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2016 || 1

Risco da empresa e caso fortuito externo

Ana FRAZÃO*

RESUMO: O presente artigo pretende estabelecer uma base teórica inicial


acerca dos critérios a serem levados em consideração na responsabilidade
objetiva pelo risco. Partindo do desenvolvimento dos conceitos de risco e
nexo causal, faz-se necessário o oferecimento de parâmetros coerentes para a
distinção entre fortuito interno, que não afasta a responsabilidade da
empresa por ser inerente ao risco, e fortuito externo, capaz de afastar a
responsabilidade por ser considerado exterior ao risco. A revisão da doutrina
e da jurisprudência aponta para a necessidade de se equilibrar a
imperatividade do ressarcimento da vítima com a possibilidade de controle
do risco. Para tanto, são úteis critérios econômicos como previsibilidade,
calculabilidade e possibilidade de gerenciamento do risco, verificando os
possíveis graus de cuidado a serem adotados em cada contexto fático.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil; Responsabilidade objetiva; Risco;


Gerenciamento de risco; Caso fortuito.

SUMÁRIO: 1. Introdução; – 2. Caso fortuito interno e externo no contexto das


discussões sobre caso fortuito e força maior; – 3. Risco da empresa e o
problema do nexo causal; – 4. Responsabilidade subjetiva e objetiva: da
culpa ao risco; – 5. Risco, equidade e dignidade da pessoa humana; – 6. A
perspectiva econômica do risco; – 7. Risco e dever de cuidado; – 8.
Excludentes de responsabilidade; – 9. Conclusões.

ENGLISH TITLE: Business Risk and External Fortuitous Event

ABSTRACT: This paper intends to establish an initial theorical basis about


the criteria of strict liability due to risk. Starting from the development of
the concepts of risk and causation, it is necessary to offer coherent
parameters for the distintion between the internal fortuituos event, which
cannot uphold the company’s liability for it is inherent to the risk, and the
external fortuituos event, which is able to uphold liability for it is external
to the risk. The review of literature and case law shows it is necessary for
the analysis of risk on strict liability to try to balance the need to
compensate the victim and the possibility of risk control. To that effect,
economical criteria such as foreseeability, calculability and the possibility
of risk management are useful, considering the possible degrees of care to
be taken in each concrete case.

KEYWORDS: Tort law; strict liability; risk; risk management; fortuitous


event.

CONTACTS: 1. Introduction; – 2. Internal and external fortuitous event and


the discussions on fortuitous event and force majeure; – 3. Company risk
and the problem of causality; – 4. Liability based on fault and strict
liability: from fault to risk; – 5. Risk, fairness and human dignity; – 6. The
economic perspective of risk; – 7. Risk and due care; – 8. Tort defenses; –
9. Final remarks.

*
Advogada e Professora de Direito Civil e Comercial da Universidade de Brasília – UnB. Ex-Conselheira do
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica (2012-2015). Ex-Diretora da Faculdade de Direito
da Universidade de Brasília (2009-2012). Graduada em Direito pela Universidade de Brasília – UnB,
Especialista em Direito Econômico e Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Mestre em Direito
e Estado pela Universidade de Brasília – UnB e Doutora em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUCSP.
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1. Introdução

As discussões sobre a força maior e o caso fortuito, que sempre foram centrais para o
sistema de responsabilidade civil subjetiva, foram ampliadas com a chamada
responsabilidade objetiva, cujo advento exigiu novas reflexões sobre o nexo causal e o
risco. Nesse sentido, fez-se imperioso encontrar um critério delimitador entre o
chamado fortuito interno, inerente ao risco, e o fortuito externo, alheio ao risco e,
consequentemente, suscetível de afastar a responsabilidade.

Entretanto, passado mais de um século desde o surgimento da responsabilidade


objetiva, ainda são consideráveis as controvérsias e indefinições a respeito da noção de
risco, bem como sobre em que medida o caso fortuito pode afastar ou não a
responsabilidade. É no contexto dessas preocupações que se situa o presente artigo,
cujo objetivo é tentar oferecer parâmetros coerentes para a compreensão do risco e, a
partir daí, para a diferenciação entre o fortuito interno e o externo.

Para isso, buscar-se-á, inicialmente, apontar as insuficiências do conceito tradicional de


causalidade e os objetivos da responsabilidade pelo risco para, em um segundo
momento, mostrar que a solução do problema depende de um correto balanceamento
entre critérios jurídicos, como a equidade e a dignidade da pessoa humana, de um lado,
e critérios econômicos, como a previsibilidade, a controlabilidade e o gerenciamento do
risco, de outro.

Ao final, tentar-se-á utilizar o arcabouço teórico desenvolvido para delimitar com


melhor precisão a diferença entre os dois tipos de caso fortuito, inclusive por meio da
análise crítica de alguns precedentes recentes do Superior Tribunal de Justiça e do
Tribunal Superior do Trabalho.

2. Caso fortuito interno e externo no contexto das discussões sobre caso


fortuito e força maior

Para a melhor compreensão da distinção entre caso fortuito interno e externo, é


importante revisitar as discussões mais abrangentes sobre força maior e caso fortuito,
expressões normalmente utilizadas para se referir a fatos naturais ou humanos que, por
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serem inevitáveis e irresistíveis, deveriam afastar ou pelo menos atenuar a


responsabilidade civil.1

Os debates a respeito do caso fortuito e da força maior iniciaram-se no direito romano,


no âmbito do qual nunca houve maior clareza sobre se seriam hipóteses semelhantes ou
distintas, embora a elas já se atribuísse o efeito de exoneração do devedor.2 Essa
ambivalência terminológica persiste até hoje, apesar de nunca ter tido maiores
repercussões nem para o direito brasileiro nem para o direito estrangeiro, que tendem a
ver os dois conceitos como sinônimos.3

Não é sem razão que o artigo 393 do Código Civil brasileiro, mantendo a redação do
Código de 1916, prevê que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”,
acrescentando o parágrafo único que o caso fortuito ou de força maior “verifica-se no
fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

Como se pode observar do arcabouço normativo brasileiro, a exemplo do que ocorre em


vários outros países, não há distinção legislativa entre a força maior e o caso fortuito,

1 Omitiu-se o requisito da imprevisibilidade em razão das controvérsias a seu respeito. Como explicam
Geneviève Viney e Patrice Jourdain (VINEY, Geneviève; JOURDAIN, Patrice. Les conditions de la
responsabilité. Paris: L.G.D.J., 2006. pp. 278-280), a jurisprudência francesa é muito rigorosa em relação
ao requisito da irresistibilidade, mas é bastante flexível em relação ao requisito da imprevisibilidade, ora
entendendo que até as piores catástrofes seriam previsíveis, ora entendendo que seria suficiente um fato
razoavelmente imprevisível.
2 É o que ensina Moreira Alves (MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. 6.ed. 2.v. Rio de Janeiro:

Forense, 1997. v.2, p. 40).


3 Segundo Colin e Capitant, a força maior pode ser compreendida como obstáculo à execução da obrigação

que resulta de força estranha (force étrangère), enquanto o caso fortuito consiste em obstáculo interno,
proveniente das condições do próprio agente, como seria o caso dos acidentes de trabalho (em que há culpa
da vítima). Todavia, os autores admitem que não há grande interesse em distinguir os dois conceitos, à
medida que ambos têm por objetivo exonerar da responsabilidade. (COLIN, Ambroise; CAPITANT, Henri.
Cours élémentaire de droit civil français. 7.ed. Paris: Dalloz, 1932. v. 2, p. 73). Para Théophile Huc, tanto
caso fortuito como força maior são causes étrangères, isto é, externas ao agente afetado, sendo caso
fortuito o acidente produzido por uma força física irracional em condições imprevisíveis (c’est l’accident
produit par une force physique inintelligente, dans des conditions qui ne pouvaient être prévues par les
parties); ao passo que a força maior é um fato de terceiro que cria obstáculo para a execução da obrigação
que a boa vontade do devedor não pode superar (c’est le fait d’um tiers, vis major, qui a créé à l’éxecution
de l’obrigation um obstacle que la bonne volonté du débiteur n’a pu surmonter). Huc, da mesma forma
que Colin e Capitant, acaba admitindo que as duas expressões são, de qualquer forma, empregadas uma
em lugar da outra (HUC, Théophile. commentaire théorique & pratique du code civil. Paris: Cotillon, 1894.
v. 7, p. 201). A compreensão de Huc sem dúvida inspirou a de Washington de Barros Monteiro, para quem
a força maior resulta “de eventos físicos ou naturais, de índole ininteligente”, enquanto o caso fortuito
decorreria de “fato alheio, gerador de obstáculo que a boa vontade do devedor não consegue superar, a
exemplo da greve, do motim e da guerra” (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil:
direito das obrigações. 32.ed. Sâo Paulo: Saraiva, 2003. v. 4, p. 318). Não é outra a opinião de Demolombe,
para quem ambas as expressões, embora muitas vezes empregadas, separadamente ou cumulativamente,
uma em lugar da outra, ou mesmo como sinônimas, procuram igualmente expressar a ideia de causa
estranha que não pode ser imputada ao devedor (cause étrangère, qui ne peut être imputée au débiteur).
(DEMOLOMBE, Charles. Traité des contrats ou des obligations conventionelles em général. Paris:
Imprimerie Génerale, 1877. v.1, p. 549).
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sendo ambas hipóteses associadas a fatos cujos efeitos são necessários e inevitáveis.4 A
generalidade da previsão possibilita que a regra incida sobre todas as hipóteses de
responsabilidade: contratual ou extracontratual, subjetiva ou objetiva.

Em qualquer que seja a seara, a grande controvérsia em torno dos dois conceitos diz
respeito aos seus pressupostos caracterizadores, para o fim de se saber quando
afastarão a responsabilidade. É por esse motivo que o Código Civil francês, em seu art.
1.147, adota a noção de causa exterior – cause étrangère – como pressuposto da
exclusão da responsabilidade.

Sendo assim, o direito francês põe em destaque a questão principal em torno do tema:
saber em que medida a força maior ou o caso fortuito podem ser considerados alheios
ao dano. Somente assim serão excludentes de responsabilidade, raciocínio que é
igualmente aplicável ao fato de terceiro ou da vítima.5 Nas demais ocasiões, poderiam
funcionar, no máximo, como redutores da indenização.

No Brasil, da mesma maneira, a discussão tem como foco principal saber quando a
força maior ou o caso fortuito podem afastar a responsabilidade. Daí se recorrer à
noção de fortuito externo, que, a exemplo da cause étrangère, é aquele suscetível de
afastar a responsabilidade, em contraposição à noção de fortuito interno, que não se
mostra como excludente de responsabilidade.

Tal controvérsia, no que diz respeito à empresa, está diretamente associada à


responsabilidade pelo risco,6 seara na qual é importante encontrar um critério
distintivo entre fatos inevitáveis e irresistíveis que são exteriores à atividade
empresarial daqueles que lhe são internos,7 como se examinará no próximo capítulo.

3. Risco da empresa e o problema do nexo causal

4 A circunstância de as duas expressões serem usadas como sinônimas é ressaltada por Agostinho Alvim
(ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1955. p.
335) e Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 10.ed. Rio de
Janeiro: GZ Editora, 2012. p. 397-398), dentre outros.
5 Geneviéve Viney e Patrice Jourdain (Les conditions, cit, pp. 252-254) explicam que os tribunais elaboram

uma distinção entre a cause étrangère e os conceitos de força maior e caso fortuito, pois somente na
primeira hipótese poderia haver uma total exoneração de responsabilidadade. Assim, podem ser causas
exteriores a força maior, o caso fortuito, o fato da vítima ou o fato de terceiro, mas não necessariamente o
serão.
6 Não obstante a existência de diferentes tipos de responsabilidade objetiva, o foco do presente artigo será

na modalidade pelo risco.


7 A compreensão do fortuito interno como algo inerente ao risco da empresa é defendida por Agostinho

Alvim (Da inexecução, cit., p. 336) e Anderson Schreiber (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da
responsabilidade civil: da erosão dos filtros à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007. p. 64), dentre
outros.
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A discussão sobre o que é interno ou externo ao risco da empresa não pode ser
enfrentada sem uma prévia reflexão em torno do nexo causal, considerado um
pressuposto fundamental de todas as formas de responsabilidade civil, seja para
determinar a autoria do dano, seja para determinar a extensão deste.

Diante da importância do nexo causal, estabeleceu-se o entendimento corriqueiro de


que a única diferença entre a responsabilidade subjetiva e a objetiva seria a necessidade
do ato ilícito na primeira, já que o dano e o nexo causal seriam pressupostos
indispensáveis de ambas.8

Entretanto, essa assertiva é uma forma exageradamente simplória de tratar o


problema, especialmente se a causalidade for vista a partir de uma noção naturalística.
Com efeito, se tal abordagem já precisaria ser revista mesmo no âmbito da
responsabilidade subjetiva – na qual a relação entre o devedor e o dano é mais
próxima, na medida em que intermediada pelo ato ilícito do primeiro –, com maior
razão deveria sê-lo nos domínios da responsabilidade objetiva, que adota vários
pressupostos que transcendem à noção de causalidade.

Verdade seja dita que muitas das controvérsias sobre o assunto vêm sendo atualmente
superadas pela ideia de que a causalidade é um juízo de imputação jurídica.9
Exatamente por isso, trata-se de questão essencialmente valorativa,10 que diz respeito à
identificação dos danos que podem ser imputáveis a alguém, de acordo com diversos
padrões jurídicos, tais como os de justiça e equidade.11

8 Ver, por todos, Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, cit., p. 106 e 356).
9 Conforme Caitlin Mulholland (MULHOLLAND, Caitlin. A responsabilidade civil por presunção de
causalidade. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2009. p. 95-97), é preciso diferenciar a causalidade material,
fática, da causalidade jurídica, caracterizada por um juízo de imputação. A busca pelo liame causal, na
verdade, consistiria na verificação da reprovabilidade da conduta pelo ordenamento jurídico, ou seja, se
existem justificativas para que haja obrigação de indenizar.
10 É o que sustenta Christian von Bar (BAR, Christian von. The common European Law of Torts. 2.v. Nova

Iorque: Oxford University Press, 2005. p. 438), segundo o qual a causalidade não é propriamente um
problema científico, mas sim uma questão a ser respondida por valoração. Em sentido próximo, adverte
Galgano (GALGANO, Francesco. Diritto Commerciale. Le società. Bologna: Zanichelli, 2004, pp. 371-372)
que o nexo causal não tem uma conotação apenas naturalística, mas principalmente jurídica, no sentido de
que o evento danoso deve aparecer, segundo a experiência comum, como consequência imediata e direta
do ato ilícito.
11 Segundo Zweigert e Kötz (KOTZ, Hein; ZWEIGERT, Konrad. Introduction to comparative law. Oxford:

Clarendon Press, 1995. pp. 301-302; 316), isso ocorre claramente no direito norte-americano, no qual a
análise do chamado nexo causal envolve critérios como oportunidade, equidade, certeza do direito e justiça
social, motivo pelo qual o ponto crucial da responsabilidade por ato ilícito consiste em definir, dentre os
inúmeros eventos danosos, quais devem ser transferidos do ofendido para o autor do dano, conforme às
ideias de justiça e de equidade dominantes na sociedade. No direito europeu continental, Carbonnier
(CARBONNIER, Jean. Droit Civil. Volume II (Les Biens. Les Obligations). Paris: Presses Uni Volume II
(Les Biens. Les Obligations). Paris: Presses Universitaires de France, 2004. pp. 2282-2283) mostra que a
causalidade não é uma simples coincidência temporal ou espacial, nem de aplicação de meros critérios
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As novas reflexões sobre a causalidade vêm sendo tão intensas que hoje se questiona
até mesmo a sua importância como critério definidor da responsabilidade.12 Por outro
lado, como se verá no capítulo seguinte, a própria construção da teoria do risco foi feita
intencionalmente para superar o referido critério.

De toda sorte, a convivência entre causalidade e risco não é simples. Afinal, no âmbito
da responsabilidade objetiva pelo risco, o juízo a ser feito é o de analisar se
determinado dano encontra-se ou não na esfera do risco de determinada atividade, pois
somente quando for alheio ao risco é que se poderá afastar a responsabilidade.

Sob essa ótica, até mesmo as excludentes de causalidade – como a força maior ou o
fortuito externo – passam a ser vistas não propriamente como fatos que rompem uma
causalidade naturalística, mas sim como fatos que, do ponto de vista valorativo, não
podem ser considerados como inerentes ao risco.

Daí se preferir utilizar, neste trabalho, da expressão excludentes de responsabilidade,


na qual podem ser enquadrados a força maior e o caso fortuito externo – que serão
utilizados como sinônimos –, bem como o fato da vítima ou o fato de terceiro.13 As duas
últimas hipóteses serão equiparadas ao fortuito externo quando puderem afastar a
imputação do dano ao empresário por serem igualmente consideradas exteriores ao
risco.14

O que precisa ser destacado é que o raciocínio a ser utilizado no diagnóstico ora
proposto não é se existe relação causal entre a conduta do empresário e o dano, mas
sim se há pertinência entre o dano e o risco daquela atividade. Na melhor das
hipóteses, poder-se-ia cogitar de causalidade entre o risco e o dano, mas, mesmo assim,
tal relação teria que ser avaliada por parâmetros distintos daqueles utilizados nas

lógicos, mas problema resolvido pela jurisprudência empiricamente, por meio de uma noção de
causalidade mais moral do que material.
12 Geneviève Viney e Patrice Jourdain (Les conditions, cit., pp. 184-187) dedicam parte de sua obra à

análise das tendências favoráveis à substituição do critério da causalidade.


13 Geneviève Viney e Patrice Jourdain (Les conditions, cit., pp. 184-185) mostram que certos autores,

notadamente na Alemanha, na Suíça e nos Estados Unidos, propõem substituir a noção de causalidade
pela de equidade, embora tal postura seja extremamente criticada. Em revanche, especialmente na França,
a teoria do risco ganhou grande esplendor e é às vezes apresentada como substituta da noção de
causalidade.
14 As três causas – força maior ou caso fortuito, fato da vítima e fato de terceiro – são elencadas pela

doutrina nacional como excludentes de responsabilidade, sendo exemplos as opiniões de Aguiar Dias
(AGUIAR DIAS, José. Da responsabilidade civil. 2 v. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1944., v.1, p. 249-
270), Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, cit., p. 391-302), Serpa Lopes (SERPA LOPES,
Miguel Maria. Curso de Direito Civil. 6.v. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, v.2, pp. 456-466) e
Anderson Schreiber (Novos paradigmas, cit., p. 64).
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análises tradicionais sobre o nexo causal, mediante a devida compreensão do que é o


risco da empresa, assunto que será tratado no capítulo seguinte.

4. Responsabilidade subjetiva e objetiva: da culpa ao risco

Para se entender a ruptura que o advento da responsabilidade objetiva representou na


história da responsabilidade civil, é importante lembrar que a responsabilidade
subjetiva sempre esteve lastreada em um forte componente moral, que envolvia um
juízo de reprovação àquele que, podendo ter agido em conformidade ao direito, acabou
agindo de forma reprovável e culpável.15

No entanto, a substituição da força humana pela tecnologia das máquinas impôs uma
nova compreensão do problema. A partir do momento em que os acidentes de trabalho
passaram a ser inerentes às novas formas de exploração empresarial, tornou-se
insustentável imputar incondicionalmente aos empregados a responsabilidade pelos
danos daí decorrentes.16

Não foi por mera coincidência que a gênese das teorias do risco teve como preocupação
central a hipótese dos acidentes de trabalho, sendo obras precursoras nesse sentido as
de Raymond Saleilles e de Louis Josserand. Os dois autores assumiram o desafio de,
por meio de grande esforço interpretativo do Code civil francês, fundamentar a
responsabilidade por acidentes de trabalho no risco e não mais na culpa.

Para Saleilles,17 o deslocamento da responsabilidade subjetiva para a objetiva envolve a


mudança de uma perspectiva individualista para uma perspectiva social, que considera

15 O Traité de la Responsabilité Civile en Droit Français, de Savatier (SAVATIER, René. Traité de la


Responsabilité Civile en Droit Français. 2.v. Paris: Librairie générale de Droit et de Jurisprudence, 1939.
v.1, p.5) define a culpa como a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar
(l'inexécution d'un devoir que l'agent poouvai connaître et observer). A culpa comportaria, portanto, dois
elementos: (i) um objetivo, consistente no dever violado, seja um dever legal ou moral; (ii) um subjetivo,
consubstanciado na imputabilidade do agente. Georges Ripert (RIPERT, Georges. La règle morale dans les
obligations civiles. Paris: Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1927, p. 5-7), nesse sentido,
enfatiza a forte influência exercida pela moral sobre o direito no que diz respeito à imposição de obediência
a determinados deveres, inclusive na observância da boa-fé, o que acaba por se tornar um importante vetor
de solidariedade social.
16 A coexistência entre homens e máquinas multiplicava as mortes e lesões à medida que as próprias

máquinas acentuavam o número e a gravidade de danos. Não é sem razão que André Tunc (TUNC, André.
La responsabilité civile. 2.ed. Paris: Economica, 1989. p. 59-61) descreve esse período não somente como a
“era das máquinas”, mas também como a “era dos acidentes”. Os acidentes, portanto, podem ser
diretamente associados a elementos técnicos e intelectuais que não dependiam da culpa, mas de um risco.
Daí a insustentabilidade da premissa de que o trabalhador seria capaz de supervisionar suas máquinas por
inúmeras horas por dia sem nenhum momento de desatenção.
17 SALEILLES, Raymond. Les accidents de travail et la responsabilité civile: essai d’une théorie objective

de la responsabilité délictuelle. Paris: Librairie nouvelle de droit et de jurisprudence, 1897. p. 74.


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o homem como parte de uma coletividade e percebe suas interações com as


individualidades que o circundam.

Por essa razão, a teoria do risco de Saleilles18 tem como foco a responsabilidade dos
patrões e empresários, procurando romper com a causalidade em prol de uma relação
subjetiva de imputação, sob o fundamento de que a assunção voluntária dos negócios e
dos seus proveitos tem como consequência necessária a responsabilidade pelos riscos
correspondentes. É por essa razão que a sua opinião passou a ser conhecida como
“teoria do risco proveito” (risque profit).19

Já Josserand20 entendia que a ideia de responsabilidade civil envolve um ideal de


justiça distributiva. Daí por que, além de sugerir modificações no próprio conceito de
culpa,21 buscava substituí-la, em determinadas esferas, pela noção de risco,22
entendendo que deveria responder pelos danos aquele que criou o risco. Daí a sua
teoria ser conhecida por risco criado.

As vantagens da teoria do risco criado sobre a teoria do risco proveito23 justificaram sua
grande aceitação, tal como ocorreu com o Código Civil brasileiro.24 Vale ressaltar que
outras variantes de risco propostas pela doutrina não se afastam substancialmente das
noções de Josserand e Saleilles.25

O que há de significativo nas discussões sobre o risco é que, além de afastarem a culpa
como pressuposto da responsabilidade, elas subvertem a noção de causalidade, na
medida em que se apoiam em noções de equidade e justiça, bem como no papel da

18 SALEILLES. Les accidents de travail, cit., p. 54.


19 Assevera Saleilles (Les accidents de travail, cit., p. 79) que todo fato da atividade persegue um motivo
interessado, sendo que o mais comum será um interesse econômico perseguido para a vantagem de
alguém. Consequentemente, aquele que detém os proveitos deve acarcar com as perdas.
20 JOSSERAND, Louis. Evolução da Responsabilidade Civil. Revista Forense. v. 84, n. 454, p. 548-559,

abr. 1941. pp. 550-551.


21 Para as modificações do conceito de culpa, ver Josserand (Evolução, cit., pp. 552-556).
22 É interessante notar que a intenção de Josserand (Evolução, cit., p. 559) não era a de condenar a teoria

da culpa, mas sim de declarar sua insuficiência, admitindo a coexistência entre os dois modelos.
23 Para Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, cit., p. 372-379), a teoria do risco proveito

deveria ser eliminada, diante das dificuldades de sua aplicação, já que o exame do proveito envolveria um
fator subjetivo. Já a teoria do risco criado seria mais ampla do que a primeira e, exatamente por isso, mais
equitativa para a vítima.
24 A doutrina do risco criado, como indica Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, cit., p. 362-

363), foi acolhida pelo Código Civil de 2002 em seu art. 927, parágrafo único.
25 O desenvolvimento da teoria do risco levou, como aponta Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade

civil, cit., p. 371), à formação de subespécies que, por muitas vezes, são intituladas como se fossem teorias
autônomas, tais como o risco integral, o risco profissional, o risco proveito e o risco criado.
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responsabilidade civil como técnica de socialização de danos, especialmente no que diz


respeito à proteção dos membros mais fracos da sociedade.26

Tanto é assim que diversos autores analisam a responsabilidade objetiva a partir da


perspectiva de um “direito de danos”, cuja preocupação fundamental é com o
ressarcimento da vítima e não mais com a repressão do ofensor.27 Como bem resumem
Alpa e Bessone28, o dogma da culpa cede à socialização do risco, em um fenômeno de
progressiva socialização da responsabilidade.

Tal compreensão está igualmente relacionada à temática dos direitos fundamentais,


seja porque a socialização de danos é importante instrumento de realização de justiça
social, seja porque a própria responsabilidade civil passa a ser igualmente vista a partir
da sua finalidade de proteger a pessoa humana. Isso obviamente amplia os deveres e
responsabilidades de todos aqueles que exercem atividades de risco.

Qualquer que seja o viés ou enfoque adotado para a compreensão da responsabilidade


objetiva, será fundamental distinguir o fortuito interno do externo, a fim de se chegar a
um critério divisor entre o dano que está associado ao risco assumido e do qual se
extrai proveito daquele dano que é considerado exterior a tal risco.

Daí a importância da prévia reflexão sobre o risco, o que se buscará fazer nos próximos
capítulos, primeiramente a partir de uma abordagem jurídica, que valoriza a equidade e
a dignidade da pessoa humana, e depois sob uma abordagem econômica, que analisa o
risco como fator propulsivo da empresa.

5. Risco, equidade e dignidade da pessoa humana

26 Segundo Alvino Lima (LIMA, Alvino. Culpa e Risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, pp. 343-
347), a teoria do risco criado procura restabelecer a solidariedade e o equilíbrio dos patrimônios,
mitigando a insegurança material da vítima e a desigualdade manifesta entre os criadores de riscos e
aqueles que suportam os efeitos nocivos dos perigos criados. Em sentido semelhante, Wilson Melo da Silva
(SILVA, Wilson Mello. Responsabilidade sem culpa. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 203) ensina que a
responsabilidade objetiva seria antes de tudo um instrumento de coletivização dos riscos e de socialização
da responsabilidade em prol da ideia de justiça social. Christian von Bar (The common European Law of
Torts, cit., p. 359-363) também ressalta a relação entre a responsabilidade pelo “controle, direção e uso” e
a proteção dos membros mais fracos da sociedade.
27 Nesse sentido, ver: VENTURI, Thaís Gouveira Pascoalato. Responsabilidade civil preventiva: a proteção

contra a violação dos direitos e a tutela inibitória material. São Paulo: Malheiros, 2014. ZANITELI,
Leandro Martins. Direito de danos e prioritarismo. Revista de estudos jurídicos UNESP. v. 18, n. 27, 2014.
p. 2.
28
ALPA, Guido; BESSONE, Mario. La responsabilità civile. Milano: Giuffrè Editore, 2001. pp. 10-22.
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Como já se viu no capítulo anterior, a conexão entre a responsabilidade objetiva pelo


risco e a equidade existe desde a sua gênese. Tanto é assim que Perelman29 aponta
como exemplo claro de aplicação da equidade pelas jurisprudências francesa e belga
precisamente a evolução da interpretação do art. 1.382 do Código de Napoleão, para
que a responsabilidade civil fosse imputada não somente àquele que agiu com culpa,
mas também àquele que originou o risco.30

No mesmo sentido, a doutrina costuma enfatizar a importância da responsabilidade


objetiva como instrumento de equidade,31 visão que casa perfeitamente com a
tendência atual de considerar a responsabilidade civil sob o enfoque mais amplo do
balanceamento de interesses conflitantes, da cessação do ilícito,32 da proteção dos
valores constitucionais33 e da busca por justiça e equidade.34

É certo que a equidade invocada para defender a responsabilidade objetiva


normalmente enfrenta a crítica de que, em nome da proteção da vítima, haveria o
sacrifício excessivo do responsável pela indenização. Este se transformaria em mero

29 PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 164.
30 Dispõe o art. 1382, do Código Civil francês, que todo e qualquer fato do homem que cause dano a outrem
obriga aquele, por culpa do que aconteceu, a repará-lo.
31 Para Trimarchi (TRIMARCHI, Pietro. Rischio e Responsabilità Oggettiva. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1961,

p. 37-38), a responsabilidade objetiva tem por função econômica a redução do risco socialmente
injustificado ao distribuir os encargos e benefícios de maneira a assegurar o bem estar social. Em sentido
semelhante, encontra-se a lição de Cees van Dam (European Tort Law, cit., p. 257), no sentido de que um
dos fundamentos da responsabilidade objetiva é a igualdade diante dos ônus sociais, já que os custos de
atividades socialmente importantes, mas perigosas, não podem ser atribuídos apenas ao pouco afortunado
indivíduo que arbitrariamente está sofrendo o dano, mas devem ser suportados pela sociedade ou pelo
grupo específico envolvido na atividade. Othon de Azevedo Lopes (LOPES, Othon de Azevedo.
Responsabilidade Jurídica. Horizontes, teoria e linguagem. Sao Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 284)
conclui, em face de todas essas discussões, que “o cerne da chamada responsabilidade objetiva está,
portanto, na equidade”.
32 Geneviève Viney (Les conditions, cit., pp. 94-95) leciona que a cessação do ilícito é geralmente

apresentada pela doutrina francesa como uma variante da reparação in natura. Renan Lotufo (LOTUFO,
Renan. Código Civil Comentado. Volume I. São Paulo: Saraiva, 2004. v.1, p. 508) menciona igualmente o
chamado “efeito paralisante” da responsabilidade civil.
33 Merece destaque o ensinamento de Guido Alpa (ALPA, Guido. Manuale di Diritto Privato. Pádua:

Cedam, 2005 p. 872) no sentido de considerar dano injusto a lesão de qualquer interesse diretamente
tutelado pela Constituição (direito à saúde, direito de propriedade), qualquer interesse expressamente
tutelado pela lei e, ainda, qualquer interesse que, comparado com aquele do causador do dano, resulta
mais merecedor de tutela. Tal orientação é visível nas hipóteses de violação à pessoa humana, motivo pelo
qual sustenta Perlingieri (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008, pp. 678-679) que, diante do “processo de erosão do direito subjetivo como critério
de seleção dos danos ressarcíveis em razão de um fato ilícito”, a ressarcibilidade dos danos deve estar
associada ao valor da pessoa humana e dos interesses a ela relacionados.
34 De acordo com Christian von Bar (The common European Law of Torts, cit., p. 223; 244) a questão da

responsabilidade civil ultimamente depende dos fatos do caso individual e de se saber se a atribuição do
dano é equitativa, justa e razoável, o que faz com que até a culpa seja analisada no contexto dos interesses
conflitantes. Em sentido semelhante, destaca Van Dam (European Tort Law, cit., p. 125-126 e 181) que a
responsabilidade civil diz respeito ao balanceamento de interesses de indivíduos, motivo pelo qual as
cortes, ao decidirem casos, não estão apenas tratando dos requisitos formais de responsabilidade, mas
também estão sendo dirigidas por seu senso de justiça, já que a responsabilidade civil é um ramo especial
da arte do balanceamento.
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instrumento para a satisfação do lesado, tendo a sua ação tratada como mero fato,35
sem a apreciação dos aspectos voluntarísticos e morais da sua conduta.

Entretanto, tais óbices podem ser contornados quando se entende que a


responsabilidade pelo risco exige a análise da sua assunção voluntária.36 Sob essa ótica,
reforça-se a importância das excludentes de responsabilidade, pois os elementos
estranhos ao risco estão evidentemente fora daquilo que foi voluntariamente assumido
pelo empresário. Na verdade, as referidas excludentes são fatores que modulam a
rigidez da responsabilidade objetiva, compatibilizando a equidade e a necessidade de
ressarcimento da vítima com o aspecto da intenção e do valor moral das ações humanas
de assunção de risco.

Daí as inúmeras reservas ao chamado risco integral, que trata a conduta humana como
um fato, não admitindo excludentes de responsabilidade nem avaliando quaisquer
aspectos voluntários inerentes ao risco criado. Por essa razão, trata-se de uma
concepção extremada da responsabilidade objetiva, que deve ser afastada no direito
privado, pois, como ensina Caio Mário da Silva Pereira,37 enseja a responsabilidade
mesmo no campo do incontrolável e do aleatório.

Assim, é necessário prosseguir com o esforço de se delimitar a extensão do risco como


elemento deflagrador da responsabilidade objetiva, propósito que exige o exame dos
elementos econômicos do risco assumido pelo empresário, matéria que será tratada no
capítulo seguinte.

6. A perspectiva econômica do risco

Além dos aspectos já mencionados, há uma outra dimensão do risco que precisa ser
analisada com cuidado: a econômica, segundo a qual o risco é o elemento objetivo que
dá sentido à empresa e justifica a remuneração do empresário.38

35 Por essa razão, vários autores de peso recusaram-se a aceitar os fundamentos da responsabilidade
objetiva, como é o caso de Georges Ripert (La règle morale, cit., pp. 218-223) e dos irmãos Henri e Léon
Mazeaud (MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Léon. Traité théorique et pratique de la responsabilité civile
délictuelle et contractuelle. 4.ed. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1947. pp. 364-370).
36 Othon de Azevedo Lopes (Responsabilidade jurídica, cit., p. 320) aponta que somente a concepção

equivocada do positivismo e do neopositivismo pode permitir que a responsabilidade objetiva tratasse


ações humanas como fatos, advertindo que a própria origem das teorias objetivas não ignoravam os
aspectos subjetivos da conduta, até por enfatizarem o risco proveito ou o risco criado.
37 PEREIRA, Responsabilidade Civil, cit., p. 372.
38 O risco é, na verdade, uma das definições de empresa, fazendo parte de seu sentido econômico,

conforme à lição clássica de Asquini (ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. v. 35, n. 104, p. 109-126, out./dez. 1996, p. 110).
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Para a adequada compreensão do assunto, é importante lembrar que, do ponto de vista


histórico, a noção de risco sempre foi acompanhada dos atributos de previsibilidade e
calculabilidade.39 É por essa razão que Frank Knight,40 no seu clássico livro sobre o
tema, diferencia o risco da incerteza porque o primeiro, ao contrário da última, está
sujeito a certo domínio e cálculo.

Assim, do ponto de vista econômico, compreender o risco pressupõe identificar algo


que pode ser minimamente calculado, controlado e gerenciado. Como ensina Stephen
Perry,41 não há como dissociar o risco do cálculo probabilístico, motivo pelo qual a
previsibilidade do dano precisa ser considerada como um pressuposto necessário da
responsabilidade.42

É interessante notar que o fundamento econômico não é incompatível com os


fundamentos jurídicos da assunção voluntária e da equidade. Na verdade, reforça estes
últimos, na medida em que legitima a atribuição da responsabilidade àquele que
assumiu voluntariamente o risco e tem condições mínimas de prevê-lo, calculá-lo e
administrá-lo, o que abrange a possibilidade de transferi-lo ou diluí-lo adequadamente
por diversos mecanismos, como os seguros ou o preço final dos produtos ou serviços.

Por outro lado, o fundamento econômico mostra a dificuldade de se responsabilizar o


empresário pelas meras incertezas, já que, mesmo sob a ótica da responsabilidade
objetiva, a previsibilidade e a calculabilidade dos danos são fatores fundamentais e
constitutivos do próprio risco. Logo, são importantes parâmetros para a compreensão
dos fortuitos externos, os quais, na terminologia de Frank Knight, podem ser
relacionados aos danos decorrentes das meras incertezas.

Por mais que as fronteiras entre o risco e a incerteza nem sempre sejam claras, é
inequívoco que, quanto mais um dano for previsível, suscetível de cálculo e controle
pelo empresário (alocação, transferência, gerenciamento), mais fácil é sustentar que se

39 Bernstein (BERNSTEIN, Peter L. Against the Gods: The remarkable story of risk. Nova Iorque, Wiley,
1998. p. 8) mostra que a palavra risco, da origem italiana risicare (ousar), começa a ser usada somente no
século XIII, para o fim de refletir uma mudança de mentalidade segundo a qual o futuro deixava de ser
visto apenas como destino ou predeterminação divina e passava a ser uma escolha a ser feita de acordo
com suas consequências possíveis.
40 KNIGHT, Frank. Risk, uncertainty and profit. Boston: Houghton Mifflin Company, 1921. pp. 231-232.
41 PERRY, Stephen R. Risk, Harm and Responsibility. In: OWEN, David. Philosophical foundations of Tort

Law. Nova Iorque: Oxford University Press, 2001, pp. 322-346.


42 Para isso, o autor (PERRY, Philosophical foundations, cit., p. 322-346) propõe duas formas de

compreensão do risco: (i) a objetiva, baseada no cálculo de probabilidades e (ii) a epistêmica, que procura
modular o risco objetivo com base em evidências que levem a um cálculo de razoabilidade. Entretanto, a
sua conclusão é que o único fundamento que poderia justificar a responsabilidade pelo risco é a
identificação de uma conduta considerada arriscada sob os dois critérios.
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trata de algo inerente à empresa. De forma contrária, quanto menos o dano for
previsível ou suscetível de cálculo ou gerenciamento, mais fácil é sustentar que ele não
corresponde ao risco da empresa, podendo ser atribuído a um fortuito externo.43

Nesse sentido, o European Group on Tort Law44 ressalta que apenas pode ensejar a
responsabilidade o dano característico do risco apresentado pela atividade e dela
resultante, propondo que a avaliação do risco seja feita não apenas pela gravidade do
dano, mas também pela sua frequência, o que pode ser determinado pela teoria das
probabilidades.

Tal compreensão, portanto, não apenas se liga à questão da equidade – que é conectada
com a assunção voluntária dos riscos –, como também à ideia de que a regulação
jurídica da atividade empresarial precisa encontrar mecanismos para que a
responsabilidade do empresário seja compatível com o risco criado e assumido, não
sendo exagerada a ponto de possibilitar uma responsabilidade descolada do risco, com
o efeito indesejável de retração da atividade empresarial.

A preocupação com a “justa medida” permeia, na verdade, as discussões recentes sobre


a responsabilidade civil mesmo na sua modalidade subjetiva, diante do reconhecimento
de que um agravamento injustificado do dever de indenizar pode levar a sérios
problemas econômicos,45 desestimulando o investimento empresarial e a assunção de
riscos considerados desejáveis.46

43 Para a delimitação do risco da empresa, a adoção de seguros é um importante critério considerado pela
jurisprudência do common law, conforme aponta Fleming (FLEMING JR, James. Accident liability
reconsidered: The impact of liability insurance. Yale Law Journal. v. 57, n. 4, p. 549-570, fev. 1948, p. 552;
559), além de contribuírem em larga medida para a prevenção de acidentes em razão da ação incisiva das
seguradoras para garantir a segurança, os custos das indenizações não recairão sobre os indivíduos que
incorreram em atos ilícitos, mas serão distribuídos pelo grupo de entidades segurado contra esse tipo de
risco.
44 EUROPEAN GROUP ON TORT LAW. Principles of European Tort Law. Wien: Springer Verlag, 2005,

pp. 105-106.
45 Como explica Christian von Bar (The common European Law of Torts, cit., p. 4), o direito delitual

somente pode operar como um sistema de compensação efetivo, sensível e justo se a responsabilidade
excessiva for evitada. É importante que ele não se torne um fator disruptivo no sentido econômico.
46 Este temor não é apenas uma conjectura, já que o regime de responsabilidade tem repercussão direta na

política de administração e investimento das empresas. Ponzanelli (PONZANELLI, Giulio. La


responsabilità civile: profili di diritto comparato. Bolonha: Il Mulino, 1992, p. 31) cita o exemplo da
indústria farmacêutica norte-americana, que teve uma verdadeira paralisia em termos de desenvolvimento
em decorrência do agravamento do seu regime de responsabilidade civil (overdeterrence). Para maiores
informações sobre os atuais horizontes da responsabilidade civil, ver Frazão (FRAZÃO, Ana. Função social
da empresa: Repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Rio
de Janeiro: Renovar, 2011. p. 226-237).
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Um dos critérios que têm sido propostos para se encontrar essa "justa medida" é a
possibilidade de prevenção do dano47 e os custos respectivos. Aliás, desde a publicação
da obra seminal de Calabresi48 – Costo degli incidenti e responsabilità civile –, é
necessário ver a responsabilidade civil igualmente sob a ótica dos custos dos danos e
dos custos para preveni-los. Daí a proposta do autor49 de que os custos dos acidentes
devem ser imputados àqueles que podem evitá-los da forma mais barata,
incorporando-os ao preço final dos produtos e serviços.50

A partir daí, a análise econômica do direito vem propondo que as regras de


responsabilidade procurem assegurar níveis eficientes de prevenção dos danos.51
Consequentemente, o indivíduo que poderia evitar um acidente pelo menor custo
possível – o cheapest cost avoider – deve ser considerado responsável pelo dano dele
decorrente, ainda que tenha tomado os devidos cuidados.52

A análise econômica do direito fortalece a noção de risco a partir da previsibilidade,


calculabilidade e gerenciamento, adicionando à reflexão a questão dos custos
respectivos. Mais do que isso, realça a importância da prevenção tanto na
responsabilidade subjetiva como na objetiva, já que o último modelo é voltado
igualmente para se chegar a níveis eficientes de prevenção.53

47 Nesse sentido, é importante ressaltar alguns dos critérios da jurisprudência norte-americana para avaliar
o risco, como apontados por Keating (KEATING, Gregory C. The Theory of Enterprise Liability and
Common Law Strict Liability. Vanderbilt Law Review. v. 54, p. 1285-1335, 2001, pp. 1323-1325), a partir
do caso Ira S. Bushey & Sons v. United States, em que se entendeu que o empregador deve ser responsável
pelos danos característicos de suas atividades, uma vez que tem condições de adotar medidas para
prevenção e mitigação dos riscos, além de poder assumir e repassar os custos decorrentes dessas medidas.
48 CALABRESI, Guido. Costo degli incidenti e responsabilità civile: analisi econômico-giuridica. Milão:

Giuffrè Editore, 1975.


49 CALABRESI, Costo degli incidenti, cit., p. 401.
50 É importante destacar que o próprio Calabresi (Costo degli incidenti, cit., p. 401.) propõe o que chama

de um “sistema misto”, que seria mais satisfatório do que o sistema da responsabilidade pela culpa, pois
busca a redução dos custos dos acidentes e ao mesmo a satisfação do nosso senso de justiça. Como o autor
trabalha também com diferentes tipos de custo, a premissa da sua teoria é a de que deveria ser responsável
aquele que tem condições de evitar os acidentes de forma mais econômica e que é suficientemente grande
para fracionar os custos na medida suficiente para evitar o que chama de "custos secundários", que são os
custos que a sociedade deve pagar em decorrência dos acidentes em si. Alpa e Bessone (La responsabilità
civile, cit., p. 558) resumem a teoria de Calabresi como sendo aquela que parte da premissa de que a
distribuição ótima dos custos dos acidentes deve ser organizada de modo que a responsabilidade e o risco
recaiam sobre aquele que tem melhores condições de realizar aquele escopo e incorporar tal custo no preço
do produto.
51 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia. Tradução: Luis Marcos Sander e Francisco

Araújo da Costa. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 332.


52 A solução mais eficiente para a questão imposta pela responsabilidade objetiva é que o cheapest cost

avoider arque com a responsabilidade, sendo consideradas variáveis como o grau de infomação acerca dos
riscos – o que em larga medida está relacionado ao tamanho da empresa – também para a definição do
avoider. Mesmo em situação de riscos concorrentes, o avoider será aquele que mais facilmente poderia
evitar os riscos, consoante as lições de Stephen Gilles (GILLES, Stephen G. Negligence, Strict Liability, and
the Cheapest Cost-Avoider. Virginia Law Review. v.78, n. 6, p. 1291-1375, sep. 1992. pp. 1292-1295) e
Satish Jain (JAIN, Satish Kumar. Economic Analysis of Liability Rules. Nova Déli: Springer, 2015, p. 37).
53 Cooter e Ulen (Direito & Economia, cit., pp. 334-348) mostram que a responsabilidade subjetiva, em

princípio, é mais adequada para proporcionar incentivos para que autor e vítima tomem precauções
eficientes, já que, na responsabilidade objetiva, apenas o autor do dano tem incentivos para a prevenção.
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É certo que, na atualidade, ganham destaque as discussões sobre a precaução, como


algo superior à prevenção, na medida em que incluiria perigos não conhecidos, como é
o caso dos chamados riscos do desenvolvimento.54 O grande problema dessa concepção
é que ela dissocia o risco do seu elemento de previsibilidade e gerenciamento,
equiparando-o, para efeitos de responsabilização, à mera incerteza.

Ora, impor responsabilidades ao empresário por danos que não fazem parte do risco
voluntariamente assumido e ainda são insuscetíveis de previsão, cálculo ou
gerenciamento tem um efeito econômico devastador para a atividade empresarial,
ainda mais no contexto atual, em que os estímulos para o investimento financeiro são
muitas vezes mais atrativos do que para o investimento produtivo.

Daí a necessidade de que o elemento de previsibilidade e controlabilidade seja utilizado


no estabelecimento das excludentes de responsabilidade, porque tal exame envolve, na
verdade, a própria delimitação do risco empresarial. Tal questão, como já se viu, é de
extrema complexidade, já que as discussões relacionadas à justiça e à equidade não
podem desconhecer os necessários aspectos e desdobramentos econômicos.

7. Risco e dever de cuidado

Como já se viu dos capítulos anteriores, a discussão sobre as excludentes de


responsabilidade envolve a prévia compreensão do que é o risco empresarial. Somente
a partir daí é possível saber em que medida a força maior ou o caso fortuito, o fato da
vítima ou o fato de terceiro são estranhos ao risco, de modo a afastar a
responsabilidade, ou são inerentes ao risco, hipótese em que a responsabilidade não
poderá ser afastada, podendo-se, no máximo, cogitar de alguma redução da
indenização.

Daí defenderem que o modelo objetivo é preferível quando somente o autor do dano pode tomar
precauções contra acidentes. Ao induzir os autores de dano a colocar em seu nível eficiente cada variável
que afete a probabilidade de um acidente, o modelo objetivo tanto induz a prevenção eficiente como um
nível de atividade igualmente eficiente.
54 De fato, como aponta Teresa Ancona Lopes (LOPES, Teresa Ancona. Responsabilidade Civil na

Sociedade de Risco. In: LOPES, Teresa Ancona; LEMOS, Patrícia Faga Iglesias; RODRIGUES JR., Otavio
Luiz. Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo:
Atlas, 2013. p. 6), enquanto a prevenção diz respeito ao perigo conhecido, a precaução já indica o “risco do
risco”, do qual podem surgir danos graves e irreversíveis. É o caso dos chamados riscos de
desenvolvimento, cuja descoberta não era possível pelo estado dos conhecimento técnico à época da
introdução de determinado produto ou serviço no mercado. De acordo com Marcelo Junqueira Calixto
(CALIXTO, Marcelo Junqueira. O art. 931 do Código Civil de 2002 e os riscos do desenvolvimento. Revista
Trimestral de Direito Civil. v. 21, p. 53-93, jan./mar. 2005. p. 85), existem, aqui, dois requisitos para a
configuração de um risco de desenvolvimento: (i) um requisito temporal, referente ao momento que deve
ser considerado para a análise do estado da técnica; e (ii) um requisito técnico, referente ao critério de
avaliação do estado da técnica.
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O capítulo anterior procurou mostrar a importância de algum grau de previsibilidade e


controle do dano mesmo para a atribuição da responsabilidade objetiva pelo risco. É
por esse motivo que a avaliação da pertinência entre o dano e o risco pressupõe
igualmente a análise do dever de cuidado exigível na situação sob exame.

Para a análise proposta, explicam Viney e Jourdain,55 com base na experiência da


jurisprudência francesa, que deve ser considerada a capacidade de previsão do homem
normalmente prudente para verificar se todas as medidas exigíveis foram tomadas
diante do que seria razoavelmente previsível, em raciocínio que também se aplica às
hipóteses de fato de terceiro ou da vítima.

Não obstante a complexidade da questão, que está sujeita a diversas gradações e


nuances, é possível afirmar que, quanto mais difícil e custoso for evitar ou ao menos
gerenciar determinado dano, por maior que seja o dever de cuidado adotado, mais
razões existirão para se cogitar da existência de um fortuito externo. De forma
contrária, quanto mais fácil e barato for evitar ou ao menos gerenciar determinado
dano, mais razões existirão para se cogitar de um fortuito interno.

Tal conclusão é particularmente interessante por realçar que aspectos volitivos e


subjetivos concernentes à conduta do empresário não podem ser expurgados da análise
da responsabilidade pelo risco. Por outro lado, a análise da responsabilidade pelo risco
a partir da violação ao dever de cuidado exigível do empresário acaba aproximando a
da responsabilidade subjetiva, o que causa uma estranheza inicial.

Entretanto, no atual estágio da reflexão sobre a responsabilidade civil, observa-se


facilmente que esse suposto impasse – que corromperia, em última análise, os critérios
distintivos tradicionais entre a responsabilidade objetiva e a responsabilidade subjetiva
– não causa preocupação. Na verdade, já é até visto com certa naturalidade, diante do
reconhecimento de que as diferenças entre duas searas não são tão marcantes como se
pensava outrora.

Christian von Bar,56 por exemplo, é um dos que defende que a diferença entre os dois
tipos de responsabilidade projeta-se menos no aspecto qualitativo e mais no aspecto
quantitativo, motivo pelo qual ambos agem essencialmente da mesma maneira, com a

55 VINEY; JOURDAIN, Les conditions, cit., pp. 279-280.


56 BAR, The common European Law of Torts. cit.. pp. 353-355.
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única diferença de que a responsabilidade objetiva demandaria mais previsibilidade e


cuidado. Por essa razão, o autor57 diagnostica que a distinção entre os dois tipos de
responsabilidade vem perdendo terreno na Europa e que, no futuro, será abandonada
em prol de um sistema comum entre ambas, sendo uma das evidências desse processo
os casos de fato da vítima, que podem reduzir o valor da indenização nos dois regimes.

Em sentido semelhante, Cees van Dam58 sustenta que a interpenetrabilidade entre os


dois tipos de responsabilidade, que se acentua gradativamente com a ideia de culpa
normativa, baseada na violação do dever de cuidado, faz com que não haja mais uma
clara distinção entre ambos na prática, de forma que, quanto maior o dever de cuidado
a ser aplicado em certos casos de culpa, menor será a diferença entre os dois.
Consequentemente, o autor59 também compartilha da conclusão de que a distinção
entre os dois tipos de responsabilidade é datada e que a responsabilidade civil do século
XXI conceberá os dois sistemas em uma perspectiva de cooperação.

Por fim, ainda merece menção a opinião de Richard Epstein,60 ao também concluir que
a responsabilidade subjetiva que envolve um alto standard de cuidado tende a
convergir, em seus resultados, com a responsabilidade objetiva, ainda que possam
divergir na maneira da apresentação e na prova.

Assim, são corretas as conclusões do European Group on Tort Law61 de que a


responsabilidade subjetiva e a objetiva são muito mais um contínuo do que
propriamente duas categorias. Tal afirmação é especialmente relevante nas atividades
que envolvem um alto grau de cuidado, situação em que os dois tipos tendem a
convergir em termos de resultado.

Tais considerações são importantes por mostrarem a necessidade da análise do dever


de cuidado mesmo na responsabilidade pelo risco, a fim de se perquirir sobre a
adequação das medidas que foram tomadas pelo empresário diante do que seria
razoavelmente previsível.

Consequentemente, os elementos de previsibilidade do dano e do cumprimento do


dever de cuidado correspondente não podem deixar de ser considerados mesmo na
responsabilidade objetiva, diante da sua importância para a delimitação do próprio

57 BAR, The common European Law of Torts, cit., pp. 364-365.


58 DAM. European Tort Law. cit.. pp. 255-257.
59 DAM, European Tort Law, cit., pp. 264-265.
60 EPSTEIN, Richard. Torts. New York: Aspen Publishers,1999. p. 333.
61 EUROPEAN GROUP ON TORT LAW. Principles, cit., p. 101.
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risco. Por mais que possam e devam ser vistos sob um viés mais rigoroso do que aquele
existente na responsabilidade subjetiva, até porque se projetam sobre um dever de
cuidado igualmente mais exigente, não podem ser simplesmente ignorados, como se
buscará examinar no capítulo seguinte, que tratará da delimitação das excludentes de
responsabilidade a partir dos critérios já expostos, bem como de algumas de suas
aplicações práticas.

8. Excludentes de responsabilidade

O capítulo anterior procurou demonstrar que, em face dos elementos necessários para
a avaliação do risco empresarial, não são estranhas as situações em que as fronteiras da
responsabilidade pelo risco se entrecruzam com as da responsabilidade subjetiva,
especialmente quando o dever de cuidado for alto.

Por outro lado, as conclusões até aqui expostas mostram como uma série de aspectos
subjetivos precisa ser considerada para se saber o que pode ou não ser visto como
inerente ao risco de determinada atividade. É o juízo de pertinência ou não ao risco que
uniformiza as excludentes de responsabilidade, permitindo que a força maior ou o
fortuito externo, o fato da vítima e o fato de terceiro sejam tratados de forma
homogênea.62

Para se chegar à conclusão no sentido de que qualquer dessas hipóteses é exterior do


dano, infelizmente não há soluções fáceis ou apriorísticas. Todos os parâmetros gerais
já expostos precisam ser aplicados de acordo com a situação concreta do empresário e
da ocorrência do dano.

Como ensinam Viney e Jourdain,63 a jurisprudência francesa, mesmo diante de


fenômenos naturais como chuvas e nevascas, costuma ser muito atenta na apreciação
de todas as circunstâncias específicas do caso, tais como tempo, lugar, circunstâncias
econômicas, sociais e políticas, bem como as possibilidades de que dispunha o réu para
resistir ao evento (meios materiais, recursos, aptidões físicas, ajudas exteriores, etc).

62 Viney e Jourdain (Les conditions, cit., p. 281) propõem a discussão sobre se o fato de terceiro ou da
vítima precisa ser ilícito, caso em que poderíamos falar em culpa do terceiro ou da vítima, advertindo que a
resposta da jurisprudência não é clara, apesar de haver importantes decisões da Corte de Cassação na
década de 60 entendendo que basta o fato e não a culpa. Até por essa razão, o presente artigo continuará se
referindo ao fato da vítima e do terceiro, por entender que a culpa deles pode ser irrelevante.
63 VINEY; JOURDAIN, Les conditions, cit., p. 275.
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É necessário também fazer uma distinção entre as pessoas naturais e as jurídicas, pois
as últimas contam com uma organização própria e diversos mecanismos legais – como
separação patrimonial perfeita, gestão profissional, dentre outros – que possibilitam
um gerenciamento do risco muito mais amplo e sofisticado do que o realizado pelas
primeiras. Dessa maneira, o critério da irrestibilidade deverá ser analisado em
conformidade com as perspectivas de administração do risco que decorrem da própria
personalização.

É necessário também examinar o porte da empresa, para o fim de se aferir a real


possibilidade de previsão, cálculo e gerenciamento de risco. Afinal, como destacam
Alpa e Bessone,64 a imposição de um critério uniforme de responsabilidade objetiva
pode transformar-se em tratamento privilegiado da grande empresa, especialmente nas
hipóteses em que o empresário for pessoa jurídica, que pode mais facilmente calcular
riscos e custos, em detrimento das pequenas.

Em qualquer que seja o caso, o aspecto de uma possível e razoável previsão e


gerenciamento do risco é fundamental. É esse critério que fará com que, dependendo
do caso, mesmo fatos de terceiros ou da vítima não sejam considerados estranhos ao
risco, por serem previsíveis e controláveis pelo empresário.65

Vale ressaltar que a controlabilidade do risco não diz respeito apenas à possibilidade de
evitar o dano, mas também à possibilidade de gerenciá-lo adequadamente. Daí por que
são questionáveis as decisões jurisprudenciais de que assaltos à mão armada em
coletivos, apesar de previsíveis e habituais, seriam fortuitos externos à atividade da
transportadora, por serem inevitáveis.66 Afinal, o critério isolado da inevitabilidade do
dano pode funcionar bem como excludente de responsabilidade subjetiva, mas não
necessariamente como excludente de responsabilidade pelo risco.

Ora, se os fatos são previsíveis e sujeitos a cálculo e gerenciamento pela empresa


transportadora que age com os padrões adequados de cuidado, existem bons motivos
para considerá-los como fortuitos internos, ainda que a empresa tenha tomado as

64 ALPA; BESSONE. La responsabilità civile, cit., p. 533.


65 Arsenault (ARSENAULT, Pierre. La responsabilité civile délictuelle. Quebec: Les Edition Yvon Blais,
2002, p. 105) é claro no sentido de que, se o fato de terceiro era previsível, não há que se cogitar de
excludente de responsabilidade.
66 Foi o que entendeu o o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 823.101/RJ (STJ, REsp nº

823.101/RJ Rel. Min. Ari Pargendler, Data de Julgamento: 28.03.2006, Data de Publicação: DJ
18.04.2006), em que passageiro acabou sendo atingido por tiro em virtude de assalto a mão armada em
coletivo. O Tribunal afastou a responsabilidade da transportadora por entender que disparo de arma de
fogo é um fortuito externo, pois, apesar de ser previsível, diante da habitualidade da sua ocorrência em
determinadas linhas, seria inevitável.
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cautelas que lhes seriam exigíveis para evitar o dano. Por essa mesma razão, é correta a
jurisprudência trabalhista quando entende que os danos sofridos por motoristas de
ônibus em razão de acidentes de trânsito causados por terceiros são fortuitos internos,
já que se trata de risco inerente à atividade, tanto sob a ótica da previsibilidade, como
da controlabilidade.67 Da mesma forma, é acertada a posição adotada pela Súmula nº
479 do STJ, segundo a qual “as instituições financeiras respondem objetivamente pelos
danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros
no âmbito de operações bancárias”.

Merece um especial destaque a discussão em torno do fato da vítima, em relação à qual


há controvérsias em torno da própria possibilidade de ser considerada um excludente
de responsabilidade.68 Na responsabilidade pelo risco, o problema é mais grave do
aquele normalmente enfrentado no âmbito da responsabilidade subjetiva, na qual é
incontroversa a possibilidade de compensação entre os graus de culpa da vítima e do
ofensor tão somente para efeitos de redução da indenização.69 Já no âmbito da
responsabilidade pelo risco, há duas questões a resolver: (i) em que medida aquele fato
está compreendido ou não no risco e, (ii) estando o fato compreendido no risco, mas
tendo o risco sido agravado pela vítima, em que medida pode haver ao menos uma
redução da indenização, tal como ocorre na responsabilidade subjetiva.

No direito norte-americano, por exemplo, a culpa da vítima como causa de exoneração


da responsabilidade (contributory negligence)70 foi gradualmente superada em favor
da sua compreensão como causa de atenuação da responsabilidade e redução

67 Veja-se, dentre outros, os seguintes acórdãos do TST: TST, RR 39300-88.2006.5.17.0121 , Relator


Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 26.11.2012, 2ª Turma, Data de Publicação:
DEJT 07.12.2012; TST, RR 169-87.2012.5.09.002, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data
de Julgamento: 18.06.2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01.07.2014 e TST, RR 1749-
19.2012.5.03.0068, Rel. Min. Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 26.08.2015, 5ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 28.08.2015.
68 Viney e Jourdain (Les conditions, cit., pp. 698-699) explicam que os tribunais franceses jamais

acolheram o princípio segundo o qual a aceitação dos riscos pela vítima é, por si e de forma geral, um
motivo de exclusão de responsabilidade, motivo pelo qual vêm reconhecendo a responsabilização mesmo
quando a vítima está ciente dos riscos.
69 A culpa exclusiva da vítima consiste em ato ou fato exclusivo da vítima pelo qual fica eliminada a

causalidade no ato danoso. Na responsabilidade subjetiva, a culpa da vítima é tradicionalmente


considerada de acordo com seu grau, de modo a excluir ou atenuar a responsabilidade do agente, pois pode
ser exclusiva ou concorrente, a fim de se repartirem os encargos, conforme ao que aponta Aguiar Dias (Da
responsabilidade civil, cit., v.1, p. 265). No plano do fato da vítima, segundo Caio Mário da Silva Pereira
(Responsabilidade civil, cit., p. 392), insere-se a questão sobre o grau de consentimento da vítima no que
toca ao dano ou à aceitação de certos riscos, de sorte que a solução ideal seria especificar matematicamente
a contribuição da culpa da vítima para o efeito danoso.
70 A chamada contributory negligence, defesa que remonta a julgados do século XIX, (Butterfield v.

Forrester, 1808) afigurava-se de forma radical: tendo a vítima do dano agido em padrão abaixo exigido por
seu dever de cuidado, contribuindo em alguma medida para a concretização do resultado danoso que
sofreu, isso seria uma defesa total para o réu (no caso, o causador direto do dano), como explanou Peter
Swisher (SWISHER, Peter Nash. Virginia Should Abolish the Archaic Tort Defense of Contributory
Negligence and Adopt a Comparative Negligence Defense in Its Place. University of Richmond Law
Review. v. 46, n. 1, p. 359-372, 2011. p. 360).
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percentual da indenização (comparative negligence).71 Vale ressaltar que a


contributory negligence é utilizada também na responsabilidade objetiva (strict
liability), para o fim de reduzir a indenização,72 com base em juízos de equidade e de
justiça.73

Já na Europa, Christian von Bar74 mostra que, embora a contributory negligence


defense não possa ser usualmente deduzida das previsões do direito codificado, está
presente em várias previsões especiais, que admitem tanto o afastamento como a
redução do escopo da responsabilidade objetiva.

No Brasil, o fato da vítima, especialmente quando se traduz na assunção voluntária do


risco (assumption of risk),75 vem sendo considerado como excludente de
responsabilidade. Nesse sentido, destaca-se a famosa decisão do Superior Tribunal de
Justiça que afastou a responsabilidade da companhia ferroviária pelos danos sofridos
pelo “surfista ferroviário”. Os argumentos utilizados foram o de que a vítima assumiu
totalmente o risco e o de que seria inexigível e até mesmo impraticável a fiscalização
pela empresa.76

Diferente raciocínio foi utilizado no “caso pingente”, em que o lesado projetou o corpo
para fora do vagão, hipótese em que o Superior Tribunal de Justiça afastou a culpa

71 Ver Swisher (Virginia should abolish, cit., p. 360) e Abraham (ABRAHAM, Kenneth S. The forms and
functions of Tort Law. Nova Iorque: Foundation Express, 2007, p. 144; 151), que mostram claramente que,
especialmente nas últimas quatro décadas, a contributory negligence defense foi substituída pela
comparative negligence, a fim de reduzir a pretensão da vítima conforme a proporção da negligencia que
lhe é atribuída.
72 Por essa razão, da mesma forma que na comparative negligence – note-se, não na contributory – a

assumption of risk no direito norte-americano pode afastar totalmente ou apenas atenuar a


responsabilidade, de acordo com critérios de proporcionalidade, conforme percebido por Feldman e Stein
(2010, p. 259).
73 Abraham (The forms and functions, cit., pp. 159-160) mostra que, nas hipóteses de strict liability, o

objetivo do júri não é o de comparar culpas, como ocorreria na responsabilidade subjetiva, mas sim o de
buscar uma solução justa para o caso.
74 BAR, The common European Law of Torts, cit., pp. 550-551.
75 Esclarece Abraham (The forms and functions, cit., pp. 161-164) que a expressão assumption of risk pode

ser utilizada no direito norte-americano em diferentes contextos, sendo um deles o de conscious,


reasonable risk-taking. Para efeitos do presente trabalho, adota-se este.
76 Trata-se do REsp nº 261027/RJ (STJ, REsp nº 261027/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, Data de

Julgamento: 19.04.2001, 4ª Turma, Data de Publicação: DJ 13.08.2001). No entanto, é importante


registrar os votos vencidos dos ministros Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Jr. no caso. O Min. Ruy
Rosado colocou que apesar de o “surfista de trem” ser de uma imprudência que beira o dolo, não se pode
estimular tal conduta com o argumento da absoluta falta de controle, motivo pelo qual a omissão da
companhia ferroviária implicaria sua responsabilização. Já o Min. Aldir Passarinho Jr. reconheceu
concorrência de culpas, uma vez que tanto a companhia ferroviária se omitiu na vigilância como o
“surfista” teve conduta demasiado imprudente. Daí ter fixado o dever de indenizar da companhia em 20%
do quantum ressarcitório.
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exclusiva da vítima sob o fundamento de que haveria o dever da companhia de impedir


tais situações.77

O cotejo entre as duas decisões é interessante, porque mostra que os elementos de


assunção voluntária do risco pela vítima foram devidamente ponderados com os
elementos da previsibilidade do dano e do dever de cuidado que seria exigível da
companhia: somente quando se mostrou inexigível ou inviável a fiscalização, a
responsabilidade foi afastada. Dessa maneira, elementos como os relativos ao
parâmetro do cheapest cost avoider e à violação do dever de cuidado foram
acertadamente considerados na análise.

No que diz respeito aos acidentes de trabalho, a questão da culpa da vítima precisa ser
vista com atenção redobrada, tendo em vista que a própria responsabilidade pelo risco
foi criada para resolver o problema dos acidentes causados por descuidos dos
empregados, sob o fundamento de que tais situações estariam contidas no risco da
empresa. Por essa razão, não faz sentido afastar a responsabilidade quando o acidente
decorreu de mera culpa do empregado,78 já que isso faz parte, como regra, do risco da
empresa. Apenas em casos de dolo ou culpa grave do empregado, de forma a se criar
uma situação que não pudesse ser compreendida no risco, é que se poderia cogitar de
alguma excludente de responsabilidade.

Não é sem razão que o primeiro diploma normativo do ordenamento brasileiro a tratar
da responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho, o Decreto nº 3.724 de 1919, já
estabelecia, em seu art. 2º, que o acidente ocorrido em razão ou durante o trabalho
obrigava o patrão a pagamento de indenização “exceptuados apenas os casos de força
maior ou dolo da propria victima ou de estranhos”. Assim, não havia possibilidade de
que a mera culpa da vítima afastasse a responsabilidade empresarial.

Por outro lado, é importante refletir sobre as hipóteses em que o fato da vítima, seja em
casos de acidente de trabalho ou não, ainda que inerente ao risco da empresa, possa ser
considerado como fator de redução da indenização sempre que tiver agravado, de
forma desnecessária e injustificável, o risco. Em casos assim, é acertada a posição

77Foi o caso do REsp 259.261/SP (STJ, REsp nº 259.261/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Data
de Julgamento: 13.09.2000, 4ª Turma, Data de Publicação: DJ 16.10.2000), no qual o relator afirma que
“não há falar, portanto, em culpa concorrente, seja porque apenas a culpa exclusiva da vítima eximiria a
ferrovia da responsabilidade, seja porque a culpa contratual da empresa transportadora exclui a culpa
concorrente[...]”.
78 No AIRR 1299-26.2010.5.02.0472 (TST, AIRR nº 1299-26.2010.5.02.0472, Rel. Des. Convocado

Arnaldo Boson Paes, Data de Julgamento: 15.10.2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31.10.2014)
admitiu-se que o descuido do empregado, mesmo diante de condições inseguras de trabalho constatadas
por perito judicial, seria suficiente para caracterizar culpa exclusiva da vítima.
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defendida por Flávio Tartuce,79 que, por meio do que chama de teoria do risco
concorrente, propõe a redução equitativa da indenização, proporcionalmente à
participação do agente no dano perpetrado.

Vale ressaltar que o voto-vencido do Ministro Aldir Passarinho Júnior no caso do


"surfista ferroviário" já acolhia esse entendimento e, reconhecendo a concorrência de
responsabilidades, sob o fundamento de que a companhia ferroviária teria se omitido
na vigilância, entendia que o seu dever de indenizar deveria ser fixado em 20% do
quantum ressarcitório, diante da gravidade da culpa da vítima.

Em entendimento posterior sobre a hipótese de “pingente”, o STJ considerou o fato da


vítima como fator de redução da indenização. No julgamento do REsp 1034302/RS,80 a
Ministra-Relatora Nancy Andrighi entendeu que a concorrência de culpas não afasta o
dever da concessionária de transporte ferroviário de indenizar pelos danos materiais e
morais configurados, mas serve como fundamento para que as indenizações sejam
fixadas pelo critério da proporcionalidade, entendimento mantido em outros
julgamentos mais recentes.81

Dessa maneira, fica claro que as excludentes de responsabilidade apenas poderão ser
consideradas como tal, para o fim de afastar a imputação, quando forem consideradas
estranhas ao risco, a partir dos critérios anteriormente propostos. No caso específico de
fato da vítima, caso este seja inerente ao risco, a responsabilidade não poderá ser
afastada aprioristicamente, embora possa ser reduzida de acordo com o grau de
agravamento do risco pela vítima.

9. Conclusões

O presente artigo procurou demonstrar que, para efeitos da diferenciação entre o caso
fortuito interno e o externo, há de se buscar parâmetros mais adequados do que o nexo
de causalidade. Há de se ampliar a reflexão para entender adequadamente o que é
risco, qual é sua importância no cenário econômico e social e quais os fundamentos e
propósitos da responsabilidade objetiva em razão dele.

79 TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e risco: a teoria do risco concorrente. São Paulo:
Método, 2011. p. 264.
80 STJ, REsp nº 1034302/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 12.04.2011, 3ª Turma, Data

de Publicação: DJe 27.04.2011.


81 O entendimento também é encontrado em julgados mais recentes, a exemplo do REsp 1259799/SP (STJ,

REsp nº 1259799/SP, Rel. Min. Isabel Gallotti, Data de Julgamento: 05.08.2014, Data de Publicação: DJe
15.08.2014). Tal compreensão é diferente de julgados mais antigos, que, a partir da ideia de risco,
imputavam à companhia a responsabilidade total ou afastavam a responsabilidade.
civilistica.com || a. 5. n. 1. 2016 || 24

Sob essa perspectiva, ficou claro que, apesar do inequívoco comprometimento da


responsabilidade pelo risco com a equidade, não se pode expurgar da análise os
elementos voluntários de assunção do risco, bem como os elementos econômicos que
formatam o risco da empresa a partir dos critérios de previsibilidade, calculabilidade e
possibilidade de gerenciamento, análises que estão relacionadas também à questão dos
custos da prevenção dos danos e dos distintos e possíveis graus de dever de cuidado que
podem ser adotados pelo empresário para tal mister.

São esses os critérios que deverão ser usados ao se enfrentar aquele que é o grande
desafio responsabilidade pelo risco: encontrar o equilíbrio entre a necessidade de
ressarcimento da vítima com a valorização do empresário e a possibilidade de controle
do risco, sem o que é impossível haver um cenário minimanente compatível para o
investimento empresarial e para a assunção de riscos.

Dentro dessas preocupações, a discussão sobre o fortuito interno e externo é


fundamental, na medida em que permitirá dizer o que é inerente ao risco ou não,
parâmetro imprescindível para a determinação da responsabilidade do empresário
inclusive diante de fatos da vítima ou de terceiro.

Daí a preocupação do artigo com a indicação de critérios que, por mais que precisem
ser ajustados às peculiaridades do caso concreto, são um ponto de partida para a
identificação do que pode ser considerado risco da empresa, reforçando o necessário
compromisso do empresário com a indenização dos danos inerentes ao risco que ele
cria, controla e gerencia.

Esses mesmos motivos justificam o afastamento da responsabilidade do empresário


diante das incertezas, já que os eventuais danos daí decorrentes, por serem
insuscetíveis de controle pelo empresário, são fortuitos externos e, nessa condição,
devem ser endereçados por outras alternativas e soluções, de que é exemplo o sistema
de seguridade social.

Tal advertência é crucial, na medida em que a legítima preocupação com a satisfação da


vítima não pode chegar ao ponto de transformar a responsabilidade pelo risco criado
em uma responsabilidade que, próxima ao risco integral, seja arbitrária, ininteligível e
incontrolável, alternativa que, além de ser incompatível com a autonomia do
empresário, tem efeitos perversos sobre a atividade econômica.
civilistica.com || a. 5. n. 1. 2016 || 25

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Recebido em: 02.06.2016
Aprovado em:
03.06.2016 (1º parecer)
13.06.2016 (2º parecer)

Como citar: FRAZÃO, Ana. Risco da empresa e caso fortuito externo. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a.
5, n. 1, 2016. Disponível em: <http://civilistica.com/risco-da-empresa-e-caso-fortuito-externo/>. Data de
acesso.

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