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face a face com a dor e o desconhecido, PUSSETTI, Chiara. 2005. Poetica delle emo-
os xamãs até logram provocar uma me- zioni. I Bjijagó della Guinea Bissau. Roma:
lhora provisória em pessoas realmente Editorial Laterza. 268 pp.
enfermas” (ibidem).
Nos termos e nas construções gra-
maticais escolhidos pelo autor, parece Alexandre Surralles
persistir um crônico rebaixamento dos CNRS, Laboratoire d’anthropologie sociale,
sistemas xamânicos — como se, despro- Collège de France
vidos de qualquer ontologia possível,
a eles restasse a solução de talvez se
alojarem ao menos no discurso: “será a Chiara Pussetti nos oferece uma ex-
convicção [da eficácia das entidades ou celente monografia sobre a dimensão
dos espíritos] suficiente para propiciar afetiva da vida dos habitantes do ar-
a cura? Se for partilhada pelos doentes, quipélago de Bijagós da Guiné-Bissau,
por que não o seria, ocasionalmente?” oeste africano. O texto começa por um
(ibidem). Se, como mostrou o próprio capítulo introdutório que aborda as
autor, a “natureza” é algo partilhado características deste campo, bem como
apenas pelo caldo do qual surgem as as generalidades sociológicas e históri-
mentalidades modernas, decerto ela cas do arquipélago. No plano teórico,
também não serve como padrão im- a autora propõe a noção de emoção
plícito para a avaliação de um sistema como conceito analítico e nos adianta
cuja lógica interna não reside — e nem uma forma de empatia reflexiva como
poderia residir (por incompetência?) — método de investigação. O segundo ca-
em qualquer base orgânica. Mas por pítulo corrobora esta escolha com uma
que nela insistir como parâmetro de síntese, bastante convencional, sobre
compreensão? E se não há uma base as vicissitudes da noção de emoção nas
orgânica para a crise xamânica, será ciências humanas para desembocar na
então necessário supor alguma outra (o antropologia das emoções como discur-
discurso, o imaginário) para que o xa- so, abordagem desenvolvida na América
manismo “até” possua alguma eficácia do Norte, nas últimas décadas, a partir
pontual? Talvez fosse interessante in- dos trabalhos seminais de C. Geertz e
vestigar os critérios de verossimilhança M. Rosaldo.
que os próprios Achuar projetam para Retornaremos à escolha da aborda-
o pensamento quando se submetem às gem pela autora depois de examinar a
suas sessões de cura: como traduzi-los análise etnográfica realizada, que se
a partir dos nossos próprios? inicia no terceiro capítulo a partir da
Como esta é uma obra que se destaca, descrição de uma noção-chave local,
entre outras coisas, por sua competente n’atribá. Os Bijagós afirmam adquirir
descrição de diversos aspectos do xa- n’atribá ao longo de sua juventude.
manismo Achuar, caberia reavaliar para Uma criança ou mesmo um jovem co-
os dias de hoje este tratamento da cura metem atos freqüentemente sem razão
xamânica, a fim de que não se natura- ou motivação aparente porque não
lizem os seus pressupostos, sobretudo têm ainda um n’atribá suficientemente
quando tratamos de uma importante obra desenvolvido. Esta noção não pode,
de divulgação. portanto, ser traduzida por inteligência,