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entrevista

Luis Salvatore

Por um Brasil
solidário
“O Brasil é extremamente rico em todos os sentidos: riqueza
humana, fauna, flora e solidariedade”. Para o criador do
Instituto Brasil Solidário, para que todo esse potencial se
tranforme em desenvolvimento social, é preciso que cada um
deixe de esperar apenas dos governos e faça a sua parte
Por Camila Fróis
Fotos: Luis Salvatore

D
epois de percorrer regiões esquecidas A&A - Qual a motivação para a cria-
do interior do Brasil, fotografando os ção do Instituto?
diferentes cenários, pessoas e culturas L.S: A partir de uma inquietude acerca das
pelo caminho, Luis Salvatore resolveu ir diretrizes públicas para o desenvolvimento de
além do registro e fazer mais pelas comuni- nosso País, nossa história solidária começou
dades retratadas. Ao vivenciar a forte carên- na Expedição Trilha Brasil, nos anos de 1998
cia de recursos e informações em pequenas a 2000, quando fizemos um grande trabalho
cidades isoladas do País, se convenceu de fotográfico de resgate e convivência com co-
que podia ajudar na transformação de mui- munidades do interior do País (coberto pela
tas realidades. Por isso, criou um Instituto Aventura&Ação), em busca de origens, his-
voltado para o desenvolvimento de progra- tória e cultura nas regiões sudeste, norte e
mas sociais em comunidades carentes e com nordeste. Nessa oportunidade, conhecemos
baixo Índice de Desenvolvimento Humano um Brasil que tinha sede de se desenvolver,
(IDH) com a proposta de promover educa- porém sem acesso a recursos básicos como
ção, saúde, preservação do meio ambiente e educação e saúde, o que repercutia na auto-
inclusão social a partir da parceria com lide- estima muito baixa das lideranças locais. O
ranças locais. Ao todo, são dez anos de estra- Instituto Brasil Solidário nasceu justamente
da e muita história na bagagem, agora contada dessa vontade de ajudar essas pessoas, não de
em um livro de fotografias lançado este ano. uma maneira imediatista, mas sim de forma

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contínua, a partir do acompanhando de cada
passo desses personagens-chaves e dos traba-
lhos voltados para aquilo que eles diziam ser
necessário para alcançarem um desenvolvi-
mento local.
Em 2001,  junto a uma equipe na prova
Rally dos Sertões, surgiu a oportunidade
para uma grande ação social de montagem de
bibliotecas e entrega de material escolar para
escolas localizadas no   percurso da prova.
Com a divulgação desta ação, em 2002 já apa-
receram algumas empresas dispostas a inves-
tir nas ações e, em 2003, fomos contratados
oficialmente para desenvolver todo o trabalho
solidário do Rally. Nessa prova, conseguimos
agregar um trabalho de atendimento médico
e odontológico à comunidade. Deste modelo,
nasceu a base do nosso Programa de Desen-
volvimento Sustentável da Escola – PDSE -
e  inúmeros desdobramentos que se seguiram
nos anos seguintes com um crescimento signi-
ficativo das ações, patrocinadores importantes
e, principalmente, resultados verdadeiros de
transformação.
 
A&A - Qual a principal proposta da
ONG?
L.S: O desenvolvimento de programas sociais
diferenciados e integrados com cada realidade
local em comunidades desfavorecidas e com
baixo IDH, ou outros índices comparativos de
desenvolvimento social e educacional. Dessa
forma, os programas de continuidade bus-

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Wis augiam nulluta tueraese minciduisi.
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cam o crescimento gradual das comunidades


envolvidas, com ações paralelas e sustentáveis
em educação, saúde, preservação do meio
ambiente e inclusão social.

A&A - Quais as vivências mais fortes?


L.S: Acho que acompanhar o desdobramen-
to de um trabalho por anos e ver que realmen-
te é possível testemunhar a transformação
humana, independentemente das ações polí-
ticas, é algo incrível. Perceber que nossa força
de vontade e ideologia significam o apoio que
muitas pessoas precisam para se desenvolver
é algo muito marcante e transformador, que
faz valer a pena cada minuto, cada viagem e
cada sentimento.
 
A&A – Quais os cenários mais mar-
cantes?
L.S: O Brasil é um país incrível, porém, no
meu ponto de vista, pouco explorado por seus
habitantes. Temos uma faixa litorânea bem di-
versificada, uma região amazônica continental,
serras e chapadas ao sul e centro-oeste, mas
vejo que nem os moradores desses lugares va-
lorizam o que têm em seu redor, tampouco os
turistas que acabam visitando apenas um ou
dois pontos das regiões visitadas. Para conhe-
cer de fato cada “canto”, é necessário conhecer
as pessoas, as histórias, as dificuldades, as be-
lezas. Com esse propósito, pode-se encontrar
no sertão, nos rincões mais desconhecidos,
não só paisagens e cenários cinematográficos,
como também pessoas integradas com cada lu-
gar, que vivem ao “sabor do vento” e do tempo
quase que único do seu cotidiano e das suas
experiências de vida. Os cenários estão entre
os pontos e não necessariamente em cima de-
les. É preciso deixar-se levar sem barreiras e
preconceitos, porque as paisagens mais belas
podem estar ao seu lado, basta condicionar-se
para conseguir enxergar isso.
 
A&A - O que significa solidariedade?
L.S:  Entregar-se ao próximo sem querer nada
em troca, apenas valores subjetivos, como a fe-
licidade, o amor e o respeito. Creio que solida-
riedade é saber ouvir as pessoas sem nenhum
preconceito, tocá-las de verdade e fazer o que
está ao seu alcance para o bem delas.
 
A&A - Como conseguem aliar educa-
ção, cultura e meio ambiente em seus
projetos?
L.S: As comunidades são diversificadas, mas
têm como fragilidade comum a carência de
recursos materiais e humanos, assim como
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de conhecimentos educacionais, informações Wis augiam nulluta tueraese minciduisi.
ambientais e acesso aos serviços básicos de Nibh eros ad dolore

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Nessa oportunidade,
conhecemos um Brasil que
tinha sede de se desenvolver,
porém sem acesso a recursos
básicos como educação e
saúde, o que repercutia na
autoestima muito baixa das
lideranças locais
saúde. Como pontos fortes, existem a mobi-
lização popular e o amplo apoio dos gover-
nos municipais, a partir da convivência com a
equipe do IBS. A transformação da realidade
destes destinos se dá por meio de uma soma-
tória de trabalhos que potencializam aquilo
que melhor sabem fazer as pessoas atendidas,
ou seja, selecionamos interessados em diver-
sas áreas e os capacitamos em cada uma das
especialidades necessárias para a resolução
dos problemas locais.
De um modo geral, a parceria formada com
o poder municipal, empresas e escolas ofere-
ce boas oportunidades de trabalho aos profes-
sores e funcionários que participam das ofi-
cinas de capacitação incluídas no Programa.
Além disso, muitos alunos, quando usufruem
dos recursos oferecidos, como as oficinas e os
equipamentos eletrônicos disponibilizados às
escolas, alcançam uma posição no mercado
de trabalho. Outros despertam seus interesses
para atividades mais artísticas como teatro,
foto e vídeo, ou mesmo ações ambientais.
 
A&A - Como é a interação com as li-
deranças locais nas diferentes regi-
ões/localidades em que atuam?
L.S: Os projetos conduzidos pelo IBS visam
o desenvolvimento sustentável, em que o pú-
blico atendido é também agente da mudança,
sendo responsável pela continuidade das ações
em sua comunidade, pelo desenvolvimento
de novas ações e multiplicação de conceitos.
Há, para tanto, contato e suporte contínuo do
Instituto às comunidades e um programa para
integrar antigos beneficiários nas novas ações,
como profissionais da equipe principal. Cada
um é estimulado ao trabalho em sua área e os
melhores são acompanhados mais de perto,

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reconhecidos e premiados, além de poderem
Para conhecer de
Wis augiam nulluta
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ter projetos financiados por nós. Isso tudo Nibh eros ad dolore

fato cada “canto”, é


muda a concepção de responsabilidade para
com sua comunidade.

A&A - O que o estimula em suas via-


gens pelo Brasil? 
necessário conhecer as
L.S: As pessoas que conhecemos e ajudamos
são como membros da família. É como estar
pessoas, as histórias, as
distante de um parente que você gosta muito e
que uma hora ou outra você precisa ir revê-lo.
dificuldades, as belezas...
O fato de saber que ainda há muito a se fazer
e que estas experiências podem ser reaplica- identidade dentro de cada um e nem nossa
das a tanta gente é um fator motivacional que população valorize como é necessário tudo
nos estimula no dia a dia em São Paulo (onde o que temos. É preciso trabalhar este retrato
estamos sediados), sem dúvida a parte mais como uma pintura, pois o retrato se fixa e a
difícil do trabalho. O resto é consequência na- pintura se constrói aos poucos.
tural, cada viagem tem um resultado próprio  
dentro de mim, das imagens inesquecíveis A&A - O Brasil é considerado um país
que trago, das pessoas que encontramos e da em crescimento, mas não consegui-
minha equipe, que nunca “volta” a mesma, mos eliminar a miséria, o que está
contando os dias para a próxima expedição! errado na nossa maneira de crescer?
L.S: Acima de tudo, a forma política de ver
A&A - O que gera inquietação? as coisas prejudica bastante, ou seja, os plane-
L.S: Acho que ver tanto potencial de cresci- jamentos divididos de quatro em quatro anos
mento sem uma diretriz que consideraria mais nos estrangula nas raízes mais profundas e nos
certa, travada pela falta de recursos materiais faz gastar dinheiro público de forma absurda-
para trabalhar, e a falta de autoconfiança da mente ineficaz e repetida, além de contaminar
população. a mentalidade das pessoas. O sentimento de
  coletividade ainda é muito restrito. É preciso
A&A - Como você descreveria um re- se despertar para a questão da solidariedade,
trato do Brasil? que pressupõe crescer como um todo e não
L.S: Como uma grande árvore genealógica para se autopromover. Acho que o Brasil (e
com galhos preenchidos com diversos tipos o brasileiro), no geral, tem uma lição de casa
de populações, paisagens litorâneas diversas, histórica para melhorar, ultrapassar a lógica
serras, dunas, sertão, seca, tradições musicais, de apenas ver resultados a curto prazo, sem
matas, florestas, queimadas, futebol (rs)... tan- base e fundamento. É preciso baixar a ansie-
tos galhos que muitos não conseguem nem dade, fazer as coisas com calma, aprender a
ver os outros. O Brasil é um continente, tal- analisar os resultados, ouvir mais os proble-
vez por isso ainda não tenhamos de fato uma mas na raiz e não só os “doutores” do saber,

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ter mais transparência e, a longo prazo, apren-
der que não precisamos esperar dos outros,
pois cada um pode fazer a sua parte, mesmo
que aos poucos. Essa mudança de paradigma
se alcança com educação de um modo geral,
não somente educação na escola, mas em casa
e no dia a dia.
 
A&A - O que o País precisa pra alcan-
çar um desenvolvimento mais justo?
L.S: Acho que se conhecer um pouco mais
e perceber que somos uma nação capaz e
humanamente muito melhor do que outras.
Se cada um fizesse a sua parte seria um bom
começo. Não vamos entrar na questão da ad-
ministração pública, corrupção e uso abusivo
de verbas, porque seria uma longa conversa.
Basta dizer que dinheiro nós temos (e mui-
to), é preciso aplicá-lo de uma forma melhor
e mais consciente.
No que nos toca, a parceria com os governos
municipais tem mostrado a eficácia e o baixo
custo de muitas ações pertinentes aos progra-
mas do IBS, oferecendo soluções à falta de
recursos de muitas cidades, principalmente
na área da saúde e do meio ambiente. Como
exemplo, em Natal, capital do Rio Grande do
Norte, e em Iraquara, no recôncavo baiano,
criou-se uma lei influenciada por resultados
de ações do Programa no campo odontológico
em escolas dos municípios, além do programa
de hortas e viveiros que passou a ser uma das
metas em educação. Temos orgulho disso, ter
pouca verba, mas grandes resultados.

A&A - Como o turismo pode contribuir


para o desenvolvimento regional?
L.S: Acho que o brasileiro ainda é um pouco
viciado em visitar apenas lugares com infra-
estrutura completa. Ou seja, não está em nossa

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cultura, de um modo geral, viajar para lugares Por meio dela, pude viajar pelo País, conhecer
considerados mais inóspitos, seja por medo ou culturas, pessoas e mundos completamente dife-
insegurança. Acontece que estamos no país do rentes dos que eu havia visto antes. E, com isso,
turismo solidário. Fora dos grandes centros, en- abrir a mente para novos conhecimentos. Sim,
contramos casa, boa comida e amizades de uma a fotografia transforma uma pessoa. Me trans-
maneira fácil e segura. É preciso descobrir este formou.
outro lado do nosso turismo, das ricas paisagens Uso a fotografia essencialmente como ferramenta
e culturas associadas a muita hospitalidade em de trabalho a favor do próximo, de forma que ten-
destinos ainda não divulgados ou pouco explo- to em meus trabalhos transportar as pessoas para
rados. O turismo pode trazer desenvolvimento lugares bem distantes do país, voltando-se sempre
para estes lugares, mas é necessário um plano para a valorização do ser humano com sensibili-
que envolva diversos setores locais para que o dade e poesia nas imagens. No livro Caminhos
turista encontre um mínimo de infraestrutura, já de um Brasil Solidário, mostro um pouco do que
que nem sempre ele pode ser considerado um vi e deixo a sensação do que ainda está por vir.
“aventureiro”. Ele não é um livro comum, não possui apenas
Temos um exemplo no Jalapão/TO, onde finan- belas fotos, alguma poesia, e só. Ele é o resultado
ciamos um restaurante rural com fogão a lenha dos trabalhos do Instituto Brasil Solidário e pes-
na Vila Mumbuca, berço do capim-dourado. Os soal da minha visão sobre nosso País. De milha-
turistas chegavam ali atrás do capim-dourado, res de registros em imagens e histórias reais de
mas não tinham nenhuma opção de almoço. transformação social que ano a ano aumentam e
Por falta de visão empreendedora, a comuni- fazem o Brasil cada dia mais apaixonante.  Isso
dade local não se preocupava com isso, ape- porque atrás de cada imagem existe um sólido
nas com as vendas individuais dos artesanatos. projeto social e também porque cada foto traz
Agora, com o restaurante da Vila, são servidos consigo os ideais profundos e muita dedicação
pratos locais em fogão a lenha, com produtos ao próximo de pessoas comprometidas com o
comprados dos vizinhos e região. No meu pon- crescimento de seu País e, acima de tudo, com a
to de vista, já é um exemplo de desenvolvimento valorização do ser humano.
regional, impulsionado pelo turismo. O turismo  
pode mexer com toda a escala regional.
 
A&A - Qual a sensação de fotografar um
Brasil tão diverso e às vezes esquecido? livro
L.S: Como fotógrafo, aprendi a importância de
ter um olhar dirigido para coisas que normal- Não deixe de conhecer o
livro:
mente não chamam a atenção. E esse olhar é
Caminhos de um Brasil
que faz uma fotografia ficar mais ou menos bela. Solidário
Como prêmio pelo incansável esforço, eu digo $129,00
que devo à fotografia tudo o que consegui e res- À venda nas melhores
livrarias
salto isso em minhas aulas aos alunos das esco- Mais informações no site:
las que atendemos com o IBS. Através da foto- www.brasilsolidario.org.br
grafia, é que toda a história solidária começou.

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