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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIME DA

COMARCA DE BARREIRAS/BA

Autos processuais n.: 0304487-68.2014.8.05.0022

JULIANO DILO DA SILVA E JANICLEIA VIEIRA DOS SANTOS, já devidamente


qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem, por intermédio da
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA, presentada pela defensora pública
subscritora, perante Vossa Excelência, oferecer suas

CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO

nos termos que passa a expor para ao final requerer.

Após o recebimento das contrarrazões, requer a remessa do feito ao Tribunal


de Justiça do Estado da Bahia.

Pede deferimento.

Barreiras, 19 de março de 2019.

PAULO MALAGUTTI

DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA


ORIGEM: 1ª Vara Criminal da Comarca de Barreiras/BA

AUTOS PROCESSUAIS N.: 0304487-68.2014.8.05.0022

RECORRENTE: Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA)

RECORRIDO: JULIANO DILO DA SILVA E JANICLEIA VIEIRA DOS SANTOS

Egrégio Tribunal,

Colenda Câmara,

Ínclitos Julgadores,

Douto Relator,

JULIANO DILO DA SILVA E JANICLEIA VIEIRA DOS SANTOS, já


devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem, por intermédio
da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA, presentada pela defensora
pública subscritora, perante Vossa Excelência, oferecer as

CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO

a partir dos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir expostos.

1. BREVE HISTÓRICO DOS FATOS.

Cuida-se de ação penal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO


ESTADO DA BAHIA contra JULIANO DILO DA SILVA e JANICLEIA VIEIRA DOS
SANTOS, acusando-os de tráfico de drogas e posse ilegal de munição de uso
restrito (pela capitulação ministerial: LD, art. 33, caput; ED, art. 16, caput).

De acordo com a versão da denúncia, teria sido apresentado na


delegacia, em data incerta, um vítima mostrando um indivíduo arrombando o
escritório da Fazenda Ipê (supostamente sediado em Barreiras/BA) e a subtração de
um notebook, e o autor desse fato teria sido identificado, após investigações, como
sendo TIAGO OLIVEIRA DE SOUZA, que supostamente apontara a denunciada
JANICLEIA VIEIRA DOS SANTOS como receptadora do computador portátil furtado,
e ela teria sido supostamente encontrada na frente da residência onde as drogas
mencionadas na denúncia, juntamente com o único projétil, foram encontradas e
apreendidas.

A denúncia se fez acompanhar do IP nº 270/2014, instaurado por APF,


constituindo os denunciados advogados e apresentando defesas preliminares (fls.
54/56 e 58/62).

A instrução iniciou em 4/3/2015, ocasião em que foi novamente


reforçada a prisão preventiva de JULIANO DILO DA SILVA (fls. 161/168), tendo se
encerrado em 25/5/2015, ocasião em que foi indeferido o pedido de revogação da
prisão preventiva de JULIANO DILO DA SILVA (fls. 226/233)..

Em 11/01/2016, o MP protocolou os memoriais das fls. 253/257, subscritos


em 10/12/2015, onde requereu a condenação dos recorridos como incursos nos arts.
33, caput, da LD, e 16 do ED, em concurso de pessoas e concurso material de
infrações.

Alegações finais dos recorridos apresentadas pela DPE às fls. 281/292,


alegando a nulidade de todas as provas, por supostamente derivadas de violação
domiciliar ilícita, a nulidade do exame preliminar de constatação, por ter sido
subscrito pelos policiais que efetuaram o flagrante e, no mérito, pela absolvição dos
dois recorridos quanto à imputação do crime do art. 16 do ED, por inexistência de
laudo pericial - ou subsidiariamente, por sua desclassificação para a figura do art. 12
do ED -, e pela absolvição de JULIANO DILO DA SILVA quanto a todas as acusações,
por inexistência de provas da autoria.

O Ministério Público do Estado da Bahia, inconformado com a sentença,


interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da decisão e pela
consequente condenação dos recorridos nas iras do tipo penal descrito na
denúncia.

No entanto, a sentença recorrida deve ser mantida, como se passa a


expor a seguir.
2. QUESTÃO PRELIMINAR

2.1. NULIDADE DA INSTRUÇÃO – DA VIOLAÇÃO DOMICILIAR ILÍCITA

O art. 240 do CPP disciplina a busca pessoal a ser efetuada pelas forças
policiais em cidadãos. O § 2º do dispositivo citado é explícito ao impor que a busca
pessoal só pode ser feita diante de fundada suspeita de que a pessoa carrega
consigo ou oculta objeto ilícito.

Ora, se a lei exige como requisito da busca pessoal a fundada suspeita, é


evidente que tal requisito deve ser declinado, pelo menos a posteriori, para fins de
convalidação da diligência policial.

Em que pese o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não tenha


precedentes a respeito, é certo que a orientação da Corte segue a linha aqui
exposta: a fundada suspeita deve ser declinada para fins de verificação da validade
da diligência. Neste sentido, há o verbete n. 11 da Súmula Vinculante1 e a tese de
Repercussão Geral n. 280, fixada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE)
603.616/RO (Plenário, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 10.05.2016).

Ou seja, a ratio decidendi extraída dos precedentes vinculantes


mencionados permite afirmar que: a busca pessoal exige a declinação, mesmo que
a posteriori, da fundada suspeita que a ensejou.

O conjunto probatório constante nos autos permite auferir que o ingresso


domiciliar resulta de conduta arbitrária da polícia militar. Inicialmente os acusados
sequer estavam em situação de flagrância, tampouco traziam consigo qualquer
objeto ilícito. Logo, não haviam fundadas razões de que dentro da residência
poderiam ser encontrados objetos ilícitos. Ademais, os policiais entraram de forma
irregular EM OUTRAS TRÊS CASAS, o que demonstra a desproporcionalidade da
atuação da Polícia.

Além disso, conforme narrado na síntese fática, as testemunhas ouvidas


em sede inquisitorial afirmam que o pai da recorrida teria permitido que os policiais
adentrassem em sua residência.

No entanto, o ingresso dos policiais na residência da recorrida é conduta


violadora da vedação à autoincriminação compulsória e, por consequência lógica,
configura-se abusiva. Isso porque foge ao senso comum que determinada pessoa
que possua ou pratique qualquer ato incriminador no interior de sua residência
permita o ingresso da polícia para a colheita de provas contra si própria.

Em razão da invasão domiciliar decorrer da violação a vedação à


autoincriminação compulsória, esta se figura como prova ilícita por derivação,
devido à aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada.

Ademais, diante do que se argumentou, verifica-se que o ingresso dos


policiais no domicílio de Janicleia violou a garantia constitucional prevista no art. 5º,
XI, da CR, com correspondência nos arts. 11.2 da CADH e 17.1 do PIDCP.

Em suma, o ingresso no domicílio da recorrida violou o devido processo


legal. Logo, por derivação, a prova encontrada, mesmo com a ajuda e presteza do
paciente, é inadmissível (arts. 5º, LVI, CR; 157, caput e § 1º, CPP).

Quanto à matéria, ressalta-se que a 6ª Turma do STJ no julgamento do


Recurso Especial (REsp) 1.574.681/RS com relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz
(DJe 30/05/2017) manifestou o seguinte posicionamento:

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE.


DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE.
ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO
PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE
DAS PROVAS OB- TIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE
ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO NÃO
PROVIDO.

O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental


relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia,
por determinação judicial".

2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do


direito à intimidade do indivíduo, o qual, na companhia de
seu grupo familiar espera ter o seu espaço de intimidade
preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias,
perpetradas sem os cuidados e os limites que a
excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional
exigem.

3. O ingresso regular de domicílio alheio depende, para sua


validade e regularidade, da existência de fundadas razões
(justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação
do direito fundamental em questão. É dizer, so- mente
quando o contexto fático anterior à invasão permitir a
conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da
residência é que se mostra possível sacrificar o direito à
inviolabilidade do domicílio.

4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão


geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado
judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia,
inclusive durante o período noturno – quando amparado
em fundadas razões, devidamente justificadas pelas
circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar
ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito
(RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe
8/10/2010) (...).

8. A ausência de justificativas e de elementos seguros a


legitimar a ação dos agentes públicos, diante da
discricionariedade policial na identificação de situações
suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode
fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à
inviolabilidade domiciliar (...).

11. Na hipótese sob exame, o acusado estava em local


supostamente conheci- do como ponto de venda de
drogas, quando, ao avistar a guarnição de policiais,
refugiou-se dentro de sua casa, sendo certo que, após
revista em seu domicílio, foram encontradas substâncias
entorpecentes (18 pedras de crack). Havia, consoante se
demonstrou, suspeitas vagas sobre eventual tráfico de
drogas perpetrado pelo réu, em razão, única e
exclusivamente, do local em que ele estava no momento em
que policiais militares realizavam patrulhamento de rotina e
em virtude de seu comportamento de correr para sua
residência, conduta que pode explicar-se por diversos
motivos, não necessariamente o de que o suspeito cometia,
no momento, ação caracterizadora de mercancia ilícita de
drogas.

12. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada


pelo recorrido, embora pudesse autorizar abordagem
policial, em via pública, para averiguação, não configura, por
si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio,
sem o consentimento do morador – que deve ser mínima e
seguramente comprovado – e sem determinação judicial.

13. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o


ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais
previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva
a usual afirmação – como ocorreu na espécie – de que o
morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a
busca domiciliar, máxime quando a diligência não é
acompanhada de qualquer preocupação em documentar e
tornar imune a dúvidas a voluntariedade do consentimento.

14. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não


havia elementos objetivos, seguros e racionais, que
justificassem a invasão de domicílio. Assim, como
decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada
(ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous
tree doctrine , de origem norte-americana), consagrada no
art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, é nula a
prova derivada de conduta ilícita – no caso, a apreensão,
após invasão desautorizada do domicílio do recorrido, de 18
pedras de crack –, pois evidente o nexo causal entre uma e
outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio
(permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas.

15. Recurso especial não provido, para manter a absolvição


do recorrido. (negritou-se, sublinhou-se, destacou-se).

Em caso análogo, no julgamento do REsp 1.558.004/RS, ocorrido em


20/04/2017, com relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, a 6ª Turma do STJ
sedimenta:

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE.


DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE.
ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO
PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE
DAS PROVAS OB- TIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE
ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO NÃO
PROVIDO (...).
3. O ingresso regular de domicílio alheio depende, para sua
validade e regularidade, da existência de fundadas razões
(justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação
do direito fundamental em questão. É dizer, somente
quando o contexto fático anterior à invasão permitir a
conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da
residência é que se mostra possível sacrificar o direito à
inviolabilidade do domicílio (...).

11. Na hipótese sob exame, o acusado estava em local


supostamente conheci- do como ponto de venda de
drogas, quando, ao avistar a guarnição de policiais,
refugiou-se dentro de sua casa, sendo certo que, após
revista em seu domicílio, foram encontradas substâncias
entorpecentes (18 pedras de crack). Havia, consoante se
demonstrou, suspeitas vagas sobre eventual tráfico de
drogas perpetrado pelo réu, em razão, única e
exclusivamente, do local em que ele estava no momento em
que policiais militares realizavam patrulhamento de rotina e
em virtude de seu comportamento de correr para sua
residência, conduta que pode explicar-se por diversos
motivos, não necessariamente o de que o suspeito cometia,
no momento, ação caracterizadora de mercancia ilícita de
drogas.

12. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada


pelo recorrido, embora pudesse autorizar abordagem
policial, em via pública, para averiguação, não configura, por
si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio,
sem o consentimento do morador – que deve ser mínima e
seguramente comprovado – e sem determinação judicial.

Ante a ausência de normatização que oriente e regule o


ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais
previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva
a usual afirmação – como ocorreu na espécie – de que o
morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a
busca domiciliar, máxime quando a diligência não é
acompanhada de qualquer preocupação em documentar e
tornar imune a dúvidas a voluntariedade do consentimento.

14. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não


havia elementos objetivos, seguros e racionais, que
justificassem a invasão de domicílio. Assim, como
decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada
(ou veneno- sa, visto que decorre da fruits of the poisonous
tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no
art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, é nula a
prova derivada de conduta ilícita – no caso, a apreensão,
após invasão desautorizada do domicílio do recorrido, de 18
pedras de crack –, pois eviden- te o nexo causal entre uma e
outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicí- lio
(permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas. 15.
Recurso especial não provido, para manter a absolvição do
recorrido. (negritou-se, sublinhou-se, des- tacou-se).

Pela exegese do entendimento exarado pela 6ª Turma do STJ nos recursos


especiais a- cima abordados, constata-se que a prova obtida com o ingresso dos
policiais no domicílio da recorrida é inadmissível, eivando-se de vício as delas
decorrentes em razão da aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada (art.
157, § 1º, CPP).

2.2. VEDAÇÃO À AUTOINCRIMINAÇÃO COMPULSÓRIA

Houve uma ilicitude patente no procedimento dos policiais ao adentrarem


na residência da recorrida para apreensão das supostas armas. Dizem os policiais
que o paciente permitiu que eles ingressassem em seu domicílio, onde o acusado
teria indicado o local onde se encontraria os rifles e as munições.

Lamentavelmente, é comum na praxe forense ler depoimentos de policiais


em que tal autorização é “dada” pelos alvos de suas ações. Por esses depoimentos,
pessoas que, em tese, estão cometendo crimes são as melhores colaboradoras do
sistema de justiça brasileiro, dada a docilidade com a qual renunciam às garantias
fundamentais mais básicas.

Não raro, construções linguísticas como “franqueou o ingresso em seu


domicílio”, “permitiu a entrada no imóvel”, “autorizou a busca domiciliar” ou ainda
“convidou os policiais a revistarem a sua residência” são utilizadas para convalidar o
suposto flagrante de crime permanente cometido dentro dos domicílios de pessoas
mais vulneráveis à seletividade do poder punitivo.

Assim, além de obter êxito completo em sua diligência, a responsabilidade


penal e administrativa por eventual excesso ou abuso é afastada. De outro lado,
atropelam-se as garantias fundamentais de suspeitos tudo em nome da eficiência
policial.

O pior é a vista grossa que se faz quanto a tais abusos. Ora, realmente se
acredita que os suspeitos permitiriam, de livre e espontânea vontade, o ingresso de
policiais em suas casas? E o mais chocante: realmente se acredita que os suspeitos
ainda apontariam docilmente aos policiais onde objetos ilícitos se encontram?

Não se esta aqui imputando má-fé aos policiais nem aos demais agentes
do sistema de justiça. Porém, analisando objetivamente a questão, no mínimo, é
possível afirmar que algo não ortodoxo aconteceu dentro da casa. Isto já é suficiente
para se questionar a validade do flagrante.

Por outro lado, NÃO HÁ DÚVIDAS de que os policiais militares violaram a


vedação à autoincriminação compulsória, direito fundamental previsto no art. 5º,
LXIII, da CR; 8.2, g, da CADH; e 14.3, g, do PIDCP.

Ora, é simplesmente inimaginável, impensável que uma pessoa que


guarda qualquer objeto ilícito dentro de sua casa iria prestar tal tipo de colaboração,
colocando-se assim em situação de patente vulnerabilidade frente ao poder
punitivo. Em suma, entre a possibilidade de ser considerado inocente e a de
responder pelos crimes tipificados no Estatuto do Desarmamento e na Lei de
Drogas, certamente a 1ª opção é a ser escolhida. Logo, quando depoimentos
policiais abordam tal docilidade de comportamento, é porque obviamente não se
respeitou a garantia da vedação à autoincriminação compulsória.

Afinal, o réu seria então um colaborador da justiça formidável, não


oferecendo risco algum à ordem pública e econômica, nem estaria se furtando à
aplicação da lei penal ou pretendendo prejudicar a instrução processual.

Em decorrência do que foi acima abordado, a prova obtida com o


ingresso dos policiais no domicílio da ré é inadmissível, na forma do art. 5º, LVI, da
CR. Também são inadmissíveis todas as provas dela derivadas, aplicando-se a teoria
dos frutos da árvore envenenada (art. 157, § 1º, CPP), sendo assim, agiu de forma
correta o juízo de piso ao proferir sentença absolutória.

3. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

3.1. NULIDADE DO EXAME PRELIMINAR DE CONSTATAÇÃO DA SUBSTÂNCIA


ENTORPECENTE

O art. 50, § 1º, da Lei 11.343/2006 prevê:


Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e
estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o
laudo de constatação da natureza e quantidade da droga,
firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa
idônea. (negritou-se, sublinhou-se, destacou-se)

Ou seja, o flagrante só é válido e a materialidade do crime só é


estabelecida a partir do laudo de constatação, firmado por perito oficial ou (na falta
deste), por pessoa idônea.

A lei não diz quem seria a pessoa idônea, de modo a trazer algumas
dificuldades interpretativas. Porém, no âmbito da análise dos conceitos jurídicos
indeterminados, pode o intérprete identificar as seguintes zonas: (i) Zona de Certeza
Positiva; (ii) Zona de Certeza Negativa; e (iii) Zona de Penumbra – incerteza.

A partir de tais considerações, é possível dizer que, quanto ao conceito de


“pessoa idônea” (expressão do art. 50, § 1º, da Lei 11.343/2006):

 Estão na zona de certeza positiva os químicos, engenheiros químicos,


farmacêuticos, técnicos superiores em química, biólogos, agrônomos, médicos
etc – tais profissionais podem ser considerados “pessoas idôneas”.

 Estão na zona de certeza negativa os magistrados, membros do Ministério


Público, defensores públicos, advogados, delegados de polícia, agentes policiais
entre muitos outros – tais profissionais não são “pessoas idôneas”.

Sendo assim, é correto afirmar que o laudo provisório de constatação de


substâncias entorpecentes não pode ser assinado por policiais militares. Muito
menos podem ser designados como “peritos ad-hoc” os policiais militares que
efetuaram o flagrante.

Sucede que em fl. 10 dos autos a autoridade policial que lavrou o auto de
prisão em flagrante nomeou os policiais ELPIDIO PEREIRA DE SOUZA NETO E
GUTEMBERG GUARABIRA DA ROCHA VAZ para realizarem o exame de constatação
prévia.

Ora, é mais do que óbvio que o laudo de constatação é nulo, pois como
explanado em linhas anteriores, policiais não podem ser considerados “pessoas
idôneas” para os fins do art. 50, § 1º, da Lei 11.343/2006. Assim, pode-se afirmar que,
para os fins de identificação da “pessoa idônea” indicada no art. 50, § 1º, da Lei
11.343/2006, policiais civis ou militares estão na zona de certeza negativa.

4. MÉRITO
4.1. DA INEXISTÊNCIA DE LAUDO PERICIAL DAS ARMAS DESCRITAS NA
DENÚNCIA: DA ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DO ART. 16 DO ED.

Em análise detida dos autos, constata-se que, em que pese o Ministério


Público ter apontado a existência de uma espingarda de pressão e de um
projétil .50, não consta nos autos laudo pericial do referido armamento.

O laudo pericial é de suma importância não só para aferição da


potencialidade lesiva da arma, mas também para que sejam analisados seus
detalhes técnicos, que permitirão classificar o armamento como de uso restrito ou
permitido nos moldes do Decreto 3665/2000 e, por consequência realizar a
subsunção do fato à norma, promovendo a classificação jurídica no art. 12 do ED,
caso o armamento seja de uso permitido, ou no art. 16 do mesmo diploma, caso
seja de uso restrito.

Desse modo, sem o laudo pericial resta prejudicada a própria prova de


materialidade do delito, uma vez que não se sabe de que tipo de arma de fogo se
tratava e se esta detinha potencialidade lesiva.

Logo, pugna este órgão defensorial pela manutenção da sentença retro,


na qual absolve os acusados das acusações concernentes aos crimes do art. 16 do
Estatuto do Desarmamento, com fundamento no art. 386, VII do CPP.

3. PREQUESTIONAMENTO

O recorrido prequestiona nesta oportunidade a aplicação de todas as


normas mencionadas nas presentes contrarrazões, considerando o eventual
interesse recursal perante as instâncias excepcionais.

Assim, destaca, para fins de prequestionamento, o devido processo legal, a


ampla defesa, o contraditório, a garantia da vedação à autoincriminação, em
especial os arts. 5º, LIV, LV, LXIII, da CF; 8.2, g, da CADH; e 14.3, g, do PIDCP; art. 386,
VII, do CPP.).

2. PEDIDO
Diante do exposto, requer seja negado provimento ao recurso de apelação
interposto pelo Ministério Público do Estado da Bahia, mantendo a sentença do

juízo de piso em sua totalidade.

Pede deferimento.

Barreiras, 19 de março de 2019.

PAULO MALAGUTTI

DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

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