle social, trabalhamos
cada vez mais premente. Nessa agenda, a primei- basicamente com cinco questões, e mais uma outra,
ra questão é o próprio conceito de controle social. que perpassa essas cinco. Esses cinco elementos
Nos países africanos, por exemplo, o termo é to- que estruturam o conceito de controle social das
talmente rejeitado, pois ele é entendido como um políticas públicas são o direito de participar na ela-
controle do Estado sobre a sociedade. No Brasil, fo- boração, na deliberação, na implantação, no monito-
mos construindo, ao longo dos anos, a proposta de ramento e na avaliação das políticas públicas. Além
controle social a partir da legitimação do controle deles, há um outro ponto: a questão do orçamento.
da sociedade civil sobre as ações do Estado. Quais são os recursos de que determinada política
Quando falamos em controle social, não nos pública dispõe? Enfim, quando se fala em controle
referimos simplesmente à consulta do Estado pela social, subentende-se todo esse conjunto de pon-
sociedade civil. E também não se trata somente da tos, de direitos. A sociedade civil desenvolveu um
questão de acesso à informação. O controle social sistema descentralizado e participativo, para exer-
diz respeito ao direito que o cidadão tem de parti- cer tais direitos, que se manifesta nos conselhos,
cipar dos destinos da nação. Esse direito humano à nas conferências, e em vários outros.
participação se insere em uma concepção política,
José Antônio Moroni
que não é apenas a da democracia representativa, é diretor do Instituto de
mas que envolve o fato de que a sociedade deve &TUVEPT4PDJPFDPOÙNJDPT *OFTD

Acesso a Informações no Cenário Nacional 41

tivados a manter o sigilo mesmo em sociedades Eles [os sistemas] facilitam a comunicação e melho-
democráticas”, queixa-se Stiglitz7. ram o fluxo de informações sobre a confiabilidade
O acesso à informação, para além de minimi- dos indivíduos. Os sistemas de participação cívica
zar as assimetrias informacionais na disputa eleito- permitem que as boas reputações sejam difundidas
ral, também é essencial para garantir que as políticas e consolidadas. (..) ...a confiança e a cooperação de-
públicas implementadas pelos governos sejam poten- pendem de informações fidedignas sobre o compor-
cializadas – desde seu planejamento, até sua execução tamento pregresso e os atuais interesses de virtuais
e avaliação – pela participação dos cidadãos. participantes, ao passo que a incerteza reforça os di-
Para alguns autores, a participação é uma lemas da ação coletiva. Assim, mantidas as demais
variável fundamental para explicar o sucesso das condições, quanto maior for a comunicação (tanto
iniciativas públicas. O cientista político Robert direta quanto indireta) entre os participantes, maior
Putnam, em Comunidade e Democracia: a expe- será a sua confiança mútua e mais facilidade eles te-
riência da Itália moderna, mostra como certas rão para cooperar8.
regiões da Itália (especialmente a região Norte)
seriam favorecidas por padrões e sistemas dinâmi- CONTEXTO BRASILEIRO
cos de engajamento cívico, ao passo que outras (a Durante o regime militar, que se estendeu por mais
região Sul) padeceriam de uma política vertical- de duas décadas – 1964 a 1985 –, o direito de aces-
mente estruturada, uma vida social caracterizada so a informações públicas foi apenas um dos mui-
pela fragmentação e pelo isolamento. Tais diferen- tos direitos formal ou informalmente suspensos. O
ças na vida cívica, calcadas no nível de participa- governo autoritário que se impôs privou brasilei-
ção, seriam fundamentais para explicar o êxito – ros de direitos como os de expressão, voto, reunião,
ou não – das instituições. deslocamento e defesa. São inúmeros os conheci-
Os sistemas de participação cívica são, para dos casos de pessoas que perambulavam por quar-
o autor, uma forma essencial de capital social, e téis em busca de notícias sobre amigos e familiares
o fluxo de informações desempenha um papel de levados de suas casas por agentes do Estado despi-
retroalimentação. A maior participação depen- dos de qualquer respaldo legal. Muitos desses pere-
de de um melhor acesso às informações, porém o grinos voltaram para suas residências sem infor-
próprio sistema de participação contribui para o mações e até hoje se ressentem da falta de dados
aprimoramento do fluxo informacional. oficiais sobre o destino dos perseguidos.
7 Idem, p.34. 8 PUTNAM, 2002, p.183
42 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

No entanto, três anos depois do fim do regi- vel pelo armazenamento das informações públicas
me militar, no dia 5 de outubro de 1988, a atual e pela observação do disposto em uma eventual lei
Constituição foi promulgada, em meio a promessas geral sobre o tema.
de grandes mudanças. Algumas ocorreram, outras, A organização não-governamental Artigo 19
não. Como já foi dito, o texto constitucional assegu- tem uma definição ampla e precisa para informação
rou em seu capítulo 5º o direito de acesso a infor- pública: “Todos os dados e registros em poder de
mações públicas, mas essa parte da Carta Magna, órgãos públicos, com a identificação da fonte (quem
como diversas outras, ainda carece de regulamenta- produziu o dado ou registro) e da data em que foi
ção. Para começar, o inciso que trata do assunto foi produzido. Esses dados e registros incluem todo e
redigido de uma maneira genérica, como sói ocor- qualquer formato: documento impresso ou eletrô-
rer em constituições que mais tarde são detalhadas nico, vídeo, áudio etc”9.
por leis. O inciso diz que todos “têm direito a rece- Ao invés de se encaminharem em direção às
ber dos órgãos públicos informações de seu interes- previsões da Declaração Universal dos Direitos
se particular, ou de interesse coletivo ou geral”. Sem Humanos – da qual o Brasil é signatário – e do texto
expressões como ‘as’ ou ‘todas as’ antes da palavra da própria Constituição, as mudanças na legislação
‘informações’, o texto cria margem para interpreta- brasileira produzidas já durante o regime democráti-
ções de que o direito é limitado, o que por sua vez co foram em direção oposta. Na prática, as principais
pode gerar nos detentores das informações o desejo e recentes modificações que remetem diretamente ao
de serem eles os responsáveis por decidir o que deve artigo 5º, inciso 33, não tentaram garantir o acesso
e o que não deve ser liberado. a informações, e sim buscaram impedir que o texto
A falta de detalhamento é um dos motivos para constitucional servisse para que instituições e cida-
a necessidade de regulamentação. Além disso, tam- dãos conseguissem obter, por meio de ações judiciais,
bém é preciso definir prazos para a liberação das dados e registros de instituições públicas que gover-
informações, apontar possíveis – e únicas – exce- nantes não queriam ver divulgados. Ou seja, na práti-
ções que podem impedir as instituições públicas de ca, além de não haver uma lei que garanta no Brasil o
liberá-las e, ainda, definir punições para quem bar- acesso a informações públicas, existe uma legislação
rar ou dificultar o acesso aos dados e registros. Mais que impede o acesso a uma parcela dessas informa-
do que isso, como ocorre em países como o México ções. Os mais recentes governos optaram por garan-
e o Reino Unido, é possível – e desejável – instituir tir o sigilo antes de assegurar a transparência.
uma Agência Reguladora que se torne responsá- 9 www.article19.org
Acesso a Informações no Cenário Nacional 43

Isso não significa, não obstante, que quando categorias. No caso das informações considera-
olhamos as ações estatais de forma mais ampla, sem das ultra-secretas, o período era de 50 anos, mas,
nos atermos diretamente à regulação ou falta de segundo o decreto, esse prazo poderia ser “reno-
regulação do artigo 5º, inciso 33, estejamos diante vado indefinidamente, de acordo com o interesse
de uma terra arrasada. Há, como será mencionado da segurança da sociedade e do Estado”. Não por
mais adiante, um conjunto importante de iniciativas acaso, o decreto 4.553/2002 foi apelidado de “lei
do Estado brasileiro que busca sedimentar as possi- do sigilo eterno”.
bilidades de acesso às informações públicas. Em 9 de dezembro de 2004, entrou em vigor
o decreto 5.301, assinado pelo presidente Luiz
O sigilo Inácio Lula da Silva, que regulamenta a lei 11.111
antes do acesso de 5 de maio de 200511. Uma das principais alte-
Um levantamento do Fórum de Direito de Acesso a rações foi a redução dos prazos de informações
Informações Públicas – que foi criado em 2003 em e dados considerados sigilosos. No caso daque-
Brasília e reúne 20 instituições, como a Ordem dos les classificados como ultra-secretos, o prazo caiu
Advogados do Brasil (OAB) e o Instituto de Estudos para um máximo de 30 anos, podendo ser reno-
Socioeconômicos (Inesc) – mostra que desde 1937 vado uma vez, por igual período. Nas demais
foram assinados 64 decretos-lei, leis, medidas pro- classificações, os prazos máximos variam entre
visórias, decretos, resoluções, portarias e instruções cinco e 20 anos, também renováveis por uma
normativas10 que de alguma forma regulamentam a vez. Ainda que a eternidade do sigilo tenha sido
oferta e, principalmente, o sigilo de informações em revogada, o Estado assegurou o direito de man-
posse do Estado brasileiro. ter informações em segredo por até 60 anos. Se
No dia 27 de dezembro de 2002, entrou isso for aplicado, por exemplo, a algum docu-
em vigor o decreto 4.553 do então presiden- mento referente a uma ação do governo no ano
te Fernando Henrique Cardoso, que quatro dias de 1970, durante o regime militar, ainda pode ser
mais tarde terminaria o seu governo. O decre- necessário aguardar até 2030 para que o acesso
to classificava informações e dados considerados seja liberado. Voltaremos ao tema, no próximo
sigilosos em quatro grupos – ultra-secretos, secre- capítulo, quando discutirmos as Ações Diretas de
tos, confidenciais e reservados – e definia prazos Inconstitucionalidade contra a lei 11.111.
para a liberação de material de cada uma dessas
11 O decreto, na verdade, regulamentava a medida provisória
10 www.informacaopublica.org.br 228/2004 que deu origem à lei.
44 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

DEPOIMENTO

Belisário dos Santos Jr.

O direito à verdade
A legislação brasileira prevê a proteção de informa- "NÏSJDB-BUJOBoFNBOPTOÍPUÍPMPOHÓORVPTFBJOEB
ções que não devam ser tornadas públicas, para a abrangidos pelo segredo –, foi criado esse novo con-
segurança da sociedade. Só que com base nessa res- ceito que começa a tomar forma.
trição já foi negado o acesso a informações sobre a Não se trata só do direito a obter a informação,
Guerra do Paraguai, sobre o processo de conquista mas, tal como se explicita na Declaração Universal
do Acre, sobre a instalação de bases militares norte- dos Direitos Humanos e na Convenção Americana de
americanas no Brasil e sobre a entrada do país na Se- Direitos Humanos (o Pacto de San José), um direito
gunda Guerra Mundial. Que sigilo é esse? Que sigilo de acesso à verdade, que se manifesta no direito de
pode impedir um cidadão brasileiro de ter acesso às acesso à informação – o que dá ao cidadão garantias
informações do período da ditadura, implantada a de pedir, buscar e difundir a informação. Direito a co-
partir do golpe militar de 1964? Ou às informações nhecer a história de seu país e de seu povo. Isso está
sobre a Guerrilha do Araguaia, na década de 1970? A associado à garantia de acesso à Justiça, ou seja, o
Constituição tutela o direito à informação. O sigilo é direito e a forma de, em juízo, buscar essa previsão le-
exceção e como tal deve ser interpretado. gal. É isso que temos chamado de “direito à verdade”,
e sobre o qual estamos trabalhando atualmente, com
Um novo conceito base no artigo 19 da Declaração Universal dos Direi-
Existe algo na esfera internacional do direito que, tos Humanos e no artigo 13 do Pacto de São José.
modernamente, podemos definir como direito à ver-
dade. A partir dos horrores que aconteceram na Se-
Belisário dos Santos Jr.
gunda Guerra Mundial, mas principalmente em fun- é advogado e foi secretário da Justiça e da Defesa da
ção do que ocorreu durante as ditaduras militares da Cidadania do Estado de São Paulo, de 1995 a 2000.
Acesso a Informações no Cenário Nacional 45

O lugar das exceções ses, demandas por informações públicas que foram
Defensores do direito de acesso a informações negadas por governos. Elas devem ser verificadas
públicas reconhecem ser preciso haver exceções. caso a caso, e as regras gerais para tal verificação
Joseph Stiglitz lembra que informações que envol- pela agência ou comissão responsável devem estar
vem questões privadas de indivíduos – como valo- claramente postas.
res de rendimentos e problemas de saúde – não Há sempre o risco de o debate sobre o aces-
devem ser reveladas. so a informações públicas apontar somente para
O estudioso ressalta também ser necessário a redução de casos de corrupção ou a descober-
proteger aquelas informações que cidadãos só for- ta de mentiras e manipulações de governantes. É
necem a instituições públicas por estarem certos de bem mais que isso.
que não serão divulgadas. É algo que lembra a rela- Como aponta a Artigo 19, o acesso à informa-
ção médico-paciente ou advogado-cliente. “Em ter- ção pública protege direitos humanos e de trabalha-
ceiro lugar, a importância do sigilo em tempos de dores, promove a saúde (ao dar a cidadãos informa-
guerra é incontestável”, afirma Stiglitz12. ções detalhadas sobre produtos e práticas saudáveis
Em lista semelhante, a Artigo 19 endossa ou perigosas), fortalece a economia (pois empresas
alguns itens apontados pelo estudioso e acrescenta podem demandar informações sobre políticas do
outros, como casos de informações que estão sen- governo para tomar decisões) e ajuda a preservar o
do usadas em investigações, aquelas que ameaçam meio ambiente (já que permite aos cidadãos identi-
a segurança pública ou individual, e outras que ficar ações de governantes com potencial de gerar
envolvem segredo comercial. poluição e reduzir recursos naturais).
De qualquer forma, essas exceções não se apli- Como se vê, muitos direitos e garantias da
cam a quase nenhum dos casos que nos últimos população têm uma base comum: o direito de
anos geraram, no Brasil e em muitos outros paí- acesso a informações públicas.

12 STIGLITZ, 2002, p.36, tradução dos autores.


46 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Contribuições do Seminário momento de tentar expandir a discussão além dos


limites do jornalismo”, frisou.
Debatendo o acesso à informação Beraba apontou a relevância de garantir ao cida-
sob a ótica regulatória dão acesso a informações coletadas, produzidas e
armazenadas por diversas agências estatais. “Na rela-
Um jurista, um jornalista, um deputado e um repre- ção com o poder público, o acesso livre e transparen-
sentante de organizações da sociedade civil dis- te protege o cidadão de intromissões indevidas e atos
cutem pontos de vista distintos sobre o tema, mas arbitrários por parte dos governos. E, por outro lado,
todos concordam que é preciso mudar a legis- é uma precondição para a participação do cidadão e
lação brasileira para que os cidadãos possam dos grupos organizados da sociedade nos processos
obter dados e documentos guardados por insti- políticos e na gestão das coisas públicas”, disse.
tuições públicas. Outro consenso foi a necessidade Para o jornalista, o acesso à informação públi-
de uma grande mobilização social para pressionar ca está ligado à questão dos direitos humanos, do
governantes e Congresso Nacional a fazerem essa direito à informação, da transparência, da prestação
mudança na legislação. de contas, da responsabilidade social e pública e da
gestão responsável. “Está ligado também à impor-
No primeiro dia do seminário Controle Social das tância do resgate da memória da história do Brasil,
Políticas Públicas e Acesso à Informação: Elementos pois recentemente nós vimos vários casos de perío-
Inseparáveis, o jornalista Marcelo Beraba lembrou dos fechados à informação da sociedade”, lembrou
que profissionais responsáveis pela criação da Beraba. “Enfim, é uma questão importantíssima
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo para a democracia”.
(Abraji), da qual é dirigente, já discutiam a neces- Tratando de forma específica do jornalismo,
sidade de garantir o acesso a informações públi- Beraba afirmou haver dois desafios principais em
cas mesmo antes de a entidade começar a funcio- relação a informações públicas. “Há o desafio de
nar. A associação foi criada em 2002, por jornalistas obter informações que alguém, ou algum organis-
de diversos veículos de comunicação, logo após o mo público ou privado tenta manter resguardadas,
assassinato do repórter Tim Lopes, da Rede Globo. em sigilo. É uma obrigação do jornalismo cor-
Antes disso, o grupo já havia promovido um semi- rer atrás, revelar informações que estejam sendo
nário para discutir o acesso a informações públicas. guardadas indevidamente. E há outro desafio, que
“Quando a gente formou a Abraji, achou que era o é saber usar as informações disponíveis”, disse.
Acesso a Informações no Cenário Nacional 47

Ele reconheceu faltar a jornalistas brasileiros um fazer um requerimento por escrito a um órgão públi-
certo hábito de procurar registros guardados em co solicitando informações. Ressaltou, no entanto,
juntas comerciais, na Justiça Eleitoral e em outras que, se o dispositivo não for cumprido, o cidadão
instituições. “Nós não temos uma cultura de bus- terá de ingressar novamente na Justiça contra o órgão
ca da informação documentada. Falta essa prática público. “Ou seja, a legislação empurra o acesso a
entre nós. Não temos uma formação, ou mesmo informações para uma necessidade de se recorrer à
curiosidade, pelos grandes bancos de dados dis- Justiça”, disse. Ele criticou também as leis promul-
poníveis que poderíamos usar e não usamos”, afir- gadas no país que chegaram a criar uma espécie de
mou Beraba. “sigilo eterno” para informações públicas, conforme
foi detalhado na Introdução deste capítulo.
O vácuo legal Para exemplificar a dimensão absurda do pro-
O dirigente da Abraji criticou a inexistência, no blema, Beraba lembrou que parte das informações
Brasil, de uma lei que garanta o acesso à informação sobre o golpe militar de 1964 e as ações do governo
pública, a exemplo do que ocorre em outros países. nos anos que se seguiram estão sendo conhecidas
“Não há um órgão federal, estadual ou municipal por brasileiros por meio da liberação de arquivos
com obrigação de facilitar o acesso à documentação norte-americanos. “Nós só estamos tendo acesso
pública, embora a Constituição Federal seja bem a isso porque há, nos Estados Unidos, a Freedom
clara a respeito disso em seu artigo 5º, destacou. of Information Act (FoIA), lei que garante de algu-
Ao comentar a legislação do país relaciona- ma maneira acesso a uma massa de documentos,
da ao tema, o jornalista recordou que a lei 9.507, de embora não a tudo”, frisou Beraba. “É isso que está
1997, trata da necessidade de instituições fornecerem permitindo que parte da história recente brasileira
informações a terceiros, mas não menciona quem vai seja contada”.
definir com clareza o que pode ser fornecido. Além Beraba afirmou que pela inexistência de uma lei
disso, ela não explicita a quem o cidadão deve se diri- semelhante no Brasil, pedidos de informações sobre
gir nos órgãos públicos para solicitar as informações processos que correm na Justiça Eleitoral, por exem-
e muito menos como esses órgãos devem se organi- plo, já foram rechaçados sob o argumento de que o
zar para fornecer os dados solicitados. “Portanto, a lei princípio da publicidade do processo tem um forma-
é quase inócua”, avaliou Beraba. to legal que não se confunde com a publicidade de
Ele lembrou também a existência do dispositivo forma ampla. Assim, o fato de um processo ser públi-
jurídico habeas-data, que permite a qualquer cidadão co não significaria que qualquer pessoa, por curiosi-
48 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

DEPOIMENTO

3FHJOBMEP-PQFT

O custo de US$ 1 por habitante compensa


O meu projeto de lei para regulamentar o acesso não conta nem mesmo com especialistas para fazer
a informações públicas no Brasil foi apresentado uma avaliação de valor histórico e da importância
em fevereiro de 2003, assim que assumi o primeiro de documentos e informações e definir o que deve
mandato como deputado federal. Eu já havia en- ou não deve ser arquivado.
frentado, nas lutas sociais e na militância política, Um dos argumentos contrários a esse projeto é
muitas dificuldades para conseguir informações o custo. Evidentemente, todos os órgãos dos três
públicas, principalmente aquelas que podiam ser Poderes da República, a União e todos os demais
usadas para o combate à corrupção. entes federados, municípios e estados, terão de
O projeto cria normas para o exercício do direi- criar uma estrutura para garantir o acesso a infor-
to à informação, define como as informações de- mações públicas. Deverá haver uma sala específica
vem ser tornadas acessíveis, institui procedimentos onde esse acesso se torne possível, com profissio-
e fixa prazos para o atendimento das solicitações. nais com conhecimento sobre o que deve ou não
Para a elaboração do texto foram pesquisadas le- deve ser arquivado. Há um cálculo, com base em
gislações de outros países, como Espanha, Estados experiências de outros países, segundo o qual se o
Unidos e México. projeto for aprovado vai resultar em um custo de
U$ 1,00 por habitante. Eu considero fundamental
Investimento na transparência esse gasto para consolidação da democracia, para
Hoje, além de o cidadão comum não conseguir ter a garantia total da transparência, como exigem os
acesso a informações, muitos órgãos públicos não regimes democráticos modernos.
têm sequer estrutura para arquivar os documen-
tos. Nos municípios, a situação é ainda mais grave, Reginaldo Lopes
QPJT B NBJPSJB EBT QSFGFJUVSBT F EPT -FHJTMBUJWPT é deputado federal pelo PT-MG.
Acesso a Informações no Cenário Nacional 49

dade, questão profissional ou interesse pessoal não informações sobre a relação do acesso à informa-
jurídico, ainda que legítimo, pudesse consultar livre- ção com o Poder Legislativo no Capítulo 3 e sobre a
mente os autos de um processo. Para Beraba, esse relação com o jornalismo no Capítulo 4).
tipo de argumento é inconcebível em um caso rela- Para atacar esse mito, Marcelo Beraba apresen-
cionado à Justiça Eleitoral e só serve para impedir o tou um argumento alicerçado em dados do uso da
acesso a informações que são públicas e estão dispo- FoIA, a lei de transparência dos Estados Unidos. Um
níveis. “Conclui-se que a falta de lei impede o aces- levantamento recente sobre os pedidos de informa-
so pleno; autoridades locais decidem de acordo com ções a autoridades norte-americanas feitos com base
a conveniência local; e que as saídas paliativas, como nessa lei mostrou que apenas 5% eram de jornalistas,
petições à Justiça, são um caminho difícil para um enquanto 40% surgiram de empresas privadas e 25%,
cidadão comum”, disse o dirigente da Abraji. de advogados. “O percentual de interesse do jornalis-
mo é relativamente pequeno”, avaliou Beraba.
A difícil aprovação Reginaldo Lopes disse ainda que a demora na
de uma nova lei aprovação da mudança na legislação prejudica inclu-
Essa falta de lei, mencionada por Beraba, não tem sive deputados e vereadores. “Os próprios Legislativos
uma solução fácil. O deputado federal Reginaldo têm dificuldade para conseguir essas informações e,
Lopes (PT-MG), autor de um projeto de lei para muitas vezes, para ter resposta a requerimentos apre-
regulamentar o direito de acesso a informações sentados – em sua maioria em parlamentos munici-
públicas previsto na Constituição, relatou grandes pais, é preciso recorrer ao Ministério Público”, contou
dificuldades para aprovar a mudança na legislação Lopes, abordando um tema que será tratado também
sobre o tema. Depois de contar detalhes da origem no Capítulo 3. “Estou convicto de que é difícil fiscali-
de seu projeto, (ver quadro com depoimento do zar um ente que influencie na vida do povo, no com-
deputado na página 50), Lopes disse acreditar que bate diário à corrupção, se o cidadão não tiver acesso
parte da resistência à iniciativa dentro da Câmara a todas as informações”.
dos Deputados se deve ao receio de que o acesso
a informações sirva principalmente a jornalistas e A resistência
acabe sendo usado contra os próprios parlamenta- das autoridades
res. “É um mito achar que a legislação que regula- Enquanto, por um lado, integrantes do Congresso
menta o direito à informação só vá atender ao jor- Nacional se negam a aprovar mudanças na legisla-
nalismo investigativo”, disse o deputado (veja mais ção que garantam o direito de acesso a documen-
50 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

tos públicos, por outro autoridades do Executivo que aconteceu, as estratégias mais amplas do regi-
usam interpretações de leis já existentes para não me”. O jurista afirmou que as informações impor-
fornecer dados e registros. Advogado e ex-secre- tantes que chegam à Comissão Especial de Mortos e
tário de Justiça do Estado de São Paulo, Belisário Desaparecidos são fruto de algum descuido de auto-
Santos deu um exemplo dessa resistência. Contou ridades ou resultado do trabalho de jornalistas.
que no começo dos trabalhos da Comissão Especial
de Mortos e Desaparecidos, da qual é membro, a Punição a quem
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) se negou fornece informações
a fornecer dados e documentos sob a alegação de Fernando Antunes, dirigente da Transparência
que isso feriria o direito à privacidade das pes- Brasil e da União Nacional dos Analistas e Técnicos
soas envolvidas. “Nós indagávamos a respeito de de Finanças e Controle (Unicon), ilustrou o deba-
informações de mortos e feridos, e eles nos res- te em torno do acesso a informações públicas com
pondiam que a privacidade deveria ser tutelada”, algumas histórias de sua carreira de 27 anos como
recordou o advogado. “É a perversão de um siste- servidor público, parte dentro do Executivo e par-
ma de proteção”. te no Congresso Nacional. Ele contou que, durante
Belisário também presidiu a Comissão de o governo do presidente Fernando Collor de Mello
Investigação de Tortura de São Paulo e relata que (1990-1992), recebeu de um superior em um órgão
autoridades já reagiram a solicitações de registros público a ordem de fazer um levantamento de todos
do regime militar afirmando que iriam então repas- os créditos que a companhia aérea Vasp tinha para
sar informações dadas em interrogatórios ou obti- receber. Como estava sendo discutida a privatiza-
das por meio de vigilâncias. Trata-se de uma espé- ção da empresa, Antunes afirma ter concluído que
cie de ameaça, pois a intenção é fazer os autores dos se tratava de um tipo de dado capaz de desequilibrar
requerimentos desistirem, por medo de depararem uma concorrência pública pelo controle da com-
com informações que possam ser desabonadoras panhia. “Eu achei o pedido um absurdo, porque a
para as vítimas do regime, já que muitas delas foram informação sobre os créditos faria uma grande dife-
interrogadas abaixo de maus-tratos e ameaçadas de rença. Quem dispusesse dela iria muito mais tran-
morte. “Nós não queríamos acessar o que uma pes- qüilo para um leilão”, recordou Antunes.
soa confessa sob tortura, ou o que um agente obteve A partir dessa reflexão, contou, procurou
da pessoa por segui-la ou por meio de interceptação um jornalista e relatou o caso. Quando a notícia
telefônica”, disse Belisário. “Nós queríamos saber o sobre o levantamento de informações foi divulga-
Acesso a Informações no Cenário Nacional 51

da, Antunes foi processado com base na legislação aperfeiçoar o texto da proposta. Entre elas, a de criar
que determina aos servidores públicos manterem uma comissão para fazer uma análise das informa-
em sigilo aquilo sobre o que tomam conhecimento ções e definir o que é ou não sigiloso, o que pode ou
por meio de sua função. “Eu respondi a alguns pro- não significar um risco à segurança nacional, à polí-
cessos por ter me insurgido, por ter trabalhado pela tica externa ou à privacidade de cidadãos e empre-
informação”, relatou. sas. “A intenção é definir quais são as informações
que devem ficar acessíveis e fixar prazos para que
O que fazer elas sejam fornecidas”, disse o deputado. Pelo pro-
Marcelo Beraba defendeu a realização de campanhas, jeto, os órgãos públicos devem atender aos requeri-
com forte participação popular, em dois momentos. mentos de informações em, no máximo, 15 dias.
Um na busca pelas mudanças na legislação para asse- O próprio autor do projeto de lei já aponta a
gurar o acesso a informações públicas (ver o depoi- necessidade de ampliar a proposta. Reginaldo Lopes
mento do jornalista na página 54) e outro para divul- acha que informações de empresas estatais, como a
gar as alterações obtidas. “Somente uma lei de aces- Petrobras, devem também se tornar disponíveis aos
so e uma ampla campanha de divulgação dessa lei cidadãos, ocorrendo o mesmo com organizações
poderão gerar resultados concretos para toda a socie- não-governamentais (ONGs) e com organizações
dade”, afirmou. Em linha semelhante, o deputado da sociedade civil de interesse público (OSCIPs) que
Reginaldo Lopes defendeu a ampliação da frente de sejam beneficiadas com repasses de recursos dos
entidades que lutam pelo direito de acesso a informa- governos. “A busca é para incluir todos os órgãos
ções públicas como forma de pressionar o Congresso que recebem dinheiro público. Esse tem que ser o
a aprovar o projeto de lei sobre o tema. “Deve partir nosso horizonte”, explicou o parlamentar.
de uma mobilização de fora para dentro da Câmara Ele lembrou que opositores a essa idéia argu-
dos Deputados, para que a gente tenha força política mentam, entre outras coisas, com a necessidade
de levar essa regulamentação ao plenário”, afirmou. de manter em sigilo informações de estatais por
Segundo ele, há condições técnicas para aprovação da conta da estabilidade das empresas, dos investido-
mudança, só faltando o respaldo político. res e de regras nacionais e internacionais. “Temos
O deputado relatou que seu projeto foi apro- que superar todas essas questões e buscar a uni-
vado em todas as comissões permanentes pelas versalização da transparência em todos os órgãos
quais já foi analisado, tendo também sido assumido que recebam dinheiro público”, disse. Reginaldo
o compromisso de acatar emendas de colegas para Lopes lembrou que o processo de criação de boas
52 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

DEPOIMENTO
Marcelo Beraba

A luta não deve se restringir ao jornalismo


-PHPBQØTBEFDJTÍPEFDSJBSP'ØSVNEF%JSFJUPEF Como no México
Acesso a Informações Públicas, a Abraji começou a fa- Fortalecer o Fórum é uma prioridade da Abraji. Esse
zer, por meio de seu próprio site, um levantamento do fortalecimento deve ocorrer porque se trata de um es-
marco legal do país a respeito do tema. Desde aquela paço que já existe e consegue congregar organizações
época a idéia é de que essa luta não deveria ficar so- nacionais sérias. A nossa idéia é conseguir criar no Brasil
mente nas mãos dos jornalistas. O Fórum é uma prio- um processo parecido com o que ocorreu no México,
ridade da Abraji, mas queríamos que entidades não- onde a lei que garante o acesso a informações públicas,
jornalísticas assumissem a dianteira dessa empreitada em vigor há cinco anos, surgiu de um amplo movimento
justamente pelo entendimento de que se trata de algo do qual participam universidades, jornais, partidos polí-
de interesse da sociedade, do cidadão comum. ticos, grandes organizações corporativas, entre outros.
Na prática, foi a existência dessa grande frente que
Atuação concreta permitiu aos mexicanos desenvolverem uma discussão
Uma das ações do Fórum foi desenvolvida em 2006, ampla sobre a transparência e conseguirem avançar
quando enviamos cartas a todos os então candidatos para mudanças na legislação. Quando a proposta che-
à Presidência da República, pedindo um compromis- gou ao Congresso, já tinha uma base de legitimidade
so público com a aprovação de uma lei de transpa- muito forte. Outro diferencial do México foi a criação
rência, de acesso a informações públicas. O então de um organismo para atuar como mediador nessa bus-
DBOEJEBUP-VJ[*OÈDJP-VMBEB4JMWBSFTQPOEFVDPNB ca de cidadania por meio do acesso à informação públi-
promessa de enviar ao Congresso em 2007 um pro- ca. É mais um exemplo que podemos, no Brasil, seguir.
jeto tratando do tema. Outra ação que o Fórum in-
centivou foi a criação de uma frente parlamentar de Marcelo Beraba
direito ao acesso a informações públicas, na Câmara é jornalista da Folha de S.Paulo e diretor da
dos Deputados. Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Acesso a Informações no Cenário Nacional 53

leis de direito de acesso a informações demorou, ser feito de forma imediata. “A busca do direito de
em alguns países, mais de dez anos. “Geralmente, acesso à informação tem várias frentes. Há a frente
se encontram resistências. E sem uma massa crí- parlamentar, a de informação, a de conscientização
tica, sem a força da opinião pública, sem a mobi- da sociedade. Mas existe uma frente que é tática, e
lização da sociedade, o processo no Brasil demo- que a gente usa pouco, que é o recurso à Justiça”,
rará muito mais”, afirmou. lembrou. O jornalista contou que a imprensa já
Belisário Santos propôs uma série de inicia- obteve várias vitórias exigindo, no Judiciário, que
tivas para amenizar as dificuldades de obtenção órgãos públicos forneçam informações.
de informações públicas no Brasil. A primeira Também sobre o que pode ser feito até que a
delas é que a Advocacia Geral da União (AGU), legislação seja alterada, Belisário Santos deu um
o Ministério Público ou algum outro órgão reú- conselho àqueles que tentam obter informações
na as informações mantidas pelas Forças Armadas públicas e são rechaçados sob o argumento jurídi-
a respeito de ações do Estado durante os 20 anos co de falta de legítimo interesse e outros requisi-
da ditadura. “Até sargento do regime militar tem tos para o acesso aos dados em questão. De acor-
baú de documentos”, lembrou Belisário Santos. Ele do com o jurista, o interessado deve apresentar
sugeriu também a criação de uma lei de defesa do um recurso com uma epígrafe “colossal”, fazendo
usuário do serviço público, como está previsto na nela menção aos artigos da Constituição Federal
Constituição, e defendeu a aprovação do projeto de que tratam do direito de acesso a informações e
Reginaldo Lopes. da defesa ao usuário do serviço público e aos tra-
“Acho também que o habeas-data deveria ser tados e pactos internacionais sobre o tema. Para
mais alargado. Como é que nos defendemos no Belisário Santos, a epígrafe deve ser acompanha-
Brasil?”, questionou. “Nós nos defendemos através da de algo assim: “A minha resposta deve ser lida
das organizações da sociedade civil, portanto o habe- não só sob o ângulo do direito à informação,
as-data não pode ser somente um direito de proteção como também da obrigação de informar. A admi-
individual, e sim coletivo”. Outra sugestão do jurista nistração deve ser transparente, e o não-forneci-
foi a reativação de programas nacional e estaduais de mento de informações leva à responsabilidade do
direitos humanos. “Isso é uma forma de colocarmos agente. Peço deferimento”.
a cidadania em perpétua discussão”, disse.
Para Beraba, além da briga a médio e longo
prazos para mudar a legislação, há algo que já pode
54 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Fernando O. Paulino

Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas:


promovendo o direito de saber

Criar o Fórum de Direito de Acesso a Informações O Fórum defende que os governos, em todos
Públicas foi uma decisão tomada em setembro de os seus níveis, tenham a preocupação de correta-
2003, em Brasília, ao final do Seminário Internacio- mente arquivar qualquer documento público de
nal sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, forma a facilitar o seu acesso futuro, bem como de
promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo manter sistemas permanentes de gerenciamento
Investigativo (Abraji). O lançamento oficial ocorreu e preservação desses documentos. Defende tam-
em novembro do ano seguinte na sede do Conse- bém a unificação dos critérios de registros em car-
lho Federal da OAB na capital federal. tórios e juntas comerciais de todo o país.
Atuando sem conotação político-partidária e nem Além disso, o Fórum estuda documentos e ex-
fins lucrativos, o Fórum atualmente é composto por periências internacionais bem-sucedidas como a
mais de vinte entidades e busca estimular o debate Declaração de Atlanta, tratado de boas práticas
sobre direito de acesso a informações públicas no que estimula a necessidade de disseminação de
Brasil, defendendo uma lei que garanta e facilite o informações de caráter público produzidas pela
acesso do público a documentos públicos produzi- iniciativa privada.
dos pelos três Poderes da República, bem como aos Tais medidas são essenciais para a democracia
documentos de governos estaduais e municipais. no Brasil e podem garantir a aplicação do direito à
Para que isso ocorra efetivamente, o Fórum de comunicação previsto na Constituição, mas até hoje
Direito de Acesso a Informações Públicas promove não regulamentado da forma adequada e, conse-
iniciativas voltadas para o tratamento, a agregação qüentemente, pouco colocado em prática na nossa
e a disseminação de informações em poder do Es- realidade, persistindo uma tradição que considera
tado e sobre o Estado, realizando campanhas de as informações públicas propriedade privada, utili-
divulgação a respeito da necessidade de uma lei de zadas para benefício próprio em vez de servir aos
acesso a informações públicas no Brasil. interesses mais amplos da coletividade.
Acesso a Informações no Cenário Nacional 55

Em 2008, houve uma reforma no site do Fórum no-Americana de Advogados Trabalhistas (Alal),
(www.informacaopublica.org.br) que tem divulgado, Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo),
com cada vez mais freqüência, conteúdo (notícias e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça
entrevistas) sobre o Direito de Acesso a Informações do Trabalho (Anamatra), Agência de Notícias dos
Públicas no Brasil e no mundo, além de servir como Direitos da Infância (ANDI), Associação Nacional
um canal de aproximação entre as entidades e as pes- de Jornais (ANJ), Associação Nacional dos Procu-
soas que apóiam esta iniciativa. Com o aumento de radores da República (ANPR), Associação Paulis-
referências e de usuários no site, somada à articulação ta de Jornais (APJ), Artigo 19, Federação Nacional
entre os participantes e à organização de cursos, de- dos Jornalistas (FENAJ), Fórum Nacional de Di-
bates e audiências públicas sobre o Direito de Acesso rigentes de Arquivos Municipais, Grupo Tortura
a Informações Públicas, o Fórum pretende estimular Nunca Mais–RJ (GTNM-RJ), Instituto Brasileiro de
este debate na sociedade brasileira, fomentando uma "OÈMJTFT4PDJBJTF&DPOÙNJDBT *CBTF
*OTUJUVUPEF
transformação no marco normativo, acompanhada de &TUVEPT 4PDJPFDPOÙNJDPT *OFTD
 .PWJNFOUP EP
uma mudança de cultura que gere sistemas de presta- Ministério Público Democrático (MPD), Ordem
ção de contas e maior transparência. Afinal, o direito à dos Advogados do Brasil (OAB), Projeto SOS-Im-
informação é essencial para uma efetiva cidadania. prensa (FAC-UnB) e Transparência Brasil.

Quem participa Fernando O. Paulino


é jornalista, mestre e doutor em comunicação. Professor na
Associação Brasileira de Organizações Não-Go- FAC-UnB. Um dos fundadores do Fórum de Direito de Acesso
vernamentais (Abong), Associação Brasileira de à Informação Pública. Pesquisador do Laboratório de Políticas
de Comunicação (LaPCom) e do SOS-Imprensa. Coordenador
Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação Bra-
do Projeto Comunicação Comunitária.
sileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Associa-
ÎÍP EPT +VÓ[FT 'FEFSBJT "KVGF
 "TTPDJBÎÍP -BUJ-
2
Capítulo

Papel do Executivo
O Estado está preparado para fornecer informações?
A situação no Brasil e experiências no exterior
Nome do Capítulo 57

Mais de 125 representantes de Estados nacionais, organizações da sociedade civil, organis-


mos internacionais, bancos multilaterais, fundações empresariais, agências doadoras, empresas
privadas, grupos de mídia e especialistas de 40 países estiveram reunidos em Atlanta, Estados
Unidos, entre 27 e 29 de fevereiro de 2008, no âmbito da Conferência Internacional sobre o
Direito à Informação Pública.
Se, por um lado, este profundo esforço, patrocinado pelo Centro Carter, de discutir o status
quo do direito (ou a negação dele) ao acesso à informação no mundo contemporâneo ressaltou
inúmeros problemas a serem superados, por outro, sublinhou a existência de inegáveis avanços
que podem servir de tecnologia institucional para as nações que, de fato, desejem aprimorar
seus marcos legais e seus arcabouços institucionais nesta matéria.
O Brasil se encontra numa espécie de meio do caminho. Como vimos, garante constitucional-
mente o direito humano ao acesso às informações públicas, porém não consegue gerar uma matriz
regulatória coesa e consistente que solidifique uma prática pública de oferta de todas as informa-
ções e empodere a população no processo de solicitação das mesmas.
O país também é pioneiro no desenvolvimento de sistemas de transparência de informa-
ções públicas, inclusive no que se refere aos complexos dados orçamentários, mas, na outra
face da moeda, é ineficiente no espraiar dessas ferramentas para além de um grupo restrito de
grupos de interesse.
A experiência internacional, nesse sentido, pode ser útil para alavancar e conferir consis-
tência ao debate travado no Brasil, ainda de maneira tímida, no tocante à construção e apro-
vação de uma lei geral. Aliado a isto, entretanto, é de suma importância observar e debater os
erros e acertos que temos cometido internamente nessa área.
Para discutir o tema, o seminário Controle Social das Políticas Públicas e Acesso à Informa-
ção: Elementos Inseparáveis contou com a participação da diretora executiva da Artigo 19, Ag-
OÒT$BMMBNBSEEPQFTRVJTBEPSEP$FOUSP#SBTJMFJSPEF"OÈMJTFF1MBOFKBNFOUP $FCSBQ
1BVMP
Todescan; do diretor de sistemas e informação da Controladoria-Geral da União, José Geraldo
-PVSFJSP3PESJHVFTFEBFOUÍPEJSFUPSBEP%FQBSUBNFOUPEF(PWFSOP&MFUSÙOJDPEP.JOJTUÏSJP
do Planejamento, Orçamento e Gestão, Patrícia Pessi.
O s levantamentos mais recentes apontam a existência de garantia
legal de acesso a informações públicas em cerca de 70 países. Outras
cinco dezenas de nações estão em processo de preparação dessa
legislação, e existe ainda um outro grupo numeroso no qual leis rela-
cionadas a outros temas têm sido utilizadas também para assegurar
o alcance a dados e registros de governos1.
Nesse cenário, a América do Sul se encontra dividida. Estudo da
Artigo 19 revela que, dos 13 países do continente, cinco têm leis em
vigor com garantia de acesso regulamentado a informações, outros
cinco estão com legislações pendentes sobre o acesso, e três ainda
não tomaram iniciativas. O Brasil se encontra no segundo grupo, já
que, como foi visto, existe uma previsão constitucional de acesso a
informações públicas que ainda precisa ser regulamentada em lei.
Enquanto aguardam a definição de um arcabouço institucio-
nal e um aparato burocrático, para que se possam exigir de manei-
ra mais eficiente do governo a liberação de documentos e outros
registros, organizações e indivíduos pressionam pelo livre acesso em
três frentes distintas. Uma delas é formada pelas iniciativas pontuais
que buscam, por meio de diversos dispositivos legais, assegurar por
determinação do Poder Judiciário acesso a informações específicas.
É assim que algumas famílias de desaparecidos políticos, por exem-
plo, têm obtido registros parciais referentes à ação do Estado contra
os perseguidos. É uma frente trabalhosa e de resultado lento e incer-
to, já que depende de decisões de distintos integrantes do Judiciário,
que nem sempre pensam da mesma maneira.
1 BANISAR, 2006, p.6.
Papel do Executivo 59

Uma segunda frente é a tentativa de mudar o encontra-se arbitrariamente, com apoio nas nor-
marco legal brasileiro em relação ao acesso a infor- mas inconstitucionais atacadas, ocultado dos titu-
mações. No final de 2007, o Conselho Federal da lares do poder (do povo). Há interesse geral no
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou conhecimento do conteúdo de tais documentos. O
no Supremo Tribunal Federal com a ação direta de constituinte, quando editou as normas de regên-
inconstitucionalidade (Adin) de número 3.987, con- cia sobre a matéria, incluindo entre os direitos e
tra dois parágrafos do artigo 23 da lei federal 8.159 e garantias individuais o direito de acesso a essas
a íntegra da lei federal 11.111. Em vigor desde 1991, informações, tinha objetivo claro: permitir que a
a 8.159 trata nos artigos questionados pela OAB dos nação conhecesse atos e fatos de obscuros tempos
prazos para manutenção do sigilo em documentos – passados, tempos remotos e tempos recentes. Não
chega a mencionar até um século como limite máxi- se mostra admissível que seja protelado o acesso a
mo – e serviu de base para o já citado decreto de esses documentos”.
2002, que tratou do assunto. De forma semelhante, Em 19 de maio de 2008, o procurador-geral
a lei 11.111, de maio de 2005, a mais recente sobre da República, Antonio Fernando Barros e Silva
o tema, se dedica a ressaltar exceções no acesso a de Souza, protocola junto ao Supremo Tribunal
informações definido pela Constituição e ainda rei- Federal uma nova ação direta de inconstituciona-
tera grande parte do previsto na lei 8.159. lidade (4077) que pede a impugnação dos mesmos
Na Adin, a OAB usa expressões como “vio- diplomas legais (ou trechos deles) mencionados
lência” e “arbitrariedade” para se referir aos pra- pela ação proposta pela OAB. A ação do procura-
zos fixados pela lei 8.159 de 1991, alterada por dor-geral da República foi apoiada unanimemente
medidas provisórias e decretos recentes. Quanto por todas as organizações que compõem o Fórum
à 11.111, lembra que ao mesmo tempo em que se de Direito de Acesso a Informações Públicas.
preocupou em criar empecilhos para o acesso a Como não poderia deixar de ser, o pleito do
documentos considerados sigilosos, a lei foi “omis- procurador-geral da República apresenta justificati-
sa” ao não estabelecer prazos para que o governo vas semelhantes àquelas constantes do pedido pro-
libere informações. Para solicitar ao STF que tor- tocolado pela OAB e salientadas aqui. Sem embar-
ne nulos dispositivos dessas duas leis, a OAB foi go, é relevante ressaltar alguns pontos da argumen-
incisiva: “A Constituição Federal já se encontra em tação tecida pelo procurador-geral, dado que refor-
vigor faz quase duas décadas. Inestimável núme- çam e/ou complementam elementos por ele já deba-
ro de documentos públicos e de interesse público tidos ao longo do presente volume.
60 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Em primeiro lugar, é de central pertinência a cias de inteligência? Não é o Executivo a quem interessa
advertência mais ampla que o procurador faz quan- diretamente o segredo, sob as mais diversas inspirações
to à importância do direito à informação para a e móveis? Não é o Executivo o detentor perpétuo (e re-
democracia brasileira: calcitrante) das raisons d’état? Como, então, a ele dele-
gar essa tarefa que acaba por definir o (e interferir no)
Como sabemos, numa República Democrática, nem a núcleo essencial do direito fundamental à informação?
cidadania nem os direitos políticos se resumem a votar
e ser votado. Incluem também a participação ativa dos Por fim, o procurador-geral faz um importan-
cidadãos no devido processo político, peticionando aos te alerta quanto à violação de direitos humanos que
Poderes públicos, fazendo as suas sugestões, postulando decorre da legislação hoje em vigência no país:
o que de direito, conditio e condendo, questionando
as decisões proferidas e, enfim, atuando plenamente na Ademais, uma lei que tenha por fim evitar que tais in-
civitas. O pressuposto dessa atuação é exatamente o di- formações venham à luz, como diretamente sucede com
reito à informação (art. 5º., XIV e XXXIIII). a norma impugnada, na prática, veda a indagação so-
bre os fatos violadores dos direitos fundamentais, legiti-
O outro elemento da maior relevância é o mando tais fatos e, ao fim, derrogando tais direitos.
rechaço sublinhado pelo procurador-geral quanto
aos dispositivos da nossa atual legislação que loca- Caminhos já
lizam no âmbito do Poder Executivo, de maneira implementados
autocrática, o processo decisório quanto à classifi- A terceira frente de pressão pelo acesso a informa-
cação dos documentos públicos. O questionamento ções se desenvolve dentro das próprias instituições
da legitimidade do governo de turno para a conse- públicas. Trata-se de uma série de avanços registra-
cução desta tarefa é totalmente pertinente: dos nos últimos anos para abertura ao público de
parte dos registros e informações do governo fede-
Note-se que os artigos em questão transferem ao Execu- ral, principalmente naqueles que se referem à utili-
tivo o poder de classificar as categorias de sigilo e impor zação de recursos do Orçamento da União.
as restrições a seu acesso. Não é o próprio Executivo Em 1987, ainda antes da promulgação da atual
quem detém a quase totalidade de dados históricos e Constituição, uma parceria da Secretaria do Tesouro
políticos que deveriam ser franqueados ao público? Nacional e do Serviço Federal de Processamento de
Não é ao Executivo que se vinculam as diversas agên- Dados (Serpro) permitiu a implantação do Sistema
Papel do Executivo 61

Integrado de Administração Financeira (Siafi). Transparência, que tem acesso aberto e permite a
Alimentado por informações on-line, o Siafi regis- realização de pesquisas específicas com seleção de
tra e coloca à disposição de seus usuários todas as órgãos públicos e tipos de gastos. Foi desse portal que
saídas de recursos do Orçamento da União, com saíram as informações, muito debatidas no começo
detalhes como valores, destinos e responsáveis. de 2008, a respeito do uso de cartões corporativos por
Assim, por exemplo, no momento em que o autoridades e outros funcionários públicos.
Ministério da Saúde faz uma aquisição de um lote
de medicamentos para distribuição gratuita, o Siafi O exemplo das
indica dados como o nome do responsável pelo Agências Reguladoras
pagamento, quanto o produto custou, qual a quanti- No bojo das mudanças institucionais implemen-
dade adquirida e qual foi a empresa fornecedora. Na tadas pelo Brasil, conhecidas como “Reforma do
primeira fase de sua implantação, o Siafi era usado Estado”, que tiveram lugar ao longo da década
apenas por funcionários do próprio governo, ser- de 1990, com maior intensidade no governo do
vindo como uma espécie de ferramenta de operação presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-
e controle internos. Depois, deputados e senadores 2002), as leis que constituíram algumas Agências
passaram a ter acesso ao sistema, e muitos assesso- Reguladoras para setores específicos também
res de gabinetes desses congressistas se especializa- procuraram definir critérios de acesso público a
ram no acompanhamento dos gastos do governo, documentos oficiais.
auxiliando jornalistas na busca por informações. Um exemplo é a criação da Agência Nacional
Hoje, sites dos poderes Executivo e Legislativo já de Telecomunicações (Anatel), promovida pela Lei
permitem que qualquer cidadão acesse pela internet Geral de Telecomunicações (9.472, de 16 de julho
uma grande parte dos dados do Siafi2. Além disso, de 1997), que estabelece, em seu artigo 39, que:
organizações não-governamentais têm recolhido e “Ressalvados os documentos e os autos cuja divul-
distribuído as informações do sistema, reforçando gação possa violar a segurança do País, segredo pro-
assim o controle público. tegido ou a intimidade de alguém, todos os demais
Também relacionado ao uso dos recursos da permanecerão abertos à consulta do público, sem
União, foi criado pelo governo federal o Portal da formalidades, na Biblioteca”.
Já no caso da Agência Nacional do Petróleo
2 Há portais para acompanhamento da execução do Orçamento da (ANP), a Lei do Petróleo, no seu artigo 18, salien-
União na Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br), no Senado
(www.senado.gov.br) e no Executivo (www.tesouro.fazenda.gov.br). ta que: “As sessões deliberativas da Diretoria da
62 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

ANP que se destinem a resolver pendências entre des integrantes do Sistema Nacional de Informações
agentes econômicos e entre estes e consumidores e sobre o Meio Ambiente (Sisnama). Tais organis-
usuários de bens e serviços da indústria do petró- mos obrigam-se a permitir o acesso a documentos,
leo serão públicas, permitida a sua gravação por expedientes e processos administrativos que tratem
meios eletrônicos e assegurado aos interessados o de matéria ambiental e a fornecer todas as infor-
direito de delas obter transcrições”. Para o cientista mações ambientais que estejam sob sua guarda, em
político Guilherme Canela, a publicização de todos meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico. Para este
os atos das Agências Reguladoras visa a “garantir instrumento legal:
maior transparência ao processo, diminuir as assi-
metrias informacionais e forçar a tomada de deci- Art. 2, § 1º - “Qualquer indivíduo, independentemente
sões elaboradas” (2005, p. 158). da comprovação de interesse específico, terá acesso às in-
formações de que trata esta Lei, mediante requerimento
Potencialidades da escrito, no qual assumirá a obrigação de não utilizar as
legislação ambiental informações colhidas para fins comerciais, sob as penas
No caso da legislação ambiental, a Lei da Política da lei civil, penal, de direito autoral e de propriedade
Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal n.º industrial, assim como de citar as fontes, caso, por qual-
6938/81) já previa, mesmo antes da Constituição de quer meio, venha a divulgar os aludidos dados”.
1988, um amplo direito à informação ambiental:
Com seus princípios fortemente baseados na
Art.4º - “A Política Nacional do Meio Ambiente visará: 4ª Conferência Ministerial da série Meio Ambiente
V – à difusão de tecnologias de manejo do meio am- para a Europa, conhecida como Convenção de
biente, à divulgação de dados e informações ambien- Aarhus (1998) e na Agenda 21, a nova lei se refe-
tais e à formação de uma consciência pública sobre a re não somente ao acesso a dados específicos rela-
necessidade de preservação da qualidade ambiental e tivos à qualidade do meio ambiente (ar, água, solo,
do equilíbrio ecológico”. biodiversidade etc.), mas também a todo e qual-
quer plano, política ou programa que possam cau-
Mais recentemente, o país aprovou a Lei do sar impactos ambientais.
Direito à Informação Ambiental (10.650 de 16 de Para Raul Silva Telles, mestre em Direito
abril de 2003) que dispõe sobre o acesso público aos Econômico e integrante do Instituto Socioambiental
dados e informações existentes nos órgãos e entida- (ISA), no artigo “Direito à informação: marco legal”,
Papel do Executivo 63

há avanços na lei, como uma qualificação adequada O marco legal estabelece a obrigatoriedade de
do que é “informação ambiental”, e o fato do instru- publicação do número de ocorrências registradas
mento compelir os órgãos ambientais a recolherem pelas polícias Militar e Civil, número de civis mor-
e disponibilizarem informações relevantes. Ainda as- tos e feridos em confronto com policiais, número
sim, a lei apresenta problemas, como a vinculação es- de policiais mortos e feridos em serviço, número
trita aos órgãos de cunho ambiental: de prisões efetuadas, número de homicídios, lesões
corporais, latrocínios, estupros, seqüestros, tráfico
Isso significa que se houver uma informação re- de entorpecentes, roubos, e número de armas apre-
levante para a questão ambiental sob a guarda de endidas pelas polícias.
um órgão não integrante do SISNAMA – como, por Segundo Paulo de Mesquita Neto, doutor em
exemplo, uma informação existente no Ministério da ciência política e pesquisador sênior do Núcleo
Agricultura sobre planos de expansão de crédito pú- de Estudos da Violência da USP, falecido em
blico para monoculturas geradoras de impactos so- 2008, em artigo publicado na Folha de S.Paulo
cioambientais, como é o caso da soja e do eucalipto (18/01/2002), desde a aprovação da lei o gover-
– esse órgão não é obrigado, pela lei, a possibilitar o no e a sociedade civil podem monitorar e ava-
acesso às informações. liar de forma mais efetiva a atuação da polícia,
tanto do ponto de vista do controle da crimina-
O autor conclui que, apesar dos avanços de sua lidade quanto do respeito aos direitos humanos.
instituição, a efetividade dessa norma legal é bas- “Durante todos esses anos, a sociedade civil rei-
tante baixa. “O que equivale a dizer que hoje temos vindicou a adoção e colaborou para a implemen-
uma lei razoável, mas pouco aplicada”, ressalta. tação dessas medidas. A mídia passou a divul-
gar amplamente as estatísticas apresentadas pela
A importância do acesso Secretaria da Segurança Pública e pela Ouvidoria.
para a segurança pública Os cidadãos passaram a perceber a importância
Em relação ao sistema de segurança, um exem- de registrar ocorrências criminais nas delegacias
plo marcante encontra-se no âmbito estadual: a e reclamações contra policiais na Ouvidoria da
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, que Polícia”, lembra o especialista.
aprovou a lei 9.155/1995, obrigando o governo a Para uma das coordenadoras do Centro de
divulgar estatísticas trimestrais sobre ocorrências Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), a
criminais registradas pela polícia. doutora Sílvia Ramos, “há, na área da segurança
64 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

O problema do acesso à informação


na área de segurança pública

Em 1999, o governo do estado do Rio passou a lhados sobre dinâmicas criminais com base nos
divulgar mensalmente no Diário Oficial e pela in- dados produzidos pela polícia. Ou seja, a divulga-
ternet dados sobre alguns tipos de ocorrências, ção limitou-se a um conjunto predefinido de indi-
desagregados por delegacias – o que representou cadores e não se desdobrou, como inicialmente
um avanço considerável, sendo hoje o Rio de Ja- previsto, em uma verdadeira política de transpa-
neiro uma das poucas unidades da Federação que rência da informação.
publica regularmente estatísticas dessa natureza. Dado que essa política tampouco existe na
Mas, por outro lado, de 2000 para cá, vedou-se o maioria das outras UFs brasileiras, o Centro de
acesso da maioria dos pesquisadores ao banco de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) vem
dados da Polícia Civil e aos relatórios estatísticos coletando assinaturas individuais e institucionais
mensais e anuais da Polícia Militar fluminense. Bar- de todo o país para o manifesto Por uma Política
rou-se, assim, a possibilidade de análise de outros de Transparência da Informação sobre Segurança
tipos de eventos que não aqueles selecionados Pública, destinado a sensibilizar governos, socie-
para publicação no Diário Oficial. dade e mídia para a importância de se superar
Deixaram de ser fornecidas, também, informa- a cultura, ainda imperante nessa área, que trata
ções sobre sexo e idade das vítimas de delitos, informações públicas como “segredo de Estado”
inviabilizando a realização de estudos mais deta- ou como moeda político-eleitoral.

Fonte: CESeC, www.ucamcesec.com.br/est_seg.php


Papel do Executivo 65

pública, uma cultura de que o dado é da polícia e buscaram responder à pergunta gerada no extre-
dos delegados. Alguns escondem informações por mo do direito a informações: quem tem o dever
conta de disputas internas. Há uma cultura muito de fornecê-las?
retrógrada – com exceções, como os casos de RJ Em 1966, o presidente norte-americano
e SP – onde predomina um tratamento dos dados Lyndon Johnson assinou o Freedom of Information
como se fossem de propriedade da polícia”. Assim, Act, que se tornou conhecido pela sigla FoIA e
conclui a pesquisadora, “é importante haver legis- previa a garantia legal de acesso a documentos
lação, mas, onde existe, a lei não resolve por si só. públicos. “Eu assino este ato com um profundo
É preciso uma combinação de legislação com a sentimento de orgulho pelo fato de os Estados
cobrança da sociedade civil, centros de pesquisa e Unidos ser uma sociedade aberta, na qual o direi-
da própria mídia”. to das pessoas em se informarem é estimado e
protegido”, discursou3. Menos de quatro déca-
Pressão pelo acesso das após a assinatura, o ato já gerava 3 milhões
Além dessas três frentes de iniciativas que buscam de pedidos anuais de informações a autoridades
a liberação de informações públicas, há uma for- norte-americanas. Não foi, como vimos, a pri-
te pressão de organizações nacionais e estrangeiras meira lei a ser adotada por um país sobre o tema,
que defendem o acesso a dados e registros do gover- mas por causa da liderança internacional exerci-
no. Trata-se de um movimento internacional, cujas da pelos Estados Unidos acabou servindo como
raízes remontam a mais de dois séculos, mas que se exemplo para outras nações.
intensificou a partir de avanços registrados em mea- No entanto, não são somente países desen-
dos do século XX. volvidos e com democracias antigas e sólidas que
Uma das primeiras conquistas foi a resolução estão à frente do processo mundial de acesso a
da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 14 de informações públicas. O estudo Freedom of infor-
dezembro de 1946, que considerava a liberdade de mation around the world 2006, preparado por
expressão um “direito humano fundamental”. Dois David Banisar para a Privacy Internacional – orga-
anos depois, a Declaração Universal dos Direitos nização que, desde 1999, pesquisa o acesso à infor-
Humanos iria ampliar o conceito de liberdade de mação pública nos cinco continentes – apresen-
opinião e expressão, acrescentando que os indi- ta exemplos de avanços na garantia de se obterem
víduos precisam receber e difundir informações. informações entre governos de dezenas de países,
Tratados, resoluções e discussões que se seguiram 3 Citado por BANISAR, 2006, p.5, tradução dos autores.
66 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

como Croácia, Paquistão e Jamaica. A legislação ções, mas um dos grandes avanços da legislação
da África do Sul tem sido apontada como uma das peruana é que nenhuma informação relacionada
mais consistentes e inovadoras. à violação dos direitos humanos pode ser classi-
ficada como sigilosa. Um levantamento feito por
Os casos uma entidade peruana ligada à imprensa mos-
peruano e mexicano tra que, no entanto, grande parte das solicitações
Na América do Sul, um dos melhores exemplos com base na lei não são atendidas, e muitas aca-
apontados pelo estudo é o do Peru. Para regu- bam respondidas com atraso.
lamentar sua constituição, o país colocou em Outro bom exemplo é o da legislação mexi-
vigor em janeiro de 2003 a Lei de Transparência e cana. A Lei Federal de Transparência e Acesso a
Acesso a Informações Públicas. Conforme o tex- Informações Públicas do Governo, proposta pela
to, qualquer pessoa pode requerer dados e regis- sociedade civil, foi aprovada por unanimidade
tros do governo ou de qualquer entidade privada pelo Parlamento em abril de 2002 e passou a ser
que ofereça serviços públicos. Alguns dos aspec- aplicada a partir de junho do ano seguinte. Pela
tos interessantes da lei peruana são os fatos de lei, as pessoas podem requerer por escrito infor-
não ser preciso dar nenhuma explicação para a mações de órgãos e departamentos governamen-
requisição de dados e o de toda a documentação tais, que têm um prazo de 20 dias úteis para res-
existente em repartições públicas ser considera- pondê-las. A lei prevê que algumas informações
da pública. Os pedidos devem ser atendidos em podem ser retidas pelo governo em defesa do
no máximo sete dias úteis, prazo que só em situa- interesse público – como as que envolvem defesa
ções extraordinárias pode ser estendido por mais nacional e as que implicam riscos para a vida ou
cinco dias. saúde de indivíduos – e há ainda outros casos de
A lei peruana prevê exceções para libera- registros que podem ser classificados como sigi-
ção de informações. Não são fornecidos regis- losos. De qualquer forma, essa classificação não
tros relacionados à segurança nacional que pos- pode se estender por mais de 12 anos, e dados
sam colocar em risco a integridade territorial ou referentes à violação de direitos humanos e aos
a democracia, segredos comerciais nem informa- crimes contra a humanidade não podem ser man-
ções sobre a privacidade de indivíduos. Há crí- tidos em sigilo.
ticas internas, grande parte delas originária de Quem tiver um pedido negado pode recorrer
congressistas, em relação à amplitude das exce- ao Instituto Federal para Acesso a Informações
Papel do Executivo 67

Declaração de Atlanta:
elementos para construção da legislação de acesso

Os diversos atores presentes na Conferência Interna- cluindo os Poderes Executivo, Judiciário e


cional sobre o Direito à Informação Pública produzi- -FHJTMBUJWP CFNDPNPPTØSHÍPTBVUÙOPNPT

ram um documento, batizado de Declaração de Atlan- em todos os níveis (federal, central, regional
ta, que, dentre outros aspectos pertinentes, traz um e local) e a todas as divisões das agências in-
conjunto de características fundamentais que devem ternacionais listadas acima.
compor um amplo marco regulatório de acesso às in- c. O direito ao acesso à informação deve ser
formações públicas. Destacamos os seguintes pontos: estendido a atores não-estatais sob as condi-
1. O direito ao acesso à informação se aplica a todas ções enumeradas no princípio 3 abaixo.
as organizações intergovernamentais, incluindo d. O direito de acesso à informação deve in-
as Nações Unidas, instituições financeiras inter- cluir o direito de pedir e receber informação,
nacionais, bancos regionais de desenvolvimento e uma obrigação positiva das instituições pú-
e agências bilaterais e multilaterais. Estas institui- blicas em disseminar informações relaciona-
ções públicas devem liderar pelo exemplo e por das à sua função central.
meio do suporte a outros esforços de constru- e. O direito de requisitar informações é inde-
ção de uma cultura de transparência. pendente de um interesse pessoal naquela
2. O direito ao acesso à informação deve ser incor- informação e não deve exigir a necessidade
porado em instrumentos legais internacionais e de prover uma justificativa ou razão.
regionais, bem como nas leis nacionais e subna- f. O instrumento ou lei deve incluir procedimen-
cionais e deve respeitar os seguintes princípios: tos desenhados a fim de assegurar a comple-
a. O acesso à informação é a norma, o segredo ta implementação e a facilidade do uso deste
é a exceção. mesmo instrumento ou lei, excluindo obstácu-
b. O direito de acesso à informação deve ser los desnecessários (tais como custos, lingua-
extensivo a todos os braços do Estado (in- gem, forma ou maneira de realizar a requisi-
68 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

ção) e incluindo uma obrigação afirmativa em L Ao requerente deve ser garantido o di-
auxiliar o solicitante da informação, além da reito de apelar, a uma autoridade indepen-
exigência para que a informação requerida dente com poderes de reverter a situação,
seja entregue dentro de um período específi- diante de qualquer decisão, qualquer falha
co e razoável de tempo. de prover informação ou diante de qual-
g. As exceções ao acesso à informação de- quer outra violação do direito de acesso
vem ser explicitadas de maneira muito à informação. Essa autoridade deve, prefe-
particular, especificadas na lei, e limitadas rencialmente, ser uma agência intermediá-
apenas àquelas situações permitidas pela ria, tal como uma agência de informação ou
legislação internacional. Todas as exceções um ombudsman especializado, isto na pri-
devem estar sujeitas à anulação em fun- meira instância, mas o requerente sempre
ção do interesse público, o que implica a deve poder apelar ao Poder Judiciário.
liberação de documentos antes protegidos 3. O direito de acesso à informação também
pelo sigilo sempre que o benefício público se aplica a atores não-estatais que: recebam
da liberação superar o dano potencial ao fundos públicos ou benefícios (direta ou indi-
interesse público. retamente); desempenhem funções públicas,
h. 0ÙOVTEBQSPWBQBSBKVTUJGJDBSVNBSFDVTB incluindo a prestação de serviços públicos e
em ofertar uma dada informação deve sem- explorem recursos públicos, incluindo recur-
pre recair sobre o detentor da informação. sos naturais. O direito ao acesso à informação
i. O instrumento deve determinar total abertu- é extensivo apenas ao uso daqueles fundos e
ra, depois de um razoável período de tempo, benefícios, atividades ou recursos. Adicional-
de qualquer documento que foi classificado mente, todos devem ter acesso à informação
como secreto ou confidencial, por razões em poder de grandes corporações privadas
excepcionais, à época de sua criação. quando esta informação é requisitada para
j. O instrumento deve incluir claras penalida- o exercício ou proteção de qualquer direito
des e sanções por não-cumprimento por au- humano, tal como reconhecido na Declaração
toridades públicas. Universal dos Direitos Humanos.
Papel do Executivo 69

Públicas, órgão que tem poder de determinar a


repartições que liberem registros solicitados. Em
4. Estados e Organizações Internacionais devem caso de nova negativa, ainda é possível apelar à
assegurar um sistema de implementação que Justiça. Em 2005, o instituto foi acionado 2.639
busque garantir: vezes, e cerca de 100 ações chegaram ao Judiciário
a. O exercício equânime do direito de acesso à entre 2003 e 2006. Além de atender aos pedidos
informação. específicos de informações, os órgãos governa-
b. O treinamento de todas as autoridades pú- mentais mexicanos precisam divulgar de forma
blicas na prática e aplicação do direito. periódica, e pela internet, uma série de dados
c. Educação pública e treinamento para empo- relativos ao uso de recursos públicos, o que inclui
derar as pessoas a fazerem uso desse direito. salários de funcionários e valores de contratos.
d. A alocação dos recursos necessários para as- Ainda que existam dificuldades – como falhas
segurar a eficiente administração. em arquivos de documentos de algumas reparti-
e. Fortalecer o gerenciamento da informação ções –, a lei mexicana tem sido considerada por
para facilitar o acesso. analistas internos e estrangeiros como um bom
f. Monitoramento regular acerca da operacio- exemplo de sucesso na garantia de acesso a infor-
nalização da lei. mações públicas.
g. Revisão da operacionalização e cumprimento
EBMFJ PRVFEFWFGJDBSBDBSHPEP-FHJTMBUJWP Conseqüências positivas
e de outras agências de monitoramento. do acesso garantido
5. -FHJTMBÎÜFT DPNQMFNFOUBSFT QBSB QSPNPWFS P Um levantamento da Artigo 19 mostra que o
direito ao acesso à informação deverão ser apro- alcance a documentos e registros públicos tem
vadas, incluindo: leis exigindo a transparência no servido para cidadãos e cidadãs de diversos paí-
financiamento de partidos políticos e campanhas; ses fazerem demandas distintas e pontuais, com
transparência no lobby; legislação sobre arqui- impacto rápido e direto na vida das pessoas. Em
vos; proteção de testemunhas acerca de casos 1999, por exemplo, depois de 12 anos de espe-
de corrupção e leis sobre a administração pública ra, moradores do Brooklyn, em Nova York, con-
profissional. Provisões contraditórias, tais como seguiram – com base na legislação que garante
as contidas em leis de sigilo, devem ser repelidas. acesso aos registros de poluição de empresas, o
Toxic Release Invetory (TRI) – obter dados sobre
70 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

a quantidade e o tipo de gases emitidos pela o governo e a norte-americana Bechtel, empresa


Ulano Corporation. A consulta à documentação que explorava o fornecimento de água na região.
mostrou altas taxas de poluição, o que obrigou a Na ocasião, descobriu-se que a empresa havia
empresa a reduzir as emissões. conseguido a garantia de lucro de 16%. Segundo
Na Carolina do Norte, moradores de Aschville o documento, a concessão dos serviços pratica-
votaram contra um fundo que investiria US$ 400 mente não implicava investimentos iniciais, além
milhões em uma usina de tratamento de água. de existirem vários outros problemas reveladores
Isso porque a localização da planta, segundo o do péssimo negócio que o governo efetuara. Com
Toxic Release Invetory, implicava risco de con- esse documento, o grupo de moradores deixou
taminação por conta da presença de indústrias de protestar contra a alta taxa de água que estava
naquela região. sendo cobrada e passou a lutar pelo cancelamento
Em 2000, durante os episódios que fica- do contrato e o fim da privatização da exploração
ram conhecidos como a Guerra da Água, um da água. A briga se seguiu com consulta popular,
grupo composto por sindicalistas, fazendeiros, greve, bloqueio de estradas, protestos, prisões,
ambientalistas, economistas e outros morado- confrontos e mortes, mas o contrato foi cance-
res de Cochabamba, na Bolívia, conseguiu por lado, a Bechtel deixou o país, e a privatização da
meio do Congresso uma cópia do contrato entre água foi revertida.
Papel do Executivo 71

Contribuições do Seminário serviços, a transparência, o controle social con-


sigam efetivamente acontecer através desses dis-
O uso da internet na disponibiliza- positivos eletrônicos, necessita-se de um esforço
ção de informações públicas muito grande a ser feito no interior dos governos”,
afirmou a diretora. “E isso envolve uma série de
Duas experiências – que utilizam recursos da aspectos: mudança de cultura, aplicação correta
internet – estão ampliando a oferta de informa- da tecnologia da informação na comunicação e
ções públicas do Executivo para os cidadãos. trato da informação, que muitas vezes se encontra
Trata-se do Portal Brasil – que divulga uma série no estado bruto”.
de indicadores nacionais, permite acesso a servi- A palestrante explicou que a criação do
ços públicos e encaminha internautas a páginas Departamento de Governo Eletrônico, no
eletrônicas de órgãos do governo – e do Portal Executivo federal, é um exemplo desse tipo de
da Transparência, pelo qual pode ser acompa- preocupação. O foco do departamento não é a
nhada a destinação de recursos do Orçamento infra-estrutura, a implantação de redes, a inte-
da União. gração de sistemas, ou seja, a tecnologia propria-
mente dita. “O nosso foco é justamente a interface
Durante o seminário Controle Social das Polí- usual e final, que é o cidadão”, explicou Patrícia.
ticas Públicas e Acesso à Informação: Elementos “Nós definimos padrões e diretrizes para que o
Inseparáveis, Patrícia Pessi, então diretora do conjunto de informações que são disponibiliza-
Departamento de Governo Eletrônico do Minis- das eletronicamente seja construído de maneira
tério do Planejamento, Orçamento e Gestão, lem- acessível à população. Isso requer a definição da
brou que com o boom da internet, entre o final interface gráfica e de padrões de arquitetura de
dos anos 1990 e o começo desta década, várias conteúdo e linguagem”.
instâncias governamentais passaram a colocar
páginas eletrônicas na rede mundial de compu- A unificação
tadores. Para Patrícia, ainda foi preciso algum de um sistema
tempo para que governantes se conscientizas- O Portal Brasil é uma demonstração, na avaliação
sem de que não basta somente tornar essas pági- de Patrícia, de que alguns governos também estão
nas disponíveis. “Com o andar das coisas, a gente preocupados, “embora com uma série de barrei-
vai percebendo que, para que as informações, os ras”, com facilitar o acesso a informações públi-
72 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

cas. Apesar de só ter entrado no ar no dia 14 de dos ministérios, de departamentos, de secretarias


novembro de 2004, o portal começou a ser ges- e de outros órgãos do governo. “É um caminho
tado no ano anterior, o primeiro mandato inicial que ainda não é o ideal, mas um portal, depois
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A direto- que é colocado no ar, vai sendo melhorado, adap-
ra conta que o novo governo concluiu haver no tado a partir da interação com os usuários”, disse
Executivo federal um conjunto de portais muito a diretora.
desorganizados. Não existia nenhum padrão de Ao portal foi agregado o acesso a serviços
interface, e os portais pulverizavam os caminhos públicos que são disponibilizados pelos gover-
que o cidadão tinha de percorrer para encontrar nos federal, distrital, estaduais e municipais. “São
uma informação. serviços que já podem ser realizados por meio do
Havia um portal que estava sob o domínio acesso à internet”, explicou Patrícia. O portal tra-
brasil.gov.br, no qual os interessados buscavam balha com a classificação internacional de pres-
principalmente textos de leis, e havia o redego- tação de serviço público pela internet em três
verno, de serviços. As análises mostraram tam- níveis: o nível informacional, que permite às pes-
bém existirem portais de ministérios que apa- soas obterem o endereço, telefone e horário de
reciam como líderes no atendimento direto ao atendimento do posto de saúde mais próximo de
cidadão, caso das pastas da Educação, da Saúde, suas casas, por exemplo; o nível de interação, que
da Previdência e do Trabalho. Todas essas cons- envolve o preenchimento e envio on-line de for-
tatações serviram de base para a criação do mulários, como os usados para receber determi-
Portal Brasil. “A intenção era unificar, moderni- nados benefícios; e o nível transacional, em que
zar e, principalmente, construir o caminho prio- uma pessoa pode fazer, pela internet, tudo o que
ritário, preferencial para o cidadão”, explicou precisa para obter determinado serviço, do come-
Patrícia Pessi. ço ao final do processo.
O Portal Brasil, que pode ser acessado no O acesso ao Portal Brasil pode ser feito de qua-
endereço eletrônico www.portalbrasil.gov.br, tro maneiras. Acesso por público-alvo (no qual
estreou com um conjunto de informações que o internauta escolhe entre opções como cidadão,
estavam dispersas em vários portais, como indi- empresa e governo); acesso por eventos da vida
cadores econômicos, de turismo e da população. (com alternativas como “ter um filho”, que oferece
Numa segunda fase, ele abriu espaço para que as uma série de serviços sobre o assunto); acesso por
pessoas pudessem chegar às páginas eletrônicas área de interesse (o mais tradicional, com serviços
Papel do Executivo 73

DEPOIMENTO

Patrícia Pessi

O uso da internet para reforçar


a participação popular
Dentro da discussão sobre o acesso a informações também vi de perto o processo de se disponibilizar,
públicas, um ponto importante é a utilização da inter- já em nível estadual, no site do governo, as agendas
net para aumentar a participação social em decisões de reunião do orçamento participativo em todo o es-
do governo. Trata-se de uma questão que merece uma tado, permitindo que as pessoas do interior tivessem
dedicação mais efetiva por parte do Executivo neste acesso a essas informações e pudessem se progra-
TFHVOEPNBOEBUPEPQSFTJEFOUF-VMB"JEÏJBÏDPOTF- mar para participar.
guir utilizar a internet para promover ou incrementar São coisas muito simples, mas quando a gente
os processos de participação que atualmente existem se aproxima do dia-a-dia da gestão de um portal vê
de forma presencial. Hoje temos um conjunto de ins- os reflexos dessas mudanças, devido justamente
tâncias de participação no governo, como os conse- às características que a internet tem, com seu po-
lhos e os fóruns. A intenção é fazer fóruns de debate der de disseminar informações. Acho que cada vez
pela internet e buscar outras formas e recursos que a mais os governos têm de utilizar a rede mundial de
tecnologia da informação disponibiliza para incremen- computadores para incrementar os processos de
tar essa participação popular. comunicação com a sociedade em geral, incluindo
No Brasil, já existem algumas experiências, como o cidadão e os setores organizados. A rede permite
o uso da internet nas discussões do orçamento par- um conjunto de usos que nenhuma outra mídia, até
ticipativo em municípios como Porto Alegre, no Rio hoje, possibilitou.
Grande do Sul, e Ipatinga, em Minas Gerais. Nessas
cidades, já existia o processo presencial de discus- A inclusão digital
são do orçamento das prefeituras e, em determina- Relacionado à questão do uso da internet, temos
do momento, se passou a utilizar a internet. E essa no âmbito do governo federal um conjunto de 23
experiência deu muito certo. No Rio Grande do Sul, iniciativas diferentes para incentivar a inclusão di-
74 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

relacionados a áreas como educação, saúde e agri-


cultura); e acesso a serviços apresentados em ordem
alfabética. “Pode parecer simples, mas não é, pois
um serviço recebe uma nomenclatura técnica no
gital. Elas promovem a criação de pontos públicos interior do governo e é conhecido pelo usuário por
de acesso à internet, que são os telecentros, alguns outro nome”, explicou Patrícia Pessi.
deles direcionados para atividades específicas de Na área de serviços, o portal registrou um
determinado ministério. volume de acessos de 40 mil visitantes por mês
O Ministério da Educação tem uma política de (2007). “É um volume bastante baixo em termos
conectividade para as escolas. Há ainda o programa de portal”, avaliou a diretora. Os serviços mais
Computador Para Todos, que busca no âmbito fiscal procurados são os dos setores de previdência
reduzir o custo dos computadores. Esse conjunto de social, trabalho, emprego, educação e saúde. “São
iniciativas foi sendo criado ao longo do primeiro man- as áreas mais acessadas por terem conteúdos dos
EBUPEPQSFTJEFOUF-VMB direitos do cidadão frente ao Estado, e não obri-
Neste segundo mandato, deverá haver um esforço gações”, explicou Patrícia.
QBSBBDPODSFUJ[BÎÍPEP1MBOP/BDJPOBMEF#BOEB-BS- Para ela, é justamente na parte de oferta de
ga. Isso faz parte do conceito de que temos de oferecer direitos que o Portal Brasil precisa avançar. A
conectividade em todo o país, de uma maneira que seja diretora disse que os serviços hoje estão mais cen-
sustentada centralmente por recursos públicos e com trados na questão das obrigações – como o acesso
a associação de outras entidades da sociedade civil. a formulários para pagamento de impostos. “Mas
Acredito que este será o grande salto de inclusão digi- se o cidadão quiser fazer sua inscrição no vestibu-
UBMRVFTFJSÈWJWFSOFTUFTPJUPBOPTEFHPWFSOP-VMB0 lar eletronicamente, ou marcar uma consulta, não
acesso à tecnologia realmente ainda é restrito, cresceu pode”, afirmou.
pouco nos primeiros quatro anos do governo, mas pro-
mover iniciativas nessa área é uma tarefa permanente. O Portal da Transparência
José Geraldo Loureiro Rodrigues, diretor de
Patrícia Pessi Sistemas e Informação da Controladoria-Geral
GPJ%JSFUPSBEP%FQBSUBNFOUPEF(PWFSOP&MFUSÙOJDPEP da União (CGU), relatou alguns avanços no for-
Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão. necimento de informações públicas por meio do
Portal da Transparência, também implantado em
Papel do Executivo 75

novembro de 2004. Ele explicou que a distribui- Siafi inteiro, ninguém conseguiria entender, pre-
ção de informações é fundamental para o traba- cisaria de treinamento”, disse. No portal, as infor-
lho da CGU, órgão do governo federal que tem mações do Siafi são complementadas com dados
entre suas atribuições a defesa do patrimônio extraídos de outras bases do governo. O acesso é
público e o incremento da transparência, do con- feito sem qualquer necessidade de senha nem de
trole interno, da auditoria, da correção e da pre- pré-cadastramento.
venção e do combate à corrupção. “Tudo isso está As informações do portal estão classificadas
intimamente ligado à transparência das informa- em quatro tipos. São os repasses de verbas fede-
ções”, disse Rodrigues. “Não adianta combater ou rais destinadas a estados e municípios; as trans-
prevenir a corrupção sem levar informação para ferências diretas ao cidadão, como ocorre no
o verdadeiro controle, que é o social”. Programa Bolsa Família, por exemplo; os gastos
Ele explicou ser “impossível” para a CGU, mes- diretos do governo federal com compras e servi-
mo multiplicando a quantidade de recursos huma- ços; e as informações sobre os convênios firma-
nos, auditar ao mesmo tempo os 5,6 mil muni- dos pelo Executivo. No caso dos convênios, além
cípios brasileiros, as 27 unidades da Federação e das informações no portal há também um sistema
todos os órgãos da administração direta e indireta. de mala direta destinado a entidades, conselhei-
“Só levando informação a gente consegue multipli- ros municipais e outros cidadãos.
car a nossa capacidade de tratamento dessas infor- O interessado se cadastra e passa a rece-
mações, recebendo denúncias e maximizando as ber semanalmente informações detalhadas sobre
ações”, disse. A CGU audita, por ano, entre 600 e todos os valores de convênios que são liberados,
700 municípios, todos os órgãos da administração naquela semana, para o município que deseja
direta e vários estados. acompanhar. Há mais de 5 mil e-mails inscritos
O Portal da Transparência, acessado no ende- nesse cadastro. “Isso é para facilitar, pois o usuá-
reço eletrônico www.portaldatransparencia.gov. rio entra no sistema de informação e fica pro-
br, mostra a aplicação de recursos públicos pelo curando para ver se aquele recurso, para aquele
governo. A base são as informações do Sistema município, foi disponibilizado. Nós invertemos
Integrado de Administração Financeira (Siafi), isso. Ele se cadastra e, independentemente do
que foi tratado no capítulo anterior. Trata-se, tipo de convênio, nós mandamos a informação
explicou Rodrigues, do acesso a uma parte do semanalmente do que foi liberado para o referido
Siafi, não ao sistema inteiro. “Se colocássemos o município”, explica José Geraldo Rodrigues.
76 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

DEPOIMENTO

José Geraldo Rodrigues

Capacitação de cidadãos
Além de iniciativas para permitir o acesso da po- para gestores municipais daquelas cidades que
pulação a informações públicas, a Controladoria- são sorteadas para serem auditadas pela CGU. É
Geral da União tem programas de capacitação de um fortalecimento da gestão municipal para uma
cidadãos para facilitar a compreensão e o manu- melhor aplicação dos recursos públicos.
seio dessas informações. Para a CGU, não basta Por fim, deve ser mencionada a Biblioteca Vir-
levar a informação. Temos de capacitar o cidadão, tual, que é um projeto da Controladoria-Geral jun-
os conselheiros municipais, as entidades de clas- to ao Escritório das Nações Unidas Contra Drogas
se, as ONGs. e Crime (Unodc). Trata-se de um instrumento de
É possível citar três exemplos de ações. Uma livre acesso, com informações sobre o combate à
é o programa Olho Vivo no Dinheiro Público, que corrupção. Estão disponíveis milhares de artigos
tem o objetivo de sensibilizar os conselheiros mu- e informações que podem servir para melhorar as
nicipais, com a realização de eventos em municí- ações de prevenção à corrupção.
pios. Isso atrai líderes locais e os capacita a fazer
um trabalho de controle das contas públicas. José Geraldo Rodrigues
Existe ainda, vinculado ao programa do go- é diretor de Sistemas e Informação da
verno de Educação a Distância, um treinamento Controladoria-Geral da União (CGU).
Papel do Executivo 77

Usuários fazem mentos de diárias e de passagens. No total, são mais


visitas demoradas de 100 páginas eletrônicas, e a idéia é expandir o pro-
Os registros do Portal da Transparência mostram já cesso para órgãos da administração indireta, autar-
ter havido mais de 1 milhão de visitas, cada uma com quias e fundações.
acesso a mais de 25 páginas. “As pessoas não entram
para simplesmente olhar e sair logo. Elas acessam Fornecimento de
o portal para fazer pesquisa”, diz o diretor da CGU. informações em consultas públicas
Há no portal 545 milhões de dados, com informa- Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e
ções sobre a destinação de cerca de R$ 3,5 bilhões Planejamento (Cebrap), Paulo Todescan fez uma
em recursos públicos. O portal permite várias formas explanação sobre o acesso a informações nas con-
de consulta, que incluem buscas por tipo de despe- sultas públicas realizadas por órgãos públicos antes
sa, por órgão de origem dos recursos e por favoreci- da edição de uma norma ou criação de uma nova
do pelos repasses. É ainda possível fazer pesquisa por política. “O relevante é o uso que se faz desses ins-
meio do nome ou do número no Cadastro Nacional trumentos, e qual o desafio que a existência deles
de Pessoas Jurídicas (CNPJ) de empresas. Também coloca para o Estado no que diz respeito à difusão
estão no portal informações a respeito dos cartões de de informações”, afirmou Todescan. “Não adianta
pagamento do governo federal. somente informar. Temos que ter a preocupação com
“A CGU não busca somente trazer as informa- a maneira pela qual informamos, com o tratamen-
ções, mas também estimular estados e municípios a to que deve ser dado à informação para que ela seja
fazerem isso”, ressaltou Rodrigues. Entre os “filhotes” acessível”. Para discutir o mecanismo das consultas
do portal, ele citou sistemas montados pela prefeitu- públicas, o pesquisador apresentou dados extraídos
ra de Itaúna (MG) e pelo governo de Pernambuco. de estudo que desenvolveu sobre a Agência Nacional
“Estamos sempre incentivando essas ações, dispo- de Telecomunicações (Anatel).
nibilizando o know-how, informações e fontes para Vários ministérios, secretarias e outros órgãos
poder levar isso a todos os estados e municípios”, governamentais realizam consultas públicas. De
contou o diretor da CGU. Ele explicou que, além do modo geral, não se trata de uma obrigação legal,
portal, órgãos da administração direta do governo mas sim de uma decisão de determinada autorida-
federal têm suas próprias páginas da transparência, de. No caso da área das telecomunicações, no entan-
com informações sobre execução orçamentária, lici- to, a realização de consulta pública é uma obrigação
tações, convênios, contratos e detalhes sobre paga- legal, o que atinge a Anatel. Já há inclusive um proje-
78 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

to de lei, encaminhado pelo governo ao Congresso, Ele relatou que, antes da pesquisa realizada na
que torna esse tipo de consulta obrigatória em todas Anatel, havia o pressuposto de que só empresas par-
as agências reguladoras. ticipavam de consultas públicas. A pesquisa mos-
A forma clássica de consulta pública é a publica- trou que essa era uma visão equivocada. O levanta-
ção, no Diário Oficial da União, do texto preliminar mento revelou a participação de empresas, de asso-
da nova norma ou do conteúdo de uma política que ciações de defesa ao consumidor, de associações de
está sendo discutida, mas isso tem sido feito cada vez proteção a pessoas com deficiência, de associações
com maior freqüência por meio da internet. Com a de defesa ao meio ambiente e de outros cidadãos.
consulta, o órgão público recebe sugestões e críticas Como era de esperar em consultas de órgãos
e pode alterar o texto da norma ou da política antes reguladores, a participação de empresas foi maior que
que ela comece a vigorar. Todescan fez uma compa- a dos demais interessados, e partiram delas 61% das
ração das legislações brasileira e norte-americana e 1.053 respostas às consultas públicas estudadas. “No
explicou que, nos Estados Unidos, qualquer órgão da entanto, é interessante notar que temos o potencial de
administração pública federal é obrigado a realizar outros atores, porque diferentes setores participam,
consulta pública sobre qualquer política ou norma além das empresas”, disse Todescan. “Esse percentu-
que for definida ou editada. al dos demais agentes poderia aumentar, mas certa-
mente sempre será menor que o das empresas, visto
A importância da que são elas o alvo da regulação das agências”.
participação popular O estudo sobre a Anatel revelou que 24% das
O pesquisador do Cebrap disse haver uma crença sugestões feitas em consultas públicas são incor-
de que, em países que passaram por regimes auto- poradas. Para o pesquisador, é um índice bai-
ritários, como o Brasil, a falta de experiência parti- xo. “Não há uma justificativa do porquê de não
cipativa democrática desestimularia a participação incorporar as outras sugestões”, disse Todescan.
em consultas públicas. “No entanto, as experiências Ele lembrou que nenhum órgão público é obri-
empíricas mostram que este diagnóstico é errado”, gado a incorporar todas as sugestões, mas salien-
afirmou. “Em países que passaram por esses perío- tou haver “um potencial democrático” na incor-
dos autoritários, quando há um mecanismo de par- poração. Segundo ele, a rejeição a sugestões gera
ticipação além do processo eleitoral, pode-se verifi- a necessidade de uma justificativa por parte do
car que ocorre um índice muito grande de partici- órgão público. “Aí surge um grande problema:
pação. Há uma espécie de avidez por participar”. como o Estado pode gerar essa informação, esse
Papel do Executivo 79

ENTREVISTA
Deputado Federal Fernando Gabeira (PV-RJ)

Um dos ícones do grupo de parlamentares indepen- tica para o próprio parlamento e para os diferentes
dentes e distantes dos principais escândalos que governos – que se alternaram no poder sem, contudo,
abalaram a imagem do Congresso Nacional nos úl- alterar práticas indesejáveis para o bom funciona-
timos anos, o jornalista Fernando Gabeira tem atua- mento da democracia.
do na linha de frente da difícil batalha pela efetiva Nesse sentido, sua constante participação em
consolidação da democracia brasileira. instâncias de fiscalização do poder permite-lhe um
Participante fortemente envolvido na luta contra lugar de fala privilegiado acerca da relevância do
a ditadura, o deputado tem marcado a sua atuação acesso à informação e das dificuldades que circuns-
parlamentar como uma espécie de consciência crí- crevem o tema no Brasil.

Qual a importância do acesso à informação e de desse Fórum trouxemos algumas pessoas de todo o
as informações estarem disponíveis para esse tra- mundo para falar do estágio do acesso à informação
balho específico de fiscalizar? em outros países. Veio, por exemplo, gente do Peru
A disponibilidade de informações é um elemento vital GBMBSTPCSFBTJUVBÎÍPEB"NÏSJDB-BUJOBFQVEFNPT
para a democracia, mas ainda existem, no Brasil, muitas constatar o seguinte: o Brasil ainda está muito atrasa-
limitações em relação a documentos do governo. Essas do nesse aspecto quando se toma como referência
limitações existiram no governo Fernando Henrique um ou outro país latino-americano e os EUA.
Cardoso (que praticamente decretou a eternidade de Existe na Câmara dos Deputados um projeto do
DFSUPTEPDVNFOUPT
FQSPTTFHVJSBNOPHPWFSOP-VMB EFQVUBEP3FHJOBMEP-PQFT 15.(
RVFCVTDBFYBUB-
(que fez uma certa mudança, mas permitiu que de 30 mente ampliar e melhorar o acesso às informações. Ao
em 30 anos fosse renovado o segredo). Nós constituí- longo dessas discussões, a gente também constatou
mos aqui, com um grupo de deputados, de jornalistas que este acesso não poderá ser resolvido apenas por
investigativos, alguns advogados e a OAB, um Fórum uma ação parlamentar. Ou seja, uma lei que permita
para promover o acesso à informação. No contexto o acesso às informações não tem poder mágico. Nos
80 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

EUA são gastos 300 milhões de dólares por ano para fortalecer os governantes. O documento é neutro, ele
que esse acesso seja possível. Então, não adianta, pura pode eventualmente fortalecer o prestígio do governo
e simplesmente, afirmar o acesso à informação se o go- como pode desmerecê-lo. Mas é muito mais razoável
verno não tem uma política destinada a atender as pes- para uma democracia que 25% dos recursos de propa-
soas e a responder às questões que são colocadas. ganda sejam empregados no acesso à informação.
Para o jornalismo investigativo isso é fundamen-
tal, para o exercício parlamentar isso é fundamental, Do ponto de vista federal há alguns avanços nesse
mas o é também para todo e qualquer cidadão que sentido (o Siafi, Portal da Transparência)?
queira ter acesso às informações do país. Na verda- O Siafi é uma limitação muito grande porque só os
de, no Brasil as coisas estão organizadas no sentido deputados têm acesso. Nesse contexto, formamos
de dificultar o acesso, se uma lei não tiver a capaci- um núcleo de quatro deputados que se rebelaram
dade de comunicar ao Executivo a necessidade dele contra essa situação e passamos nossas senhas para
se reestruturar para atender essa nova demanda de- o Contas Abertas, que com a capacidade de anali-
mocrática, não teremos um resultado adequado. sar as contas do orçamento passou, então, a repre-
sentar um pouco a face pública de nosso trabalho.
Como resolver o problema dos custos do acesso Com a senha que eu tenho como deputado posso
à informação? analisar, recolher dados e até denunciar. Mas have-
Essa conta é da democracia. Diria uma coisa auda- ria a necessidade de uma estrutura capaz de estu-
ciosa: os custos seriam muito menos de um quarto dar permanentemente esses dados.
daqueles gastos com a propaganda do governo. Por Em segundo lugar, nossos objetivos são comuns
que ao invés de gastar dinheiro com propaganda o porque queremos partilhar as informações, achamos
governo não gasta dinheiro com informação? Não que todos têm o direito de conhecer essas informa-
quero dizer que a propaganda seja, necessariamente, ções. Temos procurado transparecer aspectos que
incorreta. Mas ela tem sempre o viés apologético, visa ficam meio obscuros quando há uma grande crise.
Papel do Executivo 81

retorno? “Não basta apenas divulgar o resultado dem o “potencial democrático” no país. “O acesso
das consultas, mas é preciso também informar facilitado às justificativas e análises de efeitos per-
quais foram os motivos para aceitação de uma mite que haja uma ressonância da informação em
sugestão e não de outra”, defende. diferentes setores da sociedade”, disse. Ele apontou
que, nos Estados Unidos, a exigência de explicações
Informações tem estimulado debates no Judiciário e por meio da
sobre o impacto imprensa sobre a correção do caminho tomado por
Paulo Todescan explicou que no projeto de lei que determinado órgão público ao preferir uma suges-
tramita no Congresso com o fim de reformar a tão e recusar outra.
legislação sobre Agências Reguladoras há um meca- O pesquisador reconheceu que a criação de
nismo para exigir que essas agências, antes de sub- uma exigência legal de estudo de impacto e de satis-
meter uma norma ou política à consulta pública, fação pós-consulta pública não é fácil. “Ela supõe
apresentem análises de impacto. Ou seja, a agência uma sofisticação na prestação de contas, mas per-
deve mostrar quais serão os efeitos que aquela nor- mite que o acesso à informação seja qualitativamen-
ma ou política vai gerar sobre aquele setor. “Hoje as te superior e que, assim, haja uma ressonância des-
consultas públicas são apenas publicadas no Diário sa informação em diferentes esferas”, afirmou. Para
Oficial e na internet, mas é preciso que o ator tenha ele, isso pode parecer uma “utopia procedimental”
um discernimento técnico para saber o que aquilo ou uma “utopia deliberativa” – e de fato esse mode-
gerará de impacto”, afirmou o pesquisador. lo é descrito no debate acadêmico como o ideal de
Ele também deixou claro que uma parte dos democracia deliberativa excessivamente idealiza-
interessados tem esse discernimento, mas outra da –, mas há experiências concretas que podem ser
parcela, não. “Havendo uma análise de efeitos de analisadas e repetidas.
políticas ou de iniciativas governamentais antes da “Há uma discussão muito grande sobre isso. Se
consulta pública, há tempo para reagir a elas”, ava- vale a pena ter essa maquinaria, com custos elevadís-
liou. Esse tipo de exigência já existe na legislação simos, para sofisticar a prestação de informações, ou
norte-americana. se seria melhor manter o controle democrático ape-
Para Todescan, informações que contemplem nas no Congresso”, relatou o pesquisador. Segundo
uma análise de impacto antes de uma consulta ele, no entanto, qualquer mecanismo que se limite à
pública e um mecanismo de explicação para a rejei- existência formal da participação não será suficiente
ção a sugestões feitas durante o processo expan- no que se refere a gerar profundidade.
3
Capítulo

Papel dos Controladores


Sociedade civil, Legislativo e Ministério Público:
fiscalizando o acesso a informações governamentais
Nome do Capítulo 83

Os pais fundadores dos regimes democráticos contemporâneos rapidamente notaram que não
era suficiente demandar normativamente que os governantes fossem honestos e responsivos
diante da cidadania.
Era preciso criar um sistema, concebido segundo uma lógica de freios-e-contrapesos, que
ao distribuir o poder do Estado entre diferentes corpos e, mais, ao gerar a necessidade de
fiscalização cruzada entre eles, acabaria por aumentar a responsividade, a transparência, a
eficiência e a prestação de contas por parte dos diferentes poderes.
A alguns dos órgãos criados foi claramente atribuído um poder de fiscalização, por exemplo,
sobre a atuação do Poder Executivo – o qual opera a maioria dos recursos e interage, para o bem
e para o mal, mais diretamente com a população.
Entretanto, não há fiscalização ou controle democrático possível sem que o inerente
problema da assimetria de informações seja minimamente equacionado. Assim, como salientado
na Introdução desta publicação, o direito de acesso à informação, para além de seus usos
individuais, é também um direito difuso, dado que se transforma em um instrumento de atuação
para instituições que poderão, ao vigiar o poder, auferir benefícios para toda a coletividade.
Neste capítulo, estaremos salientando de maneira especial a importância do acesso à
JOGPSNBÎÍPQBSBBTPDJFEBEFDJWJMPSHBOJ[BEB P-FHJTMBUJWPFP.JOJTUÏSJP1ÞCMJDP
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acerca deste tema no seminário Controle Social das Políticas Públicas e Acesso à Informação:
Elementos Inseparáveis.
E m regimes democráticos, o direito de acesso a informações
públicas pode servir como reforço ou complemento aos já existentes
processos e sistemas de fiscalização de ações de governos. No Brasil,
o controle exercido por representações diretas da sociedade civil –
como associações voluntárias e conselhos municipais, por exemplo –,
pelo Poder Legislativo e pelo Ministério Público pode ser multiplica-
do na medida em que for facilitado o acesso a informações mantidas
por repartições governamentais.
Isso ocorre porque o direito de ser informado tem uma relação
direta com a governança, um conceito amplo que vem sendo cada
vez mais difundido no mundo. “Governança trata do uso do poder
e da autoridade e de como um país lida com eles. Pode ser interpre-
tada em muitos níveis diferentes, desde o comando do Estado até
uma comunidade local ou um chefe de família. A análise da gover-
nança leva em conta todos os mecanismos, processos, relações e
instituições pelas quais cidadãos e grupos organizam seus interes-
ses e exercitam seus direitos e obrigações”, define uma publicação
do Departament for Internacional Development (DFID), órgão do
governo britânico1.
Como ressalta o documento do DFID, governança envolve
relações entre cidadãos e o Estado, que são influenciadas por ins-
tituições, regras formais (como leis e regulamentações) e informais
(baseadas na tradição e cultura). A boa receita para a governança
varia de país para país, pois sua forma sofre influências de aspectos
geográficos, históricos e econômicos de cada nação. No entanto, a
1 DFID, 2007, p.6, tradução dos autores.
Papel dos Controladores 85

governança também é influenciada pelo avanço do Canela em estudo que tratou da delegação de pode-
desenvolvimento internacional. res a Agências Reguladoras2. Trata-se dos conceitos
Na avaliação do DFID, há três elementos que de ‘patrulha de polícia’ e ‘alarme de incêndio’. O pri-
são fundamentais para definir a boa governança em meiro se refere a audiências, pesquisas, investiga-
um país. Um deles é a capacidade do Estado, ou seja, ções e outras formas de verificar as ações das insti-
a habilidade e a autoridade de líderes, governan- tuições ou órgãos monitorados. O segundo envol-
tes e organizações públicas de levar ações adiante. ve os alertas que alimentam o Legislativo, saídos
O outro é a accountability, que implica a habilida- de grupos de interesse, do eleitorado, da mídia e
de dos cidadãos de influenciar na transparência de de outros envolvidos em controlar ações do gover-
seus líderes, governantes e instituições públicas. E o no. O primeiro implica uma estrutura que aumenta
terceiro é aquilo que o DFID chama de responsive- custos, enquanto o segundo carrega o risco de falha
ness – a forma como líderes, governantes e organi- dos “olheiros” do Legislativo. Esses riscos diminui-
zações públicas reagem para corresponder às neces- riam muito com a existência de um amplo sistema
sidades e direitos dos cidadãos. de acesso às informações públicas.
No Brasil, a Câmara de Deputados e o Senado
O monitoramento do Federal dispõem de uma série de instrumentos
poder pelo Legislativo pelos quais podem fiscalizar ações do governo. Os
O direito de acesso a informações públicas permi- congressistas têm condições de requerer de forma
te justamente que a sociedade civil, o Legislativo, oficial informações a quaisquer órgãos e depar-
o Ministério Público e outras instâncias capazes de tamentos do Executivo, enquanto representantes
agir no controle de governo reforcem a accountabi- do governo podem ser chamados para dar expli-
lity para melhorar a responsiveness. cações em colegiados que funcionam no âmbito
Estudiosos têm aprimorado a análise e concei- do Congresso; tanto naqueles que são permanen-
tuação das formas como essa fiscalização pode se tes – como os que se dedicam a acompanhar polí-
dar. “Ainda que os mecanismos de monitoramento ticas nas áreas de saúde, educação e agricultura –
sejam tão antigos quanto a própria burocracia, uma quanto nas famosas Comissões Parlamentares de
recente rotulação destes instrumentos acabou por Inquérito (CPIs).
se transformar em um dos eixos mais importantes Muitas vezes, no entanto, esses dispositi-
no debate sobre formas de oversight da administra- vos esbarram em resistências legais ou políticas.
ção pública”, explica o cientista político Guilherme 2 CANELA, 2005, p.77.
86 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Requerimentos de deputados e senadores não são tuição, aparecendo em seção própria e dentro de um
respondidos dentro dos prazos e, não raro, retor- capítulo relativo aos três Poderes”3. As Cartas que se
nam com respostas insatisfatórias, fazendo com que seguiram produziram mudanças, de dimensões dis-
o governo mantenha o sigilo sobre aquilo que não tintas, nas funções e estruturas do Ministério Público.
quer revelar. Já as CPIs e comissões permanentes, Pela Constituição de 1967, o Ministério Público era um
formadas por diversos congressistas de diferentes órgão do Poder Judiciário. Depois, na de 1969, passou
partidos, dependem de negociações políticas e acer- a pertencer ao Poder Executivo. Com essa subordi-
tos que com freqüência também resultam em bar- nação, necessitava de uma requisição do ministro da
reiras para a transparência de ações do governo. É Justiça em vários tipos de ações, o que era convenien-
por isso que, mesmo com a capacidade e estrutura te a um regime ditatorial como o que havia se imposto
que possui, o Legislativo carece de dispositivos que pelo golpe militar de 1964.
garantam a qualquer congressista, independente- Pela Constituição de 1988, a atual, o Ministério
mente de acordos políticos e boa vontade de gover- Público passou a não pertencer a nenhum dos
nantes, o acesso a informações públicas. três Poderes da República: Executivo, Legislativo e
Judiciário. Nessa Carta ele ganhou uma seção especí-
O papel do fica, e a garantia de independência foi dada pelo arti-
Ministério Público go 127: “Ao Ministério Público é assegurada autono-
Apesar da amplitude de poderes assegurada pela mia funcional e administrativa”4. O artigo seguinte
Constituição, o Ministério Público também enfren- reforça a independência de promotores e procurado-
ta dificuldades para o acesso a registros e dados do res, lhes dando garantias como a vitaliciedade, a ina-
governo. Fruto de uma reestruturação ocorrida em movibilidade e a irredutibilidade de vencimentos.
meados da década de 1990, o atual modelo de MP Ao contrário da Constituição de 1969, pro-
ainda está trilhando o caminho que pode levá-lo a mulgada durante o regime militar, a de 1988 entrou
ser o mais forte órgão de controle de ações do gover- em vigor já em um governo civil e às vésperas da
no. Trata-se de um papel relativamente recente. primeira eleição presidencial direta pós-ditadura.
Como aponta a pesquisadora Ana Gleice Queiroz, Os avanços que o novo texto constitucional repre-
apesar de já ter sido mencionado no texto da primeira sentou para o Ministério Público são considerados
Constituição republicana, em 1891, foi somente a par- por juristas exemplo do espírito democrático que
tir de 1934 que o órgão que viria a se transformar em 3 QUEIROZ, 2000, p. 23.
Ministério Público “passou a ser tratado como insti- 4 CONSTITUIÇÃO, 1988, p.90.
Papel dos Controladores 87

se expandia pelo país. “Há estreita ligação entre a sendo conduzida. “Nem seus superiores hierárqui-
democracia e um Ministério Público forte e inde- cos podem ditar-lhes ordens no sentido de agir des-
pendente”, afirma o jurista Hugo Mazzili5. ta ou daquela maneira dentro do processo”, aponta
Como aponta o jornalista e professor da o jurista Alexandre Moraes7.
Universidade de Brasília (UnB) Solano Nascimento, Depois de as mudanças necessárias terem sido
para poder cumprir suas incumbências, o Ministério concluídas, a partir de meados da década passada,
Público ganhou novos poderes que lhe permitem, sem promotores e procuradores começaram a atuar, de
necessidade de autorização de outro órgão ou institui- forma sem precedentes no Ministério Público, no
ção, requisitar investigações e instalação de inquéri- controle da atividade de autoridades dos poderes
tos policiais, exigir a entrega de documentos, expedir Executivo, Legislativo e Judiciário. O órgão parece,
notificações, colher depoimentos e tomar outras pro- com isso, estar se adequando ao espírito que para
vidências. “Apesar de as novas funções do Ministério alguns juristas permeou as mudanças inseridas na
Público terem sido aprovadas no texto da Constituição Constituição. “A opção do constituinte de 1988 foi,
de 1988, só nos anos seguintes as alterações começa- sem dúvida, conferir um elevado status constitucio-
ram realmente a ser colocadas em prática”6. nal ao Ministério Público, quase erigindo-o a um
A regulamentação dos novos poderes ocorreu quarto Poder”, afirma Mazzilli8.
pela lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, e também Não é incomum, no entanto, promotores e pro-
foi preciso alterar a estrutura do órgão e fazer novas curadores do Ministério Público esbarrarem na resis-
contratações. Hoje o Ministério Público é formado tência do governo em fornecer informações. Muitas
pelo Ministério Público da União, que se subdivide vezes, ainda, pedidos feitos por eles ao Judiciário, para
em Ministério Público Federal, do Trabalho, Militar que obrigue o Executivo a fornecer determinado regis-
e do Distrito Federal e Territórios, e pelo Ministério tro ou informação, são negados por magistrados. Isso
Público dos Estados. Também graças ao novo tex- faz não serem raras as tentativas de integrantes do
to constitucional, a hierarquia dentro do Ministério Ministério Público buscarem parcerias com con-
Público só existe no plano administrativo, não no gressistas, principalmente durante investigações de
funcional. Assim, promotores e procuradores não CPIs, na expectativa de que o Parlamento consiga com
podem receber ordens para suspender algum tipo mais facilidade o acesso a dados do governo. E aí o
de investigação ou mudar a forma como ela está Parlamento enfrenta seus já citados obstáculos.
5 MAZZILLI, 1989, p.49. 7 MORAES, 2002, p.1517.
6 NASCIMENTO, 2008, p.5. 8 MAZZILLI, 1989, p.45.
88 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

A importância ser feito com a aprovação de um novo arcabouço ins-


da sociedade civil titucional sobre o tema – lembrando também que as
A ditadura militar e a conseqüente oposição por ela próprias ONGs, como atores públicos, devem estar
gerada acabou por ser uma espécie de caldo de cultu- preparadas para prestar informações de forma trans-
ra para o soerguimento de um relevante movimento parente a todos aqueles que solicitarem.
social no Brasil, descolado dos poderes constituídos. Porém, em que pese a ausência de um arcabouço
As experiências das comunidades eclesiais de institucional geral de acesso à informação, já há uma
base e de grupos não partidários de reação ao regime atuação consolidada das organizações não-governa-
de exceção acabaram por se aprofundar e solidificar mentais no sentido de utilizar as informações que se
ao longo dos anos 1980 e por, literalmente, explodir e encontram disponíveis para fiscalizar os governos em
se diversificar a partir da Constituição de 1988. suas áreas de interesse. Os exemplos mais contunden-
Nesse sentido, há um conjunto imenso de orga- tes, nesse sentido, são os associados à vigilância orça-
nizações não-governamentais que se ocupam dos mentária, permitida pela existência de ferramentas
mais diferentes recortes da ampla agenda dos direitos apresentadas no capítulo anterior. Os exemplos advin-
humanos e do desenvolvimento humano que se legi- dos dessas experiências certamente são um interessan-
timaram, dentre outras funções, no papel de fiscali- te indicador do que poderia ocorrer, caso as informa-
zadores das políticas públicas e, logo, das autoridades ções públicas estivessem amplamente disponíveis.
responsáveis pela sua concepção e implementação.
Assim, nesse contexto, há um exército de fiscali- A sociedade civil e
zadores prontos para atuar de maneira ainda mais inci- o controle das políticas públicas locais
siva no controle social das políticas públicas à medida Em um nível mais local e com ligação mais direta
que o acesso à informação passe a ser concretamente com a comunidade, a transparência de governos é
uma realidade institucionalizada no cenário brasileiro. buscada por associações voluntárias e conselhos. Em
Organizações de defesa dos direitos da criança, um estudo sobre a ligação entre essas entidades e a
da mulher, dos negros, dos índios, preocupadas com a fiscalização do Poder Executivo, o pesquisador Luiz
saúde pública ou envolvidas na agenda mais transver- Alberto Weber afirma que cerca de 20% das recei-
sal de combate à corrupção têm sua atuação limitada tas públicas municipais são capturadas por agentes
pela freqüente ausência de disponibilização ampla e públicos corruptos e que, grosso modo, a quantia
irrestrita de informações. Muito tem sido conquista- desviada pela corrupção pode atingir a cifra de R$ 10
do por esse setor no Brasil, porém muito mais pode bilhões no país. Citando um levantamento feito em
Papel dos Controladores 89

2005, o estudioso lembra que a Controladoria-Geral exigência legal para uma prefeitura receber recur-
da União, órgão do Poder Executivo, encontrou des- sos de estados e da União –, Weber não encontrou a
vios de recursos públicos federais em 54% das prefei- influência que procurava. Concluiu que os integran-
turas que fiscalizou. “Uma vez admitido que a cor- tes desses conselhos são, de forma exagerada, influen-
rupção política é um desvio de normas que envolve ciados pelos governantes municipais, impedindo que
trocas clandestinas entre o agente público e um ter- ajam com a isenção necessária ao cumprimento de
ceiro, o corruptor, a questão principal colocada pelos seu papel. “Projetados para serem arenas plurais que
pesquisadores do tema é o que causa diferença em sirvam de anteparo às ações potencialmente corrup-
tais comportamentos?”, questiona Weber9. tas dos gestores municipais, os conselhos municipais
A hipótese com a qual o pesquisador trabalhou tornaram-se, na maior parte dos casos, apêndices dos
foi a de que o número de associações voluntárias prefeitos ou instâncias de homologação de irregulari-
(como clubes, organizações de classe e outros grupos) dades”, afirma Weber11. O estudo aponta uma série de
e o número de reuniões dos conselhos municipais casos em que todos os integrantes desses conselhos
(montados para acompanhar políticas públicas) pode- foram indicados pelo prefeito, muitas vezes sendo,
riam influenciar na redução da corrupção, já que têm inclusive, funcionários das prefeituras.
capacidade de ampliar a fiscalização aos governan- Na base das limitações de controle encontra-
tes. Trabalhando com dados referentes a uma amos- das no contexto do Legislativo, do Poder Público e
tra de 215 municípios brasileiros, Weber concluiu que em organismos de associações municipais está, entre
as associações influenciam no controle do Executivo e outras coisas, a dificuldade de acesso a informações
na conseqüente redução da corrupção. “Há uma clara, públicas. Se senadores, deputados e verea-dores tives-
embora irregular, tendência à ocorrência de fraudes sem dispositivos para exigir de forma mais rápida e
graves e sucessivas nas administrações públicas daque- eficiente registros do governo, se promotores e procu-
las localidades onde o número de associações é menor. radores não dependessem de decisões judiciais para
Contrariamente, onde há maior número de associa- ter acesso a informações guardadas em repartições
ções por mil habitantes os casos de corrupção pratica- públicas e se integrantes de uma comunidade rece-
mente não existem”, afirma10. bessem dados das prefeituras tão logo os requisitas-
Quanto ao número de reuniões de conselhos sem, independentemente de pertencerem ou não a
municipais – cuja existência é, em muitos casos, uma grupos e colegiados, a accountability seria reforçada, e
9 WEBER, 2006, p.31. os desvios de governantes poderiam ser atenuados.
10 Idem, p.90. 11 Idem, p.95.
90 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

ENTREVISTA
Deputado Federal Gustavo Fruet (PSDB-PR)

Doutor em Direito das Relações Sociais pela Uni- legislação eleitoral, certamente colaboraram por
versidade Federal do Paraná, o deputado Gustavo sua atuação aguerrida em importantes espaços de
Fruet é reconhecido nos corredores do Congresso fiscalização do Poder Executivo, especialmente a
Nacional pelo seu bom humor – talvez herdado do Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que in-
pai, o ex-deputado Maurício Fruet –, pela ética e pela vestigou os diversos problemas associados à cor-
assertividade em sua atuação parlamentar. rupção nos Correios, ainda no primeiro mandato do
Concorreu, em 2007, à Presidência da Câmara presidente Lula.
dos Deputados com uma plataforma bastante dife- Esta experiência permitiu ao parlamentar, para
renciada dos candidatos da base de sustentação de além de sua reflexão conceitual e teórica sobre o
governo, plataforma esta que buscava sublinhar o pa- tema, verificar muito de perto os problemas que a fal-
pel independente do Poder Legislativo. ta de uma legislação ampla e consistente de acesso à
Seus estudos de mestrado e doutoramento, fo- informação podem gerar.
calizados nas questões de imprensa, informação e

Dentre as atribuições do Congresso Nacional, relação institucional e no papel de fiscalização do


estão o poder e o dever de fiscalizar o Executivo. Congresso Nacional.
Contudo, esse processo anda a passos lentos. A segunda questão é a própria distorção do traba-
Qual a relevância do acesso a (ou, pelo outro lho do Congresso. Apesar de toda a crítica que deve
lado, da ampla disponibilização de) informações ser feita ao excesso de Medidas Provisórias enviadas
neste contexto? pelo governo, o Congresso vai abdicando de ações
Um primeiro ponto é que esse é um processo re- típicas de suas atividades, em especial o trabalho de
cente no Brasil. Considerando a Constituição de fiscalização. Há uma tendência em se medir a quali-
1988 como referência, é muito pouco tempo ainda dade do trabalho parlamentar pelo número de pro-
para se ter a previsibilidade e normalidade nessa jetos apresentados e de projetos aprovados. É uma
Papel dos Controladores 91

tendência à quantificação, e se perde muito no que No caso da solicitação de informações das


diz respeito ao trabalho de fiscalização. contas do publicitário Duda Mendonça [CPI dos
Além disso, conduzir tantas Comissões Par- $PSSFJPT > BQSPNPUPSJBEF/PWB:PSLSFDF-
lamentares de Inquérito (CPIs) num prazo tão beu pedido de informação de quatro órgãos: da
curto é uma contradição. Por um lado é bom que Polícia Federal, do Ministério Público, do DRCI e
as CPIs funcionem, já que são um instrumento do Congresso Nacional. Imagine o nó que dá na
constitucional. Por outro lado, é um sinal de fa- cabeça da autoridade que recebeu o pedido para
lência de nosso trabalho regular de fiscalização. tentar saber a quem responder? Nós temos uma
Um exemplo recente é a discussão sobre o uso disputa muito grande de poder entre os órgãos,
irregular do cartão corporativo. Foi criada uma e não há ainda uma relação pacificada entre os
CPI, mas já existe na própria legislação e no regi- vários organismos.
mento interno a indicação de uma comissão, que
trabalha de forma sigilosa a fiscalização de gastos Uma Lei Geral de Acesso à Informação
reservados do Poder Executivo. Pública, como de outros países, facilitaria
Um quarto ponto é a péssima relação institucio- esse trabalho parlamentar? Os instrumentos
nal entre os Poderes. Nas CPIs verificamos – ainda que existem são suficientes?
que não haja um estudo comparativo sobre isso – Facilitaria. Esse deve ser o nosso foco. Os instru-
que não há uma comunicação entre o Banco Cen- mentos são insuficientes. Eu acho que existem três
tral e a Controladoria-Geral da União (CGU), entre tipos de fiscais: o papel institucional do Congresso,
o Departamento de Recuperação de Ativos, Coo- que acaba sendo mais exercido por quem está na
peração Jurídica Internacional (DRCI) e os órgãos oposição; uma briga de “corvo contra corvo”, o que
do Ministério da Justiça. Entre estes e a Polícia Fe- é decorrente da alternância de poder e de governo;
deral. Entre estes e o TCU. Entre estes e o Ministé- e um trabalho cada vez maior de acompanhamento
rio Público. Entre estes e o Congresso. da sociedade. Como se faz isso, qual o parâmetro?
92 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Abrindo. E como se abre? Com acesso à fonte pri- Além disso, estamos vendo na CPI dos Cartões
mária. Por quê? Para evitar manipulação. Corporativos que dados ainda são enviados em
Duas situações. Primeira: na CPI dos Correios, caixas de papel. As Comissões tinham um grupo
tivemos acesso a informações do Banco do Brasil que ficava digitando esses dados, mas isso demora
– e eu não coloco em dúvida a seriedade do banco. tanto que termina a CPI e uma parte significativa
Porém, por duas vezes, a base de dados foi alterada, não foi digitada.
pois houve erro nas informações. Na época havia Então o nosso desafio é o acesso à informa-
até suspeitas em relação a ministros que teriam re- ção primária, sem essa intermediação – isto além
cebido dinheiro de empresas privadas. Houve erros de padronizar a forma de acesso a esses dados. O
nas bases de dados ou nas referências apresenta- Siafi é um exemplo. Apesar de contar com níveis
das à CPI. Ou seja, houve acesso, mas houve erro de acesso, todos aqueles que acessam têm con-
no envio dos dados. dições de compreender o que existe lá. Enfim, o
Segundo problema: muitas das informações são ideal é ter acesso à fonte primária da forma mais
enviadas por meio impresso. Desde a CPI dos Cor- simplificada possível.
reios se estabeleceu um sistema no Senado, um pro- É algo que estamos distante de conseguir ain-
grama – que talvez faça com que o Senado hoje tenha da, que é abrir o máximo de informação, não só
a maior base de dados do Brasil – que unifica o en- ao Congresso, mas também para a sociedade. Dar
WJPEFJOGPSNBÎÜFTQPSNFJPFMFUSÙOJDP2VBOEPTF acesso ao cidadão que quer, pela internet, veri-
QFEFPEBEPUFMFGÙOJDPEFBMHVÏNOVNBJOWFTUJHBÎÍP  ficar quanto o poder público está gastando no
tínhamos o problema de que cada operadora traba- município. Quanto ao que for classificado como
lhava com um sistema. Coube à Anatel e ao Senado confidencial, sigiloso, que se explique o motivo
definirem um padrão de envio dessas informações pelo qual não é aberto o acesso, se estabelecen-
para que pudessem ser cruzadas. Então, não adianta do algum tipo de fiscalização. Mas o que precisa
ter um volume brutal de dados se não são usados. é facilitar. Não pode existir essa dificuldade de
Papel dos Controladores 93

códigos, de meandros, de mecanismos, de se- dessa classificação, e quais os casos que poderão
nhas. Chega a um ponto que é o mesmo que não ser submetidos aos itens tratados como sigilosos
ter informação. ou outras categorias.

E como definir o que deve ser considerado sigiloso? Não é paradoxal que o Brasil primeiro tenha
Acho que ninguém sabe. Dou um exemplo: na CPI aprovado uma Lei do Sigilo para depois pensar no
dos Correios, muitas informações bancárias vinham acesso, que seria um direito constitucional (inciso
com o carimbo de sigiloso. Na hora de manusear as 33, do artigo 5º da Constituição)?
informações, havia até cópias de matéria de jornal, É bom lembrar que nós viemos de um período de
que alguém carimbou como sigilosas. absoluto fechamento. Isso gerou uma cultura de
A pergunta é: quem classifica isso? Como, de for- restrição. Essa nova geração, que inclusive trabalha
ma objetiva, pode haver uma lei ou regulamentação na área de segurança das Forças Armadas, tem ou-
para definir com precisão quem será o responsável tra concepção. Talvez tenha sido a lei possível para
por aquela classificação, se cabe o questionamento aquele momento.
daquela decisão, e quais os pontos que deverão ser Até porque a discussão que se tinha na época
classificados como sigilosos? com relação à publicidade não era com relação a
Essa me parece uma discussão que levará um gastos orçamentários ou gastos pessoais do presi-
bom tempo no Brasil. Deveria estar na agenda, dente. Era sim com relação aos chamados arquivos
mas eu acho que não está. Isso foi provocado por da ditadura. Toda a lei se deu em cima desse deba-
causa da CPI dos Cartões Corporativos. Talvez te de pós-anistia.
uma das lições da CPI possa ser um projeto, ou Mas já passou esse período, e agora é a opor-
mesmo começar a discussão, em complemento à tunidade para se estabelecer algo sem essa carga,
legislação existente, para apontar a quem cabe sem a idéia de que isso é uma forma de revanche.
essa definição. Determinar quem poderá recorrer Até porque essa nova geração tem outros valores,
94 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

outras preocupações, e não está tão contaminada um pedido de habeas-data no Supremo... Como é
por esse fator. que faz? Não dá.
Agora, numa lei dessa sempre faltará algo, e não
me parece que seja uma questão exclusiva do Bra- Seria uma questão de cultura da Administração
sil. Apesar de não ser especialista, não acredito que Pública pensar que não é obrigação dar
nenhum país tenha conseguido de forma muito ob- informação? É quase como se fosse um favor.
jetiva estabelecer, com precisão, o que deve ou não É o medo, até hoje. E falo até em respeito a muitos
deve estar sob sigilo. funcionários públicos. Durante a CPI, havia um fun-
cionário que quando eu ligava até saía pela janela.
Mas isso não tem prejudicado um cenário Não que ele não quisesse contribuir, mas com medo
muito maior, do acesso à informação por um de que algum superior fosse responsabilizá-lo.
cidadão, digamos, que quer dados relativos à
sua aposentadoria? E por que o Congresso não vota uma lei como
A regra deve ser a transparência total, e o sigilo essa? É um pouco de medo de “telhado de vidro”?
uma exceção. Mas tenho a impressão que a lei, e A abertura no Congresso também é inevitável, e to-
toda essa preocupação, foi em razão dessa história dos temos que estar preparados. Pode-se discutir a
recente. E eu acho que isso não se justifica mais. qualidade do gasto, mas não deixar de ter acesso ao
Então eu defendo a abertura extrema, principal- gasto. Num primeiro momento, acho que todas as
mente sobre o aspecto individual. questões irão gerar um tiroteio de denúncias e de
Ainda assim, há instrumentos que já existem e opiniões. Mas o Congresso tem de se preparar, estar
a gente usa pouco. Temos o Mandato de Injunção consciente de que é inevitável. Mas eu não vejo que
– que diz respeito ao que não está regulamentado necessariamente haja uma restrição especificamente
– e o habeas-data. Só que, imaginar que qualquer sobre esse projeto, sobre o assunto. O problema é a
pessoa vai contratar um advogado para entrar com pauta do Congresso.
Papel dos Controladores 95

Para além do benefício coletivo (em relação com lixo, porque minha rua está suja, por que será
às fiscalizações do Congresso, do Ministério que a empresa terceirizada fez a poda e não a
Público, da imprensa, etc.), qual o benefício prefeitura, se isso custou mais ou custou menos.
individual, para cada cidadão, de uma Lei Eu quero reclamar.
Geral de Acesso à Informação ? Enfim, isso eu acho uma tendência inevitável,
Olha, é até uma contradição. Para mim hoje eu diante da facilidade de acesso aos instrumentos
FTUBSJB EJTDVUJOEP VNB -FJ EF "DFTTP Ë *OGPS- de comunicação dessa nova geração. Minha gera-
mação Pública nessa relação institucional, por ção não teve o privilégio de nascer com a internet
entender que não se deveria mais discutir o e com a informática, mas a nova geração sim. Eu
acesso do cidadão. Em duas frentes: a pessoa fico imaginando hoje que uma criança de 5 a 10
ter as informações que para ela são necessárias anos, quando chegar aos 15, vai achar isso normal.
no dia-a-dia, como dados de aposentadoria, Ver o que gastou na conta do telefone dela, o gas-
mas ter acesso às informações públicas que de to de publicidade na televisão a que assiste. Acho
alguma maneira fazem parte da vida dela en- que vai chegar a um ponto que isso será absolu-
quanto cidadã – integrante da cidade e do país tamente normal.
– e não apenas enquanto indivíduo. Enfim, tem de ser otimista. Mas acredito que
Por exemplo, eu, como cidadão, quero sa- em torno de 10 ou 20 anos conseguiremos esta-
ber quanto a prefeitura da minha cidade gasta bilizar isso.
96 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Contribuições do Seminário Para ilustrar a discussão, Moroni usou o exem-


plo do acesso a informações orçamentárias. “O
A fiscalização do acesso às Estado quer dar a entender que o orçamento é sim-
informações governamentais plesmente números. Na realidade, no orçamento o
que menos há são números. Ele reflete uma inten-
Dois aspectos distintos podem ser apontados na ção política e, portanto, a informação extraída do
discussão sobre o acesso a informações: o primeiro orçamento não é neutra”, afirmou o diretor. “Nós
deles diz respeito à necessidade de debater o poder temos de pensar nos processos decisórios”. Assim,
dos meios de comunicação como produtores de a divulgação da agenda de um ministro se torna
informações; o segundo está relacionado à falta de importante porque é um indicativo de como as deci-
transparência em organizações da sociedade civil sões são tomadas. “Temos de pensar sobre os meca-
que deveriam fazer uma espécie de “transposição” nismos de acompanhamento, de fiscalização des-
das informações públicas do Estado aos cidadãos. sas decisões”, disse Moroni (ver artigo de Adriano
Guerra neste capítulo).
Durante o seminário Controle Social das Políticas Como na avaliação de Moroni, a divulgação de
Públicas e Acesso à Informação: Elementos Inseparáveis informações está muito ligada à tomada de decisões,
o diretor do Instituto de Estudos Socioeconômicos, é preciso debater também o direito de produção de
José Antonio Moroni, destacou que um dos aspectos informações. “Temos de pensar em mecanismos
fundamentais da discussão sobre o acesso à informa- mais igualitários na divulgação da informação, tan-
ção pública é não considerá-la apenas um dado ou to por parte do Estado quanto por parte da socieda-
registro. “Se a informação for trabalhada como um de”, afirmou. “Assim, um ponto fundamental para
mero dado ou registro, tira-se todo o conteúdo polí- o debate é a democratização dos meios de comuni-
tico dela”, disse o diretor do Inesc. “A informação não cação, visto que eles têm um poder enorme de pro-
é algo neutro. Ela é socialmente, culturalmente, poli- duzir informação”. Nessa discussão, disse o diretor
ticamente e ideologicamente produzida”. Na avalia- do Inesc, é preciso avaliar o modo como os vários
ção do pesquisador, a informação tem de ser traba- grupos proprietários de meios de comunicação vêm
lhada na dimensão política. “Temos de nos pergun- fazendo uso do direito de divulgar as informações
tar como a informação é produzida, quem a produz, para a sociedade em geral. “O debate da comunica-
a serviço do que e de quem, quais os mecanismos de ção é recente”, afirmou Moroni, lembrando que um
divulgação”, afirmou. dos temas discutidos é a regulação democrática dos
Papel dos Controladores 97

meios de comunicação, o que nada tem a ver com a vai depender a ação da sociedade na fiscalização do
censura – condenável em todos os sentidos. acesso a informações públicas.
Para exemplificar, o pesquisador retomou a
Como fiscalizar o discussão sobre a oferta de informações dos gas-
acesso a informações tos públicos por meio do Siafi, sistema já men-
José Antonio Moroni explicou que, para discutir o cionado nos capítulos anteriores. Ele disse que
papel da sociedade civil na fiscalização do acesso muitos consideram os dados do Siafi, em parte
às informações governamentais, é preciso partir da acessáveis pela internet, como informações públi-
análise das diversas vertentes da democracia. “Na cas. Moroni discorda dessa avaliação. “Nem todos
democracia direta, em que se exerce diretamente o têm acesso a esses dados e, mesmo se tivessem,
poder, temos mecanismos como plebiscitos, refe- a forma como as informações são disponibiliza-
rendos, iniciativa popular e outros em que não há das nesse sistema não o torna público”, disse. “Há
necessidade da representação ou intermediação de necessidade de se ter acesso à internet e entender
organizações”, lembrou. de vários comandos”.
Na democracia participativa, na qual a presença Para Moroni, as informações não podem vir
da sociedade civil é mediada por alguma organização, com filtros. O Estado tem de se organizar na pro-
há conferências, grupos de trabalho, conselhos de polí- dução de diferentes informações para que a socie-
ticas públicas, audiências e consultas públicas e ouvi- dade possa acessá-las e também criticá-las. “Nesse
dorias. “Particularmente, eu acho que esse sistema tem contexto, temos o papel da própria sociedade civil
lacunas, pois só se pensou nas políticas sociais, e não na leitura posicionada das informações”, ressaltou.
nas políticas econômicas, de desenvolvimento”, res- Assim, cabe a ela fazer a “transposição” das infor-
saltou o diretor do Inesc. Existe um conselho munici- mações públicas para diferentes linguagens.
pal para discutir a saúde, mas não existe um conselho Essa intermediação, no entanto, só pode ser
municipal para debater o impacto de metas de infla- operada com “profundas transformações” nas prá-
ção, por exemplo. ticas políticas das organizações da sociedade civil,
E a outra vertente é a da democracia represen- ressaltou o diretor do Inesc. Em sua opinião tam-
tativa, na qual a participação do cidadão é media- bém as organizações se estabelecem de modo fecha-
da pelo Parlamento. Assim, cada uma das vertentes do e acabam muitas vezes repetindo os mesmos
da democracia implica uma forma distinta de par- vícios de falta de transparência que criticam em
ticipação popular – e é dessa forma específica que relação ao Estado.
98 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

A falta de duz o processo de execução das tarefas, e a eficácia,


números na Justiça o resultado alcançado”, salientou. Por isso, disse, é
O presidente da Associação Nacional dos preciso saber quantas denúncias foram recebidas,
Procuradores da República (ANPR), Antonio quantas resultaram em condenação e qual o tipo
Carlos Bigonha, ressaltou que na esfera do escolhido de punição.
Ministério Público e do Poder Judiciário o forne- O presidente da ANPR lembrou que os estudio-
cimento de informações públicas esbarra, muitas sos franceses Serge Alecian e Dominique Foucher
vezes, na escassez dessas informações. Um exem- comparam os indicadores numéricos ao painel
plo disso é a falta de dados numéricos. “Por si só, de controle de um veículo. “São as partes sensí-
esses números não traduzem a transparência, mas veis e visíveis do trabalho. Analisando o painel de
já representam alguma coisa, e nem eles nós temos controle é possível tomar decisões, acompanhar a
hoje”, afirmou. Ele descreveu que, como presidente implementação de novas rotinas, fazer o planeja-
da ANPR, é questionado com freqüência por jor- mento estratégico, estabelecer metas, expressar-se
nalistas sobre assuntos como o número de denún- numericamente e monitorar os resultados obtidos”,
cias de crimes de colarinho branco ajuizadas em afirmou Bigonha.
determinado ano, o total das que foram conside- O procurador disse que uma autoridade
radas procedentes, o volume de apelações. “Nem necessita de números sobre os resultados de seu
o Ministério Público da União nem a Justiça têm trabalho da mesma forma que um piloto necessita
essas informações sistematizadas, pois nosso ban- de informações para alcançar determinado obje-
co de dados é assistemático”, relatou Bigonha. Não tivo. “Se o piloto não obtém todos os dados acer-
há bancos de dados organizados nacional e regio- ca do equipamento, há a possibilidade de ocor-
nalmente nem integração entre os diferentes ban- rer um desastre”, explicou. “De certa forma, esse
cos, fazendo com que os números disponíveis desastre tem ocorrido todos os dias, sobretudo na
sejam, na avaliação do presidente da associação, administração da Justiça, porque nós não temos
“extremamente pobres no aspecto qualitativo”. esse painel de controle, não temos dados concre-
Antonio Bigonha afirmou que esses indica- tos acerca do nosso trabalho”. Bigonha afirmou
dores são importantes porque substituem concei- haver muitas informações relativas à parte admi-
tos abstratos ou não mensuráveis. De forma geral, nistrativa da Justiça, mas poucas relacionadas à
medem a eficiência e a eficácia do trabalho do parte operacional, o que inclui as denúncias e os
Ministério Público e do Judiciário. “A eficiência tra- julgamentos. “Isso quer dizer que nós não temos
Papel dos Controladores 99

um planejamento estratégico”, concluiu. Para o proativa” para resolver os graves problemas que
presidente da ANPR, quem não dispõe de núme- envolvem a administração da Justiça e que têm
ros revela que não planejou sua atuação. “E quem na morosidade processual seu elemento mais sen-
não planejou sua atuação, em certa medida, não sível. “A profissionalização da gestão administra-
sabe o que quer”, afirmou. tiva da Justiça, nova fronteira a ser ultrapassada
por todos nós, juízes, advogados, promotores e
A prestação de demais profissionais do direito, traduz a necessi-
contas ao cidadão dade de eficiência de nossa atividade nos termos
Além de melhorar a atuação de integrantes do da Constituição”, apontou o presidente da ANPR.
Ministério Público e do Poder Judiciário, a formu- “Mas, sobretudo, traduz o direito à publicidade,
lação e publicação de indicadores da Justiça per- à informação acerca das atividades governamen-
mitem que os cidadãos façam críticas aos órgãos tais, inclusive as da Justiça”.
públicos. “Publicar informações obtidas pela utili- Em relação à divulgação de informações, José
zação de indicadores confiáveis é o gesto final de Antonio Moroni, do Inesc, criticou a falta de ini-
confecção do objetivo de prestar contas ao cidadão ciativas governamentais. Como exemplo, lembrou
acerca do desempenho de uma instituição que tem do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que
como missão ser o advogado da sociedade, como é um direito constitucional e assegura um salário
é o caso do Ministério Público da União”, afirmou mínimo a pessoas com deficiência e idosos em situ-
o procurador. ação de baixa renda. “Nunca houve uma campanha
Bigonha lembrou que a redemocratização do pública, por parte do Estado, para dizer que o cida-
país trouxe a possibilidade de demandar direi- dão tem acesso a esse direito”, reclamou. “O Estado
tos, inclusive contra o próprio Estado, algo “im- tem a obrigação de fazer isso”.
pensável” num regime ditatorial. Nesse contex-
to do renascimento do direito, afirmou, houve Os problemas
um crescimento sensível do aparelho judicial. “E da legislação
isso foi muito bom, sinal da democracia, de que Antonio Carlos Bigonha também criticou a falta de
os direitos existem e devem ser tutelados”, dis- uma regulamentação do artigo 5º da Constituição
se. Como já se passaram mais de 20 anos des- Federal, capaz de garantir o direito de acesso a
de o fim do regime militar, é necessário agora, informações públicas – conforme foi tratado no
defendeu Bigonha, assumir uma “postura mais primeiro capítulo da presente publicação. Ele lem-
100 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

DEPOIMENTO

Antonio Carlos Bigonha

A falta de transparência na Justiça


De um modo geral, quando se fala em acesso à in- so muito largo da sociedade a criação do Conselho
formação, se fala do acesso ao Poder Executivo, ao de Controle Externo do Ministério Público e do Con-
HPWFSOP /P -FHJTMBUJWP  Ï NBJT GÈDJM PCUFSFN JOGPS- selho Nacional da Justiça. Temos visto, nesses conse-
mações, até mesmo pela dinâmica do Parlamento: a lhos, debates antes inimagináveis, como o que trata da
necessidade de renovação do poder gera uma trans- questão de salários de juízes e promotores. E o debate
parência maior. O Poder Executivo é muito opaco, e o tem sido aberto a todos, aberto à imprensa. Esse é um
Poder Judiciário é mais opaco ainda – e isso não tem passo muito importante para a democratização desse
sido percebido com a intensidade devida. Não diz Poder, para que a Justiça perceba que tem de prestar
respeito apenas ao trato da Justiça de um modo ge- contas à sociedade. Assim, embora a Justiça seja uma
ral, mas dos juízes, dos promotores, dos advogados, já instituição muito opaca, é importante pontuarmos este
que a sociedade enxerga tudo como uma coisa só. aspecto positivo: a criação dos conselhos externos.
A respeito dessa opacidade da Justiça, trago uma Nesse sentido, vejo de modo reticente a resistên-
declaração do jurista Noberto Bobbio. Ele afirma que cia da Polícia Federal ao exercício do controle externo.
essa opacidade do poder é a negação da democracia. Se os juízes, promotores, recebem o controle exter-
A Justiça, sendo pouco transparente, torna-se pouco no, porque a polícia também não pode recebê-lo? A
democrática. A democracia é idealmente o governo Ordem dos Advogados do Brasil também tem certa
do poder visível, cujos atos se desenvolvam em públi- resistência a qualquer tipo de controle nesse senti-
co sob o olhar da opinião pública. do. Espero que isso não seja interpretado como uma
ingerência minha em relação à polícia ou à OAB, mas
O controle externo dentro da perspectiva da transparência é preciso que
Nessa perspectiva da transparência da Justiça, foi todos tenham a mesma disposição em abrir suas prá-
aprovada a emenda constitucional número 45, do ano ticas, seus números, sua realidade para a sociedade
de 2004, que trata dos controles externos. É um pas- civil. Isso para que haja um controle social.
Papel dos Controladores 101

brou que esse direito do cidadão está também


relacionado ao princípio da publicidade da admi-
nistração pública, igualmente previsto na Carta
Magna. “Na realidade, são duas faces da mesma
Tendência à aristocracia moeda”, afirmou. “Trata-se de um mesmo direito
Para dar alguns exemplos positivos, foi dentro desse visto sob a ótica do indivíduo e sob a ótica do gru-
processo de controle externo que se soube da exis- po, da sociedade, do Estado”.
tência de desembargadores ganhando R$ 60.000 por O presidente da ANPR também reclamou
mês, sem que antes praticamente ninguém tivesse da lei 11.111, de 2005, que segundo ele regula-
conhecimento disso. Está sendo tratada também a mentou “de forma muito precária” o artigo 5º da
questão do nepotismo. Nós do Judiciário temos uma Constituição. Ele recordou que essa lei determina
tendência à aristocracia, por conta do caráter vitalício que dados de sigilo máximo só podem ser acessa-
de diversas funções dentro do Poder, o que incentiva dos depois de 30 anos, prazo renovável por mais
a contratação de familiares. Nos outros Poderes, al- 30 anos. Ele exemplificou com a hipótese de um
gumas barreiras já foram ultrapassadas, com a realiza- indivíduo precisar esperar 60 anos, quando sua
ção mais freqüente de concursos públicos. expectativa de vida é de 72, para ter a informação
Tudo isso tem sido discutido de maneira sincera e sobre algo que o envolveu com o Estado. “Ele tem
franca em praça pública e tem contribuído para o au- que ter tido esse problema por volta dos 12 anos
mento da credibilidade da Justiça. É sem dúvida um de idade”, disse. Pois caso contrário a informação
processo ascendente de depuração. E, ao contrário do só será liberada após sua morte.
que advogavam alguns setores do Ministério Público “O problema do acesso à informação é o
da União e do Judiciário, tudo isso contribuiu para o acesso à verdade. O grupo que detém o poder
fortalecimento das nossas instituições e não implica detém os instrumentos para a construção da rea-
restrições à nossa autonomia administrativa ou nossa lidade”, afirmou o procurador. Ele ressaltou que,
independência funcional. além de obrigar um indivíduo a esperar 60 anos
por uma informação, a lei ainda prevê um pra-
Antonio Carlos Bigonha zo maior caso o dado solicitado seja considera-
é presidente da Associação Nacional dos do uma ameaça à soberania, à integridade terri-
Procuradores da República. torial nacional ou às relações internacionais do
país. “Em termos de Estado, isso é praticamente
102 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

tudo”, concluiu. Trata-se de termos extremamente O auxílio de


amplos e de difícil mensuração jurídica, observou promotores e procuradores
Bigonha (leia mais no depoimento de Belisário dos Apesar de a legislação em vigor dificultar o aces-
Santos Jr. no Capítulo 1). so de cidadãos comuns a informações públicas,
O presidente da ANPR afirmou que o atu- Antonio Carlos Bigonha lembrou haver previsão
al regime jurídico do Brasil pode impedir, inde- legal para que promotores e procuradores requi-
finidamente, que o cidadão tenha acesso a deter- sitem tais informações como um procedimento
minada informação. Isso representa, em sua opi- regular. “Acho que esse é o nosso maior trabalho
nião, a negação do direito à informação, e por isso social”, disse o presidente da ANPR. Ele expli-
há incompatibilidade entre a norma prevista na cou que se um cidadão ou cidadã, por exemplo,
lei 11.111 e a Constituição. Bigonha lembrou que tem seu nome inscrito de forma equivocada no
o constitucionalista Geraldo Ataliba afirma não cadastro de inadimplentes pela Caixa Econômica
ser só o respeito à maioria o que caracteriza uma Federal e não consegue, na instituição, acesso a
democracia, já que as maiorias elegem os gover- informações que possam contribuir para elucidar
nantes e os representantes por editar as leis. O tra- o caso, pode recorrer ao Ministério Público. A
ço de qualidade da democracia seria a existência Procuradoria dos Direitos do Cidadão irá reme-
também do resguardo do direito das minorias e do ter um ofício à Caixa requisitando a informação.
direito individual. “É dentro dessa tensão socioló- “Muitas vezes somente essa requisição e o aces-
gica entre o indivíduo e o grupo que se molda uma so à informação, já resolve o problema”, relatou
democracia”, afirmou Bigonha. “Na força centrí- Carlos Bigonha.
peta do grupo, que chama tudo para si, e na força O procurador salientou, no entanto, não
centrífuga do indivíduo, que busca a liberdade, a ser possível confundir esse direito, acionado por
igualdade”. Assim, a lei 11.111 está “completamen- meio do Ministério Público, com o direito de
te dissociada” de qualquer perspectiva democráti- acesso a informações públicas previsto no artigo
ca e constitucional, disse o procurador. 5º da Constituição. “Esse não é o direito à infor-
Também José Antonio Moroni, diretor do mação, é um direito individual que está mais liga-
Inesc, criticou essa lei. “Além da questão da lega- do ao direito de petição”, afirmou. O que o artigo
lidade, o que me preocupa é que a lógica da lei foi 5º assegura, lembrou, é o direito a qualquer infor-
construída com base no que não pode ser informa- mação, independente do interesse particular de
do e não a partir do direito à informação”, disse. um indivíduo.
Papel dos Controladores 103

Adriano Guerra

Na trilha do Orçamento Criança:


a experiência de Minas Gerais

Todos os anos, municípios, estados e União cumprem Paulatinamente, apoiados pelo marco legal, mo-
um rito importante na definição das políticas públi- vimentos e organizações sociais brasileiros, ligados a
cas e das ações governamentais: a elaboração e a diferentes segmentos, começaram a esboçar seus pri-
execução do Orçamento Público. Definido pelas leis meiros passos rumo a uma atuação mais sistemática no
orgânicas municipais, pelas Constituições estaduais processo de elaboração e execução dos orçamentos
e pela Constituição Federal, o calendário orçamen- governamentais. O caminho a percorrer, no entanto,
tário constitui um dos momentos mais estratégicos é bastante longo e requer boa dose de conhecimento
do planejamento dos governos. É na peça orçamen- técnico, força política e capacidade de mobilização e
tária que estão apontados quais segmentos, deman- interferência na agenda pública.
das sociais e iniciativas serão priorizados por um de- Um exemplo consistente desse novo campo de
terminado governante. incidência política da sociedade organizada vem dos
Não por outra razão, partidos políticos e gestores movimentos ligados à promoção e defesa dos direitos
públicos mantêm-se atentos a essa agenda, buscando de crianças e adolescentes. Desde os primeiros anos
assegurar que seus interesses e proposições sejam da década de 1990, instituições que atuam nessa área
contemplados na aplicação dos recursos públicos. Da passaram a desenvolver metodologias que permitis-
mesma forma, nos últimos anos, essa atenção passou a sem realizar um monitoramento regular dos gastos pú-
vir também de grupos organizados da sociedade. Isso blicos direcionados à infância e adolescência. Uma das
QPSRVFB$POTUJUVJÎÍPEF B-FJEF3FTQPOTBCJ- iniciativas que vale citar é a metodologia Orçamento
lidade Fiscal (2000) e o Estatuto das Cidades (2001), Criança e Adolescente (OCA), organizada pelo Institu-
somados, criaram as diretrizes legais necessárias para UPEF&TUVEPT4PDJPFDPOÙNJDPT *OFTD
FQFMP'VOEP
que o processo decisório em torno do Orçamento Pú- das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com apoio
blico não continuasse restrito somente aos gabinetes da Fundação Abrinq.
EP1PEFS&YFDVUJWPFEP-FHJTMBUJWP DPNPIJTUPSJDB- A metodologia OCA, além de possibilitar o acom-
mente sempre ocorreu. panhamento regular do ciclo orçamentário federal,
104 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

contribuiu para inspirar ações semelhantes no âmbi- da área da infância e adolescência se viram diante de
to dos estados e municípios. O presente texto busca um desafio inicial: compreender a lógica e os códigos
relatar de forma breve uma dessas experiências, con- relacionados às leis orçamentárias. Como decifrar in-
duzida em Minas Gerais sob coordenação da Frente formações que parecem concebidas para serem lidas
de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente apenas por técnicos e consultores especializados?
(FDCA-MG), instância que reúne entidades represen- Como tornar acessível a cidadãos e cidadãs comuns
tativas da sociedade civil, e da ONG Oficina de Ima- tais informações, tornando possível sua interferência
gens – Comunicação, Educação e Cultura. A descrição nas decisões públicas?
da iniciativa mineira ajuda a lançar luz sobre as “pe- " SFTQPTUB WFJP EP QSØQSJP 1PEFS -FHJTMBUJWP
dras” que ainda restringem, no país, o livre caminho da Demandada pelos grupos interessados em enten-
participação democrática no Orçamento Público. der melhor os dados orçamentários, a Assembléia
de Minas Gerais ofereceu, por meio da Escola do
Decifrando códigos -FHJTMBUJWP  VN DVSTP TPCSF 0SÎBNFOUP 1ÞCMJDP
Em 2003, pela primeira vez na história da política mi- especificamente voltado para lideranças sociais. A
neira, grupos organizados da sociedade civil tiveram a iniciativa contribuiu diretamente para qualificar a
oportunidade de influir na definição do Plano Plurianu- atuação do movimento pró-infância mineiro, favore-
BM 11"
FEB-FJ0SÎBNFOUÈSJB"OVBM -0"
EPFTUBEP cendo a aprovação pelos deputados de parte das
A participação fora proporcionada pela Comissão de emendas propostas.
Participação Popular, instância criada pela Assembléia Paralelo ao processo de formação e de atuação na
-FHJTMBUJWBEF.JOBT(FSBJTDPNJOUVJUPEFQPTTJCJMJUBS elaboração do Orçamento, a FDCA-MG iniciou uma
o diálogo mais sistemático entre os deputados estadu- ação de monitoramento regular da execução orça-
ais e os segmentos organizados da sociedade. mentária do estado. O relatório de acompanhamento,
Convidados pela comissão para sugerir emendas produzido trimestralmente, passou a servir de referên-
BP 11"  F Ë -0"   PT NPWJNFOUPT cia para a incidência política junto ao Executivo e ao
Papel dos Controladores 105

-FHJTMBUJWP 1BSB DPOTUSVJS P EPDVNFOUP  OP FOUBOUP  da Casa passasse a reunir trimestralmente os dados
um longo caminho precisou ser percorrido. orçamentários solicitados pela FDCA. Somente a par-
Ainda que a participação social no ciclo orçamen- tir desse arranjo político, as organizações puderam, fi-
tário esteja prevista em lei, somente alguns setores nalmente, ter acesso às informações necessárias para
EP &YFDVUJWP F EP -FHJTMBUJWP UÐN BDFTTP HBSBOUJEP a produção do relatório de execução do Orçamento
às informações sobre os gastos públicos. Assim como Criança e Adolescente.
ocorre no plano federal e em outros estados, o pro- Outro desafio, no entanto, passou a mobilizar os re-
grama informatizado no qual os dados são inseridos e presentantes das organizações envolvidas no trabalho.
gerenciados – o Sistema Integrado de Administração Com as informações em mãos, seria preciso encontrar
Financeira (Siafi) – só pode ser acessado por gestores profissionais especializados, capazes de decifrar os có-
do governo estadual e por técnicos da Assembléia. digos orçamentários, adaptando-os a uma linguagem
Além disso, tais dados geralmente vêm organizados mais acessível aos movimentos sociais. O apoio para
em planilhas que dificilmente são compreensíveis isso veio de um instituto empresarial que, até 2006,
para um leigo no assunto. coordenou um amplo programa de apoio ao Sistema
Para superar esse obstáculo, os membros da FDCA- de Garantias dos Direitos da Criança (SGD) em Minas
MG buscaram o apoio de um deputado ligado à Fren- Gerais. O instituto disponibilizou algumas horas de
te Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança e trabalho de um assessor técnico capaz de organizar a
do Adolescente, uma instância não-formal da Assem- planilha do OCA.
bléia que reúne os mais sensíveis à agenda da infância. Superados os principais obstáculos, as organizações
Coincidentemente, o mesmo deputado que coorde- reunidas pela Frente de Defesa de Minas Gerais pas-
nava a Frente era também à época o líder da banca- saram a realizar regulamente o acompanhamento da
da da oposição e, por isso, tinha o direito a dispor de execução do Orçamento Criança estadual. A iniciativa
uma consultoria técnica exclusiva. Demandado pelos já ocorre desde 2003 e vem contribuindo – direta ou
movimentos pró-criança, ele ordenou que um técnico indiretamente – para qualificar a incidência política dos
106 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

atores sociais dedicados à infância e à adolescência. a partir da distribuição de um boletim informativo, en-
Hoje, os relatórios consolidados anuais tornam possível viado periodicamente a mais de três mil integrantes do
apontar de forma mais objetiva as lacunas e avanços Sistema de Garantias dos Direitos da Infância em Mi-
nos investimentos destinados às novas gerações. nas Gerais. Da mesma forma, têm sido recorrentes os
debates e eventos relacionados ao tema Orçamento
Mobilização e continuidade Criança e Adolescente em diversas cidades do estado,
Para assegurar que as informações produzidas sobre o que contribui para disseminar a experiência coorde-
o Orçamento Criança e Adolescente do estado gerem nada pela Frente de Defesa.
reflexos e mudanças efetivas no planejamento gover- E foi com base nessa experiência que um grupo de
namental, algumas ações estratégicas vêm sendo re- organizações se aliou, em 2006, com o objetivo de am-
alizadas. Uma delas é a incidência junto ao Conselho pliar as iniciativas de incidência no ciclo orçamentário
Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de e, conseqüentemente, fortalecer as políticas públicas
Minas Gerais (Cedca-MG), instância responsável no de infância e juventude. Criado a partir de uma par-
estado por deliberar e fiscalizar as políticas públicas ceria entre organizações de diferentes expertises, o
destinadas à população infanto-juvenil. Articulada com Projeto Novas Alianças1 vem investindo na formação
os representantes da sociedade civil nesse conselho, a e mobilização social de lideranças sociais do estado a
FDCA-MG tem buscado municiar os conselheiros com
1 O projeto Novas Alianças é realizado a partir de uma parceria entre o
informações orçamentárias, provocando-os a pressio- Instituto Ágora em Defesa do Eleitor e da Democracia, de São Paulo, a
agência mineira Oficina de Imagens, da Rede ANDI Brasil, a Frente de
nar o governo estadual, para que este cumpra efetiva- Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais, além
mente o princípio da prioridade absoluta de crianças e do Instituto Caliandra e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância
(ANDI), ambos de Brasília. O projeto é executado pela Oficina de Ima-
adolescentes, previsto na Constituição Federal. gens, organização sediada em Belo Horizonte, a partir de uma aliança
estratégica que conta ainda com a Fundação Avina e a Fundação Vale.
Em outra ponta, o trabalho de monitoramento e Também apóiam a iniciativa a Assembléia Legislativa de Minas Gerais
participação no Orçamento Público envolve um forte (por meio da Comissão de Participação Popular e da Frente Parlamentar
de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais) e o
conteúdo de mobilização social. Em parte, isso ocorre Ministério Público do Estado.
Papel dos Controladores 107

partir de três eixos estratégicos de ação: Orçamento Pú- Desafios à parte, o fato é que a iniciativa da FDCA-
CMJDP -FHJTMBUJWPF.ÓEJB MG, somada ao projeto Novas Alianças, contribuiu
A iniciativa representa um reforço e a continuida- para deslocar o debate sobre o Orçamento Público de
de do trabalho que já vinha sendo levado a cabo pela dentro dos gabinetes para a mesa de negociação dos
Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Ado- movimentos sociais. E alguns resultados já vêm sendo
lescente, instituição que também integra o projeto. colhidos na ampliação dos investimentos públicos des-
Em 2007 e 2008, mais de 400 representantes do tinados às novas gerações. A título de exemplo, vale
SGDI passaram por um processo de formação no qual dizer que, em 2007, a partir de emendas apresenta-
puderam desenvolver sua capacidade de incidir, mo- das e defendidas por participantes do Novas Alianças,
nitorar e avaliar o Orçamento Público, bem como de houve aumento de R$ 4,9 milhões no orçamento para
DPOTUSVJS BMJBOÎBT OP 1PEFS -FHJTMBUJWP F OPT NFJPT 2008 e de R$19,3 milhões para os próximos 3 anos. O
de comunicação. NPOUBOUF QPEF OÍP SFQSFTFOUBS NVJUP OP DÙNQVUP
A partir da formação, os grupos constroem planos de geral dos recursos estaduais, mas certamente constitui
ação e são assessorados sistematicamente em suas es- um largo passo neste difícil caminho que os movimen-
tratégias de incidência política. Do mesmo modo como tos pró-infância vêm trilhando nos últimos anos.
ocorre no âmbito do estado, também nos municípios tem
sido árdua a batalha pelo acesso às informações orça- Adriano Guerra
mentárias. Em alguns casos, foram registradas pressões é jornalista, coordenador executivo do projeto
e ameaças por grupos políticos aos representantes dos Novas Alianças e líder da agência Oficina de Imagens,
movimentos pró-infância. Nessas situações, um ator fun- da Rede ANDI Brasil em Minas Gerais.
damental tem sido o Ministério Público Estadual que,
sempre quando acionado, age para assegurar o cumpri-
mento do direito de acesso à informação e à participação
no ciclo orçamentário.
4
Capítulo

Papel da Imprensa
A imprensa como cão de guarda: o acesso à
informação enquanto ferramenta de trabalho
Nome do Capítulo 109

Diversos dos atores que contribuíram com a construção dos capítulos anteriores de nossa
publicação alertaram, de forma absolutamente pertinente, que a discussão sobre a necessidade
de uma lei geral de acesso à informação não deve passar a idéia equivocada de que este é,
fundamentalmente, um tema de interesse dos jornalistas. Feita esta consideração, não podemos
nos furtar em sublinhar a centralidade da imprensa nos processos institucionais e históricos que
estamos debatendo.
A imprensa, enquanto instituição basilar das democracias contemporâneas, é parte
integrante do sistema de garantia de informações para a sociedade como um todo. Sua
função ideal no sistema de freios-e-contrapesos que caracteriza os regimes democráticos
representativos é muito semelhante àquela desempenhada por um arcabouço institucional
que concretize o direito do acesso à informação – isto é, diminuir as assimetrias informacionais
entre a coletividade e os poderes constituídos e, com isso, intensificar as possibilidades de
accountability desses mesmos poderes.
Sem embargo, conforme posto anteriormente, o desempenho de tal função jornalística pode
ser fortemente catalisado pela garantia real de amplo acesso às informações públicas.
Assim, o presente capítulo discute o papel da imprensa de controlador social (ou watchdog)
e a relevância do acesso à informação neste contexto.
0T KPSOBMJTUBT (VTUBWP ,SJFHFS F ,BUIFSJOF 'VOLF FTUJWFSBN FOUSF PT EFCBUFEPSFT EFTUB
temática no seminário Controle Social das Políticas Públicas e Acesso à Informação: Elementos
Inseparáveis. Já as observações do cientista político Guilherme Canela, terceiro participante da
última mesa do evento, estão distribuídas ao longo do texto a seguir, uma vez que ele também
acumulava função de co-organizador deste volume.
E m países e em episódios nos quais atua de forma livre e honesta,
a imprensa desempenha um papel fundamental no auxílio à fisca-
lização de ações do governo, reforçando assim a transparência da
administração pública, pilar de regimes democráticos desenvolvi-
dos. O sucesso do jornalismo como watchdog – uma espécie de cão
de guarda de autoridades – está ligado ao acesso que profissionais
da imprensa têm a informações públicas. Na prática, o direito de
acesso de jornalistas a documentos e dados do governo não difere
em nada do direito de qualquer outro cidadão – a principal dife-
rença é o fato de um profissional da mídia ter mais facilidade para
divulgar uma informação pública, sempre que necessário, contextu-
alizando-a e explicitando seus pormenores à coletividade. Isso per-
mite multiplicar e potencializar o efeito que esta informação pode
ter na sociedade. Para a jornalista investigativa filipina e professora
de jornalismo da Universidade de Colúmbia, Sheila Coronel:

Desde o século XVII, os teóricos do iluminismo argüiram que a publicidade


e a abertura provêem a melhor proteção para os excessos do poder. A idéia
da imprensa como uma espécie de Quarto Poder, como uma instituição que
existe fundamentalmente como uma instância de fiscalização sobre aqueles
que exercem funções públicas, estava baseada na premissa de que Estados
poderosos deveriam ser observados a fim de se evitar que extrapolem os li-
mites legalmente estabelecidos. A imprensa trabalhando independentemen-
te do governo ... , mesmo que as liberdades para tanto fossem garantidas
pelo Estado, era condição, supunha-se, para ajudar a garantir a limitação
do poder estatal. (Sheila Coronel, 2008:136)
Papel da Imprensa 111

O pesquisador argentino Silvio Waisbord, radi- Três estudiosos da London School of


cado nos Estados Unidos, vê no reforço à accounta- Economics – Timorhy Besley, Robin Burgess e
bility uma das ações mais importantes da imprensa. Andrea Prat – reforçam a idéia da importância do
“Um modo pelo qual a imprensa contribui para a acesso da imprensa a informações públicas como
accountability é através da revelação de irregularida- pilar do sistema de freios-e-contrapesos. “Meios de
des. Fazendo isso, ela contribui para a accountability comunicação de massa podem desempenhar um
em democracias onde segredos de Estado continu- papel-chave para possibilitar que cidadãos monito-
am a ser um problema sério. O jornalismo investi- rem as ações de autoridades e usar essas informa-
gativo permite o conhecimento público de ações ile- ções na hora de decidir seus votos. Isso pode fazer
gais, um recurso fundamental para a acountability”, com que o governo se torne mais transparente e
afirma Waisbord1. responsável em relação aos cidadãos”, apontam2.
Ainda que considere o jornalismo investi- Se uma ponte ou uma represa está sendo construí-
gativo um elemento fundamental de reforço no da, afirmam eles, só por meio do escrutínio da
que se refira à transparência das ações gover- imprensa a população poderá averiguar se as auto-
namentais, o professor da George Washington ridades estão dando a atenção devida aos custos da
University reflete que não raras vezes a investi- obra e aos benefícios que poderá trazer. Quando
gação se transforma em instrumento de denun- ocorre algum desastre natural, acrescentam os
cismo político entre grupos rivais que se utilizam pesquisadores, uma imprensa ativa amplia a capa-
dos meios de comunicação – dos quais muitas cidade dos cidadãos de monitorarem os esforços
vezes são proprietários: de seus representantes na proteção dos mais vul-
neráveis. O trio inglês cita o exemplo hipotéti-
A dependência dos jornalistas investigativos quanto a co de uma região com 50 pequenas comunidades
dicas e documentos passados por autoridades acaba na qual uma única é atingida por uma enchente.
por engendrar o denuncismo. (...) As fontes podem fi- “Sem a mídia, somente aqueles diretamente afe-
car atrás das cenas enquanto atiram adagas em seus tados podem observar as ações governamentais,
rivais políticos. (...) o perigo do denuncismo é o ven- mas a mídia permite que cidadãos de todas as 50
triculismo: a imprensa freqüentemente falar por fontes comunidades observem se o governo reage de for-
ocultas. (Waisbord, 2000:103) ma apropriada”, afirmam3.
2 BESLEY; BURGESS; PRAT, 2002, p.45, tradução dos autores.
1 WAISBORD, 2000, p.229, tradução dos autores. 3 Idem, p.46.
112 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

A função do agendamento Cohen, que a imprensa pode não ter êxito ao deter-
A importância da imprensa nos processos de accoun- minar de que maneira as pessoas devem pensar, mas
tability não é determinada pelo fato simples de alguma é muito bem-sucedida ao apontar sobre o que elas
ação do governo ser revelada, mas pelas conseqüências devem pensar.
dessa revelação. Isso remete a estudos que começaram Essa teoria deflagrou uma série de estudos que,
a ser elaborados há quase meio século. Nas eleições nas últimas décadas, veio a incluir uma segunda for-
presidenciais de 1968 nos Estados Unidos, os estudio- ma de agendamento: a capacidade da imprensa de
sos Maxwell McCombs e Donald Shaw resolveram influenciar, além da opinião pública, a ação de auto-
acompanhar o comportamento de um grupo de eleito- ridades. É nessa linha que trabalha o norte-america-
res. Para isso, fizeram entrevistas periódicas com aque- no David Protess que coordena um grupo de estu-
les que se diziam indecisos, questionando-os sobre diosos com interesse na mídia. Para ele, o jornalis-
quais temas consideravam mais relevantes para serem mo investigativo – aquele que de forma especial se
tratados pelos candidatos. Ao mesmo tempo, monito- debruça sobre informações públicas – é importan-
raram as informações que estavam sendo veiculadas te justamente por sua capacidade de influenciar a
por jornais naquele período. construção da agenda política.
No fim do estudo, detectaram uma coincidên- O cientista político Guilherme Canela desta-
cia enorme entre os assuntos aos quais a imprensa ca que os estudos realizados pela ANDI acrescen-
dava mais relevância e aqueles considerados pelos tam um terceiro vértice aos papéis da imprensa nesse
eleitores como de maior importância. O resultado cenário. Para ele, quando a imprensa aborda temas
do trabalho foi publicado em um artigo em 1972. relacionados a políticas públicas deve-se considerar
“As correlações aqui apresentadas não provam a que ela exerce três funções: a de agendamento das
existência de uma função de agendamento por parte discussões públicas, a de fornecer informações con-
dos media, mas os dados estão em consonância com textualizadas e a de watchdog, ou fiscalizadora do
as condições que têm de existir no caso de a função governo. Durante o seminário Controle Social das
referida ocorrer”, escreveu a dupla4. Com esse artigo Políticas Públicas e Acesso à Informação: Elementos
os dois pesquisadores criaram a hipótese de agenda Inseparáveis, Canela sublinhou a forma como John
setting, conhecida no Brasil como “teoria do agen- Delane, um editor do Times, de Londres, no século
damento”. Afirmavam, lembrando célebre aforis- XIX, conseguiu resumir esses três aspectos em uma
mo de outro pesquisador norte-americano, Bernard única frase: “O dever máximo da imprensa é obter a
4 McCOMBS; SHAW, 2000, p. 57, grifos originais. primeira e mais correta informação sobre os even-
Papel da Imprensa 113

tos da época e instantaneamente revelá-los, trans- mento de agentes policiais que apresentavam ‘padrões
formando-os em prioridade comum da nação”. Ele de comportamento que justificavam preocupação’,
aponta o papel da imprensa como watchdog, o de incluindo aqueles contra quem tinham sido registra-
obter as informações. Já quando usa a expressão “a das queixas de abuso de força”, afirmam os pesquisa-
mais correta”, trata da questão da informação con- dores5. A série de reportagens sobre a violência poli-
textualizada, ou seja, não é qualquer informação que cial estava baseada em informações públicas.
interessa. E quando diz “transformando-os em prio- Essa influência benéfica da imprensa não se limi-
ridade comum da nação”, afirma que a mídia tem o ta, claro, a países desenvolvidos. Os já citados ingle-
dever de agendar. ses Besley, Burgess e Prat apontam a Índia como um
“exemplo proeminente” da relação entre o acesso de
Conseqüências do jornalistas a informações públicas e benefícios para
trabalho da imprensa a sociedade. O grupo relata estudos que mostram
Junto com Donna Leff e Stephen Brooks, David haver uma relação direta entre a circulação e penetra-
Protess monitorou na década de 1980 a veiculação ção de jornais agindo de forma livre e independente
de três séries de reportagens televisivas em Chicago. e a redução da fome aguda. As pesquisas levaram em
As matérias tratavam de fraudes no sistema de saú- conta registros entre os anos de 1958 e 1992 sobre a
de, violação de mulheres e violência policial. Foi neste distribuição de comida em períodos de redução na
último tema, em uma série chamada Beating Justice e produção de alimentos causada por secas e o auxílio
veiculada pelo Canal 5, que os pesquisadores pude- dado às famílias em casos de calamidades provoca-
ram verificar que, além de pautar a opinião pública, as das por enchentes. A partir disso, examinaram como
reportagens conseguiram gerar ações de autoridades. os jornais influenciaram o governo indiano nesses
“Avaliamos também as mudanças na definição das dois casos e concluíram que uma maior circulação
políticas, entrevistando funcionários públicos após a de periódicos está ligada diretamente ao aumento
emissão da série e monitorizando os media de modo a das ações dos governantes. Os dados mostraram que
ter conhecimento de alterações de política que pudes- em Estados de circulação média de jornais o governo
sem atribuir-se à reportagem do Canal 5. A alteração aumentou 1% a distribuição de comida para cada 10%
mais significativa foi uma ordem geral, emitida pelo de redução na produção de alimentos. Já nos Estados
superintendente da polícia a 8 de março de 1983, um em que há alta circulação de jornais, o aumento na
mês após a emissão de Beating Justice. A ordem esta- distribuição de alimentos foi de 2,28%. “Deste modo,
belecia um amplo programa de identificação e trata- 5 LEFF; PROTESS; BROOKS, 2000, p.92, grifos originais.
114 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

temos uma forte evidência de que mesmo dentro da nutriente ao organismo humano. O iodo é absor-
Índia a variação na circulação de jornais pode explicar vido pela glândula tireóide que produz hormônios
quão responsável é o governo em relação às necessi- essenciais para a formação do sistema nervoso cen-
dades da população”, afirmam os ingleses6. tral. A insuficiência do produto no organismo, con-
Construção semelhante e mais amplamente forme a fase de desenvolvimento da pessoa, provo-
difundida foi elaborada pelo economista indiano ca deficiência intelectual e física, deficiência audi-
Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel, no arti- tiva, dificuldades de aprendizagem, aborto e bócio
go “Famines”, de 1980. Sen argumentava que paí- (caracterizado pelo engrossamento do pescoço).
ses com uma imprensa livre não passam por gran- Em 1999, o jornal Correio Braziliense, de Brasília,
des períodos de fome, pois a imprensa dá atenção teve acesso a um relatório preliminar de um estudo
aos problemas, fazendo com que as pessoas vejam encomendado pelo Ministério da Saúde e realiza-
a falha governamental nessa área como intolerável. do em 1995, mas que não havia sido divulgado pelo
Segundo o autor, a opinião pública poderia forçar governo. O documento mostrava que, de um total
os governos a agirem em determinado sentido. Em de 179 mil estudantes examinados em 428 muni-
texto de 1987, ele evidencia esta questão ao discutir cípios brasileiros, 59 mil tinham insuficiência de
a relação entre períodos de fome atravessados pela iodo. Desses, 9 mil apresentavam carência aguda do
China e a falta de liberdade de imprensa e ausência nutriente. Em três municípios pesquisados – Paranã,
de uma oposição constituída. no Tocantins; Conceição, na Paraíba; e Nova Roma,
em Goiás –, a carência aguda atingia 100% das crian-
Exemplo brasileiro ças examinadas. Em outros quatro municípios, varia-
O acesso a informações públicas esteve na base va entre 30% e 47%. O jornal reuniu outras informa-
de uma série de reportagens que influenciou na ções públicas, dessa vez com o auxílio de técnicos
mudança da política de iodação do sal no Brasil. do Ministério da Saúde, demonstrando que o gover-
Desde a década de 1950, a legislação brasileira obri- no vinha adquirindo iodo em quantidade aquém da
ga produtores de sal a acrescentar iodo ao produto. necessária para distribuir às indústrias de sal. Deixou
Isso ocorre porque em muitas regiões do país, prin- claro também que a distribuição não era feita com a
cipalmente aquelas mais distantes do mar e locali- regularidade necessária e que, por isso, entre os anos
zadas em áreas elevadas, o solo é pobre em iodo e de 1995 e 1998 quase 10% das amostras de sal anali-
não fornece às plantas a quantidade necessária do sadas por fiscais não apresentavam o índice de iodo
6 BESLEY; BURGESS; PRAT, 2002, p.54, tradução dos autores. exigido pela legislação.
Papel da Imprensa 115

Na edição do dia 25 de outubro de 1999, o Uma semana depois, a promessa foi cumprida, e o
jornal estampou a manchete “Escândalo na saú- ministério determinou o fechamento de 11 indústrias
de pública”, acompanhada por uma foto grande de e a apreensão do estoque de outras tantas. Em seguida,
crianças do município de Paranã. Dentro, a reporta- a Agência Nacional de Vigilância Sanitária abriu con-
gem começava assim: “Uma tragédia silenciosa está sulta pública para criar novas normas de iodação do
acontecendo na saúde pública brasileira. Por omis- sal, que entraram em vigor em março de 2000, cinco
são do governo federal e dos produtores de sal, uma meses depois da publicação da reportagem.
massa de brasileiros, em especial crianças e adoles- Em 2001, o governo deu apoio a uma nova pes-
centes, está com a vida condenada: eles têm algum quisa sobre a deficiência de iodo nas crianças brasilei-
tipo de deficiência mental, estão ficando surdos e ras, para ver se as medidas tomadas tinham sido efi-
mudos, têm dificuldade de aprender uma simples cazes. O estudo foi feito em 1.977 estudantes, alguns
operação matemática e, em alguns casos, desenvol- das mesmas cidades que haviam sido pesquisadas no
vem o bócio, doença que produz caroços em volta levantamento anterior. O documento com o resultado
do pescoço e é popularmente conhecida como papo da pesquisa, assinado pelo endocrinologista Geraldo
ou pescoço grosso. Esses brasileiros são vítimas da Medeiros-Neto, da Universidade de São Paulo, infor-
falta aguda de iodo, uma substância cuja ausência ma que apenas 1,4% das crianças examinadas tinham
no organismo provoca problemas de crescimento e deficiência. “Isso mostra que as condições de inges-
falhas na formação do sistema nervoso central”7. tão de iodo melhoraram significativamente na região
No mesmo dia da publicação da reportagem, Centro-Oeste do Brasil em comparação ao que ocorria
parlamentares, o Instituto Brasileiro de Defesa do em 1995. Essas mudanças se devem, muito provavel-
Consumidor (Idec) e o Fundo das Nações Unidas mente, à implementação de um programa universal de
para a Infância (Unicef) pediram aumento na fisca- iodação do sal”, afirma o relatório8.
lização da produção do sal. No dia seguinte, depu- O caso do iodo teve todos os elementos que David
tados de três partidos protocolaram no Ministério Protess e seus colegas consideram fundamentais para
Público uma representação pedindo apuração dos que uma denúncia publicada na imprensa possa efeti-
responsáveis pelas irregularidades. No terceiro dia, vamente influenciar a agenda política. Houve impacto
o então ministro da Saúde, José Serra, ameaçou da reportagem na opinião pública, envolvimento de
multar e fechar salineiras que estivessem produzin- grupos de pressão – como os representantes de consu-
do sal irregular. midores e os parlamentares –, retomada do tema pelo
7 CORREIO BRAZILENSE, 25/10/1999, p.3. 8 MEDEIROS-NETO et al. 2001, p.33, tradução dos autores.
116 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

próprio veículo de comunicação e divulgação do caso mento das atitudes dos governos. Assim, a imprensa
em outros órgãos de imprensa. se consolidou, ao longo dos anos, como ator funda-
Nesse sentido, vale sublinhar que os pesquisa- mental no sistema da accountability das democra-
dores norte-americanos do grupo de Protess clas- cias ocidentais. A função da accountability é preven-
sificam em três tipos distintos as conseqüências tiva. Não se trata de afirmar que pessoas a serviço
de uma reportagem que denuncie más práticas de do Estado irão roubar dinheiro ou investir em polí-
autoridades ou funcionários públicos: resultados ticas públicas que não deveriam ser implementa-
deliberativos (com criação de comissões ou realiza- das. No entanto, como existe a possibilidade de isso
ção de audiências públicas); individualizados (com ocorrer, cria-se um sistema complexo – e às vezes
rebaixamentos, demissões ou outras punições indi- caro –, mas necessário, de controle.
viduais) e substanciais (quando há mudança em O processo segue mais ou menos a lógica da
normas, legislação ou regulamentação). vacinação. Não há nenhuma prova empírica de que,
Nem sempre, no entanto, a divulgação pela se o país parar hoje com as campanhas de vacina-
imprensa de irregularidades provoca reações e ção contra paralisia infantil, a doença voltará, já que
mudanças efetivas. Para Waisbord, isso está ligado ao foi erradicada. Só que a possibilidade de a doença
fato de alterações profundas dependerem da ação de voltar faz com que se continue a gastar milhões de
outras instituições. “Seria injusto julgar a performan- reais todos os anos com a vacinação das crianças. A
ce da imprensa somente com base em sua contribui- lógica da accountability é a mesma. Para o cientista
ção para reformas substanciais”, afirma o pesquisador político Guilherme Canela, “a diferença é que, nesse
argentino. “A implementação de mudanças substan- caso, há a certeza de que se não houver um controle
ciais depende de desenvolvimento político e de insti- haverá problemas”.
tuições fortes. Concluir que a ausência de reformas é Um dos diversos aspectos da accountability que
um sinal de que o jornalismo investigativo é politica- precisa ser incluído na discussão do acesso a infor-
mente improdutivo seria reducionismo”9. mações públicas é o da delegação de poder, conforme
alertamos na Introdução desta publicação. Como as
Accountability como sociedades não conseguem que os detentores últimos
política de prevenção do poder – ou seja, a população – façam o que tem de
De forma paulatina, o jornalismo foi se colocando ser feito em termos de decisões e de serviços públi-
como uma peça-chave de fiscalização e monitora- cos, há a delegação de tais funções a representantes
9 WAISBORD, 2000, p.242, tradução dos autores. concursados, eleitos e outros. É algo como uma divi-
Papel da Imprensa 117

são de trabalho. Em princípio, isso pode ser bom, A exigência de


pois se delega o poder para pessoas que tenham mais transparência
expertise e tempo para executar as ações necessá- Uma outra forma de dirimir as assimetrias existen-
rias. Cabe a comparação com a situação de uma pes- tes é a exigência de que aquele ator para o qual se
soa que, com um problema no coração, delega a um delegou determinado poder não esconda ou omita
médico especializado em doenças cardíacas o poder informações. O que esta publicação busca salientar
de fazer uma intervenção cirúrgica e tratá-la. é que o trabalho de controladores sociais – realiza-
No entanto, quando essa delegação é feita, apa- do, como vimos, por diversos atores mencionados
rece o problema da assimetria de informação, men- ao longo dos capítulos anteriores e pela imprensa
cionado fartamente neste documento. No caso do – será tão mais eficiente quanto mais amplamente
médico, ele saberá muito mais sobre o problema do estiverem disponibilizadas as informações públicas.
coração que o paciente – o qual, por sua vez terá de Ou seja, não é possível atuar consistente-
acreditar que o especialista fará tudo de forma cor- mente no sistema de freios-e-contrapesos sem
reta, o que nem sempre é verdade. Nesse processo, o garantia de acesso à informação. Podem existir
doente é o principal, e o médico é o agente. Caso o atos heróicos, como quando há vazamento de um
especialista minta para o paciente sobre um exame, dado por uma fonte oficial ou quando um inves-
pouca coisa o doente poderá fazer. Caberia voltar- tigador, jornalista ou não, consegue algum regis-
se para um sistema que inclui a realização de exa- tro que tenha sido abandonado ou esquecido. No
mes paralelos ao trabalho do médico, a busca por entanto, se a fiscalização dos Poderes constituí-
uma segunda opinião, apelos ao Conselho Federal dos depender a todo momento desses artifícios,
de Medicina e ao Ministério Público. Isso não chega teremos um quadro no qual a maioria dos desvios
a diminuir a assimetria de informações, mas pode de rota não será captada. Essa percepção ajuda a
dirimir o problema. entender por que as garantias institucionais são
De forma similar, quanto maior o volume de de várias ordens. A Agência Nacional do Petróleo
informações apuradas e disponibilizadas pela impren- (ANP), conforme mencionamos, precisa gravar
sa acerca dos atores públicos para os quais cidadãos e todas as decisões de seus conselhos, e o Banco
cidadãs delegam poder, maiores serão as probabilida- Central é obrigado a divulgar as atas de suas reu-
des de que esses atores não se desviem das expectati- niões. Não se trata apenas de divulgar para onde
vas iniciais do eleitorado ao lhes transferirem a tarefa vão os recursos públicos, mas é preciso saber as
de “cuidar” dos negócios do Estado. motivações desses gastos.
118 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

A exigência de transparência e de aces- Números da


so amplo às informações públicas são, portan- atuação da imprensa
to, condições essenciais para o bom desempenho Para o cientista político Guilherme Canela, espe-
das três funções do jornalismo que foram subli- cializado em análises de conteúdo da imprensa,
nhadas ao longo do capítulo. Nesse sentido não algumas falhas no jornalismo brasileiro prejudi-
é possível agendar prioridades se o acesso aos cam que as funções mencionadas anteriormente
dados que demonstram as necessidades mais pre- sejam exercidas plenamente. Esses problemas estão
mentes do país, do estado ou da cidade é dificul- em parte ligados à falta de informações públicas.
tado. Assim, não é possível informar de maneira O que mais chama a atenção nas análises
contextualizada se também são sonegados pelas de coberturas jornalísticas realizadas pela ANDI,
autoridades competentes os subsídios fundamen- sugere o cientista político, é o baixíssimo percen-
tais para ofertar ao leitor, telespectador, ouvinte tual de opiniões divergentes – característica pre-
ou internauta os contornos ou o pano de fundo sente em somente 10% das matérias avaliadas pela
da notícia. Agência relativas a diferentes focos temáticos. Ou
Por fim, temos o controle social, a accoun- seja, faltam contexto e mesmo vozes que se con-
tability, quando a imprensa funciona como traponham às políticas apresentadas pelas autori-
watchdog. Ao se analisar o mais famoso exem- dades de turno. O papel de watchdog da imprensa
plo de jornalismo investigativo do século XX, o também só é notado em 8,57% dos casos, e mesmo
Watergate, percebe-se que os dois jornalistas do a cobertura sobre políticas públicas é muito diver-
diário The Washington Post, Bob Woodward e sa, a depender do tema em questão – a educação,
Carl Bernstein, fizeram um trabalho investigati- por exemplo é tratada a partir da perspectiva das
vo fundamental com as fontes de que dispunham, políticas públicas, mas não a violência. Neste caso,
mas as informações públicas disponibilizadas o papel de agendamento de prioridades é altamen-
pelas agências do governo norte-americano que te prejudicado, pois se agenda a violência como
trabalhavam no caso mostraram-se centrais para um conjunto de crimes individualizados, mas
que o quebra-cabeças fosse resolvido. Entender a não como uma conseqüência de políticas públicas
história completa do Watergate é saber que aqui- insuficientes ou equivocadas na área da segurança
lo só foi possível porque havia e há, nos Estados pública (ver as tabelas 1, 2 e 3).
Unidos, um processo eficiente de fornecimento Todos esses percentuais podem melhorar
de informações públicas. muito com a ampliação do acesso à informação,
Papel da Imprensa 119

não há dúvida, ressalta Canela. Por outro lado, apresentadas na seqüência, trazem a perspectiva
ele faz questão de sublinhar que a cobertura não de jornalistas empenhados em exercer as funções
depende disso para começar a ser aprimorada prioritárias do jornalismo e em alterar o quadro,
imediatamente desde as próprias redações. As nem sempre positivo, salientado pelas pesquisas
discussões postas na última etapa do seminário, da ANDI.

Tabela 1
Temas da agenda social cobertos segundo a perspectiva das políticas públicas
Textos enquadrados como
Posição Pesquisa (*) Período
políticas públicas
1 Educação 2004 66,0%
2 Transgênicos 2004 63,9%
3 Educação Infantil 2000 58,0%
4 Direitos Humanos 2004 54,1%
5 Desenvolvimento Humano e Social 2001/2002 52,2%
6 Saúde da Criança 2002 47,0%
7 Trabalho Infantil 2002 40,2%
8 Conselhos 2003 36,0%
9 Políticas Públicas de Comunicação 2003/2005 32,7%
10 Saúde do Adolescente 2001 30,0%
11 Tabaco e Álcool 2001 28,9%
12 Deficiência 2002 26,3%
13 Drogas 2002/2003 26,2%
14 Mudanças Climáticas 2007 24,2%
15 Tecnologias Sociais 2004 21,0%
16 Exploração & Abuso Sexual 2000/2001 9,9%
17 Violência 2000/2001 4,8%
Média — 36,55%
* Fonte: Análises de mídia conduzidas pela ANDI desde 2000.
120 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Tabela 2 Tabela 3
Coberturas de temas da agenda social que Coberturas de temas da agenda social
cobram ou responsabilizam os governos que apresentaram opiniões e informações
divergentes
Matérias que cobra-
ram ou responsabi-
Posição Pesquisa (*) Citação de opiniões
lizaram o governo
Pesquisa (*) e informações
pelo problema
divergentes
1 Desenvolvimento Humano
e Social 27,6% Transgênicos 36,5%
2 Direitos Humanos 15,3% Políticas Públicas de
15,7%
Comunicação
3 Saúde do Adolescente 13,0%
Conselhos 11,3%
4 Deficiência 10,1%
Desenvolvimento Humano e Social 11,2%
5 Saúde da Criança 9,4%
Direitos Humanos 11,0%
6 Drogas 9,0%
Educação 10,3%
7 Trabalho Infantil 8,8%
Mudanças Climáticas 9,5%
8 Exploração & Abuso Sexual 8,0%
Drogas 8,4%
9 Políticas Públicas de
Comunicação 6,0% Saúde da Criança 7%
10 Conselhos 5,9% Tabaco e Álcool 6,7%
11 Educação 4,0% Trabalho Infantil 6,6%
12 Responsabilidade Social Saúde do Adolescente 5,2%
Empresarial 4,0% Responsabilidade Social Empresarial 4,5%
13 Tecnologias Sociais 3,7% Deficiência 4,2%
14 Mudanças Climáticas 2,9% Tecnologias Sociais 3,1%
15 Violência 2,3% Educação Infantil **
16 Tabaco e Álcool 1,4% Exploração & Abuso Sexual **
17 Educação Infantil ** Violência **
18 Transgênicos ** Média 10,08%
Média 8,1%
* Fonte: Análises de mídia conduzidas pela ANDI desde 2000.
* Fonte: Análises de mídia conduzidas pela ANDI desde 2000. ** Informação não pesquisada
Papel da Imprensa 121

Contribuições do Seminário
seminário propina para acertar negócios dentro da empre-
sa”, lembrou o jornalista. Ele recordou que a fita
O acesso à informação pública foi gravada a mando de um empresário que tinha
e a cobertura jornalística interesses nos Correios e mais tarde foi preso por
comandar um esquema de corrupção que sucedeu
“Quanto maior o acesso à informação pública, menor o do mensalão.
o risco de o jornalista se tornar dependente daqui- “Em boa parte das vezes, por trás de uma
lo que é conhecido como ‘fontismo’ nas redações”. A denúncia está o interesse”, frisou o repórter. “Na
afirmação é de Gustavo Krieger, repórter do jornal medida em que não temos acesso às informações,
Correio Braziliense, de Brasília, que participou das nos tornamos muito vulneráveis a esse tipo de inte-
discussões sobre o papel de watchdog da imprensa. resse da fonte, seja ele mais ou menos nobre. Essa
Segundo ele, “no dia-a-dia da apuração jornalística, fonte pode ser um procurador da República inte-
inclusive da apuração de casos de corrupção ou de ressado em esclarecer o que está acontecendo numa
mau uso de verbas públicas, descobrimos que nor- investigação, pode ser uma ONG que esteja interes-
malmente não são interesses heróicos que servem sada num foco de determinada política, mas será
de pano de fundo das denúncias, mas sim interesses sempre o interesse dela que decidirá se fornecerá ou
políticos, interesses paroquiais, interesses ideológi- não uma informação”.
cos e muitas vezes guerras de quadrilhas”. Krieger também mencionou o portal Contas
Abertas que, para ele, faz um trabalho muito impor-
Na avaliação de Krieger, um exemplo é o caso que tante ao tornar pública parte das informações do
ficou conhecido como o escândalo do mensalão, Siafi sobre a destinação de recursos do Orçamento
quando foi descoberto que um grupo de parlamen- da União, auxiliando diversos jornalistas na apuração
tares recebera dinheiro de um esquema que envol- de reportagens. “O Contas Abertas não só permite
via integrantes do governo e dirigentes de parti- acesso a esses dados como traz várias ferramentas de
do. “Esse escândalo, que acabou se transformando organização de acordo com a apuração e a investiga-
numa grave crise para o governo Lula, num dos ção”, afirmou. “Só que o Contas Abertas é uma enti-
mais dramáticos casos de combate à corrupção, foi dade vinculada a um deputado federal, que tem sua
detonado por uma fita de vídeo, gravada clandesti- carreira política baseada na investigação de contas
namente, de um funcionário dos Correios se iden- públicas”. Por isso, quando uma matéria é produzida
tificando como representante do PTB e recebendo a partir das bases de dados do Contas Abertas, o jor-
122 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

nalista acaba “pagando um pedágio político” e credi- “Na hora em que se conseguiu receber essas infor-
tando a informação ao deputado, afirmou o repórter mações do Tribunal Superior Eleitoral, foi possível
do Correio. Ainda que o processo possa ser conside- traçar um mapa do financiamento político no Brasil,
rado correto e salutar, já que se trata da linha de atua- como nunca havíamos conseguido fazer antes”, afir-
ção política do deputado, o jornalista segue “a rebo- mou Krieger. Ele lembrou que diversos jornais de
que” de uma fonte, salientou Gustavo Krieger. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo desenvolveram óti-
Esse quadro não se repetiria, caso o jornalis- mas reportagens com base nessa prestação de contas à
ta tivesse acesso direto a informações públicas. “Na Justiça Eleitoral. Como exemplo, citou uma matéria do
medida em que a informação está disponibilizada, Correio Braziliense mostrando que as campanhas dos
você se torna sujeito da sua apuração, e isso faz uma dois principais candidatos à Presidência da República –
diferença enorme”, disse o repórter. “O jornalista Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Geraldo Alckmin, do
busca determinado dado sabendo o que quer, e aca- PSDB – chegaram ao final do primeiro turno das elei-
ba praticando o bom e velho jornalismo, que é saber ções com um rombo enorme. Outra matéria mencio-
se algo é verdadeiro ou não”. nada por Krieger demonstrava que, na campanha vito-
riosa de Lula, só R$ 3,5 milhões de um total de R$ 104
Alguns milhões foram doados por pessoas físicas. E somente
bons exemplos três dessas pessoas físicas – empresários que preferiram
Krieger apresentou exemplos do que considera boas doar em seus nomes e não no de suas empresas – foram
coberturas jornalísticas a partir do acesso a informa- responsáveis por um auxílio total de R$ 3 milhões. O
ções públicas, como uma série de reportagens sobre as que mostra que, fora R$ 500 mil saídos dos bolsos de
contas da campanha eleitoral de 2006, quando foram militantes e outros simpatizantes, toda a campanha
eleitos o presidente da República, senadores, governa- eleitoral do presidente foi custeada por empresas.
dores e deputados. Para ele, em função do escândalo “A partir daí traça-se um mapa para saber que
do mensalão e também do endurecimento da legisla- tipo de empresa doa para essas campanhas e des-
ção, houve naquela eleição um temor entre as empre- cobre-se que são basicamente aquelas que fazem
sas de apelarem para o chamado caixa dois, as doações negócios com o governo ou mantêm interesses em
ilegais e não registradas para campanhas políticas. Por áreas que estejam sendo regulamentadas”, afirmou
isso, muitas corporações que antes faziam doações Krieger. Esses dados permitiram a criação de um
“por fora” a candidatos passaram a operar essa ajuda banco de informações que, mais tarde, foi usado
de forma oficial, com registro na Justiça Eleitoral. para verificar se determinada decisão tomada pelo
Papel da Imprensa 123

DEPOIMENTO

Gustavo Krieger

Informação pública contra a exploração sexual


Um bom exemplo para ilustrar a discussão sobre a casos. Depois, cruzou esses dados com os do Minis-
importância do acesso a informações públicas é a tério da Educação sobre desempenho e evasão es-
reportagem “A inocência perdida”, da jornalista Eri- colar. Assim, descobriu que em 85% dessas cidades
LB,MJOHM RVFGPJQVCMJDBEBQFMP Correio Braziliense os índices de abandono e distorção idade/série são
em 2006, na forma de um caderno especial sobre maiores do que a média de seus estados.
exploração de crianças e adolescentes. Essa ma- Ou seja, havia uma relação de causa e efeito, e
téria foi uma das ganhadoras do 3º Concurso Tim a partir desse levantamento a jornalista foi a cam-
-PQFTEF+PSOBMJTNP*OWFTUJHBUJWP QSPNPWJEPQFMB po fazer a reportagem. Com os dados na mão, ela
ANDI, e do Prêmio de Excelência Jornalística 2006, descobriu nessas cidades que havia professores
na área de direitos humanos, dado pela Sociedade despreparados para lidar tanto com a questão da
Interamericana de Imprensa (SIP). exploração sexual quanto para lidar com os outros
A reportagem partiu de uma idéia de pauta e problemas que envolviam os estudantes. Trata-se
do acesso a informações públicas. A idéia de pau- de um trabalho jornalístico que não seria possível
ta foi buscar saber se existe relação direta entre o sem a disponibilização de informações públicas e
mau desempenho escolar e a exploração sexual e a sem que a repórter tivesse enxergado nelas uma
violência contra crianças e adolescentes. Provavel- possibilidade de pauta.
NFOUFFYJTUF NBTDPNPTFQSPWBSJTTP &SJLBDSV-
zou dados oficiais. Primeiro, se valeu da matriz de
exploração sexual de crianças e adolescentes: os Gustavo Krieger
927 municípios brasileiros onde há registros desses é repórter do jornal Correio Braziliense.
124 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

governo beneficiou ou não algum dos principais O projeto


doadores de campanha do presidente. O processo Mapa de Acesso
foi repetido em relação aos doadores de campanha A jornalista Katherine Funke, repórter do jornal
de deputados e senadores eleitos, e foi possível cons- A Tarde, de Salvador, relatou os resultados obti-
tatar que as grandes empreiteiras doaram R$ 100 dos no projeto Mapa do Acesso, estudo que vem
milhões no processo eleitoral de 2006. Isso permite sendo desenvolvido pela Associação Brasileira de
monitorar o trabalho dos parlamentares que mais Jornalismo Investigativo (Abraji). A intenção é
receberam dinheiro dessas empresas. medir o grau de acesso a informações públicas no
Outras reportagens citadas por Krieger foram Brasil, em diferentes estados, para verificar a aceita-
as que cruzaram a lista dos financiadores de cam- ção do artigo 5º da Constituição Federal que prevê
panhas de políticos eleitos com a relação das emen- o direito de acesso a essas informações.
das apresentadas por deputados e senadores ao Para a realização do projeto, foram convidados
Orçamento da União e com a participação desses e cadastrados jornalistas das diversas unidades da
parlamentares em comissões temáticas do Congresso Federação, que participaram do estudo como volun-
Nacional. Os levantamentos mostraram coincidên- tários. Foram ainda escolhidos os órgãos públicos
cias, como o fato de políticos apresentarem emen- que seriam alvos dos pedidos de informações seguin-
das para construção de estradas depois de serem do-se uma metodologia-padrão para as solicitações.
ajudados por empresas especializadas nesse tipo de Os dados a serem pedidos foram selecionados por
obra. Revelaram ainda parlamentares participan- meio de discussão na Abraji, com a participação de
do de comissões que tratam de assuntos de grande mais de 400 jornalistas. O estudo optou por cinco
interesse de seus financiadores de campanha. No órgãos dos três Poderes, todos na esfera estadual.
caso da Comissão de Minas e Energia da Câmara, Essa esfera foi escolhida porque a federal concentra-
por exemplo, foram encontrados 12 integrantes ria a análise em Brasília, e a municipal dispersaria o
com campanhas financiadas por empresas do ramo. resultado e dificultaria o monitoramento. No Poder
“Na medida que tem essas informações, o jornalis- Executivo, os órgãos escolhidos foram o gabinete do
ta começa a traçar mapas, produzindo informações governador, a Secretaria de Justiça e a Secretaria de
próprias”, afirmou Krieger. “A idéia de poder sentar- Segurança Pública. No Judiciário, foi o Tribunal de
se à frente do computador e começar ali a ser sujeito Justiça, e no Legislativo, as Assembléias Legislativas
da própria apuração, sem depender do favor de nin- de cada estado. No total, 11 informações distintas
guém, é particularmente sedutora”. foram pedidas a esses órgãos.
Papel da Imprensa 125

Aos gabinetes dos governadores foi solicita- da “transparência total” no gabinete do gover-
do o valor das diárias pagas a todos os integran- nador do Amazonas e na Secretaria de Justiça
tes do Poder Executivo estadual. Às secretarias de de Roraima. A Secretaria de Justiça e a Polícia
Segurança Pública foram requeridos dados como o Militar de Tocantins e a Secretaria de Justiça
efetivo de policiais civis e militares distribuído por de Pernambuco forneceram também informa-
área geográfica. “Nossa intenção era fazer a compa- ções completas, mas só depois do envio da car-
ração entre os locais, observando se existe mais efe- ta registrada. “É interessante ver que isso ocorreu
tivo nos bairros nobres e capitais do que em bairros em localidades que são taxadas ainda de pouco
de periferia e cidades menores”, explicou a repórter transparentes; situadas fora de São Paulo, Rio de
do jornal A Tarde. Janeiro e Distrito Federal”, comentou a jornalista.
Às secretarias de Justiça foram pedidas infor- A região Norte teve a melhor média de retorno,
mações como o número de vagas existentes em uni- e os estados do Paraná e Rio Grande do Sul, na
dades prisionais do estado e o número total de pre- região Sul, não forneceram uma única resposta.
sos. A demanda aos tribunais de Justiça envolveu o Na primeira fase, apenas 1,25% dos consultados
valor de diárias pagas aos magistrados em viagens. deu informações completas, e 13,6% apresenta-
Para as Assembléias Legislativas, foi pedido também ram dados incompletos. Depois do envio da carta,
o valor de diárias pagas e os gastos com viagens em na segunda fase, 2% dos órgãos ofereceram infor-
cada gabinete e na presidência. Os requerimentos mações completas, e 8,4%, incompletas10.
foram inicialmente feitos por telefone, e-mail e fax. “Além de solicitar os dados, é importante
Na segunda fase, as solicitações foram realizadas insistir”, explicou a repórter. Por isso, 84,8% dos
por meio de carta protocolada ou registrada, fazen- voluntários mantiveram os contatos nas primei-
do referência ao fato de a Constituição Federal asse- ras fases, conseguindo um retorno de 52% das
gurar o acesso a informações públicas. Na terceira Secretarias de Justiça e 40% das Secretarias de
etapa, foram enviados ofícios em nome da Abraji Segurança Pública. Essas duas instâncias foram
fazendo os pedidos. consideradas as mais acessíveis entre os órgãos
Ao final de todas as fases, apenas 3,6% dos pesquisados. Para Katherine, isso mostra que,
125 órgãos de 24 unidades da Federação conta- com exceção dos gabinetes de governadores, o
tados forneceram os dados solicitados de forma
integral, e 22% deles apresentaram respostas par- 10 Os dados não somam 100% porque citam apenas uma parte do
universo pesquisado, ou seja, a categoria dos que forneceram infor-
ciais. Katherine Funke contou ter sido encontra- mação (de modo completo ou incompleto).
126 Acesso à Informação e Controle Social das Políticas Públicas

Poder Executivo é o mais transparente. Alguns vai parar naquele sistema, a informação fica cada vez
tribunais de Justiça, que não forneceram os mais confiável”, ressaltou Krieger.
dados, questionaram a garantia constitucional de Por isso, disse, é muito difícil se achar um
acesso a informações. Em Pernambuco, o tribunal erro no Siafi, pois não se trata de um sistema
citou como justificativa para o não-fornecimento de informação para jornalistas, mas de um sis-
um decreto do ex-presidente Fernando Henrique tema para o governo controlar contas e contra-
Cardoso que não está mais em vigor. “Mais da tos. “Qualquer erro nele será um erro na conta-
metade dos órgãos consultados não ofereceu bilidade oficial”, aponta Krieger, ressaltando que
nenhuma explicação para o não-fornecimento de isso reforça a importância do acesso rotinizado a
dados, só desculpas esfarrapadas”, contou a jor- informações públicas.
nalista. A intenção da Abraji é prosseguir com Katherine Funke lembrou que alguns ban-
o estudo, fazendo solicitações de informações a cos de dados oficiais, como o Datasus, da área da
outros órgãos públicos para mensurar o avanço saúde, apresentam o problema da subnotificação.
ou não no acesso a esses dados. Alimentado por municípios e estados com dados
sobre mortalidade e morbidade, o Datasus reflete
A qualidade das muitas vezes a falta de registro na base das infor-
informações fornecidas mações. “A atualização é aos poucos, conforme as
Tanto Gustavo Krieger quanto Katherine Funke afir- informações se consolidam, e por isso um jorna-
maram serem necessários cuidados no trato de infor- lista precisa checar se o dado recebido é mais ou
mações divulgadas por órgãos públicos. “A primeira menos atual”, salientou a repórter do A Tarde.
recomendação é desconfiar sempre”, disse o jornalista No caso de doenças como a Aids, explicou, é bom
do Correio Braziliense. “Essa é uma característica do o repórter fazer uma comparação dos dados obtidos
bom repórter, sobretudo quando se lida com órgão com o histórico dos registros da enfermidade, para
público”. Ele explicou que o risco de fornecimento verificar se as informações seguem uma tendência, se
de uma informação errada diminui quando se tra- são coerentes. É também possível checar dados com
ta de acesso a dados sistematizados, que não foram especialistas e gestores públicos. “Nem sempre todos
somente produzidos para serem entregues ao jorna- os dados oficiais são confiáveis, mas temos esses meca-
lista. “Se os dados de viagem de um governo estão nismos de comparação”, salientou Katherine. “Sozinha
sendo alimentados num determinado sistema, e a a informação não representa nada, ela precisa ser con-
cada vez que alguém faz uso de uma diária esse dado textualizada e deve ser avaliada de maneira crítica”.
Papel da Imprensa 127

DEPOIMENTO

,BUIFSJOF'VOLF

Informação pública contra a impunidade


Uma reportagem que publicamos em um cader- Público para saber se a denúncia havia sido acatada
no especial sobre exploração sexual infantil, que e apresentada ao Judiciário. No Judiciário, verifica-
GPJ VN EPT WFODFEPSFT EP  $PODVSTP 5JN -P- mos se houve alguma condenação. O resultado foi
pes de Jornalismo Investigativo, partiu justamen- lastimável: em 10 anos, tivemos apenas três ou qua-
te da busca por informações que estavam dis- tro condenações.
poníveis, mas nunca haviam sido sistematizadas. Isso mostra que há informações disponíveis, ain-
A idéia era saber quantas pessoas denunciadas da que não sistematizadas, e que os jornalistas não
por exploração sexual infanto-juvenil em Salva- podem se limitar a lamentar as dificuldades para
dor tinham sido condenadas, nos últimos 10 anos. encontrar uma pessoa que fale sobre determina-
Como era de esperar, ninguém possuía esse dado do assunto e responda à determinada pergunta. É
para nos passar. importante que o profissional de imprensa saiba da
Fomos primeiro à Polícia Civil e levantamos al- suas funções e busque este tipo de informação.
guns dados sobre o número de inquéritos abertos
relacionados a esse crime. A partir desses inqué-
ritos, descobrimos se a denúncia foi oferecida ao Katherine Funke
Ministério Público. Aí nos dirigimos ao Ministério é repórter do jornal A Tarde.
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out. 1999. Bank, 2002, p.27-44. Siafi: www.tesouro.fazenda.gov.br
Fundada em 1993, a ANDI articula uma proposta ino- tas, guias de fontes de informação, clippings e bole-
vadora de mídia para o desenvolvimento, baseada na tins temáticos.A ANDI também estabelece diálogo
promoção e no fortalecimento de um diálogo qualifi- permanente com um amplo leque de atores sociais,
cado e ético entre jornalistas, atores ligados à agenda incentivando-os a manter uma relação profissional e
social e a sociedade em geral, especialmente no que pró-ativa com a imprensa.
diz respeito aos direitos de crianças e adolescentes. t Qualificação – ao mesmo tempo em que mobi-
O modelo de Comunicação para o Desenvolvimento liza a mídia e as fontes de informação, a Agência
implementado pela ANDI se baseia em três grandes utiliza diversas ferramentas que contribuem para
eixos de ação: qualificar a atuação desses públicos. Entre esses
tMonitoramento e Análise – a Agência acompanha recursos estão oficinas e seminários temáticos,
regularmente a produção editorial de 54 jornais de a série de livros Mídia e Mobilização Social e o
todo o País e quatro revistas de circulação nacional. InFormação – Programa de Cooperação para a
A partir desse material, elabora análises quanti-qua- Qualificação de Estudantes de Jornalismo.
litativas sobre a cobertura das principais temáticas As metodologias desenvolvidas pela ANDI cons-
relacionadas ao universo infanto-juvenil. tituem hoje uma tecnologia social que vem sendo rea-
tMobilização – os jornalistas e veículos de comuni- plicada tanto em diferentes estados brasileiros (Rede
cação são estimulados a contribuir com o debate de ANDI Brasil, presente em 11 estados) quanto inter-
políticas públicas dirigidas à população infanto-ju- nacionalmente (Rede ANDI América Latina, presente
venil, através do oferecimento de sugestões de pau- em 13 países).
ARTICLE19

A ARTIGO 19 é uma organização não governamen- são e de informação. Além disso, a ARTIGO 19 reali-
tal de direitos humanos que possui o mandato espe- za análises jurídicas de normas nacionais, desenvolve
cífico de trabalhar na promoção e defesa da liberdade modelos de legislação destinados a auxiliar o traba-
de expressão e do acesso à informação. Fundada no lho de organizações da sociedade civil e governos no
ano de 1987 em Londres, seu trabalho é dividido em desenvolvimento de normas adequadas de proteção e
cinco programas regionais – África, América Latina, propõe ações de litígio junto a cortes domésticas ou
Ásia e Europa – e um programa jurídico. Atualmente a órgãos do sistema internacional.
ARTIGO 19 tem sua sede em Londres, no Reino Unido, No Brasil, a ARTIGO 19 realiza atividades na
e escritórios regionais em Bangladesh, Brasil, México, área de acesso à informação desde 2005 e desde feve-
Nepal, Quênia e Senegal. Além disso, a ARTIGO 19 reiro de 2007 possui um escritório na cidade de São
desenvolve trabalhos através de parcerias com 52 orga- Paulo. Atualmente as atividades da ARTIGO 19 no
nizações nacionais em mais de 30 países na Europa, Brasil dividem-se nos núcleos de acesso à informação
África, Ásia, América Latina e Oriente Médio. e de liberdade de expressão.
As estratégias de atuação da ARTIGO 19 incluem O nome da ARTIGO 19 vem da Declaração
advocacy e campanhas; monitoramento e pesqui- Universal de Direitos Humanos que em seu artigo 19
sa; e atividades de formação. No âmbito jurídico, a determina que “todo ser humano tem direito à liber-
ARTIGO 19 produz padrões legais que visam servir dade de opinião e expressão; este direito inclui a liber-
de parâmetro para o fortalecimento do marco nor- dade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar,
mativo e das práticas em temas como regulamentação receber e transmitir informações e idéias por quais-
da mídia, radiodifusão pública, liberdade de expres- quer meios e independentemente de fronteiras.”
SDS, Ed. Boulevard Center, Bloco A sala 101
CEP: 70.391-900, Brasília - DF, Brasil
Telefone: +55 (61) 2102.6508
FAX: 61-2102.6550
E-mail: www.andi.org.br
Acesso à Informação
e Controle Social das
Políticas Públicas
O direito à informação, expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos e
na Constituição Federal brasileira, se configura como o direito de todo indivíduo ac-
essar informações públicas em poder do Estado. Essa proposição tem como base a
própria noção de democracia, vinculada à capacidade de os cidadãos participarem
de forma efetiva dos processos de decisão que afetam diretamente sua vida.
No Brasil, a garantia do direito à informação é dificultada pela ausência de uma
lei que regulamente obrigações, procedimentos e prazos para a divulgação de in-
formações por parte das instituições públicas.
Com base nessas constatações, a presente publicação apresenta:
t 0TQSJODJQBJTFMFNFOUPTEPEFCBUFTPCSFPBDFTTPËJOGPSNBÎÍPOP
cenário brasileiro.
t 6NBCSFWFWJTÍPEPDBNJOIPUSJMIBEPQPSPVUSBTOBÎÜFT OPTFOUJEPEFSFHV
lar o acesso à informação.
t 6NB EJTDVTTÍP TPCSF BDFTTP Ë JOGPSNBÎÍP EP QPOUP EF WJTUB EF KPSOBMJTUBT 
atores da sociedade civil e representantes governamentais reunidos no semi-
nário Controle Social das Políticas Públicas e Acesso à Informação: Elementos
Inseparáveis.
t 6NBTÏSJFEFBSUJHPTFYDMVTJWPTBTTJOBEPTQPSFTQFDJBMJTUBTOBUFNÈUJDB

Realização: Apoio:

UK Department
for International
ARTICLE19 Development –
DFID

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