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AVIVAMENTO NOS DIAS DE JONATHAN EDWARDS:

RELEVÂNCIA ATUAL
Alderi Souza de Matos
Introdução.

 Jonathan Edwards, um pastor congregacional que viveu no século


XVIII, é hoje considerado pelos historiadores um dos maiores teólogos
e pensadores da história dos Estados Unidos. Ele foi não somente um
dos instrumentos do primeiro grande reavivamento ocorrido naquele
país, mas o maior estudioso e intérprete desse fenômeno.
 Através de vários livros que escreveu, ele analisou os eventos
cuidadosamente, em seus diferentes aspectos. Em essência, Edwards
apoiou alegremente o reavivamento, vendo nele a manifestação genuína
do Espírito de Deus, mas também foi um crítico severo dos desvios,
exageros e impropriedades que por vezes ocorreram. Uma de suas
principais preocupações foi mostrar em seus escritos quais os critérios
pelos quais se pode reconhecer a autenticidade de uma experiência
religiosa dessa natureza.

1. Contexto Religioso

 Quando Jonathan Edwards iniciou o seu ministério, a sua região, a


Nova Inglaterra, já havia sido colonizada pelos ingleses há cem anos.
Os colonizadores foram os famosos puritanos, calvinistas que lutaram
por uma igreja mais pura no seu país de origem e que eventualmente
foram para o Novo Mundo a fim de viverem sem impedimentos de
acordo com as suas convicções.
 Ao chegarem a Massachusetts, primeiro a Plymouth in 1620 e depois a
Salem e Boston em 1629-30, eles procuraram edificar uma comunidade
verdadeiramente cristã e uma igreja composta de pessoas convertidas e
consagradas a Deus. Apesar de alguns problemas, e de certa
intolerância para com outras pessoas e grupos que pensavam de
maneira diferente, eles conseguiram realizar esse ideal por algum
tempo.
 Eventualmente, depois de um período inicial de sofrimentos e
provações amargas, os colonos prosperaram materialmente na nova
terra cheia de tantas oportunidades. No final do século XVII, a vida na
Nova Inglaterra era em grande parte pacífica e confortável. A maioria
das pessoas pertenciam à classe média e quase não havia pobreza. O
nível educacional também era relativamente alto.
 Todo esse progresso havia sido alcançado por causa dos valores
religiosos e éticos dos puritanos, como o seu amor ao trabalho, sua
disciplina de vida, sua rejeição de vícios e a preocupação em serem
bons mordomos das bênçãos de Deus.
 Porém, juntamente com a prosperidade material, ocorreu
um declínio no fervor religioso entre as novas gerações. O cristianismo
de muitos tornou-se meramente nominal; o mundanismo e a apatia
espiritual tornaram-se generalizados. Além disso, novas ideologias
vindas da Europa, o racionalismo e o iluminismo, com sua ênfase na
razão e na capacidade humana, também estavam influenciando muitas
pessoas.
 Nesse ambiente desanimador, pastores e membros das igrejas oravam
por um reavivamento das energias espirituais do povo de Deus. E isto
ocorreu através do Grande Despertamento (1720s-40s), o primeiro
evento da história norte-americana a atingir pessoas das diferentes
colônias com um interesse religioso comum.

1. Jonathan Edwards

 Jonathan Edwards nasceu em 1703, sendo filho de um consagrado


ministro congregacional. Precoce e piedoso desde a sua meninice, aos
12 anos ele escreveu a uma de suas irmãs: "Pela maravilhosa
misericórdia e bondade de Deus, tem ocorrido neste lugar uma
extraordinária atuação e derramamento do Espírito de Deus... tenho
razões para pensar que isso diminuiu em certa medida, mas espero que
não muito. Cerca de treze pessoas uniram-se à igreja num estado de
plena comunhão." Depois de dar os nomes dos convertidos, ele
acrescentou: "Acho que muitas vezes mais de trinta pessoas se reunem
às segundas-feiras para falar com o Pai acerca da condição das suas
almas."
 Edwards obteve o seu grau de bacharel no Colégio de Yale em 1720,
onde continuou seus estudos teológicos e trabalhou como professor
assistente por algum tempo. Após um breve pastorado numa igreja
presbiteriana de Nova York, em 1726, aos 23 anos de idade, ele foi
auxiliar o seu avô,Salomão Stoddard, o famoso pastor da igreja de
Northampton, Massachusetts.
 No ano seguinte, Jonathan casou-se com Sarah Pierrepont, então com
17 anos de idade, filha de um pastor bem conhecido e bisneta do
primeiro prefeito de Nova York. Os historiadores destacam a harmonia,
amor e companheirismo que sempre caracterizou a vida do casal. Eles
gostavam de andar a cavalo ao cair da tarde para poderem conversar e
antes de se deitarem sempre tinham juntos os seus momentos
devocionais.
 Jonathan e Sarah tiveram 11 filhos, todos os quais chegaram à idade
adulta, fato raro naqueles dias. Em 1900, um repórter identificou
1400descendentes do casal Edwards. Entre eles houve 15 dirigentes de
escolas superiores, 65 professores, 100 advogados, 66 médicos, 80
ocupantes de cargos públicos, inclusive 3 senadores e 3 governadores
de estados, além de banqueiros, empresários e missionários.
 Em 1729, com a morte do seu avô, Jonathan tornou-se o pastor titular
da igreja de Northampton, na qual, através de sua poderosa pregação,
ocorreu um grande avivamento cinco anos mais tarde (1734-35).
O Grande Despertamento tivera os seus primórdios alguns anos anos
entre os presbiterianos e reformados holandeses na Pensilvânia e Nova
Jérsei, cresceu com as pregações de Edwards e atingiu o seu apogeu no
ano de 1740, com o trabalho itinerante do grande avivalista
inglês George Whitefield (1714-1770). [Sobre o avivamento entre os
presbiterianos, ver o recente artigo do Rev. Frans L. Schalkwijk,
"Aprendendo da História dos Avivamentos," em Fides Reformata II-2.]
 Em 1750, após 23 anos de pastorado, Jonathan Edwards foi despedido
pela sua igreja, a razão principal sendo a sua insistência em que
somente pessoas convertidas deviam participar da Ceia do Senhor, em
contraste com a prática anterior do seu avô. No seu sermão de
despedida, depois de advertir a igreja sobre as contendas que nela havia
e os perigos que isto representava, ele concluiu: "Portanto, eu quero
exortá-los sinceramente, para o seu próprio bem futuro, que tomem
cuidado daqui em diante com o espírito contencioso. Se querem ver
dias felizes, busquem a paz e empenhem-se por alcancá-la (1 Pe 3:10-
11). Que a recente contenda sobre os termos da comunhão cristã, por
ter sido a maior, seja também a última. Agora que lhes prego o meu
sermão de despedida, eu gostaria de dizer-lhes, como o apóstolo disse
aos coríntios, em 2 Co 13:11: "Quanto ao mais, irmãos, adeus!
Aperfeiçoai-vos, consolai-vos, sede do mesmo parecer, vivei em paz; e
o Deus de amor e de paz estará convosco."
 No ano seguinte, Edwards foi para Stockbridge, uma região remota da
colônia de Massachusetts, onde trabalhou como pastor e missionário
entre os índios. Em 1757, a sua excelência como educador e sua fama
como teólogo e filósofo fez com que ele fosse convidado para ser o
presidente do Colégio de Nova Jérsei, a futura Universidade de
Princeton. Um mês após a sua posse, Edwards faleceu devido a
complicações resultantes de uma vacina contra varíola.

1. Jonathan Edwards e o Avivamento

 A maior contribuição de Jonathan Edwards para a igreja evangélica está


nos importantes livros que escreveu como teólogo e intérprete do
avivamento. Curiosamente, sua obra mais conhecida é pouco
representativa do seu pensamento como um todo. Trata-se do célebre
sermão "Pecadores nas mãos de um Deus irado," que ele pregou na
cidade de Enfield em 1741. A ênfase maior dos seus escritos e sermões
não está na ira de Deus, e sim na sua majestade, glória e graça.
 Além de muitas conversões e santificação de vidas, o Grande
Despertamento também aprofundou uma divisão entre os líderes que
eram favoráveis ao avivamento e aqueles que não eram. O problema
ficou mais sério quando, após a obra de pregadores sérios e
equilibrados com Edwards e Whitefield, surgiram imitadores
sensacionalistas que manipulavam emocionalmente as pessoas. O
Dr. Lloyd-Jones diz que Edwards lutou em duas frentes: contra os
adversários do avivamento e contra os extremistas; contra o perigo de
extinguir o Espírito e contra o perigo de deixar-se levar pela carne e ser
iludido por Satanás.
 Nesse contexto, Edwards propos-se a defender o avivamento como obra
do Espírito de Deus, ao mesmo tempo que combateu os excessos e
desvios que muitas vezes ocorriam. Foi nesse sentido que ele escreveu
vários livros de grande valor, o primeiro deles sendo a Narrativa Fiel da
Surpreendente Obra de Deus (1736-37), em que descreveu o recente
despertamento em sua cidade e regiões vizinhas. Alguns anos depois,
ele escreveu Alguns Pensamentos sobre o Atual Reavivamento da
Religião na Nova Inglaterra (1742), analizando o movimento mais
amplo. Esta obra baseia-se parcialmente em algumas profundas
experiências espirituais da sua esposa Sarah.
 Em 1746, Edwards publicou a sua obra mais amadurecida sobre o
assunto, o seu Tratado sobre as Afeições Religiosas (resultou de uma
série de sermões sobre 1 Pedro 1:8), no qual argumentou que o
cristianismo verdadeiro não se evidencia pela quantidade ou
intensidade das emoções religiosas, mas por um coração transformado
que ama a Deus e busca o seu prazer. Ele faz uma análise rigorosa das
diferenças entre a religiosidade carnal, que produz muita comoção, e
verdadeira espiritualidade, que toca o coração com a visão da
excelência de Deus e o liberta do egocentrismo.
 Como bom calvinista que era, Edwards também escreveu algumas
obras em defesa das convicções reformadas acerca da incapacidade
moral e espiritual dos seres humanos e sua profunda necessidade da
graça transformadora de Deus: A Liberdade da Vontade (1754) e O
Pecado Original(1758).

1. A Genuína Experiência Religiosa

 Nos seus escritos, Jonathan Edwards avaliou a experiência religiosa à


luz das Escrituras e das suas convicções reformadas. O ponto de
partida da sua pregação e da sua teologia foi o Deus soberano, em sua
majestade, graça e glória. Esse Deus criou o universo e o ser humano
para manifestar a sua grandeza e o seu amor. A majestade e a graça de
Deus também se revelam de modo supremo no envio de Cristo para
redimir os pecadores.
 Nenhum avivamento ou experiência religiosa é genuína se não realçar
esse Deus sublime em sua soberania, graça e amor. O critério
principal é este: se quem está no centro das atenções é Deus ou o ser
humano. Para que Deus esteja no centro é necessário, em primeiro
lugar, que haja nos corações um profundo senso de incapacidade, de
dependência de Deus, e de convicção da nossa pecaminosidade. Além
disso, é preciso que haja a consciência de que toda genuína experiência
religiosa é fruto da atuação do Espírito de Deus, que transforma e
santifica os pecadores, capacitando-os a amar e honrar a Deus em suas
vidas.
 Portanto, todas as teorias de salvação que dão ênfase às obras humanas
ou à capacidade humana só desmerecem a grandeza do amor de Deus
revelado a nós em Cristo Jesus e tornado real em nossos corações
somente pela iluminação do Espírito Santo.
 Edwards crê na necessidade de transformação do ser humano. A
moralidade externa não é suficiente, daí a importância da conversão.
Por outro lado, para aqueles que já são crentes, uma fé simplesmente
racional ou intelectual não basta. É preciso que a pessoa se aproxime de
Deus não só com o entendimento, mas com os sentimentos. Cabeça e
coração (luz e calor) devem funcionar juntos na vida conduzida pelo
Espírito. O próprio Edwards era um exemplo disso. [Ver D.M. Lloyd-
Jones, Jonathan Edwards e a Crucial Importância de Avivamento,
PES, 12-18.]
 Em todas as suas obras Edwards insistiu na importância
dos afetos profundos na vida espiritual. Por "afetos" ou "afeições" ele
se referia às disposições do coração que nos inclinam para certas coisas
e nos afastam de outras. Todas as nossas ações derivam dos nossos
desejos: ou nos comprazemos no Deus vivo e buscamos servi-lo e
honrá-lo, ou somos cativos de desejos voltados para alvos menores.
 Edwards advertiu contra dois grandes erros no avivamento. Primeiro, o
mero emocionalismo: os avivalistas podem simplesmente excitar as
emoções das pessoas e produzir falsas conversões. Emoções intensas
não são uma evidência clara acerca de uma experiência religiosa. No
seu grande tratado sobre as Afeições Religiosas, Edwards delineou
cuidadosamente testes bíblicos quanto a uma experiência religiosa
genuína; eles incluíam uma ênfase na obra graciosa de Deus, doutrinas
consistentes com a revelação bíblica, e uma vida marcada pelos frutos
do Espírito.
 O segundo erro é dar ênfase não a Deus, mas às respostas humanas a
Ele, algo muito comum hoje com toda a celebração do eu, as
experiências pessoais, os testemunhos auto-congratulatórios. Edwards
insistiu em que a essência da verdadeira espiritualidade é ser dominado
pela visão da beleza de Deus, ser atraído para a glória das suas
perfeições, sentir o seu amor irresistível.
 Portanto, na verdadeira experiência cristã, o conhecimento de Deus é
algo sensível, experimental. A verdadeira experiência cristã consiste
não somente em conhecer e afirmar doutrinas cristãs verdadeiras, por
importantes que sejam, mas é um conhecimento afetivo, ou a
consciência das verdades que a doutrina descreve. Difere do
conhecimento especulativo, assim como o sabor do mel difere do mero
entendimento de que o mel é doce. O cristão, diz Edwards, "não apenas
crê racionalmente que Deus é glorioso, mas têm em seu coração o
senso da majestade de Deus."
 Se nossos corações são transformados pelo amor de Deus, assim devem
ser transformadas as nossas ações. Se somos mudados ao
contemplarmos a beleza do amor de Deus, então amaremos de maneira
especial todo ato de virtude que reflete o caráter amoroso de Deus.

Conclusão

 Jonathan Edwards acreditava na importância e necessidade do


avivamento. Ele viu o Grande Despertamento como uma obra do
Espírito de Deus, revitalizando e capacitando a igreja para a sua missão
no mundo. Ao mesmo tempo, ele estava consciente de desvios,
excessos e até mesmo atuações satânicas que produziam
excentricidades, descontrole emocional, ostentação e escândalos.
 Porém, ele entendia que tais problemas não invalidavam os aspectos
positivos do avivamento e, mais ainda, que alguns dos "fenômenos" ou
"manifestações," ainda que inusitados, eram admissíveis diante das
experiências profundas da graça de Deus que muitas pessoas estavam
tendo, inclusive a sua esposa. Tais coisas, em si mesmas, nada
provavam.
 Os critérios que realmente indicavam se as conversões e o
despertamento eram genuínos ou não eram os frutos visíveis: convicção
de pecado, seriedade nas coisas espirituais, preocupação suprema com a
glória de Deus, apego profundo às Escrituras, mudanças no
comportamento ético, relacionamentos pessoais transformados e
influência transformadora na comunidade.
 Só esse tipo de avivamento será uma bênção para as nossas vidas,
nossas igrejas e nosso país.

Fontes:

 D.M. Lloyd-Jones, Jonathan Edwards e a Crucial Importância de


Avivamento (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas)
 Mark A. Noll, A History of Christianity in the United States and
Canada
 Paul Helm, "Edwards, Jonathan (1703-1758)," em New International
Dictionary of the Christian Church
 "Jonathan Edwards and the Great Awakening," Church History IV, no.
4, especialmente os artigos "Colonial New England: An Old Order, A
New Awakening," de J. Stephen Lang e Mark A. Noll; "My Dear
Companion," de Elisabeth S. Dodds; "Edwards’ Theology: Puritanism
Meets a New Age," de Richard Lovelace; e "Jonathan Edwards Speaks
to our Technological Age," de George M. Marsden.
 Luiz Roberto França de Mattos, "Jonathan Edwards and the Criteria for
Evaluating the Genuineness of the ‘Brazilian Revival’," Tese de
Mestrado em Teologia, Centro de Pós-Graduação A. Jumper, 1997

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