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MÍDIA, CONSUMO E CRIME NA JUVENTUDE ...
duos circulam. Está dada aí a condição de mulo à compra de bens anunciados em tempo inte-
vulnerabilidade dos jovens, e é sobre eles que lança- gral, direta ou subliminarmente. Para Barak (1994),
mos nosso estudo, com o intuito de pensar em que a mídia está subordinada aos valores hegemônicos
medida as narrativas midiáticas estabelecem a posi- da economia política. Se a senha de entrada é a
ção social dos indivíduos e sua condição de felicida- posse de bens determinados no discurso midiático
de e de reconhecimento no grupo, atrelada, ao que dominante, os indivíduos empenham-se em adqui-
possuem: celular, carro, roupas de marca etc. rir esses bens. Embora o desejo de consumo im-
Tanto no jornalismo como na publicidade, pregne os indivíduos indistintamente, a aquisição
indivíduos-referente1 – como atores, autoridades de bens pressupõe recursos financeiros; logo, sua
econômicas e políticas, mulheres bonitas, homens posse é definida pelo poder de compra.
elegantes – informam sobre questões sérias, como Ainda que os meios de comunicação sejam
saúde, economia, educação, misturados às signifi- instrumento de orientação e tendência em inúme-
cações sobre vestir-se, portar-se, ter, numa posi- ras direções, sua condição de pertencimento à es-
ção de credibilidade sustentada pela mídia. Anun- trutura econômica os faz espaço de mediação para
ciam também qual a senha de entrada para adqui- o estímulo ao consumo necessário à manutenção
rir distinção e ascender àquela posição social. Ter do modelo capitalista. A mídia, aliás, é exemplo
certos objetos, vestir determinadas roupas e fre- das contradições do capitalismo: espaço de debate
quentar ambientes específicos vão dizer a que gru- e crítica da sociedade, ela integra o mesmo sistema
po social o indivíduo pertence (Bourdieu, 2008). A na forma de conglomerados dominados por gru-
comunicação é estrutura para o consumo do públi- pos empresariais. Assim, Barak (1994, p.241) liga
co, e o público a recebe como sentido a ser incorpo- “[...] a produção da mídia ao grande aparato ideo-
rado à sua identidade, ao seu ser no mundo. lógico da sociedade capitalista”.
No contexto do capitalismo atual, do qual os Por essa razão, programas infantis e juvenis
meios de comunicação são parte como conglomera- são intercalados com publicidade de brinquedos,
dos industriais transnacionais, o espectador de rá- roupas, sapatos e até de alimentos, focados nesses
dio e TV e o leitor de jornal ou internet são grupos. Num contexto de formação de identidades,
categorizados como consumidores. Notícia é um esse discurso reforça as relações de privilégio e desi-
produto a se consumir, uma mercadoria à venda. gualdade, sustentando que somente se tem sentido
Assim, publicidade e jornalismo se confundem e – o indivíduo – quando se pode dispor de bens que
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biológicas da natureza humana. Também são de- ca dos excluídos desse processo, aqueles a quem
senvolvidos argumentos em favor da frivolidade não é dado o direito ao consumo pela inexistência
do ato de apropriação de bens. É preciso compre- de poder de compra. Enquanto isso, as mercadorias
ender o que dá sentido às práticas de consumo no são exibidas como competentes portadoras de uma
mundo contemporâneo e qual o valor social atri- aura legitimadora de distinção. Após a aquisição do
buído ao sucesso dessa prática. Se o objetivo des- objeto, porém, essa aura se desintegra, exigindo do
te artigo é articular teoricamente o crime, o consu- consumidor o retorno ao mercado e a uma nova com-
mo e a juventude, é preciso articular a relação en- pra para a recuperação de nova aura para aplacar a
tre consumo e criminalidade no contexto dos jo- incessante busca por distinção (Campos; Souza,
vens, traçando um limite do que se entende por 2003). Como diz Leite (2011, p.2), “[...] fomos acos-
cultura de consumo. tumados a comprar para consumir não a coisa em si,
Nas sociedades contemporâneas, o consu- mas sua promessa de plenitude e felicidade”.
mo e os modos de execução das formas de apro- No século XXI, a identificação das pessoas
priação dos bens classificam e qualificam a posi- com a noção de consumidores se processa no cerne
ção social dos indivíduos no espaço social. Nesse de um contexto em que ao exercício da cidadania
sentido, a concepção de cidadão se confunde com é atribuído um sentido voltado para o espaço da
a concepção de consumidor: quem não possui re- vida privada e para os interesses individuais. Em
cursos para efetivar os atos de consumo sente-se grande medida, isso decorre do fato de que a de-
excluído da estrutura social, alheio ao mundo dos mocracia, tomada de forma abstrata, e a desigual
direitos sociais e individuais, o que desemboca inclusão social dos indivíduos nos espaços públi-
em uma redução da ideia de cidadania e também cos de participação política se apresentaram em
em uma vinculação de que a existência social de- conjunto com a difusão de valores capitalistas que
pende da constante renovação dos bens (Canclini, alimentam o crescimento do campo de atuação dos
1999; Rocha, 2011). Mas, afinal, por que são da- meios de comunicação e operam como difusores
dos a alguns os meios para consumir e a outros das dimensões estéticas que legitimam determina-
não? Isso é uma questão controversa, que ajuda a das maneiras de ser, ou estilos de vida – distinti-
adentrar na compreensão da apropriação ilícita de vos – modernos.
objetos como uma forma de definir qual o espaço No pensamento sociológico, a perspectiva
do indivíduo no mundo. Numa perspectiva de teórica que primeiro sinalizou a discussão sobre o
As identidades contemporâneas são defini- O objeto [... de consumo ...] não é um objeto geral,
das pelo consumo, que é anunciado publicitariamente mas um objeto determinado, que deve ser consu-
mido de forma determinada, à qual a própria
como o meio para o alcance da igualdade e da li- produção deve servir de intermediário. A fome é
berdade, mas esse discurso deixa uma lacuna acer- a fome, mas a fome que se satisfaz com carne
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cozinhada, comida com faca e garfo, não é a mes- (2009) busca as origens e as possíveis raízes
ma fome que come a carne crua, servindo-se das
mãos, das unhas, dos dentes. extraeconômicas da cultura de consumo e tem o
mérito de desenvolver uma análise que põe o con-
Desse modo, indo além do olhar materialis- sumo em uma lógica que articula os níveis social,
ta sobre o mundo social, o marxismo dá margem cultural e político da vida coletiva, para explicar o
para se pensar a dinâmica da subjetividade, dos surgimento de hábitos – e seus sentidos – de apro-
valores e dos significados inscritos nas práticas de priação de bens.
consumo. Podemos entender que o consumo não McCracken (1990 apud Taschner, 2009)
é apenas um elemento contido no processo de pro- aponta uma mudança no padrão de consumo. Ao
dução e reprodução de capital; é preciso escapar padrão tradicional de consumo da corte ele chama
da dimensão que privilegia o econômico e se pen- de consumo de pátina, advindo do período medi-
sar em outros níveis da experiência da vida social. eval, no qual se destacava a família como singula-
As práticas de consumo são marcadas pela estru- ridade do consumo. Seria o meio de legitimação
tura simbólica compartilhada de um tempo, estão do nome da família pelas heranças e riquezas acu-
preenchidas pelos valores legitimados de um mo- muladas através de gerações. A mudança no pa-
mento histórico e com eles se modificam. drão de consumo identificada por McCracken ocorre
Ainda na perspectiva marxista, Adorno e quando os indivíduos passam a consumir para si
Horkheimer (2002), ao elaborar o conceito de in- mesmos, e não para o acúmulo de riqueza e prestí-
dústria cultural, desenvolvem uma crítica ao siste- gio familiar. Era um momento de ascensão do indi-
ma capitalista de produção. No caso do estudo vidualismo. Nesse terreno, a atribuição de valor aos
acerca da comunicação de massa, esse sistema é bens começou a ganhar ar de modernidade: não
percebido como meio pelo qual a esfera da cultura apenas os bens familiares tinham relevância soci-
adentrou em uma lógica de produção cumulativa, al, mas a novidade, a aquisição de algo novo pas-
utilizando-se da técnica para reprodução, em larga sou a ocupar um lugar que antes não era admissível.
escala, de bens culturais (Benjamin, 1982). Ao traçar uma breve conceituação sobre cul-
A cultura, no sentido antropológico, tem um tura de consumo, Rocha (2002) afirma que a di-
peso determinante sobre o sentido e a forma do mensão da moda pode ser entendida como um
consumo e deve ser levada em consideração ao se dos princípios básicos dos modos de consumo na
buscar desvendar os significados sociais atribuí- modernidade. Há uma oposição subjetiva e mate-
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dos aos atos de apropriação dos bens. Desse modo, rial à lógica do consumo de pátina, identificado
na medida em que à cultura é delegado um papel em McCracken, uma inversão de sentido do privi-
estruturante sobre os indivíduos e sobre suas légio: o antigo, a tradição e o consumo para status
ações, verificamos um caminho para se pensar a familiar são desprestigiados; o novo, a inovação e
cultura de consumo (Featherstone, 1995; Rocha, a aquisição recente ganham relevância social.
2002; Taschner, 2009). Ao olhar o consumo para O desenvolvimento do campo da moda pos-
além de uma determinação da produção das mer- sibilitou uma aproximação de outras camadas da
cadorias, considerando “[...] sua própria proble- sociedade às mercadorias. Mesmo com a perda do
mática e seus efeitos sobre a totalidade social [...]”, poder das cortes reais, após as Revoluções Bur-
é que se pode pensar a emergência de uma cultura guesa e Industrial, os indivíduos-referente no cam-
de consumo (Taschner, 2009, p. 52). po do consumo pertenciam àquelas famílias abas-
Com a Revolução Industrial, cai o preço dos tadas. Mas, agora, havia a possibilidade de o indi-
produtos, mas é preciso considerar que o consu- víduo de outras classes mover-se na estrutura so-
mo não se daria apenas pelo fato de existirem bens cial, gozando da representação de si no espaço dos
a custos acessíveis. Era preciso haver indivíduos estilos de vida (Bourdieu, 2008).
dispostos a consumi-los. Nessa lógica, Taschner Na contemporaneidade, é comum “[...] nos
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sentirmos convocados como consumidores ainda Tomando por base a discussão desenvolvi-
quando se nos interpelam como cidadãos” da por Augras (1980), percebemos que os produ-
(Canclini, 1999, p. 14). A nosso ver, grande parte tos midiáticos visam à persuasão. A autora consi-
dessa imbricação de sentidos fortaleceu-se a partir dera haver um “[...] conjunto de técnicas que, va-
das narrativas midiáticas, utilizadas para difundir lendo-se do conhecimento dos mecanismos psi-
os valores que dão forma à dinâmica capitalista. cológicos de formação das atitudes e opiniões, visa
Desse modo: a utilizar tais mecanismos para obter atitudes e
opiniões desejadas [...]” (1980, p. 67). Os meios
As lutas de gerações a respeito do necessário e do de comunicação na estrutura social, nessa linha
desejável mostram outro modo de estabelecer as
identidades e construir a nossa diferença. Vamos de pensamento, são mais do que meios para co-
nos afastando da época em que as identidades se municar.
definiam por essências a-históricas: atualmente
A propaganda vende estilos de vida, mer-
configuram-se no consumo, dependem daquilo
que se possui, ou daquilo que se pode chegar a cadorias que prometem a felicidade (Rocha, 2011).
possuir (Canclini, 1999, p. 15). Com isso, dão significado à vida. Nessa lógica, o
valor de uso do bem se atrela a seu valor de troca,
O crime desenvolvido pelo desejo de con- numa relação simbólica, remetendo às identida-
sumo, motivado pela busca de distinção e des dos que podem ou não consumi-lo. Essa con-
pertencimento a determinados grupos, pode ter seu dição exprime e mascara as condições de produ-
ponto de partida em um processo de socialização ção para a economia política: a separação entre
dos indivíduos que contém, em seu cerne, elemen- significante e significado, no nível do signo, ou
tos derivados das produções que estimulam regu- entre infraestrutura (base econômica) e superes-
larmente práticas de consumo, naturalizando-as trutura (classe dominante), no nível da produção
como meio para exercer sua humanidade no mun- da mercadoria. Cultura e signo não estão separa-
do social capitalista. As práticas de consumo são dos; são ligados por significados dados ao refe-
vistas, assim, como parte do esforço em prol da rente pela cultura (Baudrillard, 1973).3
mobilidade posicional no cerne da estrutura soci- No consumo, a mercadoria é produzida
al. Há uma luta constante de significação das defi- como signo, e o signo como mercadoria. É no inte-
nições do que é necessário e do que é supérfluo na rior dessa relação que se encontra a cultura. O efeito
vida cotidiana, e o mercado de produção simbóli- de sentido é de que as necessidades escamoteadas
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o processo de mistificação do objeto ofertado no so?”, é preciso que nos coloquemos em posição
mercado, portador de uma “alma” capaz de dar crítica sobre o estabelecimento de conceitos. O sen-
sentido a quem o possui. tido atribuído a uma ação está inscrito no tempo e
Se a indústria cultural pressupõe consumi- na história. O significado do crime não está colado
dores capazes de dispor de esforços e capitais para no ato em si, marcado pelo contexto, mas vem atre-
alcançar os produtos oferecidos para consumo, lado aos valores circulantes. Logo, o conceito não
pressupõe-se também que, no universo dos pro- é o fato em si, porque os valores, que se alteram ao
dutos, existe uma lógica destinada a atender ao longo da história, contribuem para a mudança da
universo de consumidores potenciais em suas definição do ato (Melo, 2010).
especificidades (Adorno; Horkheimer, 2002; Pressupõe-se que as ideias que fundamen-
Bourdieu, 2008; Canclini, 1999). É dessa forma tam a constituição de uma ação como um ato cri-
que diferentes classes e frações de classe, na busca minoso devem resultar de premissas que eviden-
por mobilidade no mundo social, tendem a querer ciem que ações são dotadas de um sentido social
adquirir produtos que as distingam, engendrando de crime. A relação entre significante e significado
práticas articuladas em uma dupla dimensão de tem, muitas vezes, como esteio a utilidade de con-
sentido: inclusão e exclusão. É desse modo tam- siderar esta ou aquela ação criminosa e o resultado
bém que os jovens são levados a querer adquirir do ato como mal para a coletividade. Nessa lógica,
status pela via do consumo de bens considerados o conceito de crime se altera ao longo da história,
distintivos e que são, também, inclusivos em inú- para dar conta do refinamento da sensibilidade
meros campos sociais. humana acerca dos fenômenos sociais, ou seja, em
decorrência dos valores (mutáveis) dos indivídu-
os (Tonry, 2004; Foucault, 2006; Melo, 2010).
CRIME E JUVENTUDE: um olhar a partir da A variável cultural é responsável pelos sen-
proeminência da cultura tidos atribuídos às ações humanas. A estrutura
cultural, dando sentido às forças sociais, interfere
As pesquisas de Alexander (1992, 1993), que e dirige as significações que convencionam os fa-
fundamentaram a sociologia cultural, contribuíram tos sociais e, entre eles, o crime. Merton (1970, p.
para o desenvolvimento da criminologia cultural, 236-237) define a estrutura cultural como “[...] o
ao apontar em que medida a cultura é determinante conjunto de valores normativos que governam a
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da estrutura social. Colocar a cultura nessa posição conduta comum dos membros de uma determina-
é a chave para entender duas questões relevantes: a da sociedade ou grupo”. Segundo ele, a anomia é
cultura de consumo e a cultura do crime. Neste tó-
pico, vamos abordar a cultura do crime. [...] uma ruptura na estrutura cultural, ocorrendo,
Pesquisas realizadas no início do século pas- particularmente, quando há uma disjunção agu-
da entre as normas e metas culturais e as capaci-
sado contribuíram para os estudos sobre o crime, dades socialmente estruturadas dos membros do
especialmente as formas de adaptação dos indivídu- grupo em agir de acordo com as primeiras.
os às normas sociais e às práticas desviantes. A defi-
nição legal de crime é conjunturalmente cultural, Uma compreensão clássica de crime é a de
muitas vezes resultando das pressões sociais – as qualquer comportamento desviante do estabeleci-
atitudes inovadoras e rebeldes. Assim, antes de estar do pelo senso comum como normal, no tempo e
na lei, o crime precisa adquirir um sentido social, no espaço, que atinja a moralidade coletiva e pro-
coletivo, modificado na medida em que a sensibili- duza um ultraje moral nos indivíduos. A defini-
dade humana, numa sociedade, se altera diante dos ção das leis não é suficiente para explicar todas as
fenômenos sociais e dos seus valores mutáveis. ações humanas que se constituem em desvio e,
Frente à pergunta “o que é um ato crimino- muitas vezes, as alterações legais resultam de pres-
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são social em decorrência de surtos de pânico que social (Merton, 1970), sejam tais objetivos de or-
fomentam mudanças para atender a esses clamo- dem econômica ou não. Na lógica mertoniana, a
res, sem que se tenha comprovação de que real- estrutura social que não dispuser desses dois ní-
mente a modificação se faz necessária. Por exem- veis altamente integrados – objetivos culturais de
plo, nos casos de crimes violentos praticados por êxito e meios institucionais para alcançá-los – está
jovens, suscita-se uma discussão sobre a redução em condições anômicas e tem mais chances de ter
da maioridade penal como solução para reduzir uma sociedade com índices mais elevados de
os crimes cometidos por adolescentes (Melo, 2010). criminalidade. Merton (1970, p.209) ressalta a
Merton (1970, p. 237) acrescenta que: importância do dinheiro e sua condição de ser um
“[...] símbolo de prestígio [...], não importando
A estrutura social age como barreira ou como como adquiri-lo, fraudulenta ou dentro das insti-
porta aberta para o desempenho dos mandatos
culturais. Quando as estruturas social e cultural tuições [...]”. Ele diz:
estão mal integradas, a primeira exigindo um
comportamento que a outra dificulta, há uma A cultura pode ser tal que induza os indivíduos a
tensão rumo ao rompimento das normas ou ao centralizarem suas convicções emocionais sobre
seu completo desprezo. o complexo de fins culturalmente aplaudidos,
com muito menos apoio emocional sobre os mé-
todos prescritos para alcançarem essas finalida-
A tensão entre a cultura e a estrutura social des (1970, p. 207).
pode ser remetida à concepção da sociologia cul-
tural sobre a autonomia relativa da cultura e sua As pesquisas iniciais que formaram a base
capacidade de determinar as relações sociais da criminologia cultural (abordando questões so-
(Alexander; Smith, 2002; Kane, 1991). No caso do bre cultura, subcultura e poder) ajudaram a estu-
crime, o sentido é elaborado a partir de uma dar especialmente as formas de adaptação dos in-
codificação simbólica, na qual estão contidos valo- divíduos às normas sociais e às práticas desviantes.
res que subjugam a conduta dos indivíduos. Se Algumas estruturas sociais fazem pressões sobre
os indivíduos rompem com esses valores, está aí os indivíduos, estimulando-os a comportamentos
instalada a condição desviante de seus atos. não conformistas (Magalhães, 2004). Atitudes de-
O crime violento é um fato social e cultural. finidas como conformidade, inovação, retraimen-
Se uma determinada sociedade cobra dos seus in- to e rebelião foram classificadas por Merton (1970)
divíduos grandes realizações para a conquista de e englobam os modos pelos quais os indivíduos
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ção de acordo tanto com os objetivos culturais de ção pelo crime surge como uma alternativa que não
uma estrutura social como com os meios é necessariamente dolorosa para quem a pratica,
institucionais para atingi-los. A atitude inovadora ou seja, pode conter prazer. Assim, seja por uma
pode ou não se constituir em crime, pois é uma compulsão estimulada pela mídia para o consumo
transação que vai além dos costumes estabeleci- (estrutura), seja por uma opção pela prática crimi-
dos, mas que, muitas vezes, encobre crimes e frau- nosa como uma escolha sensual (agência), o crime
des. O ritualismo pressupõe seguir regras, mas os não é, para todos, algo percebido como um mal
indivíduos perderam as esperanças de atingir ob- em sua totalidade (Katz, 1988).
jetivos pressupostos pela sociedade (estudar, “ser O ganho teórico ofertado pela criminologia
alguém na vida”). Na rebelião, há uma busca por cultural é de poder dissolver sentidos convencio-
uma nova ordem estrutural, enfrentando a ordem nais do crime, pensando a questão em termos ur-
vigente (luta pela descriminalização do aborto, pela banos, midiáticos, antropológicos e as práticas so-
liberação da maconha). O retraimento é a adapta- ciais como formas de intervenção sobre esses sen-
ção pela apatia, o alheamento social. tidos. A criminologia cultural funda uma teoria
Embora polêmico, há teóricos que abordam que navega na modernidade tardia, buscando en-
a sedução do crime e a experiência sensual dos tender as condições contemporâneas que confron-
atos criminosos para os indivíduos. Katz (1988, tam um novo mundo de crimes e controle social,
p.4) critica a raridade de estudos em sociologia e o papel das mediações na constituição do sentido
psicologia que abordem o prazer da prática crimi- de crime, os sentidos em fluxo, as exclusões soci-
nosa, ressaltando que alguns indivíduos veem um ais. Vejamos o seguinte:
apelo sedutor no crime, uma dinâmica atraente que
compele à ação criminosa. “Quando eles estão co- Nos anos 40, um homem poderia frequentemen-
te bater numa mulher na boca e isto significa-
metendo crimes, sentem-se atraídos e impulsiona- ria... Bem, nada demais. A violência doméstica
dos, num sentimento determinado por forças ex- ainda não tinha sido inventada como uma cate-
goria legal e cultural (eis a palavra de novo) – e
ternas”.
isso não tinha sido definido amplamente, reco-
Superando o olhar que relacionava a práti- nhecido e condenado como um tipo específico
ca criminosa à condição social de pobreza, Zaluar de comportamento criminoso. Foi preciso a ação
do movimento feminista e décadas de ativismo
(2004) percebe arranjos complexos em que a cul- político para chegar a este ponto (Ferrell et al.,
tura e os sentidos das ações dos indivíduos se 2008, p.8) [tradução nossa].
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cam o caminho legítimo para aquisição de bens, tudo indica – podem permanecer particularmen-
te abundantes em países do Terceiro Mundo,
obedecendo a normas sociais e legais. No entanto, estamos propensos a encontrar camadas de baixa
da mesma forma que existe desigualdade econô- renda ou sem emprego que não têm acesso signi-
ficativo ao mercado real de consumo – especial-
mica, também existe desigualdade em níveis de
mente consumo de lazer – apesar de participa-
competências culturais, fazendo surgir práticas rem da cultura do consumo (por exemplo: o office
desviantes de subtração de bens, o crime motiva- boy brasileiro que usa um tênis Nike, comprado a
prestação, e o pivete que o obtém através do rou-
do pelo desejo de consumo. bo) (Taschner, 2009, p. 90-91).
Taschner (2009, p.90) também possibilita
relacionar o estudo sobre a cultura de consumo e Isso indica que o crime pode surgir como
ações criminosas quando afirma que “[...] há mui- rota de acesso aos bens que se quer possuir e os-
ta gente excluída do lazer e de muitas formas de tentar. O sentido social dos objetos é valorado via
consumo, apesar de participar da cultura do con- representações difundidas na mídia e variam de
sumo [...]”. Todos os indivíduos estão sujeitos à acordo com a hierarquia socialmente constituída
interpelação das representações produzidas e sobre cada bem em seu campo específico de utili-
reproduzidas nos meios de comunicação e, na zação: transgredir regras sociais e legais ganha re-
medida em que se interiorizam os sentidos e tra- levância nas escolhas dos indivíduos na medida
ços de distinção pelo consumo, as práticas objeti- em que a mercadoria que se pretende adquirir de-
vas dos indivíduos no mundo social são repensa- tém alto valor de troca, mesmo que não detenha
das, transformadas e adaptadas para que se alcan- alto valor de uso.
cem os valores vinculados à cultura de consumo. Em nossa discussão, a aquisição de certos bens
No processo de exteriorização dos valores apro- via ação criminosa está mais próxima de uma distin-
priados, configura-se o indivíduo-portador-de-ob- ção por exposição de (falso) poder de compra (pela
jetos-definidores-de-distinção: um sujeito distingui- posse ilegal) do que pelo poder de interiorização de
do em si mesmo e detentor de poder, adequado ao capitais simbólicos. Isso não quer dizer que a pobre-
modelo de indivíduo-referente. za motive o crime, mas que os jovens socializados
Desse modo, a cultura de consumo possui numa sociedade contemporânea de consumo e com
uma amplitude maior, que pode ser percebida a baixo poder aquisitivo (numa estrutura
priori. Ela está presente nos variados domínios da socioeconômica), tensionados pelo desejo de posse
vida social. Por exemplo, as práticas de lazer na de determinados bens (numa estrutura cultural de
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modernidade, em grande medida, estão vincula- consumo) poderiam estar mais vulneráveis para in-
das a espaços de consumo (Taschner, 2009). Na gressar na criminalidade. O ato criminoso aqui é per-
execução das práticas, o próprio sentido do lazer cebido como forma rápida de acesso ao que se quer
se transmuta em princípio para a distinção social. adquirir: os meios (ilegais) para o alcance dos objeti-
Destacando a relação entre lazer e consumo, vos preconizados por Merton (1970).
Taschner afirma que é possível, no contexto con- Pressupomos que o etos de masculinidade
temporâneo da cultura de consumo, verificar es- seja, de forma significativa, estimulado e reprodu-
tratégias para adquirir o que se pretende possuir: zido pelos produtos da indústria cultural, na me-
dida em que há uma via de mão dupla na elabora-
Em países mais ricos, o casamento entre lazer e ção do que vai ser ofertado ao público. Segundo
consumo tende a durar – customizado em massa, Leite e Brenneisen (2011), a moda é uma afirma-
virtual, culturalmente orientado – entre as cama-
das ricas e entre aquelas que têm um emprego ou ção de identidade para o jovem, conforme relato
seu próprio negócio ou que são trabalhadores au- de um dos seus entrevistados:
tônomos. Ali se podem encontrar nichos, onde o
consumo de lazer se direcione menos a produtos Andar arrumadinho é muito massa, até pra sair
tangíveis e, mais e mais, ao consumo de sensa- mesmo, agarrar as guria, as gurias veem que você
ções [...] Em outros segmentos, que são e – ao que tá com roupa de marca, corrente, tênis legal, tá
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arrumadinho, é mais fácil chegar nelas e ficar o seguinte: “[...] não me importo de morrer, tia ...
com elas do que os outros que não estão com
roupas de marca [...] (Erick, 20 anos, apud Leite; Vou morrer com um ‘Nike’ no pé!”.
Brenneisen, 2011, p.16). Leite (2011) vincula a cultura de consumo
aos distúrbios anoréxicos, à prostituição infantil e
A indústria cultural objetiva alcançar às práticas criminosas. Ela enfatiza as condições
aceitabilidade do público e, ao mesmo tempo, im- reais de trabalho e de possibilidades de consumo,
põe padrões estéticos e estilos específicos de mer- cuja senha de acesso é fornecida a poucos. Morrer
cadorias ao indivíduo. É no campo das produções com um “Nike” no pé nada mais é do que buscar
culturais (telenovela, filmes, música, jornalismo, no olhar do outro o reconhecimento, a certeza de
publicidade e propaganda) que encontramos ele- que não se é fracassado. É melhor morrer na pos-
mentos que promovem a construção da imagem se, sendo alguém, o indivíduo-portador-de-objetos-
do indivíduo detentor de poder, de uma identida- definidores-de-distinção, numa tentativa de apro-
de social protagonista e de estilos de vida distinti- ximação aos indivíduos-referente. Por isso, faz sen-
vos relacionados aos indivíduos-referente. O con- tido pensar em jovens que optam pelo roubo, pelo
sumo, nesse contexto, é uma prática social marcada tráfico e pelo furto para também gozarem nessa festa
pelo sentido da distinção (Bourdieu, 2008). para a qual não foram convidados.
A indústria cultural é capaz de expandir a
dimensão imagética da relação com os bens (Ro-
cha, 2002), representando e atribuindo sentido aos CONSUMO, JUVENTUDE E CRIME: uma
estilos de vida, estruturados hierarquicamente se- proposta de pesquisa
gundo a hierarquia social dos bens (Bourdieu,
2008). Atua, assim, como espaço de difusão e A orientação da sociedade capitalista para o
manutenção da própria estrutura de desigualdade estímulo ao consumo sem controle parece cons-
das práticas cotidianas de consumo, legitimando truir um ideal de felicidade intrinsecamente atre-
certos grupos em detrimento de outros. Logo, in- lado ao dinheiro e à posse de bens (Rocha, 2011).
troduz nos indivíduos, inclusive os situados em A sociedade capitalista da informação modela um
um contexto de vulnerabilidade social, uma dis- perfil de indivíduo cujo foco é o processo de dis-
posição, entendida como habitus,4 marcada pela tinção social pelo consumo e pelo alcance do pra-
busca de sucesso e de prazer. zer sem limites. Em nome de posição social e esti-
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MÍDIA, CONSUMO E CRIME NA JUVENTUDE ...
de vida é influenciado pelos meios de comunica- tos psicossociológicos: o desejo de posse, de po-
ção, que indicam como se vestir, o que possuir der, de prazer e de distinção. Uma das possíveis
visivelmente para legitimar o seu lugar de fala respostas é o enfrentamento das políticas de comu-
(Melo, 2009). nicação, pensando formas de controle da produção
O valor da riqueza é um símbolo de suces- da mídia em programas infanto-juvenis, quando o
so nas sociedades capitalistas. A cultura permeia indivíduo está na fase primária de socialização.
todos os indivíduos de uma sociedade, mas é pre- Inúmeras pesquisas já apontam as relações
ciso considerar as diferenças idiossincráticas de entre infância, adolescência e a influência da mídia
suas histórias de vida. Assim, as reações, ou os sobre as práticas de consumo (Campos; Souza,
modos de adaptação, vão resultar justamente da 2003; Bock et al., 2009; Taschner, 2011; Leite,
diferença de cada indivíduo e seu pertencimento a 2011; Leite; Brenneisen, 2011). Como diz Taschner
subgrupos diversos, que estão sujeitos aos estí- (2011), se já existe uma assimetria na relação entre
mulos culturais e às limitações estruturais de acesso produtores e consumidores adultos, essa assimetria
para o alcance de objetivos de sucesso. O ponto ganha dimensões exponenciais quando o consu-
de encontro entre o delinquente e a classe média, midor é criança ou adolescente. É verdade que, no
por exemplo, é, muitas vezes, a valorização do processo de socialização, os jovens aprendem o
poder, dos bens e do dinheiro. Quem já tem di- que é a publicidade e qual a sua intenção, mas
nheiro quer possuir objetos, ter prazer; quem não nem por isso deixam de ser influenciados por ela.
tem poder aquisitivo também está suscetível aos Motivados à posse pelo impacto recorrente do dis-
mesmos desejos. curso midiático, tais indivíduos partem para a ação:
O indivíduo é estimulado ao consumo para comprar o bem, pedir para que o comprem ou se
aparentar posição social. Quem quer ocupar esse apropriar dele.
lugar precisa vestir, usar o carro, ter celular, enfim, As narrativas midiáticas estimuladoras do
ostentar objetos que determinem sua posição, de consumo – em suas variadas formas, do jornalis-
onde olha para o outro e externa sua condição de mo à telenovela – integram a dinâmica capitalista
distinção (Melo, 2010). O estilo de vida, os obje- atual, que exige liberdade em sua prática de anun-
tos ostentados em seu corpo são expostos na vitri- ciar bens associados a indivíduos-portadores-de-
ne social. Para os que não podem materialmente objetos-definidores-de-distinção (VU/VT). Pela re-
consumir, é possível a posse à força. Como lembra petição, a propaganda persuade o indivíduo, cada
CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 70, p. 151-164, Jan./Abr. 2014
Paixão (1988, p. 176) acerca do que diz DaMatta vez mais dissuadido de seus mecanismos de defe-
(1997), “[...] o quebra-quebra é o ‘você sabe com sa. Faz sentido questionar essa prática, ao vislum-
quem está falando?’ das massas de indivíduos brarmos nela uma variável determinante – não a
destituídos e politicamente sem voz ou fórum [...]”, única, é verdade, mas uma variável relevante – do
uma forma de revelar o conflito e a crise do capita- estímulo subliminar até mesmo de práticas ilícitas
lismo. Nesses casos, o uso da rua funciona como para a garantia de acesso ao consumo quando
arena política de embate em favor do direito ao inexiste o poder de compra. Ilustra Galeano (2011),
consumo. Afinal, é a sociedade capitalista que vem ao relatar a fala de um jovem argentino: “... quan-
anunciando que a cidadania é definida pelo aces- do não tens nada, pensas que não vales nada”.
so ao consumo.
O que podemos fazer acerca disso? Há múl-
tiplas respostas e um desafio. O desafio é pôr em Recebido para publicação em 30 de agosto de 2012
Aceito em 17 de março de 2013
suspenso a ideia de que as causas da criminalidade
do ocidente são fundamentadas pela lógica da es-
tratégia de sobrevivência. Às causalidades múltiplas
das práticas criminosas podemos acrescer elemen-
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Patricia Bandeira de Melo, Rodrigo Vieira de Assis
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Patricia Bandeira de Melo – Doutora em sociologia. Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco. Traba-
lhos recentes: Capítulo de livro Criminologia e Teorias da Comunicação. In: Renato Sérgio de Lima; José
Luiz Ratton; Rodrigo Azevedo. (Org.). Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014, v.1, p.1-
9; Livro Economia Política da Comunicação: Vanguardismo Nordestino, em co-organização com o profes-
sor José Marques de Melo. Recife: Massangana, 2013; Artigo Pânico e controvérsias: história, consumo
controlado e tratamento do crack. In: XV Congresso Brasileiro de Sociologia – mudanças, permanências e
desafios sociológicos. Curitiba: UFPR, 2011; Artigo Polêmicas no jornalismo do século XXI: discussões a
partir da Revista Carta Capital. Contemporânea (UFBA. Online), v. 9, p.115-135, 2011.
Rodrigo Vieira de Assis – Mestrando em sociologia. Membro e assistente de pesquisa do Núcleo de
Pesquisas Sociofilo. Trabalhos recentes: Artigo A reconstrução sociológica do conceito de “cultura de
consumo”. In: XVI Congresso Brasileiro de Sociologia, Salvador, 2013, em coautoria com a professora
Maria Eduarda da Mota Rocha (PPGS/UFPE); Capítulo de livro Práticas documentárias e práticas
curriculares: anotações sobre a possibilidade de uma educação popular emancipadora em escolas pú-
blicas a partir do direito ao narrar. In: MESQUITA, R. G. M. (Org.) Projeto didático para construção de
documentários: uma possibilidade de experiência popular em escolas públicas. Recife: EDUFPE, 2013.
p. 80-118; Artigo Jovens, consumo cultural e políticas públicas. Revista Habitus, v.10, p.126-142, 2012.
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