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OS RACHAS DO PCB
O Partidão não ganhou este apelido por acaso. Foi, até o surgimento do PT, o maior partido de esquerda
do Brasil. Mas não só. Foi o partido que acolheu muitos filhotes que foram se desgarrando ao longo de
sua existência.
Os trotskistas foram responsáveis por um segundo racha importante no PCB: em 1938, Hermínio
Saccheta criou o Partido Socialista Revolucionário, de curta duração.
No Rio Grande do Sul, a dissidência gaúcha agrega-se à POLOP (ver próximo artigo desta série), de onde
surgiu também o POC (Partido Operário Comunista).
• A Ala Vermelha
• O PRC (Partido Revolucionário Comunista), partido de José Genoino após sua saída do PCdoB. A
formação do PRC em 1984 resultou da aglutinação de dissidentes do Partido Comunista do Brasil
(PCdoB), conhecidos como a esquerda do PCdoB, desligados do partido no final dos anos 1970 em
função de divergências quanto ao balanço da experiência da guerrilha do Araguaia. Atuaram tanto no PT,
quanto no PMDB. A este núcleo dissidente do PCdoB se juntaram militantes da APML e do MEP
(Movimento pela Emancipação do Proletariado). Fazia duras críticas ao stalinismo e ao trotskismo. Seus
principais expoentes foram Adelmo Genro Filho (irmão de Tarso Genro, que também integrava a
organização), Ozéas Duarte, Aldo Fornazieri e José Genoíno. Em 1985, o PRC caracterizou o PT como
uma frente de organizações hegemonizada por setores reformistas, mas com “possibilidades de evoluir
num sentido democrático radical”. O PRC elegeu Maria Luiza Fontenele prefeita de Fortaleza pelo PT em
1985 que, mais tarde, formou o Partido Revolucionário Operário (PRO), também atuante no PT. E em
1986 elegeu José Genoíno deputado federal constituinte pelo PT de São Paulo, que se destacou por sua
postura combativa. Com o fim da União Soviética, as divergências internas quanto à atualidade do
marxismo acabam resultando na sua dissolução (1989), gerando duas tendências internas do PT: a Nova
Esquerda (NE) e o Movimento por uma Tendência Marxista (MTM), que se converteu na Tendência
Marxista (TM).
Como se percebe, há situações-limite que provocaram dissidências. Quase todas são motivadas pelo
diagnóstico da formação social que tipificaria o país e, daí, a decorrente estratégia política do momento.
Se somos uma formação social híbrida, com resquícios feudais, então a tarefa política seria o
desenvolvimento das forças produtivas, as rupturas com o feudalismo atávico e, assim, o desabrochar das
relações capitalistas puras. A aliança nacionalista e desenvolvimentista ampla teria sentido. Mas, é
exatamente por aí que ocorrem as primeiras dissidências, numa primeira crítica mais pesada à
burocratização soviética e à política de alianças, aproximando a crítica ao trotskismo. O programa de
reformas democráticas e ocupação do Espaço que vai se configurando a partir do final dos anos 1950 leva
a um segundo movimento de dissidências em virtude da leitura sobre as necessárias rupturas com as
condições subumanas que amplos segmentos sociais estariam submetidos, principalmente na área rural,
mas também na incipiente indústria de bens de consumo durável. Finalmente, a leitura sobre o bloco
histórico que foi se formando como reação ultraconservadora (e, depois, como reacionarismo beligerante)
às lutas sociais que parecem inflamar o país no final da primeira metade da década de 1960. As
divergências que se formam se agudizam com o golpe militar e geram uma profunda cisão a partir de
1968, quando a linha dura assume o controle das ações de extermínio de qualquer possibilidade de
oposição concreta no país.
Há, portanto, uma linha que tem início com a caracterização social e econômica do país e que vai
costurando a estratégia de alianças (para lá de táticas) e relação com o Estado como demiurgo das
mudanças. A depender da leitura da URSS, este projeto pode ser mais conflitivo ou mais colaborativo.
Mas mantém esta linha de conduta.
A guerrilha, a cisão mais dramática (e que deixará marcas profundas no Partidão e em toda esquerda)
galvanizou todas críticas e debates relacionados com os vários pontos que alinhavavam a identidade
política do PCB.
Para muitas organizações que competiam com o Partidão, o golpe militar teria desvelado a via pacífica (e
as alianças históricas indicadas como necessárias) como ingenuidade. Moto contínuo, a instauração da
ditadura teria indicado que todas frações da classe dominante se enfeixavam numa mesma lógica violenta
e excludente o que abria a conclusão do fim do etapismo como fundamentado historicamente e a
necessidade de construção do poder revolucionário popular (ou operário). Obviamente que China e Cuba
foram adotados como ilustrações do “salto ao socialismo” e o fim das coalizões de classes.
Algumas organizações dissidentes procuraram organizar comitês de fábrica (como a POLOP), outras,
caminharam para o trabalho de organização de longa duração dos camponeses pobres (como no caso do
PCdoB) e outras tantas mergulharam no foquismo urbano.
Assim, em 1967, organiza-se em São Paulo o MIA (Movimento Intersindical Anti-arrocho), envolvendo
40 sindicatos. Em seguida, já no emblemático ano de 1968, ocorrem as greves de Osasco e Contagem,
que contaram com várias correntes de esquerda na sua preparação (como o agrupamento liderado por José
Ibrahim, que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e que se incorporou ao Movimento
Nacionalista Revolucionário). Nas greves de Osasco e Contagem, estavam presentes a Ação Popular, a
POLOP e o PCBR. Nas diretorias dos sindicatos de metalúrgicos havia militantes do PCB, PCBR e ALN.
Também se articulou o Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo (MOMSP), que combinou
ação pública com trabalho clandestino.
Com o endurecimento da perseguição política, a ação sindical foi se limitando ao trabalho clandestino e
muitos dirigentes se incorporaram à luta armada.
De 1969 a 1974 muitas dessas organizações estavam dizimadas pelas prisões, torturas, assassinatos e
exílio. Começa, a partir daí, o caminho de volta. Algumas organizações se aproximam do trabalho de
organização de base (em bairros operários ou em comunidades tradicionais rurais), muitas vezes
desenvolvido por organizações não governamentais ou pastorais sociais.
No item anterior, já foi mencionada a atração que o PT gerou em dissidências do PCdoB. O mesmo
ocorreu com ex-militantes da ALN e Ala Vermelha e dissidências que se fundem com várias outras (caso
do MCR).
A partir de 1989, contudo, o PCB, já desidratado pelas inúmeras cisões e críticas à esquerda em relação à
sua atuação durante os anos de chumbo, é profundamente impactado pela perda de identidade e redução
de sua influência em quase todos movimentos de massa, em especial, o sindical, mas também na sua
histórica relação com a vanguarda cultural.
A partir daí, uma nova dissidência, liderada por Roberto Freire, Rodolfo Konder, Jarbas de Holanda e
Alemão, forma-se a partir da defesa da socialdemocracia. Quase que simultaneamente, outra articulação,
envolvendo Oscar Niemeyer, Ziraldo, Horácio Macedo e Raimundo Jinkings, que mantinha fortes laços
com intelectuais e produtores culturais, defende arduamente a manutenção do ideário comunista.
O grupo liderado por Roberto Freire, majoritário dentro da cúpula partidária, organiza um congresso onde
não filiados puderam participar e decidir pela formação do PPS (Partido Popular Socialista), tendo como
referência o Partito Democratico della Sinistra (PDS) italiano.
O grupo liderado por Niemeyer retira-se desse congresso e decide pela manutenção do PCB, se
declarando revolucionário e classista.
O Partidão torna-se, após tantas defecções, crise dos seus vínculos internacionais e ideário, uma página da
história da esquerda brasileira. Contudo, se não possui mais presença significativa na direção concreta das
lutas políticas do país, continua viva como lógica política para muitas agremiações. Até mesmo para
grande parte da cúpula dirigente do PT.
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1. Algumas organizações que não tiveram sua origem no PCB (como é o caso da POLOP) se fundiram ou
geraram dissidências que mais tarde se fundiram com agrupamentos oriundos do PCB. A origem do MCR
(Movimento Comunista Revolucionário), em 1985, vem desta fusão múltipla, envolvendo a Ala
Vermelha; a Organização Comunista Democracia Proletária (OCDP), fundada em 1982 reunindo
remanescentes da Ação Popular Marxista Leninista (APML); e o Movimento pela Emancipação do
Proletariado (MEP), fundado em 1976 a partir da Fração Bolchevique da Organização de Combate
Marxista Leninista-Política Operária (OCML-Polop), surgida em 1970.
2. A aproximação e fusão da AP ao PCdoB foram lentas. Com o golpe militar, vários militantes da AP
entraram na clandestinidade ou se exilaram. Em 1966, a AP foi acusada por se envolver numa ação no
Aeroporto dos Guararapes, em Recife em que o Secretário de Governo de Pernambuco, Edson Régis de
Carvalho, e o almirante da reserva, Nelson Gomes Fernandes, morreram. Com a volta de alguns de seus
militantes da China, a AP passou a adotar a proletarização de seus membros, ou seja, o ingresso de
militantes nas fábricas e aproximação com agricultores pobres. Este expediente foi empregado por muitas
organizações de esquerda, na época. Também adotou o conceito de guerra popular prolongada de origem
maoísta. Suas novas orientações deram origem a uma dissidência que viria formar O PRT (Partido
Revolucionário dos Trabalhadores). Em 1971, nova dissidência: um bloco acabaria se incorporando ao
PCdoB e, um segundo, criaria a APML (Ação Popular Marxista-Leninista). A negociação da fusão com o
PCdoB foi tensa, sobrando acusação à AP sobre seu programa excessivamente trotskista. A APML foi
brutalmente reprimida pelo regime militar, a partir de então, levando à morte de vários de seus quadros,
como José Carlos da Mata Machado, Gildo Macedo Lacerda, Paulo Stuart Wright, Honestino Guimarães,
Humberto Câmara Neto, Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira e Eduardo Collier Filho.