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INTOXICAÇÃO BOTULÍNICA - BOTULISMO

1 INTRODUÇÃO

O botulismo é causado pela ação da neurotoxina produzida pelo Clostridium


botulinum. Muito embora classicamente o botulismo esteja associado unicamente à espécie
C. botulinum, existe citação na literatura de intoxicação alimentar através de "toxina
botulínica" produzida por C. baratii e C. butyricum (SEBALD, 1994; VARNA & EVANS,
1991).
Muito embora a história do botulismo seja mais recente, existem citações ao longo
da história da humanidade que sugerem que as preocupações com a enfermidade já
ocorriam por volta do século X D.C.. O Imperador Leo VI da Bizantina (Itália, Grécia,
Bulgária, Turquia, Egito, etc.), o qual reinou no período de 886 a 912, proibiu embutidos de
carne e sangue – sob a penalidade de multa e desmoralização em praça pública, dado à
ocorrência de morte após o consumo deste tipo de alimento.
No ano de 1793 o médico alemão Justinius Kerner - iniciou estudos sobre botulismo,
após a ocorrência de um surto com 13 casos e 6 óbitos em Wildebad na Alemanha, sendo
o alimento envolvido um embutido de sangue denominado morcela. Nessa época a
enfermidade era conhecida por “doença de Kerner”, tendo em vista que esse oficial de
saúde compilava dados que mostravam o envolvimento de embutidos.
O termo "botulismo" (“botulus” = embutido no Latim) foi criado no início do século
XIX, por médicos alemãs, a fim de designar este tipo de intoxicação causada pela ingestão
de embutidos. Nesta época, ocorreu um surto que acometeu 30 pessoas após consumo de
“Blunsem”, tipo de salsicha fervida e defumada, feita com carne, sangue de porco e outros
ingredientes (DICKSON, 1918). Inicialmente o termo só era usado nos casos de intoxicação
por embutidos, mas, posteriormente, foi estendido às intoxicações, por toxina botulínica,
associadas a ingestão de outros alimentos, como os de origem vegetal, dado que a
sintomatologia era semelhante.
O Clostridium botulinum foi isolado pela primeira vez por Emile Pierre Marie van
Ermengen, um bacteriologista da Universidade de Ghent, em 1895, a partir de uma amostra
de presunto pressupostamente envolvido em um surto ocorrido em Ellezelles, Bélgica, no
qual 23 pessoas apresentaram sintomas de botulismo. Este autor provou que a doença era
causada por uma toxina que podia ser produzida cultivando-se o bacilo em meio adequado.
O agente recebeu de van Ermenger a denominação de Bacillus botulinus.
Apesar de ser uma doença relativamente rara, houveram mais de 16.000 casos de
botulismo e mais de 2.700 mortes reconhecidas desde a sua descoberta, em 1890, como
uma intoxicação alimentar, por van Ermenger. O número de casos de botulismo e a
letalidade tem diminuído devido à utilização de soro, mas o botulismo ainda permanece
como importante doença com riscos à Saúde Pública, principalmente devido aos tipos de
embalagens desenvolvidas pelas indústrias de alimentos (McCLURE e cols. 1994).
2 ASPECTOS GERAIS

O agente (Clostridium botulinum), produtor da neurotoxina, pertence ao gênero


Clostridium, que se caracteriza por microrganismos em forma de bacilos, G+, catalase -,
formadores de esporos e anaeróbios obrigatórios. O gênero compreende mais de 80
espécies, com diferenças em características culturais, atividade metabólica e cadeia de
DNA, determinantes de doenças no homem e animais, incluindo:
- intoxicação alimentar
- tétano
- gangrena gasosa
- abcessos e etc.
O botulismo é raro, mas severo e com alta mortalidade. Ele é correntemente
considerado em 04 categorias:
1 Botulismo clássico - a partir da ingestão da toxina pré-formada (intoxicação alimentar);
2 Botulismo a partir de feridas - produção da toxina "in-vivo", a partir de uma ferida
infectada;
3 Botulismo infantil - elaboração da toxina a nível intestinal, a partir da colonização pelo C.
botulinum. Mais de 600 casos já foram descritos desde o seu descobrimento em 1976.
Pode ser produzido também pela toxina do C. baratii e C. butyricum (VARNAN &
EVANS, 1991).
Inquéritos epidemiológicos realizados em diferentes casos deste tipo de botulismo
demonstraram uma coisa em comum, a idade das crianças acometidas. Todos os casos
reportados diziam respeito a crianças com menos de um ano de idade. 95% desses casos
se tratavam de crianças com menos de 6 meses de idade e apenas 5% com idade entre 6
meses e um ano (MAYNARD, 1997). O quadro pode provocar confusão com septicemia ou
poliomielite. O mel já foi identificado como o fator de risco em estudos realizados nos EUA.
Já ocorreram casos na Austrália, Canadá, Europa e América do Sul. Nos EUA o
estado da Califórnia já foi responsável por 50% dos casos ocorridos no país, dado ao hábito
de oferecer mel a recém nascidos.
4 Botulismo não determinado - casos envolvendo pessoas com mais de um ano, nos
quais nem o alimento ou fonte de origem foi conhecida. Há evidências de que a
colonização intestinal ocorra de forma semelhante ao botulismo infantil.

3 TOXINAS E SUA FORMA DE AÇÃO (MECANISMOS DE PATOGENICIDADE)

A toxina do Clostridium botulinum é a mais potente toxina natural conhecida.


Pequenas quantidades podem levar a morte. Uma unidade-camundongo de toxina
botulínica é a quantidade capaz de matar 50% de camundongos de 18 a 20 gramas
testados. Um miligrama da toxina pode conter milhões de unidades-camundongo e, para o
ser humano, entre 30 e 40 unidades-camundongo para ser fatal. Assim, apenas
nanogramas de toxina pode deixar um indivíduo enfermo (IARIA, 1983; MAYNARD, 1997)
O C. botulinum produz 8 (algumas referências trazem como 7, não fazendo a
diferenciação entre C1 e C2) tipos de toxinas antigenicamente distintas mas que apresentam
as mesmas propriedades farmacológicas: A; B; C1; C2; D; E; F e G.
A toxina é uma proteína que consiste de uma única cadeia de polipeptídeos, com
peso molecular de aproximadamente 150.000 Daltons, que é quebrada por proteases
quando liberada da célula. As cepas proteolíticas de Clostridium botulinum são quem
produzem as proteases. No caso de cepas não proteolíticas, uma protease exógena está
envolvida, como a tripsina.
Os sintomas do botulismo são inteiramente causados pela ação da toxina. O
botulismo humano é causado mais freqüentemente pelos tipos A, B e E. O botulismo devido
ao tipo F é mais raro e devido aos tipos C e D parece envolver apenas animais. A toxina tipo
G também foi considerada inofensiva ao homem, embora pareça estar envolvida em cinco
inexplicáveis mortes súbitas (VARNAN & EVANS, 1991).

Síntese e ação da toxina


A produção de toxina parece não ser essencial ao crescimento e metabolismo do
Clostridium botulinum. Ela continua a ser formada mesmo depois de cessada a
multiplicação.
Relativamente, pouco toxina está presente nos filtrados de culturas de fase logarítmicas,
mas ela é liberada da célula durante a autólise. Assim, o título da toxina pode aumentar
mesmo quando não há crescimento celular.
A maioria das toxinas é reconhecida como substância neurofarmacológica. Há
evidências que a C2 não seja uma neurotoxina e que ela e a C diferem dos outros tipos
(VARNAN & EVANS, 1991).
As toxinas são resistentes às condições ácidas do estômago e, uma vez absorvida
no sistema digestivo, ganham a corrente circulatória e assim as sinapses nervosas,
determinando um bloqueio da ação da acetilcolina, desencadeando o processo de
contração (paralisia) da musculatura esquelética. Esta ação se dá em três etapas, sendo a
primeira em estágio de adesão à parede da sinapse nervosa em determinados receptores,
a segunda de translocação ou de penetração, envolvendo pinocitose e a terceira de
bloqueio completo da transmissão nervosa (VARNAN & EVANS, 1991).

4 CLASSIFICAÇÃO DO Clostridium botulinum SEGUNDO SUAS CARACTERÍSTICAS


FISIOLÓGICAS, TIPO DE TOXINA E ESPÉCIES SUSCEPTÍVEIS.

Dado à dificuldade de uma classificação baseada na toxina produzida - alguns


produzem mais de um tipo de toxina, o que daria grupos muito heterogêneos - as cepas de
C. botulinum se dividem em quatro grupos gerais, de acordo com suas características
culturais e fisiológicas.
As cepas do tipo A e a maioria das B são proteolíticas e suficientemente putrefativas
para dar origem a aparição de odores repugnantes em alimentos proteicos. Algumas do tipo
B e as E não os são.
As do tipo A e B podem também produzir toxina em alimentos pouco protéicos,
neste caso os sinais de deterioração não são facilmente percebidos a não ser pelo gás.

Classificação das cepas de Clostridium botulinum de acordo com suas


características fisiológicas (VARNAN & EVANS, 1991)

GRUPO I: inclui todas as cepas do tipo A e as B e F proteolíticas;


GRUPO II: inclui todas cepas do tipo E e as B e F não proteolíticas;
GRUPO III: inclui todas cepas dos tipos C e D (não são proteolíticas);
GRUPO IV: inclui as cepas do tipo G (proteolíticas).

Classificação do Clostridium botulinum segundo o tipo de toxina, espécie acometida


e distribuição na natureza.

TIPO ESPÉCIE ACOMETIDA VEÍCULO MAIOR INCIDÊNCIA

A HOMEM*; AVES CARNES; PEIXES EUA

B HOMEM; EQUINOS CARNES; FORRAGENS EUA; EUROPA

Calfa AVES VEGETAIS; AM. DO SUL,


CARCAÇAS (larvas) DO NORTE;
AUSTRALIA

Cbeta EQUINOS; OVINOS FORRAGENS; AM. DO NORTE;


CARCAÇAS EUROPA

D BOVINOS CARCAÇAS AFRICA; EUROPA;


JAPÃO

E HOMEM; AVES FRUTOS DO MAR AM. DO NORTE;


SELVAGENS EUROPA; JAPÃO

F HOMEM CARNES DINAMARCA


PRESERVADAS

G NÃO HOMEM SOLO ARGENTINO


IARIA (1983)
5 FATORES QUE AFETAM A GERMINAÇÃO DOS ESPOROS, A SOBREVIVÊNCIA E O
CRESCIMENTO DO Clostridium botulinum.

A grande importância do Clostridium botulinum nos alimentos deve-se à sua


capacidade de produzir esporos, os quais lhe permitem sobreviver aos processos de
conservação utilizados para destruir a microbiota não esporulante. O esporo bacteriano é o
mecanismo mais eficaz de sobrevivência da natureza. Os esporos de algumas cepas de
Clostridium botulinum sobreviveram por mais de 30 anos em meio líquido (HOFER &
DAVIS, 1972).
Com relação à toxina, esta apresenta a característica de ser sensível ao calor
(termolábil), sendo rapidamente destruída pela fervura. Ela é totalmente inativada pelo
aquecimento a 80oC por 30 minutos.

Termoresistência de alguns dos tipos de toxina produzidas pelo C. botulinum

TIPO TEMPERATURA (oC) TEMPO/DESTRUIÇÃO

A 80 30'' a 6'
72 2'' a 18'
65 10' a 85'
B 80 15'
C 80 30'

No que diz respeito aos esporos, temperaturas subletais podem torna-los mais
sensíveis a outros fatores de inibição, como nisina e cloreto de sódio. Por outro lado, a
lisozima, que está presente em muitos alimentos (ovos, peixes, vegetais), melhora a
recuperação de esporos submetidos a tratamento térmico. Há relatos que o crescimento
de Clostridium botulinum ocorreu em meios contendo lisozima mesmo após tratamento
térmico superior a 90oC por 10 minutos.
Em muitas circunstâncias, é difícil diminuir a quantidade de esporos de Clostridium
botulinum presentes nos alimentos sem usar altas temperaturas por tempo prolongado.
Este procedimento, no entanto, causa alterações organolépticas e nutricionais do produto.
Assim, é de extrema importância a associação de um tratamento térmico mais brando
com outros métodos de conservação (GRAHAM e cols., 1996).

Termoresistência dos esporos do Clostridium botulinum


TEMPERATURA TEMPO/DESTRUIÇÃO
o o
100 C (212 F) 6 HORAS
o o
105 C (221 F) 2 HORAS
110oC (230oC) 36 MINUTOS
115oC (239oF) 12 MINUTOS
o o
120 C (249 C) 4 MINUTOS

Fatores que influenciam a termoresistência dos esporos


↑ NaCl e/ou ↓ do pH diminuem a resistência

pH TEMPO/DESTRUIÇÃO DE ESPOROS A 100oC

7,0 330 MINUTOS

5,0 45 MINUTOS

3,7 10 MINUTOS

O pH é o fator de maior importância no controle do Clostridium botulinum. O pH


ótimo para o seu desenvolvimento varia de 6,8 a 7,0, e o limite superior é 8,5. Há
diferenças entre as cepas quanto ao limite inferior: 5,0 a 5,2 para cepas não proteolíticas
e 4,8 para cepas proteolíticas, embora existam trabalhos mostrando que cepas
proteolíticas são capazes de crescer em pH 4,0.
Estudos já demonstraram que em condições estritamente anaeróbias, o esporo do
Clostridium botulinum pode germinar, crescer e este produzir toxinas em pH menor que
4,6. A proteína de carne se mostra um substrato melhor que a proteína de soja sob
condições bastante ácidas, enquanto o ácido cítrico é um inibidor menos efetivo que o
ácido hidroclorídrico no mesmo pH (WONG e cols., 1988).
O valor de 4,6 (0,2 de segurança) era o parâmetro de segurança utilizado no sentido
de classificar os alimentos e preconizar o tratamento térmico: pH abaixo de 4,6 alimento de
alta acidez; pH acima de 4,6 alimento de baixa acidez. Hoje tem sido estabelecido o valor
de 4,0, tendo em vista que foi encontrado crescimento em 4,6 a nível laboratorial, conforme
discutido no parágrafo anterior.
Como se trata de um microrganismo anaeróbio estrito, o Clostridium botulinum
exige valores baixos de potencial de oxi-redução. Assim, o valor considerado ótimo está
próximo a -350mV, podendo haver crescimento em até Eh de + 150mV.
A redução da atividade de água é uma medida que ajuda no controle do
Clostridium botulinum. O nível mínimo que permite o desenvolvimento dos esporos e a
síntese de toxinas pelas cepas proteolíticas é 0,95 para o tipo A e 0,94 para o tipo B. As
cepas não proteolíticas são mais sensíveis, não crescendo em aw menor que 0,97.
Sob condições ideais, o nitrito pode exercer um poderoso efeito inibitório sobre o
Clostridium botulinum. O nível de inibição varia consideravelmente dependendo da
combinação de fatores que incluem NaCl, pH, temperatura de armazenamento, presença
de outros inibidores e nível inicial de contaminação. O nitrato, por sua vez, apesar de ser
um ingrediente tradicional da cura, não evita a esporulação de cepas proteolíticas de
Clostridium botulinum tipos A e B. No entanto, o efeito inibitório da produção de toxinas se
dá devido a formação de nitrito pela redução do nitrato.

6 Clostridium botulinum NO MEIO AMBIENTE

Esporos de Clostridium botulinum estão bastante distribuídos no meio ambiente e


podem ser encontrados em florestas ou solos cultivados, margens e fundo de rios, lagos
e águas litorâneas. No calor, a baixa do leito dos lagos e águas paradas de uma forma
geral, cria condições de anaerobiose e, se houver acúmulo de material orgânico, há
condições ideais de desenvolvimento do Clostridium botulinum. O organismo também
está presente no trato gastrointestinal de animais e nas brânquias e vísceras de peixes
(VARNAN & EVANS, 1991).
Apesar de haver muitos trabalhos descrevendo a incidência do Clostridium
botulinum no ambiente, os fatores que influenciam a distribuição dos esporos são pouco
estudados. Diferentes tipos de Clostridium botulinum prevalecem em diferentes
localizações geográficas. No oeste dos EUA, Brasil, Argentina e China, o tipo A
predomina, enquanto os esporos proteolíticos tipo B tendem a predominar no solo do
leste dos EUA e o tipo B não proteolítico na Inglaterra e Europa. O tipo E está
freqüentemente associado com água fresca e sedimentos marinhos, e está presente em
regiões do norte da Europa, Alasca, norte do Canadá e Japão. A maior incidência do tipo
E em regiões mais frias pode estar associada a suas características psicrotróficas
(McCLURE e cols., 1994).
Dos tipos que acometem os humanos, A, B e F normalmente são de origem
terrestre, enquanto o tipo E é mais comumente associado com o meio aquático.

6 ALIMENTOS COMUMENTE ASSOCIADOS COM O Clostridium botulinum

Os esporos de Clostridium botulinum estão presentes em muitos alimentos,


embora estejam em pequeno número. Isto não tem importância, a não ser que o alimento
seja ingerido por crianças ou adultos susceptíveis. Sob condições apropriadas, no
entanto, a germinação dos esporos pode ocorrer e, em seguida, o crescimento das
células vegetativas e a síntese de toxinas. Estas condições são bem definidas e o
botulismo tem, desta forma, tendência a estar associado com uma quantidade limitada de
alimentos, dos quais os enlatados destacam-se. Como o número de casos devido a
enlatados tem diminuído, outros tipos de alimentos que parecem não ter condições tão
apropriadas para a produção de toxinas podem estar envolvidos. Consequentemente,
nenhum alimento pode ser considerado seguro em relação a transmissão do botulismo.

Alimentos enlatados
Foram, por muitos anos, a maior causa de botulismo nos EUA e em todo o mundo.
Na maioria dos casos o processamento doméstico foi envolvido, ocorrendo em 72% deles
nos EUA entre 1899 e 1976 (VARNAN & EVANS, 1991).
Nos enlatados, o botulismo deriva ou do aquecimento insuficiente para a
destruição dos esporos, ou da entrada do organismo na lata após o aquecimento. A
maioria dos casos envolvendo enlatados comerciais tem sua origem no aquecimento
insuficiente.
Vários enlatados foram envolvidos em casos de botulismo. Alimentos pouco
ácidos estão envolvidos em maior freqüência, enquanto os alimentos muito ácidos são
envolvidos apenas quando o seu pH é elevado por algum motivo.

Carnes e derivados
Vários trabalhos têm mostrado que a incidência do Clostridium botulinum em
carnes é baixa, tendo sido isolado de bacon, presuntos, salsichas, frangos, etc. Carnes
curadas são produtos com risco potencial, principalmente em países onde a cura caseira
é bastante realizada.
A redução do nível de nitrito (para evitar a formação de nitrosamina) e de cloreto
de sódio (ou sua substituição parcial por outros sais) parece favorecer o desenvolvimento
do Clostridium botulinum.

Leite e derivados
O botulismo por produtos lácteos tem se restringido a queijos. Um caso de
botulismo tipo B foi atribuído a estocagem do queijo em temperatura elevada por longo
período (VARNAN & EVANS, 1971).

Peixes e mamíferos marinhos


A incidência do Clostridium botulinum em peixes varia de acordo com vários
fatores, incluindo o tipo de peixe, seu habitat e seus hábitos alimentares.
Como a vida útil do pescado é bastante curta, vários processos são realizados
para estender este tempo. Entre eles, está a embalagem com atmosfera modificada (75%
CO2 + 25% N2) e conservação sob refrigeração (4oC). No entanto, cepas não proteolíticas
de Clostridium botulinum são capazes de se desenvolver e produzir toxinas sob estas
condições, já que essas cepas estão bastante difundidas pelo meio aquático e marinho e
podem crescer em temperaturas tão baixas quanto 3,3oC.
O botulismo devido a peixes marinhos é um problema contínuo que envolve
pessoas nativas do norte do Canadá e Alasca. Os alimentos são preparados de forma
tradicional e o risco é bem conhecido (VARNAN & EVANS, 1991).
Vegetais
Os vegetais e produtos a base de vegetais foram responsáveis por 24% dos casos
de botulismo no mundo no período de 1950 a 1985 (NOTERMANS, 1993) e 51% dos
casos nos EUA no período de 1899 a 1977 (CDC, 1979). A maioria desses casos foi
causada pelas cepas proteolíticas do Clostridium botulinum tipos A e B. Em cada caso, o
alimento foi tratado de modo que permitiu a destruição quase total da microbiota
presente, e as condições criadas permitiram o crescimento do Clostridium botulinum. Os
fatores que contribuíram incluem mudanças na prática de manipulação e a criação de
novos produtos (produtos “light”, com baixos teores de cloreto de sódio).
Alimentos já incriminados – cebola em conserva, alho picado conservado em óleo,
ervilhas e feijão em conserva, entre outros.

Alimentos infantis
Inúmeros alimentos infantis já foram analisados em diversos trabalhos de
pesquisa. De todos eles, apenas o mel foi considerado como alimento de risco.
A tabela a seguir mostra diferentes tipos de alimentos envolvidos em surtos de
botulismo em diferentes países. Pode-se observar que os vegetais são a principal causa
de botulismo nos EUA e China. Na Europa (exceto Espanha e Itália), os surtos estão
envolvidos principalmente com o consumo de carnes, enquanto que os peixes são os
principais causadores em países como o Japão, o Irã e a antiga URSS. A tabela também
revela que os surtos estão basicamente envolvidos com alimentos preparados a nível
domiciliar.

Alimentos envolvidos em surtos de botulismo.


TIPO DE ALIMENTO (%) CONSERVAÇÃO (%)

País Surtos Carne Peixe Vegetais Outros Caseira Comercial


EUA 222 16 17 59 9 92 8
Canadá 75 72 20 8 0 96 4
Polônia 1500 83 12 5 0 75 25
Hungria 28 89 0 4 7 100 0
Alemanha 55 78 13 9 0 100 0
França 123 89 3 6 2 88 12
Itália 18 8 8 77 8
Espanha 48 38 2 60 0 90 10
URSS 83 17 67 16 0 97 3
Irã 63 3 97 0 0
China 958 10 0 86 4
Japão 95 0 99 1 0 98 2
Dados de HAUSCHILD (1992)

7 SINTOMAS DA INTOXICAÇÃO

INTOXICAÇÃO ALIMENTAR (Botulismo clássico)


O Período de Incubação varia de 12 a 72 horas, tendo sido relatado casos em que
este foi de 7 horas e outros de até 6 a 8 dias.
A "severidade" da doença pode variar com:
- resistência do hospedeiro
- tipo e quantidade de toxina ingerida
- tipo de alimento
Os primeiros sintomas consistem em transtornos digestivos agudos, seguidos de
náuseas, vômitos, diarréia, ao mesmo tempo fadiga, dor de cabeça e enfraquecimento.
Nos primeiros momentos pode ocorrer dupla visão, com dificuldade de falar e
engolir. Os pacientes se queixam de ter a boca seca e a musculatura da garganta
contraída.
A temperatura é normal ou inferior a normal.
Os músculos involuntários sofrem paralisia, estendendo-se até ao aparelho
respiratório e coração. A morte pode ocorrer por deficiência respiratória. A duração do
botulismo clássico é geralmente longa. Os sintomas e risco de vida estão freqüentemente
presentes por 10 dias ou mais. Nos casos não fatais, o quadro é seguido por uma lenta
recuperação. Nos casos fatais a morte sobrevem em geral de 3 a 6 dias
depois da ingestão do alimento.
Em locais onde o botulismo é relativamente comum, o histórico pode revelar o
consumo de alimentos previamente incriminados, o que direciona e facilita o diagnóstico
(inclusive com a possível detecção da toxina nas fezes). Em locais onde não é comum, os
sintomas levam a confusão com outras enfermidades.

BOTULISMO A PARTIR DE FERIDAS


Sintomas semelhantes ao da intoxicação alimentar, com ausência de diarréia e
vomito. Paciente apresenta histórico de ferimento.

BOTULISMO INFANTIL
Os sintomas iniciais são constipação seguida por perda de apetite, fraqueza e
letargia. Ainda pode ocorrer perda do controle da cabeça e choro fraco. Os sintomas
podem persistir por seis semanas ou mais.
A suspeita clínica pode, no entanto, ser levantada e o diagnóstico rápido é de
extrema importância. Em áreas de casos raros, o diagnóstico pode ser dificultado e, sob
essas circunstâncias, o botulismo infantil pode ser confundido com septicemias e
poliomielite infantil.

7 CONDIÇÕES NECESSARIAS PARA O APARECIMENTO DE UM SURTO DE


BOTULISMO.

 presença de esporos do tipo A, B, E ou F de Clostridium botulinum em um alimento;


 sobrevivência dos esporos a um tratamento térmico ou outro processo de
conservação mal realizado;
 condições ambientais depois do tratamento adequadas para a germinação dos
esporos, multiplicação e produção da toxina;
 tratamento térmico insuficiente para inativar a toxina durante sua preparação culinária;
 ingestão do alimento contaminado com a toxina.

8 PREVENÇÃO DO BOTULISMO

 eliminação das fontes de contaminação - higiene;


 tratamento térmico adequado dos produtos enlatados;
 descartar envases estufados e todos os alimentos deteriorados;
 não provar alimentos suspeitos;
 evitar manter em temperatura ambiente os alimentos que tenham sido submetidos a
um tratamento térmico;
 ferver durante no mínimo 15 minutos qualquer alimento suspeito e não ingerir;
 evitar a elaboração de conservas caseiras.

9 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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