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anos

Publicado em NOVA ESCOLA 08 de Março | 2019

Direito e Educação

Mulheres, dá para esperar mais


200 anos?
Para que as mulheres possam continuar avançando, é preciso mudar a
mentalidade e a Educação possui papel central nesse processo
Alessandra Gotti

Crédito: ACNUR

No ritmo atual levaremos mais de um século para acabar com a desigualdade entre homens e
mulheres e, pasmem, levará mais de dois séculos para uma maior equidade de gênero no mercado de
trabalho, se continuarmos como estamos.

Em 2016, a tão sonhada igualdade de gênero seria uma realidade em 86 anos. Já em 2018 isso levaria
108 anos e mais de 202 para alcançá-la no mercado de trabalho, segundo o Global Gender Gap Report
de 2018, do Fórum Econômico Mundial.

É um paradoxo se dar conta de que, embora seja uma das 10 maiores economias do mundo, o Brasil
ocupava, em 2018, o 79º lugar em 189 países no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
e, considerado o fator igualdade de gênero, o país cai quase 20 posições, ocupando o 95º lugar.
Detalhe: em 2017 ocupávamos a 90ª posição, em 2016 a 79º posição e, em 2006, a 67º. Ao invés de
avançar estamos retrocedendo.

Foram várias as conquistas femininas no Brasil na luta por direitos civis, políticos e sociais, com vitórias
como o acesso à Educação Superior em 1879 e o direito ao voto duramente conquistado na
Constituição de 1934. Não se pode esquecer da vitória do Lobby do Batom na Assembleia Constituinte
de 1988, com a previsão da igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres em todas as
esferas, especialmente no âmbito familiar.
Muitas batalhas foram vencidas, mas há um longo caminho a ser percorrido para uma efetiva
igualdade entre homens e mulheres. Embora em média as mulheres tenham mais anos de estudo do
que os homens, segundo o IBGE apenas 37% dos cargos gerenciais são ocupados por mulheres e a
renda média da mulher é 20,5% menor que a masculina em muitas posições – conforme a idade,
aumenta ainda mais. Nas últimas eleições de 2018, as mulheres ocuparam 15% das cadeiras na
Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Somos apenas 11,6% dos prefeitos e apenas um Estado
brasileiro é governado por uma mulher. Ainda há muita violência contra a mulher e o dado de que a
cada hora mais de 500 mulheres são vítimas de violência física no Brasil é estarrecedor.

Temos que evidenciar os destaques femininos que abriram caminhos ao longo do tempo no Brasil: Rita
Lobo (primeira mulher a formar-se médica, em 1887); Mythes Gomes de Campos (primeira mulher a
exercer a advocacia, formada em 1898); Tarsila do Amaral (responsável pela organização da
revolucionária Semana da Arte Moderna de 1922); Chiquinha Gonzaga (primeira mulher a reger uma
orquestra no Brasil), dentre muitas em seus vários campos de atuação. Não podemos esquecer ainda
o exemplo de Malala Yousafzai, a pessoa mais jovem a ganhar o Prêmio Novel da Paz (2014) por lutar
pelo direito das meninas à Educação. Não podemos deixar cair no esquecimento que houve grandes
conquistas, descobertas e avanços em que mulheres são suas protagonistas no mundo e no Brasil.

Para continuarmos avançando e romper a assimetria entre homens e mulheres é necessária uma
mudança de mindset (mentalidade) e a Educação possui papel central. Uma cultura que não se
desapegue de papeis estereotipados terá dificuldade em avançar. É importante estimular e socializar
meninos e meninas em igualdade de condições desde a primeira infância. Até hoje brinquedos como
blocos de montar, jogos de raciocínio e games acabam sendo mais direcionados aos meninos,
enquanto as meninas ficam com as bonecas.

Da mesma forma, uma sociedade que não espere o mesmo de meninas e meninos não atingirá a meta
da igualdade. É sabido que as expectativas de pais e professores em relação às crianças são
determinantes no processo de aprendizagem. Ainda se espera que as meninas tenham melhores
resultados em linguagens do que em matemática, o que provoca ansiedade e insegurança nelas. No
ano passado, matéria do Jornal Estadão apontou que mais de 70% dos estudantes que tiraram as mil
maiores notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são meninos, embora as meninas sejam a
maioria entre os candidatos. A maior diferença está nos exames de Matemática e Ciências da Natureza.

Os estereótipos de gênero na Educação impactam ainda os sonhos das meninas e repercutem nas suas
trajetórias profissionais. As baixas expectativas da família e escola em relação ao seu desempenho em
Matemática acabam por desestimulá-las a seguir carreiras nas áreas de Exatas e Tecnologias, que
concentram as profissões de melhor remuneração, como demonstra a edição nº 39 do boletim
“Aprendizagem em Foco”.

Em pleno século XXI, é um imperativo ético e até mesmo um diferencial competitivo apostar na
igualdade de homens e mulheres. As mulheres são 51% da nossa população. Segundo a pesquisa
“Brasileiras – Como elas estão mudando o rumo do país”, desenvolvida em 2015 pelo Instituto
Locomotiva e o El País, se houvesse igualdade de gênero teríamos mais de R$ 460 bilhões injetados na
economia brasileira. A construção de um futuro sustentável não pode se distanciar da premissa da
igualdade de gênero. Não dá mais para esperar.

Alessandra Gotti é fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule. Advogada e Doutora


em Direito Constitucional pela PUC/SP. Consultora da Unesco e Conselho Nacional de Educação.

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