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Essa equação estabelecia que a taxa de lu- gos publicados entre 1963 e 1966. Esses Cambridge” foi estabelecida
cro, ao longo de uma trajetória de cresci- autores procuraram argumentar que o inicialmente por Kaldor
equilíbrio de longo prazo descrito pela (1956). Coube a Pasinetti, no
mento balanceado com pleno-emprego entanto, a tarefa de mostrar
“Equação de Cambridge” seria apenas
da força de trabalho, numa economia ha- que ela poderia ser obtida sem
uma das configurações possíveis da dis- qualquer referência ao valor
bitada por duas classes de poupadores e
tribuição de renda ao longo da trajetória da propensão a poupar dos
na qual apenas uma dessas classes (os ca- trabalhadores, de forma que a
de crescimento balanceado. Ao lado des-
pitalistas) obtivesse a totalidade da sua referida propensão seria
se equilíbrio, denominado de “regime de irrelevante no que toca à
renda na forma de lucros, seria igual a ra-
Pasinetti”, haveria outro equilíbrio, igual- determinação da taxa de lucro
zão entre a taxa de crescimento da força
mente geral e simétrico, no qual a relação pro- de equilíbrio ao longo de uma
de trabalho e a propensão a poupar dos trajetória de crescimento em
duto-capital seria determinada pela ra-
capitalistas. A propensão a poupar dos “Idade Dourada”. Dessa
zão entre a taxa natural de crescimento e forma, alguns autores,
trabalhadores seria então irrelevante na
a propensão a poupar dos trabalhadores, incluindo o próprio Pasinetti
determinação da taxa de lucro. Um coro-
e a taxa de lucro seria independente da (1989b), preferem a
lário dessa abordagem é que o conceito denominação de “Teorema
“Equação de Cambridge”.2 Esse equilí-
neoclássico de produtividade marginal dos de Cambridge” ou “Processo
brio, denominado de “regime Dual” ou Kaldor-Pasinetti”. Ao longo
fatores de produção não desempenharia
“Anti-Pasinetti”, corresponderia a uma do presente artigo, iremos
nenhum papel na determinação da distri- situação na qual os capitalistas seriam considerar os termos
buição de renda entre capitalistas e tra- “eliminados” do sistema (“eutanásia dos “Equação de Cambridge”,
balhadores. A teoria neoclássica da dis- “Teorema de Pasinetti”,
capitalistas”), e a propensão a poupar da “Processo Kaldor-Pasinetti” e
tribuição não seria apenas ogicamente sociedade seria, portanto, igual à propen- “Teorema de Cambridge”
inconsistente – de acordo com a Contro- são a poupar dos trabalhadores. como sinônimos.
vérsia do Capital – mas desnecessária, uma Nesse contexto, o crescimento ba- 2 No que segue, iremos
vez que a distribuição de renda pode ser lanceado com pleno-emprego só seria pos- denominar esse resultado de
determinada sem se fazer uso de qual- “Teorema Meade-Samuelson-
sível se a relação capital-produto atuasse Modligiani” tal como
quer conceito neoclássico. como variável de ajuste entre as taxas ga- Harcourt (1972, p. 222).
HD –, segue-se que a teoria pós-keyne- da seria uma teoria com baixo nível de
siana da distribuição de renda seria então generalidade, em comparação com a teo-
válida sob hipóteses mais gerais a respei- ria pós-keynesiana, e construída a partir
to do formato da função de produção do de hipóteses dispensáveis a respeito do
que a teoria neoclássica. Por outro lado, formato da função de produção. O terreno
se a “Equação de Cambridge” for correta, estava preparado para a suplantação dessa
então a produtividade marginal dos fato- teoria pela alternativa pós-keynesiana.
res de produção não desempenha ne- A resposta neoclássica ao desafio
nhum papel na determinação da distribui- imposto pela “Equação de Cambridge” e
ção funcional da renda ao longo da tra- pela teoria pós-keynesiana da distribui-
jetória de crescimento balanceado com ção de renda foi mostrar que a referida
pleno-emprego. O conceito de produti- equação seria apenas um resultado possí-
vidade marginal é, portanto, dispensável vel do “processo de Pasinetti”.7 Com efe-
como explicação da distribuição funcio- ito, tal como foi visto na seção anterior, a
nal da renda. “Equação de Cambridge” só teria valida-
Outro ponto a ser ressaltado é que de dentro do intervalo delimitado pela
a teoria pós-keynesiana mostra que o di- equação (16), caso contrário:
lema “Harrod-Domar” pode ser resolvi- [...] One of the social classes will di-
do por outro mecanismo que não a flexi- sappear in the long-run, and what is
bilidade da relação capital-produto. Esse more serious, the distribution of in-
é um aspecto importante porque mostra come over workers and rentiers will
que a hipótese tradicional neoclássica de no longer operate as a mechanism
7 O “processo de Pasinetti”
substitubilidade dos fatores de produção ensuring equilibrium between sa-
refere-se à natureza da posição
vings and investment (Ewijk, 1991, p. 11).
não é necessária para a obtenção de uma de equilíbrio de longo prazo
trajetória de crescimento com pleno-em- O que acontece fora dos limites de do sistema econômico
quando a razão entre o
prego. Sendo assim, essa substitubilidade validade da “Equação de Cambridge?” estoque de capital de
entre os fatores de produção é uma hipó- Essa é a pergunta fundamental que Mea- propriedade dos capitalistas
tese dispensável na construção dos modelos de, Samuelson e Modigliani fizeram na e o estoque de capital de
propriedade dos trabalhadores
de crescimento balanceado. seqüência do artigo seminal de Pasinetti já convergiu para o seu valor
Nesse contexto, a teoria neoclássica (Harcourt, 1972, p. 221). Para esses au- final ou de repouso sistêmico
do crescimento e da distribuição de ren- tores, se as condições de contorno do (Meade, 1966, p. 161).
Figura 1_
Y P
Y G =
K K
K
C D F
h E
sw
P
O h B
K
sc
Sendo assim, o “regime Dual” irá trata-se de uma forma de “fugir” das ques-
ocorrer quando: tões colocadas pela teoria pós-keynesia-
P na da distribuição de renda ou “não-res-
sw > sc (18) ponder” a elas.
Y
Dado isso, a questão relevante não
Daqui se segue que a “Equação de seria determinar a configuração de equi-
Cambridge” não é o único resultado pos- líbrio de longo prazo da distribuição de
sível do “processo de Pasinetti”, existindo renda e de propriedade de uma economia
outro, igualmente geral, no qual a taxa de qualquer, mas a configuração de equilíbrio
lucro é determinada de forma indepen- de uma economia capitalista, entendida
dente da referida equação. Se a função como uma economia em que uma classe
de produção for do tipo Cobb-Douglas de agentes – os capitalistas – deriva a sua
com elasticidade de substituição unitária renda exclusivamente da propriedade do capi-
e se a condição (27) for satisfeita, a distri- tal. A teoria pós-keynesiana da distribui-
buição funcional da renda será determi- ção de renda não se pretende válida para
qualquer tipo de economia, ou ainda para
nada pela produtividade marginal dos fa-
uma economia desprovida de “classes
tores de produção.
sociais”, no sentido clássico-marxista do
termo. Trata-se de uma teoria construída
para explicar a distribuição de renda nu-
5_ A réplica de Pasinetti ma economia com duas classes sociais –
à “rota de fuga” neoclássica capitalistas e trabalhadores – e na qual a
Segundo Pasinetti (1974), o “regime Du- “filiação de classe” afeta o comporta-
al” é uma “rota de fuga” para a teoria ne- mento dos indivíduos conquanto agen-
oclássica da distribuição, não só porque tes econômicos.
ele estabeleceria as condições nas quais Nesse contexto, o problema do
a produtividade marginal dos fatores se “regime Dual” é que a sua existência
tornaria novamente o determinante da pressupõe a extinção dos capitalistas co-
distribuição de renda, como também pe- mo classe e, portanto, o fim da “econo-
lo fato de que é uma maneira de alterar mia capitalista” propriamente dita. Nas
os termos em que a questão da determi- palavras de Pasinetti (1974, p. 130):
nação da distribuição de renda foi origi- If the capitalists were not to exist
nalmente colocada. Em outras palavras, any more, their propensity to save
the primal Pasinetti golden-age; its a relação entre a taxa de lucro e o produ-
existence has nothing to do with to médio do capital, o qual é o recíproco
well-behaved marginal productivities da relação capital-produto. Essa curva é
or with one-directional functional re- suposta ser “malcomportada”, possuin-
lationships between interest rates, do trechos nos quais a mesma taxa de lu-
capital-output ratios, or other mag-
cro é compatível com diversos valores
nitudes (Samuelson e Modigliani, 1966, p. 321).
para a produtividade média do capital e
Para demonstrar que a existência trechos nos quais a relação entre essas
do “regime Dual” é compatível com a duas variáveis é inversa, ao invés de di-
“reversão de técnicas”, Samuelson e Mo- reta, como seria de se esperar, caso a tec-
digliani utilizam um diagrama semelhante nologia fosse “bem-comportada”. Essa
ao empregado por Meade, introduzindo, curva pode ser visualizada por intermé-
no entanto, uma curva AZ que descreve dio da Figura 2.
Figura 2_
Y
A
K
Z
h
s c0
h
s w0
h
Q
s w1
h
A s w2
P
K
s w > hk) não seriam observadas na mai- válido em face da remoção de algumas
or parte dos países capitalistas avançados hipóteses simplificadoras.
foi invalidada pelas réplicas de Kaldor A demonstração de Steedman en-
(1966) e Pasinetti (1974), apresentadas na volve o mesmo conjunto de hipóteses
seção anterior. usadas na obtenção do “Teorema de Pa-
Esse impasse começou a ser des- sinetti” acrescido de:
feito quando da publicação do artigo de a. o governo cobra uma alíquota cons-
Steedman (1972). Até esse momento, pa- tante t w sobre os salários, uma
recia razoável a assertiva de Samuelson alíquota t p sobre os lucros apro-
e Modigliani (1966, p. 321) de que: “[...] priados, tanto pelos capitalistas
There is a complete symmetry between the Pri- como pelos trabalhadores, e uma
mal and Dual equilibrium. Neither is more ge- alíquota t i sobre todos os gastos
neral than the other” . de consumo, incluindo os gastos
Nesse contexto, o objetivo central governamentais.
do artigo de Steedman era mostrar que a b. o orçamento do governo está equi-
inclusão da atividade governamental, na librado, de forma que a poupan-
forma de taxação direta e indireta e de ça do governo é igual a zero.
gastos governamentais, no “processo de
Dessa forma, as equações funda-
Pasinetti”, não alterava a natureza do “re-
mentais do modelo de Steedman são:
gime de Pasinetti”, ou seja, a taxa de lu-
cro continuaria, mesmo nesse caso, in- S w = s w (W + Pw - t w W - t p Pw ) (24)
dependente dos métodos de produção; S c = s c ( 1 - t c )Pc (25)
mas a simetria do “regime Dual” com
Sw S S I
respeito ao “regime de Pasinetti” seria = c = = =h (26)
destruída à medida que a relação produ- Kw Kc K K
to-capital deixaria de ser independente
Substituindo (25) em (26) e lembran-
dos métodos de produção empregados
do que Pc = rK c , temos para K c > 0 que:
na economia. Dessa forma, o “regime
h
de Pasinetti” seria mais robusto do que r= (27)
o “regime Dual”, já que permaneceria s c (1 - t p )
O que leva Steedman (1972, p. 1391) der, via de regra, dos métodos de produ-
a concluir que: ção, desaparecendo assim a simetria que
The gross rate of profit consistent o “regime Dual” apresentava com respei-
with full-employment growth is in- to ao “regime de Pasinetti”. A simetria
dependent of the methods of pro- entre os dois regimes só pode ser resta-
duction, is not influenced by the belecida no caso em que t w = t p .
taxation of wages or by the rate of Os resultados de Steedman foram
purchase tax and is an increasing criticados por Fleck e Domenghino (1987).
function of the rate of taxation on
Segundo esses autores, a “Equação de
profit income. The corresponding
rate of profit net of tax [...] is inde- Cambridge” só é válida num mundo com
pendent of the methods of producti- atividades governamentais no caso extre-
on and of all forms of taxation. Thus mo em que o governo opera com orça-
the existence of taxation has no ef- mento equilibrado. No caso mais geral
fect on the net rate of profit obtai- em que o governo opera com déficits ou
ning in a Pasinetti equilibrium [...]. superávits orçamentários no longo pra-
O mesmo não acontece com o zo, a “Equação de Cambridge” deixaria
“regime Dual”. Nesse caso, temos que de ser válida, pois tanto a participação
Pw = rK , de forma que a relação produ- dos lucros na renda como a taxa de lucro
to-capital ( k ) é dada por: passariam a depender do valor da pro-
1 éh ù pensão a poupar dos trabalhadores. Des-
k= ê - r ( t w - t p )ú (28)
sa forma, a “Equação de Cambridge” na-
1 -t w ësw û
da mais seria do que uma simples “cu-
Dessa forma, a relação produto- riosidade teórica”, apoiada em hipóteses
capital no equilíbrio de longo prazo em irrealistas a respeito da forma de atua-
que os capitalistas foram eliminados do ção do governo no sistema econômico
sistema passa a depender agora do valor (Fleck e Domenghino, 1987, p. 34).
de equilíbrio da taxa de lucro. Como no A crítica de Fleck e Domenghino
mundo neoclássico suposto por Samuel- deu ensejo à réplica de Dalziel (1989)
son e Modigliani a taxa de lucro é deter- e Pasinetti (1989a, 1989b). Segundo Dal-
minada pela produtividade marginal do ziel, o modelo apresentado por Fleck e
capital, segue-se que a determinação da Domenghino apresentava uma omissão
relação produto-capital passa a depen- similar a que Kaldor cometera no seu ar-
Referências bibliográficas