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CONSCIÊNCIA

CÓSMICA

Richard Maurice Bucke, M.D.

Antigo Médico Superintendente do


Asylum for the Insane, London, Canadá

COORDENAÇÃO E SUPERVISÃO

Charles Vega Parucker, F.R.C.


Grande Mestre

BIBLIOTECA ROSACRUZ

ORDEM ROSACRUZ, AMORC


GRANDE LOJA DA JURISDIÇÃO
DE LÍNGUA PORTUGUESA
l- Edição da AMORC em Língua Portuguesa
Novembro, 1996

ISBN - 85-317-0152-X

Todos os direitos reservados pela


ORDEM ROSACRUZ, AMORC
GRANDE LOJA DA JURISDIÇÃO
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ÍNDICE

Dedicatória..................................................................................................9
O Homem e o Livro................................................................................... 11
Nota........................................................................................................... 20
Lista de Algumas das Obras Citadas ou Mencionadas Neste Livro........21

PARTE I

Primeiras Palavras....................................................................................35

PARTE II

Evolução e Involução.

Capítulo

1 Rumo à Autoconsciência...............................................................53
2 No Plano da Autoconsciência....................................................... 57
3 Involução.......................................................................................85

PARTE III

Da Autoconsciência à Consciência Cósmica............................................91

PARTE IV

Casos de Consciência Cósmica

Capítulo

1 Gautama o Buda........................................................................... 111


2 Jesus o Cristo............................................................................... 125
3 Paulo............................................................................................ 139
4 Plotino......................................................................................... 149
5 Maomé......................................................................................... 155
6 D ante........................................................................................... 161
7 Bartolome Las Casas................................................................... 169
8 Juan Yepes (Chamado São João da C ruz).................................. 175
9 Francis B acon.............................................................................. 187
10 Jacob Behmen (Chamado O Teósofo Teutônico)....................... 215
11 William Blake.................................... ......................................... 227
12 Honoré de Balzac........................................................................ 235
13 Walt Whitman..............................................................................253
14 Edward Carpenter....................................................................... 275

PARTE V

Adicionais - Alguns Casos, Menores, Imperfeitos

Capítulo

1 O Crepúsculo...............................................................................293
2 Moisés.......................................................................................... 295
3 Gideão (Apelidado Jurubbaal).................................................... 299
4 Isaías............................................................................................ 301
5 O Caso de Lí R .............................................................................303
6 Sócrates........................................................................................ 309
7 Roger Bacon.................................................................................311
8 Blaise Pascal................................................................................315
9 Benedictus Spinoza.....................................................................319
10 Coronel James Gardiner..............................................................325
11 Swedenborg..................................................................................327
12 William Wordsworth...................................................................329
13 Charles G. Finney....................................................................... 331
14 Alexander Pushkin.......................... ........................................... 335
15 Ralph Waldo Emerson.................................................................337
16 Alfred Tennyson.......................................................................... 339
17 J. B. B........................................................................................... 343
18 Henry David Thoreau..................................................................345
19 J. B................................................................................................349
20 C. P ...............................................................................................351
21 O Caso de H. B. em suas Próprias Palavras................................357
22 R. P S........................................................................................... 363
23 E .T .............................................................................................. 367
24 Caso de Ramakríshna Paramahansa.......................................... 369
25 Caso de J. H. H.............................................................................373
26 T. S. R...........................................................................................375
27 W .H .W .......................................................................................377
28 Richard Jefferies.......................................................................... 379
29 Caso de C. M, C., nas Próprias Palavras Dela............................385
30 O Caso de M. C. L., nas Próprias Palavras D ele....................... 393
31 Caso de J. W. W., Principalmente nas Próprias Palavras D ele... 397
32 O Caso de J. William Lloyd, nas Próprias Palavras Dele...........409
33 Horace Traubel............................................................................. 413
34 O Caso de Paul Tyner, em Suas Próprias Palavras.................... 421
35 O Caso de C. Y. E., nas Próprias Palavras D ela........................ 429
36 O Caso de A. J. S......................................................................... 433

PARTE VI

Palavras Finais........................................................................................ 437

Biblioteca Rosacruz.................................................................................457
DEDICATÓRIA DA
PRIMEIRA EDIÇÃO

A Maurice Andrews Bucke


(22 de novembro de 1868 - 8 de dezembro de 1899)

8 de dezembro de 1900

Querido Maurice:

Há um ano, nesta data, no alvor da juventude, da saúde e da força, num


instante, por um acidente terrível e fatal, você foi levado para sempre deste
mundo em que sua mãe e eu ainda vivemos. De todos os jovens que conheci
você foi o mais puro, o mais nobre, o mais honrado, o de mais temo coração.
Nas situações da vida você foi industrioso, honesto, fiel, inteligente e
inteiramente digno de confiança. O quanto sentimos na ocasião a sua perda
- o quanto ainda a sentimos - eu não o escreveria, mesmo que pudesse.
Desejo falar aqui de minha convicta esperança, não de minha dor. Tenho a
dizer que através das experiências que constituem a base deste livro aprendi
que, apesar da morte e da sepultura, embora você esteja além do alcance de
nossa vista e de nossa audição, não obstante o universo dos sentidos
testemunhar sua ausência, você não está morto nem realmente ausente, mas
vivo e bem e não longe de mim neste momento. Se me foi permitido, não
entrar, mas através do estreito vão de uma porta entreaberta ter um vislumbre
fugaz daquele outro mundo divino, com certeza foi para que assim eu pudesse
sobreviver àquela notícia de Montana que caiu como um raio e que o tempo
só consegue queimar cada vez mais fundo em meu cérebro.

Apenas um pouco mais de tempo agora e estaremos novamente juntos; e


conosco todas aquelas nobres e bem-amadas almas que já se foram antes.
Estou certo de que me encontrarei com você e com elas; de que você e eu
falaremos de mil coisas, bem como daquele dia inesquecível e de todos que o
seguiram; e de que veremos claramente que todos faziam parte de um plano
infinito que era integralmente sábio e bom. Você entende e aprova estas
palavras que estou escrevendo? Pode bem ser que sim. Você lê dentro de
mim o que estou agora pensando e sentindo? Se é assim, sabe o quanto era
querido para mim enquanto vivia aquilo que aqui chamamos de vida e quanto
muito mais querido se tomou para mim desde então.

Em razão dos elos indissolúveis de nascimento e de morte forjados pela


natureza e pelo destino entre nós; em razão de meu amor e de meu pesar;
acima de tudo em razão da infinita e inextinguível confiança que sinto em
meu coração, a você dedico este livro que, cheio de imperfeições que o tomam
indigno de sua aceitação, surgiu não obstante da divina certeza que nasceu
da mais profunda percepção interior dos mais nobres membros de sua espécie.

Até breve, querido rapaz!

SEU PAI
Algumas vezes acontece que, na maré de livros que continuamente vêm
e vão, um deles não desaparece juntamente com seus contemporâneos e,
devido a algo que contém, ou algo que é, subsiste para uma outra geração -
ou mesmo além disso - respondendo de algum modo a alguma real
necessidade humana.

Consciência Cósmica é um livro assim, pois apareceu de maneira


silenciosa, sem alarde, em 1901, como trabalho de um médico canadense de
quem poucas pessoas fora do círculo íntimo dos amigos de Walt Whitman e
do limitado mundo desse alienista tinham ouvido falar.

Mesmo hoje, para os milhares de pessoas que leram e valorizam o livro,


o autor é pouco mais que um nome - apenas Richard Maurice Bucke, que
escreveu Consciência Cósmica. Entretanto, Bucke, que faleceu menos de
um ano depois da publicação do livro, foi durante sua vida uma personalidade
muito especial e muito forte.

Descendendo de ambos os lados de boas famílias inglesas, seu pai era


formado pelo Trínity College de Cambridge e era um clérigo; sua mãe, irmã
de um eminente Conselheiro da Rainha, era neta de Sir Robert Walpole,
famoso autor e estadista. Bucke era o sétimo filho do casal, nascido em
1837, um ano antes que seus pais emigrassem para o Canadá e se fixassem
na remota Creek Farm, no local que hoje é um subúrbio da cidade de London,
Ontário. Seu pai, embora assim tivesse se tornado um fazendeiro, era um
erudito brilhante; conhecia sete idiomas e levara para a fazenda uma biblioteca
de milhares de livros.

O jovem Richard Maurice Bucke praticamente não teve escolaridade


formal. Seu pai lhe ensinou latim e soltou-o no meio de todos aqueles livros
para educar a si mesmo. Quanto ao resto, era um jovem de fazenda comum
que conhecia e fazia toda a incessante e pesada rotina de trabalho duro que
uma fazenda requeria antes da época do automóvel e da eletricidade.
Quando tinha sete anos, sua mãe faleceu e seu pai logo se casou nova­
mente; mas aos dezessete anos sua madrasta também faleceu e Bucke decidiu
que chegara o momento de viajar e ver um pouco mais do mundo do que
podia observar de uma fazenda interiorana. Foi para o Sul e cruzou a fronteira
para os Estados Unidos. Por três longos anos viajou de um lugar para outro,
trabalhando em empregos temporários. Entre outras coisas, foi jardineiro
em Columbus, Ohio, ferroviário em Cincinatti, auxiliar de convés num barco
a vapor do Mississipi e finalmente empregou-se como maquinista de um
trem de 26 vagões, que deveria cruzar as planícies para o extremo ocidental
do Território Mórmon (hoje parte do Estado de Nevada). Era uma empresa
séria e perigosa, pois na época não havia nenhum povoado branco permanente
nas últimas 1.200 milhas da viagem e não se podia confiar na atitude pacífica
dos índios.

A viagem até Salt Lake durou cinco meses e lá o jovem Bucke sacou seu
pagamento acumulado de todo aquele tempo e decidiu seguir adiante com
alguns outros. Os aventureiros cruzaram as Montanhas Rochosas pelo South
Pass e logo viram que sua jornada era muito mais emocionante e perigosa,
pois os bandos errantes de índios que encontraram ressentiram-se da presença
de homens brancos e os atacaram assim que os viram. Eles tiveram de abrir
caminho lutando, de acampamento a acampamento, até ficarem reduzidos a
seus últimos cartuchos. Então, não somente sua munição havia acabado,
mas também suas provisões; assim sendo, Bucke e um companheiro viajaram
as últimas 150 milhas comendo somente farinha mexida em água quente,
até que cambalearam para um posto de comércio na montanha e desfaleceram.
Depois de descansarem ali por algum tempo, reiniciaram a viagem, cruzaram
o Grande Deserto Americano em direção ao Rio Carson e finalmente
alcançaram o Gold Canyon.

Por um ano Richard Maurice Bucke viveu como mineiro de ouro, numa
comunidade de cerca de 100 homens brancos espalhados em 1.600 milhas
quadradas de território sem leis, sem tribunais, sem igreja nem escola.
Conheceu e se tomou amigo dos irmãos Grosh e de seu sócio, chamado
Brown, que haviam descoberto as grandes jazidas de prata conhecidas mais
tarde como Comstock Lode, mas que mantinham sua descoberta em segredo
enquanto continuavam com a prospecção de mais prata. Mas um revés os
surpreendeu: Brown e um dos Grosh faleceram e o outro irmão, Allan, seguiu
com Bucke pelas montanhas, embora fosse invemo, na tentativa de alcançar
a costa. Foi uma experiência terrível; Allan Grosh morreu no caminho e
Bucke, com ambos os pés congelados, foi resgatado no último minuto por
um grupo de mineiros. O resultado foi que Bucke precisou ter um dos pés
completamente amputado e uma parte do outro e que, após um inverno inteiro
de cama, ele voltou à vida, na flor de seus 21 anos, tão gravemente mutilado
que pelos restantes 40 anos de sua vida nunca esteve livre de dores por mais
de algumas horas de cada vez.

Com a maioridade, herdou a pequena propriedade de sua falecida mãe e


usou o dinheiro para cursar a Escola de Medicina McGill. Os cinco anos de
aventuras temerárias por que passara não haviam interferido em sua
capacidade de assimilar conhecimento, pois não somente se diplomou entre
os melhores alunos mas ganhou o prêmio pela melhor tese. Seu trabalho de
pós-graduação foi feito na Europa. Os anos 1862-63 foram passados em
Londres, trabalhando com Sir Benjamin Ward Richardson e, depois, em
visitas à França e à Alemanha; mas em 1864 ele voltou ao Canadá e estabele­
ceu seu consultório em Sarnia, Ontário, casando-se e fixando-se para criar
família como qualquer outro profissional de sua idade.

Mas Richard Maurice Bucke era tudo menos um mero profissional. Num
dos lados de seu cérebro era um cientista objetivo, ao passo que no outro era
um homem de faculdade de imaginação altamente desenvolvida e dotado de
memória extraordinária, especialmente para poesia - de que sabia livros
inteiros de cor. Sua carreira profissional foi notável. Em 1876 foi nomeado
Superintendente do Provincial Asylum for the lnsane, recém-construído em
Hamilton, Ontário; em 1877, do London (Ontario) Hospital. Tomou-se um
dos mais destacados alienistas do continente, introduzindo muitas reformas
em procedimentos que, embora considerados na época perigosamente radicais,
são hoje corriqueiros. Em 1882 tomou-se Professor de Doenças Mentais e
Nervosas na Western University (London, Ontário). Em 1888 foi eleito
Presidente da Psychological Section da British Medicai Association e em
1890 Presidente da American Medico-Psychological Association.

Tudo isto como médico!

Mas havia o outro lado dele, que se demonstrou de importância mais


duradoura para mais gente do que o excelente e útil trabalho que fez em sua
profissão. Em 1867, uma pessoa que o visitou em sua casa citou para ele
alguns versos de Walt Whitman. O efeito desses versos foi extraordinário,
instantâneo e permanente. Eles abriram uma nova porta em sua mente e,
desde então até o fim de sua vida, Bucke esteve sob o fascínio de Whitman.
Na primavera de 1872 veio um dos grandes momentos de sua vida.
Naquele ano, Bucke, ao visitar a Inglaterra, teve a experiência da Iluminação.
Eis o relato dessa experiência, extraído de Proceedings and Transactions o f
the Royal Society o f Canada* e que consta à página 42 deste livro:

“Ele [Bucke] e dois amigos tinham passado a noite lendo


Wordsworth, Shelley, Keats, Browning e especialmente
Whitman. Separaram-se à meia-noite e ele partiu para um
longo percurso em fiacre. Sua mente, sob a profunda influência
das idéias, imagens e emoções suscitadas pela leitura e pela
conversa, estava calma e em paz. Ele estava num estado de
deleite tranqüilo, quase passivo.
“De repente, sem qualquer prenúncio, sentiu-se como que
envolto numa nuvem da cor de uma chama. Por um instante
pensou em fogo - algum súbito incêndio na grande cidade.
No instante seguinte percebeu que a luz estava em seu interior.
“Logo depois veio-lhe um sentimento de júbilo, de imensa
felicidade, acompanhado ou imediatamente seguido de uma
iluminação intelectual totalmente impossível de descrever.
Em sua mente jorrou um lampejo do Esplendor Bramânico,
que desde então iluminou sua vida. Em seu coração caiu uma
gota da Bem-aventurança Bramânica, deixando de então em
diante, para sempre, um gosto de Céu.”

Não é difícil imaginar o efeito dessa avassaladora experiência numa


personalidade forte e vívida como era Bucke aos 35 anos de idade. Foi ela
que lhe trouxe o conhecimento, a percepção interior revelada em Consciência
Cósmica - Parte III, pág. 91-110 - onde ele descreve as condiçOes que
envolvem essa experiência e seus efeitos na pessoa que a vivência.

Com suas energias mentais expandidas e refinadas por essa nova


consciência, ele começou a apreciar mais profundamente a relação entre a
mente do ser humano e sua natureza moral e, em 1879, escreveu seu primeiro
livro, Man ’s Moral Nature (A Natureza Moral do Homem), editado por G. P.
Putnam & Sons, New York. Trata-se de um exame da relação entre 0 sistema
nervoso simpático do corpo e a natureza moral do ser humano - um assunto
de que já havia tratado num ensaio apresentado por ele numa reuníSo da
Association o f American lnstitutionsfor the Insane e num outro ensaio Sobre
o mesmo assunto apresentado no ano seguinte perante a mesma associação.

* Série n, Vol. 12, pág. 159-196


Em 1877, conheceu Walt Whitman - e esta foi outra experiência crucial
para ele. Ele próprio a descreveu na Introdução de sua edição de Calamus,
de autoria de Whitman {Small Maynard, Boston, 1897), como “uma espécie
de embriaguez espiritual” e “o momento decisivo de minha vida”. M an’s
Moral Nature é dedicado a Whitman.

Horace Traubel nos deu uma idéia do que Whitman pensava de Bucke,
como homem e como médico (Bucke tratou de Whitman profissionalmente
e, segundo o poeta acreditava, salvou-lhe a vida). “Alguém esteve aqui outro
dia e se queixou de que o Médico era rigoroso demais. O Sol também é
rigoroso; e quanto a mim - não sou rigoroso?” E: “É bonito vê-lo em seu
trabalho - como lida com pessoas difíceis de modo tão afável”; e ainda:
“Bucke é um homem que gosta de estar ocupado... é rápido na ação, lúcido,
seguro, decidido”. E comparando Bucke com Sir William Osier: “Osier
também tem suas qualidades, grandes qualidades, mas, no final das contas,
o verdadeiro homem é o Doutor Bucke. Ele está acima de todos”.

Em 1894, a questão da Iluminação e da Consciência Cósmica ocupava


com crescente intensidade a mente de Bucke. Em maio desse ano leu um
ensaio intitulado Consciência Cósmica, perante a American M edico-
Psychological Association, na reunião anual em Philadelphia e, na sua
mensagem como presidente à British Medical Association, em Montreal,
em agosto do mesmo ano, desenvolveu a idéia dessa nova Consciência como
uma evolução mental da humanidade, a qual, à medida que se tornasse
progressivamente mais comum e mais adiante generalizada, elevaria toda a
vida humana a um plano superior.

Quatro anos mais tarde, o próprio livro Consciência Cósmica foi publicado
por Messrs. Innes o f Philadelphia, numa edição limitada de 500 exemplares.
Embora Bucke tenha vivido mais db que seu amigo e ídolo, Whitman, não
viveu o suficiente para ver o sucesso de seu próprio livro; pois, numa noite
do inverno seguinte - 19 de fevereiro de 1902, para sermos exatos - depois
de voltar para casa com sua esposa, da noite que haviam passado na casa de
um amigo, Bucke foi à varanda antes de se deitar, para dar mais uma olhada
nas estrelas - que naquela noite estavam excepcionalmente brilhantes no
claro céu de inverno; escorregou num pedaço de gelo, bateu violentamente a
cabeça contra uma coluna da varanda e caiu. Quando foi erguido já estava
sem vida.

“O Doutor”, como era carinhosamente chamado por muitos, era uma


figura que atraía os olhos das pessoas, assim como seu coração. De postura
ereta, ombros largos, com sua longa barba de pioneiro cobrindo grande parte
do peito, tinha o nariz proeminente e os olhos cavos de um homem de ação
- que brilhavam com a luz de uma inteligência vívida e perscrutadora.

Durante seus anos de formação, quando a maioria dos homens tem sua
originalidade reprimida e suas opiniões padronizadas pelas rotinas de escola
e colégio, Bucke esteve em briga com a vida real e com isto se tomou um
tanto herege. Passou a última noite de sua vida discutindo os indícios a favor
da autoria baconiana das peças e poesias de Shakespeare, questão que
firmemente mantinha do lado heterodoxo. Era um brilhante polemista quando
estava predisposto a isto, sua espantosa memória permitindo-lhe citar páginas
inteiras de autoridades para apoiar seus pontos de vista - chega-se a dizer
que ele podia repetir de cor o livro inteiro de Walt Whitman, Leaves o f
Grass - o que não é nenhum feito medíocre.

Física e mentalmente, dava impressão de força e competência, o que


fazia com que as pessoas confiassem nele, bem como gostassem dele. Inglês
por descendência e nascimento, canadense por criação e em sua vida
profissional, mas conhecendo - graças às duras experiências de seus anos de
peregrinação - muito mais dos Estados Unidos do que muitos americanos,
pode-se dizer que focalizou em sua própria pessoa o que é essencialmente
são e vigoroso nos três ramos da civilização branca que estão agora sendo
tão estreitamente aproximados pelo curso dos eventos mundiais.
Consciência Cósmica é um livro muito difícil de classificar. Não pode
ser seguramente encaixado em nenhuma das categorias normais. Isto se deve
ao fato de que a Iluminação, ou o Êxtase de que trata, é geralmente considerado
como pertencente ao campo da religião e do misticismo, ou da magia e do
ocultismo - ou mesmo, por alguns ultramaterialistas, ao domínio da
insanidade. No misticismo cristão, a Iluminação é o reconhecido terceiro
estágio do progresso do místico, depois dos dois estágios preliminares de
Despertar e Purificação * Tanto no bramanismo como no budismo, é a
recompensa de longa e rígida autodisciplina e esforço.
Mas para Bucke a Consciência Cósmica nada tinha a ver com misticismo
ou religião formal, ou com intenção ou preparação conscientes. Ele era um
estudioso da mente humana, um psicólogo, e tratava a Iluminação do ponto
de vista da Psicologia, como uma condição mental muito rara mas real e
reconhecível, da qual muitos exemplos autênticos estão registrados e
disponíveis para exame.
* Vide Mysticism, de Evelyn Underhill, E.P. Dutton & Co., New York, 1912
Ele considerava, com base na documentação histórica, que nos últimos
três mil anos da história humana houve pelo menos quatorze casos inegáveis
de completa e permanente Iluminação e que, além desses, houve muitos
outros casos de Iluminação parcial, temporária ou duvidosa, vários dos quais
ocorreram no século passado.

Notando a freqüência crescente da experiência, deduziu que muito


gradualmente - e por assim dizer esporadicamente - a espécie humana está
no processo de desenvolver um novo tipo de consciência, muito mais avançado
que a autoconsciência humana comum, o qual acabará elevando a espécie
acima e além de todos os temores e de todas as ignorâncias, das brutalidades
e bestialidades que a bloqueiam hoje em dia.

E de se admitir que seu argumento é grandemente baseado na analogia.


Primeiro ele trata dos três estágios de consciência distintos observáveis nos
seres vivos: a mente perceptiva dos animais inferiores, aberta somente a
impressões dos sentidos; a mente receptiva dos animais superiores, produ­
zindo a consciência simples, e a mente conceptual dos seres humanos, acom­
panhada de autoconsciência. Mostra que a espécie humana tem adicionado
a suas faculdades originais, mesmo nos últimos milhares de anos, diversos
novos tipos de consciência. O sentido da cor, por exemplo. Os gregos antigos,
Aristóteles e Xenófanes, conheciam apenas três cores e não há palavra para
qualquer cor na primitiva fala Indo-Européia. O azul resplandecente do céu
oriental não é mencionado em Homero ou na Bíblia, nem no Rig Veda ou no
Zend Avesta. Mas no século atual conhecemos, não somente as sete cores
primárias, mas literalmente milhares de matizes diferentes e graduações dos
mesmos. O sentido da fragrância e o sentido musical são dois outros que a
espécie, de igual modo, só recentemente adquiriu.

Bucke argumentava que esses novos sentidos devem ter começado como
esporádicos, casos isolados da nova consciência em uns poucos indivíduos;
depois devem ter se espalhado gradualmente com o passar das gerações, até
que quase todas as raças civilizadas agora os possuem - embora absolutamente
não com a mesma totalidade ou ao mesmo grau. Mesmo hoje, os bosquímanos
da África e os aborígines da Austrália são totalmente desprovidos deles.

Esse novo, quarto estágio de consciência, que habilita o ser humano a


apreender a unidade do Universo, a sentir nele e por todo ele a presença do
Criador, a sentir-se livre de todos os temores do mal, da desventura ou da
morte, a compreender que o Amor é a regra e a base do Cosmo, constitui a
Consciência Cósmica que Bucke profetizou que aparecerá cada vez mais
freqüentemente até tomar-se um atributo normal da humanidade adulta.

Bucke sabia precisamente do que estava falando quando descreveu a expe­


riência da Iluminação e a entrada temporária da pessoa na Consciência Cós­
mica. Como já foi indicado, ele próprio recebera pelo menos uma Ilumina­
ção temporária que enriquecera e expandira toda a sua vida, daquele mo­
mento em diante, em todos os seus aspectos. Assim, suas descrições das
condições da mente que preparam a Iluminação, bem como dos seus efeitos
nos sentidos e na pessoa do indivíduo, não são meras descrições científicas
secas, objetivas. Elas brilham com a luz da experiência e do calor pessoais,
com a emoção do sentimento pessoal. Por todos os cinqüenta casos de
Iluminação que ele relaciona e descreve, essa experiência pessoal do fenômeno
e de seus efeitos na pessoa eleva o que teria sido meramente um detalhe
psicológico interessante no campo de uma exposição inspirada e inspiradora.

Provavelmente, ninguém que leia Consciência Cósmica concordará com


seu autor em todos os pontos, pois seu entusiasmo e sua energia mental eram
tais que mesmo em suas heresias ele era herético. No entanto Ouspensky, o
célebre matemático e filósofo russo, que discordava completamente de Bucke
em pelo menos um detalhe importante de sua crença, valorizava o livro o
bastante para dedicar quase um capítulo inteiro de sua grande obra, Tertium
Organum, a Consciência Cósmica, reproduzindo páginas inteiras deste livro
em seu texto.

O Professor William James leu Consciência Cósmica logo depois de sua


primeira publicação e escreveu ao seu autor:

“Creio que V.Sa. trouxe esta espécie de consciência à atenção de


estudiosos da natureza humana de um modo tão claro e inevitável
que será impossível, de agora em diante, não fazer caso dela ou
ignorá-la... Mas minha reação global ao seu livro, prezado Senhor, é
de que se trata de um a contribuição da mais alta importância à
Psicologia e de que V.Sa. é um benfeitor de todos nós.”

A metade da última frase me parece ainda mais importante que o


depoimento do Professor James como filósofo e psicólogo. Explica a persis­
tência da vida e da utilidade de Consciência Cósmica, pois acredito firmemen­
te que nenhuma inteligência que tenha discernimento possa tomar conheci­
mento real deste livro sem vivenciar uma tremenda elevação e um estímulo
extraordinário. É uma obra de alento e promessa; abre uma nova porta nas
sombrias paredes do materialismo de que estamos cercados, para nos
proporcionar uma visão de estranhas e maravilhosas possibilidades e acolher
o som de belas harmonias - não tão distantes e elusivas, mas implícitas em
nós mesmos e em nossa espécie - e para nos devolver a esperança e o encan­
tamento que muitos de nós temos deixado de lado mas de que tão desespera­
damente necessitamos para os dias duvidosos que temos à frente.

George Moreby Acklom.

New York City


25 de fevereiro de 1946.
NOTA

Deve-se notar que este livro está impresso em três tamanhos de letras: no
maior, a parte escrita pelo autor, bem como certas citações curtas que são
indicadas por aspas da maneira usual; os excertos de escritores que alcançaram
a Consciência Cósmica e de outros escritores a respeito deles estão impressos
em tipo de tamanho médio e neste caso não foi considerado necessário usar
aspas, pois todo assunto impresso neste tipo é indicado e os respectivos autores
são devidamente reconhecidos, cada qual com sua parte; o tipo menor é
usado para passagens paralelas e comentários; neste caso as aspas são usadas
da maneira comum.
LISTA DE ALGUMAS DAS OBRAS CITADAS
OU MENCIONADAS NESTE LIVRO

Os números de referência entre colchetes no texto indicam obra desta


lista e a página, com exceção dos casos da Bíblia, em que indicam livro,
capítulo e versículo e dos sonetos de Shakespeare, em que indicam livro e
soneto.

1. Anderson, A.A. Twenty Five Years in a Wagon (Vinte Cinco Anos num Vagão).
Chapman & Hall, Londres, 1888.

2. Arena, The (Arena, A). Boston, Mass., fevereiro de 1893.

3. Atlantic Monthly (Mensário Atlantic), outubro de 1896.

4. Balzac, Honoré de. A Memoir o f (Balzac, Honoré de. Uma Biografia de), por K.
P. Wormley. Robert Bros., Boston, 1892.

5. Balzac, Honoré de. Louis Lambert. Robert Bros., Boston 1889.

6. Introduction to 5 (Introdução a 5). Mesmo livro, mas paginação separada. Por


George Fred. Parsons.

7. Balzac, Honoré de. Séraphita. Robert Bros., Boston 1889.

8. Introduction to 7 (Introdução a 7). Mesmo livro, mas paginação separada. Por


George Fred. Parsons.

9. Balzac, Honoré de. The Exiles (Os Exilados). No mesmo livro com 7.

10. Bíblia. Comparada com as mais antigas autoridades e revisada. University Press,
Oxford, 1887. (Na tradução: A BÍBLIA SAGRADA, traduzida em português por
João Ferreira de Almeida - Imprensa Biblica Brasileira, 1954).

11. Exodus (Êxodo), em 10.

12. Judges (Juizes), em 10.

14. Matthew (Mateus), em 10.


16. Luke (Lucas), em 10.

17. John (João), em 10.

18. Acts (Atos), em 10.

19. Romans (Romanos), em 10.

2 0 .1 Corinthians (I Corintios), em 10.

21. n Corinthians (H Corintios), em 10.

22. Galatians (Gálatas), em 10.

23. Ephesians (Efésios), em 10.

24. Philippians (Filipenses), em 10.

25. Colossians (Colossenses), em 10.

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40. The Life o f Jacob Boehme (A Vida de Jacob Boehme), paginação separada, no
Vol. I de 39.

41. Aurora, the Dayspring or Dawning o f the Day in the East (Aurora, a Alvorada
ou o Nascer do Dia no Oriente), paginação separada, no Vol. I de 39.

42. The Three Principles o f the Divine Essence (Os Três Princípios da Essência
Divina), paginação separada, no Vol. I de 39.

43. The Threefold Life o f Man (A Vida Tríplice do Homem), paginação, separada, no
Vol. H de 39.

44. Forty Questions Concerning the Soul (Quarenta Questões sobre a Alma),
paginação separada, no Vol. II de 39.

45. The Treatise o f the Incarnation (O Tratado da Encarnação), paginação separada,


no Vol. II de 39.

46. The Clavis, paginação separada, no Vol. II de 39.

47. Misterium Magnum, paginação separada, no Vol. II de 39.

48. The Four Tables (As Quatro Mesas, paginação separada, no Vol. II de 39.

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69. Dante. H ell (Inferno). Mesmos tradutor, editora e data.

70. Introdução para 69.

71. Dante. Purgatory (Purgatório). Mesmos tradutor, editora e data.

72. Dante. Paradise (Paraíso). Mesmos tradutor, editora e data.

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100. Prefácio para 97, paginação separada.

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146. Sacred Books o f the East (Livros Sagrados do Oriente). Editado por F. Max
Mueller. The Clarendon Press, Oxford, em quarenta e oito volumes, 1879-
1885.

147. Introduction to Vol. I o f 146 (Introdução ao Vol. I de 146), paginação separada.

148. Khandogya, Upanishad. Traduzido por F. Max Mueller, em Vol. I de 146.

149. Talavakara, Upanishad. Traduzido por F. Max Mueller, em Vol. I de 146.

150. Vagasaneyi, Samhita Upanishad. Traduzido por F. Max Mueller, em Vol. I de


146.

151. Part I o f Q u r’an (Parte I do Alcorão). Traduzida do árabe por E.H. Palmer,
sendo Vol. VI de 146.

152. Introduction to Q ur’an (Introdução ao AlcorSo). Por E.H. Palmer, paginação


separada, no Vol. VI de 146.

153. Part II o f Qur'an (Parte II do Alcorão). Traduzida do árabe por E.H. Palmer,
sendo Vol. IX de 146.

154. Bhagavadgita. Traduzido por K.T. Telang, no Vol. VIII de 146.

155. Anugita. Traduzido por K.T. Telang, no Vol. VIII de 146.

156. Dhammapada. Traduzido por F. Max Mueller, no Vol. X de 146.

157. Sutta-Nipata. Traduzido do pâli por V. Fausboll, no Vol. X de 146.

158. Introduction to 157 (Introdução a 157). Por V. Fausboll, no Vol. X de 146,


paginação separada.

159. Dhamma-kakka-Ppavattana-Sutta. Traduzido do pâli por T.W. Rhys Davids,


no Vol. XI de 146.
160. Introduction to 159 (Introdução a 159). Por T.W. Rhys Davids, no Vol. XI de
146.

161. Akankheyya-Sutta. Traduzido do pâli por T.W. Rhys Davids, no Vol. XI de 146.

162. Introduction to 161 (Introdução a 161). Por T.W. Rhys Davids, no Vol. XI de
146.

163. Maha Parinibbana-Sutta. Traduzido do pâli por T.W. Rhys Davids, no Vol. XI
de 146.

164. Saddaharina-Pundarika; or the Lotus o f the True Law (Saddaharina-Pundarika;


ou o Lótus da Verdadeira Lei). Traduzido por H. Kern, no Vol. XXI de 146.

165. Introduction to 164 (Introdução a 164). Por H. Kern, no Vol. XXI de 146.

166. The Texts o f Taoism (Os Textos do Taoísmo). Traduzido por James Legge. Vol.
XXXIX de 146.

167. Sharpe, William. Introduction to the Songs, Poems and Sonnets o f William
Shakespeare (Introdução aos C ânticos, Poem as e Sonetos de William
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168. Scott, Walter. Editado por Andrew Long, em quarenta e oito volumes. Estes &
Lauriat, Boston, 1894. Vol. n.de Waverley.

169. Introduction to Vol XXXVIII o f 168 (Introdução ao Vol. XXXVUI de 168).

170. Stead, William Thomas. Em Review o f Reviews, número não anotado, mas
imediatamente após o falecimento de Tennyson, que ocorreu em 6 de outubro
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171. Sutherland, Jabez Thomas. The Bible: Its Origin, Growth and Character
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173. Sharpe, William. The D ual Image (A Imagem Dual). H.A. Copley, Londres,
1896.
174. Spedding, James. Life and Times o f Francis Bacon (Vida e Época de Francis
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175. Vol. E de 174.

176. Shakespeare's Sonnets and a L over’s Complaint (Sonetos de Shakespeare e a


Queixa de um Amante). Reimpresso na ortografia e na pontuação da edição
original de 1609. John Russell Smith, Londres, 1870.

177. Spedding, James. Evenings with a Reviewer (Serões com um Revisor), em dois
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178. Vol. H de 177.

179. Symonds, J.A. The Study o f Dante (O Estudo de Dante). Adam & Charles
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180. Tyndall, John. H eat Considered as a Mode o f Motion (O Calor Considerado


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181. Tyndall, John. Fragments o f Science (Fragmentos de Ciência). D. Appleton &


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183. Tennyson, Lord Alfred. Works (Obras), em dez volumes. Henry T. Thomas,
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187. Tyner, Paul. The Living Christ (O Cristo Vivente) . Temple Publishing Co.,
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190. Ward, Lester F. Dynamic Sociology; or Applied Social Science (Sociologia
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191. Whitman, Walt. Leaves o f Grass (Folhas de Relva). Brooklin, N.Y., 1855.

192. Whitman, Walt. Leaves o f Grass (Folhas de Relva), edição do autor. Camden,
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193. Whitman, Walt. Leaves o f Grass (Folhas de Relva), David McKay, Filadélfia,
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194. Whitman, Walt. Complete Prose Works (Obras Completas em Prosa). David
McKay, Filadélfia, 1892.

195. Democratic Vistas, em 194.

196. Pieces in Early Youth (Trabalhos na Juventude), em 194.

197. Wigston, W.F.C. Francis Bacon, Poet, Prophet and Philosopher versus Phantom
Captain Shakespeare (Francis Bacon, Poeta, Profeta e Filósofo versus Capitão
Fantasma Shakespeare). Kegan Paul, Trench, Trübner & Co., Londres, 1891.

198. Wordsworth, William. Poetical Works (Obras Poéticas), sete volumes em três.
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199. White, Alexander. Jacob Behmen: An Appreciation (Jacob Behmen: Um Estudo


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199a. Walden. De Henry D. Thoreau. Houghton, Osgood & Co., Boston, 1880.

200. Ward, Lester F. Relation o f Sociology to Anthropology (Relação da Sociologia


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201. Xenofontes. The Anabasis and Memorabilia o f Socrates. Traduzido do grego


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202. Yepes, Juan, chamado S. João da Cruz. Life and Works (Vida e Obras), em dois
volumes; o primeiro de David Lewis (112 acima) e o segundo traduzido do
espanhol pelo mesmo. Thomas Baker, Londres, 1889-1891.

203. Ascent o f Mount Carmel (Ascensão do Monte Carmelo), no Vol. I de 202.

204. The D ark Night o f the Soul (A Noite Negra da Alma), no Vol. II de 202.
205. A Spiritual Canticle o f the Soul and the Bridegroom Christ (Um Cântico
Espiritual da Alma e o Cristo Noivo), no Vol. II de 202.

206. The Living Flame o f Love (A Chama Viva do Amor) , no Vol. H do 202.

207. Spiritual Maxims (Máximas Espirituais), no Vol. II do 202.

208. Poems (Poemas), no Vol. II do 202.


Parte I

PRIMEIRAS PALAVRAS

QUE É Consciência Cósmica?

Este livro é uma tentativa de responder esta pergunta; não obstante, parece
razoável que se faça uma declaração prefaciai, em linguagem tão simples
quanto possível, de modo a por assim dizer abrir a porta para a exposição
mais elaborada a ser tentada no corpo do trabalho. Consciência Cósmica,
então, é uma consciência mais elevada do que a do ser humano comum. Esta
última é chamada Autoconsciência e é a faculdade sobre a qual repousa
toda a nossa vida - tanto subjetiva como objetiva - que não é comum a nós e
aos animais superiores, exceto a pequena parte dela que é derivada das poucas
pessoas que alcançaram a consciência mais elevada acima citada. Para tomar
claro este assunto, faz-se necessário entender que há três tipos ou graus de
consciência. (1) Consciência Simples, que é própria (digamos) da metade
superior do reino animal. Por meio desta faculdade, um cão ou um cavalo é
tão consciente das coisas ao seu redor quanto um ser humano; é também
consciente de seus próprios membros e de seu corpo e sabe que estes fazem
parte dele próprio. (2) Acima dessa Consciência Simples, que é própria do
ser humano como dos animais, o primeiro tem uma outra que é chamada
Autoconsciência. Em virtude desta faculdade, ele não só é consciente de
árvores, rochas, águas, seus braços, suas pernas e seu corpo, mas toma-se
consciente dele próprio como entidade distinta, separada do resto do universo.
Está fora de dúvida que nenhum animal pode ter consciência de si mesmo
dessa forma. Além disso, por meio da autoconsciência, o ser humano (que
sabe, assim como o animal sabe) toma-se capaz de tratar seus próprios estados
mentais como objetos de consciência. O animal está por assim dizer imerso
em sua consciência; assim como um peixe no mar; não pode, nem mesmo
em imaginação, emergir dela por um momento sequer, para percebê-la. Mas
o ser humano, em virtude da autoconsciência, pode por assim dizer sair de si
mesmo e pensar assim: “Sim, aquele pensamento que tive a respeito daquele
assunto é verdadeiro; sei que é verdadeiro e sei que sei que ele é verdadeiro”.
Tem sido perguntado ao autor deste livro: “Como você sabe que os animais
não conseguem pensar da mesma maneira?” A resposta é simples e
conclusiva: não há prova de que qualquer animal possa pensar assim, porém,
se pudesse, logo o saberíamos. Entre duas criaturas vivendo juntas, tais como
cães, cavalos e seres humanos, e cada qual autoconsciente, seria a coisa mais
simples do mundo estabelecer comunicação. Mesmo sendo as coisas como
são, diversificada como é a nossa psicologia, conseguimos, observando os
atos de um cão, entrar com toda liberdade na mente dele e ver o que ali se
passa; sabemos que o cão vê e ouve, cheira e saboreia; sabemos que ele tem
inteligência - que adapta os meios aos fins - que raciocina. Se ele fosse
autoconsciente, já o teríamos constatado há muito tempo. Não o fizemos, de
modo que está fora de dúvida que nenhum cão, cavalo, elefante ou macaco
jamais foi autoconsciente. E mais uma coisa, na autoconsciência do ser
humano repousa tudo o que é distintivamente humano em nós e a nosso
respeito. A linguagem é o objetivo de que a autoconsciência é o subjetivo.
Autoconsciência e linguagem - duas em uma, pois são duas metades da
mesma coisa - sao o sine qua non da vida social humana, dos compor­
tamentos, das instituições, das atividades de todo tipo, de todas as artes úteis
e belas. Se algum animal tivesse autoconsciência, parece certo que sobre
esta faculdade mestra construiria - como o ser humano o fez - uma superes­
trutura de linguagem, costumes, atividades e artes, baseados em raciocínio.
Mas nenhum animal fez isto; portanto, inferimos que nenhum animal tem
autoconsciência.

A posse da autoconsciência e da linguagem (seu outro “eu ”), por parte


do ser humano, cria uma enorme lacuna entre ele e a mais elevada criatura
dotada meramente de consciência simples.

A Consciência Cósmica é o terceiro tipo de consciência, que está tão


acima da Autoconsciência quanto esta da Consciência Simples Naturalmente,
com essa terceira consciência, ambas, a consciência simples e a autoconsciên­
cia, persistem (assim como a consciência simples persiste quando a autocons­
ciência é adquirida), mas a elas é acrescentada a nova faculdade tantas vezes
já mencionada e a ser mencionada neste livro. A característica fundamental
da Consciência Cósmica é, como seu próprio nome indica, de uma consciência
do Cosmo, isto é, da vida e da ordem do universo. O que estas palavras
significam não pode ser considerado aqui; é finalidade deste livro lançar
alguma luz sobre elas. Há muitos elementos pertencentes ao sentido cósmico
além do fato central a que acabamos de aludir. Uns poucos dentre esses
podem ser mencionados. Juntamente com a consciência do Cosmo ocorre
uma aclaração ou iluminação intelectual, que por si só colocaria o indivíduo
num novo plano de existência -tomá-lo-ia quase um membro de uma nova
espécie. A isto se acrescenta um estado de exaltação moral, um indescritível
sentimento de elevação, elação e júbilo, um despertar do senso moral, que é
plenamente tão maravilhoso e mais importante, tanto para a pessoa quanto
para a espécie, do que o intensificado poder intelectual. Com isto vem o que
pode ser chamado de senso de imortalidade, uma consciência de vida eterna;
não uma convicção de que o indivíduo terá isto, mas a consciência de que já
o tem.

Somente uma experiência pessoal disso ou um estudo prolongado de seres


humanos que tenham passado para essa nova vida há de nos tomar capazes
de entender o que isso efetivamente é; mas ao autor pareceu que valeria a
pena passar em revista, mesmo de maneira breve e imperfeita, os casos em
que essa condição se tenha verificado. Ele espera que seu trabalho venha a
ser útil de dois modos: primeiro, ampliando nossa perspectiva geral da vida
humana, abrangendo em nossa visão mental essa importante fase dela e
tomando-nos aptos a apreender em alguma medida o verdadeiro estado de
certos homens que até o presente são, ou exaltados ao nível de deuses pelo
indivíduo autoconsciente comum, ou, adotando o outro extremo, considerados
insanos. Em segundo lugar, o autor espera proporcionar ajuda aos seus seme­
lhantes num sentido muito mais importante e prático. Sua opinião é que
nossos descendentes mais cedo ou mais tarde alcançarão, como espécie, a
condição de Consciência Cósmica, do mesmo modo que há muito tempo
nossos ancestrais passaram da consciência simples para a autoconsciência.
Ele crê que este passo na evolução está sendo dado agora mesmo, pois está
claro para ele que seres humanos com aquela faculdade estão se tomando
cada vez mais comuns e também que, como espécie, estamos nos aproximando
mais e mais do estágio da mente autoconsciente a partir do qual se realiza a
transição para a Consciência Cósmica. E compreende que, considerada a
necessária hereditariedade, qualquer pessoa que ainda não tenha ultrapassado
a idade poderá alcançar a Consciência Cósmica. Sabe que o contato inteligente
com mentes cosmicamente conscientes ajuda pessoas autoconscientes na as­
censão ao plano superior. Espera portanto, provocando ou pelo menos faci­
litando esse contato, ajudar homens e mulheres a darem esse passo quase
infinitamente importante.
II

O futuro imediato de nossa espécie - o autor assim pensa - é indes­


critivelmente auspicioso. Há no momento*, pairando sobre nós, três
revoluções; a menor delas reduziria a chamada revolução histórica comum a
uma absoluta insignificância. São elas: (1) A revolução material, econômica
e social, que dependerá e será o resultado do estabelecimento da navegação
aérea. (2) A revolução econômica e social que irá abolir a propriedade
individual e livrará a Terra, de uma só vez, de dois males imensos: a riqueza
e a pobreza. (3) A revolução psíquica, de que estamos tratando.

Qualquer uma das duas primeiras mudaria (e mudará) radicalmente as


condições da vida humana e a elevaria grandemente; mas a terceira fará
mais pela humanidade do que ambas as duas outras, mesmo se a importância
delas fosse multiplicada por cem ou até por mil.

As três, operando (e elas operarão) juntas, criarão literalmente um novo


Céu e uma nova Terra. Coisas velhas serão eliminadas e tudo se tomará
novo.

Com a navegação aérea, as fronteiras nacionais, as tarifas e talvez as


diferenças de idiomas desaparecerão. As grandes cidades não terão mais
razão de ser e se desvanecerão. Os seres humanos que hoje moram em cidades
vão viver no verão nas montanhas e nas praias, construindo muitas vezes em
lugares altos e bonitos, hoje quase ou completamente inacessíveis, que
dominarão as vistas mais amplas e magníficas. No invemo, provavelmente
morarão em comunidades de tamanho moderado. A aglomeração atual em
grandes cidades e o isolamento do agricultor serão coisas do passado. O
espaço desocupado será praticamente eliminado; não haverá ajuntamento
de multidões nem solidão forçada.

Com o socialismo, a labuta esmagadora, a cruel ansiedade, as riquezas


que insultam e desmoralizam e a pobreza com seus males se tomarão assuntos
para romances históricos.

Em contato com o fluxo de consciência cósmica, todas as religiões hoje


conhecidas e citadas se desvanecerão. A alma humana será revolucionada.
A religião dominará a espécie humana de maneira absoluta. Não dependerá
de tradição. Não será objeto de crença ou de descrença. Não será uma parte
*Cerca de 1900 d.C.
da vida, pertencendo a certos momentos, horas, ocasiões. Não estará em
livros sagrados nem na boca de sacerdotes. Não se encontrará em igrejas e
reuniões, em formalismos e dias certos. A vida religiosa não estará em orações,
hinos ou sermões. Não dependerá de revelações especiais, das palavras de
deuses que tenham descido à Terra para ensinar, nem de nenhuma bíblia, ou
de bíblias. Não terá nenhuma missão de salvar os seres humanos de seus
pecados ou de lhes assegurar a entrada no Céu. Não ensinará uma imortalidade
futura nem futuras glórias, pois a imortalidade e toda a glória existirão aqui
e agora. A prova da imortalidade viverá em todos os corações, assim como
a vista em todos os olhos. Dúvida quanto a Deus e à vida eterna será
impossível, como o é hoje a dúvida quanto à existência; a prova de ambas
será a mesma. A religião regerá todos os minutos de todos os dias de toda
vida. As igrejas, os sacerdotes, os ritos, os credos, as orações, todos os agentes,
todos os intermediários entre o ser humano individual e Deus, serão
permanentemente substituídos por uma relação direta e inequívoca. O pecado
não mais existirá nem tampouco será desejada a salvação. Os seres humanos
não se preocuparão com a morte ou com o futuro, com o reino dos céus, com
o que poderá vir com e após o cessar da vida do corpo atual. Cada alma
sentir-se-á e saber-se-á imortal; sentirá e saberá que o universo inteiro, com
todo seu bem e toda sua beleza, existe para ela e a ela pertence para sempre.
O mundo povoado de pessoas que tenham alcançado a Consciência Cósmica
será tão diferente em comparação com o mundo de hoje como este é diferente
do que era antes do advento da autoconsciência.

III

Há uma tradição, provavelmente muito antiga, no sentido de que o


primeiro ser humano era inocente e feliz até o momento em que comeu do
fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. E de que, por ter comido
desse fruto, tornou-se ele consciente de que estava nu e sentiu vergonha.
Além disso, de que então o pecado nasceu no mundo e o senso desditoso do
mesmo substituiu o sentimento anterior de inocência do ser humano. De que
daí em diante - e não até então - o homem começou a trabalhar e a cobrir
seu corpo. Mais estranho ainda - assim nos parece e a história continua - de
que, juntamente com essa mudança ou imediatamente depois dela, veio à
mente humana a notável convicção - que nunca mais a deixou mas que tem
sido mantida viva pela sua própria vitalidade inerente e pelo ensinamento
de todos os verdadeiros videntes, profetas e poetas - de que aquela coisa
amaldiçoada que picou o calcanhar do ser humano - aleijando-o, retardando
e especialmente tomando seu progresso vacilante e penoso - haveria de ser
um dia esmagada e subjugada pelo próprio ser humano, com o emergir, em
seu interior, de um Salvador - o Cristo.

O progenitor do homem era uma criatura (um animal) que caminhava


ereta mas que era dotada apenas de consciência simples. Era (como o são
hoje os animais) incapaz de pecar ou de sentir o que fosse pecar e igualmente
incapaz de sentir vergonha (pelo menos no sentido humano). Não tinha
nenhum sentimento ou conhecimento de bem e mal. Nada sabia até então
daquilo que chamamos de trabalho e nunca havia trabalhado. Desse estado
caiu (ou ascendeu) para a autoconsciência; seus olhos se abriram; tomou
consciência de que estava nu, sentiu vergonha, adquiriu o senso do pecado
(tomou-se na verdade o que se chama de pecador) e aprendeu a fazer certas
coisas para alcançar certas metas - isto é, aprendeu a trabalhar.

Esta situação perdurou por penosas eras: o senso de pecado continua


rondando seu caminho; é pelo suor de sua fronte que ainda come pão; e
ainda sente vergonha. Onde está o libertador, o Salvador? Quem é, ou que é
ele?

O Salvador do ser humano é a Consciência Cósmica - na linguagem de


Paulo, o Cristo. O sentido cósmico (seja qual for a mente em que apareça)
esmaga a cabeça da serpente - destrói o pecado, a vergonha, a consciência
de bem e mal tais como contrastados entre si, e há de eliminar o labor,
embora não elimine a atividade humana.

O fato de que veio ao ser humano - juntamente com ou imediatamente


após sua aquisição da autoconsciência - a premonição incipiente de uma
outra e mais alta consciência, que na ocasião ainda estava muitos milênios
no futuro, é seguramente m uitíssim o digno de nota, embora não
necessariamente surpreendente, Temos na Biologia muitos fatos análogos,
tais como a premonição e a preparação, por parte do indivíduo, de estados e
circunstâncias de que ele não tenha tido nenhuma experiência; e vemos a
mesma coisa no instinto maternal de uma moça ainda muito nova.

O esquema universal está tecido em uma só peça e é permeável à


consciência ou - e especialmente - à subconsciência, em toda sua extensão e
em todas as direções. O universo é uma vasta evolução - grandiosa, terrível,
multiforme e no entanto uniforme. A seção que nos diz particularmente
respeito é a que se estende do bruto ao homem, do homem ao semideus e que
constitui o impressionante drama da humanidade - seu cenário, a superfície
do planeta - seu tempo, um milhão de ános.
IV

A finalidade destas observações preliminares é lançar tanta luz quanto


possível sobre o assunto deste livro, de modo a aumentar o prazer e o proveito
de seu uso. Uma exposição pessoal da própria introdução do autor ao fato
principal aqui tratado talvez sirva a essa finalidade tanto quanto qualquer
outra coisa. Portanto, ele fará francamente um esboço muito breve de sua
vida mental em sua primeira idade, bem como um breve relato de sua leve
experiência daquilo que chama de consciência cósmica. Assim o leitor
perceberá imediatamente de onde vieram as idéias e convicções apresentadas
nas páginas seguintes.

Ele nasceu em boa família de classe média inglesa e cresceu quase sem
instrução no que era na época uma fazenda agreste do Canadá. Quando
criança, ajudava em tarefas consoantes com sua capacidade: cuidava do gado,
de cavalos, ovelhas e porcos; apanhava lenha, trabalhava no campo de feno,
tocava bois e cavalos, procurava animais desgarrados. Suas distrações eram
tão simples como suas tarefas. Uma visita ocasional a uma pequena cidade
vizinha, jogar bola, banhar-se no riacho que corria na fazenda de seu pai,
confeccionar e fazer flutuar pequenas imitações de barcos, procurar ovos de
pássaros e flores na primavera, bem como frutas silvestres no verão e no
outono, constituíam, com seus patins e seu trenó manual no inverno, as
diversões simples que ele adorava. Ainda muito jovem lia e apreciava
intensamente os romances de Marryat, os poemas e romances de Scott e
outros livros do gênero que tratavam da natureza ao ar livre e da vida humana.
Nunca, nem mesmo quando criança, aceitou as doutrinas da Igreja Cristã;
mas, tão logo atingiu idade suficiente para refletir sobre tais temas, concebeu
que Jesus fora um homem - sem dúvida grandioso e bom, mas um homem;
que ninguém jamais seria condenado a uma pena eterna; que se existia um
Deus consciente ele era o mestre supremo e queria o bem de todos no final;
mas que, chegando ao fim esta vida visível no mundo, era duvidoso, ou mais
que duvidoso, que a identidade consciente fosse preservada. O rapaz (e mesmo
a criança) meditava tais tópicos e outros do gênero bem mais do que alguém
poderia supor, mas provavelmente não mais do que muitos outros de seus
pequenos semelhantes mortais de natureza introspectiva. Ele estava sujeito,
às vezes, a uma espécie de êxtase de curiosidade e esperança. Como numa
ocasião especial, quando tinha aproximadamente dez anos de idade, em que
desejou seriamente morrer, para que os segredos do além - desde que houvesse
esse além - lhe pudessem ser revelados. Era sujeito também a agonias de
ansiedade e terror; por exemplo quando, mais ou menos na mesma idade,
leu Fausto de Reynold e, quando estava perto do final, numa tarde ensolarada,
largou o livro completamente sem condição de continuar sua leitura e correu
para o sol a fim de se recuperar do horror que se apossara dele - evento de
que se lembra mais de cinqüenta anos depois. Sua mãe faleceu quando ele
tinha apenas alguns anos de vida e, seu pai, pouco depois. As circunstâncias
exteriores de sua vida, em alguns aspectos, tomaram-se mais infelizes do
que se pode facilmente contar. Aos dezesseis anos saiu de casa para viver ou
morrer. Durante cinco anos vagueou pela América do Norte, desde os Grandes
Lagos até o Golfo do México, desde o alto Ohio até San Francisco. Trabalhou
em fazendas, estradas de ferro, barcos a vapor e nas minas do oeste de Nevada.
Várias vezes quase sucumbiu por motivos de doença, fome, frio intenso e,
certa vez, nas barrancas do Rio Humboldt, em Utah, lutou por sua vida contra
os índios Shoshones, durante meio dia. Depois de vaguear cinco anos, aos
vinte e um voltou para o lugar onde havia passado sua infância. Uma
importância razoável em dinheiro, de sua falecida mãe, permitiu-lhe passar
alguns anos estudando e sua mente, após ter ficado inativa por tanto tempo,
absorveu idéias com extraordinária facilidade. Diplomou-se com louvor quatro
anos depois de seu retomo da costa do Pacífico. Fora do curso da faculdade,
leu com avidez muitos livros especulativos, tais comovi Origem das Espécies
(de Darwin), O Calor e Ensaios (de Tyndall), História e Ensaios e Revisões
(de Buckle), e muita poesia, especialmente aquela que lhe pareceu livre e
destemida. Nesta espécie de literatura, logo preferiu Shelley e, dentre seus
poemas, Adonais e Prometheus foram seus favoritos. Sua vida, por alguns
anos, foi um apaixonado ponto de interrogação, uma sede insaciável de
esclarecimento sobre os problemas básicos. Ao sair do colégio, continuou
sua busca com o mesmo ardor. De maneira autodidata, estudou francês para
poder ler Auguste Comte, Hugo e Renan, e alemão para poder ler Goethe,
especialmente o Fausto. Aos trinta anos descobriu Leaves o f Grass (Folhas
de Relva) e percebeu de imediato que este livro continha, em maior medida
do que qualquer outro que já lera, aquilo que por tanto tempo estivera
procurando. Leu Leaves sequiosa e mesmo apaixonadamente; durante anos,
porém, pouco proveito tirou da obra. Finalmente a luz se fez e a ele se
revelaram - talvez ao ponto em que tais coisas possam ser reveladas - pelo
menos alguns de seus significados. Então ocorreu aquilo de que o que se
escreveu até agora é prefácio.

Foi no começo da primavera, no início de seu trigésimo sexto ano de


vida. Ele e dois amigos tinham passado a noite lendo Wordsworth, Shelley,
Keats, Browning e especialmente Whitman. Separaram-se à meia-noite e
ele partiu para um longo percurso em fiacre. Sua mente, sob a profunda
influência das idéias, imagens e emoções suscitadas pela leitura e pela
conversa, estava calma e em paz. Ele estava num estado de deleite tranqüilo,
quase passivo. De repente, sem qualquer prenúncio, sentiu-se como que
envolto numa nuvem da cor de uma chama. Por um instante pensou em fogo
- algum súbito incêndio na grande cidade. No instante seguinte percebeu
que a luz estava em seu interior. Logo depois veio-lhe um sentimento de
júbilo, de imensa felicidade, acompanhado ou imediatamente seguido de
uma iluminação intelectual totalmente impossível de descrever. Em sua mente
jorrou um lampejo do Esplendor Bramânico, que desde então iluminou sua
vida. Em seu coração caiu uma gota da Bem-aventurança Bramânica,
deixando de então em diante, para sempre, um gosto de Céu. Entre outras
coisas em que não chegou a acreditar, percebeu e compreendeu que o Cosmo
não é matéria morta e sim uma Presença viva; que a alma do ser humano é
imortal; que o universo é tão bem estruturado e ordenado que, sem qualquer
possibilidade de erro, todas as coisas trabalham juntas para o bem de cada
uma e de todas; que o princípio fundamental do mundo é o que chamamos
de amor e que a felicidade de cada um é a longo prazo absolutamente certa.
Ele afirma que aprendeu mais naqueles poucos segundos que durou a
iluminação do que em meses ou mesmo anos anteriores de estudo e que
aprendeu muita coisa que nenhum estudo lhe poderia ter ensinado.

A iluminação em si continuou por não mais do que uns poucos momentos,


mas seus efeitos demonstraram-se indeléveis; foi-lhe impossível jamais
esquecer o que naquele instante percebeu e compreendeu; nem tampouco
jamais duvidou (nem poderia duvidar) da verdade do que fora apresentado à
sua mente. Não houve retomo, naquela noite ou em qualquer outro momento,
daquela experiência. Mais tarde ele escreveu um livro (28a) em que procurou
incluir o ensinamento da iluminação. Alguns dos que o leram julgaram-no
de alto nível, porém (como era de esperar, por muitas razões), ele teve pequena
circulação.

O acontecimento supremo daquela noite foi sua real e única iniciação à


nova e superior ordem de idéias. Mas foi apenas uma iniciação. Ele vira a
luz mas não fazia mais idéia de onde ela viera e do seu significado do que a
primeira criatura que viu a luz do Sol. Anos depois conheceu C. P., de quem
ouvira dizer que tinha uma extraordinária percepção espiritual. Achou que
C. P. havia entrado na vida mais sublime - de que ele próprio tivera um
vislumbre - e tivera uma grande experiência de seus fenômenos. Sua conversa
com C. P. lançou muita luz sobre o verdadeiro significado do que ele próprio
tinha vivenciado.
Contemplando então o mundo do ser humano, apercebeu-se da importân­
cia da luz subjetiva no caso de Paulo e no de Maomé. O segredo da grandeza
transcendente de Whitman lhe foi revelado. Certas conversas com J.H.J. e
com J.B. o ajudaram bastante. A convivência com Edward Carpenter, T.S.R.,
C.M.C. e M.C.L. ajudou muito na ampliação e no esclarecimento de suas
pesquisas, na extensão e coordenação de seus pensamentos. Muito tempo e
trabalho, porém, foram ainda necessários antes que o conceito germinal pudes­
se ser satisfatoriamente elaborado e amadurecido, ou seja, a idéia de que
existe uma familia que se origina e vive entre os membros da humanidade
mas que dificilmente faz parte da humanidade comum, cujos integrantes
estão largamente espalhados pelas raças humanas adiantadas e pelos últimos
quarenta séculos da história do mundo.

A peculiaridade que distingue essas pessoas dos outros seres humanos é


esta: seus olhos espirituais se abriram e elas enxergaram. Os membros mais
conhecidos desse grupo - os quais, se fossem reunidos, caberiam numa só
vez numa moderna sala de estar - criaram todas as grandes religiões atuais,
começando com o taoísmo e o budismo; e, falando de maneira geral, criaram,
através da religião e da literatura, a civilização moderna. Não que tenham
contribuído com uma grande proporção numérica dos livros que já foram
escritos, mas que produziram as poucas obras que inspiraram o número maior
dos que foram escritos nos tempos atuais. Esses homens dominam os últimos
vinte e cinco e especialmente os últimos cinco séculos, como estrelas de
primeira grandeza dominam o céu da meia-noite.

Um homem é identificado como membro dessa família pelo fato de que,


em certa idade, tenha passado por um novo nascimento e ascendido a um
plano espiritual superior. A realidade desse novo nascimento é demonstrada
pela luz subjetiva e por outros fenômenos. O objetivo deste livro é ensinar a
outros o pouco que o próprio autor tenha tido a capacidade de aprender a
respeito do estado espiritual dessa nova raça.

Resta dizer algumas palavras a respeito da origem psicológica do que é


chamado de Consciência Cósmica neste livro e que não deve de modo algum
ser considerado em qualquer sentido como sobrenatural ou supranormal -
como algo mais, ou menos, do que um crescimento natural.
Embora a natureza moral tenha um papel importante no nascimento da
Consciência Cósmica, será melhor por muitas razões limitarmos nossa aten-
ção, no momento, à evolução do intelecto. Nesta evolução há quatro estágios
distintos. O primeiro deles foi alcançado quando à qualidade primária de
excitabilidade foi incorporada a sensação. Neste ponto tiveram início a
aquisição e o registro, mais ou menos perfeito, de impressões sensoriais -
isto é, dos perceptos.

Naturalmente, um percepto é uma impressão sensorial - um som é ouvido


ou um objeto é visto e a impressão produzida é um percepto. Se pudéssemos
recuar suficientemente no tempo, encontraríamos entre nossos ancestrais
uma criatura cujo intelecto seria todo composto simplesmente de tais
perceptos. Mas essa criatura (qualquer que fosse o seu nome) teria em si o
que pode ser chamado de aptidão de crescimento e o que teria acontecido
com ela teria sido algo assim: individualmente e de geração em geração,
teria acumulado esses perceptos, cuja constante repetição, requerendo mais
e mais registros, teria levado, na luta pela sobrevivência e sob a lei da seleção
natural, a um acúmulo de células nos gânglios sensoriais centrais; essa
multiplicação de células teria possibilitado mais registro; isto, por sua vez,
teria tornado necessário o crescimento dos gânglios e assim por diante.
Finalmente teria sido alcançada uma condição em que se teria tomado possível
ao nosso ancestral combinar grupos desses perceptos naquilo que hoje
denominamos recepto*. Este processo é muito semelhante ao da fotografia
composta. Perceptos semelhantes (como os de uma árvore) são registrados
um sobre o outro até que - tendo o centro nervoso se tomado competente
para essa tarefa - são por assim dizer generalizados num só percepto; mas a
percepção composta não é mais nem menos que um recepto - algo que foi
recebido.

Agora o trabalho de acumulação recomeça num plano superior: os órgãos


sensoriais mantêm-se firmemente ativos produzindo mais e mais receptos a
partir dos velhos e dos novos perceptos; as potencialidades dos gânglios
centrais são constantemente forçadas afazer o necessário registro de perceptos,
sua necessária elaboração em receptos e o necessário registro de receptos;
então, conforme os gânglios são aperfeiçoados por uso e seleção, produzem
constantemente, partindo de perceptos e dos receptos simples iniciais, receptos
cada vez mais complexos, isto é, cada vez mais superiores.

•N.T. - Recepto: Idéia ou imagem mental formada por percepções sucessivas dos
mesmos objetos ou de objetos semelhantes, acentuando suas características
comuns.
Finalmente, após muitos milhares de gerações terem vivido e morrido,
chegou um momento em que a mente do animal que estamos considerando
alcançou o mais alto ponto possível de inteligência puramente receptiva; a
acumulação de perceptos e receptos continuou até que um cabedal maior de
impressões não pôde ser acrescentado e nenhuma elaboração ulterior destas
pôde ser efetuada no plano da inteligência receptiva. Deu-se então uma nova
mudança e os receptos superiores foram substituídos por conceptos*. A
relação entre um concepto e um recepto é algo parecida com a relação entre
a álgebra e a aritmética. Um recepto é, como já foi dito, uma imagem composta
de centenas, talvez milhares de perceptos; ele próprio é uma imagem abstraída
de muitas imagens; mas um concepto é aquela mesma imagem composta -
aquele mesmo recepto - nomeada, rotulada e, por assim dizer, dispensada.
Um concepto é em verdade nem mais nem menos que um recepto nomeado
(que recebeu um nome) - o nome, isto é, o signo (como na álgebra),
representando daí em diante a própria coisa, isto é, o recepto.

Agora está claro como o dia, para qualquer pessoa que dê o mínimo de
atenção a este assunto, que a revolução pela qual os receptos são substituídos
por conceptos aumenta a eficiência do cérebro no pensamento, tanto quanto
a introdução de máquinas aumentou a capacidade da espécie humana para
o trabalho - ou tanto quanto o uso da álgebra aumenta o poder da mente para
cálculos matemáticos. Substituir um recepto grande e canhestro por um signo
simples foi quase como substituir mercadorias reais - tais como trigo, tecidos
ou ferramentas - por lançamentos num livro razão.
Mas, como foi sugerido acima, para que um recepto possa ser substituído
por um concepto precisa receber um nome ou, em outras palavras, precisa
ser marcado com um signo que o represente, assim como uma etiqueta
representa uma bagagem ou um lançamento num livro razão representa um
lote de mercadorias; em outras palavras, a espécie que tem conceptos é também
- e necessariamente - a que tem linguagem. Além disso devemos notar que,
assim como a posse de conceptos implica a posse de linguagem, assim também
a posse de conceptos e linguagem - que são na realidade dois aspectos de
uma mesma coisa - implica a posse de autoconsciência. Tudo isto significa
que há um momento na evolução da mente em que o intelecto receptivo,
capaz somente de consciência simples, toma-se quase instantaneamente ou
de fato instantaneamente um intelecto conceptual, possuidor de linguagem e
autoconsciência.
*N.T. - Concepto: A resultante de uma operação mental generalizadora; uma imagem
mental genérica abstraída de receptos.
Quando dizemos que um indivíduo - seja um adulto de muito tempo
atrás ou uma criança atual - entrou na posse de conceptos, de linguagem e
de autoconsciência num instante, queremos naturalmente dizer que ele entrou
na posse da autoconsciência e de um ou alguns conceptos, bem como de uma
ou algumas palavras verdadeiras, instantaneamente - e não que tenha entrado
na posse de toda uma linguagem naquele curto tempo. Na história do ser
humano individual, o ponto em questão é alcançado e ultrapassado
aproximadamente na idade de três anos; na história da espécie humana, foi
alcançado e ultrapassado há várias centenas de milhares de anos.

Atingimos agora, em nossa análise, o ponto em que cada um de nós se


encontra individualmente, ou seja, da mente conceptual, autoconsciente. Ao
adquirirmos este novo e mais alto tipo de consciência, em nenhum momento
se deve supor que tenhamos deixado de ter nossa inteligência receptiva ou
nossa antiga mente perceptiva; na verdade não poderíamos viver sem elas,
tanto quanto o animal que não tem outra mente além delas. Nosso intelecto
então, hoje, é constituído de uma mistura muito complexa de perceptos,
receptos e conceptos.

Consideremos agora, por um instante, o concepto. Este pode ser


considerado como um recepto grande e complexo, porém, maior e mais
complexo do que qualquer recepto. É composto de um ou mais receptos
provavelmente combinados com vários perceptos. Esse recepto, extremamente
complexo, é então marcado por um signo, ou seja, recebe um nome e, em
virtude desse nome, toma-se um concepto. Este, após ter sido nomeado ou
marcado, é (por assim dizer) deixado de lado, assim como uma bagagem
conferida é etiquetada e empilhada no depósito de bagagens.

Por meio da etiqueta, podemos enviar a bagagem a qualquer parte da


América, sem jamais vê-la ou saber exatamente onde se encontra num dado
momento. Assim, por meio de seus signos, podemos desenvolver conceptos
a cálculos complicados, poesias e sistemas de filosofia, sem saber na metade
do tempo coisa alguma a respeito daquilo que é representado pelos conceptos
individuais que estamos usando.

Agora é preciso fazer uma observação à margem do assunto principal. Já


foi notado milhares de vezes que o cérebro de um ser humano pensante não
excede em tamanho o de um silvícola não-pensante, em coisa alguma que se
pareça com a proporção em que a mente do pensador excede a do silvícola.
A razão disso é que o cérebro de um Herbert Spencer tem bem pouco mais
trabalho a fazer do que o de um nativo australiano, pois Spencer faz todo seu
trabalho mental característico por signos ou registros que representam
conceptos, ao passo que o silvícola faz todo ou quase todo o seu trabalho por
meio de canhestros receptos. O silvicola está numa situação comparável à de
um astrônomo que faça seus cálculos por aritmética, enquanto Spencer está
na situação de um outro que os faça usando álgebra. O primeiro preencherá
muitas folhas grandes de papel com números e terá um trabalho imenso; o
outro fará os mesmos cálculos num papel do tamanho de um envelope e com
um trabalho mental comparativamente pequeno.

O próximo capítulo nessa história é a acumulação de conceptos. Este é


um processo duplo. Desde a idade, digamos, de três anos, cada pessoa
acumula, ano após ano, um número de conceptos cada vez maior, enquanto,
ao mesmo tempo, os conceptos individuais vão constantemente se tomando
mais e mais complexos. Considere-se por exemplo o concepto ciência , tal
como existe na mente de um menino e na de um homem pensante de meia
idade; no primeiro ele representa algumas dúzias ou algumas centenas de
fatos; no segundo, muitos milhares.

Haverá algum limite para esse crescimento de conceptos em número e


complexidade? Quem quer que considere seriamente esta questão verá que
deve haver um limite. Nenhum processo como esse poderia prosseguir
infinitamente. Caso a natureza tentasse tal façanha, o cérebro teria de crescer
a um ponto em que não poderia mais ser alimentado e seria atingida uma
condição semelhante a um impasse, que impediria ulterior progresso.

Vimos que a expansão da mente perceptiva tinha necessariamente um


limite; que a continuidade de sua própria vida levou-a inevitavelmente à
mente receptiva. Esta, por seu próprio crescimento, foi inevitavelmente levada
e elevada à mente conceptual. Considerações a priori nos dão a certeza de
que uma saída correspondente será encontrada para a mente conceptual.

Mas não precisamos depender de raciocínio abstrato para demonstrar a


necessária existência da mente supraconceptual, pois esta existe e pode ser
estudada com dificuldade não maior do que a enfrentada quanto a outros
fenômenos naturais. O intelecto supraconceptual - cujos elementos, ao invés
de serem conceptos, são intuições - já é, embora em números pequenos, um
fato comprovado; e o tipo de consciência que pertence a esse intelecto pode
ser chamado e tem sido chamado de Consciência Cósmica.
Assim, temos quatro estágios distintos de intelecto, todos abundantemente
ilustrados nos reinos animal e humano ao nosso redor - todos igualmente
ilustrados no crescimento individual da mente cosmicamente consciente e
todos os quatro existindo juntos nessa mente, do mesmo modo que os três
primeiros existem juntos na mente humana comum. Estes quatro estágios
são: primeiro, a mente perceptiva - a mente composta de perceptos ou
impressões sensoriais; segundo, a mente composta destes e dos receptos - a
chamada mente receptiva ou, em outras palavras, a mente da consciência
simples; em terceiro lugar temos a mente composta de perceptos, receptos e
conceptos, chamada às vezes de mente conceptual, ou de mente autocons-
ciente - a mente da autoconsciência; finalmente, em quarto lugar, temos a
mente intuitiva - a mente cujo elemento superior não é um recepto nem um
concepto, mas uma intuição. Esta é a mente em que a sensação, a consciência
simples e a autoconsciência são suplementadas e coroadas com a consciência
cósmica.

Mas é necessário mostrar mais claramente ainda a natureza desses quatro


estágios e sua relação um para com o outro. O estágio perceptivo ou sensorial
do intelecto é muito fácil de se compreender, de modo que podemos passar
por ele fazendo apenas uma observação, ou seja, que numa mente inteiramente
composta de perceptos não há qualquer espécie de consciência. Quando,
entretanto, a mente receptiva vem à existência, nasce a consciência simples,
o que significa que os animais são conscientes (como sabemos que são) das
coisas que vêem ao seu redor. Mas a mente receptiva é capaz somente de
consciência simples - isto é, o animal é consciente do objeto que vê, mas não
sabe que é consciente desse objeto; nem é consciente de si mesmo como
entidade ou personalidade distinta. Em ainda outras palavras, o animal não
pode se situar fora de si mesmo e olhar para si mesmo, como pode qualquer
criatura autoconsciente. Isto, então, é consciência simples; ser consciente
das coisas ao seu redor mas não ser consciente do seu ego. Mas tendo eu
alcançado a autoconsciência, não estou apenas consciente do que vejo, mas
também sei que estou consciente disso. Estou ainda consciente de mim mesmo
como entidade e personalidade separada e posso me situar fora de mim mesmo
e contemplar a mim mesmo, assim como posso analisar e julgar as operações
de minha própria mente, como analisaria e julgaria qualquer outra coisa.
Esta autoconsciência só é possível após a formação de conceptos e o
conseqüente nascimento da linguagem. Na autoconsciência está baseada toda
a vida distintivamente humana até agora, exceto a que procedeu das poucas
mentes cosmicamente conscientes dos últimos três mil anos. Finalmente, o
feto básico na consciência cósmica está contido em seu próprio nome; esse
fato é a consciência do cosmo - isto é o que é chamado no Oriente de
“Esplendor Bramânico”, que, nas palavras de Dante, é capaz de trans-
humanizar um homem num deus. Whitman, que tem muitíssimo a nos dizer
a este respeito, usa em certo lugar a expressão “luz inefável - luz rara,
inexprimível, iluminando a própria luz - transcendendo todos os signos, as
descrições, os idiomas”. Esta consciência mostra que o cosmo consiste, não
em matéria morta regida por uma lei inconsciente, rígida, sem intenção;
mostra-o, pelo contrário, como inteiramente imaterial, inteiramente espiritual
e inteiramente vivo; mostra que a morte é um absurdo e que todo ser e toda
coisa tem vida eterna; mostra que o universo é Deus e que Deus é o universo
e que nenhum mal jamais entrou nele nem jamais entrará; grande parte
disto tudo é naturalmente absurdo do ponto de vista da autoconsciência; no
entanto isto é indubitavelmente verdadeiro. Mas tudo isto não quer dizer
que, quando um homem tem consciência cósmica, sabe tudo a respeito do
universo. Todos sabemos que, quando aos três anos de idade adquirimos
autoconsciência, não soubemos de imediato tudo a respeito de nós mesmos;
sabemos, pelo contrário, que depois de muitos milhares de anos de experiência
de si mesmo o ser humano ainda hoje sabe comparativamente pouco acerca
de si próprio, mesmo considerado como uma personalidade autoconsciente.
Assim, tampouco um homem sabe tudo a respeito do cosmo meramente
porque se toma consciente dele. Se a espécie precisou de várias centenas de
milhares de anos para ter uma pequena noção da ciência da humanidade
desde sua aquisição da autoconsciência, poderá levar milhões de anos para
ter uma pequena noção da ciência de Deus após sua aquisição da consciência
cósmica.

Assim como o mundo humano tal como o vemos, com todas as suas
realizações e maneiras de ser, está baseado na autoconsciência, na consciência
cósmica estão baseadas as religiões e as filosofias superiores e o que delas
provém; e nela estará baseado, quando ela se tomar mais generalizada, um
novo mundo de que seria ocioso tentar falar hoje em dia.

A filosofia do nascimento da consciência cósmica no indivíduo é muito


semelhante à do nascimento da autoconsciência. A mente se toma superlotada
(por assim dizer) de conceptos e estes vão constantemente se tomando
maiores, mais numerosos e cada vez mais complexos; um dia (se todas as
condições são favoráveis) ocorre a fusão - ou o que poderia ser chamado de
união química - de diversos deles e de certos elementos morais; o resultado
é uma intuição e o estabelecimento da mente intuitiva, ou seja, da consciência
cósmica.
O esquema sobre o qual a mente está construída é uniforme do início ao
fim: um recepto é composto de muitos perceptos; um concepto, de muitos ou
vários receptos e perceptos; e uma intuição é composta de muitos conceptos,
receptos e perceptos, juntamente com outros elementos pertencentes à
natureza moral e desta última atraídos. A visão cósmica ou a intuição cósmica
- de que aquilo que pode ser chamado de nova consciência toma seu nome -
assim mostra ser simplesmente o complexo e a união de todos os pensamentos
e de todas as experiências anteriores, do mesmo modo que a autoconsciência
é o complexo e a união de todos os pensamentos e de todas as experiências
que a antecederam.
entre os reinos inorgânico e orgânico e o salto com que esse hiato foi
transposto; nesse hiato ou abismo tem residido, desde então, ou a substância
ou a sombra de um deus cuja mão tem sido considerada necessária para
alçar e promover os elementos do plano inferior para o superior.

Ao longo do caminho plano da formação de sóis e planetas, da crosta da


Terra, de rochas e solo, somos levados pelos evolucionistas de maneira suave
e segura; mas quando atingimos esse perigoso fosso que se estende
interminavelmente para a direita e para a esquerda em nosso caminho,
paramos e, mesmo um piloto hábil e corajoso como Lester Ward (190. 300-
320), dificilmente pode nos induzir a tentar o salto com ele, tão amplo e
escuro se apresenta o ameaçador abismo. Sentimos que a natureza, que tudo
fez - e coisas muito maiores - foi competente para cruzar e de fato cruzou
essa aparente brecha, embora talvez não tenhamos hoje condição de colocar
um dedo em cada uma de suas pegadas. Por enquanto, porém, isto representa
a primeira e maior das chamadas barreiras para a aceitação da doutrina da
continuidade absoluta na evolução do mundo visível.

Mais tarde na história da Criação advém o começo da Consciência


Simples. Um belo dia certos indivíduos de alguma espécie mais adiantada
no lento desenvolvimento da vida neste planeta - pela primeira vez - tomam-
se conscientes; sabem que existe um mundo, alguma coisa, fora deles. Apesar
de que tem sido menos ponderado, esse passo do inconsciente para o
consciente bem poderia nos impressionar como sendo tão imenso, tão
milagroso e tão divino como o da passagem do reino inorgânico para o
orgânico.

Então, correndo paralelamente ao rio do tempo, percebemos uma longa,


uniforme e gradativa ascensão, estendendo-se do nascer da Consciência
Simples à sua mais alta excelência nos melhores tipos pré-humanos - o
cavalo, o cachorro, o elefante e o macaco. Neste ponto nos defrontamos com
uma outra brecha, comparável às que a precederam cronologicamente - a
saber, o hiato, ou o aparente hiato entre a Consciência Simples e a
Autoconsciência: o profundo abismo ou desfiladeiro, num dos lados do qual
perambula o bruto, enquanto no outro vive o ser humano. Um abismo no
qual foram jogados livros suficientes (pudessem eles ter sido convertidos em
pedras ou blocos de ferro) para represar um grande rio ou construir uma
ponte sobre ele. Um abismo que só agora pode ser cruzado com segurança,
graças ao trabalho do lamentado G. J. Romanes em seu valioso tratado sobre
a Origem da Faculdade Humana [134],
Até bem pouco tempo essa brecha na linha de ascenso (ou de descenso)
era considerada - inclusive pela maioria - como intransponível pelo cres­
cimento comum. Pode-se dizer que ela é agora tida como transponível, mas
ainda se apresenta à nossa visão como destacada e fora do caminho uniforme
do desenvolvimento Cósmico, assim como o grande abismo ou hiato entre o
bruto e o ser humano.

Por algumas centenas de milhares de anos, no plano geral da Autocons­


ciência, deu-se uma ascensão, gradual para os olhos humanos mas rápida do
ponto de vista da evolução cósmica. Em certa espécie, de cérebro desenvolvido,
caminhando ereta, gregária, brutal mas reinando sobre todos os outros brutos,
humana em aparência mas não de fato - o chamado alalus-homo - nasceu,
do nível mais alto de Consciência Simples, a faculdade humana básica de
Autoconsciência e com ela sua gêmea, a linguagem. Destas e do que delas
decorreu, através de sofrimento, labuta e guerra; através de bestialidade,
selvageria, barbárie; através de escravidão, ganância, esforço; através de
conquistas sem fim, de esmagadoras derrotas, de lutas intermináveis; através
de eras de existência semibrutal sem rumo; através da subsistência por meio
de frutas silvestres e raízes; através do uso de pedras e galhos casualmente
encontrados; através da vida em floresta densa, alimentando-se de nozes e
sementes e, nas praias, de moluscos, crustáceos e peixes; através da maior,
talvez, das vitórias humanas, a de domesticar e subjugar o fogo; através da
invenção e arte do arco e flecha; através da prática de domar os animais e
submetê-los ao trabalho; através do longo aprendizado que levou ao cultivo
do solo; através do adobe e, com ele, da construção de casas; através da
fundição de metais e do lento nascimento das artes que deles derivam; através
da lenta elaboração de alfabetos e da evolução da palavra escrita; em suma,
através de milhares de séculos de vida humana, de aspiração humana, de
crescimento humano, expandiu-se o mundo dos homens e das mulheres tal
como hoje se apresenta a nós e dentro de nós, com todas as suas realizações
e posses [124. 10-13],

Será que isso é tudo? Que é o fim? Não. Assim como a vida surgiu num
mundo sem vida; assim como a Consciência Simples veio a existir onde
antes havia mera vitalidade sem percepção; assim como a Autoconsciência,
saltando de asas abertas da Consciência Simples, esvoaçou alto sobre terra e
mar, assim também a espécie humana, que foi deste modo estabelecida,
continuando sua ascensão sem começo nem fim, dará outros passos - o
próximo está agora no ato de ser dado - e alcançará uma vida ainda mais
elevada do que qualquer outra vivenciada até aqui ou mesmo concebida.
Que fique claramente entendido que esse novo passo (para cuja explicação
este livro está sendo escrito) não é simplesmente uma expansão da autocons­
ciência, mas algo tão diferente disto quanto essa expansão é diferente da
consciência simples, ou quanto esta o é da mera vitalidade destituída de
qualquer consciência, ou ainda como esta última se diferencia do mundo de
matéria inorgânica e energia que a precedeu e do qual procedeu.
NO PLANO DA AUTOCONSCIÊNCIA

Em primeiro lugar seria conveniente fixar bem o significado da palavra


autoconsciência, sobre cuja definição um excelente escritor e pensador muito
competente faz estas observações: “A Autoconsciência é muitas vezes citada
como uma característica distintiva do homem. Muitos, entretanto, falham
em alcançar uma concepção clara do que seja esta faculdade. O Dr. Carpenter
a confunde com “o poder de refletir sobre seus próprios estados mentais”,
enquanto o Sr. Darwin a associa a abstração e outras dentre as faculdades
derivativas. Certamente ela é algo muito mais simples do que a introspecção
e tem origem mais remota do que as faculdades especulativas altamente
derivativas. Se apenas pudesse ser apreendida e claramente compreendida, a
autoconsciência indubitavelmente se revelaria o atributo humano primário e
fimdamental. Nosso idioma parece carecer da palavra adequada para expressá-
la na sua forma mais simples. A palavra pensar é a que mais se aproxima e
o ser humano é algumas vezes descrito como um ser pensante. O idioma
alemão tem uma palavra melhor, qual seja, besinnen\ e o substantivo
Besonnenheit parece tocar o cerne do problema. Schopenhauer diz: “O animal
vive sem qualquer Besonnenheit. Tem consciência, isto é, conhece a si mesmo
e suas vicissitudes, bem como os objetos que as produzem; mas seu
conhecimento é sempre subjetivo, nunca se torna objetivo; tudo que ele
abrange parece existir em si mesmo e por si mesmo e, portanto, pode nunca
se tomar um objeto de representação nem um problema para meditação.
Assim, sua consciência é totalmente imanente. A consciência do ser humano
selvagem é analogamente constituída, no fato de que suas percepções das
coisas e do mundo permanecem preponderantemente subjetivas e imanentes.
Ele percebe coisas no mundo, mas não o mundo; suas próprias ações e paixões,
mas não a si mesmo”.

Talvez a definição mais simples (e existem dezenas delas) fosse:


autoconsciência é a faculdade pela qual tomamos consciência de. Ou ainda:
sem autoconsciência, uma criatura senciente pode saber, mas sua posse é
necessária para que ela possa saber que sabe. O melhor tratado já escrito
sobre este assunto é o livro de Romanes já mencionado várias vezes [134].

Estando as raízes da árvore da vida bem enterradas no mundo orgânico,


seu tronco é constituído da seguinte maneira: Começando ao nível da terra,
temos primeiro que tudo as mais baixas formas de vida, inconscientes e não
sencientes. Estas, por seu turno, dão origem a formas dotadas de sensação e,
mais tarde, aformas dotadas de Consciência Simples. Destas últimas, quando
chega o momento certo, surge a autoconsciência e (como já foi dito), em
direta ascensão desta, a Consciência Cósmica. Apenas é necessário neste
ponto, como a limpar o terreno para o trabalho a ser feito, enfatizar que a
doutrina do desenvolvimento do ser humano, encarada do ponto de vista da
Psicologia, está rigorosamente de acordo com a teoria da evolução em geral,
tal como recebida e ensinada hoje em dia pelos mais destacados pensadores.

Essa árvore que chamamos de vida - e sua parte superior de vida humana
e de mente humana -simplesmente cresceu como cresce qualquer outra árvore
e, além de seu tronco principal, como acima indicado, lançou muitos ramos,
como no caso de outras árvores. Será bom considerar alguns destes. Veremos
que alguns deles nascem da parte mais baixa do tronco; por exemplo a
contratilidade, ramo do qual - e como uma parte dele - surge toda ação
muscular, desde o movimento simples de uma minhoca até os movimentos
maravilhosamente coordenados e feitos, no exercício de sua arte, por um
Liszt ou um Paderewski. Um outro desses grandes ramos inferiores é o instinto
de autopreservação e (como gêmeo dele) o instinto da continuação da espécie
- a preservação da espécie. Mais acima, os sentidos especiais brotam do
tronco principal e, conforme crescem e se dividem repetidamente, tomam-
se ramos maiores e vitalmente importantes da grande árvore. De todos esses
brotos principais nascem braços menores e, destes, rebentos mais delicados.

Assim, do intelecto humano cujo fato central é a Autoconsciência, uma


seção do tronco principal de nossa árvore, nascem o discernimento, a razão,
a comparação, a imaginação, a abstração, a reflexão e a generalização. Da
natureza moral ou emocional, um dos maiores e mais importantes ramos
principais, nascem o amor (ele próprio um grande ramo que se divide em
muitos ramos menores), a reverência, a fé, o medo, o espanto, a esperança, o
ódio, o humor e muitos outros. Do grande ramo chamado sentido da visão,
que no início era uma percepção da diferença entre a luz e a escuridão,
brotaram rebentos que chamamos de sentido de forma, de distância e, mais
tarde, o sentido da cor. O ramo denominado sentido da audição tem como
ramificações e rebentos a apreensão da intensidade de um som, de sua altura,
de sua distância, de sua direção e, como um rebento delicado que vem de
nascer, o sentido musical.

n
O fato importante a ser notado neste ponto é que, em consonância com a
analogia da árvore aqui adotada, as numerosas faculdades de que o ser humano
é composto (encaradas do ponto de vista da dinâmica) são todas de eras
diferentes. Cada uma delas veio a existir no seu próprio tempo, isto é, quando
o organismo psíquico (a árvore) estava pronto para produzi-la. Por exemplo,
a Consciência Simples, muitos milhões de anos atrás; a Autoconsciência,
talvez há trezentos mil anos. A visão geral é extremamente antiga, mas o
sentido da cor provavelmente só existe há cerca de mil gerações. A sensibili­
dade ao som, há muitos milhões de anos, enquanto o sentido musical está
agora aparecendo. A paixão ou o instinto sexual surgiu há muito tempo nas
eras geológicas - a natureza moral humana, de que o amor sexual humano é
um ramo jovem e vigoroso, não parece ter existido há muitas dezenas de
milhares de anos.

m
Para tomar mais pronta e completamente inteligível o que já foi dito e o
que resta a dizer, será conveniente entrar um pouco em detalhe quanto ao
momento e à maneira de algumas faculdades se transformarem e desenvol­
verem, como amostra do trabalho divino que se tem desenrolado dentro de
nós e à nossa volta desde o alvorecer da vida neste planeta. A ciência da
psicologia humana (para ilustrar o assunto deste livro) deveria explicar o
intelecto humano, a natureza moral humana e os sentidos. Deveria fazer
uma descrição destes tais como existem hoje, de sua origem e evolução, e
deveria fazer uma previsão de seu curso futuro, seja de declínio seja de ulterior
expansão. Apenas bem poucas páginas de amostra desse trabalho podem
aqui ser apresentadas, mas primeiro daremos uma rápida olhada no intelecto.

O intelecto é a parte da mente que sabe, enquanto a natureza moral é a


parte que sente. Cada ato particular do intelecto é instantâneo, ao passo que
os atos (ou melhor, os estados) da natureza moral são mais ou menos
contínuos. A linguagem corresponde ao intelecto e é portanto capaz de
expressá-lo perfeita e diretamente; por outro lado, as funções da natureza
moral (pertencendo, isto é, derivando como derivam do grande sistema
nervoso simpático - enquanto o intelecto e a fala dependem do sistema
cerebrospinal e dele derivam) não estão ligadas à linguagem e são apenas
capazes de expressão indireta e imperfeita por seu intermédio. Talvez a música
- que certamente tem raizes na natureza moral - seja, tal como existe hoje,
o início de uma linguagem que expressará a emoção, assim como as palavras
expressam idéias. [28a. 106]. Os atos intelectuais são complexos e podem ser
decompostos em muitas partes; os estados morais, ou são absolutamente
simples (como no caso de amor, medo, ódio), ou quase tão simples assim; ou
seja, são compostos de relativamente poucos elementos. Todos os atos
intelectuais são semelhantes ou quase semelhantes neste particular; estados
morais têm uma escala de graus de intensidade muito ampla.

O intelecto humano é composto principalmente de conceptos, assim como


uma floresta é composta de árvores e uma cidade de casas; esses conceptos
são imagens mentais de coisas, atos, ou relações. Ao seu registro damos o
nome de memória e, à comparação de uma com a outra, de raciocínio; para
a elaboração dessas imagens em imagens mais complexas (assim como tijolos
são convertidos numa casa), não existe em inglês uma expressão adequada;
às vezes chamamos esse ato de “imaginação” (o ato de formar um símile ou
cópia mental); os alemães têm um nome melhor para isto; eles o chamam
Vorstellung (o ato de colocar adiante), Anschauungsgabe (o dom de
contemplar) e, melhor ainda, Einbildungskraft (o poder de acumular). O
grande intelecto é aquele em que o número de conceptos está acima da média;
o intelecto fino é aquele em que esses conceptos são precisos e bem definidos;
o intelecto lesto é aquele em que eles são fácil e rapidamente acessíveis
quando desejados; e assim por diante.

O crescimento do intelecto humano é o crescimento dos conceptos, isto


é, a multiplicação dos mais simples e ao mesmo tempo a elaboração destes
em outros, mais e mais complexos.

Embora esse crescimento em número e complexidade esteja acontecendo


constantemente em toda mente ativa durante pelo menos a primeira metade
da vida, desde a infância até a meia-idade, e embora cada um de nós saiba
que tem conceptos agora que não tinha algum tempo atrás, mesmo assim,
provavelmente os mais dotados dentre nós não poderiam dizer, a partir de
observação feita sobre sua própria mente, por qual processo esses novos
conceptos vieram a existir - de onde vieram e como vieram. Mas, embora
não possamos perceber isto por observação direta, quer de nossa própria
mente quer da mente de outra pessoa, há ainda outra maneira pela qual o
processo oculto pode ser seguido e é por meio da linguagem. Como foi dito
acima, a linguagem é o equivalente exato do intelecto: para todo concepto
há uma palavra ou palavras e para toda palavra há um concepto; nenhum
dos dois pode existir sem o outro. Assim, diz Trench: “Não podemos
comunicar a um homem mais do que as palavras que ele saiba que já possua
ou que possa ser levado - compreensivelmente para ele - a possuir”. Ou,
como Max Mueller o exprime: “Sem fala não há razão; sem razão não há
fala”. A fala e o intelecto não se correspondem mutuamente desta maneira
por acidente; sua relação está inevitavelmente implicada na natureza das
duas coisas. Ou será que são duas coisas? Ou dois lados da mesma coisa?
Nenhuma palavra pode vir a existir senão como expressão de um concepto,
nem pode um concepto ser formado sem a formação (ao mesmo tempo) da
nova palavra que é sua expressão, embora essa “nova palavra” possa ser
soletrada e pronunciada do mesmo modo que alguma velha palavra. Mas
uma velha palavra, tomando um outro e novo significado, na realidade se
transforma em duas palavras, uma velha e uma nova. O intelecto e a fala se
ajustam mutuamente como a mão e a luva, porém, muito mais estreitamente;
melhor seria dizer que se ajustam como a pele ao corpo, ou a pia-máter ao
cérebro, ou como qualquer espécie no mundo orgânico é adaptada por seu
ambiente. Como ficou implícito no que foi dito, deve-se notar especialmente
que a linguagem se ajusta ao intelecto não somente no sentido de o cobrir em
todas as partes e seguindo todas as suas curvas e dobras, mas também no
sentido de não ultrapassá-lo. As palavras correspondem aos conceptos e
somente aos conceptos, de modo que não podemos expressar diretamente
com elas nem impressões sensoriais nem emoções, mas somos sempre
forçados a transmiti-las (se o conseguimos) expressando, não elas próprias,
mas a impressão que produzem em nosso intelecto, ou seja, os conceptos
formados da contemplação delas pelo intelecto - em outras palavras, sua
imagem intelectual. Assim, antes que uma impressão sensorial ou uma
emoção possa ser concretizada ou transmitida na linguagem, um concepto
tem de ser formado (na suposição de que a represente mais ou menos
verdadeiramente); concepto esse que pode, naturalmente, ser transmitido
em palavras. Mas, na realidade, noventa e nove por cento de nossas impressões
sensoriais e emoções nunca foram representadas no intelecto por conceptos
e, portanto, permanecem não expressas e inexprimíveis, a não ser de maneira
imperfeita, por sugestão ou descrição indireta. Existe nos animais inferiores
uma situação que serve bem para ilustrar esta proposição. Eles têm percepções
sensoriais agudas e fortes emoções como medo, raiva, paixão sexual e amor
materno; mas não podem expressá-las porque estas não têm nenhuma
linguagem própria e os animais em questão não têm nenhum sistema de
conceptos com sons articulados correspondentes. Mesmo asseguradas nossas
percepções sensoriais e nossa natureza moral humana, seríamos tão mudos
como os animais se não tivéssemos juntamente com elas um intelecto em
que pudessem ser refletidas e pelo qual, mediante a linguagem, elas pudessem
ser expressas.

Dado que a correspondência de palavras e conceptos não é casual ou


temporária, mas reside na natureza de ambos e continua absolutamente
constante por todo o tempo e sob todas as .circunstâncias, mudanças num
dos fatores têm de corresponder a mudanças no outro. Assim, a evolução do
intelecto (se ocorre) tem de ser acompanhada de evolução da linguagem.
Uma evolução de linguagem (se ocorre) é evidência de evolução do intelecto.
O que é então aqui proposto é estudar (por alguns momentos) o crescimento
do intelecto por meio de um exame da linguagem, isto é, estudar o nascimento,
a vida e o crescimento de conceptos - que não podem ser vistos - por meio
de palavras, que são seus correlatos e que podem ser vistas.

Sir Charles Lyell, emAntiquity ofMan (Antiguidade do Homem) [113],


ressaltou o paralelismo que existe entre origem, crescimento, declínio e morte
dos idiomas e das espécies no mundo orgânico. Para ilustrar e ao mesmo
tempo ampliar o presente argumento, estendamos o paralelo retroativamente
até a formação dos mundos e para a frente até a evolução das palavras e dos
conceptos. O quadro seguinte atenderá a este propósito, tão bem como - ou
melhor do que - uma exposição minuciosamente argumentada e servirá ao
mesmo tempo como um resumo do argumento da evolução que é desenvolvido
ao longo deste livro.

Um breve estudo do quadro apresentado na página seguinte deixará claro


como orbes, espécies, idiomas e palavras se ramificam, dividem-se e se
multiplicam; tomará inteligível a estimativa de Max Mueller segundo a qual
“todo pensamento que já passou pela mente da índia” pode ser reduzido a
cento e vinte e um conceptos raízes - isto é, a cento e vinte e uma palavras
raízes [116.401] , fará com que concordemos com ele em que, provavelmente,
esse número poderia ser ainda mais reduzido. Se considerarmos por um
momento que isto significa que os milhões de palavras indo-européias hoje
em uso - bem como muitas vezes o número destas há muito tempo mortas e
esquecidas - derivaram quase todas de aproximadamente uma centena de
raízes e que estas, por sua vez, de provavelmente uma meia dúzia, e ao
mesmo tempo lembrarmos que razão e fala são uma coisa só, faremos uma
Planeta
1* Lua
Sistema de Júpiter.. 23 Lua
Saturno 32 Lua
Urano 4* Lua
Nebulosa do Sistema Solar... Netuno
N. Marte
1. Nebulosa do Sistema astral.
N. Terra
N. Etc.
_N.

Cavalo de Corrida
Cavalo de Carroça
Cavalo Inglês de Carroção
Equus Caballus.. . -
Cavalo Inglês de Caça
Asinus
Cavalo Árabe
2. Eohippus Mesohippus A n c h ith e riu m ........... Hemionus
Pônei de Shetland
(Eoceno) ^ (início (Mioceno) Tamanho Quagga
Tamanho de I do de carneiro Zebra
Raposa J Mioceno) Miohippus . Dauw

Veneziano
Siciliano
Italiano................... -< Calabrês
Espanhol Arcolano
Português Corso
Latim ................
Grego Francês
Sânscrito Valáquio
Zende Rético
3. ? Ariano.
Armênio
Lituano
Antigo Eslavo
Gótico

Expectando
Expectativa
r Expectar................. - i
Expectado
Expectável
Espécime Expectação
Respeito, Respeitar Expectante
Espectador ,_Expectador
Retardação
Espetáculo
Desprez-ar, -ível
Respective
Despeit-o, -ado
Espectro
Especula-r, -ção
Suspeitar, Suspicaz
Especios-o, -amente, -idade
Específico, Especificação
Latim, Specio, Ver, olhar.............
Inspe-cionar, -ção, -tor
Grego, Skeptomai, Eu olho
Espéculo
Skeptikos, Um inquiridor
Espécie
" Episkopes, Um inspetor
Circunspec-to, -ção
4. Pré-raiz - Raiz ariana, Spac. Sânscrito, Pas, Ver
Especiaria, Especieiro
Spasa, Um espião
Prospect-o, -ivo
Spashta, Manifesto
Especial, -mente, -idade
Spas, Um guardião
Auspicioso, Auspício
O.H.G., Spehan, Olhar, espionar
Espicular
Speha, Um espião Respeitável
Espião, Espionar
Aspecto
Prospecto
V^Especificar
idéia do que o intelecto humano já foi em comparação com o que é hoje; do
mesmo modo se toma evidente, num relance, que não somente a evolução
das espécies, das línguas e das palavras é rigorosamente paralela, mas que o
esquema tem provavelmente uma aplicação mais ampla, talvez universal.
Com relação à presente tese, a conclusão a ser tirada dessa comparação é
que as palavras - e portanto os elementos constituintes do intelecto que elas
representam e que chamamos de conceptos - crescem por divisão e
ramificação, conforme novas espécies se ramificam a partir das mais velhas;
e parece claro que um crescimento normal é encorajado e um desenvolvimento
excessivo e inútil é refreado pelos mesmos meios, num caso como no outro -
isto é, por seleção natural e na luta pela existência.

Novos conceptos - e palavras que os expressam - que correspondem a


alguma realidade externa (seja uma coisa, um ato, um estado ou uma relação)
- e que são portanto úteis para o ser humano, uma vez que a existência deles
o coloca numa relação mais completa com o mundo exterior (relação de que
dependem sua vida e seu bem-estar) são preservados pelo processo de seleção
natural e sobrevivência dos mais ajustados. Alguns, que absolutamente não
correspondem (ou o fazem apenas imperfeitamente) a uma realidade objetiva,
são substituídos por outros que efetivamente correspondem (ou o fazem
melhor) à realidade que aqueles almejavam expressar e assim, na luta pela
existência, caem em desuso e morrem.

Pois com as palavras e com qualquer outra entidade viva acontece o


mesmo: milhares são produzidas para cada uma que sobrevive. A mente,
para qualquer objeto a que é especialmente dirigida, faz surgirem palavras,
muitas vezes em formidável profusão. Há alguns milhares de anos, quando o
sânscrito era ainda uma língua viva e o Sol e o fogo eram tidos como
verdadeiros deuses ou pelo menos como especialmente sagrados, o fogo tinha,
em lugar de bem poucos nomes como hoje, trinta e cinco nomes e, o Sol,
trinta e sete [115.437], Mas exemplos muito mais notáveis são os tirados do
árabe, tais como os oitenta nomes para mel, os duzentos para serpente, os
quinhentos para leão, os mil para espada e as cinco mil setecentas e quarenta
e quatro palavras referentes ao camelo, assuntos estes para os quais a mente
dos árabes está voltada de maneira incisiva e persistente [115. 438]. Mais
uma vez é Max Mueller quem nos diz: “Dificilmente podemos fazer idéia
dos recursos ilimitados dos dialetos. Quando as línguas vernáculas tenham
estereotipado um termo geral, seus dialetos fornecerão cinqüenta, embora
cada um com sua nuança especial de significado. Se novas combinações de
pensamentos são elaboradas no progresso da sociedade, os dialetos fornecem
prontamente os nomes requeridos, do estoque de suas palavras ditas
supérfluas. Não existem somente dialetos locais e provinciais, mas também
de classes. Há um dialeto dos pastores, dos caçadores, dos soldados, dos
fazendeiros. Suponho que poucas pessoas poderão dizer qual é o significado
exato de certas palavras referentes a cavalos: cabeleira, cernelha, pitoco,
garrão, canela, quarteia, coroa, braço, queixada e açaimo. Onde a linguagem
vernácula fala dos filhotes de todas as espécies de animais, os fazendeiros,
os pastores e os caçadores ficariam encabulados de usar um termo tão genérico.
O idioma dos nômades, como diz Grimm, contém uma profusão de variegadas
expressões para espada, armas e para os diferentes estágios da vida do gado.
Numa língua mais altamente cultivada, essas expressões tomam-se pesadas
e supérfluas. Mas, no dizer de um camponês, a prenhez, o dar cria, a decaída
e o abater de quase cada animal têm seus termos peculiares, assim como o
caçador se deleita em dar nomes diferentes à andadura e aos membros da
caça. Assim a Dame* Juliana Bemers, priora do convento de Sopwell no
século XV, renomada autora do Book o f St. Albans (Livro de Santo Albano)
diz que não devemos usar nomes coletivos indiscriminadamente, mas que
devemos dizer: uma “congregcyon”** {congregation, congregação) de
pessoas, uma “hoost” (host, hoste) de homens, um “felyshyppynge” (?) de
mulheres e um “bevy” (bevy, bando, pequeno grupo) de senhoras; que devemos
falar em “herde” (herd, horda) de “hartys” Qiarts, cervos), “swannys (swans,
cisnes), “cranys” (cranes , garças-azuis) ou “wrennys” (wrens, garriças,
corruíras); em “sege” (?) de “herons” (herons, garças) ou “bytourys” (?), em
“muster” (muster , ajuntamento) de “peacockys” (peacocks, pavões), em
“watche” (watch ouflock, bando) de “nyghtyngalys” (nightingales, rouxinóis),
numa “flyghte” (flight, revoada) de pombas, em “claterynge” (clatter,
estrépito) de “choughes” (choughs, gralhas), em “piyde” (pride, bando) de
leões, em “slewthe” (slew ou slue, grande número) de “beeiy” (?), em “gagle”
(gaggle , bando) de “geys” (?), numa “skulke” (skulk, malta) de raposas, em
“sculle” (?) de “frerys” (?), num “pontyfycalate” (pontificate, pontificado)
de prelados, numa “bomynable syght” (abominable sight, vista abominável)
de “monkes” (monkeys, macacos), em “dronkenshyp” (?) de “cobblers”
(cobblers, sapateiros), e assim por diante quanto a outros agrupamentos
humanos ou de bichos. Analogamente, ao se cortar a carne da caça para a
*Titular feminina da Ordem do Império Britânico
**Aqui são listados muitos termos em inglês arcaico - alguns talvez não vernáculos
- para ilustrar o argumento do autor. Para proveito dos estudiosos do assunto, optamos
por apresentar entre aspas os termos originais, indicando entre parênteses, primeiro,
em itálico, o provável termo em inglês atual, depois o termo em português para a
possível compreensão do argumento pelo leitor desta tradução.
mesa, os animais não eram trinchados, mas um “dere” {deer, veado) era
“broken” (broken, quebrado), um “gose” (goose, ganso) era “reryd” (reared\
fatiado), uma “chekyn” (chicken, galinha) era “frusshed” (talvezfried, frita)”
- [e assim por diante, no original, a cada animal sendo atribuídos um
substantivo e um verbo diferentes] - [115. 70],
Estes exemplos servem para mostrar como o intelecto humano se sente
frente ao mundo exterior que se lhe apresenta, tentando um abrigo em cada
fenda que encontre, por estreito e precário que seja o controle que lhe
proporcione. Pois, de era em era, a mente humana procura incessantemente
dominar os fatos do mundo exterior; seu crescimento consiste efetivamente
em rotular esses fatos, assim como a hera se espalha, se ajusta e cobre as
pedras de um muro; o broto que consegue um ponto de apoio fortalece e dá
origem a outros brotos; aquele que não o consegue, depois de algum tempo
pára de crescer e acaba morrendo.
O ponto importante a ser observado para nosso propósito atual é que,
assim como no caso da criança que está aprendendo a falar, a espécie começou
também com poucas palavras, ou, como diz Geiger [91. 29], com uma única
palavra. Isto é, o ser humano começou a pensar com bem poucos conceptos
ou com um só còncepto (naturalmente, na época e anteriormente ele tinha
um grande acervo de perceptos e receptos [134. 193], pois do contrário pouco
poderia ter feito com o seu concepto único ou com seus poucos conceptos).
Desses poucos conceptos ou daquele concepto único procederam, em enorme
quantidade, os conceptos e as palavras que vieram depois a existir; e a evolução
de todo o intelecto humano a partir de um só concepto inicial não deve
parecer incrível, ou mesmo muito maravilhosa, para aqueles que tenham em
mente que todo o complexo corpo humano, com todos os seus tecidos, seus
órgãos e suas partes, é composto de centenas de milhões de células, cada
uma das quais, por mais que seja diferente em estrutura e função daquelas
que pertençam a outros órgãos e tecidos que não os seus, não obstante descende
linearmente da única célula primordial em que cada um de nós (e há apenas
alguns anos) teve sua origem.
A medida que recuamos no passado, portanto, vemos a linguagem - e
com ela o intelecto humano - reduzindo-se a um ponto, e sabemos que,
dentro de uma distância mensurável do ponto em que estamos hoje, ambos
devem ter tido um começo. A data desse começo foi aproximadamente fixada
por muitos escritores e a partir de muitas indicações, de modo que não
podemos estar muito afastados do certo ao colocá-la (provisoriamente) em
mais ou menos trezentos mil anos antes da nossa época.
IV

Muito mais modemo do que o nascimento do intelecto foi o do sentido


da cor. Contamos com a autoridade de Max Mueller [117. 299] na afirmação
de que: “É bem sabido que a distinção da cor é de data recente; que Xenófanfes
conhecia apenas três cores do arco-íris: púrpura, vermelho e amarelo; que
mesmo Aristóteles falava do arco-íris de três cores; e que Demócrito não
conhecia mais que quatro cores - preto, branco, vermelho e amarelo”.

Geiger [91. 48] salienta que pode ser provado, por exame da linguagem,
que remotamente na vida da espécie como na época dos primitivos arianos -
talvez não mais de quinze ou vinte mil anos atrás - o ser humano só tinha
consciência, só percebia, uma cor. Isto é, não distinguia qualquer diferença
de matiz entre o azul do céu, o verde das árvores e da relva, o marrom ou o
cinza da terra e o ouro e o púrpura das nuvens no nascer e no pôr-do-sol.
Assim, Pictet [126] não encontra nomes de cores no primitivo discurso indo-
europeu. E Max Mueller [116:616] não encontra raiz sânscrita cujo
significado tenha qualquer referência a cor.

Em período posterior mas ainda antes da época das composições literárias


mais antigas hoje existentes, o sentido da cor era tão mais desenvolvido do
que essa condição primitiva que vermelho e preto eram reconhecidos como
cores distintas. Mais tarde ainda, na época em que foi composta a maior
parte do Rig Veda, o vermelho, o amarelo e o preto eram reconhecidos como
três matizes diferentes, mas os três incluíam todas as cores que o ser humano,
naquela época, era capaz de identificar. Ainda mais tarde, o branco foi
acrescentado à lista e depois o verde; mas no Rig Veda, no Zend Avesta, nos
poemas de Homero e na Bíblia, a cor do céu não é mencionada nem sequer
uma vez; aparentemente, portanto, não era reconhecida. Pois esta omissão
dificilmente poderá ser atribuída a acidente; as dez mil linhas do Rig Veda
são grandemente ocupadas com descrições do firmamento e de todos os seus
aspectos - o Sol, a Lua, as estrelas, as nuvens, o relâmpago, o nascer e o pôr-
do-sol, são mencionados centenas de vezes. Assim também o Zend Avesta,
para cujos autores a luz e o fogo, tanto terrestres como celestes, são sagrados,
dificilmente poderia ter omitido por acaso qualquer menção ao céu azul. Na
Bíblia, o firmamento e o Céu são mencionados mais de quatrocentas e trinta
vezes; mesmo assim não é feita menção alguma à cor do primeiro. Em
nenhuma parte do mundo o azul do céu é mais intenso do que na Grécia e na
Ásia Menor, onde foram compostos os poemas de Homero. Será possível
conceber que um poeta (ou os poetas) que viu o céu como o vemos agora
pudesse escrever os quarenta e oito longos livros da Ilíada e da Odisséia sem
nunca ter feito menção ou referência a isso? Mas, ainda que fosse possível
crer que todos os poetas do Rig Veda, do Zend Avesta, da Ilíada, da Odisséia
e da Bíblia pudessem ter deixado de mencionar a cor azul do céu por mero
acidente, a etimologia entraria em cena e nos asseguraria que, quatro mil
anos atrás, ou talvez três, o azul era desconhecido, pois naquela época os
nomes subseqüentes para o azul estavam todos inseridos nos nomes para
preto.

O vocábulo inglês blue e o alemão blau descendem de uma palavra que


significava preto. O chinês hi-u-an, que hoje significa azul do céu, antiga­
mente significava preto. A palavra nil, que hoje significa azul nos idiomas
persa e árabe, deriva do nome Nilo, isto é, rio negro, de que a palavra latina
niger é uma forma.

Não parece possível que, na época em que os seres humanos reconheciam


somente duas cores - que chamavam de vermelho e preto - estas aparecessem
a eles como vermelho e preto aparecem a nós - embora exatamente o que
eram as sensações que eles assim denominavam não possa naturalmente ser
agora verificado. Com o nome de vermelho, parece que eles incluíam nesta
cor o branco, o amarelo e todos os matizes intermediários; ao passo que,
com o nome de preto, parecem ter incluído todas as tonalidades de azul e
verde. Assim como as sensações de vermelho e preto vieram a existir pela
divisão de uma sensação de cor originariamente unitária, com o passar do
tempo estas se dividiram. Primeiro o vermelho se dividiu em vermelho-
amarelo; depois, este vermelho em vermelho-branco. O preto se dividiu em
preto-verde; depois o preto novamente em preto-azul e, durante os últimos
dois mil e quinhentos anos, estas seis cores (ou melhor, estas quatro -
vermelho, amarelo, verde e azul) subdividiram-se no número enorme de
tonalidades de cor que são agora reconhecidas e têm nome. O diagrama da
página seguinte mostra, num relance, a ordem em que as cores do espectro
tornaram-se visíveis para o ser humano:

Pode ser mostrado de modo totalmente independente que, se o sentido da


cor de fato veio a existir como aqui supomos, a ordem sucessiva em que se
diz que as cores foram reconhecidas pelo ser humano (seguindo antigos
documentos e etimologias) é efetivamente a ordem em que devem ter sido
assim reconhecidas e os fatos científicos que agora estão para ser aduzidos
devem ser admitidos como extraordinariamente confirmatórios das conclusões
acima, tais como extraídos de fontes inteiramente separadas e distintas.
Os raios solares ou outros raios de luz que excitam a visão são chamados
de vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, índigo e violeta. Estes raios
diferem um do outro no comprimento e na amplitude das ondas que os
compõem e tanto o comprimento quanto a amplitude das ondas diminuem
na ordem em que os nomes vêm de ser mencionados. Mas a força ou energia
de uma onda de luz, ou seja, seu poder de excitar a visão, é proporcional ao
quadrado de sua amplitude [180. 272, e especialmente 181. 136], Segundo
esta lei, a energia - o poder de excitar a visão - dos raios vermelhos é milhares
de vezes maior que a energia dos raios violeta e há uma rápida e regular
queda de energia conforme percorremos o espectro do vermelho até o violeta.
E claro que, se houve um aperfeiçoamento crescente no sentido da visão, em
virtude do qual o olho passou gradualmente da insensibilidade para a
sensibilidade à cor, o vermelho deve necessariamente ter sido a primeira cor
percebida, depois o amarelo, o verde e assim por diante até o violeta; e isto é
exatamente o que a etimologia e a literatura antigas nos dizem que aconteceu.

A relativa modernidade do sentido da cor é ainda atestada pelo grande


número de pessoas, em todos os países, chamadas daltônicas - isto é, pessoas
que são nos dias atuais total ou parcialmente destituídas do sentido da cor.
“A asserção de Wilson de que provavelmente uma pessoa em cada vinte e
cinco é daltônica permaneceu em dúvida porque não foi provada com base
em números suficientemente grandes. Enquanto não dispúnhamos de métodos
de comparação - principalmente o de Hohngren - não foi possível obter
dados satisfatórios. Nas mãos certas, o método de Hohngren decide um caso
tão rapidamente que já foram feitos testes em milhares de pessoas. Com base
em pelo menos duzentos mil exames, foi obtido o resultado de que quatro
por cento de homens e um quarto de um por cento de mulheres têm daltonismo
em maior ou menor grau” [135. 242], Isto daria um caso de daltonismo em
cada quarenta e sete pessoas.

O grau de universalidade do sentido da cor numa raça é, naturalmente,


um fato importante para se estimar seu grau de evolução em comparação
com outras raças. A este propósito, os fatos seguintes são de interesse [122.
716]: “No Japão, de 1.200 soldados, 1,58 por cento eram daltônicos em
relação ao vermelho e 0,833 por cento em relação ao verde. De 373 meninos,
1 por cento eram daltônicos em relação ao vermelho; de 270 meninas, 0,4
por cento. De 596 homens examinados pelo Dr. Berry, de Kyoto, 5,45 por
cento mostraram sentido da cor imperfeito. Dentre os japoneses em geral, o
percentual de daltonismo é menor do que dentre os europeus ou os americanos.
Dentre 796 chineses examinados em vários lugares não foram encontrados
casos de daltonismo, mas foi freqüentemente constatada uma tendência de
misturar verde e azul. Esta peculiaridade foi apresentada com ênfase muito
maior pelo Dr. Fielde, de Swatow, China, que examinou 1.200 chineses de
ambos os sexos usando o teste da lã, de Thompson. De 600 homens, 19 eram
daltônicos e, de 600 mulheres, apenas 1. O percentual de daltonismo entre
homens chineses é então de aproximadamente 3 por cento e não varia muito
em comparação com os europeus”.

No daltonismo, a visão geral não é afetada; o indivíduo distingue luz e


sombra, forma e distância, tão bem como outras pessoas. Isto mostra também
que o sentido da cor é mais superficial, menos fundamental e provavelmente,
portanto, é adquirido mais tarde do que outras faculdades que pertencem à
função da visão. Pois uma pessoa não poderia perder um dos elementos mais
fundamentais da visão (o sentido da forma visual, por exemplo) e conservar
as outras faculdades visuais inalteradas.

O daltonismo é na verdade um exemplo do que se denomina atavismo,


ou reincidência de uma condição que era normal na ancestralidade da pessoa
mas que não pertence propriamente à espécie na época em que ela vive. A
freqüência dessa reincidência (que como vimos se estima ocorrer em uma
pessoa em cada quarenta e sete) indica que o sentido da cor é compara­
tivamente moderno; pois o atavismo é mais freqüente na proporção inversa
da duração do tempo que transcorreu desde que o órgão ou a função perdida
ou impropriamente usada (conforme o caso) tenha (num caso) existido
normalmente na raça ou (no outro) sido descartada no processo de evolução.
O fundamento lógico desta lei (a que voltaremos a nos referir) é óbvio: depende
do simples fato de que, quanto mais tempo qualquer órgão (ou função) tenha
existido numa raça, maior será a certeza de que será herdado. A existência
do daltonismo, então, numa porcentagem tão grande da população, demonstra
que o sentido da cor é uma faculdade moderna. A relativa visibilidade dos
diferentes raios coloridos de luz assegura que, se o sentido da cor foi adquirido,
deve indubitavelmente tê-lo sido na ordem em que os filólogos afirmam que
ele de fato foi adquirido e a concordância destes dois conjuntos de fatos - um
tirado da filosofia natural, o outro da etimologia - juntamente com o fato do
daltonismo, é tão notável que parece impossível alguém recusar-se a assentir
nas conclusões alcançadas.

Uma outra faculdade recentemente adquirida é o sentido da fragrância.


Ela não é mencionada nos hinos védicos e apenas uma vez no Zend Avesta.
Geiger [91. 58] nos diz que o hábito de oferecer incenso juntamente com o
sacrifício não é encontrado no Rig Veda, embora seja encontrado no mais
recente Yadshurveda. Dentre os livros bíblicos, o sentido da fragrância de
flores faz seu primeiro aparecimento no Cântico dos Cânticos. Segundo a
descrição no Gênesis, havia no Paraíso todas as espécies de árvores “que
eram agradáveis à vista e boas para alimento”, não se fazendo menção de
odores agradáveis. O livro apócrifo de Enoch (do primeiro século a. C. ou
mesmo mais tarde), existente em etíope, descreve do mesmo modo o Paraíso
mas não deixa de exaltar a deleitosa fragrância da Árvore do Conhecimento,
bem como de outras árvores, no Jardim do Éden.

Além desta evidência, diz-se que é possível provar com base na linguagem
que um sentido como o da fragrância não existia nos primeiros tempos dos
indo-europeus. Vale a pena também mencionar a este propósito que nenhum
animal (embora muitos destes nos ultrapassem tanto no reconhecimento pelo
olfato) possui, até onde sabemos ou podemos descobrir, qualquer sentido de
fragrância e que as crianças só o adquirem depois que têm vários anos de
idade - não, certamente, por vários anos depois de terem adquirido, mais ou
menos perfeitamente, o sentido da cor; correspondendo assim, em seu
desenvolvimento mental (conforme acima indicado), à evolução da mente
humana em geral, pois o sentido da cor provavelmente veio a existir na
espécie muitos milhares de anos antes do sentido da fragrância.

VI

Os instintos, que são tanto humanos quanto animais, como o sexual e o


maternal, sem dúvida chegaram ao ser humano através de longas linhas de
descendência e têm existido nele e em seus ancestrais há milhões de anos;
mas a natureza moral humana, embora tenha raízes nesses instintos e deles
tenha se desenvolvido, é de origem relativamente recente. Não apenas não é
anterior ao nascimento da autoconsciência, mas é decerto muito mais recente
do que ela.

O ser humano, isto é, a Autoconsciência, como já foi dito, deve ter vindo
a existir cerca de trezentos mil anos atrás, quando o primeiro Alalus Homo
emitiu a primeira verdadeira palavra. No indivíduo atual, o ser humano
nasce quando a criança se toma autoconsciente - na idade média de, digamos,
três anos. Entre as raças indo-européias, não mais que cerca de um indivíduo
(denominado idiota) em mil cresce até a maturidade sem atingir a Autocons­
ciência. Esta, tendo aparecido no indivíduo, só é perdida em grandes ou
raras crises - como no delírio da febre e em algumas formas de insanidade,
notavelmente na obsessão; por outro lado, a natureza moral humana não
aparece no indivíduo (em média) até, digamos, a meio caminho entre a idade
de três anos e a maturidade. Em lugar de um ou dois em mil, várias vezes o
mesmo número numa centena nascem, crescem e morrem sem uma natureza
moral. Ao invés de ser perdida em crises grandes e raras, ela é constantemente
perdida em caráter temporário. Todas estas indicações provam que a natureza
moral humana é de origem muito mais recente do que o intelecto humano e
que, se supomos que o último tenha trezentos mil anos, não podemos supor
que a primeira tenha a mesma idade.

VII

O ser humano primitivo de que descendemos ainda tem na Terra, nos


dias atuais, dois representantes, primeiro, o silvícola; segundo, a criança.
Seria verdadeiro dizer que a criança é um silvícola e este uma criança e que
não somente cada membro individual da espécie mas a própria espécie como
um todo passou pelo estado mental representado pelos dois. Pois, assim como
na sua evolução intra-uterina o indivíduo humano reproduz e resume em
poucos e breves meses a evolução da espécie humana, fisicamente considerada,
da forma unicelular inicial em que a vida individual começou, através de
todas as fases intervenientes entre essa forma e a humana, retomando a cada
dia a lenta evolução de milhões de anos, assim também o indivíduo humano,
em seu desenvolvimento mental do nascimento à maturidade, reproduz e
resume a evolução da vida psíquica da espécie; e assim como o ser humano
físico individual começa na parte mais baixa da escala como uma mônada
unicelular, o ser humano psíquico começa no degrau mais baixo da escada
mental e, em sua ascensão de umas poucas dúzias de meses, passa pelas
sucessivas fases, cada uma delas tendo utilizado milhares de anos para seu
cumprimento pela espécie. As características da mente do silvícola e da
criança nos darão, quando encontradas, as características da mente humana
primeva de que descendeu a mente moderna comum que conhecemos, bem
como as mentes excepcionais dos grandes homens da história contemporânea.

As principais diferenças entre a mente primitiva (a infantil e a silvícola)


de um lado, e a mente civilizada de outro, estão em que a primeira (chamada,
para sermos breves, de mente inferior) é deficiente em força pessoal, coragem,
ou fé; e também em compaixão, ou afeto, e é mais facilmente provocada ao
terror ou à raiva do que a segunda mente, a civilizada. Naturalmente, há
outras diferenças além destas, entre a mente inferior e a superior - diferenças
no intelecto e mesmo em percepções dos sentidos; estas, porém, embora
grandes em si mesmas, não têm a suprema significância das diferenças
básicas, fundamentais e morais que vêm de ser mencionadas. A mente inferior,
então, carece de fé, de coragem, de força pessoal, de compaixão, de afeição -
isto é (para resumir), carece de paz, contentamento e felicidade. É propensa
ao medo das coisas conhecidas e, mais ainda, a um terror indefinido das
coisas desconhecidas; é propensa à raiva, à fúria, ao ódio - ou seja (para
resumir, uma vez mais), ao desassossego, ao descontentamento e à
infelicidade. Por outro lado, a mente superior (comparada à inferior) tem fé,
coragem, força pessoal, compaixão, afeição; isto é, tem, relativamente,
felicidade; é menos propensa a temer coisas conhecidas e desconhecidas,
bem como à raiva e ao ódio - isto é, à infelicidade.

Esta afirmativa, feita assim em traços gerais, não parece à primeira vista
significar muito, mas de fato significa quase tudo; contém a chave do nosso
passado, do nosso presente e do nosso futuro, pois é a condição da natureza
moral (assim brevemente aludida) que decide por cada um de nós de momento
a momento e pela raça em geral de era em era, que espécie de lugar este
mundo em que vivemos parecerá ser - que espécie de lugar ele efetivamente
é para cada um de nós. Pois não são nossos olhos e ouvidos, nem mesmo
nossos intelectos, que julgam o mundo para nós, mas é a nossa natureza
moral que afinal estabelece o valor do que existe ao nosso redor.

Os membros da espécie humana começaram temendo muita coisa e não


gostando de muita coisa, amando ou admirando pouca coisa e confiando
menos ainda. É seguro dizer que os primeiros homens das águas e os homens
das cavernas, seus sucessores, pouca beleza viam no mundo exterior em que
viviam, embora talvez seus olhos, em quase todos os outros aspectos, fossem
tão intensamente sensíveis quanto os nossos. É certo que suas afeições de
família (como no caso dos silvícolas inferiores de hoje) eram, para dizer o
mínimo, rudimentares, e que todos os homens fora de sua família imediata
eram temidos ou antipatizados, ou ambas as coisas. Quando a espécie emergiu
do passado nebuloso para a luz daquilo que pode ser chamado de história
inferida, a visão que os seres humanos adotaram do governo do universo, do
caráter dos seres e das forças pelos quais esse governo era conduzido, da
posição em que o homem se achava perante os poderes governantes, de suas
perspectivas nesta vida e depois dela, era (como no caso das raças inferiores
de hoje) extremamente sombria. Desde aquele tempo, nem o mundo nem o
governo do mundo mudaram, mas a alteração gradual da natureza moral do
ser humano transformou o mundo, aos seus olhos, num lugar diferente. As
ermas e proibitivas montanhas, o assombroso mar, as sinistras florestas, a
escura e temível noite, todos os aspectos da natureza que naquela remota
época estavam carregados de temor, revestiram-se de uma nova e estranha
beleza. Toda a espécie humana e todos os seres vivos adquiriram (em nossos
olhos) um encanto e um caráter sagrado que nos tempos antigos estavam
longe de possuir. Os poderes governantes do universo (obedientes à mesma
influência benéfica) foram gradualmente convertidos de demônios em seres
e forças cada vez menos hostis e cada vez mais amigáveis para o ser humano;
assim, em todos os aspectos, cada era interpretou o universo por si mesma e
tem mais ou menos desacreditado as interpretações de eras anteriores.

Qual é a interpretação correta? Que mente, em toda a vasta diversidade


do passado e do presente, em toda esta longa série, visualizou para si própria
mais corretamente o mundo exterior? Vejamos. Consideremos por um
momento nossa genealogia espiritual e ponderemos mais extensamente seu
significado. Nossos ancestrais imediatos eram cristãos. O progenitor espiritual
do cristianismo foi o judaísmo. Este, tendo começado no grupo de tribos
coletivamente denominadas Terachitas ou Hebreus - Ibrim, os do outro lado
(isto é, do Eufrates) - descendeu do mítico Ab-orham ou Abraão [137-91],
sendo essas próprias tribos um rebento do grande ramo semítico da raça
caucasiana, que se originou diretamente do politeísmo caldeu. Este último,
por sua vez, foi um desenvolvimento em descendência direta da adoração ao
Sol e à Natureza, da primitiva e indivisa família caucasiana. A adoração ao
Sol e à Natureza sem dúvida teve sua raiz e deveu sua vida ao fetichismo
inicial, ou à direta adoração a objetos particulares da Terra. Nesta longa
descendência (embora apliquemos nomes diferentes a diferentes partes de
uma série contínua, como se houvesse linhas de demarcação entre essas partes
diferentes) não tem havido nenhuma ruptura e, em todos os milhares de
anos, nunca houve coisa alguma como uma nova partida. Nestes assuntos
espirituais, a máxima Natura non facit saltum* é aplicável tanto na Física
como na Geologia.

Todo o assunto é uma simples questão de crescimento estritamente análogo


ao desenvolvimento do ramo a partir do broto, ou da planta a partir de sua
semente. Comojá foi bem expresso: “La religion étant un des produits vivants
de l’humanité doit vivre, c’est-a-dire, changer avec elle”** [136:45]. Em
última análise será verificado que, sob a vasta diversidade de aparência
externa, desde o fetichismo até o cristianismo, por trás da infinita variedade
de fórmulas, credos e dogmas resumidos sob estes cinco tópicos, o elemento
essencial de que tudo o mais depende, que está por trás de tudo e é a alma de
tudo, é a atitude da natureza moral. Todas as mudanças na forma intelectual
e no aspecto exterior da religião são tão obedientes à mudança gradual que
ocorre nessa natureza como os ponteiros e as engrenagens do relógio à força
expansiva de sua mola principal. O mundo exterior permanece estável, mas
o espírito do ser humano cresce continuamente e, conforme o faz, sua própria
vasta sombra de Brocken (lançada pela natureza moral mas moldada pelo
intelecto), que ele projeta em meio ao infinito desconhecido, necessariamente
(como uma visão que se dissolve) muda e muda, seguindo as alterações na
substância (isto é, na alma do ser humano) que dá vida e realidade ao fantasma
sombrio que as pessoas simples chamam de seu credo e que metafísicos
chamam de filosofia do absoluto.
Mas assim interpretando de era em era o universo desconhecido em que
vivemos, deve ser observado que estamos (no todo) constantemente fazendo
um relatório cada vez melhor dele. Atribuímos aos nossos deuses (conforme
* A natureza não dá saltos.
** A religião, sendo um dos produtos vivos da humanidade, deve viver, isto é,
mudar com ela.
passam as eras) um caráter cada vez melhor e constantemente esperamos,
nas mãos deles, um tratamento cada vez melhor, tanto na vida atual como
após a morte. Isto quer dizer (naturalmente) que a confiança ou fé que
possuímos está firmemente aumentando e invadindo o campo oposto do medo,
que está com a mesma constância diminuindo. Igualmente pode ser dito,
quanto a caridade, solidariedade, afeição, que o constante aumento daquela
faculdade está firmemente mudando para nós o aspecto do mundo visível,
do mesmo modo que o crescimento da fé está alterando a imagem que
formamos para nós mesmos daquele mundo maior que é invisível. Nem há
qualquer indicação de que este processo duplo tenha chegado a um fim ou de
que seja provável que chegue a um fim.

vm
O período de tempo durante o qual a espécie esteve de posse de qualquer
dada faculdade pode ser mais ou menos precisamente estimado partindo-se
de várias indicações. Nos casos em que o nascimento da faculdade ocorreu
em tempos comparativamente recentes - dentro, por exemplo, dos últimos
vinte e cinco ou trinta mil anos - a filologia (como vimos) pode nos ajudar
consideravelmente a determinar a data aproximada de seu aparecimento.
Mas para faculdades comparativamente antigas, tais como o intelecto humano
ou a consciência simples, este meio necessariamente nos falha por completo.
Recorremos, então, aos seguintes testes:

1. A idade em que a faculdade aparece atualmente no indivíduo humano.

2. A maior ou menor universalidade da faculdade nos adultos da espécie


hoje em dia.

3. A rapidez, ou o inverso, com que a faculdade é perdida - como no caso de


doença.

4. A relativa freqüência com que a faculdade aparece em sonhos.

1. A propósito de cada uma de nossas faculdades mentais pode-se afirmar


que ela tem sua própria idade normal, ou média, para aparecer no indivíduo;
por exemplo, a memória e a consciência simples aparecem nos primeiros
dias após o nascimento; a curiosidade, dez semanas depois; o uso de
ferramentas e objetos, doze meses mais tarde; a vergonha, o remorso e um
senso do ridículo, todos uns quinze meses após o nascimento. Mas deve ser
notado que, em cada caso, a idade em que aparece uma faculdade na criança
corresponde ao estágio em que a mesma faculdade aparece (tanto quanto
pode ser atualmente verificado) na escala animal ascendente, do mesmo modo
que, no caso de faculdades que aparecem mais tarde, a idade de seu apare­
cimento no indivíduo corresponde ao seu período de aparecimento na espécie;
por exemplo, a memória e a consciência simples ocorrem em animais
primitivos como os equinodermos, enquanto o uso de ferramentas não é
encontrado abaixo dos macacos; e a vergonha, o remorso e o senso do ridículo
são quase se não inteiramente restritos (entre os animais) ao macaco
antropóide e ao cachorro. Assim, dentre as faculdades puramente humanas,
a autoconsciência, que aparece no indivíduo em geral na idade de três anos,
fez seu primeiro aparecimento na espécie certamente mais de mil séculos
atrás, enquanto o sentido musical, que não aparece no indivíduo antes da
adolescência ou puberdade, não pode (a julgar pelos registros) ter existido
na espécie há mais do que bem poucos milhares de anos.

2. Quanto mais tempo uma espécie tenha estado de posse de uma dada
faculdade, mais universal será essa faculdade na espécie. Esta proposição
certamente não requer prova. Toda faculdade nova tem de ocorrer primeiro
em certo indivíduo e, à medida que outros indivíduos vão alcançando o estado
de ser dele vão adquirindo-a também, até que, depois de talvez muitos
milhares de anos, tendo toda a espécie alcançado aquele mesmo estado, a
faculdade terá se tomado universal.

3. Quanto mais tempo uma espécie tenha estado de posse de uma dada
faculdade, mais firmemente estará essa faculdade fixada em cada indivíduo
da espécie que a possua. Em outras palavras: quanto mais recente é qualquer
faculdade, mais facilmente é perdida. Autoridade para esta proposição (de
que ela dificilmente carece) será citada quando ela for feita num outro
contexto. Trata-se de uma proposição quase, se não absolutamente, auto-
evidente.

4. Um estudo dos sonhos parece revelar o fato de que, no sono, o tipo de


mente que temos difere de nossa mente desperta, especialmente em ser mais
primitiva; de que seria de fato quase rigorosamente verdadeiro dizer que em
sonhos recuamos para uma vida mental pré-humana; de que as faculdades
intelectuais que temos nos sonhos são especialmente receptos, distintos dos
conceptos de nosso estado de vigília - ao passo que, no campo moral, são
igualmente faculdades como remorso, vergonha, surpresa, juntamente com
as mais antigas e mais básicas funções sensoriais que já nos pertenciam
antes de alcançarmos o plano humano - e de que as faculdades mentais mais
modernas, tais como o sentido da cor, o sentido musical, a autoconsciência e
a natureza moral humana, não existem nesse estado ou, se quaisquer delas
efetivamente ocorrem, fazem-no apenas como rara exceção.

Comparemos agora algumas das faculdades que já mencionamos, à luz


das regras estabelecidas. Isto nos dará, mais claramente do que talvez qualquer
outra coisa poderia fazer, uma noção precisa do crescimento da mente pelo
sucessivo acréscimo de novas funções. Para este fim tomemos (como alguns
exemplos que possam representar todos os casos) a consciência simples, a
vergonha, a autoconsciência, o sentido da cor, a natureza moral humana, o
sentido musical e a consciência cósmica.

A consciência simples aparece na criança poucos dias após seu nasci­


mento; é absolutamente universal na espécie humana, data de bem antes dos
primeiros mamíferos e é perdida somente no sono profundo e no estado de
coma; está presente em todos os sonhos.

Segundo consta, a vergonha, o remorso e o senso do ridículo nascem na


criança mais ou menos aos quinze meses; todas são faculdades pré-humanas
que se encontram no cachorro e nos macacos e sem dúvida existiam em
nossos ancestrais pré-humanos; são quase universais na espécie, sendo
ausentes somente nos idiotas muito profundos; as três são comuns nos so­
nhos.

A autoconsciência aparece na criança á idade média de três anos e não


está presente em nenhuma outra espécie além do ser humano; é na verdade
a faculdade cuja posse por um indivíduo o constitui como um ser humano.
Não é universal em nossa espécie, sendo ausente em todos os verdadeiros
idiotas, ou seja, permanentemente ausente em mais ou menos um em cada
mil seres humanos na Europa e na América.*

* No que tange à ausência da autoconsciência nos idiotas, o exame dos internados de um grande
asilo de idiotas revelou o fato de que a faculdade estava ausente em noventa por cento. Os pacientes
examinados tinham, quase todos, acima de dez anos de idade. Naturalmente, alguns deles poderiam
alcançar a autoconsciência mais tarde. Dicionários e trabalhos sobre idiotia [101] definem um idiota
como “um ser humano destituído dos poderes mentais comuns”; mas parece que uma definição
melhor e mais precisa seria: “um ser humano no qual, tendo passado a idade usual, por conseqüência
de atavismo, a autoconsciência não foi desenvolvida” . Ao passo que a definição de imbecil seria:
“Um ser humano que, embora autoconsciente, é, por conseqüência de atavismo, em alto grau
destituído dos poderes mentais comuns”.
Deve no entanto haver muitos membros de espécies inferiores, tais como os
bosquímanos sul-africanos* e os nativos da Austrália, que nunca alcançaram essa
faculdade. Em nossa anoestralidade, a autoconsciência remonta ao primeiro homem
verdadeiro. Milhares de anos devem ter passado entre seu primeiro aparecimento
e sua universalidade, do mesmo modo que milhares de anos estão agora passando
entre os primeiros casos de consciência cósmica e sua universalidade.

Essa espécie, assim somos informados, despida, caminhando ereta**, gregária,


sem uma verdadeira linguagem, comuso limitado de ferramentas, sem casamento,
governo ou qualquer instituição; animal mas rainha dos animais, dada sua natureza
moral relativamente alta (tornando-a gregária) e sua inteligência receptiva altamente
evoluída, desenvolveu autoconsciência e com isto se tomou humana.
* Quanto ao nlvel mental dos bosquímanos, consulte-se Anderson [1-9,216,217,218,227, 228,232,
291 ], que nos dá os fatos com base em real observação, sem especulação ou teoria; ele é um observador
minucioso e evidentemente um relator fiel. Vejam-se também algumas páginas notáveis de Olive
Schreiner [90-2, 4] em que ela descreve esses mesmos bosquímanos (como o faz Anderson), por
observação pessoal. Juntamente com muitas outras coisas ela afirma por exemplo que: “Esse pequeno
povo não tinha nenhuma organização social fixa; vagando em bandos ou como indivíduos solitários,
sem nenhuma habitação definitiva, dormiam à noite sob as rochas ou em tocas de cães selvagens, ou
eles mesmos faziam um curioso anteparo pequeno de arbustos soltos, levantado do lado de onde o
vento soprava e estranhamente parecido com um covil de animal - e o abandonavam quando rompia
a manhã. Não tinham rebanhos ou manadas e viviam de caça selvagem ou, quando esta faltava,
comiam cobras, escorpiões, insetos ou restos, ou visitavam os rebanhos dos hotentotes. Não usavam
nenhuma espécie de roupa e suas armas eram arcos e flechas; as cordas dos arcos eram feitas com
tendões de animais selvagens, enquanto as flechas tinham ponta de osso ou pedra lascada aguçados,
envenenada com o suco de uma planta bulbosa ou introduzida no corpo de uma lagarta venenosa;
estas coisas constituíam suas únicas propriedades. Não tinham cerimônia de casamento nem relação
sexual permanente, pois cada homem e cada mulher coabitava apenas durante o prazer, o sentimento
maternal estava em seu nível mais baixo, pois as mães abandonavam seus filhos ou desfaziam-se deles
por qualquer ninharia; o sentimento paternal não existia. Dizem aqueles que estudaram sua língua
acuradamente que ela era tão imperfeita que a expressão clara mesmo das idéias mais simples era
difícil. Eles não tinham palavra para esposa, para casamento, para nação e sua mente parecia estar no
mesmo estado simples de sua língua. Aparentemente, não tinham nenhuma capacidade de executar as
operações mentais complexas necessárias à manutenção da vida em condições civilizadas; a nenhum
membro da raça, em qualquer caso conhecido, foi ensinado a ler ou a escrever, nem a compreender
concepções religiosas claramente, embora grandes esforços tenham sido feitos para instruí-los”. Parece
impossível crer que, como raça, essas criaturas sejam autoconscientes.
** Caminhando ereta. Se a visão aqui assumida da evolução mental humana fosse aceita, lançaria
alguma luz sobre nosso passado remoto. Um de seus corolários seria que nossos ancestrais caminharam
eretos centenas de milhares de anos antes de se tomarem autoconscientes - isto é, antes de se tomarem
humanos e começarem a falar. A idade em que as crianças começam a andar é (mentalmente) a idade do
cachorro e do macaco. Dos quinze ou dezoito meses até os três anos de idade, a criança passa pelos
estágios mentais situados entre esses animais e a autoconsciência Durante esse período, a inteligência
receptiva da criança se toma mais e mais perfeita, pois os próprios receptos se tomam mais e mais complexos,
cada vez mais próximos de conceptos, até que estes são efetivamente formados e a autoconsciência é
estabelecida. Dir-se-ia que cerca de meio milhão de anos de evolução deve ter transcorrido entre o estado
do mais alto macaco antropóide e o do ser humano. Talvez isto possa ser uma reflexão confortável para
aqueles que não gostam da idéia de serem descendentes de alguma foima simiesca
É impossível dizer há quanto tempo esse fato ocorreu, mas não poderá
ter sido há menos de várias centenas de milhares de anos. Essa faculdade é
perdida muito mais facilmente do que a consciência simples. Nós a perdemos
em coma e também, muitas vezes, em delírio de febre; em certas formas de
insanidade, como nas obsessões, é muitas vezes perdida por períodos de
semanas e meses; finalmente, ela nunca está presente em sonhos.

O sentido da cor já foi considerado. Resta dizer algumas palavras do


ponto de vista atual. Esse sentido surge gradualmente no indivíduo - aos
três ou quatro anos já pode haver um sinal dele. JefFries [135-242] verificou
que ele ainda estava ausente numa alta porcentagem de crianças aos oito
anos de idade. Consta que vinte a trinta por cento de meninos em idade
escolar são daltônicos, ao passo que apenas quatro por cento de adultos
masculinos o são. O Dr. Favre, de Lyon [135-243], relatou em 1874, no
Congresso Francês para o Avanço da Ciência, emLille, “algumas observações
que lhe pareciam provar que o daltonismo congênito era curável” [135-242],
porém, não parece ter ocorrido a ele que, sendo o sentido da cor invaria­
velmente ausente em crianças muito jovens e aparecendo ele em idade variável
conforme a criança avança para a maturidade, o daltonismo pareceria ne­
cessariamente estar sendo “curado”, ao professor, atento ao desenvolvimen­
to da criança no exercício de seu sentido da visão sobre as cores. Já vimos
que o sentido da cor na espécie não pode ter muitas dezenas de milhares de
anos.

O sentido da cor é ausente num ser humano em cada quarenta e sete.


Raramente está presente em sonhos e, quando isto ocorre, ou seja, quando
qualquer cor é vista num sonho, geralmente é a cor que por bons motivos foi
percebida pela primeira vez pelo ser humano, isto é, o vermelho.

As ocorrências seguintes ilustram (de modo enfático) a ausência usual


do sentido da cor durante a consciência parcial que ocorre no sono. Um
homem que tinha cabelo branco sonhou que estava se olhando num espelho
e via claramente que seu cabelo, não somente estava muito mais espesso do
que ele sabia que de fato era, como, ao invés de ser branco, como ele também
sabia, era preto. Ora, ele se lembrou muito bem, em seu sonho, de que seu
cabelo nunca fora preto; fora, na verdade, castanho claro. Ele se surpreendeu
(convém mencionar aqui que o espanto ou a surpresa é uma faculdade pré-
humana e que é comum em sonhos) de que em seu sonho seu cabelo fosse
preto, lembrando-se claramente de que nunca fora assim. O ponto importante
a ser notado a respeito do sonho em questão é que, embora fosse claro para a
mente do sonhador que seu cabelo nunca fora preto, assim mesmo ele não se
lembrou de que tivesse sido castanho. Por alguma razão havia dificuldade
para trazer à consciência qualquer cor. O mesmo homem sonhou que havia
ferido com uma faca a um inimigo que o havia atacado; a sangradura era
profusa mas o sangue era branco; ele sabia em seu sonho que não deveria ser
branco, mas nenhuma imagem de sua verdadeira cor ou de qualquer outra se
apresentou.

A natureza moral humana inclui muitas faculdades, tais como a cons­


ciência; o senso abstrato do certo e do errado; o amor sexual - diferenciado
do desejo ou instinto sexual; o amor parental e filial - diferenciado dos
instintos correspondentes (o ser humano tem ambos estes instintos em comum
com os animais irracionais, além de sentimentos mais elevados); o amor por
nossos semelhantes como tais; o amor ao belo; o temor respeitoso; a
reverência; o senso do dever ou da responsabilidade; solidariedade, compaixão
e fé. A natureza humana não é completa sem estas e outras faculdades;
portanto, trata-se de uma função muito complexa; mas, para o propósito
deste argumento, ela deve ser tratada como se fosse um sentido simples.
Ora, em que idade aparece essa natureza moral humana no indivíduo? Ela
nunca está presente em crianças muito jovens. Com freqüência está ausente
na puberdade e mesmo na adolescência. É uma faculdade recentemente
adquirida. Provavelmente não estaria muito errado dizer que a idade média
para seu aparecimento estivesse por volta dos quinze anos. Parece claro,
com base num estudo da história, que nossa natureza moral não pode ter
mais de dez ou doze mil anos. Pois uma meticulosa consideração dos registros
que chegaram a nós dos antigos romanos, gregos, hebreus, egípcios, assírios
e babilônios indicaria inequivocamente que, à medida que recuamos ao
passado, esta faculdade vai se afunilando para um ponto de desaparecimento
e, se continua a se afunilar assim conforme recuamos nas eras, tudo o que
chamamos distintamente de nossa natureza moral teria certamente desapa­
recido quando tivéssemos recuado o número de séculos já mencionado - dez
ou doze mil anos.

Em que proporção de homens e mulheres de países civilizados a natureza


moral humana não está presente? Há tantos homens e mulheres que têm
natureza moral parcial e tantos que, tendo pouco ou nada dessa natureza,
fazem parecer que a têm, e o julgamento de homens e mulheres neste
particular é tão difícil - o problema é tão velado e tão complicado - que é
impossível dar mais do que apenas uma opinião. Mas que o curioso leia
alguns livros como os de Despine [66] e de Ellis [76] - e depois observe os
homens e as mulheres com quem convive - e será forçado a chegar à conclusão
de que a proporção de adultos que têm pouca ou nenhuma natureza moral,
ou ainda uma natureza moral não desenvolvida, é muito maior do que a
daqueles que têm pouco ou nenhum sentido de cor, ou ainda um sentido de
cor não desenvolvido. Provavelmente não estaríamos muito errados se
disséssemos que pelo menos quarenta homens e mulheres, em cada mil, na
América e na Europa, estão nesta situação.

Então, quantas raças humanas estão ainda vivendo na Terra, nas quais
nenhum ou poucos membros têm o que poderia ser chamado de natureza
moral humana do ponto de vista de nossa civilização? E, enquanto a
autoconsciência é perdida - não sempre, naturalmente, mas com freqüência
- na insanidade e na febre, a natureza moral está - temos de admitir - sujeita
a ausências e lapsos muito mais freqüentes e por causa bem menor.

Como vimos, a autoconsciência apareceu na espécie há cerca de trezentos


mil anos. As considerações acima indicariam uma data muito posterior para
o surgimento da natureza moral. E não apóiam esta inferência todos os
registros e indícios históricos, até o ponto que alcançam?

Finalmente, o sentido musical (faculdade que está agora em processo de


nascer) não aparece no indivíduo antes da adolescência. Não existe em mais
que a metade dos membros de nossa espécie. Tem existido por menos (talvez
consideravelmente menos) de cinco mil anos. Nunca ou quase nunca está
presente em sonhos, mesmo no caso de músicos profissionais. Enquanto,
como já foi dito, a autoconsciência é fortuitamente perdida na insanidade,
pode-se dizer que o sentido musical, nessa condição, é invariavelmente
perdido - pelo menos, após uma experiência de vinte e cinco anos com cerca
de cinco mil casos de demência, o autor não se lembra de um só caso em que
o sentido musical tenha sido conservado sendo a pessoa insana.

O sumário que se segue, em forma de tabela, dos principais fatos re­


lativos à evolução das faculdades mencionadas e de algumas outras, há
de tomar - acredita-se - todo este assunto mais inteligível do que o faria
qualquer exposição extensa do mesmo. Os dados numéricos na tabela e no
texto não são apresentados como exatos mas para o fim de transmitir uma
idéia clara que se acredita seja suficientemente correta para o presente
propósito.
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Em suma: como a ontogênese nada mais é que a fllogênese in petto - isto
é, como a evolução do indivíduo é necessariamente a evolução da espécie
muna forma abreviada, simplesmente porque não pode por natureza ser dife­
rente (não pode seguir quaisquer outras linhas, porque não há outras linhas
a seguir) - é claro que órgãos e faculdades (ampla e genericamente falando)
têm de aparecer no indivíduo na mesma ordem em que apareceram na espécie
e, conhecida uma ordem, a outra pode ser confiavelmente presumida.

Quando uma faculdade nova aparece numa espécie, há de ser encontrada


bem no começo num indivíduo dessa espécie; mais tarde será encontrada em
alguns indivíduos; passado mais algum tempo, numa porcentagem maior
dos membros da espécie; mais adiante ainda, na metade destes; e assim por
diante, até que, após milhares de gerações, um indivíduo que não apresente
essa faculdade será visto como uma monstruosidade. Note-se também que -
e isto é importante - quando a nova faculdade aparece, especialmente se o
faz na linha direta da ascensão da espécie, como no caso de Consciência
Simples, Autoconsciência, ou de Consciência Cósmica, tem de aparecer pri­
meiro em um membro, depois em membros da espécie que tenham alcançado
plena maturidade. Pois um indivíduo imaturo (outros aspectos permanecendo
iguais) não pode exceder ou ultrapassar um indivíduo maduro da mesma
espécie.

Assim, com o passar das eras, o grande tronco da árvore da vida se tornou
mais alto e, de tempos a tempos, lançou brotos que cresceram a galhos e
estes a ramos nobres que por sua vez lançaram brotos e galhos, muitos dos
quais de grande tamanho e em números imensos. Sabemos que essa árvore
não cessou de crescer; que mesmo agora, como sempre, está lançando novos
brotos e que os velhos brotos, galhos e ramos, estão em maioria aumentando
em tamanho e força. Cessará hoje esse crescimento? Não parece que sim.
Parece mais provável que outros membros e ramos, com que nem sonhamos
hoje, venham a nascer da árvore e que o tronco principal, que da mera vida
cresceu para vida sensitiva, para a consciência simples e para a autocons­
ciência, há de passar para formas de vida e consciência mais altas ainda.
INVOLUÇÃO

Assim como no desenvolvimento de uma árvore individual alguns ramos


florescem enquanto outros malogram; como numa floresta algumas árvores
crescem alto e estendem ramos grandes enquanto outras se atrofiam e morrem;
como no progresso para a frente e para o alto de qualquer espécie alguns
indivíduos estão mais adiante do corpo principal enquanto outros vêm mais
atrás, assim também, na marcha para a frente da mente humana coletiva,
através dos séculos, algumas mentes individuais estão na vanguarda do grande
exército, enquanto na retaguarda da coluna vacilam e caem números imensos
de espécimes defeituosos.

Em qualquer espécie, a estabilidade de qualquer faculdade é proporcional


à idade da faculdade na espécie. Isto é, uma faculdade comparativamente
nova está mais sujeita a falha, ausência, aberração, àquilo que chamamos de
doença e está mais sujeita a ser perdida do que uma faculdade mais velha.
Para muitos esta proposição parecerá um truísmo. Se um órgão ou uma facul­
dade foram herdados numa espécie por, digamos, um milhão de gerações,
parece a priori certo que é mais provável que sejam herdados por determinado
indivíduo daquela espécie do que um órgão ou uma faculdade que tenham
tido origem, digamos, três gerações atrás. Este é o caso do que é chamado de
gênio. O gênio consiste na posse de uma nova faculdade ou de novas faculda­
des, ou no desenvolvimento incrementado de uma velha faculdade ou de
velhas faculdades. Assim sendo, parece necessário a Galton [92] escrever
um livro de bom tamanho para provar que a genialidade é hereditária. Tão
longe estava isto de ser um fato óbvio que até hoje a hereditariedade da
genialidade está longe de ser universalmente aceita. Mas ninguém jamais
escreveu um livro para provar que a visão, a audição e a autoconsciência
fossem hereditárias, pois qualquer pessoa (mesmo a mais ignorante) sabe,
sem discussão, que elas o são. No ponto em questão, diz Darwin, falando de
cavalos: “A falta de uniformidade nas partes que no momento estejam pas­
sando por seleção depende principalmente da força do princípio da reversão”
[67: 288]. Isto significa que partes ou órgãos que estão passando por mudança
através de seleção estão sujeitos a perder o que foi ganho, pela reversão à
condição inicial. Diz ele ainda: “É crença generalizada entre criadores que
características de todos os tipos se tomam fixas por herança prolongada”
[67: 289], Em outro lugar, fala da “variabilidade flutuante e, tanto quanto
podemos julgar, infindável, de nossas produções domésticas, a plasticidade
de toda a sua organização” [67: 485], e atribui essa instabilidade às recentes
mudanças que essas produções têm sofrido sob a influência da seleção artificial
a que têm sido submetidas. Ainda em outro lugar, Darwin fala da “extrema
variabilidade de nossos animais domésticos e de nossas plantas cultivadas”.

Mas é quase desnecessário levar adiante esta discussão. Qualquer pessoa


que queira pensar um pouco no assunto admitirá que, quanto menor for o
tempo que um órgão ou uma faculdade tenham sido possuídos por uma
espécie, tanto mais instáveis serão na espécie e, conseqüentemente, no indiví­
duo; tanto mais sujeitos estarão a serem abandonados; tanto mais sujeitos a
serem defectivos; tanto mais sujeitos avariarem; tanto mais sujeitos a serem
ou se tomarem imperfeitos - como dizemos, doentios. Pelo contrário, quanto
mais tempo um órgão ou uma faculdade tenham existido em qualquer espécie,
mais seguramente serão herdados e mais seguramente assumirão um caráter
definitivo, típico - isto é, com mais certeza serão normais, mais certamente
concordarão com a norma ou o tipo desse órgão ou dessa faculdade. Em
outras palavras, menos provável será que sejam imperfeitos - o que chamamos
de defectivo ou doentio. Admitido isto, será prontamente anuído: primeiro,
que a espécie cuja evolução for a mais rápida (outras coisas sendo iguais)
terá mais colapsos; segundo, que, em qualquer dada espécie, as funções cuja
evolução for a mais rápida serão as mais sujeitas a colapsos.

Se estes princípios forem aplicados aos animais domésticos - a maioria


dos quais, dentro das últimas poucas centenas de gerações, tem sido muito
diferenciada por seleção artificial - explicarão o que algumas vezes tem sido
considerado como anômalo - isto é, a propensão muito maior a doença e a
morte prematura destes em comparação com seus protótipos selvagens. Pois
o fato de que os animais domésticos são mais propensos a doença e a morte
prematura do que os selvagens é admitido em toda parte. Este mesmo princípio
explicará também como é que, quanto mais pura for a raça de um animal -
isto é, quanto mais amplamente tiver ele sido diferenciado de um tipo anterior
nas últimas gerações - mais sujeito estará a doença e a morte prematura.

Trazendo agora estas regras gerais para nós mesmos - para a espécie
humana - vemos que elas indicam que os órgãos e as funções que foram os
mais recentemente adquiridos serão com maior probabilidade defectivos,
ausentes, anormais, doentios. Mas é notório que no ser humano civilizado,
especialmente na raça ariana, as funções que passaram pela maior mudança
nos últimos milênios são aquelas que chamamos de mentais - esse grande
grupo de funções (sensoriais, intelectuais, morais) que dependem dos dois
grandes sistemas nervosos - o cerebrospinal e o grande simpático - e deles
advêm. Esse grande grupo de funções cresceu, expandiu-se, lançou novos
brotos e galhos e está ainda no processo de produzir novas faculdades, numa
taxa extraordinariamente maior do que qualquer outra parte do organismo
humano. Se isto é assim, então, dentro dessa grande congérie de faculdades
é inevitável que encontremos constantes falhas, omissões, defeitos e colapsos.

Observações clínicas nos ensinam, todos os dias, que o raciocínio acima


está solidamente fundamentado. Ele mostra falhas de todos os graus e de
variedades ilimitadas; falhas em funções sensoriais, como o daltonismo e a
surdez musical; falhas na natureza moral, do todo ou de uma parte; no
intelecto, de uma ou de várias faculdades; ou falhas mais ou menos completas
de todo o intelecto, como na imbecilidade e na idiotia. Mas acima dessas
falhas e como um necessário acompanhamento delas, temos o colapso
funcional, inevitável uma vez estabelecido no indivíduo, que chamamos de
insanidade e que se diferencia dos vários graus e formas de idiotia. Pois é
fácil verificar que, se uma função ou faculdade pertencente a qualquer espécie
dada está sujeita por qualquer causa geral a ser perdida em certa proporção
dos indivíduos dessa espécie, deve também estar sujeita a tomar-se doentia
- isto é, a entrar em colapso - nos casos em que não venha a ser perdida.
Pois se a faculdade em questão absolutamente não é sempre desenvolvida no
indivíduo - se com bastante freqüência deixa de aparecer - isto tem de
significar que, em muitos outros casos em que ela de fato apareça, não estará
plena e solidamente formada. Não podemos imaginar um salto de um total
não aparecimento de uma função em certos membros de uma espécie para a
absoluta perfeição e solidez da mesma função nos demais membros. Sabemos
que as espécies não crescem desta maneira. Sabemos que, numa raça em que
tenhamos alguns homens com mais de dois metros e outros com apenas um
metro e vinte, encontraremos, se procurarmos, homens de todas as estaturas
entre estes extremos. Sabemos que em todos os casos os extremos apresentados
pela raça são ligados por conjuntos completos de espécimes intermediários.
Um homem pode levantar quatrocentos quilos e outro apenas quarenta; mas
entre estes há aqueles cujos limites de força preenchem todo o intervalo
entre os quarenta e os quatrocentos quilos. Um homem morre de idade aos
quarenta anos e outro aos cento e trinta; mas em cada número de anos e
meses entre quarenta anos e cento e trinta anos está o limite de vida possível
de algum homem. A mesma lei que vale para o limite de faculdades vale
também para sua solidez e permanência. Sabemos que em alguns homens as
funções intelectuais são tão instáveis que, tão logo são estabelecidas,
desmoronam - esmagadas, por assim dizer, pelo seu próprio peso - assim
como uma casa mal construída cujas paredes não são suficientemente fortes
para sustentar o teto. Trata-se de casos extremos da chamada insanidade
progressiva - casos em que a mente se arruina assim que começa a existir ou
mesmo antes que esteja totalmente formada; casos de insanidade da puberdade
e da adolescência, em que a natureza mal consegue formar uma mente normal,
por inteiro ou pela metade, e é totalmente incapaz de sustentá-la, decaindo
então, imediatamente, para o caos. A desesperança nesta classe de casos (no
tocante a recuperação) é bem compreendida por todos os alienistas e não é
difícil perceber por que essas insanidades devem e têm de ser praticamente
incuráveis, pois sua própria existência denota a ausência dos elementos
necessários para formar e manter uma mente humana normal nos pacientes
em questão.

No campo da insanidade propriamente dita - isto é, excluindo-se as


idiotias - esses casos ocupam a posição extrema no fim da escala, ao passo
que as pessoas que só se tomam maníacas ou melancólicas sob as mais
poderosas causas excitantes, tais como parto e velhice, ocupam o outro
extremo. Ou seja, temos uma classe em que a mente, sem ser tocada,
desmorona em ruínas tão logo é formada, ou mesmo antes que esteja
completamente formada. Temos então uma outra classe, em que o equilíbrio
das faculdades mentais só é subvertido pelos choques mais violentos e apenas
temporariamente, uma vez que os casos a que me refiro podem ser curados
em poucas semanas ou poucos meses, se colocados sob condições favoráveis.
Mas, entre estes extremos, todo o amplo espaço intermediário é preenchido
por uma variedade infinita de fases de insanidade, mostrando toda condição
possível de estabilidade e instabilidade mental entre os dois extremos. Mas
por toda a gama de alienações mentais prevalece a seguinte lei: a função
mental mais recentemente evoluída, seja ela intelectual ou moral, sofre
primeiro e sofre mais, enquanto a função mental e moral desenvolvida em
primeiro lugar sofre por último e sofre menos (se é que sofre).

Se a mente humana é comparada a uma árvore em crescimento, então


pode-se dizer que os ataques mais leves de insanidade secam suas folhas -
paralisam total ou parcialmente suas funções por algum tempo, representando
as folhas as emoções e os conceptos mais frágeis formados por último e
especialmente as últimas combinações destes; que os ataques mais profundos
matam as folhas e danificam os galhos mais finos; que distúrbios ainda mais
profundos matam os galhos mais finos e afetam os mais grossos; e assim por
diante, até que, nas insanidades mais profundas e arraigadas, como nas
demências avançadas, o que resta da árvore é apenas um tronco nu, meio
morto, sem folhas ou rebentos e quase sem galhos.

Em todo esse processo de destruição, as faculdades formadas há mais


tempo, tais como a percepção e a memória, o desejo de alimento e de bebida,
o contrair-se quando ferido e as mais básicas funções sensoriais, perduram
por mais tempo; já, como foi dito, as funções desenvolvidas mais recentemente
são as primeiras que desmoronam, depois as seguintes menos recentes e
assim por diante.

Um fato que ilustra bem a asserção de que a insanidade consiste


essencialmente no colapso das faculdades mentais que são instáveis
principalmente por serem as mais recentes e de que ela portanto assenta
sobre uma evolução nova e ainda em progresso, é a relativa ausência de
insanidade entre os negros.

Tem sido dito que o grande percentual de insanidade na América e na


Europa depende diretamente da rápida evolução, nos últimos milênios, da
mente da raça ariana. Poucos afirmariam que a mente do negro estivesse
avançando numa velocidade parecida. Como conseqüência dessas diferentes
velocidades de progresso, temos nos membros da raça ariana na América
um percentual de insanidade muito mais alto do que o que é encontrado na
raça negra.

Quando se fez o recenseamento de 1880 nos Estados Unidos, verificou-se


que em quarenta e três milhões de pessoas de raça branca havia oitenta e seis
mil insanas - exatamente uma em cada quinhentas - ao passo que em seis
milhões e setecentos e cinqüenta mil negros só um pouco mais de seis mil
eram insanos, o que dá uma proporção de apenas um em cada mil e cem.
Indubitavelmente, se tivéssemos estatísticas de outros povos atrasados e esta­
cionários, um estado de coisa semelhante seria encontrado, o que nos leva a
concluir que entre os selvagens e semi-selvagens existem, comparativamente,
bem poucos casos de insanidade.

Concluindo, os resultados a que se chega neste capítulo podem ser resu­


midos da seguinte maneira:
1. A estabilidade de uma faculdade no indivíduo depende da idade dessa
faculdade na raça. Quanto mais antiga for a faculdade, mais estável será;
quanto mais recente, menos estável.

2. A raça cuja evolução for a mais rápida será a mais sujeita a colapso.

3. Em qualquer raça, as funções cuja evolução for a mais rápida serão as


mais sujeitas a colapso.

4. Nas famílias mais progressivas da raça ariana, as faculdades mentais


têm se desenvolvido com grande rapidez por alguns milênios passados.

5. Nessa raça, o grande número de colapsos mentais, comumente


chamados de insanidade, deve-se à rápida e recente evolução das faculdades
presentes na raça.
DA AUTOCONSCIÊNCIA
À CONSCIÊNCIA CÓSMICA

Assim como as faculdades discutidas na parte precedente deste livro e


muitas outras passaram a existir na espécie, cada qual em sua época - quando
a espécie estava pronta para ela - temos de admitir que o crescimento, a
evolução, o desenvolvimento, ou como quer que prefiramos designar isto,
sempre (como foi exemplificado) esteve prosseguindo, está prosseguindo
agora e (até onde podemos dizer) sempre estará prosseguindo. Se estivermos
certos em nossa assunção, novas faculdades irão de tempos em tempos surgir
na mente, assim como no passado novas faculdades surgiram. Admitido
isto, assumamos que aquilo que neste livro chamamos de Consciência
Cósmica seja uma dessas faculdades assim nascentes, werdende*. E agora
vejamos o que sabemos a respeito deste novo sentido, estado, desta nova
faculdade, ou como quer que isto possa ser designado. Primeiramente, pode-se
notar que o novo sentido não aparece ao acaso nessa ou naquela pessoa. É
necessário, para seu aparecimento, que uma personalidade humana elevada
exista e preencha os requisitos para sua manifestação. Especialmente nos
grandes casos há um desenvolvimento excepcional de algumas ou de todas
as faculdades humanas comuns. Cabe ressaltar, particularmente, uma vez
que esse caso é inequivocamente conhecido por nós, a singular perfeição das
faculdades intelectuais e morais e dos sentidos especiais de Walt Whitman
[103:57-71]. É provável que uma aproximação dessa excelência evolucionai
seja necessária em todos os casos. Então, certamente em alguns casos,
provavelmente em todos, a pessoa tem excepcional compleição - excepcio­
nal beleza de estrutura e postura, feições excepcionalmente bonitas, saú­
de excepcional, excepcional doçura de temperamento, excepcional magne­
tismo.
* werdende’, em formação.
A faculdade em si tem muitos nomes, mas estes não têm sido
compreendidos ou reconhecidos. Convém darmos aqui alguns deles, que
serão mais bem compreendidos à medida que prosseguirmos. Talvez o pró­
prio Gautama ou algum de seus primeiros discípulos a tenha chamado de
Nirvâna* devido à “extinção” de certas faculdades mentais inferiores (tais
como o senso do pecado, o medo da morte, o desejo de riqueza, etc.), a qual
incide diretamente sobre o nascimento da nova faculdade. Essa subjuga­
ção da velha personalidade ao ocorrer o nascimento da nova é, na verda­
de, quase equivalente à aniquilação do velho ego* e à criação de um novo
ego. A palavra Nirvâna é definida como “o estado a que deve aspirar o
santo budista, como a mais elevada meta e o maior bem”. Jesus chamava
esse novo estado de o Reino de Deus ou o Reino dos Céus, devido à paz e à
felicidade inerentes a ele e que são talvez seus aspectos mais caracte­
rísticos. Paulo denominava esse estado Cristo - ele fala de si próprio como
“um homem em Cristo” e de “aqueles que estão em Cristo”. Chamava-o
também de “o Espírito” e “o Espírito de Deus”. Depois que alcançou a
Consciência Cósmica, ficou sabendo que Jesus possuíra o sentido cósmico e
que ele próprio estava vivendo (por assim dizer) a vida de Jesus - que uma
outra individualidade, um outro ego, vivia nele. Chamou este segundo ego
de Cristo (o libertador, divinamente enviado), identificando-o não tanto
com o homem Jesus mas com o libertador que deveria ser enviado e que fora
enviado em sua pessoa, que era ao mesmo tempo Jesus (o homem
autoconsciente comum) e o Messias (o arauto e o exemplo da nova e mais
elevada raça ). A dupla personalidade dos homens possuidores de cons­
ciência cósmica aparecerá muitas vezes à medida que prosseguirmos e
veremos que é um fenômeno constante e conspícuo. Maomé chamou o sentido
cósmico de Gabriel e parece tê-lo encarado como uma pessoa distintamente
separada, que vivia nele e falava com ele. Dante o chamou de Beatrice (“Que
Faz Feliz” ou “Que Beatífica”), um nome quase ou perfeitamente equivalente
a “Reino dos Céus”. Balzac chamou o novo homem de “especialista” e o
novo estado de Especialismo. Whitman chamava a consciência cósmica de
Minha Alma, mas falava dela como de uma outra pessoa; por exemplo, nestes
versos:
N. T. - * Nirvana, em português.
** self, no original; em todos os casos aqui traduzido por ego, devido à
referência a personalidade e a individualidade.
O’ alma irreprimível, eu contigo e tu comigo...
Navegamos os dois, ó alma...
Com risos e muitos beijos...
O’ alma, tu me deleitas e eu a ti.**

Bacon, nos Sonetos, tratou o sentido cósmico tão enfaticamente como


uma pessoa separada, que o mundo por trezentos anos o interpretou
literalmente e concluiu que a “pessoa” em questão (qualquer que fosse seu
nome) era um jovem amigo do poeta!

Para ilustrar a objetivação deste fenômeno puramente subjetivo (embora


deva ser lembrado que, para a pessoa possuidora de consciência cósmica, os
termos objetivo e subjetivo perdem seu velho significado - de modo que
“objetos grosso modo” e “alma invisível” tomam-se “uma só coisa”), não
será impróprio citar uma passagem [173 : 5] de um poeta que, embora seja
um caso de consciência cósmica, não está incluído neste livro pelo fato de
que o autor não conseguiu obter os detalhes necessários.

Assim meditou um viajante no plano terrenal,


Em si mesmo de toda a humanidade um modelo sendo.
Pois pálidas aspirações apenas, a princípio o acometiam,
Vagamente em seus sonhos surdindo,
Até que, maduro, suas meditações mudaram
Para a inspiração e a luz da alma.
Então a visão veio e na luz ele viu
O que havia esperado, agora abertamente revelado;
E muito mais ainda - das coisas a mais profunda alma,
E beleza qual da própria vida a coroa,
Inefável, transcendente mortal forma;
Pois em luz trajado, não mais em fantasia,
Ante seu olhar o vero ideal se via,
Esplendidamente belo, inconcebível,
Em beleza e na mais divina simetria vestido.
Mas aflito não estava ele, qual aquele de Latmo, quando
Em onírico êxtase, sobre as colinas,
Sob a Lua, seu amor desvelado viu;
Pois bem sabia que de sua vida o coroamento
** A tradução de versos e poemas é livre, tentando-se aproximação suficiente do
original. Isto vale para todo o livro. Como é sabido, a melhor apreciação de
versos e poemas requer leitura direta do original.
Naquela visão estava e cumprido seria.
Não, cumprido fora, pois de então em diante a seu lado
Um radiante ser estava, sua luz-guia
E estrela polar, que qual imã seguro o mantinha
Na atração de imperecedouro amor!
Mas como descrever tal ser, doravante seu?
Que palavras podem dizer aquilo que palavras transcende, senão
Que ela era bela além de todo humano pensamento?
Pois quem poderia pintar aqueles traços e aquela forma
Tão primorosamente moldados que nenhuma arte
Poderia apreendê-los, ou de algum modo transmitir
O sorriso daqueles róseos lábios, ou captar
E passar a plena expressão daqueles olhos,
Tão maravilhosos, meio velados sob a linha
De macios e curvos cílios, que realçavam
Indescritivelmente o efeito que fluía
Das líquidas profundezas daquelas amplas órbitas,
Fontes de amor, tão cheios de lento fogo
E paixão e todavia tão temos e tão castos?
Todo movimento dela, também, tão perfeito,
A natureza parecia, exaltada por inconsciente arte,
E toda a sua copiosa candura;
Pois não aquela majestade que intimida -
Aquela superior e imperiosa consciência de valor
Que faz o humilde se encolher embaraçado - tinha ela,
Mas em seu lugar estava toda a cativante graça
E doçura que o imortal Amor adotar poderia,
Para seu santuário embelezar e dele fazer
Para si próprio adequada morada;
Pois curvando-se para a frente com aquele maravilhoso olhar,
Tão inexprimível, parecia ela dizer:
“Tu és meu, meu igual e meu esposo,
Meu complemento, sem o qual eu nada seria;
Então mais belo tu és em meus olhos que eu,
Pois minha vida só em ti se realiza”.
Acrescentou então, em harmoniosa voz, em alto tom:
“Por longo tempo no mistério da vida tens pensado,
Seus vastos, eternamente recorrentes ciclos
De repouso e renascimento e atividade,
E nele procurado a passagem da alma
Da luz para as trevas, das trevas de novo para a luz.
Vem então comigo e veremos em parte
Essa última em sua fase humana desvelada”.
Assim dizendo, com sua presença ela o dotou
De novos sentidos, faculdades e poderes,
Que muito ultrapassavam dos antigos os limites.

Já foi mencionado de passagem que numa espécie que está entrando na


posse de uma nova faculdade, especialmente se esta se encontra na linha da
ascensão direta dessa espécie, como é certamente o caso da consciência
cósmica, a nova faculdade será necessariamente adquirida a princípio, não
somente pelos seus melhores espécimes, mas também quando estes estiverem
no seu auge - isto é, na plena maturidade e antes que se inicie o declínio
próprio da idade avançada. Quais são então os fatos a este respeito, quanto
ao advento do sentido cósmico ?

Eles podem ser resumidos em poucas palavras como segue: de trinta e


quatro casos em que a iluminação foi instantânea e o período em que ocorreu
foi com algum grau de certeza conhecido, a idade com que a pessoa entrou
em consciência cósmica foi, em um caso, vinte e quatro anos; em três, trinta
anos; em dois, trinta e um anos; em dois, trinta e um anos e meio; em três,
trinta e dois anos; em um, trinta e três anos; em dois, trinta e quatro anos;
em oito, trinta e cinco anos; em dois, trinta e seis anos; em dois, trinta e sete
anos; em dois, trinta e oito anos; em três, trinta e nove anos; em um, quarenta
anos; em um, quarenta e nove anos e, em um, cinqüenta e quatro anos.

Conforme os casos forem sendo tratados individualmente, serão


apresentadas comprovações e a idade de cada pessoa no momento da
iluminação será apresentada numa tabela mais adiante, juntamente com outros
fatos.

IV

A Consciência Cósmica, então, aparece principalmente em pessoas do


sexo masculino, sob outros aspectos altamente desenvolvidas - homens de
bom nível intelectual, de altas qualidades morais, de compleição superior.
Aparece no período da vida em que o organismo se acha no auge de sua
eficiência, entre trinta e quarenta anos. O precursor imediato da Consciência
Cósmica - a Autoconsciência - deve também ter aparecido a princípio na
meia-idade, aqui e ali, em casos isolados, nos espécimes mais desenvolvidos,
tornando-se cada vez mais quase universal (à medida que a espécie foi
amadurecendo para ela), manifestando-se em idade cada vez mais baixa, até
que (como vemos) hoje se manifesta em todo indivíduo razoavelmente bem
constituído por volta dos três anos de idade.

Por analogia, então, somos levados a crer que o passo progressivo que é
o assunto deste livro também está reservado a toda a espécie - que virá um
momento em que não possuir a faculdade em questão será uma marca de
inferioridade paralela à ausência da natureza moral na atualidade. A conjetura
parece ser de que o novo sentido venha a ser cada vez mais comum e apareça
mais cedo na vida, até que, após muitas gerações, venha a aparecer em cada
indivíduo normal na puberdade ou mesmo antes; prossiga então tomando-se
ainda mais universal e aparecendo numa idade ainda mais baixa, até que,
depois de muitos milhares de gerações, manifeste-se imediatamente após a
infância em praticamente todo membro da espécie.

Devemos compreender claramente que todos os casos de Consciência


Cósmica não estão no mesmo plano. Ou, se falamos de Consciência Simples,
Autoconsciência e Consciência Cósmica, cada qual ocupando um plano,
então, assim como a escala da Autoconsciência em seu plano (onde um
homem pode ser um Aristóteles, um César, um Newton, ou um Comte, en­
quanto seu vizinho na próxima rua pode ser intelectual e moralmente pequeno,
pouco ou nada acima de um animal em seu estábulo) é bem maior do que a
escala da Consciência Simples em qualquer dada espécie em seu plano,
assim devemos supor que a escala da Consciência Cósmica (considerando-se
milhões de casos, como nos demais planos) é maior do que a da Autocons­
ciência e provavelmente é de fato muito maior, tanto em tipo como em grau;
com isto se quer dizer que, considerando-se um mundo povoado por pessoas
possuidoras de Consciência Cósmica, estas apresentariam uma variedade de
maior ou menor habilidade intelectual, de maior ou menor elevação moral e
espiritual e ainda de caráter, mais do que apresentariam os habitantes de um
planeta no plano da Autoconsciência. Dentro do plano da Consciência
Cósmica, um homem será um deus enquanto um outro, a uma observação
superficial, não estará situado muito acima da humanidade comum, por mais
que sua vida interior possa estar exaltada, fortalecida e purificada pelo novo
sentido. Mas, assim como o homem Autoconsciente (por mais degenerado
que seja) está quase infinitamente acima do animal dotado apenas de
consciência simples, assim qualquer homem permanentemente dotado de
Consciência Cósmica será quase infinitamente superior e mais nobre do que
qualquer homem que seja meramente Autoconsciente. E não somente isto,
mas o homem que vivenciou o Sentido Cósmico, mesmo que por alguns
momentos apenas, provavelmente nunca mais descerá ao nível espiritual do
homem meramente autoconsciente e, vinte, trinta ou quarenta anos depois,
ainda sentirá intimamente o efeito purificador, fortalecedor e nobilitante
daquela iluminação divina, de modo que muitas pessoas com quem se
relacione reconhecerão que sua estatura espiritual estará acima da média
dos homens.

VI

A hipótese adotada pelo autor deste livro requer que casos de consciência
cósmica se tornem mais numerosos de era em era e não somente isto, mas
que se tornem mais perfeitos e mais evidentes. Quais são os fatos a este
respeito? Deixando de lado casos menores, como os que devem ter aparecido
e devem ter sido esquecidos às centenas nos últimos milênios, dentre aqueles
que já mencionamos pelo menos treze são tão grandes que jam ais
desaparecerão da memória humana - a saber: Gautama, Jesus, Paulo, Plotino,
Maomé, Dante, Las Casas, Juan Yepes, Francis Bacon, Jacob Behmen,
William Blake, Balzac, Walt Whitman.

De Gautama a Dante contam-se mil e oitocentos anos, período em que


temos cinco casos. Desde Dante até hoje contamos seiscentos anos, em que
temos oito casos. Isto quer dizer que, enquanto no primeiro período houve
um caso cada trezentos e sessenta anos, no segundo tivemos um caso cada
setenta e cinco anos. Em outras palavras, a consciência cósmica foi 4,8 vezes
mais freqüente durante o segundo período do que durante o primeiro. E
antes da época de Gautama? Provavelmente não houve nenhum caso, ou
poucos e imperfeitamente desenvolvidos.

Sabemos que há atualmente muitos casos ditos secundários, mas o número


deles não pode ser comparado com o de casos semelhantes do passado, pois
estes se perderam. Deve também ser lembrado que os treze “grandes casos”
acima citados são talvez uma pequena fração dos casos igualmente grandes
que ocorreram desde a época de Gautama, pois é provável que apenas uma
pequena proporção dos “grandes casos” tenha assumido e realizado alguma
obra que lhe tenha assegurado recordação. Com que facilidade poderia até
mesmo a lembrança de Jesus ter sido obliterada da mente de seus con­
temporâneos e seguidores quase antes que se firmasse... Muitas pessoas
pensam hoje que, admitido tudo o mais, se ele não tivesse sido imediatamente
seguido de Paulo sua obra e seu nome teriam desaparecido quase com a
geração que o ouviu falar.

Isto é tão verdadeiro que um homem competente como Auguste Comte


considera São Paulo “le vrai fondateur du Catholicisme” [o verdadeiro
fundador do catolicismo] - que neste particular é sinônimo de cristianismo
[65:356] - a ele associa o oitavo mês do “Calendrier Positiviste” [Calendário
Positivista] [65: 332] e não concede sequer um dia a Jesus, tão pequeno teria
sido, para ele, o papel deste último na evolução da religião e da espécie.

Mesmo a obra e a memória daqueles que escrevem devem ter sido muitas
vezes esquecidas e devem ter morrido. Quanto a um dos maiores dentre estes
pode-se dizer que, se o grande incêndio* tivesse acontecido poucos anos
antes, talvez tivesse destruído todas as cópias do fólio de 1623 e assim para
sempre privado o mundo das peças de “Shakespeare”. A obra desses homens,
falada ou escrita, por natureza só pode ser apreciada por poucas e seletas
pessoas contemporâneas e é em quase todos os casos suscetível de ser
esquecida. Que isto é verdadeiro hoje como nos dias de Gautama, não pode
duvidar quem tenha seguido de perto a carreira de Walt Whitman. Mesmo
no caso dele, a palavra escrita teria sido quase certamente perdida se ele
tivesse falecido (como facilmente poderia ter ocorrido) de acidente ou doença
durante a guerra, embora naquela época três edições de Leaves já tivessem
sido impressas. Ele próprio não considerava sua mensagem salva de extinção
até quase o momento de seu falecimento, embora tivesse trabalhado
infatigavelmente por trinta e cinco anos para a semear.

Então, quanto à relativa grandeza de casos antigos e modernos, o


julgamento do mundo em geral deve ser necessariamente contra os últimos,
porque o tempo requerido para se chegar a uma apreciação dos mesmos não
transcorreu. E, afinal, de que valem a razão e o chamado senso comum
numa questão como esta?

Como diz Victor Hugo a propósito de Les Génies [Os Gênios]: “Choisir
entre ces hommes, preferer l’un a l’autre, indiquer du doigt le premier parmi

* N . T. - Trata-se do incêndio em Londres, em 1666.


ces premiers, cela ne se peut”* [96: 72-3], Qual a pessoa viva, em verdade,
que pode dizer, tendo seguramente já passado tempo suficiente, quem foi
maior, Gautama ou Jesus? E se não podemos decidir entre os dois, menos
ainda entre um deles e, por exemplo, Whitman.

Muitos crêem hoje que Walt Whitman foi a maior força espiritual já
produzida pela espécie - o que significaria que ele é o maior caso de
consciência cósmica até hoje. Mas o balanço de opiniões seria, naturalmente,
de milhares contra um, contrários a tal asserção.

VII

Embora sua verdadeira natureza (necessariamente) tenha passado


inteiramente despercebida, o fato da consciência cósmica tem sido há muito
tempo reconhecido, tanto no Oriente como no Ocidente e a grande maioria
de homens e mulheres civilizados em todos os países, hoje, curva-se ante
instrutores que possuíam o sentido cósmico e não somente por que possuíam
o sentido cósmico. E não apenas o mundo em geral considera esses homens
com reverência, mas talvez não fosse mais que a simples verdade dizer que
todos os instrutores não inspirados derivam as lições que transmitem direta
ou indiretamente daqueles poucos que foram iluminados.

VIII

Parece que em todo ou quase todo homem que entra em consciência


cósmica a apreensão é de início conturbada, de modo que a pessoa se pergunta
se o novo sentido não pode ser um sintoma ou um tipo de insanidade. Maomé
sentiu-se muito alarmado. Acho que é claro que Paulo e outros que serão
mencionados mais adiante foram afetados de maneira parecida.

A primeira coisa que cada pessoa pergunta a si própria ao vivenciar o


novo sentido é: o que vejo e o que sinto representam uma realidade, ou
estarei sofrendo um delírio? O fato de que a nova experiência parece até
mais real do que as velhas lições da consciência simples e da autoconsciência
a princípio não lhe dá plena confiança, porque ela provavelmente sabe que
as alucinações, quando se fazem presentes, dominam a mente com a mesma
firmeza com que o fazem os fatos reais.

* Fazer uma escolha entre esses homens, preferir um ao outro, apontar o primeiro
entre esses primeiros, isto é impossível.
Verdade ou não, cada pessoa que tem a experiência em questão acaba
crendo forçosamente em seus ensinamentos, aceitando-os tão absolutamente
como quaisquer outros ensinamentos. Isto, entretanto, não provaria que eles
fossem verdadeiros, pois o mesmo poderia ser dito das alucinações de um
demente.

Como então saberemos que esse é um novo sentido, um fato revelador e


não uma forma de insanidade, lançando a pessoa em alucinação? Em primeiro
lugar, as tendências do estado em questão são totalmente diferentes e mesmo
opostas às da alienação mental, sendo estas últimas distintamente amorais
ou mesmo imorais, ao passo que as primeiras são morais em grau muito
elevado. Em segundo lugar, enquanto em todas as formas de insanidade o
autocontrole - a inibição - é grandemente reduzido, às vezes mesmo elimi­
nado, na consciência cósmica é enormemente aumentado. A prova absoluta
desta última afirmação pode ser encontrada na vida dos homens aqui men­
cionados como exemplos. Em terceiro lugar (não importando o que os zom­
badores da religião possam dizer), é certo que a civilização moderna (ampla­
mente falando) se apóia (como já foi dito) grandemente nos ensinamentos
do novo sentido. Os mestres aprendem com esse novo sentido e o resto do
mundo com eles através de seus livros, seguidores e discípulos, de modo
que, se o que aqui é chamado de consciência cósmica é uma forma de insa­
nidade, defrontamo-nos com o fato terrível (se não fosse um absurdo) de que
nossa civilização, inclusive todas as nossas mais elevadas religiões, assentam
em alucinação. Mas (em quarto lugar), longe de admitirmos ou mesmo por
um momento considerarmos tão medonha alternativa, pode ser sustentado
que temos a mesma prova da realidade objetiva que corresponde a essa
faculdade que da realidade que corresponde a qualquer outro sentido ou
faculdade. A visão, por exemplo: sabemos que a árvore que está ali, do outro
lado do campo, a meia milha de distância, é real e não uma alucinação,
porquanto todas as outras pessoas dotadas do sentido da visão com quem
tenhamos falado também a terão visto, ao passo que, se ela fosse uma
alucinação, seria visível apenas para nós mesmos. Pelo mesmo método de
raciocinar confirmamos a realidade do universo objetivo correspondente à
consciência cósmica. Cada pessoa que tem essa faculdade é por ela cons­
cientizada, essencialmente, do mesmo fato ou dos mesmos fatos. Se três
homens olhassem para a árvore e meia hora depois lhes fosse pedido que a
desenhassem ou descrevessem, os três desenhos ou descrições não iriam
coincidir em detalhes mas corresponderiam no esboço geral. Do mesmo modo
os relatos daqueles que vivenciaram a consciência cósmica correspondem-se
em todos os pontos essenciais, embora sejam mais ou menos divergentes em
detalhes (mas essas divergências estão cabalmente tanto em nossa má inter­
pretação dos relatos quanto nos próprios relatos). Assim, não há nenhum
exemplo de que uma pessoa que tenha sido iluminada tenha negado ou
contrariado os ensinamentos de uma outra que tenha passado pela mesma
experiência. Paulo, por menos que estivesse predisposto por suas idéias
anteriores a aceitar os ensinamentos de Jesus, tão logo alcançou o sentido
cósmico percebeu que aqueles ensinamentos eram verdadeiros. Maomé acei­
tou Jesus, não somente como o maior dos profetas, mas como alguém situado
num plano distintamente acima daquele em que se encontravam Adão, Noé,
Moisés e os demais. Diz ele: “E enviamos Noé e Abraão e na semente deles
colocamos profecia e o livro; e alguns deles são guiados, embora muitos
sejam artífices de abominações! Seguimos então seus passos com nossos
apóstolos; e os seguimos com Jesus, o filho de Maria; e a ele demos o evan­
gelho; e colocamos bondade e compaixão no coração daqueles que o seguiram
” [153: 269], EPalmer testifica: “Maomé vê o nosso Senhor com veneração
especial e chega ao ponto de chamá-lo o “Espírito”, o “Verbo” de Deus, o
“Messias”[152: 51], Walt Whitman aceita os ensinamentos de Buda, Jesus,
Paulo, Maomé; especialmente os de Jesus, de quem mais sabia. Como diz
ele: “Aceitando os evangelhos, aceitando aquele que foi crucificado, sabendo
com certeza que ele é divino” [193: 69], E se, como Whitman certa vez
desejou, “os grandes mestres voltassem e me estudassem” [193: 20], nada é
mais certo do que todos eles (e cada um) me aceitarem como “um irmão do
radiante ápice”. Assim, todos os homens que o autor sabe que foram ilumi­
nados (em maior ou menor grau) concordam entre si em todos os pontos
essenciais, bem como com os mestres do passado que também o foram. Parece
também que todos os homens livres de preconceito que sabem alguma coisa
de mais de uma religião reconhecem, como é o caso de Sir Edwin Amold,
que as grandes crenças são “irmãs”, ou, como diz Arthur Lillie, que “Buda e
Cristo ensinaram praticamente a mesma doutrina” [110: 8],

IX

Como já foi dito ou sugerido, para que um homem possa entrar em


Consciência Cósmica terá de pertencer (por assim dizer) ao nível mais alto
do mundo da Autoconsciência. Não que ele precise ter um intelecto extraor­
dinário (essa faculdade é usualmente estimada muito acima de seu real valor
e não parece ser assim tão importante, deste ponto de vista, quanto outras),
embora tampouco possa ser deficiente neste particular. Deve ter boa com­
pleição, boa saúde, mas acima de tudo natureza moral elevada, forte solida­
riedade, coração cálido, coragem, forte e fervoroso sentimento religioso. Tudo
isto alcançado e tendo o homem chegado à idade necessária para levá-lo ao
ápice do nível mental autoconsciente, um dia ele entra em Consciência
Cósmica. Qual é então sua experiência? Os detalhes têm de ser dados com
desconfiança, pois são conhecidos deste autor apenas em poucos casos e,
sem dúvida, os fenômenos são variados e diversos. O que é dito aqui,
entretanto, merece confiança até onde alcança. É verdadeiro em certos casos
e certamente chega perto da plena verdade em certos outros casos, de modo
que pode ser considerado provisoriamente correto.

a. De repente, sem qualquer aviso, a pessoa tem a sensação de ser imersa


numa chama ou numa nuvem cor-de-rosa, ou talvez uma sensação de que
a mente mesma seja inundada dessa nuvem ou névoa.

b. No mesmo instante ela é por assim dizer banhada numa emoção de júbilo,
convicção, triunfo, “salvação”. A última palavra não é rigorosamente corre­
ta se tomada em seu sentido comum, pois o sentimento, quando plenamente
desenvolvido, não é de que um ato particular de salvação seja efetuado,
mas de que nenhuma “salvação” especial é necessária, já que o esquema
sobre o qual o mundo está construído é por si só suficiente. É desse êxtase,
muito superior a qualquer outro que pertença à vida meramente autocons­
ciente, que os poetas, como tais, ocupam-se especialmente; como Gautama
em seus discursos, preservados nos Suttas; Jesus, nas Parábolas; Paulo,
nas Epístolas; Dante, no final do Purgatorio e no começo do Paradiso;
“Shakespeare”, nos Sonetos; Balzac, em Seraphita; Whitman, em Leaves;
Edward Carpenter, em Rumo à Democracia, deixando aos cantores os
prazeres e as penas, os amores e os ódios, as alegrias e as tristezas, a paz
e a guerra, a vida e a morte do homem autoconsciente; embora os poetas
possam tratar também destas coisas, mas do novo ponto de vista, conforme
está expresso em Leaves: “Jamais voltarei a mencionar o amor ou a morte
dentro de uma casa” [193: 75] - isto é, do velho ponto de vista, com as
velhas conotações.

c. Simultaneamente, ou seguindo-se instantaneamente às experiências sen-


soriais e emocionais acima referidas, vem à pessoa uma iluminação inte­
lectual totalmente impossível de ser descrita. Como um lampejo, é apresen­
tada à sua consciência uma concepção clara (uma visão), em esboço, do
significado e do curso do universo. Ela não é levada a meramente crer,
mas percebe e sabe que o Cosmo, que para a mente autoconsciente parece
feito de matéria morta, é na realidade muito diferente - é em verdade uma
presença viva. Percebe que, ao invés de os homens serem, por assim dizer,
manchas de vida dispersas num infinito mar de substância não-víva, são
na realidade partículas de relativa morte num infinito oceano de vida.
Percebe que a vida que se manifesta no ser humano é eterna, assim como
toda vida é eterna; que a alma do ser humano é tão imortal como Deus o
é; que o universo está construído e ordenado de tal modo que, sem possibi­
lidade de erro, todas as coisas trabalham juntas para o bem de cada uma e
de todas; que o princípio fundamental do mundo é o que chamamos de
amor e que a felicidade de todo e qualquer indivíduo é, afinal de contas,
absolutamente certa. A pessoa que passe por essa experiência aprenderá
nos poucos minutos, ou mesmo instantes de sua duração, mais do que em
meses ou anos de estudo e aprenderá muita coisa que estudo nenhum já
ensinou ou pode ensinar. Em especial obterá tal concepção DO TODO,
ou pelo menos de um imenso TODO, que reduzirá a quase nada toda
concepção, imaginação ou especulação que brote da mente autoconsciente
comum e a ela pertença; uma concepção tal que fará com que as velhas
tentativas de compreender intelectualmente o universo e seu significado
se tomem insignificantes e mesmo ridículas.

Esse despertar do intelecto foi bem descrito por um escritor, a respeito de


Jacob Behmen, nestas palavras: “Os mistérios sobre os quais discorria
não lhe eram relatados; ele os VIA. Discerniu a raiz de todos os mistérios,
o UNGRUND ou URGRUND de que brotam todos os contrastes e princí­
pios discordantes, a dureza e a maciez, a severidade e a brandura, o doce
e o amargo, o amor e o pesar, o céu e o inferno. Todas estas coisas VIU em
sua origem; tentou descrevê-las em sua nascente e reconciliá-las em seus
eternos resultados. Viu no íntimo do ser de Deus, de onde procede o
nascimento ou a emanação da divina manifestação. A Natureza desvelou-
se a ele - ele estava à vontade no coração das coisas. Seu próprio livro,
que ele mesmo era (tal como Whitman: Isto não é um livro; quem o toca,
toca um homem.) [193: 382], o microcosmo do homem, com sua vida
trina, era patente à sua visão” [79: 852],

d. Juntamente com a elevação moral e a iluminação intelectual vem o que


pode ser chamado, por falta de melhor termo, um senso de imortalidade.
Não se trata de uma convicção intelectual, como a que vem com a solução
de um problema, nem de uma experiência como a de aprender algo antes
desconhecido. É bem mais simples e elementar e poderia ser comparado
melhor à certeza da individualidade distinta, possuída por cada um, que
vem com a autoconsciência e a esta pertence.
e. Com a iluminação, o medo da morte, que persegue tantos homens e
mulheres, às vezes por toda a sua vida, cai como um manto velho - mas
não como um resultado de raciocínio - simplesmente se desvanece.

f. Podemos dizer o mesmo da consciência do pecado. Não que a pessoa


escape do pecado, mas que ela não mais percebe que haja qualquer pecado
de que deva escapar.

g. A instantaneidade da iluminação é uma de suas mais notáveis caracterís­


ticas. A nada pode ser tão bem comparada como a um deslumbrante clarão
de relâmpago numa noite escura, trazendo o panorama que estivera
escondido a uma clara visão.

h. O caráter anterior do homem que entra na nova vida é um importante


elemento no caso.

i. Também é importante a idade em que a iluminação ocorre. Se ouvirmos


falar em um caso de consciência cósmica que tenha ocorrido aos vinte
anos, por exemplo, deveremos primeiro duvidar da veracidade do relato
e, se forçados a crer, deveremos esperar que o homem (caso viva) prove
que seja um verdadeiro gigante espiritual.

j. O encanto acrescentado à personalidade da pessoa que alcança a cons­


ciência cósmica é sempre - acredita-se - uma característica deste caso.

k. Parece ao autor deste livro haver suficiente evidência de que, com a cons­
ciência cósmica, - enquanto ela está efetivamente presente e perdurando
(gradualmente passando) por breve tempo - ocorre uma mudança na apa­
rência da pessoa que recebe a iluminação. Essa mudança é semelhante à
que é causada na aparência de alguém por uma grande alegria, mas às
vezes (isto é, nos casos pronunciados) parece ser muito mais acentuada
do que isto. Nesses grandes casos em que a iluminação é intensa, a mudança
em questão é também intensa e pode chegar a ser uma verdadeira “transfi­
guração”. Dante diz que foi “transhumanizado num Deus”. Parece haver
uma grande probabilidade de que, pudesse ele ter sido visto naquele
momento, teria apresentado o que só poderia ser chamado de “transfi­
guração”. Em capítulos subseqüentes deste livro serão apresentados vários
casos em que ocorreu a mudança em questão, mais ou menos fortemente
marcada.
X

A passagem da autoconsciência para a consciência cósmica, considerada


do ponto de vista do intelecto, parece ser um fenômeno rigorosamente paralelo
ao da passagem da consciência simples para a autoconsciência.

Assim como na última, também na primeira há dois elementos principais:

a. Nova consciência.

b. Nova faculdade.

a. Quando um organismo que só tem consciência simples alcança a autocons­


ciência, apercebe-se pela primeira vez de que é uma criatura separada, ou
um ego existindo num mundo que está à parte dele. Isto é, o advento da
nova faculdade o instrui, sem qualquer nova experiência ou processo de
aprendizagem.

b. Ao mesmo tempo ele adquire poderes enormemente aumentados para


acumular conhecimento e para iniciar ações.

Assim, quando uma pessoa que era apenas autoconsciente entra em


consciência cósmica:

a. Sabe sem aprender (graças ao mero fato da iluminação) certas coisas,


como por exemplo: (1) que o universo não é uma máquina morta e sim
uma presença viva; (2) que, em sua essência e tendência, ele é infinitamente
bom; (3) que a existência individual é contínua para além do que chamamos
de morte. Ao mesmo tempo:

b. Adquire uma capacidade extraordinariamente maior, tanto para o aprendi­


zado quanto para a iniciativa.

XI

O paralelo é também válido do ponto de vista da natureza moral. Pois o


animal, que tem meramente consciência simples, não tem possibilidade de
saber coisa alguma do pino deleite de simplesmente viver que sente (pelo
menos parte do tempo) todo homem ou toda mulher, jovem ou de meia-
idade, de boa constituição e que goze de boa saúde. “Não tem possibilidade
de”, pois este sentimento depende da autoconsciência e sem esta não pode
existir. O cavalo ou o cachorro desfrutam a vida enquanto têm uma sensação
agradável ou quando estimulados por uma atividade agradável (na realidade
a mesma coisa), mas não podem ter consciência da tranqüilidade diária no
gozo da vida que independe dos sentidos e das coisas externas e que pertence
à natureza moral (que é na realidade o fato básico do lado positivo desta),
começando, como pode em verdade ser dito, da fonte central da vida do
organismo (o senso de bien-être - de “bem-estar”), que pertence ao ser huma­
no como tal e é na verdade uma de suas heranças mais valiosas. Isto constitui
uma planície (ou um platô) na região da natureza moral, à qual a criatura
sensível ascende quando passa ou enquanto passa da consciência simples
para a autoconsciência.

Correspondendo a essa ascensão moral e a esses passos, acima referidos,


que são dados pelo intelecto da consciência simples para a autoconsciência e
desta para a consciência cósmica, há a ascensão moral que pertence à passa­
gem da autoconsciência para a consciência cósmica. Isto só pode ser com­
preendido - e portanto descrito - por aqueles que passaram pela experiência.
Que dizem eles a este respeito? Bem, leiamos o que Gautama e os illuminati
dos budistas nos dizem sobre o Nirvâna, ou seja, que se trata da “mais alta
felicidade” [156: 9], Diz o autor desconhecido mas inquestionavelmente
iluminado, no Mahabbharata: “O devoto cuja felicidade está dentro de si
mesmo e cuja luz [de conhecimento] também está dentro de si, tomando-se
uno com Brahma, obtém a Beatitude Bramânica” [154: 66]. Consideremos
os dizeres de Jesus quanto ao valor do Reino dos Céus, para cuja aquisição
um homem vende tudo que tem; lembremo-nos do valor que Paulo atribui a
Cristo e de como ele foi elevado ao terceiro céu; reflitamos sobre a “transhuma-
nização” de Dante, de homem “num Deus”, e sobre o nome que ele dá ao
sentido cósmico: Beatrice - “Que Toma Feliz” ou “Que Beatífica”. Eis aqui,
também, sua clara afirmação da alegria que pertence a esse estado: “O que
eu estava vendo pareceu-me um sorriso do universo, pois meu enlevo entrava
pela audição e pela visão. Ó alegria! Ó inefável contentamento! Ó vida repleta
de amor e de paz! Ó riqueza segura, sem ansiedade!” [72: 173], Vejamos
agora o que Behmen diz sobre o mesmo assunto: “A linguagem terrena é
inteiramente insuficiente para descrever o que há de alegria, felicidade e
beleza nas íntimas maravilhas de Deus. Ainda que a Virgem etema os mostre
à nossa mente, a constituição do ser humano é fria e escura demais para ser
capaz de expressar mesmo uma centelha disso em sua linguagem” [97: 85],
Consideremos a exclamação, freqüentemente repetida, de Elukhanam: “San-
dosiam, Sandosiam Eppotham” - “Alegria, sempre alegria”. E ainda Edward
Carpenter: “Toda a tristeza acabada”, “o profundo, profundo oceano de alegria
interior ”, “estar pleno de alegria”, “cantando alegria infindável”. Acima de
tudo, tenhamos em mente o testemunho de Walt Whitman - testemunho que
não varia, embora dado em linguagem que sempre varia e em quase todas as
páginas de Leaves, cobrindo quarenta anos de vida: “Estou satisfeito - vejo,
danço, rio, canto”. “Vagueando, maravilhado de minha própria leveza e de
meu regozijo”. “Ó, a alegria de meu espírito - está livre - dispara qual
relâmpago”. “Este canto flutuar faço com alegria, com alegria por ti, ó morte”.
E a previsão do futuro tirada do seu próprio coração - do futuro “em que
através desses estados caminhem cem milhões de esplêndidas pessoas”- isto
é, pessoas possuidoras do sentido cósmico. E finalmente: “O oceano cheio
de alegria - a atmosfera, toda alegria! Alegria, alegria, em liberdade, adora­
ção, amor! Alegria no êxtase da vida: Bastante é, meramente ser! Bastante
é, respirar! Alegria, alegria! Alegria em toda parte!” [193: 358]

xn
“Bem”, dirá alguém, “se essas pessoas vêem, sabem e sentem tanto, por
que não vêm até nós e o expressam em linguagem clara, dando ao mundo o
benefício disso?” Eis o que a “fala” disse a Whitman: “Walt, você tem um
grande conteúdo; por que não deixá-lo vir à luz?” [193: 50], Mas ele nos
diz:

“Quando o melhor tento dizer, vejo que não o consigo,


Minha língua ineficiente se toma em seus movimentos,
Meu fôlego a seus órgãos não obedece,
Emudecido me tomo.” [ 193: 179]

Assim Paulo, quando foi “arrebatado para o paraíso”, ouviu “palavras


impronunciáveis”. E Dante não foi capaz de contar as coisas que viu no céu.
“Minha visão”, diz ele, “foi maior do que nossa fala, que sucumbe a tal
visão” [72: 212], E assim com todos os demais. A verdade disso tudo não é
difícil de entender; trata-se de que a fala (como acima plenamente explicado)
é o equivalente do intelecto autoconsciente; pode expressar a ele e nada além
dele; não equivale ao Sentido Cósmico e não pode expressá-lo - ou, se em
absoluto pode fazê-lo, é somente ao ponto em que isto possa ser traduzido
em termos do intelecto autoconsciente.
Será conveniente relacionar aqui (parcialmente em recapitulação), para
o benefício do leitor das duas próximas partes, de maneira breve e explícita,
os sinais do Sentido Cósmico. São eles:

a. A luz subjetiva.
b. A elevação moral.
c. A iluminação intelectual.
d. O senso de imortalidade.
e. A perda do medo da morte.
f. A perda do senso de pecado.
g. A subitaneidade e instantaneidade do despertar.
h. O caráter anterior do homem - intelectual, moral e físico.
i. A idade da iluminação.
j. O encanto acrescentado à personalidade, de modo que homens e mulheres
são sempre (?) fortemente atraídos para a pessoa,
k. A transfiguração do indivíduo que é objeto da mudança, tal como vista
por outrem quando o sentido cósmico está efetivamente presente.

XIV

Não se deve supor que um homem, somente porque tenha consciência


cósmica, seja onisciente ou infalível. Os maiores dentre esses homens estão
de certo modo na situação - embora num plano mais elevado - de crianças
que vêm de se tomar autoconscientes. Eles vêm de alcançar uma nova fase
de consciência - ainda não tiveram tempo e oportunidade de estudá-la ou
dominá-la. É verdade que alcançaram um nível mental mais alto; mas nesse
nível pode haver e certamente haverá relativa sabedoria e relativa insensatez,
assim como no nível de consciência simples ou de autoconsciência. Do mesmo
modo que um homem com autoconsciência pode decair na moral e na
inteligência abaixo de um animal superior dotado somente de consciência
simples, assim também podemos supor que um homem possuidor de
consciência cósmica possa (em certas circunstâncias) estar pouco mais acima
- se em absoluto estiver - do que um outro que passe a vida no plano de
autoconsciência. Deve ser ainda mais evidente que, por mais divina que a
faculdade possa ser, aqueles que primeiramente a adquirem, vivendo em
diferentes épocas e países, passando os anos de sua vida autoconsciente em
ambientes diferentes, tendo sido educados para encarar a vida e os interesses
da vida de pontos de vista totalmente diversos, têm necessariamente de
interpretar de maneira um tanto diferente as coisas que vêem no novo mundo
em que vêm de entrar. O admirável é que todos eles vejam tão claramente o
novo mundo pelo que ele é. O ponto principal é que esses homens e essa
nova consciência não devem ser condenados, porquanto nem eles nem a
nova consciência são absolutos. Isto não seria possível. Pois mesmo que o
ser humano (elevando-se de plano a plano) alcançasse uma posição intelectual
e moral tão acima da posição de nossos melhores homens atuais como aqueles
homens estão acima de um simples molusco, estaria tão longe da infalibilidade
e da virtude absoluta ou do conhecimento absoluto como está na atualidade.
Teria a mesma aspiração que tem hoje de conquistar uma posição mental
mais elevada e haveria tanto espaço para crescimento e melhoria acima de
sua cabeça quanto sempre houve.

XV

A título de sumário e antecipação introdutória dos casos que serão


apresentados a seguir, mostraremos um quadro dos que são considerados
como provavelmente genuínos. Algumas palavras sobre isto podem ser de
interesse. Numa rápida leitura geral, a primeira coisa que vai chamar a atenção
do leitor é a imensa preponderância de homens sobre mulheres dentre aqueles
que tenham alcançado a nova faculdade. A segunda é o fato, à primeira vista
curioso (de que se falará mais adiante), de que em quase todos os casos em
que é conhecida a época do ano a iluminação ocorreu entre o começo da
primavera e o fim do verão, tendo a metade de todos os casos ocorrido em
maio e junho ou por volta destes meses. A terceira (e este fato é interessante
do ponto de vista fisiológico) é que parece haver uma correspondência geral
entre a idade na iluminação e a duração da vida do indivíduo. Assim, a
idade média na iluminação de Sócrates, Maomé, Las Casas e J. B. foi de 39
anos e a idade média no falecimento foi de 74 anos e meio (embora um deles
tenha sido executado enquanto era ainda vigoroso e forte). Nos casos de
Bacon, Pascal, Blake e Gardiner, a idade média na iluminação foi de 31
anos e no falecimento de apenas 55 anos e um quarto, sendo assim (em
média) 8 anos a menos na iluminação e 9 anos e um quarto a menos no
falecimento. Já Gautama, Paulo, Dante, Behmen, Yepes e Whitman, que
entraram em consciência cósmica na idade média de 34 a 36, tiveram uma
duração média de vida de 62 anos, sendo que um deles, Paulo, foi executado
aos 67. Poderíamos esperar esta correspondência, pois, como a iluminação
acontece na plena maturidade, isto naturalmente corresponderia (de modo
geral) ao limite de vida da pessoa.
Data de Idade na Época do ano na Idade na
N°. Nome Sexo
Nasc. Iluminação Iluminação Morte
1 Moisés 1650? M Idoso
2 Gideão 1350? M
3 Isaías 770? M
4 Li R 604? M Idoso
5 Gautama 560? 35 M 80
6 Sócrates 469? 39? M Verão 71?
7 Jesus 4 35 M Janeiro? 38?
8 Paulo 0 35 ‘ M 67?
9 Plotino 204 M 66?
10 Maomé 570 39 M Maio? 62
11 Roger Bacon 1214 M 80?
12 Dante 1265 35 M Primavera 56
13 Las Casas 1474 40 M Junho 92
14 Juan Yepes 1542 36 M Começo do Verão 49
15 Francis Bacon 1561 30? M 66
16 Behmen 1575 35 M 49
17 Pascal 1623 311/2 M Novembro 39
18 Spinoza 1632 M 45
19 Mde. Guyon 1648 33 F Julho 69
20 Swedenborg 1688 54 M 84
21 Gardiner 1688 32 M Julho 58
22 Blake 1759 31 M 68
23 Balzac 1799 32 M 51
24 J. B. B. 1817 38 M
25 Whitman 1819 34 M Junho 73
26 J. B. 1821 38 M 73
27 C. P. 1822 37 M
28 H. B. 1823 M
29 R. R. 1830 30 M Começo do Verão 69
30 E. T. 1830 30 M
31 R. P. 1835 M
32 J. H. J. 1837 34 M Fim da Primavera
33 R. M. B. 1837 35 M Primavera
34 T. S. R. 1840 32 M
35 W. H. W. 1842 35 M
36 Carpenter 1844 36 M Primavera
37 C. M. C. 1844 49 F Setembro
38 M. C. L. 1853 37 M Fevereiro
39 J. W. W. 1853 31 M Janeiro
40 J. William Lloyd 1857 39 M Janeiro
41 P. T. 1860 35 M Maio
42 C. Y. E. 1864 31 1/2 F Setembro
43 A. J. S. 1871 24 F
CASOS DE CONSCIÊNCIA CÓSMICA

Capítulo 1

GAUTAMA, O BUDA

Naturalmente, não há intenção de escrever aqui as biografias dos homens


considerados neste livro como casos de Consciência Cósmica, nem tampouco,
é claro, pode ser feita a mais leve alusão a seus ensinamentos. Os fatos
tirados de suas vidas e as passagens tomadas de suas palavras têm apenas a
intenção de demonstrar e ilustrar o fato de que esses homens eram iluminados
no sentido em que esta palavra é usada neste livro.

Siddhartha Gautama nasceu de pais abastados (seu pai tendo sido mais
um grande proprietário de terras do que um rei, como se diz que tenha sido),
entre 562 e 552 a.C. Parece suficientemente certo que ele foi um caso de
Consciência Cósmica, embora, dado o caráter remoto de suá época, detalhes
de prova possam até certo ponto faltar. Casou-se muito jovem. Dez anos
após nasceu seu único filho, Rahula. Pouco depois do nascimento de Rahula,
Gautama, então com a idade de vinte e nove anos, repentinamente abandonou
seu lar para se devotar inteiramente ao estudo de religião e filosofia. Ele
parece ter sido um homem de mentalidade muito séria, que, sentindo
profundamente as aflições da espécie humana, desejou acima de tudo fazer
algo para eliminá-las ou pelo menos diminuí-las. A maneira ortodoxa de
alcançar a santidade, na época e na terra de Gautama, era pelo jejum e pela
penitência, de modo que por seis anos ele praticou extrema automortificação.
Ganhou fama extraordinária, pela qual não se interessava nem um pouco,
mas não conquistou a paz mental nem o segredo da felicidade humana por
que tanto se esforçara. Vendo que aquele caminho era vão e a nada levava,
abandonou o ascetismo e logo depois, na idade de trinta e cinco, alcançou a
iluminação sob a famosa árvore Bo.
n
Para nosso presente propósito, é importante fixarmos a idade do advento
do Sentido Cósmico - neste como em outros casos - tão precisamente quanto
possível. Uma autoridade muito recente e provavelmente boa [60] estabelece-a
como trinta e seis anos. Emest De Bunsen, em sua obra The Angel Messiah
[O Messias Anjo], diz que Buda, como Cristo, “começou a pregar aos trinta
anos. Com certeza deve ter pregado em Vaisali, pois lá cinco rapazes toma­
ram-se seus discípulos e o exortaram a que continuasse com seus ensina­
mentos. Ele estava com vinte e nove anos quando deixou aquele lugar;
portanto, pode muito bem ter pregado aos trinta. Ele não girou a roda da lei
(não se tomou iluminado) senão após uma meditação de seis anos sob a
árvore do conhecimento” [109: 44],

III

Agora, vejamos quais tenham sido os resultados de sua iluminação. Que


disse ele a respeito dela? E que mudança efetuou ela no homem? O Dhamma-
Kakka-Ppavattana-Sutta [159] é aceito por todos os budistas como um
sumário das palavras com que o grande pensador e reformador indiano
promulgou pela primeira vez suas novas idéias com sucesso [ 160: 140]. Nele
Gautama declara repetidamente que as “nobres verdades” ali ensinadas “não
se achavam entre as doutrinas transmitidas”, mas que “nascera em seu interior
o olho para percebê-las, o conhecimento de sua natureza, a compreensão de
sua causa, a sabedoria que ilumina a verdadeira senda, a luz que dissipa as
trevas”. Ele não poderia ter declarado mais positivamente que não havia
derivado sua autoridade para ensinar meramente com base na mente
autoconsciente e sim na mente cosmicamente consciente - ou seja, na
iluminação ou inspiração. Comparemos com isto o que diz Behmen de si
próprio quanto à mesma situação: “Não estou colhendo meu conhecimento
de cartas ou livros mas o tenho dentro do meu próprio ser, porquanto o céu e
a terra com todos seus habitantes e, além disso, o próprio Deus, estão dentro
do ser humano” [97: 39],

IV

No Maha Vagga [162: 208] está dito que “durante a primeira vigília da
noite seguinte à vitória de Gautama sobre o maléfico (a noite seguinte àquela
em que alcançou a Consciência Cósmica), ele fixou sua mente na cadeia de
causação', durante a segunda vigília, fez o mesmo e, durante a terceira,
também fez o mesmo”. Esta tradição existe entre os budistas do Norte e do
Sul e vem desde o tempo anterior à separação destas igrejas; portanto, é
provavelmente genuína e provém do próprio Gautama. Mas expressa em
linguagem clara e concisa um dos fenômenos mais fundamentais relativos
ao advento do Sentido Cósmico; muito provavelmente, “a revelação de
extraordinária grandeza” de que fala Paulo; a visão das “rodas eternas”, de
Dante; “o conhecimento que ultrapassa todos os argumentos da terra”, de
Whitman; a “iluminação interior pela qual podemos finalmente ver todas as
coisas como elas são, contemplando toda a criação - os animais, os anjos, as
plantas, as imagens de nossos amigos e todos os níveis e raças da espécie
humana - em sua verdadeira constituição e ordem”, de Edwárd Carpenter.
V
No Akankheyya-Sutta [161:210-18] são apresentadas as características
espirituais daqueles que têm o Sentido Cósmico. Ninguém que não o tivesse
poderia ter escrito a descrição que indubitavelmente procede, como se
pretende, diretamente de Gautama. Nem poderia qualquer possuidor posterior
dessa faculdade expressar mais claramente, no mesmo número de palavras,
os sinais característicos que a ela pertencem. Por exemplo, ali é dito que a
conquista do estado de Arahat (visão interior, sobrenatural - Nirvâna -
iluminação - Consciência Cósmica) “fará um homem se transformar” :
Palavras d e Gautama Passagens paralelas

A m ado, popular, respeitado entre (*1) “Estavam os homens desejosos de matá-


seus companheiros, vitorioso sobre o des­ los ou com ciúme de vocês, meu irmão,
contentamento (*1) e a luxúria; sobre o minha irmã? Sinto muito por vocês, pois eles
não desejam me matar nem têm ciúme de mim;
perigo espiritual e o desânimo; a ele será
todos têm sido gentis comigo; nada tenho a
outorgado o êxtase da contemplação (*2); lamentar - que poderia fazer com lamentações?”
será ele capaz de atingir com seu corpo [193: 71] “O sagrado sopro mata a luxúria, a
os estágios de libertação que são incorpó­ paixão e o ódio”. [M.C.L. infra]
reos e transcendem os fenômenos e neles
(*2) “No entanto, ó minha alma suprema!!
perm anecer (*3); fará com que se tom e
Conheces tu as alegrias do pensamento
um herdeiro dos mais altos céus (*4); fará melancólico? As alegrias do coração livre e
com que, sendo um , ele se torne múltiplo solitário, temo e tristonho?” [193: 147]
e, sendo múltiplo, tome-se um (*5); será
(*3) “Folhas de tumbas, folhas de corpos, cres­
ele dotado de ouvido claro e celeste que
cendo sobre mim, sobre a morte” [193:96],
ultrapassará o dos homens; será capaci­
tado a compreender pelo seu próprio co­ (*4) “Herdeiros de Deus e herdeiros-adjuntos
ração o de outros seres e de outros ho­ com Cristo” [19: 8-17],
mens, a compreender todas as mentes - (*5) “O outro eu-sou” [193: 32], “Tu me
a apaixonada, a calma, a sábia, a concen- ensinas como fazer de um dois” [176:39],
trada, a sublime, a vil, a firme, a irreso- (*6) Não é esta uma perfeita descrição de uma
luta, a livre e a escravizada (*6); a ele grande e importante parte do que o Sentido
dará o poder de se lembrar de seus vários Cósm ico fez, por exem plo, por D ante,
estados temporários em épocas passadas, “ Shakespeare”, Balzac, Whitman?
tais como um nascimento, dois nascimen­
tos, três, quatro, cinco, dez, vinte, trinta,
quarenta, cinqüenta, cem, mil, ou cem mil
nascim entos; de seus nascim entos em (*7) “Passo pela morte com o moribundo e pelo
muitas eras de renovação; em muitas eras nascimento com o bebê novo e lavado”.
de destruição e renovação; de se lembrar “Sem dúvida morri dez mil vezes antes” [193:
de seus estados tem porários em épocas 34-37],
passadas, em todos os seus modos e todos
os seus detalhes (*7); o poder de ver, com
pura e celestial visão (*8) que transcende­
rá a dos homens, seres passando de um
estado de existência para tomarem forma (*8) Compare-se Faces [193: 353], onde essa
em outros; seres abjetos ou nobres, de “visão celestial” pode ser vista em ação.
boa aparência ou desfavorecidos, felizes
ou infelizes; (*9) o poder de conhecer e
alcançar a emancipação do coração e a
emancipação da mente. (*9) O teste final e supremo.

VI

Algumas outras passagens alusivas ao sentido cósmico e que têm paralelos


mais ou menos próximos nos escritos dos illuminati mais modernos podem
ser apresentadas para maior ilustração, mas é quase desnecessário dizer que
quem quiser luz neste assunto deverá ler por si próprio - não apenas uma
vez, mas muitas e muitas vezes - as palavras que nos foram deixadas por
aqueles senhores do pensamento. Aqui está uma passagem de O Livro do
Grande Óbito. Gautama está ensinando a seus discípulos e diz o seguinte:

Desde que os irmãos não se dediquem a negócios, ou não se afeiçoem a eles, ou


a eles não estejam ligados - desde que os irmãos não tenham o hábito de conversas
frívolas, ou não se afeiçoem a elas, ou nelas não participem - desde que os irmãos
não se apeguem à preguiça, ou não se afeiçoem a ela, ou a ela não se entreguem -
desde que os irmãos não freqüentem a sociedade, ou não se afeiçoem a ela, ou nela
não se comprazam - desde que os irmãos não tenham desejos pecam inosos, nem
caiam sob sua influência - desde que os irmãos não se tom em amigos, companheiros
ou íntimos de pecadores - desde que os irmãos não se detenham no caminho (para
Nirvânà), porque tenham conseguido qualquer coisa m enor (tais com o riqueza e
poder) - então poderão os irmãos esperar não declinarem mas prosperarem [ 163: 7
et seq. ].
É desnecessário citar passagens paralelas de Jesus, pois são tão numerosas
e ocorrerão a todo mundo. Mas vale a pena observar que Paulo usa quase a
mesma maneira de falar ao se referir à mesma figura que está na mente do
escritor budista, quando diz (comparando Nirvana, o Sentido Cósmico e as
coisas pertencentes a ele, com o prêmio de uma corrida): “Uma coisa faço,
esquecendo as coisas que estão para trás (as coisas menores do texto budista)
e avançando para as coisas que estão à frente, arremeto-me em direção à
meta, para o prêmio” [24:3:13 ]. Compare-se também The Song o f the Open
Road (A Canção da Estrada Livre), em que o mesmo pensamento é trabalhado
de forma bastante elaborada [193: 120], Então, quanto à admoestação contra
“negócios” e as “coisas menores”, como riqueza, considerem-se as vidas de
Gautama, Jesus, Paulo, Whitman e E.C., que em maioria, ou eram ou pode­
riam facilmente ter ficado ricos, mas que viraram as costas para sua riqueza
(como Gautama ou E.C.) ou simplesmente não quiseram ser ricos (como
Jesus e Whitman). Como comentário sobre este fato, leiam-se as seguintes
palavras de Whitman:

Para além da segurança de uma pequena soma de dinheiro economizada para o


funeral, de algumas ripas de madeira em tomo de si e acima da cabeça num pedaço
de solo americano próprio, de alguns dólares para as despesas anuais com roupas e
refeições modestas, a melancólica prudência do desamparo de um grande ser como
um homem é para os altos e baixos de anos de luta para ganhar dinheiro, com todos
os dias causticantes e as geladas noites... é a grande fraude da civilização moderna
[191: 10],

vn
As linhas seguintes são citadas como alusão clara ao Sentido Cósmico -
o Upanishad deveria ser lido por inteiro:

Viveu certa vez Svetaketu Aruneya “ Que, vendo, eles podem ver e não
(o neto de A runa). D isse-lhe seu pai apreender e, ouvindo, podem ouvir e não
(Uddâlaka, filho de Aruna): “Svetaketu, compreender” [15:4.12] “Não duvido que
vá à escola, pois não há ninguém que interiores tenham seus interiores e exteriores
tenham seus exteriores e que a vista tenha outra
pertença à nossa raça, querido, que, não
vista e que a audição outra audição e a voz outra
ten d o estudado (os V edas), seja, por voz” [193: 342].
assim dizer, um Brâm ane som ente pelo
nascim ento” .

Tendo iniciado seu aprendizado com um mestre quando tinha doze anos de idade,
Svetaketu voltou a seu pai aos vinte e quatro, depois de ter estudado todos os Vedas,
pretensioso, considerando-se um homem culto e austero.
Seu pai lhe disse: “Svetaketu, como você é tão presunçoso, considerando-se tão
culto e tão austero; meu caro, você já pediu a instrução pela qual ouvimos aquilo que
não pode ser ouvido, pela qual percebemos aquilo que não pode ser percebido, pela
qual conhecemos aquilo que não pode ser conhecido?” [148: 92]

VIII

A este mesmo propósito, leia-se este versículo:


O mestre responde: E o ouvido do ouvido, a mente da mente, a fala da fala, o
alento do alento e o olho do olho. [149: 147]

Apenas mais uma passagem:


Esse (o E u interior*), embora nunca se agite, é mais rápido que o pensamento.
Os sentidos nunca o alcançaram, pois ele caminhava à sua frente. Em bora permaneça
parado, ultrapassa os outros que estão correndo. O espírito movente lhe outorga
poderes. Ele se agita e não se agita. Está
longe e ao m esm o tem po perto . E s t á , . “° sentido é um senso de que a Pessoa é 08
c , , . objetos, as coisas e as pessoas que percebe, bem
dentro de tudo isso e esta fora de tudo . . , . ....
como o universo inteiro . [62]
isso.

E aquele que contempla todos os seres no E u interior* e o Eu interior* em todos


os seres, nunca o abandona. Quando, para um homem que compreende, o E u interior*
tiver se tom ado todas as coisas, que pesar, que problema poderá haver para ele que
um a vez contemplou essa unidade? [150: 311]

IX

As razões específicas para crer que Gautama tenha sido um caso de


Consciência Cósmica são:

a. O caráter inicial de sua mente, que parece ter sido ardoroso, sério e elevado;
com efeito, o tipo de caráter que geralmente (sempre?) precede o advento
do Sentido Cósmico.

b. O caráter peremptório e súbito da mudança no homem, de incessante


aspiração e empenho para consecução e paz. “Uma vida religiosa é bem
ensinada por mim” (diz Gautama). “Uma vida instantânea, imediata”
[157:104], E consta ainda que Gautama ensinava “o instantâneo, o imedia­
to, a destruição do desejo, a libertação da angústia, como não há semelhan­
tes em parte alguma”. [157: 211]
* self, no original
c. A idade em que consta que é alcançada a iluminação - a idade típica para
o advento do Sentido Cósmico - trinta e cinco anos.

d. O ensinamento geral dos Suttas, que se diz ter vindo de Gautama,


ensinamento esse que sem dúvida procede de uma mente possuidora de
Consciência Cósmica.

e. A iluminação intelectual - a “visão interior sobrenatural” [157: 78] -


atribuída, e atribuída com justiça a Gautama e comprovada pelo
ensinamento acima citado - se este procede dele.

f. A elevação moral alcançada por Gautama, que nada senão a posse da


Consciência Cósmica pode explicar.

g. Gautama parece ter tido o senso da vida eterna próprio da Consciência


Cósmica. Supõe-se que o Mahavagga apresente com exatidão considerável
seu verdadeiro ensinamento a este respeito. [158: 11] [162: 208] Nele
encontramos estas palavras: “Aquele que não tem desejo algum, que está
conscientemente livre de dúvida e que alcançou a profundeza da
imortalidade, a esse chamo de Brâmane”. [157:114] É importante notar
que o teste não é uma crença ou certeza (por mais forte) quanto a uma
vida eterna futura. Para se tomar um Brâmane (para ter alcançado o
Nirvâna - a Consciência Cósmica), o homem deverá já ter adquirido a
vida etema.

h. O magnetismo pessoal exercido diretamente por ele sobre seus


contemporâneos e através de suas palavras sobre seus discípulos de todas
as épocas desde então.

i. Há uma tradição da mudança característica na aparência, conhecida como


“transfiguração”. Quando ele desceu “da montanha Mienmo, uma escada
de resplendentes diamantes, vista por todos, ajudou seu descida. Sua
aparência era ofuscante” [109: 63]. Descontando o exagero oriental, um
germe de verdade pode estar contido nessa tradição.

Ora, se Gautama tinha Consciência Cósmica e se, como parece quase


certo, ela se manifestou entre seus seguidores, geração após geração, desde
seu tempo até hoje, então ela deve ter um nome na copiosa literatura dos
budistas. Há de fato uma palavra usada por essa gente, de cuja significação
exata os estudiosos ocidentais têm sempre estado mais ou menos em dúvida;
mas se a ela atribuímos este significado, toda dificuldade parece terminar e
se percebe que as passagens em que essa palavra aparece ganham um sentido
claro e simples. A palavra a que nos referimos é Nirvâna.

Kinza M. Hirai diz [2: 263]: “O Nirvâna é interpretado pelas nações


ocidentais como a efetiva aniquilação da paixão humana ou do desejo humano;
mas isto é um erro. Nirvâna nada mais é que razão universal”.

Pode haver dúvida quanto a se o Sr. Hirai, por “razão universal”, entende
“Consciência Cósmica”, mas sua intenção ao usar a expressão é a mesma.
Se ele compreende ou se vier a compreender o que é Consciência Cósmica, é
certo que dirá que Nirvâna é um nome para ela.

XI

Para maior ilustração deste ponto, leia-se (como segue) parte de um


capítulo sobre Nirvâna, de autoria de uma excelente autoridade [73: 110],
que é Rhys Davids:

Podem-se encher páginas com o abismado e extático louvor, profusamente usado


nos escritos budistas, dessa condição mental, o Fruto da Quarta Senda, o estado de
um Arahat, de um homem que se tom ou perfeito segundo a fé budista. M as tudo o
que poderia ser dito pode ser incluído em uma frase fecunda - isso é Nirvâna.

Não há sofrimento para aquele que tenha terminado sua jornada e abandonado o
pesar, que se tenha libertado por todos os lados e lançado fora todos os grilhões.
Até os deuses invejam aquele cujos sentidos, como cavalos controlados por seu
condutor, foram dominados, aquele que está livre do orgulho e livre dos apetites.
A quele que cum pre com seu dever é (#1) «Aquele que ^ seu eSpírito, em qualquer
tolerante como a terra (*1), como o raio emergência, não acelera nem evita a
de In d ra; é com o um lago sem lam a; morte” [193: 291],
novos nascimentos não estão reservados
para ele. Seu pensam ento é sereno e “A terra, nem se retarda nem se apressa; não
serenas são sua palavra e sua ação quando retém, é bastante generosa; as verdades da terra
tenha obtido a liberdade por meio do esperam continuamente, não estão ocultas
verdadeiro conhecimento [131: 271. tampouco; são calmas, sutis, intransmissíveis
pela escrita”[193: 176],
A queles que por firmeza mental tenham se tornado isentos de m au desejo e
[sejam] bem treinados nos ensinamentos de Gautama; esses, tendo obtido o Fruto da
Quarta Senda e tendo imergido a si próprios naquela Ambrosia, receberam [prêmio?]
inestimável e estão no gozo de Nirvana. (*2) K arm a - ação ou atos da pessoa
Seu velho Karma (* 2 ) está exaurido, considerados como determinantes de seu
nenhum novo Karma está sendo produ­ destino após a morte e numa vida seguinte.
zido; seu coração está livre do anseio por
um a vida futura (*3); destruída a causa (*3) O homem que adquiriu o Sentido Cósmico
de sua existência e nenhum anelo nascen­ não deseja a vida eterna - ele a tem.
do em seu interior, esses, os sábios, são
ex tin to s com o esta lâm p ad a (R atan a (*4) Nir, “apagar”, vana, “soprando”, da raiz
Sutta). Conduz bem a si mesmo o mendi­ va, “soprar”, com o sufixo ana. Que
cante que conquistou [o pecado] por meio Nirvâna não pode significar extinção no sentido
da santidade, de cujos olhos o véu do erro de morte, está claro pela seguinte passagem: “E
logo ele atingiu a meta suprema do Nirvâna - a
foi removido, que é bem treinado na reli­
vida superior - em prol da qual os homens se
gião; e que, livre de anelo e qualificado
afastam de todo e qualquer proveito e conforto
no co n h ecim en to , te n h a alcançado o domésticos a fim de se tomarem peregrinos sem
Nirvâna (Sammaparibbajaniya Sutta). lar; sim, essa meta suprema ele passou a conhecer
Que é então Nirvâna, que significa sim­ por si próprio e continua a apreender e ver face
plesmente apagar soprando - extinção a face enquanto ainda neste mundo visível.
(*4) - sendo bem claro, pelo que já foi ”[163: 110].
dito, que não se pode tratar da extinção
da alma? Trata-se da extinção da pecaminosa, cobiçosa condição da mente e do
coração, que - se não è extinta —é a causa de renovada existência individual segundo
o grande mistério do Karma .

Essa extinção deve ser acarretada pelo crescimento da condição oposta de coração
e m ente e corre paralelamente a ele; está completa quando essa condição oposta é
alcançada. Nirvâna é portanto a mesma coisa que um estado sem pecado e calmo da
m ente e, se traduzida, talvez seja melhor interpretada como “ santidade”- isto é,
santidade, no sentido budista - paz perfeita, virtude e sabedoria.

Tentar traduções de termos tão fecundos é no entanto sempre perigoso, pois a


nova palavra - parte de um novo idioma que é produto de um espírito diferente de
pensam ento - embora possa denotar a mesma ou quase a m esm a idéia, em geral
evoca também outras, muito diferentes. E este o caso aqui; nossa palavra santidade
sugeriria muitas vezes a idéia de amor a um criador pessoal, de temor respeitoso na
sentida presença de tal criador - idéias estas inconsistentes com a santidade budista.
Por outro lado, Nirvâna indica as idéias
de energia intelectual (*5) e da cessação (*5) Necessariamente, se significa Consciência
da existência individual (*6), das quais Cósmica.
a primeira não é essencial à nossa idéia
(*6) Não tanto cessação quanto absorção da
de santidade e, a segunda, não guarda
existência individual na universal.
relação alguma com esta idéia.

Santidade e Nirvâna , em outras palavras, podem representar estados mentais


não muito diferentes; mas estes se devem a causas diferentes e terminam em resultados
diferentes; e, ao usar essas palavras, é impossível restringir o pensam ento à coisa
expressa de modo a não pensar também em sua origem e em seu efeito.
É melhor, portanto, manter a palavra Nirvâna como o nome do summum bonum
budista, que é um estado santo e bem -aventurado, um a condição m oral, um a
m odificação do caráter pessoal (*7); e
d ev em o s p e rm itir que a p alav ra nos (*7) Uma modificação da personalidade do
lem bre, com o o fez com os prim eiros homem.
b u d ista s, ta n to da S en d a q u e leva à
(*8) A perda do senso de pecado é uma das mais
ex tin ç ã o do pecad o (* 8 ), q u a n to da notáveis características do estado de
cessação da transferência do Karma que Consciência Cósmica.
a extinção do pecado trará. Que isto deva
ser o efeito do Nirvâna é evidente, pois o estado da m ente que em Nirvâna está
extinto (upadana klesa, trishna) é exatamente aquele que, segundo o grande mistério
do budismo, levará na morte à formação de um novo indivíduo, para o qual o Karma
do indivíduo dissolvido ou morto será transferido. Esse novo indivíduo consistiria
em certas qualidades ou tendências corporais e m entais enum eradas, conform e já
explicadas nos cinco Skandhas ou agregados. Um nome abrangente de todos os cinco
é upadi, uma palavra derivada (em alusão ao nome de sua causa, upadana ) de upada,
apreender, tanto com a mão, como com a
m ente (*9). Agora, quando um budista (*9) Em outras palavras, o desejo (não
importa do que) - desejo no abstrato - é
se tom ou um Arahat, quando ele alcançou
a base do pecado, do Karma e é aquilo de que o
o Nirvâna, o F ruto da Q uarta Senda, indivíduo deve se livrar. Mas desejo é inseparável
extinguiu upadana e klesa (*10), mas do estado autoconsciente e cessa somente com o
ainda está vivo; o upadi, o skandhas, seu advento do Sentido Cósmico.
corpo com todos os seus poderes - vale
(*10) Isto é, desejo e pecado.
dizer, o fruto de seu pecado anterior -
permanecem. E stes, entretanto, são im- (*11) Temos aqui o mesmo ponto de vista
permanentes; logo passarão (*11); nada adotado por Paulo - o demérito, o caráter
então restará para fazer nascer um novo essencialmente pecaminoso da carne. Para o
budista, Nirvâna (o Sentido Cósmico) é tudo;
conjunto de skandhas de um novo indi­
para Paulo, Cristo (o Sentido Cósmico) é tudo.
víduo; e o A rahat não mais estará vivo O corpo é nada ou menos que nada. Foi contra
ou existirá em qualquer sentido; ele terá esta visão muito natural (pois a glória do Sentido
alcançado Parinibbana, completa extin­ Cósmico destina-se a jogar em trevas profundas
ção, ou Nir-upana-sesa-Nibbana dhatu, todo o resto da vida) que Whitman se colocou
extinção tão com pleta que o upadi, os do começo ao fim. Ele viu, com olhos de um
verdadeiro vidente - com olhos de absoluta
cinco skandhas não mais sobreviverão -
sensatez e bom senso - que