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O silêncio não existe.

Constantemente visto como “contrário do som”, na verdade o


silêncio parte de uma concepção de som para se valer como nada. O nada, do contrário do que
se pode imaginar, não é o contrário do ser (como bem disse Sartre em “O ser e o nada”). O
nada parte do ser e apenas não é. Não há um nada antes do ser, que existe indiferentemente
do ser como concepção transcendental. O nada parte de uma noção de ser para existir.

Se espero ver uma cadeira em um lugar e quando vejo ela não está lá, me deparo com
um nada de cadeira. O nada não estava lá antes, ele surgiu a partir de uma quebra de
expectativa em que esperava ver um objeto em determinado lugar e ele não estava lá.

O silêncio, portanto, não deve ser visto como entidade que existe independente do
som. Sem uma concepção inicial de som, não há uma concepção de silêncio. O som basta
existir para ser, e o nada de som para alguém que escuta, se manifesta através da falta de som
(ou melhor dizendo, por uma diminuição drástica do volume sonoro). Mas se alguém que
nasceu surdo se depara com o silêncio, não o consegue perceber, pois para ele o silêncio é
uma totalidade: não existe nada além do nada (silêncio) e, portanto, não há necessidade de se
categorizar e interpretar o que não se escuta.

Para esta pessoa que nasceu surda, o som não é algo que se percebe ou que pode ser
identificado e não há uma necessidade de nomear esse nada. Voltando ao exemplo anterior,
há inúmeras cadeiras que também não estão lá, mas não se faz necessário perceber esses
nadas sem haver a expectativa de que essas inúmeras cadeiras deveriam estar lá. Como não se
esperava que estivesse, não se fala desse nada. A mesma coisa com o silêncio.

Como pode-se ver, o som existe, para alguém que o escuta, e basta isso para que seja
percebido. Contudo, o nada não basta “existir” para que seja percebido, justamente por que
não existe. De tal modo o nada é posterior ao ser, de tal forma que o silêncio é posterior ao
som.

Porém, também contrário ao que se pode imaginar, o silêncio não é a ausência do


som, mas a ausência de um som percebido ou esperado. Se num grande tutti orquestral numa
sala de concerto há uma pausa repentina, diz-se que houve silêncio. Mesmo que de fato
alguém tenha se mexido na cadeira atrás de você e você tenha ouvido um sutil ranger na
cadeira, mesmo que o ar condicionado da sala de concerto continue funcionando e gerando
um leve ruído de fundo, mesmo que um caminhão tenha sido ouvido distante através das
grossas portas do teatro. Mesmo que a sala esteja repleta de pequenos barulhos – ou até
mesmo alguém tossindo ruidosamente – diz-se que houve silêncio.

Não porque não houvesse som ao redor, mas porque houve uma expectativa de se
ouvir um som que foi quebrada. De tal maneira, o silêncio não é um “nada” absoluto que
transcende o ser do som e que existe independente dele – afinal houve silêncio na sala de
concerto mesmo que ainda houvesse som.

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