Você está na página 1de 4

O entorno escolar como estratégia além da linha de trem que ligava o bairro ao centro da cidade, realizando o transporte dos

trabalhadores (LEMOS; FRANÇA, 1999).


de ensino de geografia Porém, no final da década de 80, com o grande número de ocupação irregular e uma
SEMINÁRIO DAS METRÓPOLES

SEMINÁRIO DAS METRÓPOLES


intensa pressão social, iniciou-se a construção dos Conjuntos Habitacionais em Itaquera
Márcia Cristina Urze Risette (LEMOS; FRANÇA, 1999).
graduanda - FFLCH/USP E é justamente, num desses cojuntos habitacionais que a escola que estudamos
marcia.risette@usp.br
está inserida. O Conjunto Habitacional José Bonifácio pertence a uma realidade social
caracterizada pela exclusão de equipamentos públicos de cultura e lazer e pela dificuldade
Profa. Dra. e Livre Docente Sônia Maria Vanzella Castellar - FE/USP
de acesso a esses tipos de equipamentos existentes na cidade. As imagens apresentadas a
smvc@usp.br
seguir podem dar uma idéia aproximada dessa realidade.

Resumo: O presente trabalho discorre sobre estratégias de ensino de Geografia


desenvolvidas a partir da Cartografia e do estudo do entorno escolar aplicadas
numa escola inserida num contexto de um Conjunto Habitacional situado no
Distrito de Itaquera na Zona Leste da cidade de São Paulo.
Palavras-chave: Ensino de Geografia, Cartografia Escolar, Cidade e Ensino de
Geografia.

Introdução
O trabalho que estamos apresentando refere-se ao projeto desenvolvido na linha
do programa Ensino Público com o apoio da FAPESP. O projeto denomina-se A escola do
possível e a partir dele foram desenvolvidas atividades com a professora de Geografia da Figura 1: O Conjunto Habitacional José Bonifácio Figura 2: A escola inserida no Conjunto
escola em que os alunos elaboraram mapas e textos a respeito do lugar onde a escola está (visão da frente da escola). Habitacional José Bonifácio
Autor: Márcia Risette, 2009. (visão da lateral da escola).
situada, que é também o lugar onde os alunos moram.
Autor: Márcia Risette, 2009.
Ao tratarmos do lugar da escola e da vida dos alunos é importante contextuali-
zar a realidade a qual eles pertencem. Trata-se portanto da Zona Leste da cidade de São
Paulo e, mais precisamente, do Conjunto Habitacional José Bonifácio, situado no distrito Segundo o Projeto Praça Celso Furtado, inserido no Plano de Gestão da Escola, a
de Itaquera. E para esclarecer a situação social em que a escola e os estudantes dela estão região em que a escola está inserida enfrenta um problema de inclusão deficitária, uma vez
inseridos, apresentamos uma breve contextualização histórica da ocupação desse distrito que, de acordo com o Atlas Ambiental do Município de São Paulo, ela é uma das regiões
da Zona Leste da cidade de São Paulo. com piores índices socioambientais no município, apresentando altas taxas de mortalidade
Itaquera tem registros históricos de meados do século XVII enquanto vilarejo infantil, alto crescimento populacional, mortalidade por causas externas, alto índice de
indígena. No entanto, no início da urbanização da cidade de São Paulo na década de 30, desmatamento e índices ruins no tocante à renda média, aos anos de estudo e à cobertura
Itaquera insere-se nesse processo fazendo parte do cinturão verde da cidade de São Paulo, vegetal (m²/habitante).
área agrícola que abastece a cidade. Mas, já na década de 70, com a industrialização da Tal constatação pode ser observada também a partir dos gráficos que apresentamos
cidade mais consolidada, Itaquera começa o seu processo de adensamento populacional a seguir elaborados a partir de questionários realizados com os pais dos alunos da escola
abrigando a população operária que encontrava ali terrenos mais baratos e mais acessíveis, e com os próprios alunos.

1 2
SEMINÁRIO DAS METRÓPOLES

SEMINÁRIO DAS METRÓPOLES


Figura 4: Lugares freqüentados pelos alunos com seus pais.
Autor: Sônia Castellar. Fonte: Relatório do Projeto Ensino Público: A escola do possível, FAPESP, 2009.

Figura 3: Escolaridade dos pais dos alunos.


Autor: Sônia Castellar. Fonte: Relatório do Projeto Ensino Público: A escola do possível, FAPESP, 2009. A partir da leitura desse gráfico observamos que os principais lugares de lazer dos
alunos são Shopping, Parque de Diversões (visitas promovidas muitas vezes por promoções
Tal gráfico nos permite observar o conflito existente dentro dos espaços da escola, oferecidas às escolas públicas da capital paulista) e casa de familiares, demonstrando a
pois mais de 30% dos pais dos alunos possuem Ensino Médio Completo e mais de 20% deles falta de hábito ou a dificuldade de acesso (seja pelo meio de transporte, seja pela questão
possuem Ensino Fundamental I incompleto e menos de 15% deles chegaram a ingressar financeira) aos centros de divulgação cultural.
(de forma completa ou incompleta) no ensino Superior. Assim, a escola é vista como centro de atividades sociais das crianças em que nela
Se entedermos que, geralmente, o nível escolar está associado ao poder aquisitivo estudam, pois os alunos não possuem muitas opções fora dela, além do estacionamento
na sociedade em que vivemos, podemos compreender que estamos lidando com indivíduos do prédio da COHAB, das casas dos amigos e dos familiares, das ruas, da Igreja, das lan
que pertencem as classes sociais de E à B, sendo que a maioria estão entre as classes D e B, houses existente nas redondezas e do shopping. Nesse sentido, a escola é que é o espaço
como afirma, inclusive, o Plano de Gestão da Escola elaborado em 2007. onde as crianças e os jovens, mesmo aqueles que não fazem parte do corpo discente da
Outro dado que deve ser considerado é a serventia de equipamentos públicos à escola, usam para se divertirem e para praticar esportes.
localidade. Há uma notável carência de equipamentos sociais no bairro. Itaquera possui
alguns equipamentos sociais como o Parque do Carmo (que possui um planetário), Igrejas, Desenvolvimento da temática
o Shopping metrô-Itaquera e o SESC Itaquera (que possui atrações de recreação, esportes,
cultura e lazer). No entanto, as crianças dessa escola não costumam freqüentar esses lu- Ao se discutir o Ensino de Geografia no âmbito acadêmico, durante as aulas de
gares nas horas de lazer, mesmo porque eles estão distante do Conjunto Habitacional José metodologia de ensino de Geografia na licenciatura, é comum se tratar da dificuldade de
Bonifácio. O gráfico abaixo (Figura 4) elaborado a partir de questionários relizados com ensinar e aprender Geografia, marcada inclusive pela memória individual de cada um
os alunos pode esclarecer esssa afirmação. dos alunos durante os seus percursos escolares – as famosas “decorebas” de Geografia –

3 4
formalizada pela Geografia tradicional persistente nas salas de aula ainda hoje na maioria Já no segundo momento propusemos o estudo de Itaquera, vale ressaltar que
das escolas brasileiras. tratamos de Itaquera a delimitação espacial do entorno escolar e do lugar de vivência dos
No entanto, ao se resgatar a história do percurso escolar do aluno encontramos estudantes como se pode observar na figura 5.
SEMINÁRIO DAS METRÓPOLES

SEMINÁRIO DAS METRÓPOLES


elementos que já foram pesquisados há muito tempo, mas que não são considerados na
hora do planejamento dos conteúdos escolares da geografia, pois o que se discute no
campo acadêmico não chega nas escolas em tempo razoável, não colocando a teoria em
prática o que, muitas vezes, acaba por transformar a teoria em algo muito distante do que
acontece na realidade.
A professora Lana Cavalcanti (2008) ao tratar sobre o contexto histórico do en-
sino de geografia no Brasil ressaltando o debate a respeito das práticas pedagógicas faz a
seguinte ressalva:

Não se pode, entretanto, deixar de assinalar que, apesar de já ter sido amplamente criticada
e teoricamente superada (como demonstra a grande quantidade de pesquisa a respeito), a
prática desse ensino continua quase inalterada, predominando até agora o ensino tradicional,
baseado na memorização de dados isolados, e ainda tendo como critério de avaliação da
aprendizagem dos alunos a sua capacidade de reproduzir os conteúdos apresentados, sem
questionamentos, sem muito espaço para a reelaboração, para a construção de conheci-
mentos novos, para a produção da autoniomia de pensamento geográfico. (CAVALCANTI,
2008:24).

O que demonstra que as as pesquisas realizadas sobre a Alfabetização e/ou o Letra-


mento Cartográfico, o Ensino de Geografia em espaços não-formais e informais, o Ensino
de Geografia como processo de formação cidadã, a formação do professor de geografia,
que contribuem com a atuação docente nas salas de aula na Educação do Ensino Básico e Figura 5: Mapeamento do bairro de Itaquera.
do Ensino Superior, acabam por quase não serem incorporadas na prática da sala de aula, Produzido por Márcia Risette, 2009. Imagem de satélite disponibilizada pelo software livre Google Earth.

porque geralmente os professores não conhecem o que se investiga sobre a escola.


E foi a partir dessas considerações que pensamos em propor atividades que uti- Pedimos para que trouxessem fotos antigas e atuais do bairro para compararmos
lizassem a Cartografia como metodologia de ensino de Geografia, de forma a propiciar o entre “antigamente” e “atualmente”, trabalhamos com a Carta do distrito de Itaquera (ao
conhecimento do espaço vivido e do entorno escolar pelos estudantes a partir dos conceitos pendurar essa Carta na sala de aula os alunos se levantaram para observá-la e rapidamente
e conteúdos geográficos. Tais atividades foram propostas e desenvolvidas juntamente com se amontoaram na frente dela) pedindo para eles traçarem o caminho da escola até alguma
a professora de Geografia da escola. localidade que eles escolhessem, usamos uma imagem de satélite do Conjunto José Bo-
Num primeiro momento decidimos identificar quais eram os conhecimentos de nifácio para que eles desenhassem os pontos de referência que eles consideravam como
geografia do alunos e propomos as seguintes atividades: elaboração do mapa mental, estudo principais, contamos oralmente a história de Itaquera para os alunos e pedimos para que
de mapas elaborados durante a Idade Média, identificação das informações padronizadas eles elaborassem um texto com as palavras deles a respeito de Itaquera.
que um mapa deve conter, localização do Continente Sul Americano no planeta Terra, os Nesse momento, observamos que a participação dos alunos aumentou signifi-
movimentos da Terra e as estações do ano e orientação geográfica. cativamente, inclusive os alunos considerados indisciplinados e os considerados como
Ao concluir essa primeira parte de atividades percebemos que não houve interesse “problemas da escola” envolveram-se com as atividades.
por grande parte dos alunos, pois muitos não fizeram as atividades e ocorreram muitas Ao considerar essas observações decidimos dar continuidade às ativdades apro-
cópias das respostas das atividades, demontrando desmotivação generalizada por parte fundando ainda mais o desenvolvimento das habilidades cartográficas e o conhecimento
dos estudantes. do lugar das relações cotidianas dos alunos do ponto de vista da Geografia.

5 6
Nessa perspectiva propusemos atividades como: retomamos a história de Itaquera Além disso, pudemos compreender que por mais que se tenha uma expectativa
e pedimos para que eles produzissem um outro texto inserindo as informações que eles de aprendizagem em relação à idade da criança cada aluno tem o seu tempo e esse tempo
tinham aprendido nas atividades realizadas anteriormente, pedimos para que contassem deve ser respeitado durante as atividades propostas na sala de aula.
SEMINÁRIO DAS METRÓPOLES

SEMINÁRIO DAS METRÓPOLES


como as mudanças que ocorreram em Itaquera modificaram o cotidiano deles e dos fami- Entendendo portanto, o papel fundamental do professor enquanto agente trans-
liares, falamos sobre a expansão da cidade de São Paulo e pedimos para que eles fizessem formador da sociedade, a medida que ao passar os conhecimentos que tem para seus
um mapa de Itaquera a partir do mapa da expansão da mancha urbana da cidade de São alunos eles dão a oportunidade desses expandirem sua consciência a respeito da realidade
Paulo, os alunos elaboraram o mapa da densidade demográfica de Itaquera a partir do em que vivem.
Contudo, pode–se apontar também que se o professor não tiver consciência do seu
mapa da densidade demográfica da cidade, elaboraram também um mapa com os tipos de
papel fundamental para a transformação do meio social em que está inserido, nenhuma
ocupação e as infra-estruturas existentes no entorno escolar, uma história em quadrinhos
prática científica será suficiente para revolucionar a prática pedagógica, aquela não passará
a respeito de um tema do bairro de Itaquera e finalizaram com um mapa mental do bairro.
de ações pontuais nesse meio.
Ao finalizar essas atividades notamos que os alunos aumentaram a partcipação e
A partir dessas considerações entende-se que a proposta de novas metodologias
o interesse pelas aulas de geografia, além de demonstrarem que a aprendizagem foi signi-
de ensino que proporcionem o aprendizado da criança é uma possibilidade de investigação
ficativa uma vez que eles passaram a compreender a realidade em que vivem a partir dos constante para o professor, uma vez que a partir ele pode descobrir qual a melhor forma
conhecimentos geográficos ensinados, além de apresentarem habilidades cartográficas de atingir e envolver os alunos para que os seus objetivos sejam alcançados.
superior as que eles tinham no início das atividades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Considerações finais
CASTELLAR, S. M. V. C.. Relatório Projeto Ensino Público: A Escola do Possível. São
Ao concluir esse trabalho percebeu-se que as concepções a respeito da Cartografia Paulo, FAPESP, 2009.
Escolar e da Cidade como projeto educativo são muito condizentes com a prática pedagógica CAVALCANTI, L. de S.. A Geografia Escolar e a Cidade: ensaios sobre o ensino de
e com o ensino de Geografia. Por possibilitar o desenvolvimento dos conceitos e conteúdos geografia para a vida cotidiana. Campinas, SP: Papirus, 2008.
de geografia, a apropriação do conhecimento do entorno pelos estudantes e o desenvolvi- ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA RUTH CABRAL TRONCARELLI. Plano de Ges-
mento das habilidades cognitivas relacionadas com as noções de espacialidade do aluno. tão Escolar. São Paulo: EEP Ruth Cabral Troncarelli, 2007.
Os estudantes aprenderam a construir uma legenda, entenderam quais são os
GOOGLE EARTH. Imagem de Satélite. Escala 1:475,5.
elementos e as características de um mapa, entenderam, mesmo que parcialmente, os pro-
LEMOS, A. I. G.; FRANÇA, M. C.. Itaquera: processo de inserção metropolitana –
cessos de ocupação e urbanização a partir da história do lugar onde vivem e da cidade a que
História dos Bairros de São Paulo. Volume: 24. São Paulo: Secretaria Municipal de Cul-
pertencem, a lógica de ocupação e de deslocamentos imposta cruelmente pala especulação tura e Departamento do Patrimônio Histórico, 1999.
imobiliária, o significado de densidade demográfica e o que são infra-estruturas urbanas.
PAGANELLI, T. I.. Para a construção do espaço geográfico na criança. In: ALMEIDA, R.
O aumento da partcipação dos alunos, inclusive dos alunos classificados como
D. de (org.). Cartografia Escolar. São Paulo: Contexto, 2007, p. 43-70.
“problema” e “indisciplinados” demonstra a necessidade urgente da mudança da prática pe-
dagógica do ensino de geografia e aponta que uma das estratégias é compreender o entorno
e a realidade dos estudantes como objeto de análise a ser discutido, refletido e debatido no
âmbito escolar propiciando a constatação empírica dos conceitos abordados teoricamente.
Corroborando assim com a Professora Tomoko Paganelli (2005:47) ao afirmar que:

as representações espaciais formam-se através da organização das ações, realizadas com


os objetos no espaço (...). Isso significa que a representação adulta do espaço resulta de
manipulações ativas sobre o meio social e não da “leitura” imediata desse meio, realizada
pelo aparelho perceptivo

7 8

Você também pode gostar