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Aquele que chora:

- O que é isso em seu colo? – perguntou o homem.

- Uma das almas do massacre em Hoshgard...Por que? Era só uma aldeia de caçadores,
nada mais. – respondeu a mulher.

O silencio tomou conta do lugar, o velho homem caolho começou a andar, tocando as paredes
do local, quando parou estava frente a frente com a correnteza de almas, rio que levava os
mortos até Hel.

- São só humanos, Hella, desde quando ficou tão emotiva? – disse o homem
aumentando o tom de voz.

A mulher olhou para o homem, o encarou, seu olhar era um misto de medo e raiva, ela
segurou forte a alma em seus braços e disse:

- Se é só isso que veio fazer aqui, saia, não tenho assuntos com você, Odin.

- Só vim garantir que as almas que destruí vieram para cá. – Respondeu o homem.

Novamente o silencio, o homem olhava para as almas amontoadas em uma correnteza de


sofrimento enquanto desciam para o abismo, não escondia sua expressão de felicidade ao
reconhecer as almas daqueles que massacrou.

- Bom, acho que tudo está certo mais uma vez. Se ver Loki, diga que preciso conversar
com ele.

Então, em um piscar de olhos, o homem sumiu. A mulher que antes apertava a alma,
apreensiva, agora a contorna com seus braços com um toque leve, quase como um abraço
carinhoso de uma mãe.

- Deve ter sido um garoto corajoso em vida, pequenino. – Diz a mulher com um sorriso
em seu rosto. – Foi o único que não se assustou ao ver meu rosto.

Com uma de suas mãos a mulher tira seu capuz, de baixo dele se revela um rosto belo, sua
pele branca e olhos azuis são somente ofuscados por sua outra metade, pútrida e morta, como
a de um cadáver. A simples visão do rosto da jovem Deusa incomoda as almas que descem a
correnteza, elas ficam agitadas, quase como se quisessem descer mais rápido ao abismo, mas
a alma em seu colo permanece calma, serena, como uma criança olhando para sua mãe.

- Eu nunca tive um filho, e quando o fim chegar, ficarei aqui em Hel, acompanhada
somente pelas almas daqueles que se acovardam, mas você meu pequeno, você tem uma vida
pela frente, uma vida que foi tirada pelas mãos de um Deus e pelas mãos de um Deus será
devolvida.

A mulher estende sua mão moribunda em direção a alma, dela deixa cair uma gota de seu
sangue, então estende sua outra mão, e dela deixa cair um pedaço de sua alma, e por fim
aproxima seu rosto e dele uma lagrima escorre.

- Você vai ser aquilo que eu nunca tive, filho. E quando nascer no mundo humano, seu
choro ecoará sobre toda Midgard, e então subirá a arvore do mundo, ecoando por todos os
mundos, e aqueles que o ouvirem chorarão, e por fim, ele ecoará no coração dos Deuses, e
eles tremerão e temerão seu nascimento. Vá, viva, Ulquiorra.

A alma em suas mãos brilhou, mais forte que qualquer luz, e então desapareceu. Naquela
noite, um choro foi ouvido por toda Midgard.

Demônios:
Ela aparecia em meus sonhos, seus cabelos negros, sua pele clara e sua voz suave, ela era
encantadora.

- Ó pequeno, tenho tanto para te falar, venha até mim, Ulquiorra, venha até...

E antes que pudesse terminar a sentença eu acordava, sempre. Até onde? Até onde eu tinha
que ir? Quem era ela? Por que aquilo me instigava tanto? Eram tantas perguntas.

Meu dia era como o de qualquer outro morador da vila, acordava cedo para arar os campos,
pescava, comia, cantava na fogueira com os amigos, mas a noite as vozes ecoavam pela minha
cabeça, elas não cessavam, só quando fechava meus olhos e ia de encontro com aquela
mulher, só então eu tinha paz.

- Por que está aflito, pequeno? – Perguntou.

- As vozes, elas continuam em minha cabeça. Crianças, mulheres, homens, todos


lamentam, eu posso ouvir seu choro, posso sentir sua dor. Se já não estou louco, ficarei.

Não acreditei em nenhum momento que ela iria me responder, mas se as vozes, e se elas
estivessem ligadas com esse sonho? Que outra opção eu tinha afinal.

- Não fique assim, esse é o fardo que nós carregamos, sangue do meu sangue. –
Respondeu a mulher.

Mesmo distante, com um simples passo ela chegou até mim, seus braços me envolveram, eu
me senti em casa.

- Meu é o véu que separa nossos mundos, quando o sol se põe minha influencia sobre
o seu mundo se fortalece, por isso podemos conversar pequeno, por isso você os ouve, não só
ouve como também os sente, a correnteza de almas corre em suas veias como corre nas
minhas.

Suas palavras me assustavam, mas eu não me importava, sua voz me acalmava. Apertei forte
suas vestes, como uma criança que reencontra sua mãe depois de anos longe, apertei minha
cabeça sobre seu peito e chorei.

- Faz 17 anos, 17 anos que elas não param, eu aguentei sua dor, seu sofrimento, sua
angustia. 17 anos e por que? Por que só agora decide vir até mim? – Falei enquanto me
desmanchava em seus braços.

- Por que é tempo minha criança, o inicio do fim está próximo, e quando ele chegar eu
quero você aqui, comigo. Venha, venha até mim, Ulquiorra, venha até... – Fechei meus olhos,
achei que como das outras vezes o sonho acabaria ali e então eu acordaria, os abri
rapidamente quando ouvi sua voz novamente. - Hel.
Ela passou suas mãos em meu rosto, agora eu enxergava claramente sua face, metade viva
metade morta, mas aquilo não me assustava, ao contrário, me trazia alivio. Ela beijou meu
rosto e em questão de segundos, desapareceu, se dispersou no ar como poeira ao vento.

Acordei cedo aquela manhã, precisava arar as terras, pescar, mais um dia como qualquer
outro, mas um evento em particular me deixou feliz, nas águas claras do rio eu vi, a marca de
seus lábios em meu rosto.

Aquela noite eu deixei a vila, comecei minha jornada a procura daquela mulher, isso faz quase
4 anos. Em minha jornada aprendi a lutar, aprendi como o mundo afora pode ser cruel, e a
cada noite em que passei em claro eu aprendi a conviver com meu fardo, que pouco a pouco
me enlouquecia, que pouco a pouco me deixava mais próximo de meus demônios.

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