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O SISTEMA DE RELAÇÕES DE

TRABALHO NO BRASIL:
alguns traços históricos e sua
precarização atual
Márcia da Silva Costa

Introdução tecnológica, redefinição organizacional dos pro-


cessos produtivos, entre outros, sintetizaram as
As mudanças estruturais na economia brasi- estratégias empresariais, como estratégia mesmo
leira no início dos anos de 1990, em especial, a de sobrevivência, resultando num fenômeno de
abertura comercial promovida pelo governo Col- demissão em massa de dimensão jamais vivida na
lor e ampliada pelo governo Cardoso, tomaram história da industrialização do país.
em cheio o setor industrial, rompendo com a po- Duas mudanças políticas interdependentes
lítica de substituição de importações, sustentáculo acompanharam essas transformações, notadamen-
dos programas de desenvolvimento do país des- te no que se refere ao funcionamento do merca-
de os anos de 1930. Esta experiência de adapta- do de trabalho: a flexibilização dos regimes de
ção competitiva ao mercado global deu início a trabalho (jornadas, salários, mobilidade funcional,
processos generalizados de reestruturação produ- ritmos) e a flexibilização/desregulamentação do
tiva dentro das empresas, lugar onde aquelas mu- sistema legislativo nacional de proteção ao traba-
danças se concretizaram. Fechamento de fábricas, lho, da CLT. Medidas provisórias como as que re-
enxugamento de plantas, redução de hierarquias, gularizavam o banco de horas, o contrato de tra-
concentração da produção nas áreas ou produtos balho por tempo determinado, a suspensão
de maior retorno, terceirização, modernização temporária do contrato de trabalho por motivos
econômicos acenavam com a legitimidade institu-
Artigo recebido em setembro/2003 cional para a concretização daquela flexibilização,
Aprovado em maio/2005 abrindo caminho para iniciativas de reformas

RBCS Vol. 20 nº. 59 outubro/2005


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pontuais importantes naquele ordenamento jurídi- cário do trabalho. A tendência recente de flexibi-
co do trabalho. No presente texto procuro breve- lização da CLT agrava este quadro, põe em risco
mente caracterizar as bases históricas, institucio- a garantia de direitos, investe na possibilidade de
nais e políticas do sistema de relações de trabalho seu rebaixamento. Embora sejam grandes as ne-
no Brasil como ferramenta analítica para a com- cessidades de reforma, especialmente no que se
preensão do impacto das transformações corren- refere à institucionalização de regras que assegu-
tes na correlação de forças que imprime mudan- rem a representação coletiva nos locais de traba-
ças àquelas relações de trabalho e sua legislação. lho e a negociação mais centralizada, a CLT ainda
As propostas de flexibilização dos contratos de é o parâmetro central que impede que as relações
trabalho estão vindo à reboque das atuais estraté- de trabalho no país resvalem na pura mercantili-
gias de competitividade das empresas, mas em zação da força de trabalho.
que sentido e respondendo a quais interesses?
Quais as características da estrutura e do arcabou-
ço institucional que regularam as relações de tra- Representação sindical controlada e
balho no Brasil no período áureo de consolidação autoritarismo gerencial
de sua economia? Que transformações centrais
elas sofreram em face das pressões dos movimen- O sistema de regulação do trabalho no Bra-
tos de trabalhadores na luta por melhores condi- sil é um capítulo central na própria história das
ções de trabalho, de renda e de participação na instituições políticas do país. Seu nascedouro
definição política de seus interesses? Que outras acompanha as correntes ideológicas, as disputas e
transformações esse ordenamento legal do traba- as lutas políticas e policiais, e a atividade legisla-
lho vem sofrendo ante a “inevitabilidade” de sua tiva que puseram em debate os preceitos do libe-
adequação às exigências atuais da acumulação ralismo econômico e da intervenção estatal desde
capitalista? Existiu entre nós algum arranjo social final do século XIX até início dos anos de 1930,
que, grosso modo, pudesse ser equiparado ao quando Vargas assume o comando do Estado. A
pacto social fordista dos países centrais e que nos política de substituição de importações, planejada
autorize a falar de seu desmonte? É o que pretendo e implementada sob a égide de um Estado forte e
aqui abordar. Em pauta: a institucionalização do centralizador, fez incorporar, especialmente de-
modelo de representação sindical e as leis de pro- pois de 1945, o padrão produtivo e tecnológico
dominante nos países mais industrializados, facili-
teção ao trabalho no governo Vargas; a repressão
tando a acumulação capitalista no país pelo con-
política e a flexibilização institucional desse siste-
trole e a integração limitada da classe operária.1
ma, impostas pelo regime militar; a revitalização
Controlando a ação direta dos sindicatos em
do movimento sindical e as pressões pela rede-
troca de uma legislação minimamente protetora do
mocraticação do país animadas pelo novo sindi-
trabalho, o Estado preparava as bases para a ex-
calismo; e, finalmente, o processo mais recente de
pansão acelerada do capitalismo no país. A ordem
retração desses movimentos, assolados pelo neo- liberal estabelecida na Constituição de 1891 é rom-
liberalismo e pela reestruturação produtiva nas pida em 1926 com a emenda constitucional que
empresas, e cuja luta política se direciona no sen- põe termo ao preceito da liberdade das profissões
tido da desregulamentação daquele sistema de e das atividades industriais, e entre 1931 e 1934 uma
proteção trabalhista. O levantamento bibliográfico série de decretos passava a regulamentar a explo-
aqui realizado evidencia uma realidade históri- ração do trabalho, ampliando a intervenção do Es-
ca já conhecida, mas que prevalece e se amplia: tado no mercado de trabalho. Essa intervenção, to-
o fato de que as relações de trabalho no país fo- davia, encarnava desde o princípio o espírito
ram construídas sob condições de forte autorita- tutelador. Embora a Constituição de 1934 assegu-
rismo gerencial, e seu corolário, de debilidade da rasse a autonomia e a pluralidade sindicais, o Esta-
organização sindical. Isso permitiu a sedimenta- do restringia a atuação dos sindicatos não apenas
ção de práticas associadas ao uso flexível e pre- pelo fato de que cabia a ele o reconhecimento das
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associações, mas também pela natureza de sua ar- esfera da Justiça do Trabalho a regulação dos con-
ticulação política com as lideranças sindicais. Ainda flitos trabalhistas. Em outras palavras, em sua es-
que não fosse completa sua interferência na orga- trutura original, o sistema de relações de trabalho
nização dos estatutos, na definição dos processos no Brasil foi estabelecido com a intenção de que
eletivos, no controle administrativo e financeiro, no os sindicatos fossem vertidos em órgãos de cola-
controle político e ideológico, como o que iria acon- boração com o Estado e na promoção da paz so-
tecer quando Vargas fecha o Congresso, o Estado cial. Como moeda de troca da redução dos direi-
cerceava aos poucos o livre movimento dos sindi- tos políticos e da liberdade de organização e
catos, trazendo seus líderes para os quadros buro- reivindicação, a CLT assegurava vantagens traba-
cráticos, legislativos e judiciários, controlando-os, lhistas e sociais mínimas por intermédio de uma
cooptando-os (Moraes Filho, 1978). política populista de incorporação estratégica e li-
Com o golpe de 37, rompe-se de vez com a mitada da massa de trabalhadores (Rodrigues,
liberdade sindical, ordem que será central no re- 1968; Vianna, 1999; Rodrigues, 1974; Keck, 1988).
gulamento corporativista inspirado na Carta del Sob esse modelo de corporativismo estatal,3
Lavoro do regime facista italiano. Assim, o decre- o nosso projeto de desenvolvimento realiza-se as-
to-lei de 1939 estabelece que os sindicatos só te- sentado numa base muito estreita e dependente
riam poder de representação se fossem reconhe- de representação organizada dos trabalhadores
cidos pelo Estado, cabendo a este o completo ante as estruturas do Estado. Não vingou entre
controle administrativo e político de suas ativida- nós a noção de concertação política, baseada na
des. A contrapartida, e o que provavelmente fez negociação autônoma de interesses entre grupos
com que os trabalhadores aceitassem o reconheci- organizados, tal qual a que aconteceu nos países
mento de suas organizações sob o jugo do contro- desenvolvidos, que entendiam os contratos cole-
le estatal, veio pela imposição legal às empresas tivos de trabalho como importante instrumento
de reivindicações trabalhistas elementares, objeto político-institucional. Longe de ser apoiado por
qualquer espécie de arranjo social negociado en-
de décadas de lutas, direitos estes que se estende-
tre as partes em conflito, nosso sistema de repre-
ram apenas às parcelas de trabalhadores urbanos
sentação sindical nasce fortemente tutelado pelo
representados pelos sindicatos legalmente reco-
Estado. Em seus traços gerais, ele foi constituído
nhecidos. A grande massa de trabalhadores rurais,
sob alguns condicionantes básicos que apenas
na época absoluta maioria da força de trabalho no
menciono como forma de destacar os mecanis-
país, permaneceu submetida ao livre poder de
mos do controle estatal:4
seus feitores e patrões, sem a cobertura dos direi-
tos legais, por praticamente mais duas décadas.
1. O enquadramento sindical dava-se (e ainda é
A CLT brasileira – a cartilha dos direitos do
assim) por categoria profissional ou setor econô-
trabalhador e seu certificado de cidadania2 –, nas- mico numa mesma base territorial, tendo como
ce, pois, com esse viés seletivo. Ela consolidava referência geográfica mínima o município.
um conjunto de leis arbitrando o uso do trabalho 2. A lei permitia a criação de uma estrutura verti-
na indústria nascente e restringindo a liberdade calizada, composta de federações (a congregação
de contratação das empresas: limitação da jorna- de pelo menos dois sindicatos municipais de mes-
da de trabalho em 48 horas, proibição do trabalho mo ramo) e de confederações (que reúnem as fe-
de menores de 14 anos, regulamentação do traba- derações estaduais também de mesmo ramo). Li-
lho feminino, remuneração obrigatória da hora ex- mitando a representação por categoria profissional
tra, descanso e férias remuneradas, condições de ou setor econômico num mesmo município e im-
salubridade e proteção contra acidentes de traba- pedindo a representação congregada de diversas
lho, elevada indenização por dispensa imotivada, categorias, a legislação estabelecia (e ainda vige o
o que regulava a estabilidade no emprego para in- mesmo princípio) o monopólio da representação.
divíduos com mais de dez anos de trabalho, entre A organização intercategorias (centrais sindicais)
outros. Por tal estatuto, o Estado delimitava o po- era até a Constituição de 1988 proibida, mas se
der de atuação dos sindicatos e transferia para a hoje tem forte papel político e de orientação ideo-
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lógica e prática sobre os sindicatos, não tem, no xível, conforme a correlação de forças em cada
entanto, poder de contratação. Esta estrutura ver- conjuntura política/econômica. Foi assim que du-
ticalizada e descentralizada foi responsável pela rante o autoritarismo do Estado Novo, com Var-
extrema fragmentação da representação sindical, gas, e no período do regime militar, o Ministério
facilitando ao Estado o controle das instituições e do Trabalho fez chegar à minúcia a definição dos
enfraquecendo o poder de pressão dos trabalha- estatutos e a fiscalização sobre as ações adminis-
dores, que podiam estar divididos até mesmo no trativas e políticas dos sindicatos. Sob qualquer
interior de uma mesma empresa. ameaça de perda de controle, sua intervenção po-
3. O Estado também assegura a sobrevivência fi- deria ser direta, afastando diretorias eleitas, perse-
nanceira dos sindicatos instituindo o imposto sin- guindo política e repressivamente os líderes e
dical anual, compulsoriamente extraído de um dia operários mais militantes.5
de trabalho de todos os trabalhadores, filiados ou 5. Os conflitos admitidos eram aqueles que resul-
não. Tal imposto, hoje chamado de contribuição tavam de transgressão das garantias legais estabe-
sindical, juntamente com o princípio da unicidade lecidas na CLT, e sua solução ocorria normalmen-
(que garante o monopólio da representação), per- te pela mediação da Justiça do Trabalho, seja pela
mitia que os sindicatos existissem independente- via da indução do comum acordo entre as partes,
mente da vontade de filiação ou da necessidade seja pela via da arbitragem normativa. Assim, abria-
de mobilização dos trabalhadores, o que reforçava se um leque enorme para práticas despóticas de
relações de trabalho por parte das gerências, cuja
sua dependência em relação ao Estado. Essa ca-
resistência e questionamento permaneciam laten-
racterística é importante, como destaca Cardoso
tes ou reprimidos no interior das empresas, sem a
(1999), porque a receita decorrente da associação
possibilidade legal de se manifestarem sob a for-
voluntária não estava relacionada com a sustenta-
ma de reivindicações coletivas organizadas e ime-
ção financeira das práticas de mobilização dos sin-
diatas. Os conflitos eram, então, transferidos para
dicatos, e sim com sua burocracia assistencial. Isso
a Justiça do Trabalho, desestimulando ou inibindo
limitava não apenas as possibilidades de filiação,
as oportunidades de confronto e tratamento dire-
e mesmo, o interesse nela, mas também o poder
to das questões trabalhistas entre entidades sindi-
de pressão e reivindicação do sindicato, posto que cais operárias e patronais. Ademais, o controle es-
desestimulava as ações de mobilização e aproxi- tatal da política salarial dificultava ou tornava
mação entre as lideranças e as bases. inócuas as iniciativas de negociação direta, tirando
Ao dissociar a sobrevivência financeira dos dos sindicatos um de seus espaços mais importan-
sindicatos de sua capacidade de arregimentação, o tes de luta e representação.6
Estado poderia cooptar as lideranças sindicais cuja Em todos os aspectos da gestão interna do
atuação se pautasse não necessariamente pelos in- trabalho, a resolução dos conflitos que ficavam fora
teresses imediatos dos trabalhadores que repre- do que regulava a legislação permanecia prerro-
sentavam, mas na capacidade de controle das ma- gativa do poder discricionário e unilateral dos pa-
nifestações voluntárias que ameaçassem a ordem trões, reforçada ainda pelo fato de que a legisla-
social. Este foi o contexto que fez florescer as cha- ção não assegurava nenhuma forma de
madas diretorias sindicais pelegas, que possuíam o organização ou representação coletiva no interior
poder de representação legal dos trabalhadores, das empresas. Esse aspecto é interessante ressal-
mas, submissas ao Estado, não possuíam legitimi- tar porque está na base do desenvolvimento no
dade representativa perante suas bases. Brasil de uma cultura gerencial autocrática e pa-
4. O sindicato só adquiria personalidade jurídica ternalista que sempre relegou espaços de partici-
ou era legalmente reconhecido perante o Estado pação democrática no processo de trabalho e nas
(Justiça do Trabalho) e o patronato, e, portanto, relações de produção.
só poderia pleitear direitos, se obtivesse autoriza- 6. As greves eram, senão estritamente proibidas, tre-
ção do Ministério do Trabalho. Tal mecanismo mendamente dificultadas pelos procedimentos bu-
permitia o controle administrativo e político sobre rocráticos exigidos para sua legalização, limitações
as atividades do sindicato, poder este exercido legais que instrumentaram a ação militar repressiva
em sua autoridade absoluta ou de forma mais fle- e violenta por parte dos governos autoritários.
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Saídos deste arcabouço institucional, os sindi- via-se, paralelamente, toda uma rede informal de
catos foram reconhecidos não para defender os in- trabalho em pequenas empresas urbanas de fundo
teresses efetivamente demandados pelos trabalha- de quintal, no campo, e nas inúmeras formas de tra-
dores ou barganhar diretamente soluções para os balho autônomo e precário, cujos padrões de con-
conflitos inerentes às relações de trabalho, mas para tratação e assalariamento passavam ao largo da
submeter aqueles conflitos ao controle do Estado. legislação trabalhista ou de qualquer forma de re-
A proibição das greves e a ação repressiva sobre as presentação coletiva, e a quem eram relegados di-
manifestações populares e operárias limitaram o reitos mínimos de proteção social. A inexistência
poder de pressão política dos trabalhadores e sua de um sistema amplo de regulação coletiva que ti-
capacidade de questionar o autoritarismo das rela-
vesse por base a garantia de direitos cidadãos fez
ções de trabalho no interior da produção. A valida-
ampliar a heterogeneidade estrutural das condi-
ção do novo regime, no entanto, exigia reiterada-
ções de trabalho e emprego, restringindo o poder
mente a ação reivindicativa e contestatária dos
de abrangência da legislação trabalhista e social e
trabalhadores. O conservadorismo empresarial, que
criando um modelo dual de estabilidade (formali-
fazia perpetuar práticas autoritárias de relações so-
ciais e de trabalho, contribuiu para deixar no pa- dade)/marginalidade para a economia e para o
pel, para muitas categorias e por muitos anos, as mercado de trabalho (Dombois e Pries, 2000).
conquistas da CLT. A massificação do assalaria- Além de fraca, a intervenção do Estado na criação
mento e dos direitos a ele pertinentes só veio acon- de políticas e mecanismos de proteção social atin-
tecer entre o final dos anos de 1950 e início da dé- gia apenas os trabalhadores formalmente reconhe-
cada seguinte, quando a economia se dinamiza cidos pela relação salarial, possuidores de uma
com a produção e o emprego gerado pela indús- carteira de trabalho. Um tipo de incorporação so-
tria de base, de bens de consumo duráveis e de cial a que Santos chamou de cidadania regulada
bens de capital, com forte presença da atividade (ver nota 2). Essa base institucional alimentou
produtiva estatal e do capital multinacional. todo um conjunto de valores na sociedade brasi-
Ainda assim, a política de substituição de im- leira que associava tudo o que não constituísse tra-
portações não viria atrelada a uma política social balho formal (desemprego, formas de trabalho
ampla encarregada de redistribuir seus frutos por precário e instável) à marginalidade.7
toda sociedade. É também a partir daquele perío- No interior das empresas, por seu turno, pre-
do que a natureza autoritária e excludente do sis- dominavam as formas predatórias, pessoais e au-
tema de relações de trabalho se revela mais con- toritárias de gestão do trabalho. A despeito dos
traditória e incongruente com as demandas dos ganhos em produtividade, as metas desenvolvi-
trabalhadores e suas condições de vida e trabalho. mentistas e o crescimento econômico continua-
O crescimento econômico realizava-se sem uma
riam se dando à custa do desenvolvimento social
associação direta com o aumento do padrão de
e da concentração da riqueza, o que fez fomentar
renda/consumo e bem-estar da população e sem
fortes ondas de contestação tanto nas fábricas
qualquer compromisso mais sólido com uma polí-
quanto nos meios rurais. As reivindicações de
tica de pleno emprego (pautada na estabilidade).
Ao contrário, um certo desemprego estrutural era cumprimento de direitos trabalhistas e de maior
benéfico ao tipo de acumulação escolhido. Como humanização das condições de trabalho, o arro-
destaca Mattoso, no Brasil, “ao contrário do que cho salarial, a contestação da distribuição latifun-
ocorreu nos países europeus, o padrão de produ- diária traziam à tona os movimentos revolucioná-
ção baseado no setor de bens de consumo durá- rios que postulavam efetivas mudanças estruturais.
veis consolidou-se com baixos salários, elevada As manifestações operárias e a efervescência dos
dispersão e sem distribuição de renda” (1996, p. movimentos populares alastraram-se, conquistan-
130). O que se constituía, então, era um padrão de do algum poder para pressionar o governo, como
desenvolvimento já extremamente seletivo. o espaço encontrado para as campanhas pelas re-
Em face do privilégio estatal da expansão formas de base, e abrindo caminho para a reação
econômica nos grandes centros urbanos desenvol- conservadora e autoritária das classes dominantes.
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Repressão militar e recrudescimento demissão, economicamente justificada pela neces-


do regime autoritário de relações sidade de serem realizados ajustes na folha de pa-
gamento em conformidade com as oscilações na
de trabalho
demanda. A diluição no tempo dos custos indeni-
zatórios, permitida pelo novo sistema, significava
O caminho da contenção dos movimentos
a redução drástica do impacto financeiro direto
operários e populares ocorreu, mais uma vez,
das demissões, num momento em que a organi-
pela via ditatorial, com o agravante da interven-
zação produtiva do processo de trabalho já se ha-
ção de um Estado que se impunha ideologica-
via desenvolvido o suficiente para gerar um supri-
mente a legitimar em nome de uma ordem de se-
mento garantido de força de trabalho de baixa
gurança nacional, usando, para isso, da violência
qualificação, o que estimulou a prática da alta ro-
policial em dimensões e intensidade sem prece-
tatividade nas empresas.9
dentes na história do país. O regime de governo
Em outras palavras, o sistema brasileiro de
pós-1964 cassou partidos políticos de esquerda,
relações de trabalho vertia-se desde cedo e muito
interveio direta e extensivamente nos sindicatos
antes de as empresas virem seus lucros ameaça-
combativos, perseguiu, baniu, torturou ou assassi-
dos pelos desafios internacionais da competitivi-
nou seus líderes e operários mais militantes. Os
dade, num sistema altamente flexível e ampla-
movimentos sociais e as greves foram violenta- mente propenso a fomentar relações de trabalho
mente reprimidos e a intervenção estatal fez res- hostis e precárias. Como conseqüência, à medida
tringir a ação sindical às atividades burocráticas e que a simplificação das tarefas tornava os traba-
assistencialistas. O peleguismo8 e a repressão pra- lhadores substituíveis, estimulava-se a formação
ticamente anularam a representação sindical, so- de um mercado de trabalho de pequena qualifica-
bretudo quando da imposição da política salarial ção e de baixos salários. A alta rotatividade pas-
pelo governo a partir de 1965, destituindo qual- saria a ser usada como uma prática recorrente das
quer poder de negociação coletiva direta. empresas não apenas como uma estratégia que
Nesse período pouco se precisou alterar no permitia a manutenção de baixos salários, como
sistema de representação sindical para manter sob constatou Humphrey (1982) em seu estudo de
rígido controle a classe trabalhadora. Foi necessá- caso nas montadoras, mas também como um ins-
rio apenas seguir à risca os dispositivos que restrin- trumento de controle disciplinar sobre a força de
giam o âmbito da atuação dos sindicatos e proibir, trabalho. Paralelamente, o controle oficial dos sa-
com rigor, as greves e as manifestações políticas. lários por meio de fórmulas que definiam reajus-
Uma das inovações na legislação trabalhista, no en- tes abaixo da inflação real imputava aos trabalha-
tanto, que veio ainda mais facilitar a exploração ca- dores os custos do crescimento, ao mesmo tempo
pitalista via uso predatório da força de trabalho, foi em que estimulava as diferenciações salariais como
a instituição do FGTS, um mecanismo que amplia- estratégia de controle e distinção hierárquica den-
va o poder de demissão das empresas e que, alia- tro das empresas.
do às práticas autoritárias e repressivas de gestão e Como já dito, para conter a ação coletiva dos
à proibição das greves, fortalecia o grau de submis- trabalhadores os militares valeram-se dos mecanis-
são dos trabalhadores. mos de controle e repressão encontrados na pró-
O FGTS rompia com a lei da estabilidade no pria legislação. Mas a principal característica da es-
emprego para os trabalhadores com mais de dez trutura sindical que se consolida na era Vargas e
anos de casa, uma garantia que, se não se con- que chega ao paroxismo nos governos militares foi
substanciava na prática, pois as empresas muitas que o Estado, por intermédio da Justiça do Traba-
vezes demitiam seus empregados antes de com- lho, erigiu-se como instância normativa hegemôni-
pletarem dez anos no emprego, alimentava ideo- ca na regulação dos conflitos entre capital e traba-
logicamente uma noção de cooperação de classe lho, arbitrando, inclusive, as negociações salariais.
fundada no direito do trabalho (Noronha, 1998; Ao se constituírem legalmente de forma descentra-
Humphrey, 1982). A lei do FGTS respondia, pois, lizada e longe dos locais de trabalho, os sindicatos,
às pressões das empresas por maior liberdade de sem poder de pressão, tiveram ainda mais delimita-
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das sua esfera de atuação e suas demandas, o que, litar. A onda de greves que se desencadeou por
ao lado de um ambiente político repressivo e de todo país a partir de 1978-1979, lideradas pelos
um padrão despótico de gestão do trabalho, fez es- metalúrgicos do ABC paulista, representou o trans-
vaziar o conflito dentro das fábricas, transferido-o bordamento daquelas insatisfações e a manifesta-
para as esferas normativas da Justiça do Trabalho. ção pública dos trabalhadores, que participavam
No entanto, contrariamente ao papel de “dissemi- em massa, fortemente apoiados por movimentos
nador de justiça social”,10 como aquele desempe- populares organizados pelas alas progressistas da
nhado no contexto econômico e político do gover- igreja católica e por uma militância de esquerda
no populista, a Justiça do Trabalho atuava aqui com saída da surdina. O grito de luta era uníssono:
forte propensão a beneficiar os empresários, seja contra a exploração econômica das empresas e a
quando era conivente com uma política de estabili- ditadura política dos militares. E teve alcance lon-
zação econômica pela via da contenção salarial, go e de significado muito mais profundo para o
quando as empresas podiam repassar para os pre- desenrolar das transformações que a década de
ços suas intenções de lucro, seja quando estas re- 1980 experimentaria: buscava a autonomia e a
corriam à proteção policial contra as manifestações desvinculação dos sindicatos da tutela estatal e a
operárias. Segundo Noronha (1998), o período mi- retomada dos direitos políticos e civis cassados
pelo regime militar.
litar representou uma ruptura com os aspectos po-
Por trás das reivindicações salariais, as lide-
pulistas do regime Vargas porque não havia entre
ranças operárias surgidas daqueles movimentos
os novos governantes nenhuma intenção cooptati-
tanto questionavam a legitimidade da representa-
va como a que se buscou na tradição autoritária dos
ção meramente burocrática e assistencialista a que
anos de 1940 e 1950.
havia sido resumida a atuação dos sindicatos sob
A ação repressiva sobre os movimentos tra-
o regime militar, como negavam e criticavam as
balhistas, a liberdade para demitir e o controle ma-
práticas populistas do sindicalismo no período pre-
nipulado dos salários fizeram ampliar o grau de cedente ao golpe. O chamado novo sindicalismo
exploração da força de trabalho no interior das surgia enraizado nas bases, pelo confronto direto
empresas, que aproveitavam o clima político auto- com os patrões e o Estado, reivindicando a nego-
ritário para endurecer, ainda mais, a disciplina e o ciação coletiva, a representação nos locais de tra-
controle sobre os trabalhadores (Humphrey, 1982; balho, o direito de greve, ao mesmo tempo em que
Leite, 1992). As greves em grande escala nas cida- encabeçava os movimentos sociais pela redemo-
des industriais de Contagem, Minas Gerais, e cratização do país. Em São Bernardo e Diadema,
Osasco, São Paulo, em abril e julho de 1968 repre- berço desse movimento, pólo de concentração de
sentaram uma tentativa de contraposição a este grandes massas de trabalhadores empregados nas
autoritarismo, logo, então, reprimida pelo regime modernas indústrias automobilísticas, a revitaliza-
militar. Organizadas a partir das bases e opondo- ção da organização coletiva nos locais de trabalho
se diretamente ao Estado, essas greves prenuncia- fortalecia as inúmeras formas de resistência e mo-
riam as manifestações operárias que dez anos de- bilização, e encontrava na greve a sua maior arma
pois pressionaram a abertura política do país. de pressão. Num momento em que o desgaste po-
lítico e econômico do governo tornava elevados
demais os custos sociais da repressão, as greves
Abertura política e novo sindicalismo de 1978, 1979 e 1980, embora duramente reprimi-
das, alcançaram dimensão quantitativa e ideológi-
Ao tempo em que o país experimentava seu ca suficiente para se espalharem por todo país e
principal surto de crescimento, alavancado pelos evolvendo diversas categorias. Entre 1978 e 1988
elevados índices de produtividade dos setores o número de greves bate recorde mundial, cumu-
mais dinâmicos da economia, a gestão despótica lando neste último ano, 132 milhões de jornadas
sobre a força de trabalho no interior das empre- de trabalho perdidas (Noronha, 1991), um forte in-
sas e o controle oficial rígido sobre os salários fo- dicativo de que o movimento trabalhista crescera,
mentavam terreno fértil para a manifestação das buscando seu espaço e impulsionando a distensão
insatisfações operárias reprimidas pelo regime mi- política do país.
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O novo sindicalismo trouxe à tona, também, Mesmo à custa de muita resistência por par-
o questionamento da estrutura corporativa e da te dos patrões, a figura dos delegados de base, as
prática sindical consagrada desde a era Vargas. comissões de representação interna dos trabalha-
Um questionamento que alimentou divergências dores, as comissões de fábrica, os comandos de gre-
dentro da própria direção oficial dos sindicatos, ve e os grupos de negociação constituíram atores
fazendo emergir lideranças identificadas com as novos a demandar poder de voz e a criar uma
bases e legitimadas por elas. Esses líderes ficaram nova institucionalidade no padrão de relações de
conhecidos como os sindicalistas autênticos, por trabalho, fazendo emergir conflitos latentes e tra-
sua proximidade com os trabalhadores de chão zendo a sua resolução para dentro das fábricas,
de fábrica e sua orientação e ação voltadas para longe dos tribunais do trabalho. Negociações co-
os problemas ali encontrados. Inaugurando um letivas, que antes meramente acompanhavam as
estilo de ação sindical combativo e apoiado pela formalidades da implantação de ajustes salariais
militância e pela mobilização ativa das massas de definidos pelo governo, passaram, então, a incor-
trabalhadores, os sindicalistas autênticos tomavam porar, ainda que de forma descentralizada, reivin-
expressão nacional sob a liderança carismática de dicações a respeito de abonos salariais e produtivi-
seu principal protagonista – Lula –, acontecimen- dade, demandas relativas à carreira e à estabilidade
to que, nas palavras de Sader (1988), fazia entrar no emprego, redução da jornada de trabalho,
na cena política novos atores sociais. É dessa mi- igualdade de salário para mesmo trabalho, igual-
litância e das principais correntes políticas e ideo- dade de salário e de tratamento entre os sexos,
lógicas em que ela se fragmenta que surgem o condições de segurança e saúde do trabalhador
principal partido de esquerda do país, o Partido etc. Como argumentou Almeida, “a ação grevista
dos Trabalhadores (PT), e as duas mais importan- descentralizada serviu para ampliar o espaço e o
tes centrais sindicais, a CUT e a CGT, hoje, depois escopo da negociação coletiva, assim como para
de sucessivos rachas internos, majoritariamente estender, a contrapelo da lei, direitos trabalhistas
concentrada na Força Sindical. importantes” (1988, p. 337).
Esse padrão combativo de ação sindical, que O coroamento dessas lutas veio com a Cons-
encontraria especialmente na CUT o apoio ideoló- tituição de 1988, com a legalização de algumas
conquistas centrais, de há muito reivindicadas e
gico e logístico, seria sentido principalmente no
mesmo de certa forma já em prática, tanto no âm-
fortalecimento da resistência ao poder arbitrário
bito da representação de interesses – direito de
das gerências na organização do processo de tra-
greve, liberdade para a criação de sindicatos sem a
balho, o que forçou a abertura de canais de nego-
tutela estatal, restauração do poder de negociar di-
ciação direta entre trabalhadores e patronato, des-
retamente com os patrões, institucionalização dos
locando a resolução dos conflitos para o interior
delegados de base, entre outros –, como no âmbi-
das empresas. Aspectos do trabalho até então de
to da ampliação de direitos sociais e trabalhistas –
domínio exclusivo da gestão capitalista, como redução da jornada de trabalho de 48 para 44 ho-
controle disciplinar, ritmos de produção, regras de ras, seguro desemprego, licença gestante de 120
promoção, estabilidade, distribuição de horas ex- dias, licença paternidade. Contudo, deve-se assina-
tras, condições de higiene e segurança no trabalho lar que, se a Constituição eliminou vários princí-
etc., passaram a ser confrontados, pelo menos nos pios autoritários encontrados na CLT, ela manteve
setores mais fortemente organizados, mediante a alguns dos seus principais traços corporativistas: a
militância dos trabalhadores e a reivindicação cres- unicidade sindical e a contribuição sindical obriga-
cente de espaços de intervenção diretamente bar- tória, que o novo sindicalismo tanto combateu.11
ganhados. Conseqüência dessa militância é que os Embora se renovando por dentro (Cardoso,
acordos coletivos ganham vida e novo sentido a 1999), o novo sindicalismo não foi capaz de mu-
partir da incorporação de reivindicações relaciona- dar a face extremamente fragmentada da repre-
das aos interesses de maior penetração dos sindi- sentação sindical no país. O impulso inicial dos
catos nos locais de trabalho e a ampliação de seu sindicatos mais fortes de expandir conquistas tra-
poder de representação interna. balhistas para diversas outras categorias represen-
O SISTEMA DE RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 119

tadas por sindicatos pequenos e fracamente orga- inviabilizaram as tentativas de ação cooperativa e
nizados, especialmente no tocante à defesa de solidária entre os sindicatos, debilitando seu
reajustes salariais centralizados, foi perdendo fô- poder para negociar, de forma mais homogênea,
lego à medida que as empresas recompunham políticas de emprego e renda e mecanismos que
suas políticas de produção e gestão do trabalho e assegurassem direitos mínimos de representação
que a economia entrava em trajetória declinante, coletiva, tanto nos locais de trabalho, como nas
em relação às acentuadas taxas de crescimento do cúpulas estatais (no âmbito dos três governos) de
período do milagre econômico. As greves dos formulação de políticas públicas.
anos de 1980 foram fundamentais para impedir Essa questão remete todo tempo à luta por
prejuízos maiores quanto ao nível de renda, mas mudanças efetivas no sentido da democratização
não foram suficientes para incorporar conquistas do sistema de relações de trabalho no país, o que
mais generalizadas no plano da redução das desi- contempla não apenas as instituições formais e le-
gualdades sociais e econômicas. Negociações co- gais da representação, mas também todo um com-
letivas descentralizadas, reflexo mesmo das deli- plexo de práticas, regras, costumes e valores que
mitações estruturais do sistema de relações de instruem e orientam as relações pessoais e a regu-
trabalho, impediram uma maior homogeneização lação social do trabalho onde ele se realiza. No âm-
das conquistas no que se refere ao nível de em- bito mais macro, por um preceito institucional não
prego e ao padrão de distribuição de renda e derrubado, em função não apenas das polêmicas e
bem-estar, o que veio a ampliar a já histórica/es- das divergências corporativas no interior das pró-
trutural heterogeneidade do mercado de trabalho prias entidades sindicais, mas também das fortes re-
no país. As centrais sindicais encontraram enor- sistências e retaliações articuladas pelo patronato,
mes dificuldades para articular formas de repre- as centrais sindicais não conseguiram institucionali-
sentação política mais amplas, capazes de influir zar o poder para negociar e assinar contratos de tra-
significativamente nas decisões governamentais balho, o que, de outro modo, ampliaria o poder de
de política econômica e social, sobretudo no âm- negociação para os trabalhadores em qualquer dos
bito das políticas redistributivas (Almeida, 1988; espaços econômicos/geográficos (setorial, regional
Medeiros, 1994; Oliveira, 1994; Comin, 1994). ou nacional) em que um possível contrato coletivo
Alguma articulação conjunta, ainda que efê- de trabalho se estabelecesse. Da mesma maneira,
mera e de amplitude limitada, foi realizada no não foi outro o desempenho geral da representação
âmbito das câmaras setoriais com os acordos do sindical, espalhada numa complexa malha de pe-
complexo automotivo já no início dos anos de quenos sindicatos municipais, incapazes de apro-
1990. As centrais sindicais, com destaque para veitar a própria estrutura federativa para o fortaleci-
atuação ativa da CUT, tiveram papel relevante nas mento das negociações setoriais no sentido de
negociações. A experiência mostrou que, pela pri- incorporar um padrão mais homogêneo e universal
meira vez, buscava-se um entendimento entre Es- de relações de trabalho.12
tado, empresários e trabalhadores em torno da Produto dessa mesma heterogeneidade, os
defesa de interesses mútuos no seio de um proje- avanços democráticos no plano mais micro das re-
to de política industrial que contemplava questões lações de produção também ocorreram de forma
de modernização produtiva, competitividade, ní- desigual. É verdade que a redemocratização do país
vel de renda e emprego e contenção inflacionária, passou a exigir uma redefinição das relações de tra-
entre outras (ver, por exemplo, Diniz, 1994). Mas balho no interior das empresas, fazendo-as encarar
a agregação e a conciliação de interesses dos di- o conflito de classe. Mas os condicionantes históri-
versos grupos econômicos em torno de políticas cos do autoritarismo e as vicissitudes econômicas
públicas de alcance mais generalizado encontrava embaladas pela persistência de ciclos recessivos ti-
enormes barreiras na grande diferenciação de seu veram papel decisivo no enfraquecimento das dis-
poder de organização e pressão, isso tanto para as putas. As concessões não vieram sem a forte opo-
entidades de trabalhadores como para as patro- sição capitalista. O extremo conservadorismo dos
nais. As profundas diferenças econômicas seto- patrões, a complacência da própria Justiça do Tra-
riais e regionais, coadunadas com os fracassos su- balho (Humphrey, 1982; Leite, 1992; Mangabeira,
cessivos dos planos de estabilização econômica, 1993) e mesmo o titubeio das lideranças sindicais,
120 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

cautelosas com o surgimento de organizações de bojo a abertura comercial e as privatizações. A isso


base autônomas, ou receosas da manipulação des- se agregava a busca da estabilidade econômica, pe-
ses grupos por parte das gerências, tornaram muito dra de toque dos dois governos de Fernando Hen-
lento o avanço da democracia na produção. Muitos rique Cardoso. A abertura econômica, iniciada de
sindicatos, inclusive os novos, criados no calor dos forma atabalhoada com a queda abrupta das tari-
movimentos de início da década, continuaram pre- fas de importação para uma grande diversidade de
dominantemente atuando como “sindicatos de por- produtos industriais, trouxe consigo o incremento
ta de fábrica”, sem qualquer acesso aos locais de do discurso da competitividade (agora em níveis
trabalho, apegados às práticas assistencialistas internacionais), precipitando a entrada da fechada
e cuja legitimidade para negociação é encontrada economia brasileira na circulação da rede global.
apenas no poder de homologação legalmente con- Isso fez com que, forçosamente, fossem expandi-
ferido (Boito Jr., 1991; Oliveira, 1994). Em outras dos os processos de reestruturação produtiva: fe-
palavras, os avanços nos espaços de disputa e ne- chamento de fábricas, renovação tecnológica, ter-
gociação das políticas de produção nos locais de
ceirização, subcontratação, reorganização dos
trabalho foram moderados, especialmente quando
processos produtivos, enxugamento de quadros,
se considera o grande universo de trabalhadores
entre outros, traduziram os ajustes. Em todos os
empregados em empresas tradicionais que pouco
casos os esforços se concentrariam primordial-
se empenharam na modernização de suas práticas
mente na racionalização de custos, com destaque
de relações industriais, que podem contar com um
vasto e competitivo mercado de trabalho de baixa para os custos do trabalho. Tais processos de
qualificação e que formam as bases de sindicatos reestruturação aconteceram concomitantemente a
politicamente mais fracos. uma conjuntura recessiva, que se aprofundava, e
Contrariamente aos anos de 1980, quando a a uma avalanche de medidas liberais concretiza-
defesa das reposições salariais ante as altas taxas das nos programas de privatização e no abandono
inflacionárias instigava e legitimava a ação con- das políticas públicas voltadas para a expansão da
frontacionista dos sindicatos com as empresas, demanda, com acento no controle da moeda e da
orientando, inclusive, as discussões ideológicas e inflação, via elevação da taxa de juros, e no avan-
os posicionamentos das centrais quanto às políti- ço de projetos de desregulamentação econômica e
cas do governo, nos anos de 1990 esta postura flexibilização institucional do mercado de traba-
confrontacionista perde fôlego, dando lugar à po- lho. Resultado imediato dessas mudanças: até a
lítica de negociação e cooperação entre capital e primeira metade dos anos de 1990 mais de 1 mi-
trabalho em torno de projetos mútuos e específi- lhão de empregos foram destruídos na indústria
cos de autopreservação que a nova conjuntura de transformação, tendo boa parte de seus traba-
econômica exigia. A reestruturação produtiva nas lhadores caído na informalidade e outra se deslo-
empresas faria do desemprego o grande vilão do cado para o setor de serviços, onde é ainda mais
processo de retração dos sindicatos e do avanço forte a heterogeneidade das condições de empre-
de iniciativas empresariais e do governo no tema da go, com predomínio (para) dos (os) contratos de
flexibilização do mercado de trabalho. Vejamos, baixa qualificação e de baixos salários (Medeiros e
então, este novo contexto. Salm, 1994; Pochmann et al., 1998).
Além do desemprego crescente, leis federais
apoiadas no ideário de que a liberdade para con-
Neoliberalismo e retrocesso nas tratar e demitir ajustaria eficientemente os abis-
relações de trabalho mos diferenciais entre a oferta e a demanda de
trabalho davam vazão a institutos que fragiliza-
Os anos de 1990 marcaram transformações vam ainda mais a proteção do trabalho. A retórica
profundas na economia brasileira. Com a vitória concentrava-se no anacronismo e na desfunciona-
eleitoral de Fernando Collor de Mello em 1989, lidade da legislação trabalhista ainda proveniente
primeiro presidente escolhido em eleição direta da era Vargas. Para muitos analistas do sistema de
após o regime militar, o país incorporava uma relações de trabalho (ver, por exemplo, Pastore,
agenda de ajustes econômicos que trazia em seu 1994), para os empresários, para o governo e
O SISTEMA DE RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 121

para algumas lideranças sindicais, aquela legisla- mente centrado nas instituições do mercado de
ção não acompanhava o passo das transforma- trabalho e nas políticas de bem-estar social. As-
ções econômicas e produtivas necessárias ao pectos contundentes das mudanças foram a am-
ajuste competitivo do país. O caminho da “mo- pliação das formas atípicas e precárias de ocupa-
dernidade” passava pelas agressivas reformas no ção e o crescimento do desemprego, fenômenos
âmbito das privatizações, da previdência, da des- que fizeram romper duas regras básicas do pa-
regulamentação dos mercados econômico e de drão de regulação precedente: a estabilidade e a
trabalho. Neste último, a saída, então, era flexibi- jornada de trabalho preestabelecida.15
lizar os estatutos que, segundo eles, oneravam o No entanto, o debate das reformas neolibe-
custo do trabalho e inviabilizavam a geração de rais no Brasil põe em foco questões sociais e po-
empregos. Foi, portanto, com esse propósito que, líticas muito mais complexas, dada as característi-
no segundo governo de Fernando Henrique Car- cas autoritárias, precárias, excludentes e desiguais
doso, editou-se um pacote de medidas legislati- que marcaram o nosso sistema de relações de tra-
vas que alterava regras trabalhistas básicas, como balho e a nossa estrutura social. Antes de ser pen-
o vínculo contratual, a jornada e o salário. Assim, sado no seio de um projeto mais amplo de desen-
o contrato de trabalho por tempo determinado, o volvimento e integração, ele preconizava escolhas
trabalho em tempo parcial, a suspensão temporá- políticas com forte propensão a acentuar aquelas
ria do contrato de trabalho por motivos econômi- características, nas palavras de Siqueira Neto: “vul-
cos, o banco de horas, a participação nos lucros garizando o conceito de rigidez do direito e do
e resultados das empresas, a redução do salário mercado de trabalho e banalizando a negociação
com redução da jornada, entre outros, passaram coletiva e o papel do estado” (1996, p. 328). Des-
a fazer parte do rol de possibilidades legais de locava-se, assim, as discussões e as mobilizações
mudança nos contratos de trabalho. Em seu con- em torno, por exemplo, de uma possível redução
junto, essas medidas representaram um verdadei- da jornada de trabalho como política socialmente
ro desmonte dos direitos de proteção ao trabalho mais justa de geração de emprego, e, inclusive,
e um retrocesso no espaço recentemente con- deslocava-se o velho debate em torno da reforma
quistado pelo movimento sindical.13 do sistema corporativo e seus anseios por torná-
A promessa da geração de empregos, toda- lo mais democrático, em proveito da desregula-
via, não se concretizou.14 Mas os ataques neolibe- mentação dos direitos sociais e da flexibilização
rais às instituições do trabalho pareciam vivamen- das relações de trabalho (Oliveira, 1994; Rodri-
te abrir caminho para uma reprivatização das gues, 1999). Atacava-se como rígido um sistema
relações de trabalho. Ao findar seu governo, FHC de regulação que estruturalmente sempre se
fez passar no Congresso o Projeto de Lei adaptou a todo tipo de conjuntura econômica pe-
5.843/01, que propunha a alteração do artigo 618 los artifícios oficiais ou clandestinos que tornam
da CLT, cujo objetivo era fazer sobrepor os acor- extremamente flexível o uso do trabalho no país.
dos coletivos privados ao que determina a legis- O outro lado da moeda do debate e das prá-
lação trabalhista. Esse projeto sai de pauta no go- ticas de flexibilização é que se tornaram cada vez
verno Lula, mas, como veremos, parece não ter mais unânimes as análises que apontam para uma
esmorecido o teor liberalizante que ronda as in- redução significativa do emprego formal e sua ex-
tenções da reforma trabalhista acenada pelo novo pansão na esfera da informalidade. A participação
governo. Em outras palavras, as políticas de inser- dos empregados formais cai de 53%, em 1991,
ção da economia brasileira no comércio interna- para 45%, em 2000. Em contrapartida, o grau de
cional seguiram à risca a cantilena dos valores su- informalidade que era de 36,6% em 1986, aumen-
periores do mercado na ordenação da economia, tou para 37,6%, em 1990, e para 50,8%, em 2000
e seguiram uma tendência mundial. É vasta a lite- (Sabadini e Nakatani, 2002; Cacciamali, 2000). Em-
ratura que aborda o desmonte das estruturas po- bora deva ser considerada a heterogeneidade das
líticas e sociais que possibilitaram o crescimento situações que consubstanciam o trabalho informal,
dos países desenvolvidos nos chamados anos o fato é que sua expansão tem se dado num con-
dourados do capitalismo, desmonte este forte- texto de forte desestruturação do mercado formal,
122 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

com crescimento significativo dos trabalhadores suas metas o questionamento do capitalismo e das
sem carteira de trabalho assinada, portanto, à mar- investidas neoliberais), propugnado pela CUT, ba-
gem dos direitos assegurados na legislação e fora luarte do movimento sindical nos anos de 1980 e,
de qualquer relação com os sindicatos, único meio na época, principal opositora do governo.17
de representação institucional. Efeito dessa divisão, destruidora do poder do
As demissões em larga escala dos anos de sindicalismo (Giannotti, 2002) e fomentada pelas
1990, a difusão no interior das empresas de pro-
16
forças conservadoras no poder, foi que as negocia-
gramas organizacionais voltados para a antecipa- ções se voltaram para a realidade e para a possi-
ção dos conflitos e o maior envolvimento ideoló- bilidade específica de cada empresa ou de um
gico dos trabalhadores (especialmente no âmbito conjunto de empresas em determinado setor, per-
dos programas de qualidade total), a migração de dendo o elo de referência que, de alguma forma,
trabalhadores do setor industrial (tradicionalmente existiu quando a luta por reposição salarial e pela
mais organizado em sindicatos e desfrutando rela- abertura política promovia uma articulação mais
ções de trabalho formal) para o setor de serviços abrangente entre todas as categorias. Por seu tur-
(caracteristicamente mais heterogêneo e onde pre- no, o desemprego e a negociação de mecanismos
dominam relações de trabalho mais precárias e mínimos que assegurassem alguma estabilidade
instáveis, portanto, de baixa organização sindical), provisória, à falta de uma legislação mais ampla,
tiveram conseqüências avassaladoras sobre o nível passaram a assumir relevância na agenda sindical.
de sindicalização e sobre o poder (ideológico e É esse padrão de negociação, emerso de um
material) dos sindicatos, compondo uma realidade contexto de estabilidade monetária, de livre nego-
muito mais complexa para as relações de trabalho ciação dos salários e de mudanças na estrutura
que não mais poderia ser enfrentada pela prática produtiva e na organização e gestão do trabalho
confrontacionista do passado (Oliveira, 1994; Co- dentro das empresas, que fez autores como Cas-
min e Castro, 1998; Rodrigues, 1999). tro (1995 e 1997), Comin e Castro (1998) anuncia-
É preciso destacar, no entanto, e como mais rem o surgimento de uma nova institucionalida-
um condicionante das mudanças na correlação de de micro-regulatória, segundo a qual novos
forças, a importância política da polarização na cú- parâmetros, novas regras, em novos terrenos e es-
pula do movimento sindical, polarização esta que copo, comporiam os contratos coletivos de traba-
foi decisiva na sustentação do projeto neoliberal lho e os aparatos normativos interno às empresas.
que orientou as escolhas políticas dos três gover- A preservação dos empregos, as políticas de for-
nos nos anos de 1990. Trata-se da emergência da mação e qualificação, o deslocamento de ajustes
Força Sindical como central que propunha uma al- salariais fixos para formas variáveis de compensa-
ternativa de ação e de pensamento político em di- ção salarial, a manutenção de conquistas passa-
reta oposição à prática combativa e aos ideais das, a flexibilização das jornadas etc. passaram
transformadores da CUT. Criada em 1991 e reunin- a dar o tom das negociações coletivas, com o po-
do egressos do velho sindicalismo de Estado, essa der da balança de forças desfavorável para os tra-
central incorporava aquele discurso da modernida- balhadores.18 O grande dilema, porém, como des-
de, já entoado pelo governo e pelas elites empre- tacou Oliveira (1994), é que a área de incidência
sarias. Atribuindo a si o slogan de um sindicalismo desses novos temas ou desse novo campo de pac-
moderno, a Força Sindical defendia um sindicalis- tuação é a empresa, onde tradicionalmente a or-
mo de resultados, assente à racionalidade cega do ganização sindical sempre foi débil, e, acrescente-
livre mercado, e desideologizado, no sentido de se, onde ela passa a concorrer com as iniciativas
que circunscrito aos interesses econômicos imedia- das empresas de buscarem a cooperação dos tra-
tos dos trabalhadores. Embora moderadamente rei- balhadores, normalmente isolando-os do sindica-
vindicativa no plano econômico, sua atuação pau- to. As negociações neste caso dificilmente pode-
tava-se na cooperação e na parceria com o capital, riam ser embasadas em condições ou posições de
numa negação explícita ao sindicalismo de con- mútua autonomia, abrindo espaço para as deci-
fronto, ideologizado (porque tinha como uma de sões unilaterias.
O SISTEMA DE RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 123

Flexibilização da CLT: perda de direi- 2004, e é este o projeto que deverá ser apreciado
tos e maior precarização das condi- pelo Congresso.
Embora a divulgação dos trabalhos do FNT te-
ções de trabalho
nha ressaltado um expressivo consenso quanto às
propostas, há elementos polêmicos e questões im-
Se as negociações coletivas avançaram a
portantes que devem encontrar resistência para sua
ponto de extrapolar a CLT e passaram a incorpo-
aprovação. As duas mudanças mais radicais, um
rar interesses específicos e mesmo individualiza-
tanto contraditórias em seus propósitos, e que po-
dos, quebrando a rigidez daquele estatuto mais dem sintetizar o teor desta etapa da reforma, são,
amplo em aspectos da regulação do trabalho que de um lado, a institucionalização do poder de ne-
as novas exigências competitivas tornaram obso- gociação das centrais sindicais, o que em tese e po-
letos (ver, por exemplo, Castro, 1997; Cardoso, sitivamente abriria espaço, pela primeira vez no
1999), não se pode estagnar na rigidez de um tipo país, para um maior poder de pressão e homoge-
de representação (descentralizada por completo, neização das demandas dos trabalhadores; de ou-
extremamente fragmentada e longe das empre- tro, a legalização do pluralismo, ou seja, a consa-
sas) que impede o fortalecimento do poder de ne- gração de uma visão de democracia liberal a
gociação dos trabalhadores. É essa rigidez que ordenar a estrutura organizativa dos sindicatos.
clama, como defendem as centrais sindicais e O projeto de reforma sindical põe em evi-
muitos analistas do sistema de relações de traba- dência a velha demanda pelo fim do monopólio
lho no país, por mudanças efetivas e democráti- da representação ao estabelecer a possibilidade de
cas na estrutura corporativa e na CLT. O contexto se ter legalmente mais de um sindicato em uma
das reformas institucionais, no entanto, tem sido mesma base de representação. Para obter a exclu-
adverso para os trabalhadores em todo o mundo. sividade na negociação (que pode ser derrubada
Seja no âmbito da reforma trabalhista, da previ- na disputa), o sindicato ou qualquer organização
dência, da tributária, seja na esfera da redefinição de nível superior deverá atingir critérios de repre-
das políticas sociais do Estado, seu sentido é o de sentatividade, entre eles, o de possuir pelo menos
reafirmar o primado do liberalismo. 20% dos sócios na sua base. Ainda que esse siste-
O governo Lula manteve a promessa de re- ma pretenda reduzir a enorme fragmentação a
formular a CLT, mas a despeito de toda expecta- que foi levada a estrutura representativa, princi-
tiva de reversão da política econômica dominan- palmente depois da explosão na criação de sindi-
catos nos anos de 1980, ele aponta riscos pelo
te nos últimos dez anos não rompeu com aquela
fato de poder desencadear uma competição des-
tendência, e mesmo, contrariando princípios ideo-
truidora na corrida dos sindicatos pelo poder de
lógicos de toda uma luta de esquerda no país,
representação dos trabalhadores, questionando o
abriu mão de propostas mais revolucionárias. No
próprio preceito que supostamente motivou o
entanto, contrariamente à conduta fechada com
projeto de reforma, qual seja, o de fortalecer
que foram definidas as mudanças institucionais no
aquela estrutura e seu poder para congregar os
governo anterior, chamou os interessados para o interesses dos trabalhadores.19
debate. Com este fim, e para a construção das O pluralismo na representação talvez seja o
propostas, foi instituído, no início de 2003, o Fó- ponto mais polêmico da reforma e que deverá en-
rum Nacional do Trabalho (FNT), uma entidade contrar resistências dentro do próprio movimento
tripartite de negociação em que participam repre- sindical devido à ameaça que pode representar à
sentantes do governo, das centrais sindicais e dos sobrevivência de muitos sindicatos. Um outro pon-
empresários. O FNT privilegiou inicialmente a dis- to polêmico diz respeito ao grau relativo de auto-
cussão sobre a reforma da estrutura sindical, uma nomia que caberá aos sindicatos, uma vez que a
certa preparação do terreno para o encaminha- legalização do poder de negociação das centrais
mento da reforma das leis trabalhistas. A primeira embute o perigo da super concentração de poder
etapa dos debates foi concluída com o Relató- na cúpula sindical. Essa questão, também relacio-
rio da Comissão de Sistematização, em março de nada à definição do nível e da abrangência das ne-
124 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

gociações, deve alimentar divergências dentro das de negociação das centrais, a representação de
estruturas de poder já estabelecidas, como no caso base, o reconhecimento e a regulação do direito
da relação entre as centrais e as confederações, as de greve, a proibição de práticas anti-sindicais –,
quais não participaram do fórum do trabalho. o seu acento numa dinâmica que privilegia a lógi-
Um outro aspecto polêmico da reforma sin- ca de mercado enseja cuidados e exige pressão
dical que será encaminhada ao Congresso é que dos trabalhadores para que não seja aprovada
ela deixa brechas para a interpretação de que o uma reforma que camufle perdas potenciais, espe-
negociado deve prevalecer sobre o legislado. Numa cialmente porque na segunda etapa dos trabalhos
passagem do Relatório da Comissão de Sistemati- do FNT estará em jogo a mudança do parâmetro
zação (2004, p. 32) em que se estabelecem os institucional que define os direitos individuais dos
princípios do processo de negociação, há uma re- trabalhadores, a reforma trabalhista.
ferência ao “não cerceamento do processo de ne- Não custa ressaltar que nem os aspectos es-
gociação coletiva pela lei”, princípio que, quando truturais, nem a dinâmica conjuntural parecem ser
transformado em linguagem jurídica, pode tradu- favoráveis a mudanças que façam retroceder o ím-
zir-se naquela malfadada intenção de alterar o ar- peto de retirada de direitos que tem acompanha-
tigo 618 da CLT; uma temeridade quando se tem do as reformas trabalhistas em todos os países. Pro-
sindicatos debilitados pelo fantasma do desempre- postas importantes e que apontariam uma luz no
go. O mesmo argumento pode ser levantado em fim do túnel da precarização e do desemprego,
relação ao tratamento preferencialmente dado ao como a redução da jornada de trabalho ou a dis-
tema da composição dos conflitos. Embora não cussão da reforma dentro do marco mais amplo
seja descartada a arbitragem da Justiça do Traba- de um projeto de desenvolvimento centrado na
lho, há forte tendência de se privilegiar as instân- elevação do padrão de renda e de welfare dos tra-
cias privadas de conciliação e mediação, com as- balhadores, são ridicularizadas e tratadas como in-
sistência dos sindicatos; o temeroso, aqui, como a sanas em face das necessidades urgentes da com-
experiência já demonstrou para o caso das Comis- petição. Ao contrário, os empresários vão insistir
sões de Conciliação Prévia, são as possibilidades no argumento de alteração do art. 618 da CLT, no
de manipulação, de indução aos acordos lesivos sentido de sacramentar a lei do mais forte, e o dis-
e do abrir mão de direitos, quando mais prevale- curso da rigidez é sua principal arma ideológica: a
ce a necessidade de preservação do emprego. flexibilização requerida é aquela que derruba di-
Há, no entanto, aspectos positivos na propos- reitos. Ora, em nenhum dos seus dispositivos a
ta de reforma, a exemplo da criação do Conselho CLT impede a incorporação de vantagens ou a ne-
Nacional de Relações de Trabalho, uma câmara de gociação de expedientes que mantenham ou am-
negociação tripartite e paritária que poderá possibi- pliem conquistas. Ao contrário, garante uma base
litar uma maior abertura dos espaços de proposição mínima de direitos contra a exploração que, como
de políticas públicas e de iniciativas legislativas na vimos, foram conquistados mediante longos pro-
área das relações de trabalho; um avanço em rela- cessos de luta política. Fazer prevalecer o negocia-
ção à tradição autoritária, centrada no Executivo, do sobre o legislado implica legitimar a redução e
com que desde os anos de 1930 se definiu a políti- a manipulação daquela base mínima de direitos.20
ca de relações de trabalho no país. Um outro aspec- Ademais, há um outro agravante. Como o
to positivo é o indicativo de legalização da repre- que prevalece no país é uma prática de elevada
sentação nos locais de trabalho, uma demanda rotatividade, em razão mesmo da ausência de pro-
antiga do movimento sindical que sempre esbarrou teção legal à estabilidade e à representação inter-
na resistência patronal e, por isso mesmo, embora na, a Justiça do Trabalho não resolve problemas
o Relatório Final da Comissão de Sistematização entre empregados e empregadores, e, sim, entre
subscreva que houve concordância entre as partes desempregados e empregadores: os trabalhadores
a respeito do reconhecimento deste direito, não não reivindicam direitos durante a relação de em-
prevê definição clara das regras de sua regulação. prego pelo medo de as empresas os demitirem,
Ainda que a proposta de reforma da CLT como é comum acontecer. Neste caso, como bem
acene com avanços importantes – como o poder lembrou o jurista José Alberto Maciel (O Globo,
O SISTEMA DE RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 125

7/3/2002), o trabalhador não vai à Justiça do Tra- praticamente inexistente poder de representação
balho via sindicato, que fez o acordo, vai indivi- interna, dificultam um ambiente de efetiva nego-
dualmente, portanto, sem poder de barganha. De- ciação com os patrões. A postura conciliadora, e
corre disso que o que está em jogo, efetivamente, não a confrontacionista, é a regra, uma vez que
é a garantia de direitos ou a possibilidade de seu importa assegurar o próprio emprego, mas a ne-
rebaixamento, sem esquecer que a proposta de gociação se submete às possibilidades de conces-
privilegiar a conciliação e a mediação em âmbito são alegadas pelas empresas e a cujos parâmetros
extrajudicial pode representar, nestas condições, os sindicatos não têm acesso. Por isso mesmo que
uma ameaça àquela garantia. Ainda nas palavras a CLT ainda é o parâmetro central do espaço que
do jurista, não estaríamos, pois, numa situação de se abre para a negociação, assim como a referên-
flexibilização do trabalho e sim de uma desregula- cia que impede que ela resvale na pura mercanti-
mentação, que significa retirada de direitos. lização da força de trabalho, sem contar que ela é
A afirmação é ainda mais válida para aque- também a grande referência para as relações de
les trabalhadores representados por sindicatos que trabalho não cobertas pelo vínculo da formalidade
possuem fraca tradição de confronto e em cujas (ver Noronha, 1998). É nesse sentido que, para
jurisdições se encontram empresas que pouco ou grande maioria dos trabalhadores, as mudanças
nada investiram na valorização de seu pessoal. implementadas ou estimuladas na legislação traba-
Isso, a curto ou médio prazo, seria muito pouco lhista podem significar a ampliação do nosso ve-
revertido, a despeito da reforma na estrutura sin- lho padrão despótico de relações de trabalho.
dical. Como conseqüência, considerando a extre-
ma heterogeneidade estrutural do mercado de tra-
balho no país, apenas alguns segmentos do trabalho Notas
organizado estariam em condições de negociar
junto aos interesses do capital com certo poder de 1 Limito-me a caracterizar, muito genericamente, o
barganha (ver, por exemplo, Castro, Comin e Lei- modelo corporativista de relações de trabalho. A li-
te, 1999; Carvalho Neto, 2001). Para os setores teratura que o estuda é tão vasta quanto variáveis
econômicos de sofrível desempenho e de fraca foram os debates ideológicos e as conjunturas eco-
representação sindical,21 a legislação trabalhista e nômica e política que acompanharam o processo
a função sancionadora do Estado na garantia de de industrialização e de organização sindical no
país. Entre os mais consolidados e leitura obrigató-
seu cumprimento continuam sendo os principais
ria para o entendimento da época e dos condicio-
institutos, senão os únicos, a supostamente asse-
nantes de sua institucionalização temos: Evaristo de
gurar limites mínimos aos critérios de contratação Moraes Filho (1978), Azis Simão (1966), Albertino
e uso do trabalho (salário-base, teto para as jorna- Rodrigues (1968), Leôncio Martins Rodrigues
das, remuneração das horas-extras trabalhadas, (1974), Luiz Werneck Vianna (1999), Maria H. Tava-
13º salário, proteção às gestantes e ao trabalho in- res de Almeida (1988), Francisco Weffort (1973),
fantil etc.). E isto, em tese, já que, ainda hoje, é Wanderley Guilherme dos Santos (1979), Castro
imprescindível que muitos sindicatos “corram Gomes (1979, 2005), Araújo (1998).
atrás” para fazer as empresas respeitarem esses di- 2 É de Wanderley Guilherme dos Santos (1979, p.
reitos básicos do trabalhador. 29) o conceito de cidadania regulada, que mais à
Para os trabalhadores empregados em tais frente retomarei, segundo o qual, o Estado delimi-
setores, a reestruturação produtiva – pensada aqui tava a esfera dos direitos sociais aos vínculos do in-
como qualquer mudança posta em prática pelas divíduo à esfera da acumulação. Só auferiam direi-
empresas como forma de adaptação competitiva tos previdenciários e só eram cobertos pelas leis
às demandas do mercado – e a flexibilização da do trabalho as pessoas legalmente reconhecidas
CLT já realizada no governo FHC têm se revertido pelo Estado como ocupando uma profissão, esta
em processos de perdas salariais e sociais, de in- também reconhecida pelo mesmo.
tensificação das jornadas e dos ritmos de trabalho, 3 Pensamos aqui no conceito de corporativismo tal
de controle disciplinar por meio da ameaça de de- qual o encontrado no clássico artigo de Schmitter
missão (Costa, 2002), aspectos que, associados ao (1974). Buscando um modelo para análise empíri-
126 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

ca dos sistemas de representação política nos paí- sindical uma outorga do Estado, constituem, ainda
ses industrializados e tomando como referência o hoje, características autoritárias da estrutura corpora-
voluntarismo e a liberdade das organizações plura- tiva, responsável pela subordinação dos sindicatos às
listas, Schmitter define corporativismo por exata cúpulas dos três poderes centrais do Estado (Boito
oposição às características dessas organizações: nú- Jr., 1991). Segundo esse autor, um efeito dessa carac-
mero limitado de unidades de representação, com- terística estrutural, estável e ainda não modificada
pulsórias, não competitivas, hierarquicamente or- por falta de efetivo interesse dos próprios sindicatos,
denadas, funcionalmente diferenciadas. O modelo é que, sobre ela, a regulamentação ou a intervenção
comporta duas modalidades de corporativismo: o estatal pode se dar com rigor ou com flexibilidade,
societário, em que os sistemas de representação sendo sua intensidade definida pela configuração
são autônomos em relação às estruturas e ao po- das relações de poder entre os atores sociais (capital
der do Estado; e o estatal, onde, embora as organi- e trabalho) em cada contexto conjuntural histórico.
zações de representação (associações, sindicatos)
6 O salário mínimo, base monetária da grande mas-
sejam institucionalmente reconhecidas, elas são
sa salarial no país e também referência para os ou-
mantidas como órgãos auxiliares e dependentes do
tros patamares de salários, sempre foi definido
Estado. O corporativismo societário estaria associa-
pelo governo em função de seus projetos de con-
do à realidade de países cujos sistemas políticos
trole da economia e de desenvolvimento nacional.
são mais democráticos, com fortes políticas de wel-
Em sua Crítica à razão dualista, Francisco de Oli-
fare; já o corporativismo estatal viria associado aos
veira (1977) demonstrou como a instituição do salá-
regimes políticos autoritários que acompanharam
rio mínimo no governo Vargas significou, na prática,
os projetos de substituição de importações nos paí-
um aviltamento do salário industrial, especialmente,
ses de capitalismo pouco desenvolvido. Stepan
do salário das ocupações mais qualificadas. Trans-
(1980), estudando a experiência de países como
formava-se, assim, num instrumento efetivo para a
Brasil, México, Argentina e Chile, distingue em dois
acumulação industrial, à medida que não tinha
pólos os subtipos de corporativismo estatal: o in-
como referência a luta de classe ou qualquer crité-
clusivo, em que a elite dominante, utilizando-se do
rio de produtividade, e, sim, o mínimo necessário
aparato estatal, procura sustentar seu projeto de
à sobrevivência do trabalhador.
desenvolvimento e dominação pela incorporação
parcial das classes trabalhadoras no modelo políti- 7 É quase desnecessário lembrar do nosso precário e
co-econômico; e o exclusivo, modelo em que a le- insuficiente sistema público de direitos sociais bá-
gitimidade do poder dominante e de seu projeto sicos (saúde, educação, previdência), além do fato
político-econômico é alcançado pelo apoio de po- de ele praticamente só ter abrangido todos os se-
líticas altamente coercitivas feitas para desarticular tores sociais nos anos de 1970. O seguro desem-
e depois reenquadrar grupos importantes da classe prego, por sua vez, só viria a ser implantado pelo
trabalhadora. governo Sarney com todas as limitações que lhes
são inerentes, inclusive o fato de só terem acesso
4 Meu interesse aqui se volta especificamente para os
aqueles que já estiveram formalmente empregados.
sindicatos de trabalhadores. A mesma lei regula-
Para os que jamais assinaram uma carteira de tra-
mentou a estruturação das entidades representativas
balho, inexiste este direito cidadão.
do interesse patronal, mas estas foram tradicional-
mente e patrimonialisticamente agraciadas por ca- 8 Albertino Rodrigues (1968:19) define assim o pele-
nais informais e paralelos de representação e troca guismo: “fenômeno gerador de dirigentes sindicais
política junto às agências estatais, dos quais a repre- que se contentam com as atribuições legais e se
sentação do trabalho foi arbitrariamente excluída. tornam instrumentos dóceis para que a organiza-
Ver, entre outros, O’Donnell (1988) e Dinis (1994). ção atue menos no interesse de sua classe do que
no interesse particular da empresa econômica e da
5 Embora a Constituição de 1988 tenha reduzido os
ordem política do momento”.
procedimentos legais e burocráticos para a criação
de sindicatos e eliminado ou reduzido o poder de in- 9 O FGTS é um assunto extremamente polêmico
tervenção direta na constituição das representações, desde sua instituição, não apenas por ser produto
nos estatutos e nas atividades administrativas ou de legislativo de regime autoritário, mas por ter se verti-
militância dos sindicatos, a prerrogativa legal do re- do num mecanismo estimulador de práticas predató-
conhecimento, o monopólio da representação e o rias de uso do trabalho. Ele facilita a alta rotatividade
imposto compulsório, que tornam a representação nas empresas, o que, entre outras conseqüências, di-
O SISTEMA DE RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 127

ficulta a organização coletiva e a ação reivindicati- termediação e representação de interesses. O ataque


va nos locais de trabalho, na medida em que as das lideranças sindicais autênticas e das oposições,
empresas podem demitir seus trabalhadores mais representadas pela CUT, dava-se sobre os princípios
militantes. Para uma discussão recente sobre o po- que inevitavelmente tornavam os sindicatos depen-
der de influência do FGTS na elevada rotatividade dentes do Estado e, portanto, os incapacitavam ob-
praticada pelas empresas no Brasil ver, por exem- jetivamente de seguir projetos autônomos de repre-
plo, Cardoso (1999). sentação de classe, basicamente: a unicidade sindical,
que se opunha ao pluralismo da representação e à li-
10 Nos anos de 1940 e 1950, ainda que a base indus-
berdade de associação; e o imposto compulsório,
trial não estivesse sido consolidada, a legislação tra-
que garantia a existência de sindicatos independente-
balhista provocou tremendo impacto no mundo do
mente de seus esforços de legitimação e prestação de
capitalismo selvagem com que eram reguladas as re-
contas perante as bases. Águas passadas, em muito
lações de trabalho, em função mesmo da extrema re-
os sindicatos renovaram suas práticas, mas pouco
sistência com que os patrões a receberam. Condições
ou nada ousaram mexer, a despeito dos inúmeros
de trabalho e salário, até então arbitrariamente cons-
projetos de lei intentados pelo governo, nesses dois
tituídas, passavam a ter respaldo legal de referência
princípios corporativos fundamentais.
mínima. Leite Lopes (1988), estudando o sistema de
fábrica têxtil com vila operária, mostra-nos de manei- 12 É preciso, todavia, destacar o avanço da participação
ra brilhante como uma forma quase escravista de do- das centrais sindicais, com poder deliberativo na for-
minação é desmontada, de baixo, pela resistência in- mulação de projetos e aprovação da aplicação de re-
cansável dos trabalhadores, com seus mais diversos cursos, em diversos fóruns institucionais no âmbito
recursos e estratégias de pressão, quando se alia à das políticas públicas (ver, por exemplo, Pochmann
sua luta a Justiça do Trabalho. O recurso a este órgão et al., 1998; Souza, Santana e Deluiz,1999); assim
constituía-se numa ação permanente do coletivo de como é preciso destacar sua influência política/ideo-
trabalhadores, de maneira que a legislação trabalhista lógica na orientação da ação sindical e das práticas
funcionava como que instruindo uma consciência de de negociação. Mas há de se considerar também que
classe. Ela era o parâmetro e o respaldo legal orienta- são tremendamente complexas as possibilidades e as
dor e legitimador da ação coletiva no interior das fá- oportunidades de compatibilização e coordenação
bricas, muitas vezes, sem o conhecimento prévio, ou numa instância de meso ou macro-regulação, não
à revelia do sindicato. Mesmo a greve, na conjuntura tanto de interesses, tendo por base as carências so-
política menos repressiva do correr dos anos de 1950 ciais e o indiscutível baixo padrão de renda no país,
e primeiros anos da década de 1960, encarnava um mas das possibilidades objetivas de ação e concreti-
sentido de justiça e legitimidade em face das humi- zação das reivindicações. Diferenças econômicas en-
lhantes leis patronais disciplinares e à ultra explora- tre regiões, setores, empresas e no grau de organiza-
ção do trabalho. ção política dos sindicatos dificultam enormemente a
articulação e a negociação de grandes acordos cole-
11 Dentro do próprio meio sindical e no meio acadê-
tivos centralizados.
mico/intelectual (ver, por exemplo, Almeida, 1988;
Boito Jr., 1991), o novo sindicalismo deu panos para 13 Para entender o significado dessas principais medi-
manga para o desenvolvimento de algumas contro- das institucionais de mudança nas leis trabalhistas
vérsias a respeito das mudanças estruturais efetiva- e seu efeito perverso na conquista de direitos dos
mente realizadas pelo movimento. As novas lideran- trabalhadores, ver, por exemplo, Krein (1999).
ças propunham uma ruptura não apenas com as
14 Segundo dados do IBGE, em 1998 o desemprego
práticas sindicais passadas, que qualificavam como
atingia 7 milhões de brasileiros – 9,2% da Popula-
mais próximas dos interesses político-partidários e
ção Economicamente Ativa (PEA). Já em 2000, ele
pessoais das lideranças sindicais de então, do que
angustiava 11,5 milhões de trabalhadores, quase
dos efetivos interesses das massas de trabalhadores,
15% da PEA.
mas propunham também uma ruptura com a pró-
pria estrutura corporativa. As polêmicas remetem à 15 As iniciativas de reforma na CLT foram fortemente
avaliação dos efeitos da ação sindical pós-1978 so- influenciadas pelas mudanças no mundo do traba-
bre o que se postulava como uma crise do corpora- lho provocadas pelo acirramento da competição ca-
tivismo de Estado (Almeida, 1988), crise esta instiga- pitalista global. Não temos espaço aqui para um
da pela proposição de sistemas alternativos, aprofundamento dessa questão, mas cabe lembrar
autônomos, mais abrangentes e democráticos de in- que os ataques neoliberais ao Estado e aos sindica-
128 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

tos se deram com força diferenciada nos diversos vimento do novo sindicalismo. Não cabe aqui uma
contextos nacionais, em função mesmo da história discussão mais elaborada das polêmicas que acom-
política de suas instituições. Para uma análise das panham esse debate (ver, por exemplo, Boito Jr.,
transformações econômicas e institucionais em al- 1991; Cardoso, 1999). Ainda que o modelo tenha
guns países europeus e nos Estados Unidos pós- perdido alguns dos seus traços corporativos, como
anos de 1970, ver, entre outros, Harvey (1994), Bo- o fim da tutela estatal e a redução do poder norma-
yer (1995), Mattoso (1996), Dedecca (1996), tivo da JT, a partir da valorização das negociações
Antunes (2000) e Costa (2000). coletivas, vale observar que a idéia de pluralismo
incute um paradoxo, perverso para os trabalhado-
16 Segundo Mattoso (1999), a década de 1990 eliminou
res, a saber, ele divide, trabalha contra o único
cerca de 3,3 milhões de postos de trabalho formais
meio de luta possível para o lado mais fraco das re-
na economia brasileira, sendo boa parte deles (1,8
lações de trabalho, a união. Como argumentou Offe
milhões) contabilizada depois de 1995, como decor-
(1991), se as estratégias e as possibilidades de bar-
rência das políticas neoliberais do governo FHC.
ganha para os trabalhadores são estruturalmente
17 A Força Sindical surgia para rivalizar diretamente mais desfavoráveis que as dos capitalistas, fomentar
com a CUT e tinha nesse papel total apoio das li- a concorrência no seu campo, reduzindo as possi-
deranças empresariais, temerosas das pressões de- bilidades de formação de coalisões, implica enfra-
mocratizantes então mobilizadas por essa central. quecê-las ainda mais. Na mesma linha, Sady (2004,
Para nos retermos à temática mais fortemente foca- p. 4) defende: “os sindicatos não precisam de liber-
da aqui, vale ressaltar que a orientação política da dade (para competir entre eles), precisam de po-
Força Sindical, cuja principal base de sustentação se der”. Para uma discussão calorosa sobre a questão
encontra no Sindicato dos Metalúrgicos de São Pau- do sindicato único versus pluralismo no Brasil, ver
lo (SMSP), teve papel decisivo na desregulamenta- Moraes Filho (1978).
ção do mercado de trabalho, legitimada como alter-
nativa possível de redução do desemprego. No 20 A flexibilização do 13º, do direito de férias e do adi-
início dos anos de 1990, sob a ameaça de fortes de- cional noturno estaria entre as primeiras iniciativas
missões e coerente com a idéia da livre negociação, de negociação, como já de fato acontece para mui-
o SMSP foi pioneiro na negociação em acordo co- tos trabalhadores; e não vale o argumento de que
letivo, e à revelia da legislação, de medidas que fle- direitos garantidos na Constituição não seriam afeta-
xibilizavam as jornadas, os salários, e os vínculos dos: a Lei Maior, por exemplo, estabelece o direito
empregatícios. Essas medidas iriam posteriormente de férias, mas não define sua duração, estabelece
inspirar o pacote de flexibilização da CLT no segun- que a remuneração de trabalho noturno deve ser su-
do governo FHC. Nessa mesma linha de atuação, a perior ao diurno, mas não define sua proporção.
Força Sindical apoiou de forma ostensiva o Projeto 21 Imaginemos os trabalhadores das indústrias tradi-
de Lei 5.843/01, de autoria do Executivo, para alte- cionais, os trabalhadores terceirizados nos mais di-
ração da CLT e cujo teor instituía a prevalência do versos ramos da indústria e da prestação de servi-
negociado sobre o legislado. Para uma análise ins- ços; os que trabalham no comércio, na construção
tigante do discurso político e ideológico que funda- civil, nos serviços de restaurante e hotelaria, isto
menta o pragmatismo dessa prática sindical, ver para citar categorias de trabalhadores urbanos co-
Cardoso (1999a); sobre o apoio da Força Sindical bertos por relações formais de trabalho.
aos projetos de reformas neoliberais, tanto na mili-
tância como na negociação direta com o capital e
nas trocas políticas com o Estado, ver Trópia (2003)
e Gianotti (2002). BIBLIOGRAFIA
18 Para um balanço do que vem sendo negociado no pla-
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19 A unicidade, a eliminação das contribuições com- cracia no Brasil, dilemas e perspectivas,
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Trabalho estiveram no centro do debate sobre uma
possível reforma na estrutura sindical desde o mo- ANTUNES, Ricardo. (2000), Os sentidos do traba-
O SISTEMA DE RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 129

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170 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

O SISTEMA DE RELAÇÕES THE SYSTEM OF WORK LE SYSTÈME DES RAPPORTS


DE TRABALHO NO BRASIL: RELATIONS IN BRAZIL: DE TRAVAIL AU BRÉSIL:
ALGUNS TRAÇOS HISTÓRICOS SOME HISTORICAL TRACES QUELQUES ASPECTS HISTO-
E SUA PRECARIZAÇÃO AND ITS CURRENTS RIQUES ET PRÉCARITÉ AC-
ATUAL PRECARIOUNESS TUELLE

Márcia da Silva Costa Márcia da Silva Costa Márcia da Silva Costa

Palavras-chave Keywords Mots-clés


Relações de trabalho; Sindicalis- Work relationships; Syndicalism; Rapports de travail; Syndicalis-
mo; Desregulamentação; Perda Deregulation; Loss of rights. me; Déréglementation. Perte de
de direitos. droits.

Os anos de 1990 marcaram trans- The nineties marked deep trans- Les années 1990 ont été mar-
formações profundas na econo- formations in the Brazilian econ- quées par des transformations
mia brasileira. Os novos padrões omy. The new technological and profondes dans l’économie bré-
tecnológicos e competitivos do competitive patterns of the glob- silienne. Les nouveaux paradig-
comércio global tomaram em al trade have shaken companies mes technologiques et compéti-
cheio empresas protegidas por and union movements forcing tifs du commerce global ont
reserva de mercado e o movi- changes in managerial strategies, atteint de plein fouet les entre-
mento sindical, forçando modifi- work administration, representa- prises protégées par des réserves
cações nas estratégias empresa- tion relationships, job market, and de marché et par le mouvement
riais, na gestão do trabalho, nas labor legislation. From a short syndical, ce qui a forcé des mo-
relações de representação, no bibliographic survey this paper difications dans les stratégies des
perfil do mercado de trabalho e intends to characterize the his- entreprises par rapport à la ges-
na legislação trabalhista. Por meio torical, institutional, and political tion du travail, les relations de
de um breve levantamento biblio- bases of the Brazilian work rela- représentation, le profil du mar-
gráfico, procuro neste texto carac- tions system. I do this trying to ché du travail et les lois travaillis-
terizar as bases históricas, institu- build an analytical reference to tes. Grâce à une brève bibliogra-
cionais e políticas do sistema de understand the impact of the phie, nous avons cherché, dans
relações de trabalho no país. Faço current transformations in the ce texte, à caractériser les bases
isto tentando construir uma base correlation of forces that impose historiques, institutionnelles et
analítica para compreender o im- changes to those work relations politiques du système des rap-
pacto das transformações corren- and its legislation. Such changes ports de travail au Brésil. Cela a
tes na correlação de forças que affected our weak social and été fait pour tenter de construire
imprime mudanças àquelas rela- work rights negatively increasing une base analytique permettant
ções de trabalho e sua legislação. the already rooted forms of pre- de comprendre l’impact des trans-
Tais mudanças afetaram negativa- carious and flexible work. formations courantes dans la cor-
mente os nossos parcos direitos rélation de forces qui impriment
sociais e trabalhistas, ampliando des changements dans les rap-
as já arraigadas formas de traba- ports de travail et les lois du tra-
lho flexível e precário. vail. De tels changements ont af-
fecté de façon négative nos
pauvres droits sociaux et du tra-
vail, en élargissant les formes éta-
blies de travail flexible et précaire.

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