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Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

José Luís Oreiro


Professor do Departamento de Economia
da Universidade Federal do Paraná e pesquisador do CNPq

Palavras-chave Resumo Abstract


crescimento equilibrado, O presente artigo tem por objetivo fazer uma The objective of this article is to make a critical
taxa de lucro, estabilidade. revisão crítica das controvérsias sobre a Equa- evaluation of the controversies about the
ção de Cambridge, tanto na sua fase inicial – na Cambridge Equation both in the initial phase –
Classificação JEL B22, E12,
qual se envolveram Pasinetti, Kaldor, Meade, when Pasinetti, Kaldor, Meade, Samuelson and
E25.
Samuelson e Modigliani – como na fase que Modigliani got involved – and in the second
se seguiu à publicação do artigo de Steedman, round that followed the publication of
em que se argumenta que a Equação de Cam- Steedman´s article, which contends that the
bridge permanece válida mesmo em face da Cambridge Equation still holds even in the case
(à) introdução de atividades governamentais of a balanced government budget. In this setting
no modelo básico desenvolvido por Pasinetti. we will argue that (i) the Meade-Samuelson-
Nesse contexto, procuramos argumentar que Modigliani theorem (MSM theorem) does not
(i) O “Teorema Meade-Samuelson-Modiglia- depend on specific hypotheses about the shape of
ni” (Teorema MSM) não depende de hipóteses the production function, being fully compatible
específicas sobre o formato da função de pro- with the problems of re-switching of techniques
dução, sendo plenamente compatível com os raised by the “Capital Controversy”, which are
problemas de “reversão de técnicas” aponta- only relevant for the stability of the golden-age
dos na “controvérsia do Capital”, os quais só equilibrium growth path; (ii) the Pasinetti-
são relevantes para a questão da estabilidade Theorem is, however, more general than the
do crescimento em “Idade Dourada” sob o re- MSM theorem since (a) it holds true even after
gime Dual ou “Anti-Pasinetti”; (ii) O “Teore- the relaxation of some simplifying hypotheses of
ma de Pasinetti” é, no entanto, mais geral do its original version, which does not occur with
que o Teorema MSM, uma vez que (a) perma- the MSM theorem, and (b) Kaldor´s version of
nece válido mesmo após o relaxamento de al- the Pasinetti theorem holds true even in the case
gumas hipóteses simplificadoras de sua versão of the “euthanasia of capitalists”.
Key words original, o que não ocorre com o Teorema
balanced growth, rate of profit, MSM; (b) na versão do “Teorema de Pasinetti”
stability. feita por Kaldor, o referido teorema permane-
ce válido mesmo no caso de “eutanásia dos ca-
JEL Classification B22, E12, pitalistas”, ou seja, nas condições de validade
E25. do “Teorema MSM”.

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120 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

1_ Introdução O Teorema de Cambridge susci-


Um subproduto da abordagem pós-key- tou dois debates importantes nos últi-
nesiana para o “dilema Harrod-Domar” mos 40 anos. O primeiro foi iniciado
foi assim chamado “Equação de Cam- com a reação de Meade (1963, 1966),
bridge”, também conhecida como “Teo- Samuelson e Modigliani (1966) ao “Te-
rema de Pasinetti” (Lima, 2004, p. 12).1 orema de Pasinetti” numa série de arti- 1 Na verdade, a “Equação de

Essa equação estabelecia que a taxa de lu- gos publicados entre 1963 e 1966. Esses Cambridge” foi estabelecida
cro, ao longo de uma trajetória de cresci- autores procuraram argumentar que o inicialmente por Kaldor
equilíbrio de longo prazo descrito pela (1956). Coube a Pasinetti, no
mento balanceado com pleno-emprego entanto, a tarefa de mostrar
“Equação de Cambridge” seria apenas
da força de trabalho, numa economia ha- que ela poderia ser obtida sem
uma das configurações possíveis da dis- qualquer referência ao valor
bitada por duas classes de poupadores e
tribuição de renda ao longo da trajetória da propensão a poupar dos
na qual apenas uma dessas classes (os ca- trabalhadores, de forma que a
de crescimento balanceado. Ao lado des-
pitalistas) obtivesse a totalidade da sua referida propensão seria
se equilíbrio, denominado de “regime de irrelevante no que toca à
renda na forma de lucros, seria igual a ra-
Pasinetti”, haveria outro equilíbrio, igual- determinação da taxa de lucro
zão entre a taxa de crescimento da força
mente geral e simétrico, no qual a relação pro- de equilíbrio ao longo de uma
de trabalho e a propensão a poupar dos trajetória de crescimento em
duto-capital seria determinada pela ra-
capitalistas. A propensão a poupar dos “Idade Dourada”. Dessa
zão entre a taxa natural de crescimento e forma, alguns autores,
trabalhadores seria então irrelevante na
a propensão a poupar dos trabalhadores, incluindo o próprio Pasinetti
determinação da taxa de lucro. Um coro-
e a taxa de lucro seria independente da (1989b), preferem a
lário dessa abordagem é que o conceito denominação de “Teorema
“Equação de Cambridge”.2 Esse equilí-
neoclássico de produtividade marginal dos de Cambridge” ou “Processo
brio, denominado de “regime Dual” ou Kaldor-Pasinetti”. Ao longo
fatores de produção não desempenharia
“Anti-Pasinetti”, corresponderia a uma do presente artigo, iremos
nenhum papel na determinação da distri- situação na qual os capitalistas seriam considerar os termos
buição de renda entre capitalistas e tra- “eliminados” do sistema (“eutanásia dos “Equação de Cambridge”,
balhadores. A teoria neoclássica da dis- “Teorema de Pasinetti”,
capitalistas”), e a propensão a poupar da “Processo Kaldor-Pasinetti” e
tribuição não seria apenas ogicamente sociedade seria, portanto, igual à propen- “Teorema de Cambridge”
inconsistente – de acordo com a Contro- são a poupar dos trabalhadores. como sinônimos.
vérsia do Capital – mas desnecessária, uma Nesse contexto, o crescimento ba- 2 No que segue, iremos

vez que a distribuição de renda pode ser lanceado com pleno-emprego só seria pos- denominar esse resultado de
determinada sem se fazer uso de qual- “Teorema Meade-Samuelson-
sível se a relação capital-produto atuasse Modligiani” tal como
quer conceito neoclássico. como variável de ajuste entre as taxas ga- Harcourt (1972, p. 222).

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rantida e natural de crescimento. Dessa contribuição original de Steedman (1972),


forma, os princípios tradicionais neoclás- o qual mostrou que a inclusão das “ati-
sicos de substitubilidade entre os fato- vidades governamentais”, ou seja, gastos
res de produção, produtividade margi- do governo e tributação, num contexto
nal decrescente e maximização de lucro em que o governo opera com orçamento
tornar-se-iam novamente relevantes para equilibrado, não afetam as conclusões fun-
garantir a existência de uma trajetória de damentais do “Teorema de Cambridge”,
crescimento balanceada. mas elimina a simetria que o “Teorema
A posição defendida por Pasinetti Meade-Samuelson-Modigliani” tinha com
(1966, 1974) era a de que os problemas respeito ao “Teorema de Pasinetti”, uma
de “reversão de técnicas” identificados vez que a determinação da relação pro-
na controvérsia do capital não só eram duto-capital passaria a depender da fun-
suficientes para invalidar a teoria neo- ção de produção.
clássica da distribuição como também Dado isso, o presente artigo tem
para demonstrar a inexistência do “regi- por objetivo fazer uma revisão crítica
me Dual” ou, no melhor dos casos, para das controvérsias em torno da “Equação
mostrar que a ocorrência de um cresci- de Cambridge”. Esforços nesse sentido
mento balanceado sob o “regime Dual” foram feitos anteriormente por Kregel
seria possível, mas improvável. Sendo as- (1971, caps. 6 e 9), Harcourt (1972, cap. 5),
sim, a teoria neoclássica seria incapaz Teixeira e Araújo (1991, seção 1) e Lima
de dar uma resposta satisfatória para o (2004). No entanto, esses esforços são, a
“dilema Harrod-Domar”. nosso juízo, insuficientes porque ou não
3 Em particular, a revisão de
Um segundo debate se iniciou nos levam em consideração as controvérsias
Teixeira e Araújo (1991) não anos 1980, numa série de artigos publica-
chama a atenção para o fato mais recentes em torno da “Equação de
de que o problema da dos no Journal of Post Keynesian Economics e
Cambridge” (como no caso das contri-
“reversão de técnicas”, no Cambridge Journal of Economics, entre
buições de Kregel, Harcourt e Lima), ou
embora não invalide a outros. Nesse segundo debate, o ponto
existência do “regime Dual”, em discussão era a “robustez” do “Teo- tendem a desconsiderar nuanças impor-
torna impossível a
rema de Cambridge” em face do relaxa- tantes da “primeira fase” do debate sobre
convergência para uma a “Equação de Cambridge”,3 centrando-
posição de equilíbrio de longo mento de certas hipóteses simplificado-
prazo caracterizada pela ras da versão original do teorema. Esse se nos desdobramentos pós-Steedman (co-
“eutanásia dos capitalistas”. debate tomou como ponto de partida a mo no caso de Teixeira e Araújo).

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Sendo assim, iremos argumentar Assim, este artigo está estrutu-


ao longo do artigo que: rado em 10 seções, incluindo a intro-
dução. A seção 2 apresenta o “dilema
1. o “Teorema Meade-Samuelson-
Modigliani” (doravante Teorema Harrod-Domar” e a origem da “Equa-
MSM) não depende de hipóteses ção de Cambridge”. A seção 3 apresen-
especificas sobre o formato da ta a “emenda” de Pasinetti ao modelo
função de produção, sendo ple- de Kaldor que dá origem ao “processo
namente compatível com os pro- de Pasinetti”. A seção 4 discorre sobre
blemas de “reversão de técnicas” a tentativa de Meade de fazer uma “sín-
apontados na “controvérsia do tese” entre a teoria neoclássica e a teo-
Capital”. Esses problemas só são ria pós-keynesiana do crescimento e da
relevantes para a questão da esta- distribuição de renda, mostrando que
bilidade do crescimento em “Ida- ambas seriam válidas para constelações
de Dourada” sob o regime Dual distintas dos valores dos parâmetros de
ou “Anti-Pasinetti”. Dessa for- um “modelo geral” de crescimento. A
ma, a crítica de Pasinetti (1966, seção 5 cuida da réplica de Pasinetti à
1974) ao teorema MSM é apenas síntese de Meade, ao passo que a seção
parcialmente correta; 6 está dedicada à “tréplica” de Samuel-
2. o “Teorema de Pasinetti” é, no son e Modigliani, na qual esses autores
entanto, mais geral do que o Te- argumentam que a existência do “regi-
orema MSM, já que (a) permane- me Dual” não é incompatível com o
ce válido mesmo após o rela- problema de “reversão de técnicas”. A
xamento de algumas hipóteses seção 7 trata da resposta de Pasinetti e
simplificadoras de sua versão ori- Kaldor a Samuelson e a Modigliani. A
ginal, o que não ocorre com o seção 8 apresenta os desdobramentos
Teorema MSM; (b) na elaboração posteriores da “Equação de Cambrid-
do “Teorema de Pasinetti” feita ge”, e a seção 9 faz uma avaliação das
por Kaldor (1966), o referido te- controvérsias ao longo dos últimos 40
orema permanece válido mesmo anos em torno da “Equação de Cam-
no caso de “eutanásia dos capita- bridge”. A seção 10 sumariza as con-
listas”, ou seja, nas condições de clusões obtidas ao longo do artigo.
validade do “Teorema MSM”.

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2_ O Dilema Harrod-Domar Essa previsão do modelo HD con-


e a “Equação de Cambridge” trastava fortemente com a experiência
O assim chamado modelo de crescimento das economias capitalistas desenvolvidas
Harrod-Domar (doravante modelo HD) nas décadas de 1950 e 1960, período no
estabelece que, para que seja possível a qual essas economias foram capazes de
ocorrência de uma trajetória de cresci- obter elevadas taxas de crescimento do
mento balanceado com pleno-emprego produto real em conjunto com taxas de
da força de trabalho, a seguinte condição desemprego bastante reduzidas e está-
deve ser satisfeita: veis, caracterizando assim uma situação
de “pleno-emprego”.
s = kh (1) A incompatibilidade entre as pre-
em que: s é a fração da renda nacional visões do modelo HD e a experiência
que é poupada; histórica das economias desenvolvidas
k é a relação capital-produto; levou ao desenvolvimento de duas solu-
hé a taxa natural de crescimento.4 ções para o assim chamado “dilema Har-
rod-Domar” (Pasinetti, 1974, p. 121). A
No modelo HD, a condição (1) só primeira consiste em supor que a fração
seria satisfeita por uma “feliz coincidên- poupada da renda nacional pode se ajus-
cia”, visto que a fração poupada da ren- tar endogenamente, através de variações
da, a relação capital-produto e a taxa de apropriadas na distribuição funcional da
crescimento da força de trabalho são to- renda, de forma a fazer com que a equa-
madas como constantes e exógenas ao ção (1) seja atendida. Essa solução deu
modelo em consideração. Em outras pa- origem à teoria pós-keynesiana da distri-
lavras, na abordagem HD não existem buição de renda, consubstanciada pela
mecanismos econômicos capazes de fa- “Equação de Cambridge”, a qual será
zer com que as variáveis apresentadas na analisada a seguir.
equação (1) assumam os valores necessá- A segunda solução consiste em
rios para a ocorrência de uma trajetória supor que a relação capital-produto é va-
4 Numa economia desprovida
de crescimento com pleno-emprego da riável, podendo assumir o valor necessá-
de progresso tecnológico,
força de trabalho. Sendo assim, esse tipo rio para o atendimento da equação (1). A
a taxa natural de crescimento
é igual à taxa de crescimento de crescimento seria um evento impro- variabilidade da relação capital-produto
da força de trabalho. vável no contexto do modelo HD. seria a contrapartida dos princípios neo-

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clássicos de substitubilidade entre os fa- and of a “permanent” class of wor-


tores de produção, a concorrência perfeita kers distinguished by a low savings
e a maximização de lucros. Sendo assim, propensity [...] I have always regar-
a segunda solução nada mais é do que a ded the high savings propensity out
solução neoclássica para o dilema Har- of profits as something which atta-
ches to the nature of business inco-
rod-Domar, a qual deu origem ao mode-
me, and not to the wealth (or other
lo neoclássico de crescimento, tal como
peculiarities) of the individuals who
desenvolvido por Solow (1956, 2000). own property (Kaldor, 1966, p. 310).
A solução (pós-)keynesiana para o
dilema HD, desenvolvida inicialmente por Para Kaldor, a diferenciação entre
Kaldor (1956), presume que a fração pou- as propensões a poupar segundo a classe
pada da renda nacional não é uma cons- de rendimentos é uma decorrência do fa-
tante, mas uma média ponderada das pro- to de que:
pensões a poupar a partir dos lucros e i. a contínua expansão da capacida-
dos salários. Nesse contexto, assume-se de produtiva das empresas só é
que a propensão a poupar a partir dos lu- possível, no longo prazo, se par-
cros ( s c ) é maior do que a propensão a te do financiamento necessário a
poupar a partir dos salários ( s w ). Segundo essa expansão advir dos lucros
Kaldor (1966, p. 310), a existência de pro- retidos pelas empresas;
pensões a poupar diferenciadas com base ii. em função da existência de retor-
nas classes de rendimentos não decorre nos crescentes de escala, a posi-
da existência de classes sociais distintas, ção competitiva de qualquer em-
mas está relacionada com a natureza da presa num dado mercado depen-
renda empresarial. Nas suas palavras:
de do seu market share;
Samuelson and Modigliani assume iii. a contínua expansão da firma indi-
that any macro-economic theory vidual é necessária para manter
which makes use of the notion of inalterada a sua posição competi-
differences in savings propensities tiva na indústria.
between profits and wages requires
an identifiable class of hereditary Nesse contexto, as empresas têm um in-
barons – a class of capitalists “with centivo muito maior a poupar do que os
permanent membership” – distin- indivíduos, não importando se esses são
guished by a high saving propensity trabalhadores que vivem exclusivamente

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de salários ou se são rentistas que vivem s w < hk < s c (4)


dos dividendos obtidos em função da Supondo que a equação (4) seja sa-
propriedade de ações das empresas. tisfeita, a participação dos lucros na renda
Dado isso, podemos expressar a ao longo da trajetória de crescimento de
fração poupada da renda nacional da se- equilíbrio é dada pela seguinte equação:
guinte forma:
1 sw
p= hk - (5)
s = s w æç ö÷ + s c æç ö÷ = ( s c - s w )p + s w (2)
W P
sc - sw sc - sw
èY ø èY ø
Adotando-se a hipótese simplifi-
em que: W / Y é a participação dos salá- cadora de que “os trabalhadores gastam
rios na renda; tudo aquilo que ganham”, ou seja, que
p = P/Y é a participação dos lu- s w = 0 temos que:
cros na renda.
1
Substituindo (2) em (1), obtemos p= hk (6)
sc
a seguinte expressão:
Multiplicando-se ambos os lados
hk = ( s p - s w )p + s w (3)
de (6) por Y /K e fazendo uso do fato de
A equação (3) mostra que, sob que a taxa de lucro (r ) pode ser expressa
certas condições, a distribuição funcional como r = P/K = ( P/Y )( Y /K ), obtemos
da renda pode ser a variável de ajuste en- a seguinte expressão:
tre a taxa natural de crescimento e a “taxa h
garantida de crescimento” (a qual é defi- r= (7)
sc
nida como igual a s/k). Para tanto, é ne-
cessário que e hk > s w de tal forma que A equação (7) é a assim chamada
( s c - s w )p > 0. Como ( s c - s w ) > 0, segue- “Equação de Cambridge”, segundo a
se que p > 0 seja, a participação dos lu- qual a taxa de lucro é determinada, ao
cros na renda será maior do que zero. longo da trajetória de crescimento de
Além disso, sabemos que s c > s = hk – equilíbrio, pela razão entre a taxa de cres-
pois s é uma média ponderada entre s c e cimento da força de trabalho e a propen-
s w . Sendo assim, para que uma trajetória são a poupar a partir dos lucros. A tec-
de crescimento balanceado com pleno- nologia expressa pela relação capital-
emprego seja, em geral, possível, a se- produto não desempenha nenhum papel
guinte condição deve ser satisfeita: na determinação da taxa de lucro.

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3_ A emenda de Pasinetti a Kaldor 3. Os capitalistas poupam uma fra-


e o “processo de Pasinetti” ção constante s c de sua renda,
Na interpretação de Pasinetti a respeito constituída apenas de lucros; ao
passo que os trabalhadores pou-
da teoria Kaldoriana de distribuição de
pam uma fração constante s w de
renda, Kaldor teria cometido um erro
sua renda, constituída de salários
ao desconsiderar que, no caso em que
e lucros derivados da proprieda-
s w > 0, os trabalhadores passam a ter di-
de de uma parcela do capital.
reito sobre uma parte dos lucros gerados
4. Equilíbrio entre poupança e inves-
na economia, uma vez que aqueles irão timento, sendo este último igual
utilizar suas poupanças para a aquisição ao requerido pelo crescimento da
de direitos de propriedade sobre o esto- economia em “Idade Dourada”.
que de capital existente (Harcourt, 1972,
p. 216).5 Uma vez feita essa correção, a Uma demonstração matemática
“Equação de Cambridge” não mais de- bastante simples do “Teorema de Pasi-
5 Deve-se observar que, na
penderia de nenhuma hipótese particular netti” é feita a seguir, com base em Kurz origem da “emenda” de
e Salvadori (1995, p. 475-477). Pasinetti a Kaldor, reside uma
a respeito do valor da propensão a pou-
A poupança dos capitalistas e dos divergência entre esses dois
par a partir dos salários (Pasinetti, 1961- autores a respeito da causa da
trabalhadores na economia considerada por
1962, p. 272). diferenciação entre as
Pasinetti é dada pelas seguintes equações:
Na formulação de Pasinetti, a propensões a poupar.
“Equação de Cambridge” se baseia em S w = s w (W + Pw ) (8) Enquanto para Pasinetti essa
diferenciação resulta da
quatro hipóteses fundamentais (Teixeira, S c = s c Pc (9) existência de grupos sociais
1999, p. 73), a saber: distintos com diferentes
O estoque de capital de proprie- atitudes com respeito à
1. Igualdade entre a taxa de juros dade dos capitalistas tem que crescer à poupança; para Kaldor essa
que os trabalhadores recebem mesma taxa que o estoque de capital que diferenciação resulta da
dos “empréstimos” feitos aos “natureza da renda
é de propriedade dos trabalhadores, para
empresarial” (Ewijk, 1991,
capitalistas e a taxa de lucro no que seja possível a coexistência entre as p. 15). Em outras palavras, a
longo-período. duas classes sociais no equilíbrio de lon- diferenciação entre as
2. A proporção do estoque de capital go prazo. Dessa forma, temos: propensões a poupar a partir
de propriedade de cada classe so- de lucros e salários seria
s w (W + Pw ) = gK w (10) mantida mesmo no caso em
cial é proporcional a sua partici- que os capitalistas fossem
pação na poupança agregada. s c Pc = gK c (11) eliminados do sistema.

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em que: K w é a parcela do estoque de ca- K w æ 1 - rk ö s w


=ç ÷ (15)
pital que é de propriedade dos trabalha- K è k ø h
dores, e K c é o estoque de capital que é
de propriedade dos capitalistas, de forma A existência de um equilíbrio de
que: K c + K w = K . longo prazo com duas classes sociais
Assumindo que a taxa de lucro e a exige que 0 < ( K w /K ) < 1. Dessa forma,
taxa de juros são iguais no equilíbrio de a validade do “Teorema de Pasinetti”
longo prazo, temos que: exige que
Pc = rK c (12) s w < hk < s c (16)

Pw = rK w (13) ou seja, a taxa de investimento requerida


para o crescimento em “Idade Dourada”
Substituindo (12) e (13) em (10) e deve se situar no intervalo delimitado pela
(11), e lembrando que, ao longo da traje- propensão a poupar dos trabalhadores e
tória de crescimento de “Idade Doura- pela propensão a poupar dos capitalistas.
da”, a taxa de crescimento do estoque de
capital é igual à taxa natural de cresci-
mento, temos que: 4_ A “síntese”
h Meade-Samuelson-Modigliani
r= (14)
sc O grande desafio que a “Equação de
Cambridge” havia colocado para a teoria
Dessa forma, foi possível obter neoclássica do crescimento e da distribu-
novamente a “Equação de Cambridge” ição de renda era o seu elevado grau de
num contexto em que s w > 0. Como coro- generalidade. Com efeito, esse resultado
lário dessa demonstração, segue-se que a pode ser derivado sob qualquer hipótese
“propensão a poupar dos trabalhadores” a respeito do formato da função de pro-
é irrelevante na determinação da taxa de dução ou do grau de substitubilidade
lucro ao longo da trajetória de cresci- dos fatores de produção (Pasinetti, 1974,
6 Essa equação é obtida
mento balanceado com pleno-emprego. p. 127; Jones, 1979, p. 167). Dado que a
por intermédio da
substituição de (13) em (10) Por outro lado, a fração do esto- teoria neoclássica não é válida no caso
e por algumas manipulações que de capital que é de propriedade dos em que os fatores de produção são com-
algébricas triviais. trabalhadores é dada por:6 plementares perfeitos – tal como no modelo

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HD –, segue-se que a teoria pós-keyne- da seria uma teoria com baixo nível de
siana da distribuição de renda seria então generalidade, em comparação com a teo-
válida sob hipóteses mais gerais a respei- ria pós-keynesiana, e construída a partir
to do formato da função de produção do de hipóteses dispensáveis a respeito do
que a teoria neoclássica. Por outro lado, formato da função de produção. O terreno
se a “Equação de Cambridge” for correta, estava preparado para a suplantação dessa
então a produtividade marginal dos fato- teoria pela alternativa pós-keynesiana.
res de produção não desempenha ne- A resposta neoclássica ao desafio
nhum papel na determinação da distribui- imposto pela “Equação de Cambridge” e
ção funcional da renda ao longo da tra- pela teoria pós-keynesiana da distribui-
jetória de crescimento balanceado com ção de renda foi mostrar que a referida
pleno-emprego. O conceito de produti- equação seria apenas um resultado possí-
vidade marginal é, portanto, dispensável vel do “processo de Pasinetti”.7 Com efe-
como explicação da distribuição funcio- ito, tal como foi visto na seção anterior, a
nal da renda. “Equação de Cambridge” só teria valida-
Outro ponto a ser ressaltado é que de dentro do intervalo delimitado pela
a teoria pós-keynesiana mostra que o di- equação (16), caso contrário:
lema “Harrod-Domar” pode ser resolvi- [...] One of the social classes will di-
do por outro mecanismo que não a flexi- sappear in the long-run, and what is
bilidade da relação capital-produto. Esse more serious, the distribution of in-
é um aspecto importante porque mostra come over workers and rentiers will
que a hipótese tradicional neoclássica de no longer operate as a mechanism
7 O “processo de Pasinetti”
substitubilidade dos fatores de produção ensuring equilibrium between sa-
refere-se à natureza da posição
vings and investment (Ewijk, 1991, p. 11).
não é necessária para a obtenção de uma de equilíbrio de longo prazo
trajetória de crescimento com pleno-em- O que acontece fora dos limites de do sistema econômico
quando a razão entre o
prego. Sendo assim, essa substitubilidade validade da “Equação de Cambridge?” estoque de capital de
entre os fatores de produção é uma hipó- Essa é a pergunta fundamental que Mea- propriedade dos capitalistas
tese dispensável na construção dos modelos de, Samuelson e Modigliani fizeram na e o estoque de capital de
propriedade dos trabalhadores
de crescimento balanceado. seqüência do artigo seminal de Pasinetti já convergiu para o seu valor
Nesse contexto, a teoria neoclássica (Harcourt, 1972, p. 221). Para esses au- final ou de repouso sistêmico
do crescimento e da distribuição de ren- tores, se as condições de contorno do (Meade, 1966, p. 161).

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“Teorema de Pasinetti” não forem aten- Sendo assim, o argumento central


didas, a existência de uma trajetória de de Meade, Samuelson e Modigliani é que
crescimento com pleno-emprego da força “o ‘processo de Pasinetti’ dá origem a dois
de trabalho exigiria que a relação capital- resultados igualmente gerais e simétri-
produto voltasse a desempenhar o papel cos”. Isso porque, de um lado, o regime
de variável de ajuste entre a taxa garantida Dual, tal como o regime de Pasinetti,
e a taxa natural de crescimento. Dessa for- não dependeria de hipóteses específicas
a respeito da tecnologia empregada na
ma, o equilíbrio de longo prazo em “Ida-
economia. Por outro lado, a simetria en-
de Dourada” seria tal que a relação produ-
tre os dois regimes resultaria do fato de
to-capital (a recíproca da relação capital-
que, no regime de Pasinetti, a taxa de lu-
produto) seria determinada pela razão
cro seria determinada por h/s c e nada
entre a taxa natural de crescimento e a mais; ao passo que, no regime Dual, a
propensão a poupar dos trabalhadores. “produtividade do capital” seria determi-
Esse resultado configuraria então um novo nada por h/s w e nada mais.
regime, denominado de “Dual” ou “Anti- Esse argumento foi inicialmente
Pasinetti”, no qual a taxa de lucro não é elaborado por Meade (1963; 1966). Se-
dada pela “Equação de Cambridge”, sen- gundo esse autor, o “processo de Pasinet-
do determinada pela tec- nologia disponí- ti” possui três resultados possíveis, a saber:
vel na economia. Nas palavras de Samuel-
1. não há nenhum equilíbrio de ste-
son e Modigliani (1966, p. 321): ady-state possível;
[...] The Pasinetti golden-age equili- 2. a distribuição da propriedade do
brium, instead of being the general capital entre capitalistas e traba-
one, has to be recognized as but one lhadores é tal que r = h/s c , ou
of two golden-age equilibrium, be- seja, o “regime de Pasinetti”;
ing matched so to speak by what 3. a distribuição da propriedade do
we called Dual or Anti-Pasinetti capital entre capitalistas e traba-
equilibrium [...] There is complete lhadores é tal que 1/K = h/s w ,
symmetry between the Primal and ou seja, o “regime Dual”.
Dual equilibrium. Neither is more
general than the other. Para tanto, consideremos a Figura 1.

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130 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

Figura 1_

Y P
Y G =
K K
K

C D F

h E
sw

P
O h B
K
sc

Na Figura 1, o tamanho do seg- jetória de crescimento balanceado, cresce


mento OB representa o valor da taxa de lu- à taxa h. Sendo assim, mais cedo ou mais
cro no “regime Pasinetti”. O segmento OC tarde, o estoque de capital agregado esta-
representa o valor do produto médio do rá crescendo a uma taxa maior do que o
capital – o inverso da relação capital-pro- produto e a força de trabalho, o que é in-
duto – sob o “regime Dual”. Os valores de compatível com o steady-state.
equilíbrio de longo prazo de Y /K e P/K Na região acima do segmento CF,
têm que se situar sobre um desses segmen- temos que [( s w Y /K ) > h]. Mesmo que
tos, caso esse equilíbrio exista. todo o estoque de capital seja de proprie-
A direita do segmento BG, temos dade dos trabalhadores, o capital agrega-
que r > n /s c . Dessa forma, o estoque de do estará crescendo a uma taxa maior do
capital que é de propriedade dos capita- que a taxa de crescimento do produto,
listas ( K c ) irá crescer mais rapidamente o que é incompatível com o steady-state.
do que o produto, o qual, ao longo da tra- Com efeito, se K = K w , a taxa de cresci-

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José Luís Oreiro 131

mento do estoque de capital será dada A determinação do resultado efe-


por[( s w Y /K )]. Por outro lado, se K > K w tivo do “processo de Pasinetti” depende,
então o estoque de capital agregado irá cres- contudo, do formato da função de pro-
cer a uma taxa maior do que[( s w Y /K )]. dução. No caso de uma função de produ-
Por fim, no interior da área OCDE, ção Cobb-Douglas com elasticidade de
temos que ( s c P/K ) < h e ( s w Y /K ) < h. substituição unitária entre capital e traba-
Nessa região, o estoque de capital de pro- lho, a participação dos lucros na renda
priedade dos capitalistas estará crescen- será constante, sendo representada por
do a uma taxa menor do que o produto. uma linha reta partindo da origem na Fi-
Sendo assim, a razão K c /K w tende a zero, gura 1. Se essa reta passar pelo ponto D
ou seja, ocorre a assim chamada “eutaná- da Figura 1, então a participação dos lu-
sia dos capitalistas”. Contudo, nessa região cros na renda será dada por P/Y = s w /s c .
o estoque de capital agregado também Esse ponto é a “fronteira” entre os regi-
está crescendo a uma taxa menor do que mes “Dual” e de “Pasinetti”. Se essa reta
o produto, haja vista que ( s w Y /K ) < h; se interceptar com o segmento CD à di-
situação essa que é incompatível com o reita do ponto D, a economia estará ope-
equilíbrio de steady-state. rando no regime “Dual”, com uma taxa
Dessa forma, o equilíbrio de ste- de lucro menor do que h/s c e uma par-
ady-state, se existir, só pode se situar so- ticipação dos lucros na renda tal que
bre os segmentos CD e DE. Nas pala- P/Y > s w /s c . Por outro lado, se essa reta
vras de Meade (1966, p. 163): se interceptar com o segmento DE, a
On the line DE we have ( s w Y/K ) = h economia irá operar no “regime de Pasi-
e ( s c P/K ) < h . This is the case of the netti”, no qual a taxa de lucro é igual a
long-run steady-state in which wor- h/s c , e a participação dos lucros na renda
kers’ capital comes to dominate ca- é tal que P/Y < s w /s c .
pitalists’ capital; and we have a long- Com base nesse raciocínio, pode-
run steady-state with Y/K = h /s w . On mos concluir que o “regime de Pasinet-
the line DE we have ( s w Y/K ) < h ti” irá ocorrer se a seguinte condição for
e ( s c P/K ) = h . This is the case [...]
satisfeita:
where the distribution of property ad-
justs itself between workers and ca- P
sw £ sc (17)
pitalists until P/K = h /s c . Y

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132 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

Sendo assim, o “regime Dual” irá trata-se de uma forma de “fugir” das ques-
ocorrer quando: tões colocadas pela teoria pós-keynesia-
P na da distribuição de renda ou “não-res-
sw > sc (18) ponder” a elas.
Y
Dado isso, a questão relevante não
Daqui se segue que a “Equação de seria determinar a configuração de equi-
Cambridge” não é o único resultado pos- líbrio de longo prazo da distribuição de
sível do “processo de Pasinetti”, existindo renda e de propriedade de uma economia
outro, igualmente geral, no qual a taxa de qualquer, mas a configuração de equilíbrio
lucro é determinada de forma indepen- de uma economia capitalista, entendida
dente da referida equação. Se a função como uma economia em que uma classe
de produção for do tipo Cobb-Douglas de agentes – os capitalistas – deriva a sua
com elasticidade de substituição unitária renda exclusivamente da propriedade do capi-
e se a condição (27) for satisfeita, a distri- tal. A teoria pós-keynesiana da distribui-
buição funcional da renda será determi- ção de renda não se pretende válida para
qualquer tipo de economia, ou ainda para
nada pela produtividade marginal dos fa-
uma economia desprovida de “classes
tores de produção.
sociais”, no sentido clássico-marxista do
termo. Trata-se de uma teoria construída
para explicar a distribuição de renda nu-
5_ A réplica de Pasinetti ma economia com duas classes sociais –
à “rota de fuga” neoclássica capitalistas e trabalhadores – e na qual a
Segundo Pasinetti (1974), o “regime Du- “filiação de classe” afeta o comporta-
al” é uma “rota de fuga” para a teoria ne- mento dos indivíduos conquanto agen-
oclássica da distribuição, não só porque tes econômicos.
ele estabeleceria as condições nas quais Nesse contexto, o problema do
a produtividade marginal dos fatores se “regime Dual” é que a sua existência
tornaria novamente o determinante da pressupõe a extinção dos capitalistas co-
distribuição de renda, como também pe- mo classe e, portanto, o fim da “econo-
lo fato de que é uma maneira de alterar mia capitalista” propriamente dita. Nas
os termos em que a questão da determi- palavras de Pasinetti (1974, p. 130):
nação da distribuição de renda foi origi- If the capitalists were not to exist
nalmente colocada. Em outras palavras, any more, their propensity to save

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José Luís Oreiro 133

obviously could not determine the cimento balanceado com pleno-emprego


rate of profit. There is, therefore, a seja possível, a relação capital-produto
way of preventing the Cambridge deve ser flexível o bastante para garantir
equation from operating, and that o atendimento da equação (1). Dessa for-
is by eliminating the capitalists ma, os princípios neoclássicos de substi-
from the system!
tubilidade entre os fatores de produção,
Com efeito, no “regime Dual” é produtividade marginal decrescente e ma-
verdade que s c P/K < h. Ao longo da tra- ximização de lucro tornam-se indispen-
jetória de crescimento balanceado, temos sáveis para a construção de um modelo
que Pc /K c = P/K , o que implica que o de crescimento balanceado com pleno-
estoque de capital de propriedade dos ca- emprego. A teoria neoclássica estaria as-
pitalistas estará crescendo a uma taxa me- sim “a salvo” do desafio colocado pela
nor do que a economia. Como ao longo “Equação de Cambridge”.
dessa trajetória de crescimento a relação Pasinetti argumenta, no entanto,
capital-produto é constante, de tal forma que a “eutanásia dos capitalistas” não é
que o estoque agregado de capital e o condição suficiente – embora seja neces-
produto estarão ambos crescendo à mes- sária – para devolver à relação capital-
ma taxa, segue-se que a participação dos produto o papel de variável de ajuste en-
capitalistas no estoque agregado de capi- tre as taxas garantida e natural de cresci-
tal irá tender a zero. No longo prazo, a mento. Para que a relação capital-produto
totalidade do estoque de capital será de sirva de variável de ajuste entre as duas
propriedade dos trabalhadores, os capi- taxas, é preciso que:
talistas terão sido extintos e haverá ape-
i. o intervalo de variação dessa rela-
nas uma categoria de poupadores, qual
ção seja bastante amplo;
seja, os trabalhadores.
ii. essa relação deve ser uma função
Com a “eutanásia dos capitalis-
monotonicamente decrescente da
tas”, a fração poupada da renda nacional
taxa de lucro.
torna-se constante e igual à s w . Daqui se
segue que o ajuste entre a taxa natural e a A necessidade de uma grande am-
taxa garantida de crescimento não pode plitude de variação da relação capital-
mais ser feito por intermédio da distribu- produto para que ela sirva como variável
ição de renda. Portanto, para que o cres- de ajuste entre as taxas garantida e natu-

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134 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

ral de crescimento se explica pelo fato de longo do tempo. Se a função de produção


que, se essa amplitude for reduzida, pode for “bem-comportada”, esse aumento do
não ser possível a essa variável assumir emprego por unidade de capital irá gerar
o valor necessário para garantir o aten- acréscimo da taxa de lucro, seguida por
dimento da equação (1). Nesse caso, o uma redução da relação capital-produto.
crescimento balanceado com pleno-em- Verifica-se que a existência de uma relação
prego seria o resultado, tal como no mo- inversa entre a relação capital-produto e a
delo HD, de uma “feliz coincidência” taxa de lucro garante a convergência da
(Pasinetti, 1974, p. 133). economia à trajetória de crescimento ba-
Por que razão a relação capital- lanceado com pleno-emprego. Se essa re-
produto deveria ser uma função monó- lação for não-monotônica, a economia
tona decrescente da taxa de lucro? Para pode não ser capaz de alcançar a sua traje-
responder a essa pergunta, consideremos tória de crescimento balanceado (Ama-
uma situação inicial tal que a taxa garanti- deo e Dutt, 1987, p. 569-570).
da de crescimento é menor do que a na- O ponto ressaltado por Pasinetti é
tural, ou seja, s/k < h. A fim de que a eco- que dificilmente a tecnologia irá apresen-
nomia possa convergir para a trajetória de tar as propriedades necessárias para fazer
crescimento balanceado com pleno-em- com que a relação capital-produto possa
prego, a relação capital-produto deverá atuar como variável de ajuste entre as ta-
reduzir-se de forma a aumentar o valor da xas garantida e natural de crescimento.
taxa garantida de crescimento até que a Nas suas palavras:
mesma se iguale ao valor da taxa natural.
The capital-output ratio does, of
Nesse contexto, a trajetória de cres-
course, depend on the rate of profit
cimento balanceado com pleno-emprego
for many reasons. As the rate of pro-
será um equilíbrio estável se, e somente se, a fit changes: (i) the technique of pro-
dinâmica da economia fora dessa trajetó- duction may change, (ii) even if the
ria de crescimento for tal que o equilíbrio technique of production remains the
seja restaurado. Na situação acima des- same, all relative prices change, (iii)
crita, a força de trabalho estará crescendo the composition of output, and thus
mais rapidamente do que o estoque de the stock of capital may change too.
capital, de tal forma que o emprego por However nothing can be said a prio-
unidade de capital estará se reduzindo ao ri on the direction of any of these

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José Luís Oreiro 135

changes [...] In general this function a distribuição funcional da renda. O “re-


is not monotonic, is not smoothly gime Dual” se constitui também num
differentiable and, most of all, has fi- equilíbrio de longo prazo, válido em con-
nite limits above and below [...] the dições tão gerais quanto o “regime de Pa-
capital-output ratio can only vary wit- sinetti”. Nas palavras de Samuelson e
hin a finite band” (Pasinetti, 1974, p. 133). Modigliani (1966, p. 321):
Nesse contexto, a teoria neoclássica [...] the Pasinetti golden-age equili-
do crescimento e da distribuição de renda brium, instead of being the general
só é válida se forem feitas hipóteses restritivas one, had to be recognized as but
e irrealistas a respeito da tecnologia. A teoria one of two golden-age equilibrium,
pós-keynesiana é mais geral porque não being matched so-to-speak by what
se apóia em nenhuma hipótese específi- we called the Dual or Anti-Pasinetti
ca sobre a tecnologia. Citando Pasinetti equilibrium [...] there is complete
symmetry between Primal and Dual
(1947, p. 131):
equilibrium. Neither is more gene-
If s w < hk, the Cambridge equation ral than the other.
will hold indeed irrespective of any Nesse contexto, Samuelson e Mo-
assumption on technology; but if
digliani se propõem a demonstrar que a
s w > hk, what happens depends
existência do “regime Dual” não depen-
crucially on technology. The Mea-
de-Samuelson-Modigliani’s margi-
de de nenhuma hipótese específica a res-
8 O fenômeno da “reversão
nal productivity results only follow peito do formato da função de produção
de técnicas” é uma situação na ou da existência de uma relação inversa
on particular and unacceptable as-
qual os empresários, entre a taxa de lucro e a razão capital-pro-
confrontados com uma taxa sumptions on technology [...].
de lucro muito baixa, voltam a duto. Mais concretamente, Samuelson
adotar técnicas de produção e Modigliani desejam demonstrar que a
intensivas em trabalho, as 6_ A “tréplica” de existência do “regime Dual” é compatível
quais só pareciam ser Samuelson e Modigliani com o fenômeno da “reversão de técni-
economicamente viáveis
quando a taxa de lucro era A resposta neoclássica à réplica de Pasi- cas”8 (reswitching) que havia sido “desco-
muito elevada (Samuelson, netti foi feita por Samuelson e Modiglia- berto” pela Controvérsia do Capital entre a
1978, p. 193). Esse fenômeno ni (1966). Segundo esses autores, Meade Cambridge americana e a Cambridge in-
faz com que a demanda pelos glesa. Segundo esses autores:
fatores de produção não seja estava certo ao afirmar que o “regime de
uma função inversa dos Pasinetti” não é a única configuração de We claim that [...] the Dual golden-
preços dos fatores. equilíbrio de longo prazo possível para age regime is every bit as general as

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136 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

the primal Pasinetti golden-age; its a relação entre a taxa de lucro e o produ-
existence has nothing to do with to médio do capital, o qual é o recíproco
well-behaved marginal productivities da relação capital-produto. Essa curva é
or with one-directional functional re- suposta ser “malcomportada”, possuin-
lationships between interest rates, do trechos nos quais a mesma taxa de lu-
capital-output ratios, or other mag-
cro é compatível com diversos valores
nitudes (Samuelson e Modigliani, 1966, p. 321).
para a produtividade média do capital e
Para demonstrar que a existência trechos nos quais a relação entre essas
do “regime Dual” é compatível com a duas variáveis é inversa, ao invés de di-
“reversão de técnicas”, Samuelson e Mo- reta, como seria de se esperar, caso a tec-
digliani utilizam um diagrama semelhante nologia fosse “bem-comportada”. Essa
ao empregado por Meade, introduzindo, curva pode ser visualizada por intermé-
no entanto, uma curva AZ que descreve dio da Figura 2.

Figura 2_

Y
A
K
Z
h
s c0
h
s w0

h
Q
s w1
h
A s w2

P
K

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José Luís Oreiro 137

Nesse contexto, um ponto ( r , A ) (s w0 , s c0 ), segue-se que A * deve estar situa-


na Figura 2 será um ponto de equilíbrio do no ponto Q sobre a curva AZ, para
de “Idade Dourada” se: que as condições de equilíbrio de “Idade
i. estiver sobre o lócus A( r , h) ou Dourada” sejam respeitadas. Nesse pon-
seja, A * = A( r * , h); to, temos que r = h/s c , ou seja, a econo-
mia se encontra no “regime de Pasinetti”.
ii. r £ h/s c , de forma que o estoque
Se a propensão a poupar dos tra-
de capital que é de propriedade
balhadores estiver situada no intervalo
dos capitalistas não cresça mais
s w0 < s w < s w1 , o atendimento das condi-
rapidamente do que a força de
trabalho; ções de equilíbrio de “Idade Dourada”
iii. A * £ h/s w , de forma que o esto- exige que A * se situe no ponto Q, no
que de capital que é de proprie- qual prevalece o “regime de Pasinetti”.
dade dos trabalhadores não cres- O que acontece se a propensão
ça mais rapidamente do que a a poupar dos trabalhadores for tal que
força de trabalho; s w > s w1 ? Nesse caso, podemos verificar
iv. uma das condições (ii) e (iii) deve na Figura 2 que o atendimento das con-
ser satisfeita como igualdade, de dições de equilíbrio de “Idade Dourada”
tal forma que o estoque de capi- exige que a taxa de lucro se reduza até
tal agregado possa crescer à mes- o ponto em que a economia se situe so-
ma taxa que a força de trabalho. bre a curva AZ. Em outras palavras, a
economia irá operar sobre a curva AZ
O equilíbrio de “Idade Dourada” num ponto abaixo e à direita do ponto Q.
referente ao “regime de Pasinetti” con-
Sendo assim, temos que Y /K = h/s w e
siste, portanto, numa situação em que
P/K < h /s c , ou seja, a economia estará
r * £ h/s c e A( r * , h) £ h/ s w . Por outro
operando no “regime Dual”, em que os
lado, o equilíbrio de “Idade Dourada” capitalistas terão sido extintos, e a pro-
referente ao “regime Dual” é tal que pensão a poupar da sociedade será igual à
A * * = h/s w e r * * < h/s c . propensão a poupar dos trabalhadores.
Dado isso, consideremos que os O ponto a ser ressaltado é que,
valores iniciais das propensões a poupar nesse segmento da curva AZ, a relação
dos trabalhadores e dos capitalistas sejam entre a taxa de lucro e a razão capital-
dados por s w0 e s c0 . Para esse par de valores produto não é “bem-comportada”, haja

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138 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

vista que a função A( r , h) associa ao mesmo rentiers, we would find it hard to


valor da taxa de lucro diversos valores para a recí- believe that the propensity to save
proca da relação capital-produto. Esse com- of this group – a quite varied lot of
portamento “exótico” da função A( r , h) hereditary aristocrats, playboys and
retired households – would exceed
– o qual reflete o problema de “reversão
some 20 percent. If this figure is
de técnicas” identificado pela Controvérsia
combined with the much more so-
do Capital – não impede a existência do
lid estimate of a it implies, that for
“regime Dual” para certa constelação de Pasinetti´s theorem to hold the sa-
valores da propensão a poupar dos traba- ving propensity of the rest of the
lhadores e dos capitalistas. community, s w should be no more
Daqui se segue que a existência than 5 percent. This we regard as
do referido regime não pressupõe ne- an implausibly low figure when it
nhuma hipótese específica a respeito da is remembered that the workers to
tecnologia ou do formato da função which s w applies are again a quite
A( r , h). A única condição necessária mixed lot including laborers, pro-
para a existência do “regime Dual” é fessionals, self-employed entrepre-
neurs, civil servants, business exe-
que s w > ( P/Y )s c . Segundo Samuelson e
cutives of all ranks, and so on (Samuel-
Modigliani, essa condição é atendida para
son e Modigliani, 1966, p. 329).
os valores de s w , s w e P/Y encontrados
na maior parte dos países capitalistas de-
senvolvidos (Samuelson e Modigliani, 7_ A resposta de Pasinetti
1966, p. 329). Dessa forma, o “regime de e Kaldor à “tréplica”
Pasinetti” seria uma simples curiosidade de Samuelson e Modigliani
teórica, ainda que, a nível puramente
A resposta de Pasinetti a Samuelson e a
abstrato, seja tão geral e simétrico quan-
Modigliani consistiu em reafirmar que
to o “regime Dual”, sem nenhuma re- uma trajetória de crescimento balancea-
levância para a análise do funcionamen- do estável com pleno-emprego na qual
to das economias capitalistas modernas. os capitalistas tenham sido “eliminados”
Nas suas palavras: do sistema é altamente improvável, uma
[...] even if we set aside our qualms vez que a relação capital-produto deve-
and just play the game were willing to ria ser “excessivamente” flexível para ga-
identify the capitalists with today’s rantir o ajuste entre as taxas garantida e

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José Luís Oreiro 139

natural de crescimento. Embora a referi- seria maior do que o nível socialmente


da relação não possa ser tomada como ótimo, de tal forma que o equilíbrio seria
constante, tal como acontecia no modelo dinamicamente ineficiente (Blanchard e Fis-
HD, certamente ela não possui a flexibi- cher, 1989, p. 103). Dessa maneira, o li-
lidade necessária para garantir o atendi- mite de variação da taxa de lucro, para
mento da condição HD de crescimento que seja possível um crescimento balan-
balanceado. Nas palavras de Pasinetti: ceado com pleno-emprego da força de
trabalho, é dado por:
Either the workers’ propensity to
save s w does not reach the critical le- h
h< r < (19)
vel beyond which workers would ac- sc
cumulate faster than the capitalists,
and in this case equilibrium growth is Essa restrição impõe um limite es-
possible, with the Cambridge Equati- treito de variação da relação capital-pro-
on determining the rate of profit. Or duto – a qual é uma função j( r ) da taxa
else s w is higher than that level, and de lucro – mesmo no caso em que a tec-
in this case what will normally hap- nologia é tal que a referida relação é alta-
pen is that no equilibrium growth mente flexível. Nesse contexto, é alta-
is possible at all. In between the Cam- mente improvável que – dados os valores
bridge-equation equilibrium range da propensão a poupar dos trabalhado-
and the no-equilibrium range, there res e da taxa natural de crescimento – a
is a small range of values for s w for relação capital-produto possa assumir o
which an equilibrium growth path of valor necessário para garantir a ocorrên-
Harrodian type is possible but is li-
cia de uma trajetória de crescimento ba-
kely to be of no practical relevance
lanceado com pleno-emprego, caso a eco-
(Pasinetti, 1974, p. 139).
nomia esteja operando no “regime Dual”.
Para tanto, Pasinetti introduz uma Em outras palavras, o crescimento balan-
restrição adicional no modelo Samuel- ceado com “eutanásia dos capitalistas” é
son-Modigliani, qual seja, que a taxa de teoricamente possível, porém imprová-
lucro ao longo da trajetória de cresci- vel. Segue-se, portanto, que o crescimen-
mento balanceado não pode ser menor to balanceado só será possível, em geral,
do que a taxa natural de crescimento. Ca- se a “Equação de Cambridge” for válida.
so contrário, o estoque de capital de equi- A resposta de Kaldor (1966) a Sa-
líbrio de longo prazo dessa economia muelson e a Modigliani se baseou numa

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140 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

análise mais detalhada dos fatores que Em segundo lugar, se a diferencia-


explicam a diferenciação entre as pro- ção entre as propensões a poupar não
pensões a poupar com base na classe de se deve à existência de uma classe social
rendimentos. Tal como foi visto na seção com características específicas – os capi-
2, para Kaldor a diferenciação entre as talistas –, então mesmo que essa classe
propensões a poupar a partir de salários seja eliminada do sistema econômico a re-
e lucros não se deve à existência de uma ferida diferenciação continuaria a existir.
classe especial de indivíduos ricos e ocio- Dessa forma, poderia ainda ser possível a
sos com elevada propensão a poupar, obtenção da “Equação de Cambridge” por
mas decorre do estímulo que as empre- outros meios que não os desenvolvidos
sas têm para reter grande proporção dos por Pasinetti. Essa é a intuição básica
seus lucros num ambiente marcado pela do assim chamado “Novo Teorema de
presença de economias dinâmicas de es- Pasinetti” (Neo-Pasinetti Theorem) desen-
cala (learning-by-doing). volvido por Kaldor (1966), o qual iremos
Se a fonte da diferenciação entre apresentar de forma sucinta a seguir.
as propensões a poupar é origem dos
Consideremos uma economia na
rendimentos, e não a filiação a uma classe
qual os trabalhadores poupam uma fra-
social específica, então se podem tirar
ção s w de suas rendas (W ) para financiar
duas conseqüências importantes para o
o seu consumo na aposentadoria. Essa
debate sobre o resultado do “processo de
poupança é assim a fonte primária da de-
Pasinetti”. Em primeiro lugar, os valores
manda por ações que as empresas emi-
de s c e s w utilizados no cálculo das con-
tem para obter recursos externos para o
dições de contorno dos regimes “Dual” e
de Pasinetti devem ser reestimados. Mais financiamento dos seus planos de inves-
especificamente, o valor do parâmetro s c timento. Os trabalhadores aposentados
deve ser reestimado de 0,20, como su- dessa economia consomem uma fração c
ponham Samuelson e Modigliani (1966, dos “ganhos de capital” G proporciona-
p. 329) para 0,7 ou 0,8 (Kaldor, 1966, dos pelas ações que eles compraram en-
p. 312), o que amplia consideravelmente quanto ainda estavam trabalhando. Por
o espaço de validade da “Equação de fim, as empresas financiam uma propor-
Cambridge”. Sendo assim, as condições ção z do seu investimento planejado gK,
de contorno do “regime de Pasinetti” pas- em que g é a taxa desejada de crescimento
sariam a ser satisfeitas para o caso das do estoque de capital que pode ou não
economias capitalistas desenvolvidas. ser igual à taxa natural de crescimento da

n ova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005


José Luís Oreiro 141

economia (Harcourt, 1972, p. 229). O de indivíduos com elevada propensão a


equilíbrio no mercado de ações exige que: poupar, ou ainda sem supor que a econo-
s w W = cG + zgK (20) mia se acha numa trajetória de cresci-
*
mento em “Idade Dourada” (Harcourt,
Definindo-seV como a razão en- 1972, p. 230).
tre o valor de mercado das ações das em-
presas e o valor do capital empregado pe-
las firmas, os ganhos de capital G podem 8_ Generalizações posteriores
ser expressos por:
da “Equação de Cambridge”
G = ND P = A primeira fase do debate a respeito
(21)
= V * DK - PDN = gK (V * - z ) da validade da “Equação de Cambridge”
em que: P é o preço unitário das ações havia terminado no final da década de
das empresas; 1960 em certo impasse. Por um lado, a
N é o numero de ações emitidas. argumentação de Pasinetti de que a exis-
tência do “regime Dual” dependeria de
Supondo que as empresas pou-
hipóteses específicas e inaceitáveis – a
pam uma fração s c dos seus lucros (P ),
luz da “Controvérsia do Capital” – a res-
então a restrição de financiamento do in-
peito do formato da função de produção
vestimento é dada por:
foi facilmente desmontada por Samuel-
z gK = gK - s c P (22) son e Modiligliani a partir da constru-
Após algumas manipulações algé- ção de um contraexemplo gráfico (ver
bricas do sistema formado pelas equa- Figura 2), no qual se mostra que a deter-
ções (20)-(22), pode-se demonstrar que a minação do valor de equilíbrio de longo
taxa de lucro de equilíbrio de longo pra- prazo da taxa de lucro e da relação pro-
zo9 é dada por: duto-capital é possível mesmo no caso
em que a função de produção é malcom-
(1 - z )g
9 Ressaltando apenas r= (23) portada, em razão do “problema de re-
sc versão de técnicas”.
que esse equilíbrio de longo
prazo não necessariamente Sendo assim, Kaldor obtém um Por outro lado, a tentativa de Sa-
é o equilíbrio de “Idade resultado similar ao de Pasinetti, sem, muelson e Modigliani de mostrar que as
Dourada”, no qual a
economia cresce a uma contudo, fazer nenhuma hipótese a res- condições de contorno necessárias para a
taxa igual à taxa natural. peito da existência de uma classe especial validade do “regime de Pasinetti” (ou seja,

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142 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

s w > hk) não seriam observadas na mai- válido em face da remoção de algumas
or parte dos países capitalistas avançados hipóteses simplificadoras.
foi invalidada pelas réplicas de Kaldor A demonstração de Steedman en-
(1966) e Pasinetti (1974), apresentadas na volve o mesmo conjunto de hipóteses
seção anterior. usadas na obtenção do “Teorema de Pa-
Esse impasse começou a ser des- sinetti” acrescido de:
feito quando da publicação do artigo de a. o governo cobra uma alíquota cons-
Steedman (1972). Até esse momento, pa- tante t w sobre os salários, uma
recia razoável a assertiva de Samuelson alíquota t p sobre os lucros apro-
e Modigliani (1966, p. 321) de que: “[...] priados, tanto pelos capitalistas
There is a complete symmetry between the Pri- como pelos trabalhadores, e uma
mal and Dual equilibrium. Neither is more ge- alíquota t i sobre todos os gastos
neral than the other” . de consumo, incluindo os gastos
Nesse contexto, o objetivo central governamentais.
do artigo de Steedman era mostrar que a b. o orçamento do governo está equi-
inclusão da atividade governamental, na librado, de forma que a poupan-
forma de taxação direta e indireta e de ça do governo é igual a zero.
gastos governamentais, no “processo de
Dessa forma, as equações funda-
Pasinetti”, não alterava a natureza do “re-
mentais do modelo de Steedman são:
gime de Pasinetti”, ou seja, a taxa de lu-
cro continuaria, mesmo nesse caso, in- S w = s w (W + Pw - t w W - t p Pw ) (24)
dependente dos métodos de produção; S c = s c ( 1 - t c )Pc (25)
mas a simetria do “regime Dual” com
Sw S S I
respeito ao “regime de Pasinetti” seria = c = = =h (26)
destruída à medida que a relação produ- Kw Kc K K
to-capital deixaria de ser independente
Substituindo (25) em (26) e lembran-
dos métodos de produção empregados
do que Pc = rK c , temos para K c > 0 que:
na economia. Dessa forma, o “regime
h
de Pasinetti” seria mais robusto do que r= (27)
o “regime Dual”, já que permaneceria s c (1 - t p )

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José Luís Oreiro 143

O que leva Steedman (1972, p. 1391) der, via de regra, dos métodos de produ-
a concluir que: ção, desaparecendo assim a simetria que
The gross rate of profit consistent o “regime Dual” apresentava com respei-
with full-employment growth is in- to ao “regime de Pasinetti”. A simetria
dependent of the methods of pro- entre os dois regimes só pode ser resta-
duction, is not influenced by the belecida no caso em que t w = t p .
taxation of wages or by the rate of Os resultados de Steedman foram
purchase tax and is an increasing criticados por Fleck e Domenghino (1987).
function of the rate of taxation on
Segundo esses autores, a “Equação de
profit income. The corresponding
rate of profit net of tax [...] is inde- Cambridge” só é válida num mundo com
pendent of the methods of producti- atividades governamentais no caso extre-
on and of all forms of taxation. Thus mo em que o governo opera com orça-
the existence of taxation has no ef- mento equilibrado. No caso mais geral
fect on the net rate of profit obtai- em que o governo opera com déficits ou
ning in a Pasinetti equilibrium [...]. superávits orçamentários no longo pra-
O mesmo não acontece com o zo, a “Equação de Cambridge” deixaria
“regime Dual”. Nesse caso, temos que de ser válida, pois tanto a participação
Pw = rK , de forma que a relação produ- dos lucros na renda como a taxa de lucro
to-capital ( k ) é dada por: passariam a depender do valor da pro-
1 éh ù pensão a poupar dos trabalhadores. Des-
k= ê - r ( t w - t p )ú (28)
sa forma, a “Equação de Cambridge” na-
1 -t w ësw û
da mais seria do que uma simples “cu-
Dessa forma, a relação produto- riosidade teórica”, apoiada em hipóteses
capital no equilíbrio de longo prazo em irrealistas a respeito da forma de atua-
que os capitalistas foram eliminados do ção do governo no sistema econômico
sistema passa a depender agora do valor (Fleck e Domenghino, 1987, p. 34).
de equilíbrio da taxa de lucro. Como no A crítica de Fleck e Domenghino
mundo neoclássico suposto por Samuel- deu ensejo à réplica de Dalziel (1989)
son e Modigliani a taxa de lucro é deter- e Pasinetti (1989a, 1989b). Segundo Dal-
minada pela produtividade marginal do ziel, o modelo apresentado por Fleck e
capital, segue-se que a determinação da Domenghino apresentava uma omissão
relação produto-capital passa a depen- similar a que Kaldor cometera no seu ar-

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144 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

tigo de 1956. Mais especificamente, Fleck mentários, a taxa de lucro na trajetória


e Domenghino não levaram em conta de crescimento equilibrado em “Idade
que, no caso de um superávit (déficit) or- Dourada” é dada por:
çamentário no longo prazo, o governo h
passaria a acumular capital (contrair dí- r= (30)
s c'
vidas), dando-lhe direito a uma parte dos
lucros gerados no sistema econômico onde:
(ou a pagar juros no caso de um aumento s c' = s c ( 1 - t p ) + s T [ 1 - t i ( 1 - s T )]-1{t p + t i ( 1 - s c )( 1 - t p )}
do endividamento público). Nesse con-
texto, se a taxa de lucro sobre o capital de Ou seja, a taxa de lucro no equilí-
propriedade do governo for igual à obti- brio de longo prazo é determinada pela
da sobre o capital de propriedade dos ca- razão entre a taxa natural de crescimento
pitalistas e dos trabalhadores, e supondo e a propensão a poupar dos capitalistas,
que a economia em consideração realiza “corrigida” pelos efeitos da taxação e dos
transações de bens e serviços com o ex- déficits ou superávits (s T ) do governo.
terior, então a taxa de lucro no equilíbrio Daqui se segue que a natureza do “regi-
de longo prazo será dada por: me de Pasinetti” não é afetada pela intro-
1 I + NX dução das atividades governamentais.
r= (29) Os resultados obtidos por Dalziel
sc K
(1989) e Pasinetti (1989a, 1989b) foram
em que: NX é o saldo da balança comercial. generalizados por Teixeira e Araújo (1991)
Pasinetti (1989a, 1989b) parte de e por Teixeira (1999). Mais especifica-
uma estrutura semelhante à de Steed- mente, Teixeira e Araújo (1991) e Teixeira
man, considerando uma economia em (1999) mostraram que:
que o governo opera com déficit ou su- i. Dalziel incorreu num “erro de du-
perávit orçamentário, mas na qual o go- pla contagem” ao incluir os lucros
verno não possui propriedade sobre o do governo duas vezes na sua res-
estoque de capital existente (Teixeira e trição orçamentária, o que levou
Araújo, 1991, p. 213). Nesse contexto, esse autor à conclusão equivocada
se as propensões a poupar dos capitalis- de que a política fiscal não interfe-
tas e dos trabalhadores forem ajustadas re na determinação da taxa de lu-
de forma a se levar em conta a existên- cro de equilíbrio de longo prazo
cia da taxação e dos desequilíbrios orça- (Teixeira, 1999, p. 77-78);

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José Luís Oreiro 145

ii. a eliminação do “erro de dupla das controvérsias sobre a “Equa-


contagem” incorrido por Dalziel ção de Cambridge”?;
(1989) e a incorporação do capi- ii. qual a relevância do debate em
tal de propriedade do governo consideração?
no modelo de Pasinetti (1989) No que se refere à primeira per-
permitem demonstrar a validade gunta, podemos inferir com base na aná-
da “Equação de Cambridge” num lise da primeira e da segunda fase da con-
contexto em que (a) o governo trovérsia sobre a Equação de Cambridge
opera com déficits ou superávits que as questões teóricas e metodológicas
orçamentários e (b) a economia em discussão eram as seguintes:
opera com superávit ou déficit
da balança comercial. a. a generalidade e a simetria dos Teo-
remas de Pasinetti e de Meade-
Nesse caso, a taxa de lucro de equilíbrio Samuelson-Modigliani;
de longo prazo é dada por: b. papel desempenhado pela “forma
( 1 + qs g )é h +
NK ù funcional” da função de produ-
êë K úû (31) ção na demonstração da valida-
r= de do Teorema Meade-Samuel-
( 1 - t p )s c + ( t p + q )s g
son-Modigliani.
ti Em relação ao primeiro conjunto
em que: q =
1 -t i de questões teóricas e metodológicas en-
volvidas nas controvérsias sobre a “Equa-
ção de Cambridge”, não há como negar
9_ Uma avaliação das controvérsias o fato indiscutível de que o “Teorema de
sobre a “Equação de Cambridge” Pasinetti” é mais geral do que o “Teorema
Meade-Samuelson-Modiligliani”.Isso por
É chegado o momento de fazermos uma
duas razões. Em primeiro lugar, a caracte-
avaliação das controvérsias em torno da
rística básica do “Teorema de Pasinetti”,
“Equação de Cambridge” nos últimos 40 qual seja, a independência da taxa de lucro
anos. Para tanto, devemos responder a e da distribuição funcional da renda com
duas perguntas básicas, a saber: respeito à propensão a poupar dos traba-
i. quais as questões teóricas e me- lhadores e com respeito aos métodos de
todológicas levantadas ao longo produção, não é alterada por intermédio

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146 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

do relaxamento de algumas hipóteses Samuelson e Modilgiani, no sentido de


simplificadoras do modelo original de Pa- mostrar que as condições de contorno da
sinetti, em particular a existência de ati- “Equação de Cambridge” não seriam vá-
vidades governamentais. O mesmo não lidas no mundo real, é irrelevante.
ocorre com o “Teorema Meade-Samuel- No que concerne ao papel desem-
son-Modigliani”. Tão logo são incorpo- penhado pela “forma funcional” da fun-
radas hipóteses mais realistas ao modelo ção de produção no Teorema MSM, é
básico, a relação produto-capital deixa surpreendente a incapacidade de Pasinet-
de ser determinada apenas pela razão en- ti em reconhecer que, no que tange às condi-
tre a taxa natural de crescimento e a pro- ções de existência do regime Dual, a ocorrên-
pensão a poupar dos trabalhadores, pas- cia ou não de “reversão de técnicas” é
sando a depender dos métodos de pro- irrelevante. O contraexemplo gráfico apre-
dução, o que elimina a simetria que o sentado por Samuelson e Modigliani, o
referido teorema tinha com respeito ao qual reproduzimos na Figura 2, mostra
“Teorema de Pasinetti”. claramente que numa economia em que 10 Nas palavras de Davidson:
Em segundo lugar, a versão do as técnicas de produção são “malcom- “If accepted at face value, Kaldor´s
“Teorema de Pasinetti” elaborada por Kal- portadas”, pode existir um valor para a statement is truly a surprising
dor, ainda que sujeita a críticas no que se variável taxa de lucro tal que: volte-face keynesian theory,
refere ao papel desempenhado pela “fle- especially since it is a keynesian of
i. a economia esteja num equilíbrio Kaldor´s stature who appears to be
xibilidade” dos preços das ações no pro- implying that given the distribution
cesso de ajuste entre investimento e pou- em “Idade Dourada”;
of income, given the level of net
pança (Davidson, 1968, p. 259),10 não ii. os capitalistas tenham sido expul- investment(I), and given the
pressupõe a existência de uma classe es- sos do sistema; corporate new issue policy, the level
iii. a relação capital-produto seja igual of security es price (i.e. the rate of
pecial de indivíduos que não trabalham e interest) will cause aggregate
possuem uma elevada propensão a pou- à razão entre a taxa natural de personal consumption to just fill the
par. Dessa forma, Kaldor mostrou que a crescimento e a propensão a pou- gap between the full employment
“Equação de Cambridge” pode ser obti- par dos trabalhadores. level of output and investment
spending. After all these years of
da mesmo no caso em que os capitalistas Isso não quer dizer que o “proble- verbal duels, acrimony, and
forem eliminados do sistema, desde que ma de reversão de técnicas”, ressaltado clarification, Kaldor´s analysis
a diferenciação entre as propensões a na Controvérsia do Capital, não seja im- suggests that the rate of interest is
poupar a partir de lucros e salários persista the mechanism which ensures that
portante para os debates em torno da
effective demand is always
após a “eutanásia dos capitalistas”. Da- “Equação de Cambridge”. Isso porque maintained at the full employment
qui se segue que toda a argumentação de a não-monotonicidade da relação entre level” Davidson (1968, p. 259).

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José Luís Oreiro 147

a taxa de lucro e a razão produto-capital a saber: a relação entre poupança e in-


resultante da ocorrência de “reversão de vestimento ao longo de uma trajetória
técnicas” torna instável a posição de equi- de crescimento equilibrado. Se a Equa-
líbrio de longo-período (Amadeo e Dutt, ção de Cambridge for correta, a poupan-
1987, p. 569). Assim, o correto é afirmar ça jamais será um obstáculo ao aumento
que o Teorema MSM pressupõe a existência de do investimento, uma vez que a distribui-
uma função de produção bem-comportada para ção funcional da renda entre salários e lu-
a estabilidade da trajetória de crescimento em cros irá garantir o ajuste da poupança
“Idade Dourada” num contexto em que os capi- (doméstica + externa) ao nível de investi-
talistas foram eliminados do sistema. Nesse mento requerido para o crescimento em
contexto, o Teorema de Pasinetti é mais “Idade Dourada”. Um corolário direto
geral do que o Teorema MSM porque a dessa argumentação é que poupança ex-
estabilidade da posição de equilíbrio de terna e poupança doméstica são substitu-
longo-período no primeiro não pressu- tos perfeitos entre si, de tal forma que, tal
põe a existência de técnicas de produção como ressaltado recentemente por Bres-
bem-comportadas. ser e Nakano (2003), políticas de estímu-
Por fim, temos que avaliar a rele- lo ao aumento do déficit em transações
vância do debate. Será que ele pode ser correntes não irão resultar num aumento
classificado como uma grande perda de do crescimento de longo prazo.
tempo, tal como alguns economistas clas-
sificam a “Controvérsia do Capital”?11
10_ Conclusão
Ou seja, será que esse debate não pode
ser classificado como um grande jogo in- Ao longo do presente artigo, fizemos uma
telectual que trata de questões puramen- extensa revisão das controvérsias em tor-
te internas à teoria econômica, mas que no da “Equação de Cambridge”, o que
não tem nenhuma relevância em termos nos permitiu tirar três conclusões funda-
11 Bacha afirma claramente da formulação de política econômica? mentais. Em primeiro lugar, o Teorema
que: “[...] A controvérsia de de Pasinetti é mais geral do que o Teore-
A nosso juízo, o debate em torno
Cambridge provou ser uma grande ma Meade-Samuelson-Modigliani, já que
perda de tempo [...] Dali não
da Equação de Cambridge aborda ao
resultou nada, foi realmente um menos um assunto de grande importân- i. sua característica fundamental, qual
espanto, um grande equivoco” cia em termos da formulação de uma seja, a independência da taxa de
(Biderman et al., 1996, p. 243). política de desenvolvimento econômico, lucro com respeito à propensão a

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148 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

poupar dos trabalhadores e com


respeito aos métodos de produ-
ção não se altera em face do rela-
xamento de algumas hipóteses
simplificadoras do modelo bási-
co, o que não ocorre com o Teo-
rema MSM;
ii. na formulação de Kaldor (1966), o
Teorema de Pasinetti continua-
ria válido, mesmo no caso hipo-
tético de eliminação dos capita-
listas do sistema econômico.
Em segundo lugar, a insistência de Pasi-
netti em afirmar que o Teorema MSM
pressupõe a existência de funções de pro-
dução bem-comportadas para demonstrar
a existência do regime Dual mostrou-se
um equívoco, facilmente descartado pelo
contraexemplo gráfico de Samuelson e
Modigliani. Por fim, os debates em torno
da “Equação de Cambridge” não podem
ser classificados como irrelevantes, uma
vez que envolvem implicitamente uma dis-
cussão sobre os mecanismos de ajuste en-
tre poupança e investimento, os quais têm
implicações profundas e importantes para
uma política de promoção do desenvolvi-
mento econômico.

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José Luís Oreiro 149

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