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Ac. 00334.

001/96-0 RO

PLUS SALARIAL. ACÚMULO E DESVIO DE FUNÇÃO. O empregado que acumula funções


no seu horário de trabalho somente fará jus a um adicional salarial se para a função
acumulada houver previsão de ganho superior em lei, norma coletiva, regulamento interno ou
no contrato de trabalho. Ao executar tarefas que não comportam retribuição superior, deixa ele
de realizar, ao mesmo tempo, as atribuições próprias de sua função contratual, de igual ou
melhor nível remuneratório.

(...) É incontroverso que, além das atribuições de telefonista, a autora também desempenhava as
funções de recepcionista acumulando as tarefas. A defesa é neste sentido. Afirma a reclamada
que eram atividades da reclamante aqueles inerentes às de telefonista, e mais as de receber as
pessoas e encaminhá-las aos diversos setores, bem como receber correspondências. Diz, também,
que as atividades desempenhadas pela reclamante foram as de telefonista e recepcionista (fl. 13).
É impertinente, desse modo, a alegação da reclamada em seu apelo de que a obreira somente
exerceu as funções de telefonista. A prova dos autos, a seu turno, também conforta as alegações
da inicial, de exercício das atribuições inerentes à função de telefonista e recepcionista, conforme
as declarações das testemunhas (fls. 51/53), e o documento da fl. 19, citado no recurso.
Inobstante esses fatos, vinga o apelo da reclamada, embora por motivo diverso daqueles
alegados.
São muito freqüentes situações em que o empregado exerce múltiplas tarefas. E já é grande o
surto de reclamações visando adicional de salário como compensação. Entretanto, não nos é
dado jamais perder de vista os aspectos sociais da decisão, bem como sua racionalidade. Na
verdade, não há prejuízo econômico, ou trabalho sem salário, quando um empregado, com
atividade contraprestacionada por unidade de tempo, deixa de executar um serviço para
desempenhar outro, quando não houver norma legal, coletiva ou regulamentar estabelecendo
salário mais elevado para esta segunda atividade. Se o trabalho para uma precípua função já está
sendo remunerado naquele horário em que o obreiro é chamado a preencher lacuna de pessoal
em outra tarefa, ou se lhe sobra tempo em sua atividade contratual, não há como sustentar que
este novo serviço, parcial ou momentâneo, não está sendo retribuído. Na medida de tempo em
que é deslocado para uma outra tarefa, o empregado teria de estar desempenhando seu específico
mister, e nesse caso sua remuneração não seria afetada. O fato de realizar circunstancialmente
outros misteres, em caráter eventual ou por parte de sua jornada, não constitui motivo para que
lhe seja reconhecido um salário para cada tarefa realizada, em total afronta ao preceito da livre
pactuação dos salários. Salvo, é claro, quando a nova atividade tiver previsão normativa de
remuneração superior, ainda que esta norma resulte do organograma da empresa. Pelo contrato
de trabalho o empregado submete determinado período de tempo à direção de outrem, que
controla os fatores da produção, mediante remuneração estipulada por unidade de tempo ou por
tarefa. Uma vez inserida no pacto laboral a remuneração por unidade de tempo, é evidente que a
carga horária ou jornada ajustada está sendo retribuída pelo salário contratual. Dentro desta
unidade de tempo o obreiro está sendo retribuído pelo salário avençado. Se ele deixa, por
instantes, de exercer a tarefa pela qual está sendo pago, para exercer outra atividade na mesma
unidade temporal contraprestada, não há como se deferir sobre-salário, exceto quando o segundo
trabalho executado comporta superior nível de remuneração em sintonia com os parâmetros da
empresa devidamente materializados. Apenas esta última situação caracteriza desvio de função,
ou incorreto enquadramento, ou ainda equiparação salarial, e em tal caso o empregado faz jus a
uma correção de salários, que pode derivar da lei, de norma coletiva, ou do próprio regulamento
interno empresarial, inclusive de tabela salarial vigente na empresa. Ilegal, no entanto, é fixar
como regra salário adicional por outras tarefas, ainda mais quando estas são de menor
qualificação técnica, ou de nível inferior de remuneração. O pensamento agasalhado na pretensão
da autora só pode levar o Judiciário, com o tempo, a estabelecer, na maioria dos contratos, um
adicional salarial, embora todo o tempo da jornada já esteja retribuído. Não é preciso conhecer
de perto a realidade para se saber que a maior parte dos trabalhadores não poderia se furtar à
colaboração para auxiliar em outras tarefas, quando não há serviço em seu setor de trabalho, ou
por motivos diversos. Sobretudo nos pequenos empreendimentos, o empregado é chamado a
desempenhar mais de um mister. Tudo dependerá da dimensão da empresa, e da sua
lucratividade, fator que lhe permite contratar mais empregados face o volume de serviço. O
julgador não pode fazer vistas grossas à realidade. São muitas as tarefas em que o empregado é
chamado a exercer em seu local de trabalho, por força da necessidade, e é inevitável que as
empresas, em sua maior parte de reduzidas dimensões, só possam funcionar assim, porque não
há trabalho permanente em cada uma das tarefas ou mesmo funções. A tese da reclamante torna
inviável a vida normal da empresa, como se um pequeno e até mesmo médio estabelecimento
pudesse contratar empregados para serviços que demandam pouco tempo, ou como se tivesse
sempre à disposição empregados suficientes para serviços que variam de intensidade a cada dia.
O ideal até poderia ser o contrário, se o custo operacional da empresa não viesse em detrimento
de toda a sociedade, e não estivesse a empresa inserida em um contexto de concorrência cada vez
maior.
Além disso, sabe-se que a lei não estabelece salário por função, embora fixe o salário mínimo de
algumas profissões. As convenções coletivas, por vezes, estipulam o salário de determinados
profissionais. Os regulamentos internos podem conter planos de cargos e salários. Fora deste
espectro, não é lícito modificar o contrato existente pela via judicial. Somente em casos
especiais, como já sublinhamos, ou em caso de legislação especial, como a dos radialistas, que
mercê da força e prestígio da classe, bem como as peculiaridades de sua profissão, obtiveram, em
norma de exceção que não comporta aplicação analógica, um estatuto especial, com salário
fixado por tarefa e por setor. Toda exceção - escusado seria dizer - vem confirmar a regra.
Destituída de embasamento, portanto, a pretensão ao adicional salarial.
Dá-se provimento ao recurso para absolver a reclamada da condenação imposta.

Ac. 00334.001/96-0 RO
Julg.: 22.06.99 - 2ª Turma
Publ. DOE-RS: 19.07.99
Relator: Paulo Caruso

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